Andreia Sofia Silva Manchete SociedadePortuguês | IPM quase a atingir todos os docentes da China O Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa comemora hoje cinco anos de existência com um colóquio a duas vozes. O seu director, Carlos André, afirma que 2016 foi um dos melhores anos para o centro, que está quase a atingir a totalidade dos docentes de língua portuguesa da China [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando foi criado, em 2012, tinha um objectivo: formar todos os docentes de língua portuguesa da China que se viam a braços com vários desafios, com muitos professores a darem aulas nas universidades com apenas uma licenciatura, dada a imensa procura pelo idioma. Cinco anos depois, pode-se dizer que o Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa, do Instituto Politécnico de Macau (IPM), cumpriu os seus objectivos. “Devo dizer que as acções de formação realizadas até agora no interior da China devem ter abrangido entre 80 a 90 por cento dos docentes de português no país. Estamos muito perto dos 100 por cento dos professores atingidos pelas acções de formação que realizamos ou que vamos realizar este ano. Até Dezembro, ainda temos três acções de formação”, disse ao HM Carlos André, director do centro. Para o responsável, o ano que está prestes a terminar foi o ponto mais alto em termos de projectos e actividades. “O nosso corpo docente cresceu ao longo deste ano e diria que, se todos os anos têm correspondido a um progresso, 2016 foi um ano de grande sucesso, com o ponto alto que foi o lançamento de dois livros com a presença do primeiro-ministro português [António Costa] e o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura [Alexis Tam].” Até ao final deste ano ainda vão ser lançados mais quatro livros. Quanto às acções de formação para 2017 “vão ser intensificadas”, garantiu Carlos André. “O ponto alto será Julho, um mês forte na vida do centro, porque teremos o fórum internacional do ensino da língua portuguesa, que vamos realizar em Pequim. Teremos ainda o curso de formação em Macau. Mas o ponto mais alto será a realização do congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, organizado por nós pela primeira vez na Ásia e onde contamos ter os melhores dos melhores professores ligados à língua e cultura portuguesas em todo o mundo”, adiantou Carlos André. Analisar experiências Hoje e amanhã decorre no IPM, em parceria com a Escola Superior de Línguas e Tradução, o colóquio intitulado “Diálogos entre língua(s), literatura(s) e cultura(s) no ensino e na tradução do português e chinês”. Irão participar Alexandra Assis Rosa, subdirectora da faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e Catarina Xu, subdirectora da faculdade de estudos europeus e latino-americanos da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai. Para Carlos André, o objectivo é fazer “um intercâmbio de experiências”. “Este ano fizemos uma celebração do aniversário com um figurino bastante diferente. Em vez de pedirmos a uma pessoa para fazer uma conferência resolvemos colocar várias pessoas com experiências muito diversas na área do ensino do português como língua estrangeira, decidimos pô-las a conversar. Esperamos uma troca de impressões e que isso seja enriquecedor para todos”, rematou.
Hoje Macau SociedadeJogo | Macau forma futuros operacionais de Cabo Verde A licenciatura em gestão de jogo administrada pelo instituto politécnico de Macau abriu portas, este ano, aos alunos cabo-verdianos. A iniciativa pretende preparar a população para a entrada de novos casinos nas ilhas africanas [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Instituto Politécnico de Macau (IPM) há uma turma composta unicamente por cabo-verdianos que aprendem como gerir casinos, numa altura em que o país se prepara para dar cartas na indústria do jogo. Belany, António e Kino são três dos 17 estudantes que conquistaram uma bolsa de estudo para frequentar a licenciatura em Gestão de Empresas, variante em Gestão de Jogo e Diversões, do IPM. Muitos nunca entraram num casino a sério, mas a sala onde começaram a ter as aulas práticas na capital mundial do jogo apresenta semelhanças com uma sala de jogo. Atrás de uma mesa – vestindo a pele de ‘croupier’ – Belany Lopes, de 22 anos, separa e espalha fichas de diferentes cores, de forma metódica, pelo pano verde, sob o olhar de uma colega, enquanto murmura números. “Estava a fazer os cálculos de ‘blackjack’. No começo parece difícil, mas com a prática fica fácil! É interessante”, disse à agência Lusa. “Para gerires um bom negócio tens de entender tudo para saber como funciona”, afirma. “Sempre quis fazer gestão e gestão de jogo é algo diferente”, observou Belany, que se formou em Bioquímica no Brasil, mas concluiu que “não gostava de ficar o dia inteiro no laboratório” e que a idade lhe permitia “esta aventura”. Kino Rodrigues, de 23 anos, ao contrário da maioria dos colegas, que se conheceram na terra-natal durante o processo de candidatura, estava fora de Cabo Verde antes de ir para Macau: encontrava-se em Pequim desde 2014 a estudar mandarim. “Apareceu a oportunidade e como gostava de fazer ‘management’ [gestão] resolvi vir. O nosso país é pequeno e nem todo o mundo tem a possibilidade de continuar os estudos. Acho que é o caso de muitos dos que aqui estão”, afirmou, garantindo, porém, que não deixou o mandarim na gaveta: “Continuo a praticar em casa, por mim mesmo, a falar, a tentar escrever”. Oportunidades de ouro Embora reconheça o “desafio enorme”, até porque estudam em inglês, Kino diz estar “a gostar muito” e reconheceu a mais-valia numa altura em que Cabo Verde se abre à indústria do jogo: “É uma oportunidade de ouro”. António Lopes, de 19 anos, um dos mais novos da turma, também juntou o útil ao agradável: “Contas sempre foi uma das minhas paixões. Eu queria fazer outro curso, mas como tenho outros dois irmãos que estudam, eu sabia que ia ser difícil para os meus pais”. Além disso, este curso “era atractivo porque, com o empreendimento que vão fazer em Cabo Verde, as possibilidades de trabalho são maiores”, frisa António Lopes, que ainda não tem idade para entrar nos casinos em Macau, vedados a menores de 21 anos. “Estou a gostar, mas a minha grande paixão era fazer engenharia aeronáutica ou pilotagem. Quem sabe depois talvez desista” dessa ideia, partilhou, dando uma única certeza: “Vim para estudar, não vim para brincar. Se era para brincar ficava em Cabo Verde”. Apesar de considerarem o curso uma oportunidade, ao abrir o leque de opções de emprego quando Cabo Verde dá os primeiros passos na indústria do jogo, o regresso a casa não é aposta garantida. Belany ri-se: “Sinceramente, não sei. Acho que prefiro aventurar-me, queria trabalhar um pouco em Macau, ganhar mais experiência antes de voltar”, disse, sem esconder outras possibilidades em cima da mesa, como Las Vegas ou República Checa. Também Kino afirma que desde que saiu do seu país, em 2014, sempre pensou em viver e trabalhar fora, mas o cenário pode mudar perante um convite para trabalhar em Cabo Verde: “É a minha terra, ficava perto da minha família”. Já António Lopes pretende esforçar-se para arranjar emprego fora: “Mesmo sabendo que no meu país há possibilidade de trabalho sempre há aquela ideia de que vou estar melhor do que lá”. Mas, “se não der”, “não tenho problemas em voltar”, confessou. Os primeiros Esta turma tem duas particularidades: só tem cabo-verdianos e é a primeira do curso desde que, neste ano lectivo, se alargou a língua veicular ao inglês. O curso funciona desde 2009/2010 mas, até agora, apenas em chinês, explicou a directora do Centro Pedagógico e Científico na Área do Jogo do IPM, Hester Cheang Mio Han. “Este grupo é grande para um curso tão especial ou específico como este”, sublinha. O programa da bolsa de estudos inclui a isenção de propinas e outras taxas, alojamento gratuito e um subsídio mensal ao longo dos quatro anos do curso, mas dependente do aproveitamento. Este ano foi lançada em Cabo Verde a primeira pedra do projecto turístico do Ilhéu de Santa Maria/Gamboa, defronte da cidade da Praia, que inclui um casino com contrato de concessão de 25 anos. Trata-se do maior empreendimento turístico previsto para o país, resultante de um investimento do grupo Macau Legend, do empresário chinês de Macau David Chow, estimado em 250 milhões de euros – cerca de 15% do PIB de Cabo Verde – e tem abertura prevista para 2019. Mas o primeiro casino do país vai abrir ainda este ano, na ilha do Sal, dentro de um empreendimento da marca Hilton, encontrando-se a construção em fase final, afirma a agência Lusa, citando uma fonte da Inspecção Geral de Jogos de Cabo Verde.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeFórum Macau | Académicos falam em falta de estratégia e desconhecimento Pedro Coimbra, Arnaldo Gonçalves e Luís Crespo consideram que a população local continua a não saber as funções e o papel do Fórum Macau. Num debate organizado pelo jornal Ponto Final, muito se falou sobre a ausência de uma estratégia concreta por parte do Executivo local [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]odos eles mantêm blogues onde comentam a actualidade do território, mas poucos escrevem regularmente sobre o Fórum Macau. Ainda assim, Pedro Coimbra, autor do blogue “Devaneios a Oriente”, Arnaldo Gonçalves, do “Exílio do Andarilho” e Luís Crespo, do “Bairro do Oriente”, participaram num debate organizado pelo jornal Ponto Final sobre o Fórum e o seu futuro, intitulado “Fórum Macau: Quo vadis?”