As consequências do Motim 1-2-3

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] debate em torno das questões das diferentes áreas de governação, que se prolongou por vários dias, está finalmente concluído. Para além das sessões de interpelação oral, todo este processo assemelhou-se mais a uma conferência de imprensa do que outra coisa. Com esta sessão foram encerrados os debates da 5ª Assembleia Legislativa.  Mas é possível que em 2017 venhamos a ouvir o mesmo grupo de deputados na Assembleia, porque a “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau”, ainda em revisão, dificilmente poderá deter a corrupção eleitoral. Os ricos e poderosos continuam a desfrutar de absoluta vantagem no processo eleitoral. As provisões recentemente introduzidas na “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau” vêm reforçar o controlo da liberdade de expressão, o que evidentemente coloca em desvantagem as novas gerações da oposição. No entanto, estas novas disposições não foram contestadas por nenhuma das bancadas do hemiciclo. Há alguns dias atrás fui com alguns membros da Associação de Novo Macau à Assembleia entregar um manifesto de objecção às novas adendas, mais especificamente no que diz respeito à alínea em que se diz que “os candidatos à Assembleia Legislativa devem declarar o seu apoio à Lei Básica e demonstrar a sua lealdade à Região Administrativa Especial”. A nossa acção destinou-se a chamar a atenção do público para a crescente redução de liberdades. Embora sabendo que será muito difícil que o Governo venha a retirar estas adendas, acreditamos que é necessário ter a coragem de lutar contra as “impossibilidades” e que essa deve ser a atitude de todos os combatentes pela democracia. No fundo é pôr em acção as palavras do famoso filósofo chinês Hu Shih (1891-1962), “Antes morrer por falar do que viver em silêncio”.

O que está a acontecer actualmente em Macau está directamente relacionado com os incidentes do “Motim 1-2-3”. Quando estes episódios terminaram, há 50 anos atrás, Macau tornou-se um local onde só passaram a ter lugar na política pessoas com um certo tipo de pensamento. A grande centralização do poder e a monopolização da informação impediram a transformação da estrutura social. A RAEM queixa-se frequentemente de falta quadros qualificados. Mas a razão para que isso suceda prende-se com o facto de muita gente ser excluída das posições de decisão e portanto haver pouco por onde escolher.

Para assinalar o 50º aniversário do “Motim 1-2-3”, diversas organizações realizaram em conjunto três eventos nos dias 3 e 4 de Dezembro. Os meios de comunicação social chineses deram pouco ou nenhum destaque aos acontecimentos. No entanto perguntamos o que levará o “campo patriótico” a evitar conotações com o “Motim 1-2-3”? Será certamente o carácter político do “Motim 1-2-3”!

Alguns dos intervenientes que falaram nestes eventos comemorativos pensavam que esta revolta não tinha sido encorajada pela Revolução Cultural. Mas é inegável que se não fosse a movimentação decorrente da Revolução Cultural, o conflito despoletado pela construção da escola na Taipa não se teria transformado numa luta de grandes dimensões. Claro que quando grupos de manifestantes empunhando o livrinho de “Citações do Presidente Mao Tsé Tung” se dirigiram ao Palácio do Governador, tornou-se inevitável que os protestos se tivessem transformado em confrontos.

Antes de 1966 Macau era um local muito agradável para se estar no mês de Outubro. No dia 1 tínhamos as comemorações do Dia Nacional da China. Logo a seguir, no dia 5, comemorava-se a Implantação da República Portuguesa. Dia 10, eram as comemorações do Dia Nacional da República da China (Taiwan). Salvas de artilharia faziam-se ouvir e a cidade ornamentava-se de bandeiras patrióticas. Mas depois do “Motim 1-2-3” de 1966, as forças do Kuomintang (Partido Nacionalista) foram retiradas de Macau e a influência da Igreja Católica diminuiu. Aos poucos, Macau foi ficando sob a influência de frentes políticas que utilizavam nas suas manobras slogans como “amor à Pátria, amor a Macau”. Após o regresso de Macau à soberania chinesa, em 1999, estas frentes tornaram-se o reflexo do próprio Governo de Macau.   

Uma sociedade deve ser um fórum de troca e debate de diferentes pontos de vista. Quando as pessoas vivem em locais onde não devem fazer análises nem ter um pensamento independente, acabam por ficar semelhantes a robots. A História não se repete! As consequências do “Motim 1-2-3” fizeram-se sentir e os macaenses transformaram-se em actores secundários na cena política. Quando numa sociedade não existe pluralismo de pensamento não pode existir diversidade de desenvolvimento. Para mitigar todos estes factores negativos, podemos encarar as eleições do próximo ano como um ponto de viragem.  Mas isso vai depender dos eleitores e de haver ou não vontade para exigir reformas radicais.

9 Dez 2016

Teresa Correia: “Tenho muitas saudades do meu Macau antigo”

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]isou pela primeira vez o território em 1983 e trazia uma missão: organizar, juntamente com outros colegas, o sistema de conservatórias de Macau. Quando Teresa Correia, hoje reformada, foi convidada para vir para o sul da China, aceitou de imediato, quase como que por impulso. “Adelina Sá Carvalho, antiga secretária-adjunta, foi ter à nossa conservatória e pediu funcionários para vir organizar e montar todas as conservatórias em Macau. O meu chefe disse se estava interessada em ir para Macau e na altura estava farta de estar em Portugal, eram greves atrás de greves, já não podia mais com aquele ambiente. Disse logo: “ontem já era tarde”. O meu ex-marido também era funcionário da conservatória dos registos centrais e concordamos em vir com os miúdos.”

Aqui estava tudo no início: havia uma conservatória do registo predial, outra comercial e só uma do registo civil. Teresa Correia lembra com saudade os primeiros tempos em que, para fazer o trabalho, teve de andar com um dicionário de português-chinês na mão. “Foi um desafio, sem falar uma ponta de chinês, organizar todos os documentos necessários, andávamos com um dicionário na mão, à procura das coisas. Ao fim de um tempo dissemos que aquilo seria impossível, que tínhamos de ter um tradutor. O que nos valeu é que as pessoas de bastante idade falavam bem português.”

Tudo terminou em 1999, com a transição de Macau para a China, mas Teresa Correia já tinha criado laços em Macau. Não queria ir, tentou ficar, mas Rocha Vieira, à altura governador, não deixou. Em Portugal, a antiga funcionária pública voltou ao posto que tinha deixado, mas já nada era o mesmo: “não descansei enquanto não me reformei”.

“Macau já é a minha terra, e quando me fui embora nem queria acreditar, porque achei que ficava para sempre. Custou-me muito ir embora, fiz de tudo para cá ficar. Disseram-me erradamente que tinha de ir embora, mas afinal podia ter ficado, como todos os funcionários públicos portugueses.”

Falta de higiene

Teresa Correia acabou por voltar após a transição e é aqui que se sente em casa. Ainda assim, é do passado que tem saudades. “O meu Macau dos anos 80! Não tem nada a ver. Quando cheguei a Macau detestei, fiz uma ideia de uma coisa que não era.” A residente recorda um período em que não abundava a limpeza das ruas e a recolha do lixo não era algo permanente como é hoje.

“Tive amigas minhas que apanharam com sacos do lixo na cabeça. Os cheiros para mim foram o pior. Na zona de São Domingos tive quatro meses para conseguir entrar em algumas ruas. Fazia-se tudo na rua, a comida, a queima da pele do porco, a própria sujidade. Não havia higiene em Macau, não havia caixotes do lixo. Adorei tudo o resto. A Taipa era um descampado, não tinha prédios nenhuns. Coloane não tinha nada.”

À época, Teresa Correia sentia-se livre. “Era uma sensação de liberdade, de respirar, não digo ar puro, porque nunca houve. Respirava-se, e sentia-me completamente liberta. Aos poucos e poucos houve uma melhoria enorme na limpeza das ruas.”

Quase 17 anos passados desde a transferência de soberania, Teresa Correia vive no seu Macau, mas um território bem diferente daquele que conheceu a primeira vez.

“Tenho muitas saudades do meu Macau antigo. Também tenho muitas saudades das amizades que havia, do companheirismo.” E dá exemplos.

“Todos os meus colegas macaenses ficavam parvos comigo. Quando entrava num restaurante chinês, quando me sentava à mesa traziam-me sempre um prato com pão, ainda que não comessem pão, só arroz. Hoje já não fazem isso, não há essa preocupação. É disso que tenho saudades. Havia mais comunicações entre os chineses e nós, e hoje não noto tanto isso.” A comunidade portuguesa era bem diferente também. “Éramos muito unidos, e fizemos amizades cá. Havia uma união muito grande, o que não se sente hoje. É raro.”

9 Dez 2016

Ho Chio Meng | Tribunal recusa requerimento do ex-procurador

O presidente do Tribunal de Última Instância vai fazer parte do colectivo responsável por julgar Ho Chio Meng. O arguido tinha alegado que Sam Hou Fai estava impedido por ter participado noutras fases do processo. A justiça não lhe deu razão

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma derrota para a defesa de Ho Chio Meng, ainda antes de o julgamento ter início. Na passada sexta-feira, o antigo procurador da RAEM apresentou um requerimento junto do Tribunal de Última Instância (TUI) em que pedia para que o presidente deste tribunal, Sam Hou Fai, não fizesse parte do colectivo que vai julgá-lo.

O arguido fundamentava a pretensão com o facto de o presidente do TUI ter participado em duas fases processuais distintas. Na fase de inquérito, Sam Hou Fai autorizou o pedido do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) sobre o acesso às declarações de rendimentos de interesses patrimoniais depositadas na secretaria do TUI pertencentes a Ho Chio Meng e à sua mulher. Depois, Sam Hou Fai presidiu à audiência de julgamento sobre o pedido de ‘habeas corpus’ apresentado pelo ex-procurador.

O requerimento apresentado por Ho Chio Meng fez com que o julgamento, agendado para a passada segunda-feira, tivesse sido adiado. Ontem, o tribunal colectivo do TUI tomou uma decisão: o arguido não tem razão, pelo que Sam Hou Fai vai integrar o colectivo de juízes responsável pelo julgamento mais mediático depois do caso Ao Man Long.

Pequena jurisdição

Em comunicado à imprensa, o TUI recorda que a lei estabelece “mecanismos de impedimentos, escusas e recusas para os casos em que se verifica, entre o juiz e o processo concreto que cabe a este julgar, determinada relação especial passível de afectar o julgamento justo”. O tribunal explica ainda que há que determinar “não se o juiz se encontra realmente impedido de se comportar com imparcialidade, mas se existe perigo de a sua intervenção ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade”.

“Para considerar verificadas as situações de suspeita, é necessário existir motivos sérios e graves, adequados a suscitar a desconfiança da imparcialidade do juiz”, acrescenta-se.

O TUI explica que, no requerimento, Ho Chio Meng alegou que “o juiz visado se pronunciou por duas vezes sobre a sua conduta, considerando que se indicia fortemente/suficientemente a prática pelo arguido dos crimes”. Para o TUI, esta argumentação não é motivo para impedir a participação de Sam Hou Fai: “A pronúncia sobre a existência de fortes indícios sobre a prática do crime nunca é considerada pelo legislador como motivo de impedimento do juiz”.

O tribunal entende ainda que “numa jurisdição como a RAEM, com uma pequena população e um reduzido número de juízes, sempre seria de elementar bom senso não fazer uma interpretação demasiadamente extensiva das normas sobre impedimento de juízes, sob pena de, em muitas situações, não haver juízes que possam julgar os casos”.

O TUI informou, entretanto, que a audiência do processo está marcada para esta sexta-feira. O antigo responsável pelo Ministério Público (MP) vai acusado de mais de 1500 crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla, participação económica em negócio e crime de associação criminosa.

Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o CCAC ter recebido uma denúncia. Além do ex-procurador, o caso envolve duas antigas chefias do MP, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng.

Em causa está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do MP, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.

7 Dez 2016

Medicina Tradicional Chinesa | Pequim investe em nova política de saúde

 

O Governo Central publicou um livro branco a detalhar políticas e medidas de fomento da medicina tradicional chinesa, tornando-a estratégia nacional. O Conselho de Estado quer que as práticas desenvolvidas no país sejam o alicerce da nova política de saúde nacional

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] medicina tradicional chinesa (MTC) é uma das mais bem sucedidas exportações da nação, encontrando-se espalhada por todo o mundo, apesar de ser encarada como uma prática alternativa face à chamada medicina convencional do Ocidente. Desde 2012 que o Partido Comunista Chinês (PCC), no 18º Congresso Nacional, pretende implementar uma série de políticas e medidas de promoção da MTC.

Em 2015, durante a reunião do executivo, o Conselho de Estado aprovou o primeiro esboço legal de regulação da MTC e submeteu-a ao legislador para deliberação e aprovação. O objectivo foi criar um ambiente legal razoável para o desenvolvimento e regulação das práticas medicinais tradicionais.

Já este ano, o Comité Central do PCC e o Conselho de Estado lançaram um plano estratégico nacional de saúde de longo prazo (2016-2030), alicerçado em torno da MTC. A estratégia passa por dar igual relevo ao desenvolvimento da MTC e à medicina ocidental. Para tal, o Governo Central encoraja a interacção entre ambas as formas de medicina.

