A Sombra de Teseu

TESEU

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara ser justo com os deuses

Tenho também de matar Fedra,

Pois as palavras dela mentem

Tanto ou mais que as de Hipólito.

Lembro bem que ela exigiu

Que meu filho trouxesse provas

De que Teseu estava morto.

Mas dessa prova nunca falou

E só de palavras fabricou

A ciência da verdade.

 

CORO DE MULHERES

E Teseu tem agora poder

Para decidir por si mesmo?

Não basta ter morto seu filho,

Matará ainda a mulher?

E nesta decisão quem faz

O gesto final com as mãos,

Ele ou algum deus perverso?

 

CORIFEU

Só a verdade aqui decide!

A verdade do que é certo

É património de Dikê,

Honrada deusa da justiça.

 

CORO DE MULHERES

Uma deusa é uma deusa!

Sempre há-de fazer de nós

Aquilo que bem ela quer!

Se é Fedra que é culpada,

Também agora será Teseu!

Inocente só Hipólito.

E o coitado está morto.

 

(Teseu entra nos aposentos de Fedra)

 

QUINTO EPISÓDIO

TESEU

Podes dizer-me, Fedra, qual foi a prova da minha morte, que Hipólito trouxe à tua exigência, aquando da sua chegada, que não perfaz ainda uma volta do sol à Terra?

FEDRA

Que dizes, meu amado? (surpresa e amável)

TESEU

Pergunto-te pela prova exigida, onde está essa prova?

 

FEDRA

De que prova falas, meu marido?

 

TESEU

Aquela que exigiste como comprovação da minha morte e que levaria Hipólito à tua alcova.

 

FEDRA

Dei à minha criada para destruir, Teseu.

 

TESEU

Mas viste, antes de lhe dares a prova para destruir. Que prova era essa?

 

FEDRA

Era uma das tuas sandálias, Teseu! Pelo menos pareciam. Ele mesmo se esforçou por mostrar isso mesmo, que era uma das tuas. Disse tê-la encontrado junto a um corpo em decomposição, impossível de identificar, que ele mesmo, com seu criado, enterrou. A sandália tinha aquela marca junto ao calcanhar, que tu sempre fazias, sempre fazes, logo que o artificie tas entrega.

 

TESEU (gritando para fora dos aposentos)

Guardas! Guardas!

 

FEDRA (assustada)

Que foi, meu marido?

 

TESEU

Nada com que tenhas de te preocupar, Fedra.

 

(entra o chefe dos guardas, com mais dois atrás dele)

 

CHEFE DOS GUARDAS

Que deseja destes seus servos, meu rei?

 

TESEU

Ide buscar imediatamente a criada de Fedra e tragam-na aqui!

 

FEDRA

Para que queres a minha criada aqui? Não confias nas palavras que te digo?

 

TESEU

Tenho o dever de escutar todos os envolvidos nesta trama. Meu filho, meu único filho jaz morto neste palácio, devido a esta trama. Para não enlouquecer completamente tenho o dever e a obrigação, para com ele, para comigo e para com a Hélade, de escutar a tua criada. Espero que entendas, Fedra!

 

FEDRA

Compreendo, meu amor. Mas que pode uma criada dizer?

 

(entra a criada)

 

CRIADA

Vós mandaste-me chamar?

 

TESEU

Eu mandei, mulher! Quero fazer-te umas perguntas.

 

(ao ver a criada tentando encontrar os olhos de Fedra, diz)

 

TESEU

Olha para mim, mulher! Para mim! Antes de me responderes, é como se Fedra estivesse morta, não existisse mais. Quando Hipólito chegou de Atenas, que objecto Fedra te entregou, para que lhe desses um fim eterno?

 

CRIADA (sem saber o que fazer, mas depois de algum desconfortável silêncio)

Não sei, senhor! Minha senhora deu-me algo, sim, mas embrulhado num pano, e não desembrulhei para ver do que se tratava. Ela disse-me apenas para me livrar disso, lhe dar um fim eterno.

 

TESEU

Queimaste o que Fedra te deu, foi?

 

CRIADA

Sim, meu senhor, dei-lhe um fim eterno!

 

TESEU

Estou a ver, mulher. Responde-me então a mais uma coisa. E isso foi antes ou depois da tua senhora se deitar com Hipólito? E não olhes para Fedra, se queres continuar viva!

 

CRIADA (muito atrapalhada e balbuciando)

Mas, mas… eu não sei nada sobre isso, senhor! Nunca soube de minha senhora ter-se deitado com Hipólito…

 

TESEU

Nunca deste conta sequer de que Hipólito se insinuasse a Fedra ou mesmo a tenha tentado seduzir?

 

CRIADA (atrapalhada, mas após um curto silêncio, desenvolta)

Meu senhor, é possível que isso tenha acontecido, sim. Fedra continua uma bela mulher. E, Hipólito, pensado talvez que o senhor tivesse morrido… Não sei, pode ter afectado a cabeça dele.

TESEU

Já escutei o que precisava escutar, mulher. Podes ir embora. Sai!

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