. Apesar da fraca adesão do público, o debate aconteceu e deixou algumas ideias: poucos sabem o que o Fórum Macau faz ou aquilo que o Governo do território quer fazer com uma entidade criada em 2003. As críticas foram quase tantas como as questões. “É algo mais institucional, que tem que ver com circunstâncias históricas. É um Fórum sem grande ambição e acho que nunca terá grande ambição. É um instrumento diplomático de relações externas da China”, disse ao HM o académico Arnaldo Gonçalves. No debate, o académico afirmou que ainda não percebeu a estratégia do Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong. “Há uma mudança de estilo na projecção internacional de Macau entre Edmund Ho e Chui Sai On, e o [Fórum] teria outro tipo de desenvolvimento. Se o Governo de Macau está realmente interessado no Fórum e se tem uma estratégia, ainda não percebi que o Secretário Lionel Leong a tenha. Já tivemos três coordenadoras [Cristina Morais vai deixar o cargo], qual é a sequência na liderança da estrutura? Não percebi ainda o que o Governo quer do Fórum.” Luís Crespo defendeu que poucos conhecem o trabalho do Fórum Macau. “Existe um certo desencanto. Sabemos muito pouco sobre aquilo que o Fórum faz. É algo que não se faz sentir no nosso dia-a-dia. Há a história do centro de produtos portugueses em Zhuhai, ou outras medidas que são anunciadas ao mais alto nível, mas depois não se vêem grandes resultados. Fomos bafejados pela sorte e a China tem sido bastante generosa, mas não estamos a aproveitar isso, porque depois dependeria do epicentro da lusofonia, que é Portugal, e que nunca demonstrou interesse em continuar aqui em Macau”, apontou. Bilateralismo em queda O jurista Pedro Coimbra alertou para o facto de a China manter relações bilaterais com países membros do Fórum Macau. “As ligações ao petróleo não passam pelo Fórum. Penso que foi a China, farta de alertar o território com os discursos sobre diversificação económica, que nos deu este presente. Uma estrutura comandada por Pequim para que Macau se volte para outras coisas que não o jogo. Nestes anos Macau mexeu com o Fórum? Não se viu nada.” Arnaldo Gonçalves lembrou ainda que as relações bilaterais atravessam também um período de crise. “As relações bilaterais fazem-se sem o Fórum e estão a fazer-se muito mal: veja-se a evolução das relações económicas, é dramática. Relações com Angola e Brasil, com queda de exportações de 60 por cento, é cair na vertical”, disse ao HM. O debate focou-se ainda no facto de apenas dois projectos terem sido aprovados no processo de candidatura ao fundo financeiro anunciado por Pequim. “Pusemos as expectativas à frente da realidade e isso acontece no Fórum. Não nos podemos esquecer que o dinheiro é da China e tem de ser aplicado com bom senso. Os projectos têm de ter consistência e não podem ser um conjunto de boas intenções. Isso não está a acontecer e estão a pôr o carro à frente dos bois”, defendeu Arnaldo Gonçalves. Quanto à candidatura de projectos de Macau, o cenário parece ser negro. “Não acredito que haja empresas de Macau [a concorrerem ao fundo] porque não há empresas tecnologicamente filiadas aqui, são de Hong Kong e isso tem que ver com a pequenez do território. Os empresários daqui são sobretudo de Hong Kong.” Ainda assim, colocou-se a questão: vale a pena a existência do Fórum Macau? Sim, defenderam os participantes, por ser mais um instrumento de diplomacia externa chinesa. “É importante Macau ter isto porque não tem outra janela para o mundo. Que projecto tem Macau como cidade internacional, virada para os outros países? Nenhum. A China quer apenas fazer marketing político”, defendeu o académico Arnaldo Gonçalves.
Isabel Castro EventosDespedida | Morreu o músico Leonard Cohen É um ano negro para quem gosta de música – de música a sério. Leonard Cohen morreu na passada sexta-feira, aos 82 anos. Tinha músicas e poemas para acabar, mas dizia-se preparado para ir embora [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á menos de um mês contava que só pensava na família, nos amigos e no trabalho que tinha em mãos. “Tive uma família para alimentar. Nunca vendi o suficiente para ser capaz de deixar de pensar em dinheiro. Tive dois filhos e a mãe deles para apoiar durante toda a vida. Tornou-se um hábito”, explicava à New Yorker, numa longa entrevista publicada a 17 de Outubro. “Depois há a questão do tempo, que é poderoso, com o seu incentivo para acabar. Estou longe de conseguir acabar. Acabei algumas coisas. Não sei quantas mais conseguirei acabar, porque neste momento sinto uma grande fadiga… Há alturas em que tenho de me deitar”, desabafava. “Já não consigo tocar.” Leonard Cohen morreu aos 82 anos e a notícia chegou pelo Facebook. Na página oficial de Cohen alguém anunciou, “com profundo pesar, que morreu o legendário poeta, escritor de canções e artista”, para depois acrescentar que “perdemos um dos visionários mais prolíficos da música”. Não foram dados detalhes sobre o que aconteceu – apenas que estava planeada uma cerimónia em Los Angeles, onde o músico viveu durante muitos anos. No artigo de Outubro, a New Yorker contava que Cohen tinha poemas para terminar, letras de músicas que ainda não tinha acabado, outras que não tinha gravado e outras prontas mas ainda por lançar. Estava a pensar, na altura, fazer um pequeno livro de poemas. “A grande mudança é a proximidade com a morte”, dizia. “Eu sou o tipo de pessoa arrumada. Gosto de acabar as coisas que comecei. Se não puder, tudo bem. Mas a minha natureza é essa.” Leonard Cohen sabia que não seria capaz de acabar as canções que tinha a meio. “Acho que não vou conseguir. Talvez, quem sabe? Mas não me atrevo a ficar preso a uma estratégia espiritual. Jamais o faria. Tenho algum trabalho para fazer. Estou pronto para morrer. Espero que não seja muito desconfortável. Chegou a minha hora.” Uns dias depois, foi lançado o 14o. e último álbum do cantor, “You Want it Darker”. Na música que abre o disco – a música que dá o nome ao disco – ouve-se “I’m ready my Lord”. Cohen estava pronto. Da simplicidade O que é que tinha Cohen de especial? “Para mim tudo. As palavras que tocam no mais íntimo de nós, na esperança, no amor, na sua constante beleza. A voz que nos envolve como nenhum outro, que ecoa dentro do nosso corpo. A música que se eleva em arranjos de uma simplicidade espiritual tão difícil de conseguir.” José Drummond, artista plástico, recebeu a notícia do desaparecimento de Leonard Cohen com profunda tristeza. “É uma estupidez por certo mas, tal como com David Bowie, sinto-me órfão”, diz. “São aqueles que estiveram sempre ao meu lado. Em quem sempre me refugiei em momentos de dor ou de alegria. É tão difícil escolher uma música apenas”, admite. Cohen foi transversal – atravessou gerações, países, chegou à fama sem nunca ter sido o artista que mais discos vendeu. Educou os sentimentos de muitos, com letras em que se fundiram imagens religiosas, temas de redenção e desejo sexual. E o amor, pois, o amor. “Cohen foi sempre o meu preferido para sonhar, para namorar, para acordar, para adormecer”, diz Drummond, sobre este homem “enigmático, uma estrela que se ocultava, que deixava a música falar por ele, que embora nascido judeu se dedicou ao budismo zen e que, nos seus poemas, incorporava todo um sentido cristão”, resume. “Podemos falar tanto sobre ele e o que quer que digamos é sempre bom.” Natural do Quebeque, Leonard Cohen já era um poeta e um novelista conceituado quando, em 1966, se mudou para Nova Iorque. Tinha 31 anos quando entrou no mundo da música. Não foi preciso muito tempo para que a crítica começasse a comparar o seu trabalho ao de Bob Dylan, pela força lírica das canções que escrevia. Apesar de ter influenciado muitos músicos e de ter sido distinguido das mais diversas formas – celebrado pelo mundo do espectáculo, mas também pelas autoridades oficiais do Canadá, por exemplo – Cohen raras vezes atingiu os tops com o folk-rock (rótulo talvez curto) que foi gravando. Escreveu, no entanto, músicas que foram revisitadas por centenas de artistas. “Hallelujah”, lançada em 1984, é talvez o melhor exemplo do modo como o escritor de canções marcou gerações de cantores. Do sagrado ao profano Muitas das canções que Leonard Cohen escreveu tornaram-se famosas pela voz de outros músicos – no início dos anos 1960, Judy Collins ajudou à projecção do compositor ao gravar alguns dos seus primeiros temas. Os admiradores de Cohen comparam os seus trabalhos a uma espécie de profecia espiritual. Escreveu sobre religião, mas também sobre amor e sexo, política, arrependimento e acerca daquilo que um dia disse ser a procura por “uma espécie de equilíbrio no caos da existência”. As letras das suas músicas eram muito pessoais – e às vezes assemelhavam-se a preces, como “Bird on the Wire”, de 1969. Entre os temas mais conhecidos estão “Suzanne”, “So Long, Marianne”, “Famous Blue Raincoat” e “The Future”. “So Long, Marianne” nasce do relacionamento com Marianne Ihlen, uma mulher que foi namorada – e musa – de Cohen nos anos 1960, depois de se terem conhecido na Grécia. No artigo da New Yorker, depois de ter ficado a saber que Marianne teria poucos dias de vida, conta-se que Leonard Cohen lhe escreveu um email: “Bem Marianne, chegou a altura em que somos mesmo velhos e em que os nossos corpos já não aguentam, e eu acho que te vou seguir muito em breve”. Dois dias depois, o cantor ficou a saber