Dessa forma, serão dadas condições a médicos convencionais para aprenderem e incorporarem métodos da MTC nos tratamentos. Em contrapartida, nas escolas e universidades de medicina tradicional serão ministrados cursos de medicina moderna, em espírito de intercâmbio, de acordo com as directrizes do Governo Central.

O mesmo espírito de partilha ocorrerá ao nível hospitalar, sendo encorajada a abertura de centros dedicados a doenças específicas nos estabelecimentos de MTC. Na outra direcção acontecerá o mesmo, sendo encorajada a criação de departamentos de métodos tradicionais de saúde nos hospitais de medicina moderna. Esta medida pretende aliviar a pressão sobre as urgências hospitalares, assim como assumir uma posição profilática de controlo e prevenção de doenças infecciosas.

O culminar destes esforços chega agora com o livro branco, que pretende ser o plano de revitalização da MTC, que inicia uma nova era de desenvolvimento na área da saúde. O Governo Central tem como metas principais facultar a todos os cidadãos chineses o acesso a serviços básicos de saúde até 2020, e tornar universal o alcance da MTC a todas as áreas da saúde até 2030. Estes são os alicerces da grande reforma do sistema de saúde chinês. A expansão do alcance dos serviços prestados e o esforço para melhorar a gestão da área da saúde têm também uma forte componente comunitária, promete Pequim. Especialmente entre os idosos, turistas e trabalhadores, divulgando boas práticas de exercício e nutrição.

Outro dos objectivos do livro branco da MTC é dar cobertura legal à protecção de recursos naturais que se têm tornado escassos, e que são essenciais à farmacologia chinesa.

Os números da tradição

A MTC tem raízes ancestrais bem fundas na cultura chinesa, muito popular entre a população, tratando-se de uma questão cultural e filosófica. O livro branco lançado pelo Governo Central contabiliza o número de centros hospitalares que se dedicam aos métodos tradicionais. De acordo com o documento, espalhados tanto por zonas rurais como urbanas, em 2015 existiam 3966 hospitais de MTC, 42.528 clínicas e 452 mil especialistas do ramo.

Os dados estatísticos avançados estabelecem ainda um crescimento de 14,3 por cento para 15,7 por cento nos cuidados médicos tradicionais prestados na totalidade dos cuidados médicos prestados, durante o período de 2009 a 2015.

No que toca a despesas durante o ano de 2015, as consultas de MTC foram 11,5 por cento mais baratas que as consultas em medicina convencional. No que diz respeito a despesas per capita, os custos dos tratamentos tradicionais foram 24 por cento menos dispendiosos em relação à medicina moderna.

Até à data, foram aprovados cerca de 60 mil medicamentos de MTC, assim como 2088 empresas farmacêuticas creditadas para produzir patentes do ramo tradicional de acordo com a legislação que regula as boas práticas de produtos médicos.

A MTC é uma realidade intimamente ligada ao comércio, assim como acontece, de resto, com a medicina convencional. A indústria farmacêutica de MTC representa um mercado de 786,6 mil milhões de yuan, o que corresponde a 28,55 por cento da totalidade de toda a indústria farmacêutica chinesa. Esta fatia considerável é vista pelo Governo Central como uma nova fonte de crescimento da economia chinesa.

Alcance global

Apesar de se reconhecerem benefícios, principalmente à acupunctura, o consenso científico aponta para uma posição de complementaridade da MTC em relação à medicina convencional, e não de substituição. No entanto, pode ser uma solução viável no tratamento da ansiedade, depressão, enxaquecas e alergias.

A sua abordagem distinta da medicina ocidental continua a fascinar o Ocidente e a ganhar popularidade. De acordo com o Departamento de Informação do Conselho de Estado, as várias técnicas medicinais chinesas encontram-se em expansão um pouco por todo o mundo, sendo utilizadas em 183 países. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o uso da acupunctura e da moxabustão está implementado, e aprovado oficialmente em 103 países, sendo que em 18 países as mesmas técnicas são cobertas por seguros de saúde. É de realçar ainda que em 29 países foram aprovados estatutos especiais para a medicina tradicional. Apesar de assentar em técnicas ancestrais, esta é mais uma indústria chinesa em expansão no plano global.

 

 

 

 

História da medicina chinesa

Curiosamente, o advento da medicina tradicional chinesa anda de mãos dadas com a invenção de uma substância que provoca inúmeros problemas de saúde: o álcool. A descoberta deu-se durante a Dinastia Xia (2070-1600 A.C.). O passo seguinte foi a invenção da decocção ervanária, já na Dinastia Shang (1600-1046 A.C.). A evolução prosseguiu chegando-se às primeiras especializações médicas, dietistas, médicos, doutores de decocção e veterinários. Os avanços seguintes foram ao nível dos métodos de diagnóstico como o exame da tez, da língua, auscultação, exame do pulsação e historial clínico do paciente. Estas técnicas remontam a 500 anos A.C..

O enraizamento do budismo (0-200) trouxe a implementação dos primeiros hospitais, um passo marcante na evolução das políticas de saúde chinesas.

Outro passo marcante foi a criação do Instituto de Medicina Imperial durante a Dinastia Tang (618-917), que estabeleceu diferentes departamentos e especialistas para as áreas da acupunctura, moxabustão e farmacologia. Estes avanços puseram o nome de Sun Simiao na história da medicina tradicional chinesa.

Durante a Dinastia Ming (1368-1644), Li Shizhen escreveu o Compêndio de Matéria Médica, considerado até hoje uma obra-prima da herbologia, o primeiro livro que categoriza cientificamente as ervas medicinais. Este trabalho pioneiro resultou em avanços consideráveis na farmacologia da medicina tradicional chinesa.

7 Dez 2016

Sin Fong Garden | “Foi construído à pressa”, disse Raimundo do Rosário

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m dia depois de o Governo ter admitido que o início das obras de reconstrução do edifício Sin Fong Garden poderá demorar mais do que o previsto, devido à existência de processos em tribunal, o deputado Ho Ion Sang falou ontem no hemiciclo em nome dos moradores desalojados.

“Parecia existir um consenso quanto à renovação, existiam já condições para a reconstrução. Disse que, afinal, há dois casos em curso. Só depois dos resultados é que o problema pode ser resolvido. Depois de ouvirem esta notícia, os proprietários ficaram em choque, pois pensavam que, depois de quatro anos, as obras iriam começar. Quando podem ter início?”, questionou.

Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas, não conseguiu avançar uma data. “Acho que todos sabem porque é que não podemos avançar. Quanto à qualidade, umas semanas antes de tomar posse como secretário, disseram-me que havia muitos problemas, e porquê? Porque foi construído à pressa. No futuro vão existir menos problemas.”

7 Dez 2016

Lei de Terras | Secretário tem evitado autorizar prorrogações de obras

O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, garantiu que, nos casos dos terrenos cujo prazo de concessão está perto do fim, não tem autorizado o prolongamento da obra. Leonel Alves referiu que nunca se discutiu a imputabilidade do Governo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] revisão da Lei de Terras voltou a ser um assunto debatido no último dia de debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a área dos Transportes e Obras Públicas. Vários deputados exigiram a actuação do Governo e, após uma intervenção de Leonel Alves, Raimundo do Rosário admitiu que não tem aprovado o prolongamento de obras em terrenos cuja concessão poderá estar prestes a terminar.

“Já não sei o que dizer mais, mas há uma coisa que já faço agora. Quando vejo que o tempo até aos 25 anos não é suficiente para aproveitar o terreno, não tenho autorizado as prorrogações, para evitar as situações que todos conhecemos”, admitiu.

Leonel Alves abordou a questão para lembrar que, durante todo este período de reivindicações, nunca foi discutida a possibilidade da culpa do não aproveitamento do terreno ser do Governo. “Nunca foi discutida a questão da imputabilidade do Governo nos casos do não aproveitamento do terreno ao fim de 25 anos. O que está a acontecer neste momento é que não haverá sequer indemnização caso haja imputabilidade do Governo. Não foi discutido porque não pode haver confisco em Macau, porque é algo proibido pela nossa lei suprema, a Lei Básica. Confrontamo-nos neste momento com a extinção de direitos; o Governo diz que basta acabar os dias no calendário para retirar o terreno sem uma indemnização.”

O deputado referiu ainda que o Governo deveria ter embargado as obras em causa, tal como aconteceu com o prédio da Calçada do Gaio. “Macau precisa de proteger os direitos dos investidores e ter um ambiente bom para investir. Os bancos emprestaram o dinheiro, mas o Governo deveria ter suspendido a licença de construção. Não basta dizer às pessoas que vão ter problemas: se se antevê que o fim é trágico para todos, deveria ter sido suspensa a obra tal como foi feita com a obra na Calçada do Gaio, que está embargada há oito anos.”

Mais vozes

Gabriel Tong, deputado autor de um projecto de lei não aceite no hemiciclo que propunha uma nova interpretação do diploma, foi um dos primeiros a abordar a questão. “O secretário já foi director das Obras Públicas, já exerceu funções de deputado e espero que possa aproveitar a oportunidade, de acordo com a sua experiência profissional, para se chegar a um consenso social. Teremos de sacrificar os interesses fundamentais da sociedade para haver uma lei desta forma? Temos de actuar segundo a nossa consciência.”

Também o deputado Zheng Anting abordou a questão. “Espero que apoie a proposta de revisão da lei de terras. É melhor publicitar as gravações da Assembleia Legislativa para que a população saiba o que se passa. Ninguém me pediu para dizer isto, são palavras minhas, e tomei a iniciativa para que Macau não possa responsabilizar-se por estes casos. No meu mandato vou continuar a insistir para que estas pessoas tenham a sua casa”, rematou o deputado.


Construção urbana | Vistorias poderão ser obrigatórias

Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, confirmou que a proposta de lei de revisão do Regime Geral de Construção Urbana está quase concluída, estando prevista a implementação da obrigatoriedade de vistorias a edifícios após os primeiros dez anos de construção. “Já existe um projecto preliminar. Vamos prever a obrigatoriedade de uma vistoria de um edifício após a ocupação de dez anos. Um edifício é como um carro que é usado durante muitos anos, temos de ter cautela quanto a isso. Pretendemos simplificar o processo de notificação dos ocupantes ilegais de terrenos”, disse ainda.

7 Dez 2016

Metro ligeiro | Secretário garante utilização das carruagens já adquiridas

Os deputados questionaram se as carruagens já encomendadas à Mitsubishi poderão ser utilizadas quando o metro ligeiro entrar efectivamente em funcionamento, após 2019. Raimundo do Rosário confirmou e disse que, actualmente, só pode dar avanço ao que já foi decidido

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] certo que o segmento do metro ligeiro na Taipa só poderá entrar em funcionamento efectivo após 2019, devido à falta de experiência na gestão deste meio de transporte. Ainda assim, Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas, confirmou que as carruagens já adquiridas à japonesa Mitsubishi terão condições para circular, apesar dos atrasos nas obras.

“Assumi que há vários problemas, mas encomendámos e vamos usar as carruagens. O metro ligeiro é um problema muito complexo, já pagamos as 110 carruagens e estamos a pagar a sua manutenção”, adiantou.

Vários deputados mostraram-se preocupados com o facto de o segmento da Taipa só funcionar após 2019. “Disse que tem receios em relação à sua exploração. Podemos ter horizontes mais largos, nas zonas vizinhas vemos que o metro já é um meio de transporte amadurecido. Muitas pessoas preocupam-se com o facto de ter sido feita uma encomenda de carruagens em 2013. Será que só em 2020 vamos ter o metro? Será que as carruagens vão conseguir responder às necessidades?”, questionou Ho Ion Sang.

Já a deputada Song Pek Kei referiu que se o metro ligeiro é a entrada de uma refeição, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI) é o prato principal. “Todos os trabalhos que o GDI está a fazer têm que ver com a vida da população. Quais as medidas a lançar para garantir que as obras de infra-estruturas possam estar garantidas? De olhos fechados não vamos conseguir fazer bem as coisas.”

O memorando fantasma

A deputada Angela Leong usou da palavra para questionar o Governo quanto a um memorando de entendimento assinado com a Universidade de Macau (UM) na área de formação de pessoal para o metro ligeiro, mas Raimundo do Rosário garantiu nada saber sobre o assunto. “Nunca ouvir falar desse memorando, é de 2013 e nunca tive contacto com ele.”

Afinal existe e visa sobretudo a realização de estágios de Verão, confirmou o coordenador do GDI. “A colaboração é ao nível de formação, realização de seminários e conferências. Todos os anos no Verão há estudantes que fazem estágios para conhecerem mais sobre o metro ligeiro, durante o estágio ganham o gosto e interesse sobre essa área e depois do curso feito passaram a dedicar-se a esta área”, referiu Chau Vai Man. Numa carta enviada aos media, Angela Leong tinha pedido para, no âmbito deste memorando, serem formados locais para trabalhar na gestão do metro ligeiro.