que ela morreu depois de ter lido o email que lhe enviou. So Long, Marianne. Dos livros aos discos A voz anasalada e grave – muito grave – de Cohen nem sempre foi bem recebida pela crítica e por outros músicos, como o britânico Paul Weller, que chegou a considerar que se estava perante um estilo melancólico “de cortar os pulsos”. Mas a verdade é que o trabalho de Leonard Cohen também é marcado pela ironia e por um sentido de humor muito próprio. Nascido em 1934, filho de judeus, o poeta, novelista e escritor de canções cresceu em Montreal, num bairro onde se falava inglês. Na adolescência, leu Federico García Lorca, aprendeu a tocar guitarra e formou uma banda de country que se chamava “Buckskin Boys”. Frequentou a McGill University, em Montreal, tendo publicado o seu primeiro livro de poesia pouco depois de se ter formado. A viver com apoios do Governo do Canadá e com dinheiro que herdou da família, Cohen publicou, na década de 1960, as colecções de poesia “The Spice-Box of Earth” e “Flowers for Hitler”, e os romances “The Favourite Game” e “Beautiful Losers”. Mas, desiludido com o modo de vida que tinha, decidiu começar a escrever canções e acabou por fazer uma audição em 1967 com John Hammond. O produtor conseguiu um contrato com a Columbia Records, a discográfica com que Cohen viria a ter uma relação de cinco décadas. Deu centenas e centenas de concertos, mas também passou por períodos de isolamento, de meditação, longe dos públicos. Durante os anos 1990, esteve num mosteiro budista zen nas Montanhas de São Gabriel, perto de Los Angeles. Entre 2008 e 2013, voltou a palco com muita regularidade, depois de ter sido incapaz de recuperar grande parte dos nove milhões de dólares que dizia terem-lhe sido tirados por Kelley Lynch, antiga manager e companheira. Apesar da relação por Marianne – e das outras mulheres que fizeram parte da sua vida – Leonard Cohen não casou. Deixou dois filhos, milhares de fãs e uma obra para durar até ao fim do amor. LER AINDA: A alquimia de transformar a escuridão
Hoje Macau China / ÁsiaPequim com plano para reunir progenitores migrantes com filhos deixados para trás [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China está a analisar formas de reunificar milhões de famílias separadas devido à migração interna, que resultou em que mais de nove milhões de crianças cresçam longe dos pais. Segundo o jornal oficial China Daily, o novo ministro dos Assuntos Civis, Huang Shuxian, avançou com essa proposta esta semana, durante a sua primeira reunião após suceder no cargo a Li Liguo. Devido ao alto custo de vida nas cidades e às restrições na autorização de residência, que limitam o acesso a serviços básicos como educação e saúde pública, milhões de trabalhadores optam por deixar os filhos ao cuidado de familiares. Em muitos casos, os pais só visitam as crianças uma vez por ano. Um censo divulgado pelo Governo na quinta-feira estima que o total de crianças “deixadas para trás” ascende a 9,02 milhões. Quase 90% – 8,05 milhões – vive com os avôs, 3% com outros familiares e 4% permanece só – quase 400.000 crianças. Uma das soluções propostas por Huang, segundo o China Daily, seria conceder autorização de residência (Hukou, em chinês) aos menores que migram com os pais, para que possam ir à escola nas cidades ou recorrer ao serviço nacional de saúde. A autorização de residência ‘Hukou’ é um sistema implantado em 1958, durante o Governo de Mao Zedong, para controlar a migração massiva dentro do país e assegurar a continuidade da produção agrícola e a estabilidade social nos centros urbanos. O ministro propôs ainda a adopção de medidas para estimular os pais a voltar a casa e o apoio aos menores que abandonaram os estudos para que voltem à escola. Campo de fatalidades A ocorrência de tragédias envolvendo estas crianças é frequentemente notícia na imprensa chinesa. No ano passado, quatro irmãos, com idades entre os cinco e os 14 anos, abandonados pelos pais durante meses, morreram depois de terem ingerido pesticida em Bijie, na remota província de Guizhou. No total, cerca de 60 milhões de chineses cresceram longe dos pais, desde as reformas económicas lançadas no país no final da década de 1970, que resultaram na transição de uma sociedade maioritariamente agrária para uma urbano-industrial, a um ritmo ímpar na História da humanidade.
Hoje Macau China / ÁsiaAlibaba | Mais de 91 milhões de yuan em meio dia O “Dia dos Solteiros” proporcionou ao gigante chinês um número astronómico de vendas sustentado nas promoções de empresas de todo o mundo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] gigante do comércio electrónico chinês Alibaba facturou nas primeiras 13 horas de sexta-feira, o “Dia dos Solteiros”, 91.200 milhões de yuan, aproximando-se da marca registada na totalidade do mesmo dia, em 2015. O “Dia dos Solteiros” gera todos os anos fortes vendas na China, devido às promoções que as empresas de comércio electrónico e os grandes armazéns lançam neste dia. A iniciativa, celebrada a 11 de Novembro pelos quatro ‘um’ que combinam nesta data (11/11), que afigura assim a condição de solteiro, foi criada em 2009 pelo fundador do Alibaba, Jack Ma. Nos primeiros cinco minutos após a meia-noite de sexta-feira, as vendas do Alibaba atingiram os 900 milhões de euros. Ao fim de uma hora, já iam em 4.800 milhões de euros. “Conseguimos superar a nossa marca oito horas antes, face ao ano passado”, anunciou um mestre-de-cerimónias, num evento organizado para a ocasião na cidade de Shenzhen, sul da China. Um ecrã gigante no local do evento dava conta da facturação das duas plataformas digitais do grupo, TMall.com e Taobao.com. Dezenas de milhares de vendedores em todo o mundo aderem a este dia. Para todos os gostos Este ano, mais de 11.000 marcas internacionais, entre as quais a Apple, Burberry, Disney ou Zara, fizeram promoções aos seus produtos no Taobao e Tmall. A Gallo, a marca portuguesa de azeite, aproveitou também a data para lançar uma promoção na sua loja oficial no Tmall. Cada garrafa de 500 mililitros de azeite marcava 368 yuan (50 euros), quase 40% abaixo do preço habitual. País mais populoso do mundo, com cerca de 18% dos habitantes na Terra, a China é responsável por quase 40% do conjunto mundial de vendas pela internet. Pelas contas do Ministério do Comércio chinês, em 2015 o valor de vendas ‘online’ superou os quatro biliões de yuan – mais do triplo do PIB português.
Hoje Macau China / ÁsiaAssessor de Trump quer ver EUA na Rota da Seda O ex-director da CIA diz que a oposição norte-americana ao Banco Asiático de Investimento foi uma falha e espera que a Administração liderada por Trump se associe ao plano da Nova Rota da Seda lançado pela China [dropcap style≠’circle’]U[dropcap]m assessor de Donald Trump, Presidente eleito dos Estados Unidos, afirmou sexta-feira desejar que o seu país participe na iniciativa chinesa Nova Rota da Seda, e apelou a Pequim para que contribua mais nas questões internacionais. James Woolsey, assessor para a Segurança Nacional, Defesa e Serviços Secretos, disse também que a decisão de Barack Obama em se opor ao Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (BAII) foi um erro. “Em Washington, reconhece-se hoje que a oposição da administração Obama ao BAII foi um erro estratégico”, escreveu Woolsey, num artigo de opinião difundido pelo jornal de Hong Kong South China Morning Post. Fundado no início deste ano, o banco proposto por Pequim foi visto inicialmente em Washington como um concorrente ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, duas instituições sediadas nos EUA e habitualmente lideradas por norte-americanos e europeus. Das grandes economias mundiais, apenas os EUA e o Japão ficaram de fora. Portugal tem uma participação de cerca de 13 milhões de dólares e o Brasil é o único membro em todo o continente americano e o nono maior accionista. Sobre a iniciativa chinesa “Uma Faixa e Uma Rota”, um gigante plano de infra-estruturas, que pretende reactivar a antiga Rota da Seda entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático, Woolsey diz que espera “uma resposta muito mais clara da próxima administração”. Segundo as autoridades chinesas, aquela iniciativa vai abranger 65 países e 4,4 mil milhões de pessoas – cerca de 60% da população mundial – e inclui a construção de uma malha ferroviária de alta velocidade entre a China e a Europa. Apelos e visões O assessor de Trump apelou ainda às economias emergentes como a China, “que beneficiam muito do mercado global”, para que desempenhem um maior papel nas acções multilaterais contra o terrorismo, missões de ajuda humanitária ou operações militares para salvaguardar a paz. O ex-director da CIA (1993 a 1995) disse que o novo Governo dos EUA “provavelmente continuará a proteger os seus aliados contra abusos da China”, afirmando que “a presença norte-americana na Ásia não é guiada por ambições territoriais”. As duas maiores economias do mundo devem assim chegar a um “acordo tácito”, em que Pequim respeita o estado actual da região e os EUA não desafiam o sistema social e político da China. “[O sistema chinês], mesmo que não gostemos, não temos necessariamente de fazer algo nesse sentido. Vejo a emergência de um grande acordo em que os EUA aceitam as estruturas sociais e políticas da China e se comprometem a não alterá-las, a troco de um compromisso em que a China não desafia o actual status quo da Ásia”, escreveu. “Será um empreendimento arriscado”, reconheceu.
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasTerror e Beleza em Godard 1. “WEEKEND” [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Lisbon & Estoril Film Festival ’16 a retrospectiva de Godard avança e, no ecrã do teatro da Trindade, foi possível ser público de um dos filmes mais perturbadores da história do cinema, tem como título “Weekend”. Teve estreia em Paris em Dezembro de 1967, mas está longe de ser um filme de Natal. A experiência da sua visão, imagem e som, é, uma imersão no abismo. Uma visão da falência da classe média e da sua construção burguesa, ou da sua aproximação aos ideias internacionais proletários. Com uma estrutura narrativa com poucas concessões à lógica mais imediata da continuidade, este filme terrível, mais do que antecipar o movimento dos estudantes e operários do icónico Maio de 68, visto hoje, em 2016, surge como uma visão pictórica, cinematográfica, de um real que ultrapassa em dimensão e barbárie a que filme vive e anuncia. Quase sempre os mais terríveis abismos do humano nos chegam em curtos fragmentos, mediados pelo electrodoméstico da comunicação de todos os lares e cozinhas a que chamamos televisão, com aquela previsibilidade e rotina de boletim de meteorologia onde sempre é de querer que em alguma parte do mundo a severidade climática seja mais intensa, pouco ou nada já incomoda, transforma. Em 2016, já todos vimos em sucessivos telejornais dezenas de carros incendiados na noite dos bairros periféricos de Paris, atentados e massacres em cidades da Europa, Américas, Ásia, África, e ao que parece a vacina da indiferença cumpre a possibilidade de sentir somente o aconselhado pelo termómetro do emocional esperado. Não é o caso do “Weekend”, aqui a experiência de imersão cinematográfica, mesmo que distanciada – o filme é neste sentido brechtiano -, é de permanente espanto pela expressão cinematográfica, pictórica, do abismo, neste filme que ultrapassa todas as convenções formais anteriores a si próprio. Com inicio no interior confortável de um apartamento o filme precipita-se para um dos mais inquietantes planos sequencia da história do cinema, um travelling continuo lateral a uma estrada no campo, onde um engarrafamento de trânsito tem dimensão hiper, e obriga-nos a um confronto com uma imagem em espelho que não queremos olhar. Se o engarrafamento é ultrapassado, o confronto com um ecrã espelho catártico da barbárie presente neste nosso tempo civilizacional, não. “Weekend” é um filme impossível, Godard sabe-o, o filme termina anunciando o fim do cinema. Maio de 68 foi anúncio a um tempo novo onde o axioma foi; é proibido proibir. “Weekend” visto em 2016, parece-me um urgente e difícil aviso à Barbárie que somos porque nos habita. 2. “LE MÉPRIS”, França/Itália 1963 (ou a morte de Penélope) A 5ª longa metragem de Jean- Luc Godard é uma superprodução internacional com a estrela Brigitte Bardot, capaz de iluminar qualquer ecrã, e é também, na primeira parte da obra do autor, o filme mais reflexivo sobre a história do cinema e o seu futuro. Adapta Alberto Moravia, e põe em cena um produtor americano e um cineasta/autor. Jack Palance permite a Godard ligar Jeremy Prokosch à galeria de produtores hollywoodianos que se comporta como um imperador romano, assina cheques nas costas do seu escravo e líquida os últimos vestígios do humanismo europeu. Ao ir ter Fritz Lang para interpretar o realizador, Godard relaciona o cinema de “nouvelle vague” e o cinema estúdio de forma aberta enquanto linha narrativa. Lang é o artista que recusou todos os compromissos, resistido tanto à ditadura nazi como à maquinaria hollywoodiana. Encarna a figura do Sábio, cita Dante, Holderlin, Brecht e Corneille. Godard faz coexistir, ao longo do filme, e muitas das vezes na mesma cena, diferentes tempos. Na segunda cena de abertura do filme, que é a terceira dado que o genérico inicial é também uma cena introdutória e situacionista do posicionamento formal do filme; por um lado através da utilização da voz-off, indica a autoria artística e técnica e, simultaneamente, pela materialidade do filmado e pela forma como faz, o posicionamento, o lugar que o filme quer ocupar no vasto território do cinema. É afirmado que se está num cinema reflexivo, autoral, e numa co-produção entre França e Itália Na cena seguinte, Camille e Paul, na cama, uma das mais memoráveis cenas eróticas do cinema, estamos em simultâneo no tempo da vida banal e no tempo ficcional. A materialidade dos corpos percorridos lentamente, em particular o corpo de Camille, na situação do banal quotidiano na vida dos afectos de um casal, com um trabalho plástico que distancia e aproxima, que afirmam o lugar do filme enquanto matéria própria. “ …então gostas de mim completamente” pergunta Camille, responde Paul “…sim, Amo-te completamente, ternamente, tragicamente” responde Camille “ Eu também Paul”. Se a cena se inscreve no tempo da vida banal, é também uma cena que vai permitir o desenvolvimento da linha narrativa do filme que vive na tensão entre possibilidade ou impossibilidade do amor vivido. Permite o confronto do amor icónico de Penélope e Ulisses, e os resíduos desejos e impossibilidade, desse amor, icónico no contemporâneo. Na cena seguinte, que se decompõe em três cenas, duas exteriores e uma interior, todos os plots do filme ficam em definitivo lançados. Todas as personagens conhecidas e identificadas. Toda a proposição narrativa é conhecida. No exterior de uma Cinecitá que se aproxima sem possibilidade de retorno do um espaço ruína, afirmando a dimensão narrativa do espaço/décor, conhecemos o produtor “americano”, conhecimento construído de forma fílmica, num continuado discurso e acção, e não de forma meramente informativa/descritiva. Na sala de projecção, assistimos ao visionamento de imagens do filme que é rodado dentro do filme, o plot principal da narrativa. Diferentes tempos no tempo da materialidade do filme. Um tempo civilizacional, um tempo ficcional. O conflito entre autor e produtor, o detentor das condições de produção, leia-se o dinheiro necessário para o exercício do cinema, é instalado. O poder do produtor é afirmado numa imagem de total expressividade, ao assinar um cheque nas costas dobradas da assistente, a servir de mesa. O exercício de domínio e submissão continua no exterior quando, instalado ao volante do descapotável, o jogo de captura e sedução a Camille se instala, com a submissão de Paul, marido e escritor contratado, empregado, do produtor. O filme está lançado, materializado na matéria fílmica. A morte de Penélope. “ O cinema, diz André Bazin, substitui o nosso olhar sobre o mundo que foge aos nossos desejos, Le Mépris é a história desse mundo.” A morte de Penélope é a impossibilidade do regresso a casa. Quem morre é Camille, mas são as múltiplas leituras tornam o filme notável, magnifico. O jogo entre o agora “herói relutante” versus o herói guerreiro e de vontade determinada, a impossibilidade da permanência do amor e o amor incondicional, definitivo, atravessa a obra numa contaminação direta com fenomenologia do real, das relações concretas das práticas do social e do cinema. O homem contemporâneo vive uma orfandade que o assusta e que deseja, e a casa, esse lugar doméstico que pode apaziguar o mundo é um lugar perdido, vivido de forma intermitente, perante a dureza da operacionalidade do mundo e da perda da inocência. Morre o Produtor e Penélope, mas Ítaca, onde fica?