 

 

Secretário pediu respeito ao hemiciclo

A meio do debate de ontem, Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas, pediu respeito por parte dos deputados. “Espero que me respeitem como secretário, e quando fazemos o debate aqui exijo respeito. Acho que há aqui uma falta de respeito, não estou aqui como Raimundo do Rosário mas como secretário para os Transportes e Obras Públicas.” No final do debate, Raimundo do Rosário afirmou que “não é Deus” e pediu tempo para resolver todos os problemas. “Quando tomei posse diziam que Macau tinha quatro problemas. Passados dois anos há pessoas que esqueceram esses quatro problemas. Não sou Deus para resolver tudo, mas dou a face aos problemas. Não fui eu que criei as preocupações, nasci num momento mau e é o meu destino, e parece que todos os problemas têm que ver comigo. O trabalho é muito e não há fim.” O secretário pediu ainda uma maior independência em relação ao Executivo. “Com dois anos de experiência sei que temos de mudar a nossa atitude. Não podemos estar sempre dependentes do Governo. Sobre a inspecção de edifícios, a população não pode estar totalmente dependente do Governo, se não nunca vamos ter recursos humanos suficientes.”

7 Dez 2016

PISA | Estudantes locais no top do ranking internacional

 

 

O relatório internacional de avaliação de desempenho dos alunos, divulgado ontem pela OCDE, coloca os estudantes do território nos lugares cimeiros. Com os alunos entre as 15 melhores posições nas três áreas de avaliação, Macau é ainda uma das cinco regiões com os níveis mais altos de equidade nos resultados

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s alunos de Macau conseguiram ficar entre os 15 melhores lugares no ranking das classificações médias em literacia científica, matemática e literatura no Programme for International Student Assessment (PISA, na sigla inglesa). Os resultados referentes aos testes de 2015 do programa de avaliação internacional promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) foram ontem divulgados pelos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), em simultâneo com o anúncio mundial que ocorria às 11 da manhã em Paris.

Os alunos de Macau ficaram em 12.° lugar no que respeita a competências de leitura, com 509 pontos, em 6.° lugar na literacia científica, com 529 pontos, e em 3.° lugar na literacia matemática, com 544 pontos.

O teste do PISA teve lugar em todas as escolas do território e avaliou o desempenho de 4476 alunos que, no ano passado, tinham 15 anos. “Os alunos nascidos em 1999 fizeram o teste em Maio de 2015. A avaliação ocorreu em 45 escolas de Macau e abrangeu o ensino das escolas chinesas, inglesas e portuguesa”, disse a responsável máxima pela DSEJ, Leong Lai. Em Macau, a realização da avaliação ficou a cargo da Universidade de Macau (UM) que também fez a primeira interpretação e análise de resultados.

Segundo Cheung Kwok Cheung, administrador do projecto nacional do PISA de Macau e investigador na UM, os dados agora conhecidos revelam que, “comparativamente com o teste do PISA em 2006, a literacia científica teve um aumento estável em que mais de 90 por cento dos alunos locais foram aprovados”.

Já na matemática, os alunos de Macau obtiveram o melhor resultado entre todos os ciclos anteriores em que participaram. Registou-se uma subida significativa da percentagem de alunos nos níveis médio e superior, bem como na literacia em leitura, em que as melhorias foram registadas “de forma contínua”. Simultaneamente, os alunos com baixo desempenho diminuíram.

Meninas à frente

Da análise do relatório, Cheung Kwok Cheung destacou ainda o facto de os estudantes de sexo feminino terem apresentado, nas três áreas de avaliação, médias superiores aos do sexo masculino.

Macau é ainda, de entre os 72 países e regiões participantes na avaliação, a região que menos associa a variação dos resultados ao estatuto socioeconómico e cultural das famílias o que mostra que, “de acordo com o relatório da OCDE, o Canadá, a Dinamarca, a Estónia, Hong Kong e Macau são os cinco países e regiões que apresentam uma educação de alta qualidade e justa”.

Apesar de os resultados mostrarem Singapura no primeiro lugar do pódio em todas as áreas de avaliação, em Macau, bem como nos restantes quatro países e regiões, os resultados não são condicionados pelo estatuto socioeconómico dos alunos, o que faz com que “não se registem diferenças de resultados baseadas neste factor e que a região esteja apontada como tendo “altos níveis de equidade”.

De entre as escolhas profissionais que os alunos de Macau projectam para o futuro, as carreiras científicas, não obstante o aumento do desempenho feminino, continuam a ser as mais antevistas pelos rapazes. Já as raparigas preferem carreiras ligadas aos cuidados de saúde.

7 Dez 2016

Livro | Obra de Luís Cunha analisa tecno-nacionalismo da China

Pequim coopera, mas Pequim compete. A China tem tentado recuperar os anos perdidos e afirmar-se como uma potência também ao nível tecnológico. O facto deu um livro, apresentado em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]uís Cunha, investigador, há muito que estuda a ascensão geopolítica da China. Já escreveu sobre a política externa de Pequim, a questão de Taiwan, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial. “Há um denominador comum a estes todos livros: a tentativa de reflexão sobre este processo de ascensão geopolítica da China”, explica ao HM.

“China’s Techno-Nationalism in the Global Era – Strategic Implications for Europe”, o livro que apresenta hoje no auditório do Consulado-Geral de Portugal em Macau, segue o mesmo alinhamento, ao ser “uma tentativa de despertar para a nova era” que o país atravessa.

O tecno-nacionalismo não é um palavrão que tenha sido inventado por Pequim. Mas quando se fala da China, há todo um contexto que faz com que tenha características próprias. “O tecno-nacionalismo já foi adoptado por outros países, noutras circunstâncias. No caso da China, é diferente”, sublinha o investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O passado mais distante

A diferença tem que ver, desde logo, com o passado particular do país: o nacionalismo reflecte o facto de “a China ter sido ocupada por várias potências estrangeiras ao longo da sua história”, explica Luís Cunha. “Todo este processo de desenvolvimento e de ascensão da China tem quer ver a procura de uma certa reposição de justiça histórica”.

Por outro lado, continua o investigador, “a China sempre foi muito frágil ao nível do desenvolvimento das ciências, da educação e da tecnologia”. Luís Cunha recorda que, durante muito tempo, as pessoas não tinham sequer consciência de que “a pólvora, a impressão e a bússola tinham sido invenções chinesas”. O confucionismo teve um peso neste quadro, ao fazer com que “a ciência não tivesse um desenvolvimento muito significativo”.

Mas o panorama mudou com o século XXI. “A China quer realmente dar o grande salto em frente na área tecnológica e está a fazê-lo, de uma forma fortíssima”, refere. O livro que é hoje apresentado, numa iniciativa do Instituto Internacional de Macau, destaca precisamente este desígnio chinês. “É uma nova página que se abre no desenvolvimento da China, com uma aposta muito forte na inovação,” com o patrocínio de Pequim.

A obra está centrada na cooperação entre a China e a Europa, e nem todos os exemplos são histórias com um final feliz, como é o caso do Galileu, um programa que a China abandonou para fazer um ao nível nacional. “Há uma forte cooperação, mas também uma grande competição entre as duas partes”, sintetiza. A apresentação da obra de Luís Cunha começa às 18h30.

7 Dez 2016

Lai Sio Kit, artista plástico: “Macau precisa de pessoas que gostem de arte”

Lai Sio Kit inaugura hoje “O tempo corre”, uma exposição que reúne cerca de 4500 pequenas peças. São em formato de azulejo e retratam a passagem do tempo nos painéis que, um dia, fizeram parte dos terraços de Macau. O artista falou ao HM do projecto, da opção por ficar em Macau depois da formação na Academia de Pequim e das portas que se abriram quando, em 2012, foi o vencedor do prémio de Artes Plásticas da Fundação Oriente

 

Como é que “O tempo corre” apareceu?

Comecei este tópico há alguns anos. É, acima de tudo, acerca da cidade de Macau vista de uma forma abstracta. A ideia veio dos azulejos que ainda se encontram em muitos dos terraços de Macau. Nestes espaços, temos o chão coberto por padrões, principalmente nos edifícios mais antigos. Já há cerca de cinco ou seis anos que exploro estes edifícios e os processos de envelhecimento que atravessam ao longo do tempo. Em especial, estou atento à degradação dos azulejos e às transformações que sofrem na cor e textura com a passagem do tempo e para esta exposição fiz painéis em grande escala.

Em que sentido este trabalho espelha a cidade de Macau?

Porque Macau é uma cidade que, além das transformações, conserva ainda espaços antigos e é aí que podemos encontrar a verdadeira cidade e os traços da sua história. Por exemplo, os azulejos, pequenos e quadrados, são parte da história de Macau. Os padrões que formam marcam épocas específicas do território. Mas a coisa mais importante que realmente quero mostrar, e que está logo no nome da exposição, é a passagem do tempo e como se reflecte no território. É com o tempo que desaparecem características e que aparecem outras.

O projecto é constituído por cerca de nove mil peças…

Eu fiz realmente nove mil mas, como não há espaço suficiente nestas paredes (da sala de exposições da Casa Garden) para todas, acabei por trazer para cá cerca de metade. A intenção é cobrir as paredes destas salas com os painéis de modo a transportar as pessoas para dentro de um outro espaço. Acabei por adaptar o que tinha feito às características do local e escolhi os painéis que mais se adaptariam aqui.

Demorou quanto tempo a produzir este projecto?

Mais de um ano. Usei placas e óleo. O óleo pareceu-me o meio mais adequado. Além de gostar especialmente de trabalhar com óleo, é uma técnica com características próprias, nos brilhos ou texturas, que vão ao encontro do que quero transmitir, nomeadamente da mudança de estados.

Ganhou o prémio de artes plásticas da Fundação Oriente em 2012. Em que é que isso contribuiu para que mais portas se abrissem enquanto artista?

Foi uma distinção que me permitiu sair de Macau e, mais concretamente, ir para a Europa. Fui para Lisboa onde encontrei outros artistas com quem pude trocar ideias. Aprendi muito com essa experiência.

Em que sentido?

Em Macau a vida é muito rápida. As pessoas andam sempre muito ocupadas e sem tempo para nada. Há uma espécie de stress no ar. Já em Portugal, tive uma experiência completamente diferente. As pessoas são mais relaxadas. Senti calma. Penso que essa forma de estar, a que senti em Portugal, é muito melhor para quem queira trabalhar a criar. Foi muito bom ter sentido isso.

Estudou na Academia de Belas Artes de Pequim, onde também fez o mestrado. Porquê o regresso a Macau e sair de um grande centro?

Porque os meus pais já são idosos. Estive oito anos em Pequim, e senti que tinha de vir para estar próximo deles e poder cuidar deles. Por outro lado, a arte pode ser feita em qualquer lugar. Outra vantagem de Macau é, precisamente, estar longe de um grande centro. Enquanto artista sinto que quando estamos um pouco mais afastados dos grandes centros ganhamos mais liberdade para criar. Aqui não preciso de me preocupar com a minha família porque estou perto dela e não tenho de me preocupar com tendências artísticas porque estou longe dos centros que as criam. Tenho muito mais liberdade.

Este projecto, que já vem de há algum tempo, vai continuar ou tem projectos novos?

Vou continuar com este. É uma ideia que pode ser sempre desenvolvida de formas diferentes. Mesmo no que toca a exposições, é muito versátil porque tratando-se de padrões e trabalhos acerca de padrões pode ser mudada consoante o espaço ou o contexto. Mas tenho outra ideia para começar a trabalhar. Ao longo dos últimos anos, e com as viagens que tenho feito, fui a muitas florestas. Por isso, depois desta ideia que aborda a cidade, quero abordar a floresta. Vou continuar a utilizar a pintura, mas quero explorar o que conseguir dentro dela. É pintura, mas não será só isso, será uma exploração do que é que a pintura pode ser.

Como é ser artista em Macau?

É muito difícil. Macau precisa de pessoas que gostem, se interessem e conheçam arte. As pessoas estão sempre demasiado ocupadas e não se preocupam com isso. Uma das grandes diferenças que encontro, comparando com a Europa, por exemplo, é que lá as pessoas, de alguma forma, têm sempre algum contacto com expressões artísticas e sabem sempre alguma coisa. Em Macau quando alguém pensa em ser artista ou fazer coisas criativas, a mentalidade ainda é de que é uma perda de tempo.

7 Dez 2016

Human Rights Watch | Sistema de justiça paralelo para funcionários do PC

O comunicado da Human Rights Watch  relata vários casos de tortura a membros do Partido Comunista Chinês. Segundo a ONG, a campanha anti-corrupção do Presidente Xi Jinping assenta num sistema de detenções abusivas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sistema de justiça paralelo que a China reserva para membros do Partido Comunista “assenta fortemente” na tortura e é “abusivo e ilegal”, diz a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), apelando ao seu encerramento.

Cerca de 88 milhões de membros do Partido Comunista Chinês (PCC), o partido único de poder na China, estão sujeitos a um sistema designado de “shuanggui”, que opera fora do controlo das autoridades judiciais.

Desde 2007, mais de 15 funcionários do Governo terão morrido devido aos abusos praticados naquele sistema.

Após ascender ao poder, o Presidente chinês, Xi Jinping, lançou uma campanha anti-corrupção, considerada a mais persistente e ampla na história da China comunista, que resultou já na punição de um milhão de membros do partido.

A campanha é regida pelo órgão de disciplina e inspecção interno do PCC.

Vários dos suspeitos desaparecem sem aviso prévio e ficam retidos em centros de detenção ilegais, até “confessarem” as acusações que lhes são feitas.