Rui Flores VozesUm mundo ao contrário [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo presidente, Donald Trump não deverá adoptar todas as políticas que estiveram na base da sua campanha eleitoral e da extraordinária vitória sobe Hillary Clinton. As declarações que proferiu sobre o plano de seguro de saúde para os mais desprotegidos (Obamacare) após o primeiro encontro com Barack Obama, dão conta que, afinal, Trump, presidente, deverá deixar cair muitas das promessas de Trump, candidato. As ondas de choque à eleição de Donald Trump – sobretudo na Europa –, fazem prever profundas alterações não apenas na forma como os Estados se relacionam com Washington, mas também na forma como definem as suas políticas de segurança e de defesa e sob que prisma são definidas as linhas mestras das relações internacionais. O presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, por exemplo, aproveitou a eleição de Trump para salientar uma das principais prioridades da Estratégia Global da União Europeia para as políticas externa e de segurança: o reforço dos orçamentos de defesa dos Estados-membros. Aliás, a surpreendente vitória de Trump constituiu uma oportunidade para Juncker chamar a atenção para a estratégia adoptada pelos chefes de Estado e de governo da União Europeia, há quatro meses, que passou praticamente ao lado da imprensa internacional. O documento, aprovado cinco dias depois do referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia, no Conselho Europeu convocado para discutir o Brexit, não mereceu grande atenção por parte da comunicação internacional. Sobretudo aquela que é capaz de formatar a opinião pública internacional. No documento – redigido muito antes de qualquer indicação de que Trump poderia ganhar a Casa Branca – propõe-se que os Estados-membros da União Europeia reforcem a sua contribuição para a NATO, aumentem os seus orçamentos de defesa para a percentagem indicativa de 2% do Produto Interno Bruto e intensifiquem a cooperação militar. Numa frase: os europeus tinham de ter melhor equipamento, reforçar a componente formativa e estar mais bem organizados. Objectivos que não são fáceis de conciliar com políticas orçamentais restritivas. Por tudo isto, a mera eleição de Trump e toda a incerteza subjacente à manutenção das políticas de Obama em matérias de relações externas, veio pôr as questões de segurança e de defesa no centro da discussão no interior da União Europeia. Independentemente de vir ou não a aplicar muitas das prioridades enunciadas no último ano, convém ter presente algumas das prioridades que Trump tem para sua América. Ambiente. Trump não acredita que as alterações climáticas sejam um problema ambiental significativo e duvida que seja o ser o humano o principal responsável pelo aumento da temperatura média do globo. Por isso, quer retirar os Estados Unidos (EUA) do acordo de Paris sobre as alterações climáticas que entrou em vigor apenas no início deste mês. China. As principais ideias de Trump quanto à China passam pela denúncia da prática de dumping e de manipulação do mercado e por aumentar a presença militar americana no Mar do Sul da China. Comércio internacional. Embora defenda o comércio livre, Trump tem criticado vários acordos assinados por Washington, por considerar que foram mal negociados e resultaram na perda de postos de trabalho para os norte-americanos. Quer, por isso, rever o acordo de comércio livre com o Canadá e México (NAFTA). Promete penalizar as empresas que desloquem a produção para fora do país, apontando o dedo à Ford, a quem promete impor uma taxa de 35% na importação de veículos oriundos das fábricas localizadas no México. Trump anunciou que vai retirar os EUA da Parceria Transpacífica (TTP, na sigla inglesa), pois, diz, esta beneficia apenas a China, o Japão e as grandes empresas americanas. Defesa. O aumento do orçamento militar é apresentado como uma das suas primeiras medidas. Trump pretende aumentar os efectivos no exército, marinha e força aérea, além de reforçar o escudo antimíssil norte-americano. Admite que o Japão tenha armamento nuclear e quer Tóquio e Seul a pagar mais pelo apoio que lhes é dado pelos Estados Unidos. Estado Islâmico. Trump promete intensificar os ataques militares ao Estado Islâmico. Suspender a compra de petróleo à Arábia Saudita, caso esta não coopere na luta contra o Estado Islâmico. Imigração. Trump promete deportar 11 milhões de imigrantes sem documentos que vivem nos EUA, construir um muro na fronteira sul do país e triplicar o número de agentes de imigração e controlo aduaneiro. Trump quer acabar com a política de atribuição de cidadania a filhos de imigrantes ilegais nascidos em território americano. Irão. Trump critica o acordo assinado com o Irão e propõe-se renegociá-lo, pois acusa Teerão de ser o maior patrocinador do terrorismo mundial. NATO. Devido ao aumento do terrorismo na Europa, Trump questiona a utilidade da NATO, qualificando a instituição de obsoleta. Quer que os Estados europeus contribuam mais para a aliança. Rússia. Trump está apostado em manter uma boa relação com Putin, a quem reconhece excelentes capacidades de liderança e elogia a sua actuação na Síria. Segurança nacional. Trump propõe-se reforçar o programa de contra-terrorismo no interior dos Estados Unidos, incluindo os controversos programas de vigilância do governo da NSA, e manter a prisão de Guantánamo, em Cuba. Vêm aí tempos de incerteza e de alterações profundas do posicionamento de Washington no mundo. Se, por um lado, as políticas anunciadas por Trump levarão a um maior isolamento de Washington (no que diz respeito ao comércio internacional, por exemplo), por outro, demonstram uma visão comercial em relação ao apoio que é dados pelos EUA aos seus aliados tradicionais. Ao mesmo tempo que Japão e a Coreia do Sul deverão ter de pagar mais pelo escudo que lhes é propiciado pela presença militar americana, um eventual reforço de meios no Mar da Sul China pode levantar alguma inquietação em Beijing. Os tempos do “realpolitik” estão para ficar. Uma visão realista das relações internacionais parece ter tomado conta da lógica da política internacional. A resposta de Juncker à eleição de Trump indicia isso.
Sofia Margarida Mota EventosA alquimia de transformar a escuridão O último álbum de Leonard Cohen [dropcap]U[/dropcap]m mês depois de completar 82 anos, Leonard Cohen ofereceu ao mundo o seu, agora confirmado, último álbum. “You Want it Darker” não é só mais uma viagem do compositor, poeta e cantor canadiano, à melancolia da existência. Agora, visto à luz da sua recente despedida, é o adeus sóbrio e sublime de um dos grandes nomes da canção dos últimos 50 anos. Leonard Cohen abre o disco com o tema que lhe dá nome e faz antever a morte, em que o “I´m ready my lord” não é só mais um verso, mas sim a assinatura da canção. A playlist que se segue, faixa a faixa, não é menos consciente. “Treaty” é uma verdadeira metáfora de amor e angústia perante a vida. Um tema de cansaço que, agora, se pode associar ao seu debilitado estado de saúde e à impotência perante o inevitável. O tão almejado “tratado” regressa na última faixa de “You Want it Darker”, agora num frenesim de cordas que marcam o abrir de portas do fim do disco e de 50 anos embalados pelos temas de Leonard Cohen. A voz grave, que mais parece vinda das entranhas da melancolia, continua pelo álbum fora. Limpa, como a verdade que Cohen aponta tema a tema, e cortante em cada palavra que entoa. “I´m travelling light, it´s au revoir” é só um verso que abre mais uma canção, já com “You Want it Darker” a meio. Uma canção entre bandolins e coros, que o cantor tanto honrou ao longo da carreira, num convite a uma dança harmoniosa com a despedida de um amor, de uma vida. Não é possível escolher o melhor tema dos nove que compõem o último disco de Cohen. Mas é imperativo um tirar de chapéu, grato e humilde, como também ele ensinou a fazer nos concertos que deu nos últimos anos de vida. “You Want it Darker” é mais um reflexo daquele que conseguiu dotar a escuridão da existência de uma beleza doce, capaz de fazer os outros entenderem melhor o que levam no coração. “You Want it Darker” é um álbum, como todos os outros de Leonard Cohen, de amor, esperança, desilusão e, agora, de um verdadeiro adeus. LER AINDA: Morreu o músico Leonard Cohen
Hoje Macau China / ÁsiaSeul | Centenas de milhares protestam contra Presidente [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]entenas de milhares de pessoas saíram este sábado à rua na capital da Coreia do Sul, numa das maiores manifestações antigovernamentais da história do país, para reclamar a demissão da presidente Park Geun-Hye, envolvida num escândalo político. A polícia, que inicialmente esperava uma multidão de 170 mil pessoas, estimou depois em 260.000 o número de manifestantes, enquanto os organizadores do protesto falam em um milhão de pessoas na rua. Esta é a terceira de uma série de manifestações semanais contra Park, que luta pela sua sobrevivência política. As autoridades apelaram à calma e cerca de 25.000 polícias foram mobilizados na capital, bloqueando todos os acesso à Casa Azul, a sede da presidência em Seul. Durante a noite, uma maré humana invadiu a avenida Gwanghwamun, empunhando velas e cantando slogans em que pediam a demissão da presidente. Cuidado com os amigos O escândalo que envolve Park Geun-Hye há três semanas deve-se à sua amiga Choi Soon-Sil, que está detida e acusada de fraude e abuso de poder. Os procuradores estão a investigar alegações de que Choi, de 60 anos, usava a sua amizade com a Presidente para conseguir donativos de grandes empresas como a Samsung para fundações sem fins lucrativos que ela própria criara e usava para fins pessoais. Choi é também acusada de interferir nos assuntos do Estado e de aceder a documentos confidenciais apesar de não ter qualquer cargo oficial ou habilitações de segurança. Os relatos da influência nefasta de Choi sobre Park lançaram as taxas de aprovação da Presidente para cinco por cento, um mínimo histórico para um Presidente em exercício. Na manifestação de sábado ouviram-se ainda outras críticas, desde a queda do preço do arroz até à forma como as autoridades coreanas lidaram com o naufrágio do ferry Sewol em 2014, que fez mais de 300 mortos, entre os quais 250 estudantes. Tentando apaziguar a cólera popular, a Presidente apresentou várias desculpas, demitiu altos responsáveis e até aceitou renunciar a algumas das suas prerrogativas, mas em vão. Park reconheceu ser responsável pelo escândalo, admitindo ter sido, por amizade, “negligente” e pouco vigilante. No entanto, recusou ter participado, sob influência daquela a quem os media sul-coreanos chamam de “Raspoutine”, num culto religioso de inspiração xamânica. A amiga de 40 anos da Presidente é filha de um misterioso chefe religioso, Choi Tae-Min, que se tornou no seu mentor após o homicídio da mãe em 1974. A manifestação de sábado é a maior na Coreia do Sul desde 10 de Junho de 2008, quando uma vigília contra a decisão governamental de pôr fim à importação de carne dos EUA reuniu 80 mil pessoas, segundo a polícia, ou 700 mil, segundo a organização. No verão de 1987, milhões de pessoas manifestaram-se durante semanas em Seul e em outras cidades até que o então governo militar cedeu a realizar eleições presidenciais livres.