Só depois transitam para as instâncias judiciais, num processo que invariavelmente resulta na sua punição.

“O Presidente Xi construiu a sua campanha anti-corrupção com base num sistema de detenções abusivas e ilegais”, aponta em comunicado a directora da HRW para a China, Sophie Richardson.

Flagelos múltiplos

Com base na análise de sentenças dos tribunais, notícias e entrevistas com ex-detidos e seus familiares, o relatório da organização detalha os abusos daquele sistema: longos períodos de privação de sono, comida e água, espancamentos, detidos forçados a estarem em posições inconfortáveis ou ameaças aos seus familiares.

Um dos citados recorda como foi coagido a criar histórias para os seus crimes: “Eles forçaram-me a inventar. Tive de inventar ou batiam-me”.

Um outro detido recorda que foi obrigado a sentar-se e levantar-se, consecutivamente, por períodos de 12 horas, numa rotina que fez as suas pernas “incharem e as nádegas ficarem irritadas, até escorrerem pus”, cita o comunicado.

Um dos advogados entrevistados descreve um caso em que um cliente seu dormia apenas uma hora por dia e era forçado a equilibrar um livro na cabeça o resto do tempo.

Ao fim de oito dias, “confessou tudo aquilo de que o acusavam”.

“Quando chegou a esse ponto, os seus pés estavam tão inchados, que pareciam a pata de um elefante, e ele não conseguia mais urinar”, recorda.

A taxa de condenações dos tribunais chineses é de 99,92%.

“Os tribunais funcionam como um carimbo, legitimando um processo ilegal dirigido pelo Partido Comunista”, afirma Richardson.

Em Outubro, após uma reunião de quatro dias, a elite do PCC ditou um controlo mais apertado dos seus membros, anunciando um maior controlo escrutínio ideológico e uma reforma “das directrizes para a vida política”.

As novas regras de disciplina interna forçam os membros do PCC a oporem-se a acções contrárias à liderança do partido e prometem um aumento das investigações de comportamentos “fora da linha” da organização.

7 Dez 2016

China critica EUA por “politizar” investimentos chineses

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China criticou na segunda-feira a decisão dos Estados Unidos de bloquear a aquisição da Aixtron, empresa alemã do sector tecnológico, por um grupo chinês, afirmando que o negócio deve ser separado da política.

O Presidente dos EUA, Barack Obama, travou o negócio, ao rejeitar a inclusão da unidade norte-americana da Aixtron.

Washington disse que a Comissão para o Investimento Estrangeiro nos EUA avaliou os riscos da aquisição, que poderia servir fins militares chineses, como sendo demasiado altos.

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Lu Kang considerou que a oferta pela Aixtron tinha um propósito exclusivamente comercial.

“A China opõe-se à politização do normal comportamento em negócio ou à interferência política”, afirmou em conferência de imprensa, em Pequim.

“Esperamos que os EUA parem de fazer acusações sem fundamento contra as empresas chinesas e proporcionem um ambiente justo e boas condições para os investimentos chineses”, acrescentou.

Acesso vedado

O Departamento do Tesouro dos EUA afirmou que a tecnologia produzida pela Aixtron, que é fundamental no fabrico de semicondutores usados em lasers, luz de alta resolução e células solares, também pode servir fins militares.

Washington não quer que empresas financiadas pelo Governo chinês tenham acesso àquela tecnologia.

Em Outubro passado, Berlim anunciou que o negócio voltaria a ser analisado, alterando assim a sua posição inicial sobre a proposta da chinesa Grand Chip Investment, pela Aixtron, no valor de 670 milhões de euros.

O jornal Handelsblatt, que citou fontes não identificadas dos serviços secretos alemães, escreveu na altura que a alteração se deveu à interferência dos EUA.

“Washington teme que os ‘chips’ produzidos pela Aixtron possam ser usados no programa nuclear chinês”, disse o jornal.

A Alemanha é o segundo maior destino do investimento chinês na Europa, ultrapassada apenas pelo Reino Unido.

Portugal é o quarto, logo a seguir à França.

7 Dez 2016

Mark Zuckerberg, Jack Ma e a Chinanet “非死不可”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes de começar a ler, por favor veja este vídeo.

bit.ly/2g1EQxk

Segundo a Socialbakers, em 2010, a seguir à estreia do filme de David Fincher Social Network, o crescimento da utilização do Facebook na China atingiu nos três meses seguintes a percentagem de 612.19%. Com estes números a “Terra da Fantasia Zuckerbergiana” registou o maior crescimento de sempre.

A 20 de Junho de 2008 o Facebook lançou uma versão chinesa simplificada para atrair utilizadores da RPC. Um ano mais tarde, a 7 de Julho de 2009, o Facebook foi bloqueado pelas autoridades chinesas e deixou de poder ser acedido directamente no país.

Aqui vão algumas razões que justificam o crescimento exponencial dos utilizadores do Facebook na China.

  • • A China conta oficialmente com 420 milhões de utilizadores da Internet, dos quais apenas 160 milhões estão registados no Facebook. O potencial é irresistível.
  • • O filme Social Network despertou a curiosidade dos chineses.
  • • O jogo CityVille.
  • • Razões políticas. Países como a Somália, a Serra Leoa e a República Centro-Africana registaram índices de crescimento semelhantes entre os utilizadores do Facebook.
  • • Os jovens chineses que estudam no estrangeiro, quando voltam a casa por altura do Ano Novo Chinês, criam uma conta no Facebook a partir da RPC.

Mas estas notícias não têm novidade nenhuma. No entanto, recentemente, o assunto voltou a dar que falar. Segundo o New York Times, aparentemente, o Facebook tinha criado uma ferramenta para zonas geográficas onde é censurado, numa tentativa de voltar a abrir caminho até à Rota da China. O jornal citava três empregados da empresa Facebook que afirmaram que esta ferramenta pode filtrar as publicações dos utilizadores em zonas geográficas específicas. Segundo o artigo do Times, Mark Zuckerberg, director executivo do Facebook, apoiou a criação de uma ferramenta destinada a zonas interditas.

A partir da altura em que o Facebook foi banido na China, em 2009, por causa do desejo das autoridades de controlarem os mecanismos de partilha da informação, e os movimentos que usam a internet, Zuckerberg nunca deixou de estar empenhado em “voltar à China”. Passou anos a estudar mandarim e teve encontros com dirigentes chineses de topo, incluindo Xi Jinping. Algumas más línguas insinuam que Mark Zuckerberg guarda um conjunto de livros “sagrados” de Xi na mesa de cabeceira.

No entanto não podemos falar de Zuckerberg sem mencionar o gigante chinês do negócio online, Jack Ma e a sua empresa a Alibaba, que ultimamente viu nascer “a aurora da partilha de dados” na era da internet global. Vai ser uma aurora num céu chinês, não vai Jack?

É certo que Mark e Jack são dois super-heróis dos nossos tempos, a única coisa que os diferencia é o empenhamento com que as pessoas veneram os seus deuses.

Huang Jian, um jovem de Shenzhen, afirma que já despendeu a quantia de um milhão de yuans (145.000 dólares) em cirurgias plásticas para ficar parecido com Jack Ma. Estas operações são efectuadas na Coreia do Sul, o principal destino asiático para quem pretende submeter-se a uma cirurgia plástica. Huang afirma ser um grande fã do segundo homem mais rico da China e passou por esta transformação radical na esperança de um dia poder encontrar-se com o seu ídolo.

Por isso Mark, talvez pôr os livrinhos vermelhos debaixo da almofada não seja o suficiente. Será que planeias vir a ficar parecido com Xi Jinping? Se for o caso, força, não hesites!

7 Dez 2016

Irmãos esquecidos

Santa Bárbara, Lisboa, 27 Novembro

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ste exercício de andar à gandaia de sobras dos dias para compor em colagem nem sei bem o quê tem algo de perturbador. Se me pede avaliações, aqui e ali penosas, também me obriga a ser capaz de suspender toneladas de afazeres em atraso. A mão que escreve arrasta esse peso. E quando acontecer que nada tenha vivido ou visto ou lido que interesse, que nos interesse? E quando o cansaço me vencer? Este que rima com as marés.

Biblioteca Camões, 29 Novembro

Foi por mensagem que chegou o aviso da chegada do Carlos Quiroga, com quem tenho assuntos pendentes, que o mesmo é dizer livro no prelo. «Uma cerveja no inferno ainda presta.» Soou-me logo o sotaque, onde noto, vá-se lá saber porquê, nevoeiro e ternura. Descia da Finisterra para atirar de varanda de biblioteca A Imagem de Portugal na Galiza, em espelho com essoutra, de Carlos Pazos-Justo, A Imagem da Galiza em Portugal. Li de um fôlego o pequeno volume e dei-me conta de quão longe morava deste assunto. Sabia vagamente das causas, sobretudo em torno da língua que, apesar dos afastamentos, teima em dizer-se a mesma. Não tinha tomado consciência de que, como o Carlos logo explica a abrir, o seu assunto pedia que o outro fosse estrangeiro, o que não é o caso de Portugal para os galegos. Mesmo resolvida, com porosidades, a questão das fronteiras, «os laços de família por via da emigração e troca continuada», sobretudo mais a norte, fazem com que não haja a distância essencial para o retrato. Que irmão esquecemos no sótão? Que sabemos dele, mais do que nos foi dizendo Fernando Assis Pacheco? Desconfio bem que muito pouco. Solidamente sustentado em numerosas e variadas fontes, começa por tornar claro o óbvio: não nos podemos pensar sem eles, pedaço esquecido de uma mesma entidade, que a língua tanto ajuda a coser como a desatar. «Portugal para a Galiza ou é indiferente ou é uma espécie de Paraíso perdido. A Galiza, sendo Portugal, é o espaço-cabeça de um corpo crescido para o mar e sobre o mar que tem esquizofrenicamente saudades desse corpo, hoje separado. Uma parte da consciência da Galiza, pequena, teima em reverter as consequências de circunstâncias históricas concretas que a separaram de Portugal, que por outra parte e desde há séculos, criou novas cabeças, e acha ainda nessa ligação um ponto de apoio fundamental para construir a sua identidade.» De tão próxima, esta solidão afigura-se-me bastante ingrata. Alguém que nos lê, cultura e língua, com extremosa atenção e disso faz lugar de resistência merece mais, muito mais. Lá vociferava o Assis: «Indignar-me é o meu signo diário. / Abrir janelas. Caminhar sobre espadas. / Parar a meio de uma página, / erguer-me da cadeira, indignar-me / é o meu signo diário.»

Costa da Caparica, 30 Novembro

Acompanho Artur Henriques e a sua pequena tribo a um daqueles não-lugares, ao Centro Comercial O Pescador, para mais uma sessão em torno de livros organizado pela associação Gandaia, que é animada, entre outros, pelo meu velho amigo, de costela macaense, Ricardo Salomão. Goa, Ida e Volta, ao contrário do que o título parece sugerir, não reúne apenas memórias do serviço militar ali passado no final dos anos 1950 e de um regresso ansiado duas décadas depois. Em pinceladas impressivas e grande sentido da pequena história, também o meio publicitário e artístico e a própria cidade de Lisboa vão surgindo no retrato. Fascinante, o seu modo nonchalant de viver, continuamente de bem na própria pele, tomando o mundo por casa, como em canção de Françoise Hardy, mesmo quando o entorno se esboroava. Ele há gente assim, capaz de fumar um cigarro enquanto a polícia política lhe vasculha o atelier. E de, quando um agente lhe pede cigarro, responder “não posso, só tenho 19”. Na plateia, contudo, o interesse ia direitinho e por completo para Goa: como se vivia no quotidiano, como eram vistos os soldados ou tão só Portugal, e mais longuíssimo etecetera. Não me anima, por me parecer aquecido pelos lumes do politicamente correcto, esta tendência outono-inverno do pós-colonialismo, mas as questões da identidade continuam mais vivas que cardamomo em sarapatel. A Gandaia é um daqueles projectos que vivifica os não-lugares, gestos brutos de cidadania que nos vão empurrando para fora da mais salazarenta das heranças: a dependência absurda e claustrofóbica do estado. Sem alarde, estou em crer que esta federação de vontades vai ajudando a perceber o mais óbvio dos esquecimentos de Lisboa. Quantas capitais, no mundo inteiro, estão tão próximas da praia? Do oceano?

Horta Seca, Lisboa, 3 Dezembro

António Variações nasceu num destes dias (frios) no campo e a norte. Era excêntrico, que o mesmo é dizer, ousou-se. Hoje, até os concêntricos vestem extravagâncias, mas perderam o interesse. Que os move, se Nova Iorque se cruza com Braga? «A vida é sempre uma curiosidade / que me desperta com idade / interessa-me o que está para vir / a vida, em mim é sempre uma certeza / que nasce da minha riqueza/ do meu prazer em descobrir.» Ouvi-lo a cantar Amália (Povo que lavas no rio) e depois ouvir Camané a cantá-lo a ele (Quero é viver) pode bem tornar-se início de conversa sobre identidades.

Horta Seca, Lisboa, 4 Dezembro

Fidel Castro morreu. A sua importância histórica, se preciso fosse, pode medir-se nas enormidades ditas nestes dias, onde se deve incluir o gosto pelo vinho do Porto e ascendência galega. Edel Rodriguez, ilustrador cubano que lhe desenhou muitas vezes o rosto, escreveu, por dentro do assunto, uma perturbadora metáfora: «Tentei descobrir uma maneira de explicar a situação a alguém que a não viveu. Comparei, então, Castro a um pai abusivo, um monstro, que bate brutalmente nos filhos em casa e depois os leva a jantar ou brinca com eles em público. Toda a gente vê as boas acções, mas não percebe o que, de facto, se passa em casa. A não ser as crianças, que, por terem vivido assim o tempo todo, acham que é a única realidade. Até podem ir ao seu funeral e derramar algumas lágrimas, porque ele foi o único pai que eles conheceram.»

7 Dez 2016

A Propósito de Barragens de Maré

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o ano de 1953, a Holanda foi fustigada por inundações de uma magnitude de que não havia memória, que dizimou vidas e bens a que nenhuma nação poderia ficar indiferente. Da memória nacional fazem parte documentários desses acontecimentos e também o discurso de uma rainha emocionada, que prometeu a toda a nação que o mesmo nunca mais voltaria a acontecer.

No parlamento holandês aprovaram-se seguidamente moções que visavam canalizar grande parte dos recursos nacionais para essa prioridade. Disso resultou uma campanha de iniciativas chamada as Obras do Delta, que engloba uma extensão de lagos interiores e de canais, complexamente interligados, que resultam principalmente de três rios internacionais que desaguam na Holanda. Obras que se traduziram no alteamento de diques e na construção de robustas barragens marítimas. Ou seja traduziram-se essencialmente em infra-estruturas.

No decorrer dos anos a Holanda ganhou tal confiança nas suas protecções que, presentemente, a maior parte dos recursos económicos nacionais reside e concentra-se em zonas que seriam necessariamente fustigadas por inundações, caso essas protecções não existissem. Ou seja, zonas que presentemente são de alta vulnerabilidade e de alta exposição, face aos recursos que aí se acumulam e ao número das pessoas que aí residem.

Por outro lado, e à medida que essa confiança aumentava, as novas gerações perderam capacidades, nomeadamente a resiliência humana, i.e. a capacidade dos humanos conviverem com o imprevisto, o transtorno, a perturbação do quotidiano e de serem capazes de se manterem funcionais nessas situações.

Em verdade, o estilo da vida que tendencialmente se divulga nos media, e que para muitos serve de referência no quadro das suas aspirações, é de que tudo está assegurado, que nada de imprevisto poderá acontecer e, se por acaso acontecer, está coberto pelo Estado ou por seguros, ou a culpa é necessariamente de alguém.

Foram os primeiros avisos do aquecimento global e da consequente subida do nível dos mares e oceanos que na Holanda lançou o alarme sobre esse cenário de segurança. Ou seja, a possibilidade de os parâmetros que definiram as defesas perfeitas da Holanda já poderem ser outros e as mesmas já não serem mais seguras. Por outras palavras, a possibilidade de o clima e as suas manifestações não serem estacionários, i.e. de poderem variar em parâmetros diferentes dos estabelecidos estatisticamente. Ou seja, um verdadeiro ovo de Colombo para quem conheça os ciclos da terra ou admita que a dimensão da humanidade não se resume aos nossos dias.

Mas também uma possibilidade que inspirou uma mudança radical de estratégia que passa também pela recuperação das qualidades de resiliência da população em conviver com a perturbação, nomeadamente conviver com cheias. Admitiu-se que o cenário de guerra ao clima poderia não ser a solução mais ajustada, senão mesmo derradeiramente inglória, como inglório poderia ser altear diques ou construir barragens cada vez mais fortes, eternamente ou permanentemente, para assegurar um quotidiano imperturbável.

Mas a mudança desta vez não poderia ser centralizada no Estado, mas necessariamente disseminada. Disso resultou a adopção de novas rotinas. Os espaços térreos dos edifícios não guardam bens valiosos nem albergam actividades que não podem ser perturbadas, por exemplo, postos de polícia, cuidados médicos ou centros de operação de emergências. Nesses espaços os materiais não se danificam com a água, os circuitos eléctricos correm pelo menos a 1m de altura do chão e as soleiras das casas permitem montar dispositivos estanques para que a água não entre. Sacos de areia voltaram a ser um utensílio de casa.

As caves passaram a ser construídas como verdadeiros submarinos, com portas estanques que permitem isolar sectores em caso de inundação, dispondo de uma escapatória própria. Algumas passaram a ser bacias de retenção, para que possam inundar antes de outros espaços inundarem, permitindo um intervalo de tempo para resgate ou para escapamento. Circulações de emergência elevadas servem de escapatória em caso de cheia, da mesma maneira que caminhos de evacuação nos edifícios, conduzem pessoas a pontos de refúgio em caso de incêndio.

Marcam-se níveis nas paredes dos edifícios que alertam a população do nível a que a água pode chegar e ninguém leva a mal que alguém entre de galochas num restaurante elegante, para um almoço de negócios, num dia de cheia.

Mas alteração de circunstâncias que determinou também novas estratégia de soluções infra-estruturais. As inundações de zonas urbanas junto a rios eram na maior parte das vezes consequência de espaços naturais de inundação terem sido suprimidos aos rios.

Disso resultou a necessidades de disponibilizar novos espaços de inundação, não necessariamente os mesmos originais, para que se pudesse guardar temporariamente a água das cheias, e se poupasse as cidades, programa a que se chamou “Espaço para os Rios”.

Já no caso das cheias dos estuários, por resultarem de condições de maré que se resolvem na maior parte dos casos em meio dia, a possibilidade de guardar temporariamente essa água, por algumas horas, permite adiar a inundação. Nos estuários, uma inundação adiada é, na maior parte das vezes, uma inundação evitada.

No que se prende com as zonas costeiras o risco crescente resulta da regularização dos rios que já não transportam a areia necessária, que o mar distribui ao longo da costa e o vento possa construir dunas. Disso resultou a necessidade de compensar o fornecimento de areia à costa, em locais identificados por adequadas para que, a partir daí, as coerentes marítimas distribuam essa areia ao longo da costa e se formem dunas. Programa a que se chamou “trabalhar com a natureza”.

Ou seja, intervenções que tendo características infra-estruturais, não têm o impacte, nem o carácter de guerra à natureza, antes de colaboração com processos naturais que hoje se conhecem melhor.

Mas mudanças de estados de coisas, no que se prende com a gestão territorial, também não são estranhas à RAEM. Em verdade, no passado, a construção de aterros por enchimento, em vez de construções palafitas, passou a ser vista como preferível porque estreitavam os canais e isso aumentava a velocidade do caudal e a limpeza dos fundos. Ou seja, a possibilidade de dragagens menos frequentes para assegurar a navegabilidade desses canais.

Mas a questão da inundação natural do delta pelo chamado “prisma de maré”, ou seja, o volume de água salgada que entra nos rios em cada maré alta, não era necessariamente constrangimento porque, a montante do Rio das Pérolas, havia espaço suficiente para essa água salgada, ou já salobra, se espraiar. Pese algum prejuízo para culturas, ou para os pontos de captação de água potável. Mas foi o grande surto de expansão urbana da província do Guandong o ponto de rotura para as zonas mais baixas da RAEM, quando esses ajustamentos naturais deixaram de ser possíveis.

Todos os terrenos de inundação, que permitiam ao “prisma de maré” se espraiar no delta, foram ocupados com aterros. Esses aterros foram construídos a cotas mais elevadas para que o volume de água se acomodasse numa largura de canal mais estreita. Naturalmente, toda a vulnerabilidade se transferiu para os aterros mais antigos, por esses serem mais baixos, ou seja o Porto Interior.

Por isso, a necessidade de barragens de maré no Delta, que sem dúvida constituirá entrave para qualquer ressurgimento desejável de tráfego fluvial, é infra-estrutura que pode ser necessária, mas que não deve servir para que se possa continuar fazer mais do mesmo em âmbito de gestão territorial e do meio hídrico, ou que dispense integração com outras medidas urgentes.

Na falta de outras soluções, as barragens de maré no Delta são mera declaração de guerra à ecologia, tendo por pressuposto que a magnitude das munições do oponente (a maré), no futuro, será a mesma e só essa.

Qualquer cooperação regional não será sensata se se nortear apenas por soluções de infra-estruturas, pondo de lado a coordenação territorial conjunta da bacia hidrográfica, das áreas, dos níveis e das modalidades de aterros a construir. Nomeadamente, aterros feitos por enchimento, em vez de estruturas palafitas, que só contribuem para a ocupação e estrangulamento do Delta, onde se concentra tanto a água da maré de jusante, com a água dos degelos de primavera a montante, por vezes as duas em simultâneo. Aterros que fazem uso de volumes exorbitantes de areia, cada vez mais dispendiosa, e que muitas vezes faz falta nos sítios de onde é retirada.

7 Dez 2016

Oh Mcdonald Farm, horta biológica | “Tudo o que planto dou aos meus amigos”

Em Março deste ano, Lavínia Che quis experimentar algo novo e, no terraço do seu prédio, começou a fazer pequenas plantações e a criar uma horta. Apesar de se tratar de um passatempo, sem fins lucrativos, Lavínia Che gostaria de, um dia, levar o seu projecto às escolas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma terra onde não há plantas novas a nascer, mas apenas pedaços de cimento, surgiu, em Março, um projecto novo. Lavínia Che decidiu aproveitar o terraço do prédio onde vive e criou uma pequena horta, onde planta sementes que trouxe de vários lugares. A “Oh Mcdonald Farm” existe, para já, sem fins lucrativos, mas a ideia é que venha a servir a comunidade onde se insere.

Ao HM, Lavínia Che contou que tudo começou com uma tradicional canção infantil. “Queria tentar alguma coisa que nunca tivesse feito antes na minha vida. Em Macau temos pouco espaço. Ainda não é um negócio, aquilo que planto dou depois a amigos. O nome veio da canção que todos conhecemos, a canção “Old Macdonald has a farm”, que ouvimos desde crianças, mas talvez a maior parte de nós nunca tenha feito nada disto. E com isto podemos juntar as pessoas para poderem aprender mais, para cultivarem alimentos. Assim as pessoas sabem de onde vem a comida que ingerem. A maior parte das crianças não sabe de onde vêm os alimentos”, contou.

Apesar de ser um projecto individual sem grandes dificuldades, a verdade é que Lavínia Che encontra desafios com o material para criar a sua horta. “Eu e uns amigos tínhamos umas estufas e tínhamos de decidir o que fazer com elas. Tínhamos o espaço e decidimos começar a cultivar. Mas o maior problema que tenho é com a terra, pois tenho de ir a Hong Kong comprá-la. Depois, é muito pesada, pelo que tenho de contratar uma empresa que a traga para Macau. O meu quintal é num sétimo andar, num terraço, e tenho de contratar alguém para me ajudar a trazê-la para casa. É um problema.”

Se a terra para cultivo vem de Hong Kong, as sementes e plantas surgem de vários lugares do mundo, conforme as experiências pessoais de Lavínia. “Tenho manjericão da Tailândia e de Itália, e estou com umas sementes que trouxe da Austrália. Ainda estamos a pensar nas melhores maneiras de cultivar e de colher o que plantamos. Ainda não estamos estáveis nesse sentido. Não temos experiência e, por exemplo, agora temos muitas plantas que não estão boas. O nosso plano é primeiro estabilizar.”

Pensar nas escolas

Apesar de se tratar de um projecto raro, a verdade é que Lavínia Che já conhece algumas pessoas que começam a aproveitar de outra forma os terraços dos seus prédios. “Sei de pessoas que estão a fazer o mesmo, mas não os conheço. Seria interessante mais pessoas investirem neste tipo de agricultura em Macau. No fundo, a produção dos próprios alimentos é o sentido da vida. Na agricultura é isso que nós fazemos. Devíamos pelo menos saber como fazer isso. Com os problemas que o planeta atravessa, é bom ter conhecimentos neste sentido.”

Uma possível ligação às escolas, por forma a ensinar os mais pequenos a perceberem a origem daquilo que comem, é um projecto que Lavínia Che gostaria de ver realizado. “Já pensei nisso. Há uma quinta maior em Coloane e penso que a escola deve considerar levar os alunos para essa quinta. O terraço é parte pertencente a todos os residentes do prédio, mas gostaria de trazer os alunos aqui também, apesar de não ser fácil.”

A venda parece estar, por enquanto, posta de parte, mas a troca de produtos pode também ser uma possibilidade a ter em conta. “Não tinha pensado em vender as plantas, mas tive a ideia de, no caso de conseguir uma colheita diversificada, poder trocar com outros produtos, numa espécie de comércio de troca.”

7 Dez 2016

LAG 2017 | Metro ligeiro poderá funcionar só depois de 2019

 

Concluído o segmento do metro ligeiro da Taipa, em 2019, haverá todo um trabalho de gestão da linha sobre o qual o Governo admite ter dificuldades. O funcionamento propriamente dito poderá acontecer depois dessa data

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, admitiu ontem na Assembleia Legislativa (AL) que o segmento do metro ligeiro na Taipa poderá não começar a funcionar em pleno no ano de 2019, devido a dificuldades na gestão deste meio de transporte público.