Isabel Castro Manchete PolíticaHo Chio Meng acusado de 1536 crimes. Julgamento começa a 5 de Dezembro O antigo responsável máximo pelo Ministério Público de Macau começa a ser julgado no próximo mês. Detido desde Fevereiro deste ano, Ho Chio Meng é acusado de uma longa lista de crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla e participação económica em negócio [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uase dez meses depois de ter sido detido, Ho Chio Meng vai comparecer em tribunal no próximo dia 5 para começar a ser julgado. Em nota à imprensa enviada ontem pelo Tribunal de Última Instância, e feitas as contas, fica-se a saber que o ex-procurador da RAEM vai acusado de 1536 crimes – a maioria diz respeito a burla, participação económica em negócio e abuso de poder. O mesmo comunicado indica que a instrução do processo foi concluída este mês, tendo o processo sido remetido ao tribunal colectivo do TUI no passado dia 4. De acordo com o despacho de instrução, Ho Chio Meng responde sozinho por vários crimes e, noutros, em co-autoria com vários arguidos que vão ser julgados num processo conexo. A legislação de Macau faz com que o ex-procurador seja julgado, em primeira instância, pelo Tribunal de Última Instância, por causa das funções que exercia à data dos factos. À semelhança do que aconteceu no caso de Ao Man Long, antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, o homem que liderou o Ministério Público entre 1999 e 2014 não poderá interpor recurso da decisão final e de questões processuais que possam ser levantadas durante o julgamento. A longa lista Passando à extensa lista de crimes: Ho Chio Meng é acusado de nove crimes de peculato, na forma consumada (punido com pena de prisão de um a oito anos), bem como de um crime de peculato de uso (um ano de prisão ou pena de multa até 120 dias). Depois, responde por 19 crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado – um crime que o Código Penal pune com pena de prisão de dois a 10 anos –, por 69 crimes de abuso de poder (pena de prisão até três anos ou pena de multa) e por um crime de destruição de objectos colocados sob o poder público (pena de prisão até cinco anos). Ainda como único autor, o ex-procurador responde por um crime de promoção ou fundação de associação criminosa, previstos pela Lei da Criminalidade Organizada, em concurso aparente com o crime de associação criminosa previsto no Código Penal (com uma pena que vai de três a 10 anos) – em julgamento irá decidir-se qual dos crimes em concurso será aplicável. A mesma situação se vai aplicar aos 434 crimes de participação económica em negócio que, no despacho de instrução, surgem em concurso com outros tantos crimes de abuso de poder. Quanto aos crimes em co-autoria, há oito crimes de burla qualificada que Ho Chio Meng terá cometido com uma arguida identificada como tendo o apelido Wang (cinco de valor consideravelmente elevado e três de valor elevado). Com os arguidos de apelidos Wong, Mak, Ho e Lei responde por nove crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado) e de 56 crimes de branqueamento de capitais. Com os arguidos identificados como sendo Wong, Mak, Ho e Lam, ao ex-magistrado são imputados 75 crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado, 205 crimes de burla qualificada de valor elevado e 646 crimes de burla. Ho Chio Meng é ainda acusado de ter cometido, em co-autoria com a arguida Chao, dois crimes de falsidade de declaração (inexactidão dos elementos) e um crime de riqueza injustificada. Colegas e família Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) ter recebido uma denúncia. Além do ex-procurador, o caso envolve duas antigas chefias do Ministério Público, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng, indicou o organismo. Para já, ainda não são conhecidos detalhes sobre o que terá acontecido – sabe-se apenas que, em causa, está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do Ministério Público, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteGrupo Pompidou do Conselho da Europa: “Novos químicos vão encher mercados asiáticos” Os avanços tecnológicos permitiram que hoje já não seja necessário ir à rua comprar droga, existindo cada vez mais negócios online, ou que haja cada vez mais produção ilegal de substâncias, comercializadas em todo o mundo por redes especializadas. Os responsáveis do Grupo Pompidou do Conselho da Europa, Antoine Verachtert e Robert Teltzrow, falam das novas tendências no consumo e tráfico de droga e do sucesso de Macau no programa de metadona Quais as novas tendências em termos de consumo de drogas às quais os governos necessitam de dar mais atenção? Robert Teltzrow (R.T.) – Podemos olhar para essa questão de duas perspectivas. Primeiro, ao nível do reforço da lei, e depois do ponto de vista social e de reabilitação. Quando olhamos para o lado social e de reabilitação, podemos dizer que o uso de drogas na Europa está, na sua maioria, estável. Há algumas drogas nas quais vemos uma redução do seu consumo, e outras em que notamos um aumento do seu uso. Drogas cujo consumo é mais estável é o cannabis, e drogas mais tradicionais, como a cocaína. Notamos um decréscimo no consumo da heroína na Europa. O uso de anfetaminas mantém-se estável apesar de termos um desenvolvimento em alguns países, como a República Checa e nos países vizinhos. Muitos dos laboratórios que produzem estas novas substâncias podem ser encontrados nestes países. Antoine Verachtert (A.V.) – Quando olharmos para o consumo vemos que há drogas consideradas tradicionais, como a cocaína, que continuam a ser consumidas, e já o são há muitos anos. A heroína regista um decréscimo, tal como a quantidade de heroína que chega à Europa. Mas, por outro lado, há novas substâncias psicotrópicas e regulações (que não conseguem abranger estas novas drogas) e é uma das razões pelas quais acho que é importante ter uma excelente cooperação ao nível internacional, especialmente ao nível da produção dessas novas substâncias. Alguns países na Ásia já importam, produzem e exportam para a Europa químicos que são usados e produzidos de forma ilegal em laboratórios, que são aplicados em novas substâncias. Que países são esses? A.V. – Há estudos que dizem que a China está a tornar-se um dos principais produtores e exportadores deste tipo de substâncias. Não quero apontar para um único país, mas um dos problemas é a legislação, especialmente quando falamos de químicos. São muito difíceis de regular. A diversidade dos químicos legais para o seu uso ilegal é uma das grandes preocupações e isso está a acontecer na Europa. Vemos que precisamos de uma maior cooperação com os países produtores, e aqui não falo apenas da China, porque há outros países no mundo que também produzem químicos muito perigosos, que têm um uso legitimado mas acabam por ser usados de forma perigosa e ilegal. Isso é algo que temos de combater em conjunto. O ice é uma das drogas mais consumidas em Macau. Como é o seu consumo na Europa? R.T. – Na sua maioria, é consumido por uma subpopulação que usa ice, cristais, as chamadas metanfetaminas. Podemos dizer que ao nível do tratamento o problema das metanfetaminas compara-se ao das drogas tradicionais, é muito baixo, mas não estamos ainda preparados para tratar problemas ligados ao seu consumo, especialmente porque não temos medicamentos para fazer essa substituição, como a metadona, que substitui a heroína, por exemplo. Há também muita falta de informação, sobretudo junto dos mais jovens? R.T. – É um fenómeno recente junto dos mais jovens e não há muito conhecimento sobre o que estas drogas fazem ao nosso corpo. Temos muitas admissões em hospitais e os médicos simplesmente não sabem o que fazer e tratam os efeitos das drogas como doenças, tratam aquilo que vêm. Não há muita investigação e pesquisa para que haja programas especializados para estes consumidores. Neste seminário abordaram ainda a venda de drogas na internet. É uma tendência e um mercado em crescimento? A.V. – Vemos cada vez mais, a um nível global, que as drogas são vendidas online. Muitos destes produtos não estão regulados, então podem ser vendidos na internet. Os jovens são os maiores utilizadores, compram todo o tipo de produtos, como roupas, sapatos, computadores, mas também compram drogas. Há também um processo de entrega dessas drogas, por correio, e isso traz-nos grandes problemas, e também para as empresas que não querem ter a venda de droga a circular nas suas redes. Está a tornar-se um grande problema para a sociedade no geral porque a compra de droga na internet faz-se no anonimato, as pessoas não precisam de ir para a rua comprá-la e isso faz com que seja mais difícil às autoridades identificar os compradores. Isso pode encorajar mais pessoas a comprar droga que de outra forma não iriam pôr os pés na rua para a comprar. Macau está neste momento a discutir a revisão da lei da droga, em que se prevê um aumento da pena de prisão para consumidores de três meses para um ano. Esta é a medida ideal para lidar com este problema? R.T. – Se imaginarmos que temos uma prisão onde há programas de tratamento antidroga, bons serviços sociais e um sistema aberto que permite ao preso estar em contacto com o mundo exterior, isso seria positivo. Mas normalmente penso que em todo o mundo isso não acontece. As prisões não são, no geral, um bom lugar para a recuperação dos toxicodependentes. E está provado que há um elevado consumo de drogas nas prisões. R.T. – Em todo o mundo vemos drogas dentro das prisões, estão disponíveis e são comercializadas. Precisamos que haja nas prisões tratamentos com