“Temos a linha da Taipa, ainda com o problema do parque de materiais e oficinas, e estamos a tentar que entre em funcionamento em 2019. Será que conseguimos esse objectivo a cem por cento? Receio isso. Acho que as obras vão ficar concluídas nesse ano, mas não temos experiência de gestão. Quanto à exploração temos receios, não temos experiência nessa área”, admitiu o governante.

Raimundo do Rosário voltou a referir que a península terá o seu segmento do metro ligeiro, mas que o mesmo não é, para já, prioritário. “Não tenho grandes expectativas, será que é útil a ligação entre o Pac On e o Jardim dos Oceanos? Acho que mais vale fazer uma ligação entre a Barra e Seac Pai Van. Haverá linha de metro ligeiro em Macau, mas numa próxima fase”, referiu.

Raimundo do Rosário adiantou ainda que o Governo já tinha definido “o trajecto leste, entre o Pac On e Macau”. “Mas não avançámos, porque tenho reservas de que não o consigamos realizar.”

De frisar que o relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano confirmam o fim do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (GIT) e a sua substituição por uma empresa pública que venha a gerir o metro ligeiro.

Ligações com autocarros

O deputado José Chui Sai Peng, também engenheiro civil, levou um mapa para o plenário, tendo aproveitado o debate para fazer uma sugestão a Raimundo do Rosário sobre o segmento do metro ligeiro na península. “Na Taipa, que é uma zona mais nova, a construção do segmento demorou muito tempo, e numa zona mais antiga como Macau vai demorar ainda mais. Nesta zona podemos fazer uma linha e depois fazer uma ligação aos bairros antigos com autocarros de turismo. Penso que nos bairros será melhor adoptar um sistema pedonal”, defendeu.

Lau Veng Seng defendeu a construção de uma linha que ligue as Portas do Cerco ao Cotai, cuja ligação seria feita com recurso à quarta ponte entre a península e a Taipa. “Neste momento o número de visitantes traz uma grande pressão para o nosso sistema de transportes públicos e podemos contribuir para suavizar. Temos de ver se é possível fazer uma linha das Portas do Cerco ao Cotai, se podemos fazer essa ligação através da quarta travessia, para podermos aliviar a pressão. Há uma falta da linha do metro ligeiro para fazer a ligação das Portas do Cerco ao Cotai.”

Raimundo do Rosário adiantou ainda que o planeamento sobre os sistemas pedonais no território só poderá ficar concluído após o fim da obra do metro ligeiro. “Daqui a cinco a dez anos teremos tudo pronto. Hoje temos em média 590 mil pessoas a andar de autocarro por dia. O que posso dizer é que podemos optimizar o transporte público. Pela primeira vez tivemos um aumento de veículos abaixo de um por cento”, rematou.

 

CTM | Governo já concluiu análise dos activos de ambas as partes

O Governo já terminou a análise dos activos que pertencem à concessionária Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) e ao Governo. A garantia foi dada por Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ontem no hemiciclo. O governante não confirmou se o contrato com a concessionária, que termina este mês, vai ou não ser renovado. “Tivemos quatro reuniões e comprometi-me, antes de Abril, a apresentar novas medidas. Já sabemos quais os activos que são da concessionária e quais são do Governo. A partir de 1 de Janeiro vamos separar as contas e ver quais são os activos de cada parte. A CTM pretendia resolver a questão das suas tarifas a 1 Novembro, mas ainda não tomei uma decisão. Em Julho apresento à comissão o andamento do processo. Acho que as queixas dos cidadãos têm a sua razão, mas estamos a trabalhar e a tentar resolver [os problemas].”

 

Governo admite falha total no programa de reciclagem

Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, admitiu ontem na Assembleia Legislativa (AL) que as políticas em relação à reciclagem falharam quase na totalidade. “Foi um trabalho muito mal feito e isso também está relacionado com os trabalhos de sensibilização. Eu próprio fui ver in loco e os caixotes destinados à separação do lixo têm outros resíduos misturados. Os caixotes têm lixo normal e nós, Governo, fizemos pouco, há falta de educação e de consciencialização. As pessoas já estão habituadas a deitar o lixo fora desta forma”, explicou Raimundo do Rosário, no primeiro dia de debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a sua tutela. Coube ao deputado Sio Chi Wai levantar esta questão. “Não temos efeitos óbvios em relação às medidas de reciclagem e o Secretário já admitiu que não tivemos sucesso no processo de implementação da reciclagem, que não tem sido um processo bem feito. Porque é que não podemos implementar a limitação do uso de sacos plásticos de forma completa?”, questionou. O deputado Ma Chi Seng alertou ainda para a ausência de reciclagem de outro tipo de produtos, incluindo produtos tecnológicos. “Em Singapura apenas três por cento dos resíduos têm de ser incinerados, na China têm aumentado as campanhas de sensibilização. O que nos falta? Falta acção por parte do Governo, estamos ainda na fase inicial em termos de medidas de protecção ambiental”, apontou. Raymond Tam, responsável pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), prometeu apenas mais medidas para apoiar a reciclagem.

 

Ruínas de São Paulo | Estacionamento ainda preocupa Governo

São notórias as mudanças práticas ocorridas na zona das Ruínas de São Paulo e da Rua Belchior Carneiro após o acidente com um autocarro de turismo na Rua da Entena. Para já, os turistas têm circulado a pé pelas ruas da área, após os autocarros ficarem estacionados junto à praça do Tap Seac. Ainda assim, esta parece não ser a solução ideal para o Governo. “Precisamos de lançar mais medidas de aperfeiçoamento para a zona do Tap Seac. No passado sábado, numa hora, entraram cerca de 57 autocarros, quando antes só existiam 27 lugares de estacionamento disponíveis. O espaço está saturado e temos uma aplicação que permite ver quantos lugares restam”, explicou o director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), Lam Hin San. O assunto foi levado para o hemiciclo por Lam Heong Sang, vice-presidente da Assembleia Legislativa. “O estacionamento na zona do Tap Seac só dá para 20 autocarros. Se houver acidentes neste parque tal representa um grande perigo e nem as ambulâncias conseguem entrar na zona. Será possível colocar na Avenida Coronel Mesquita uma única faixa de rodagem? Na Rua Belchior Carneiro não há condições para estacionar, mesmo no Tap Seac.” Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, referiu “ter o mesmo receio que o vice-presidente”. “Macau é um território pequeno, os carros são muitos e vamos ver o que podemos fazer.”

6 Dez 2016

Omar Camilo, artista plástico: “Já conheço Cuba, não preciso voltar atrás”

É uma das virtudes de Cabo Verde: a pureza das coisas. Omar Camilo é um cubano que prefere não falar de Havana porque, diz, escolheu a Cidade da Praia e é sobre ela que pinta. “Alma” é uma exposição em que também há fotografia e é a razão que o trouxe a Macau

[dropcap]O[/dropcap] que poderemos esperar de “Alma”, a sua exposição na Casa Garden?
A sua pergunta inclui a resposta: a alma (risos). Há 15 anos que moro em Cabo Verde, que tem um magnetismo que fez com que ficasse lá. Conheço outros países, outros continentes, mas em Cabo Verde há um certo magnetismo, não sei se é do vulcão, das pedras. É um país tão simples, num século e tempo tão cheio de coisas, que acaba por ter essa simplicidade, do espaço, das suas gentes, dos seus percursos. Isso atrai-me e magnetiza. Escolhi ficar em Cabo Verde e apaixonei-me pela sua essência. Então a “Alma” é a apresentação da humanidade dessa raça cabo-verdiana, muito particular, que não é completamente africana, mas também não é completamente europeia. Cabo Verde é um arquipélago completamente fascinante pela sua múltipla identidade. Diria que são nove nações numa apenas. Há coisas que não se explicam, os sentimentos e as emoções não se explicam muito bem. Ou se gosta ou não se gosta.

E sentiu logo essa paixão por Cabo Verde.
Estava em Cuba, fui realizador, e já tinha ido a vários países. Já tinha ido a todo o mundo, Tóquio, Brasil, Chile. Tinha estado na Europa e regressei a Cuba. Houve uma delegação cabo-verdiana que foi a Cuba com o Presidente do país e mais ministros, e na agenda pediam um assessor de comunicação. Então estive um tempo em Cabo Verde, já com outro Governo. E fui. Apaixonei-me por Cabo Verde, por uma crioula, acabei a minha missão, fui a Cuba, fechei tudo, entreguei todos os documentos e voltei por minha conta. A primeira viagem foi em 2002, a segunda já foi em 2003. Cabo Verde mostrou-me outra faceta da minha arte, que eu não conhecia. Era realizador e poeta, e em Cabo Verde comecei a fazer fotos. Claro que o cinema tem uma componente de imagem, mas não me dedicava apenas a isso. Em Cabo Verde não havia e não há ainda um movimento de cinema, então parei. Pensei que já tinha feito cinema durante anos e que estava na altura de experimentar outra coisa. Fiz então fotojornalismo e fotografia artística. Trabalhei apenas para a Agência Lusa. Comecei a pintar, mas já pintava há 37 anos. Há seis anos isolei-me de tudo, parei de fotografar e dediquei-me apenas à pintura e à escrita. Às vezes escrevo livros de poesia ou pinto, ou então faço as duas coisas em simultâneo. Não coloco fronteiras entre uma arte e outra. Toda a arte é minha, sinto as coisas e faço. Aquele desenho [aponta para a parede], faz referência a um dos meus poetas preferidos…

Jorge Luis Borges.
Sim. Escrevo poemas meus sobre pintura e também escrevo e desenho sobre poetas que me tocam.

Nomeadamente Fernando Pessoa, com o quadro que mostrou há pouco.
Borges representa a minha anterior cultura e Pessoa representa a actual cultura. São dois elementos sólidos do meu conhecimento de letras. Conheço mais Borges, desde criança, e Pessoa só conheci há cinco ou seis anos. É fascinante.

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Nunca tinha lido antes?
Sim, li o “Livro do Desassossego”. Mas uma coisa é ler e outra é sentir. Fui muitas vezes a Lisboa, Portugal, na Rua Augusta, Bairro Alto, e uma coisa é ler, outra é andar por onde o poeta andou. Sentir um pouco a fome que ele sentiu, os pés cansados. A essência é uma coisa que não se explica, e aí começamos a apaixonar-nos e a entender. Sentir é o último estágio do conhecimento.

A exposição que vamos ver é então um pouco de tudo isso, dessas experiências desde que começou a pintar a tempo inteiro.
Não reduziria isso a um tempo. O que vamos ver na exposição é uma experiência dos últimos 52 anos. Vamos guardando coisas em várias gavetas e depois sai. Tudo passa por mim, a minha leitura do universo. A mostra que trago hoje é, na fotografia, a essência cabo-verdiana. O que eu acho que é o ser-se crioulo. Na pintura sou mais aberto, mais livre. Na fotografia, capto o que escolho, ângulos, luz. Na pintura sou livre. Toda a minha obra, fotográfica e de pintura, é património cabo-verdiano. A minha obra cinematográfica é de Cuba.

Artisticamente falando, porque não regressou a Cuba?
O mundo é muito grande e já conheço Cuba. Senti Cuba e falta-me conhecer muita coisa. Sempre tive o ponto fixo de morar em Cabo Verde, mas ainda não conheço a Índia, a China. Preciso de conhecer coisas que só conhecia de ler em criança, sempre fui muito curioso. Mas preciso de sentir, de tocar. Já conheço Cuba, não preciso de voltar atrás. Ninguém me perguntou onde queria nascer. A minha nação por naturalidade é Cuba, mas por escolha é Cabo Verde.

O que o fez sair de Havana? Sentia que artisticamente já tinha feito tudo?
Nunca se faz tudo. É impossível. Quem acha que já fez tudo é porque está morto, como ser humano e artista. Fui em trabalho para Cabo Verde e apaixonei-me pelo país.

Sentia-se realizado em Havana?
Não vou entrar por aí (risos). Vamos falar de Cabo Verde. Mas se me pergunta o que sinto em relação à morte de Fidel, respondo o seguinte: qualquer ser humano que morre no mundo é um pedaço do universo que morre. Não fico feliz pela morte de nenhum ser humano. Para mim todos os seres humanos têm o mesmo direito à vida, seja Fidel, um xeque árabe ou um menino libanês, sírio, um idoso africano.

E sobre o futuro de Cuba, que é também o seu país?
Vamos falar de Cabo Verde, e sabe porquê? Esse tema é tão atractivo que se entro por aí vou desviar as atenções. Fui convidado pela associação para mostrar a minha obra sobre Cabo Verde. Vamos esquecer que nasci em Cuba. Quero falar do imenso esforço que a Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana fez, porque se não fossem eles não estaria aqui. Tenho uma inexplicável gratidão por esta associação, não se explica. Sei o esforço que foi feito por todos. Um artista sozinho não é nada, se não há um transporte, um elemento que coloque a tua obra no lugar certo, não és nada.

Além de Borges e Pessoa, que outros escritores portugueses o fascinam?
Conheço as peças de teatro de Luís de Camões. Não conheço muitos escritores portugueses, apenas Pessoa e Camões. Já conheço Pessoa desde adolescente.

Pessoa representa toda a cultura portuguesa?
Para mim sim. Mas ainda não conheço muito para poder falar muito. Se me perguntasse sobre a cultura latino-americana, foram muitos anos… Só comecei a ter mais contacto nos últimos anos quando me isolei de tudo e comecei a pintar, porque antes tinha uma vida muito agitada, fazia fotografia, campanhas presidenciais, dava aulas na universidade. Mas foi uma escolha cara e radical.

Disse numa entrevista que paga caro por ser livre. Continua a pagar esse preço?
Continuo. O artista que decide ser apenas isso tem de ser muito individualista, marcar um território muito específico no tempo e espaço, renunciar a muitas características da vida mais convencional. Muitas vezes temos de renunciar à família, para mergulhar numa coisa é preciso fazer o foco nessa coisa. Há seis afastei-me, não definitivamente, de tudo e de todos. Claro que preciso do afecto, do amor sentimental, da família. Dei um espaço bastante egocêntrico em relação ao trabalho da arte, em prol do isolamento. Pinto e escrevo quase todos os dias, partilho da ideia de Ernest Hemingway, que dizia que “A inspiração passa quando estamos a trabalhar”. Obrigo-me a trabalhar. O tema da inspiração é uma justificação dos preguiçosos intelectuais. Para tudo é preciso disciplina, acordo cedo, bebo chá, faço exercício e depois escrevo e pinto. Tenho essa disciplina mas por prazer, não por obrigação.

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Disse que não há indústria do cinema em Cabo Verde. Não poderia regressar ao cinema e dar esse pontapé de arranque?
Para dar alguma coisa de mim, alguém tem de desejar isso. Acho que já respondi. Há um grupo de rapazes a começar a fazer coisas, com algum entusiasmo. Na vida há processos degrau a degrau. Já fiz cinema. Este artista, eu, é um inquieto, está sempre à procura, está sempre inconformado. O cinema faz parte do passado. Já senti o prazer de ser cineasta. Mas continuo a sê-lo, porque a minha obra é um conjunto. Tenho uma obra só, com diferentes ferramentas.

Gosta muito da filosofia oriental.
Fascina-me. Não sou um estudioso, mas fascina-me. É como amar uma mulher, não preciso de um catálogo: quando vejo fascina-me, emociona-me, o coração bate. Não conheço datas, não leio livros. Todo o meu corpo está tatuado com elementos orientais e não latinos. Só coloquei esta rosa para me lembrar que sou latino.

Não fala do futuro e do presente de Cuba, falemos então do futuro de Cabo Verde. O que deseja para Cabo Verde?
Desejo aquilo que os cabo-verdianos desejarem para si mesmos. Os povos têm o direito e a responsabilidade de escolherem e desejarem o seu futuro. Há uma coisa que me preocupa: em comparação com o país que conheci há 15 anos, e o de agora – sobretudo a Cidade da Praia –, está a hipertrofiar em coisas. É importante cultivar a filosofia de ser em vez de ter. O que amo em Cabo Verde é que ainda não há o vício de ter, ter. As pessoas vendem a sua alma para ter coisas, na relação com as coisas. Em Cabo Verde as coisas eram mais simples e humanas. Vamos ter o primeiro grande casino e isso vai mudar algumas coisas. É demasiado caro para Cabo Verde. Preocupa-me que se perca o mais importante de Cabo Verde.


A exposição de Omar Camilo é uma iniciativa da Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana. A inauguração está marcada para hoje, às 18h30, na Casa Garden. Os trabalhos de fotografia e as pinturas do artista cubano estão expostos até ao próximo dia 11.

6 Dez 2016

Renovação urbana | Governo confirma criação de empresa pública

 

A Assembleia Legislativa quis saber do andamento dos trabalhos de renovação urbana. Raimundo do Rosário confirmou que os projectos ficarão a cargo de uma empresa privada com capitais públicos. Chegou a ser ponderada a criação de uma direcção de serviços

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o primeiro dia de debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a área dos Transportes e Obras Públicas, vários deputados questionaram o andamento dos trabalhos na área da renovação urbana. O Secretário da tutela, Raimundo do Rosário, confirmou que os trabalhos deverão ficar a cargo de uma empresa privada com capitais públicos. Recorde-se que, em Outubro deste ano, também na Assembleia Legislativa (AL), o governante falou da possibilidade de ser criada uma direcção de serviços.

“Em princípio, vai ser uma empresa privada, mas talvez com todo o capital público, ou seja, do Governo. Mas mesmo antes de termos a empresa, não quer dizer que não possamos fazer qualquer coisa. Não temos nenhum serviço público especializado nesta matéria, que entre as nove e as cinco resolva problemas de renovação urbana. Foi decidido que o Governo lidera, já estamos a fazer algo, mas não temos uma equipa especializada para o efeito.”

“Alguns deputados questionaram porque não há um calendário? Quando não tenho a certeza não posso avançar um calendário, também gostava de ter calendários para tudo”, acrescentou ainda o Secretário.

O deputado Si Ka Lon foi o primeiro a levantar questões sobre esta matéria. “Não vejo nenhum andamento quanto aos processos legislativos. Disse que vai criar uma empresa de renovação urbana, qual são os problemas encontrados? Há falta de pessoas ou ninguém consegue assumir responsabilidades?”, questionou.

Uma das necessidades apontadas pelos deputados prende-se com o aproveitamento dos prédios industriais, muitos deles já deixados ao abandono, após o fecho de muitas fábricas. Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, adiantou que a reconstrução total de muitos espaços poderá estar posta de parte.

“Havia a ideia de reconstrução, mas não deu muito resultado. Temos de pensar não na reconstrução, mas num melhor aproveitamento dos edifícios, pois existem várias propriedades e pode haver uma possibilidade de responder a várias necessidades. Temos de ter em conta se vão ou não existir conflitos sobre a utilização de diferentes entidades num mesmo edifício”, apontou.

Novos sapatos, velhos caminhos

O Secretário voltou a referir a falta de recursos humanos nas obras públicas, sobretudo ao nível da fiscalização de grandes obras. “Temos 3400 trabalhadores na nossa equipa e até ao próximo ano vamos manter este número. Os nossos colegas estão a fazer muito mais, há processos judiciais em curso e não temos outra hipótese, temos muito trabalho e com este número de trabalhadores tentamos fazer o nosso melhor. Mantemos o mesmo número de trabalhadores e não posso garantir a qualidade de todas as obras.”

O deputado Chan Meng Kam defendeu que o Governo tem uma nova equipa, mas continua com velhos problemas por resolver. “Como podemos, com novos sapatos, fazer um caminho que já foi traçado? É um caminho que tem de resolver. Como podemos assegurar a qualidade das construções e evitar os problemas já existentes?”, lançou.

 

 

Governo pondera criação de museu sobre planeamento urbanístico

A ideia foi de Si Ka Lon: por que não criar um museu para mostrar à população o planeamento urbanístico? “Se calhar pode ser criado um museu do planeamento urbanístico para que os residentes saibam o percurso desse planeamento”. Raimundo do Rosário, Secretário da tutela, admitiu a possibilidade de construção na zona dos lagos Nam Van. “Temos este plano, estamos a criar o centro para o Fórum Macau e naquela zona poderemos criar um pavilhão sobre o planeamento urbanístico.”

 

Ponte do Delta | Adoptado modelo de construção da UM

O Governo anunciou ontem que vai ser adoptado o modelo de construção utilizado para o campus da Universidade de Macau (UM) na construção da ilha artificial junto à ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, local que vai albergar o posto fronteiriço. “Este ano foram construídas as fundações e foi tomada uma decisão: vamos seguir a mesma solução das obras da UM, entregando o projecto a uma empresa ao abrigo do acordo assinado. Na altura, o projecto do campus foi entregue à Nam Yue. Não sei mais como ficou resolvido. As empresas de Macau não têm por hábito esclarecer ou comunicar-nos quais os subempreiteiros contratados, mas sei que foi adoptado este método”, disse Raimundo do Rosário, que adiantou não ser fácil realizar negociações mais rápidas com Pequim. “Quando tomei posse, a minha grande preocupação era a ponte. Esta questão anda com a mesma lentidão que o dossier do tratamento dos veículos abatidos. Levei um ano para assinar um memorando com a China”, assumiu. Em Setembro deste ano ficou concluída a construção do tabuleiro da ponte, com quase 23 quilómetros de extensão.

 

Ilha Verde | Governo afasta urgência em novo ordenamento

O director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Li Canfeng, garantiu, em resposta à deputada Wong Kit Cheng, que um novo ordenamento para a zona da Ilha Verde não deverá ser feito para já. “Não é oportuno realizar um plano de ordenamento para a Ilha Verde. O Instituto Cultural apresentou algumas opiniões, o Conselho do Planeamento Urbanístico não aceitou algumas sugestões, mas aceitou a maioria. Vamos estudar em conjunto para ver como podemos proteger toda a zona.” Wong Kit Cheng alertou o Governo quanto à existência de um convento jesuíta, já bastante degradado, num terreno privado. “Alguns monumentos quase desapareceram, espero que não haja nenhum impacto na colina”, apontou a deputada. Li Canfeng falou ainda sobre os terrenos na zona norte da Taipa, não tendo avançado qualquer data. “Os terrenos não são totalmente planos, são irregulares, envolvem terrenos de propriedade privada. O Governo não consegue acelerar os trabalhos, vamos satisfazer com a maior rapidez possível os pedidos dos requerentes.”

 

6 Dez 2016

Atentado ao pudor | Pró-democratas voltam a apresentar projecto de lei

Au Kam San e Ng Kuok Cheong apresentaram na Assembleia Legislativa um projecto de lei para tipificar o delito de atentado ao pudor. O artigo chega numa altura em que o hemiciclo se prepara para analisar a proposta do Governo sobre crimes sexuais

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] iniciativa dos deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San, da chamada ala democrata, “visa colmatar as lacunas existentes através de aditamentos e alterações ao Código Penal, com enfoque na definição de atentado ao pudor, acto comummente censurado pela sociedade local, como crime cujo procedimento penal se inicia mediante queixa”.

“É já socialmente consensual que o ‘atentado ao pudor’ não deve ser punido como crime de injúria, que é um crime particular, mas que deve, sim, ser punido como crime semipúblico. Não podemos deixar existir, infinitamente, um vazio legislativo no respeitante ao crime de atentado ao pudor”, lê-se na nota justificativa.

O projecto de lei – que ainda não tem data para ser apreciado – chega numa altura em que também deve ser admitida em breve a proposta de lei elaborada pelo Governo que prevê alterações ao Código Penal relativamente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais, produzida após uma consulta pública entre Dezembro de 2015 e Fevereiro último, cujos principais pontos foram apresentados, no final do mês passado, pelo porta-voz do Conselho Executivo.

Apesar da auscultação, o Governo “continua a atrasar legislação sobre o acto de ‘atentado ao pudor’”, sublinham os deputados, apontando que, “atendendo ao Relatório das Linhas de Acção Governativa para 2017, nem em 2017, 2018 ou 2019 o Governo terá a intenção de apresentar a respectiva proposta de lei”.

Números e factos

Citando dados do gabinete do secretário para a Segurança sobre o tratamento adoptado pela polícia relativamente a actos de atentado ao pudor, os deputados referem que, entre 2012 e Abril de 2014, 40 casos foram tratados como coacção; cinco como coacção grave; 20 como coacção sexual e 94 como injúria, para salientar que nos primeiros três são as autoridades que procedem à dedução de acusação e que só no de injúria é que o procedimento penal depende de acusação particular.

“A dependência da acusação particular da vítima no crime de injúria decorrente de acto de atentado ao pudor é um requisito que enfraquece a protecção da vítima”, argumentam.

Este não é o primeiro projecto de lei para introduzir alterações ao Código Penal no sentido de tipificar o atentado ao pudor apresentado pelos dois deputados.

Em Janeiro deste ano, o hemiciclo chumbou a iniciativa de ambos nesse sentido (16 votos contra, oito a favor e cinco abstenções), principalmente sob o argumento de que o Governo se preparava para apresentar uma proposta de lei versando sobre os crimes sexuais, cujo conteúdo estava na altura sob auscultação pública.

No projecto de lei, Ng e Au propõem que seja aditado um artigo que tipifica o atentado ao pudor, prevendo pena de prisão até dois anos para quem “beijar, abraçar ou apalpar as nádegas, seios ou partes íntimas do corpo de outrem, aproveitando-se da sua impossibilidade de opor resistência atempada”.

As penas são agravadas consoante a idade da vítima e em caso de o autor ser responsável pela sua educação ou assistência.

O procedimento penal, indica o articulado, depende de queixa, salvo quando do crime resultar “suicídio ou morte da vítima”.