substituição de substâncias, apoio social para que os consumidores tenham um tratamento humanizado nas prisões, para que possam manter o mesmo tratamento dentro da prisão que já mantinham cá fora. Em geral, na Europa, vemos uma tendência dos governos em quererem diminuir as penas de prisão e o número de reclusos. Cada vez mais se considera que o consumo de drogas não deveria ser encarado como um crime mas como um sintoma de uma doença. A.V. – Colocar os consumidores de droga atrás das grades significa também que as figuras do meio judicial têm de lidar com estes casos, ir a tribunal… Pessoalmente não estou convencido de que pôr consumidores de droga atrás das grades seja a melhor das soluções, pelo contrário. Não vão ter a possibilidade de ter o melhor tratamento, temos de olhar mais para eles enquanto vítimas e pacientes em vez de criminosos. Ao nível da lei não temos essa mentalidade, não vemos essas pessoas como criminosas. R.T. – Também é mau para a sociedade ter pessoas que não estão aptas a voltar a viver fora da prisão sem recaídas e sem um apoio contínuo, que vão voltar a cometer os mesmos crimes. Hoje visitei um centro de tratamento com metadona em Macau e vi que Macau implementou medidas muito efectivas ao nível da substituição de estupefacientes com medicamentos e recolha de seringas. Isso ajuda a prevenir doenças como o HIV e Hepatite C. Fiquei com uma impressão positiva. Há casos bem sucedidos na Europa de políticas de combate às drogas, como é o caso de Portugal ou até a Holanda, que descriminalizou por completo o seu uso. São exemplos para Macau? R.T. – Temos diferentes casos. O Grupo Pompidou serve para discutir os programas que já existem e de que forma podem ser efectivos. Vemos que alguns países implementaram políticas de descriminalização. Portugal implementou, em 2000, novas políticas de combate à droga que são abrangentes no sentido de transferir os toxicodependentes para centros de reabilitação, e vemos um bom exemplo por parte das autoridades policiais. Portugal é um exemplo muito interessante e houve efeitos positivos oriundos dessas políticas. Mas não se fez magia: Portugal continua a ter problemas com o consumo de droga, os níveis de HIV são ainda muito elevados. Mas é uma política mais abrangente e vários países europeus foram a Portugal ver de perto isso. Podem falar um pouco do panorama do consumo na Ásia, que tem contextos socioeconómicos muito diferentes? R.T. – Sabemos que os níveis de consumo na Ásia e na América do Norte são geralmente mais elevados do que na Europa. No que diz respeito ao tratamento de metanfetaminas, talvez haja um avanço porque o problema existe há mais tempo e a Europa até poderia aprender algo com a região da Ásia-Pacífico. Não quero incluir as Filipinas porque estamos muito preocupados com o que está a acontecer, com a política que está a ser adoptada e que criminaliza o consumo, falam em matar os consumidores. A.V. – A Ásia tem de entender que talvez um dia tudo vai regressar como se de um boomerang se tratasse. Se a legislação não mudar, se o controlo da produção de químicos e a prevenção da diversificação desses químicos não for implementada, temo que a produção vai aumentar e um dia esses novos químicos vão encher os mercados asiáticos na forma de novas substâncias. As metanfetaminas poderão crescer, mas também as novas substâncias. Mais tarde ou mais cedo isso vai acontecer. Pensar nas políticas Antoine Verachtert é segundo oficial do departamento do crime organizado transnacional do Grupo Pompidou, enquanto que Robert Teltzrow é assessor principal do projecto de saúde e reabilitação da mesma entidade, que pertence ao Conselho da Europa da União Europeia. Ambos estiveram em Macau nos últimos quatro dias para um seminário no Centro de Formação Jurídica e Judiciária, intitulado “Seminário sobre a luta contra o tráfico de drogas e toxicodependência”. O Grupo Pompidou está ligado às áreas do consumo e tráfico de drogas na Europa, bem como à área da reabilitação e doenças relacionadas com estupefacientes. O seu papel é analisar as diversas políticas que são adoptadas pelos membros da UE e estabelecer recomendações.
Andreia Sofia Silva PolíticaCalçada do Gaio | Au Kam San defende intervenção do tribunal [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Au Kam San considera que só os tribunais poderiam decidir quanto ao caso do edifício embargado na Calçada do Gaio, no sentido de ser dada uma compensação ao construtor. A posição do deputado está assim contra a decisão do Governo, que decidiu desembargar o prédio e manter a actual altura de 81 metros. “Quem violou o contrato foi o próprio Governo, portanto deve compensar o promotor. Num Estado de Direito, a melhor forma para resolver este tipo de casos é a instauração de uma acção judicial para reclamar a compensação respectiva por incumprimento de contrato”, disse ontem no período de interpelações antes da ordem do dia. Para o deputado, o promotor do edifício deve “apresentar provas dos prejuízos causados pelo despacho do limite de altura, o Governo vai contestar e depois o tribunal toma uma decisão sobre a compensação com base na análise objectiva dos factos, resolvendo-se o problema. No entanto, não se sabe qual foi a razão para o promotor não ter recorrido à via judicial para obter a compensação, nem qual a razão que levou o Governo a querer negociar com ele à porta fechada”.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaCCAC | Relatório sobre auto-silos gera reacções dos deputados Três deputados usaram ontem o período de antes da ordem do dia para comentar o mais recente relatório do Comissariado contra a Corrupção. Chan Meng Kam disse que os dirigentes dos vários serviços públicos devem “lavar-se, ver-se ao espelho, vestirem-se e ir ao médico” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s comentários foram fortes face a uma situação há muito repetida. O excesso de adjudicações directas e as falhas cometidas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) na gestão dos auto-silos geraram ontem interpelações orais dos deputados da Assembleia Legislativa (AL). Com a publicação de mais um relatório polémico pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC), os deputados exigem que o Governo assuma responsabilidades e adopte novas medidas. Chan Meng Kam usou palavras duras na hora de apontar o dedo ao Executivo. “Creio que a DSAT não foi a única que utilizou o ‘edital imperial’ a bel-prazer. Se não houver a revisão oportuna do regime de despesas com obras e aquisição de bens e serviços, e não se exigir a responsabilização a partir da fonte, os problemas não terão fim. Pelo exposto, os dirigentes dos diversos serviços públicos, incluindo a DSAT, devem, o quanto antes, “lavar-se, ver-se ao espelho, vestir-se bem e ir ao médico!”, recomendou. Para o deputado eleito pela via directa, as falhas constantes no relatório e o facto de a DSAT nada ter feito para mudar o sistema são uma “piada mundial”. “Aquando da entrega mensal ao Governo das receitas desses auto-silos, são as empresas de gestão que elaboram as demonstrações financeiras, sem registos informáticos das transacções. Os dirigentes da DSAT não procedem à verificação do montante submetido. Não exigir os pagamentos do montante em atraso, continuar a renovar os contratos e aceitar o que foi submetido é uma piada mundial!” “Será que há integridade nos outros serviços públicos? A raiz do problema está na corrupção, nas leis desactualizadas e na sua aplicação pouco rigorosa e, ainda, na atitude passiva do Governo, algo que deve ser resolvido o quanto antes”, questionou ainda Chan Meng Kam. A dias das LAG Numa altura em que faltam cinco dias para a apresentação do relatório das Linhas de Acção Governativa, o deputado Ho Ion Sang pediu que sejam tidas em conta novas regras em prol de uma maior transparência. “O Governo deve ter em conta nas linhas mestras das LAG a noção de ‘Governo íntegro’ e a necessidade de generalizar a incorruptibilidade, focalizando-se no alvo para preencher as lacunas existentes no regime jurídico da aquisição de bens e serviços, elevar a transparência e eficiência, e reduzir o espaço para o tráfico de influências”, apontou. Já o deputado Leong Veng Chai quis saber “como é que a Secretária para a Administração e Justiça [Sónia Chan] vai fiscalizar, com rigor, os vários serviços, ao nível da execução das leis na RAEM.