6 Dez 2016

Talentos | Comissão vai financiar a qualificação dos residentes

A formação de pilotos de aviões, a avaliação de necessidades e os incentivos à formação especializada são alguns dos sectores que a Comissão de Desenvolvimento de Talentos debateu ontem. Sou Chio Fai está satisfeito com o trabalho que tem sido desenvolvido pela entidade e em 2017 arrancam novos projectos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] programa de apoio à formação de pilotos de aviação vai avançar no próximo ano. A informação foi ontem dada pelo secretário-geral da Comissão de Desenvolvimento de Talentos, Sou Chio Fai, à saída da reunião plenária do organismo. “Foi aprovado um programa em que o Governo vai subsidiar a formação de mais quadros qualificados. Estamos a trabalhar com a Autoridade de Aviação Civil para promover a formação de pilotos e mecânicos no sector. Estamos já em diálogo com a Fundação Macau e com a Autoridade de Aviação Civil e, em 2017, vamos ter um programa piloto no apoio à formação de pilotos”, afirmou.

A necessidade de formação e desenvolvimento de quadros especializados locais foi o tema central da reunião, sendo que a responsabilidade não caberá apenas ao Governo. Para Sou Chio Fai, a população e as entidades empregadoras têm de ser cúmplices neste projecto. “É também importante que as entidades empregadoras possam lançar alguns planos para acompanhar o que a comissão está a fazer. Por exemplo, criar programas do tipo ‘mestre aprendiz’ em que as pessoas com mais experiência podem liderar e acompanhar pessoas com menos experiência.”

De olhos postos no futuro

O secretário-geral frisou ainda que, no processo de apoio à qualificação de residentes, é necessário ter em conta as necessidades locais e antever o futuro dos sectores económicos de Macau. “Um dos membros do conselho fez questão de salientar que não basta apenas investir na formação de quadros especializados, há que perceber qual vai ser o futuro dos diversos sectores de modo a poder antecipar necessidades e formar talentos para as áreas mais adequadas”, referiu.

A comissão tem cinco áreas em que tenciona investir no sentido de perceber as necessidades que as afectam. Segundo Sou Chio Fai, o jogo, a hotelaria, a venda a retalho, a restauração e o sector das exposições são áreas com as quais a comissão tem desenvolvido um trabalho mais intenso. “Não podemos dizer que são as cinco áreas com mais necessidades mas sim que são áreas de muita importância e que podemos investir numa primeira fase”, explicou.

A banca e os seguros também estão na agenda da comissão e o Governo está em diálogo com o sector da construção civil. “Estamos também a pensar colaborar com a criação de cursos de engenharia, na área da construção. É uma área que abarca muitos postos de emprego numa hierarquia muito grande e estamos a pensar em todos eles”, referiu.

Um mestrado especial

A comissão já firmou acordos com a Universidade de Coimbra para apoio a pós-graduações e está em conversações com a Universidade Nova de Lisboa.

O objectivo é a formação de “quadros bilingues que tenham na sua experiência outras especializações”. “Precisamos não só de tradutores intérpretes como de habilitar técnicos superiores que já têm uma determinada especialização, uma profissão, e que saibam português e chinês. Por isso, celebrámos um acordo com a Universidade de Coimbra para motivar os residentes a fazerem cursos de pós-graduação.”

Com a Universidade Nova, o acordo é dirigido aos trabalhadores na área de gestão que podem fazer um MBA num programa conjunto entre aquela instituição, a Universidade Católica e o MIT americano. O acordo estará firmado no próximo ano, apontou Sou Chio Fai: “Não será neste mês devido a ser altura de férias, mas será em 2017”.

6 Dez 2016

Livro | João Botas investiga a vida de Manuel da Silva Mendes

O jornalista e vice-presidente da Casa de Macau em Portugal, João Botas, passou por cá para apresentar o livro “Wartime Macau – Under the Japanese Shadow”. Ao HM, falou do novo trabalho que tem em mãos e em que aborda a vida de Manuel da Silva Mendes, figura da história local que, considera, tem sido “menosprezada”

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om fortes ligações a Macau, onde nasceu e viveu até ir para a universidade em Portugal, João Botas está a preparar mais um livro sobre a história de Macau. O jornalista, que tem dedicado os últimos anos à exploração do passado local, vai dedicar a próxima obra a Manuel da Silva Mendes que, considera, é uma figura histórica cuja importância tem sido menosprezada. “A certos níveis, e é possível perceber nos livros, comparando com Camilo Pessanha, [Manuel da Silva Mendes] é muito mais significativo”, referiu ao HM.

A ideia de abordar a história de Manuel da Silva Mendes tem já alguns anos. “Em 2013, a última vez que cá estive, vim fazer pesquisas relacionadas com a história da vida de uma personalidade, para mim marcante, do primeiro quartel do século XX em Macau. É Manuel da Silva Mendes, que viveu entre 1867 e 1931”, explicou.

Com o andar da pesquisa, Silva Mendes foi-se revelando enquanto “personagem curiosa: chegou cá em 1901 e era uma pessoa discreta, formada em advocacia em Coimbra”. Já em Portugal, o advogado tinha sido o primeiro autor de um livro acerca do socialismo e do anarquismo. “A partir de certa altura, sentiu-se desintegrado: a monarquia não mudava e, ao mesmo tempo que defendia um certo anarquismo, não era um homem de ir à luta de forma muito prática. De repente, teve a oportunidade de ter um exílio para clarificar as ideias e vir para Macau. Concorreu para professor do liceu e ganhou” o lugar. De professor do ensino secundário passou a advogado, um percurso que era comum a muitos “bacharéis que, na altura, chegavam a Macau”, explica João Botas.

O primeiro sinólogo português

A relevância para Macau deste homem de início de século XX é, para o investigador, óbvia. “É um homem que, a partir de certa altura, embrenhou-se na cultura chinesa, no gosto e na ânsia de querer aprender e apreender a cultura chinesa, aos mais variados níveis.”

De entre as preferências de Silva Mendes estavam as manifestações artísticas e a filosofia, nas quais “se embrenha de tal forma que se torna um sinólogo de forma praticamente autodidacta e tão exigente para com ele próprio que não há ninguém que o tenha rebatido naquilo que ele foi escrevendo”.

Paralelamente, foi um homem que viveu os problemas do território e “ajudou a fundar alguns dos jornais de Macau, escreve centenas e centenas de artigos ao longo dos 30 anos que aqui viveu, e escreveu também os primeiros livros sobre cultura e filosofia chinesa”.

A vida política também não passaria indiferente ao advogado, e “há quem diga que foi presidente do Leal Senado”, sendo que João Botas refere que, da sua investigação, acredita que possa ter exercido o cargo mas apenas de forma interina.

Manuel da Silva Mendes não é o único vulto que João Botas considera “esquecido” na história de Macau. Ao HM referiu exemplos que mereciam mais destaque. “José Neves Catela é também um homem do início do século XX que veio para Macau. Era da marinha mercante e aqui transformou-se em fotógrafo e agente turístico, tendo trabalhado nos serviços de turismo. Tem umas fotografias brilhantes da década de 20, 30 e 40”, ilustrou o jornalista.

Uma história ímpar

Acerca da colaboração no livro “Wartime Macau – Under the Japanese Shadow”, uma obra que junta, em inglês, trabalhos de João Botas, Roy Eric Xavier e Stuart Braga, com a coordenação e edição de Geoffrey C. Gunn, João Botas conta que a ideia surgiu na sequência do livro que lançou em 2012: “Macau 1937-1945, os Anos da Guerra”.

“Na sequência disso, Geoffrey Gunn, que está em Nagasaki, desafiou-me a dar um pequeno contributo para uma edição da Hong Kong University Press.” O capítulo de que é autor “versa sobre as consequências económicas do território fruto da invasão japonesa na China, primeiro, em 1937, e depois quando a Segunda Guerra Mundial se alastra à Ásia”.

“Em Dezembro de 1941, o Japão fez o ataque a Pearl Harbour, os Estados Unidos entraram na guerra. Poucos dias depois, o Japão tinha as tropas às portas de Hong Kong e começa a invasão daquele território, que é consumada a 24 de Dezembro desse ano. A partir dessa altura, as coisas aqui mudam radicalmente”, contextualiza.

Apesar de Macau não ter sido invadido pelos japoneses, as consequências foram inevitáveis. “O anel de tropas japonesas à volta de Macau impôs um bloqueio económico total, por via marítima e também por via terrestre. Isso fez com que, por via do grande fluxo de refugiados, a população tenha quase triplicado – não há números muito fidedignos em termos oficiais –, mas terá passado de 200 mil antes da guerra para mais de 600 mil”, recordou João Botas.

6 Dez 2016

Sound & Image Challenge | Festival de curtas-metragens arranca hoje

 

O festival Sound & Image Challenge começa hoje e vai até ao dia 11. Este ano foram nomeados 33 filmes para competição e oito videoclips musicais

 

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap]s expectativas são boas, naturalmente.” As palavras são de Lúcia Lemos, directora do festival e coordenadora do Centro para as Indústrias Criativas (CIC). A cerimónia de inauguração será hoje, pelas 19 horas, no histórico Teatro Dom Pedro V, com o concerto do grupo New Music Hong Kong Ensemble, que interpretará a peça “Aeolian Scriptures”.

Além do concerto, as festividades contarão com o discurso do presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, entidade que, em parceria com o CIC coordena o festival, e serão apresentados os trailers dos filmes em competição. O certame decorre no Teatro Dom Pedro V de 6 a 9 de Dezembro, e na Cinemateca Paixão nos dias 10 e 11.

Amanhã, o calendário arranca em grande com a mostra do filme de Leonor Teles “Balada de um batráquio”, que venceu o Urso de Ouro de 2016 para a melhor curta-metragem do Festival de Cinema de Berlim. Em seguida, o ecrã será tomado por filmes das Filipinas, Tailândia, Singapura e China. O festival, que começou como um concurso, actualmente perfila-se como uma mostra internacional com “ambição de crescimento ao nível mundial, apesar de ser um evento organizado com poucos fundos”, confessa Lúcia Lemos.

A coordenadora acrescenta que nunca teve a intenção de tornar o festival em algo comercial, que desse avultados prémios aos vencedores, mas que proporcionasse o encontro entre diversas formas de abordar a curta-metragem. Outro dos objectivos é dar aos realizadores a possibilidade de trocarem experiências e contactarem com produtores e distribuidores.

Este ano estarão em concurso 33 filmes na competição Shorts, em contraste com os 25 do ano passado. Na secção Volume entram no concurso oito videoclips de música. Os vencedores serão anunciados no dia 9, pelas 19 horas, assim como as menções honrosas.

Inspirar a comunidade

Lúcia Lemos realça o “orgulho de ver a qualidade dos trabalhos a melhorar”, facto que considera não ser alheio ao facto de os realizadores locais participarem na análise e selecção dos filmes a concurso. “Eles percebem de cinema e têm a responsabilidade de participar na elaboração da shortlist de filmes seleccionados”, explica. É um processo que revela confiança nos criadores locais.

Outro dos objectivos do festival é dar inspiração à comunidade artística de Macau, que continua a fazer trabalhos muito ligados à cidade. Lúcia tem testemunhado o aumento da qualidade cinematográfica, algo que a enche de orgulho. “À medida que o festival vai crescendo, a qualidade dos filmes que são realizados cá cresce em paralelo”, conta a coordenadora do festival. Um crescimento simbiótico que só pode valorizar a oferta cultural de Macau.

6 Dez 2016

This is My City: Documentário, curta-metragem e um Instameet na segunda semana

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rranca hoje a segunda semana do festival This is my city, com o capítulo da série documental “No trilho dos naturalistas” dedicado a Angola. O filme é baseado na longa história de expedições botânicas ao país africano por parte de naturalistas da Universidade de Coimbra, uma tradição que remonta ao século XVIII.

Realizado pelo cineasta lisboeta André Godinho, este trilho leva-nos numa viagem pela biodiversidade de Angola, os ecossistemas tropicais e a forma como são influenciados pelos seres humanos. O projecto será apresentado ao público de Macau por António Carmo Gouveia, director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e coordenador da série documental, e por Alexandra Cook, especialista em botânica da Universidade de Hong Kong. O evento tem início marcado para as 18 horas de hoje na Casa Garden.

Na sexta-feira, as atenções viram-se para o cinema, mais propriamente para o formato mais conciso da sétima arte: a curta-metragem. Este capítulo do festival acontecerá no pátio do Albergue SCM a partir das 18 horas. A curadoria será de Maxim Bessmertny, o realizador local de origem russa que se estreou na edição de 2013 com o filme “The tricycle thief”. A curta foi apresentada no Festival Internacional de Filme de Toronto e arrebatou o Prémio de Ouro do Programa Kodak de Bolsas de Estudo de 2015. Maxim irá conduzir uma masterclass sobre curtas-metragens e apresentará um ciclo de filmes de sua curadoria. Este evento voltará à abordagem do conceito PechaKucha, “mostrar e contar”, o que aconteceu pela primeira vez em 2013. A ideia será apresentar vinte imagens que serão discutidas em vinte segundos cada.

Macau no Instagram

A fechar a segunda semana de festival haverá uma colisão entre o mundo virtual e o real, com um encontro da comunidade que partilha fotos no Instagram. O rendez-vous será no próximo sábado, dia 10, às 12 horas, no Macau Design Center, e terminará às 18 horas.

Na ementa está um passeio pela cidade, curado para fotógrafos, com o intuito de proporcionar um itinerário urbanístico apetecível às lentes. O Instameet deste ano terá uma página no Instagram, assim como hashtags próprios para a ocasião, de forma a fazer a ponte entre os participantes e a cidade.

6 Dez 2016