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaLei Sindical chumbada. Fong Chi Keong diz não ser necessário cumprir acordos Ouviu-se de tudo em mais um plenário que culminou no chumbo da proposta de lei sindical pela oitava vez. Por entre o receio da explosão de associações sindicais e da quebra na economia, Fong Chi Keong disse mesmo que não é necessário cumprir todos os acordos internacionais ratificados pela RAEM [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]oderíamos afirmar que um deputado nomeado pelo Chefe do Executivo jamais criticaria os acordos internacionais ratificados pela RAEM ou a necessidade de os cumprir, mas esse não é o caso de Fong Chi Keong. As palavras do deputado da Assembleia Legislativa (AL) voltaram a dominar o debate de ontem que culminou, sem surpresas, no chumbo da proposta de lei sindical, com 12 votos a favor e 15 contra. “Não há mesmo necessidade desta lei e há que ter em conta a realidade local. Não vamos tomar sempre como referência os acordos internacionais”, defendeu Fong Chi Keong. “A proposta de lei prevê uma multa de 250 mil patacas para os empregadores que não cumprirem a lei, e se o trabalhador disser que houve discriminação, há multa! Com esta lei sindical as Pequenas e Médias Empresas (PME) vão todas fechar. Às vezes o Direito Internacional é parcial”, acrescentou ainda. O deputado nomeado por Chui Sai On foi ainda claro ao dirigir-se à ala que representa a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), que apresentou o diploma. “Não entendo porque é que os colegas estão sempre a tentar, apesar dos sucessivos fracassos. Porquê? Quanto mais leio, mais chocado fico. Já temos a lei das relações do trabalho, que já contempla os direitos dos trabalhadores. Ocasionalmente há algumas vicissitudes, como na construção civil, com casos em que os salários não são pagos. Mas não se deve ter em conta este sector para dizer que todos os outros não têm escrúpulos”, frisou. No final do debate, o presidente da AL advertiu Fong Chi Keong quanto à linguagem utilizada. “Retire as suas palavras, estava exaltado, e por isso usou esses termos, que não vou repetir aqui. No nosso diário essas palavras vão ser reproduzidas integralmente. Em Hong Kong isso geraria conflitos”, disse Ho Iat Seng. Também inclui TNR? A maioria dos deputados que se mostraram contra a proposta de lei afirmou temer uma explosão de associações de cariz sindical com a aprovação do diploma. “Muitas pessoas vão criar associações sindicais com esta lei. No interior da China só existe uma união sindical. As associações sindicais recebem subsídios, estes devem ser distribuídos pelos seus membros, mas no caso do fim da associação, o dinheiro não vai para os seus membros porquê? O dinheiro irá todo para os membros dos órgãos gerentes”, disse Melinda Chan. A deputada quis ainda saber se a possível lei sindical poderia abranger os trabalhadores não residentes (TNR). “Também abrange os TNR? Na Lei Básica só há referência aos residentes e vejo aqui também a inclusão dos TNR. Será que esses trabalhadores podem obter o direito de realizar greves?”, questionou. Gabriel Tong indicou ainda que a lei não explicita os critérios necessários para a criação de um sindicato. “A lei sindical não é um monstro de sete cabeças, mas esta que aqui temos não consegue colmatar o vazio legal e cumprir os acordos internacionais. Há pouco a deputada disse que há sete mil associações que poderiam apresentar o requerimento junto da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL). Onde estão os requisitos? A filosofia de uma associação pode constituir-se como um requisito?”, questionou o advogado e director interino da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. Chan Chak Mo, também empresário do sector da restauração, questionou o facto de o Governo ainda não ter tido a iniciativa de apresentar a lei sindical. “Falando da Lei Básica, quem a cumpre é o Governo, e os acordos internacionais também têm de ser cumpridos, como aconteceu hoje na aprovação da lei de branqueamento de capitais e terrorismo. Porque é que o Governo não apresenta uma proposta de lei? Temos o dever de cumprir os acordos internacionais, e devemos talvez perguntar ao Governo porque é que não cumpre a sua obrigação”, defendeu. A ala da FAOM pediu “paciência”, prometeu alterações ao diploma na discussão na especialidade, mas não chegou. “Lamentamos”, concluiu Kwan Tsui Hang.
Angela Ka Manchete PolíticaHong Kong | Susana Chou defende interpretação feita por Pequim A ex-presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou, escreveu no seu blogue que defende a interpretação feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional em relação a Hong Kong, que inviabilizou a tomada de posse a dois deputados [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]usana Chou reagiu à mais recente polémica que tem vindo a assombrar o Conselho Legislativo de Hong Kong (Legco, na sigla inglesa). Num texto escrito no seu blogue, a antiga presidente da Assembleia Legislativa (AL) de Macau disse concordar com a decisão tomada pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), que inviabilizou a tomada de posse dos deputados pró-independência Sixtus Leung e Yau Wai-ching. Susana Chou considera que os discursos de tomada de posse não estão de acordo com o disposto na Constituição chinesa nem na Lei Básica de Hong Kong, além de transcenderem “largamente” os limites impostos pela política “um país, dois sistemas”. Para a ex-presidente, os jovens deputados devem ser expulsos do Legco. Susana Chou diz “lamentar” a confusão que se instalou no meio político da região vizinha, considerando que Sixtus Leung e Yau Wai-ching são piores do que alguns deputados do LegCo, que já considera como sendo “bandidos comuns”. “Defendo a resolução para que se expulse os independentistas que estão a derrubar a política ‘um país, dois sistemas, que traem os seus professores e ligações que mantém fora do Legco”, escreveu. A antiga líder da AL lamenta os sucessivos escândalos e conflitos que têm originado várias suspensões de plenários do Conselho Legislativo. “Assumi o cargo de presidente da Assembleia durante dez anos e sempre houve uma cooperação estreita com os deputados. Essa é uma condição fundamental para o tranquilo procedimento das reuniões”, apontou. Quanto aos jovens deputados, “além de não amarem o seu país, também não se reconhecem como cidadãos chineses e, nos seus discursos, foram ofensivos”. “Eles promovem a independência de Hong Kong e a democracia, e estas opiniões não cumprem o que está estabelecido na Constituição nacional e na Lei Básica de Hong Kong.” No texto publicado no seu blogue, único meio onde expressa as suas opiniões, Susana Chou falou do caso de um jovem de Macau que lhe perguntou se o território também iria passar pela mesma situação. “Uma vez que a nossa campanha em prol do patriotismo foi capaz de deixar os seus contributos, Macau não vai chegar a esse ponto”, respondeu a antiga presidente da AL.
Angela Ka SociedadeEnsino Superior | China aumenta em 60 por cento as vagas para alunos de Macau O Ministério de Educação da China vai alargar o número de vagas para os estudantes finalistas das escolas secundárias complementares de Macau. O aumento dos lugares é de 60 por cento, o que faz com que possam ser abrangidos cerca de dois mil alunos [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] partir de 2017, dois em cada cinco alunos finalistas das escolas secundárias complementares de Macau poderão ser recomendados para admissão pelas instituições educativas de ensino superior do Interior da China. Graças ao ajustamento à admissão dos estudantes recomendados de Macau pelo Ministério de Educação, as vagas oferecidas serão aumentadas para cerca de duas mil o que, face aos anos anteriores, representa um aumento de 60 por cento, na medida em que o número de finalistas do ensino secundário local está contabilizado em cerca de seis mil por ano. Segundo o comunicado divulgado pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) em que se anuncia a medida, o próximo ano conta com 57 universidades da China Continental a admitir alunos locais, sendo que há dez novas entidades de ensino. No seu conjunto, vão ser oferecidas cerca de 930 vagas. Paralelamente, a Universidade de Jinan e a Universidade de Hua Qiao também vão aumentar os lugares disponíveis para cerca de mil, o que representa um total de 2000 vagas destinadas a alunos de Macau. O ajustamento do número de vagas tem, na sua origem, uma melhor preparação dos estudantes locais para o acompanhamento da diversificação da economia de Macau. Neste sentido, o acesso às mais prestigiadas universidades chinesas representa uma maior preparação para o mercado de trabalho local. À disposição estarão cursos que abrangem todas as áreas de conhecimento, sendo que o incentivo é dirigido às chamadas “áreas quentes” para o futuro da economia local. Em causa estão os cursos de Comércio, Finanças, Turismo, Cuidados Médicos e Educação, Design, Psicologia ou Sociologia. Lugares nas melhores do país As vagas oferecidas pelas chamadas universidades de primeira linha duplicam. A universidade de Pequim e a Universidade de Tsing Hua, classificadas nos 29º e 35º lugares, respectivamente, no ranking de Times Higher Education World University, a partir do próximo ano vão oferecer 20 vagas separadamente, em vez das dez que tinham destinadas este ano. A Universidade de Fudan, a Universidade de Nanjin e Universidade de Zhejiang também aumentar os números para entre mais 20 a 30 vagas. Foram ainda acrescentadas à lista de estabelecimentos de ensino superior disponíveis mais vagas em universidades especializadas, nomeadamente nas que dão formação didáctica e ensino de línguas. De modo a abranger um leque alargado de interesses dos estudantes locais, fazem parte também o Conservatório Central de Música, instituição de topo para a aprendizagem de música, a Universidade dos Estudos Estrangeiros de Pequim, a Universidade dos Estudos Internacionais de Pequim, a Universidade dos Estudos Internacionais de Xangai, a Universidade da Formação Pedagógica da Capital e a Universidade da Medicina Chinesa de Guangzhou. O Ministério de Educação chinês sugere também que as instituições de ensino superior que admitem mais de 30 estudantes de Macau abram turmas que alberguem apenas os alunos locais, de modo a que tenham acesso a um ensino unificado e usufruam de uma melhor gestão de actividades tanto curriculares, como extracurriculares.
Hoje Macau SociedadeGoverno recomenda 50 projectos para a Ilha da Montanha O Governo já decidiu quais são os projectos que vão juntar-se às mais de 30 empresas que receberam luz verde para irem para Parque Industrial de Cooperação Guangdong-Macau. Os nomes já foram recomendados a Zhuhai [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]o turismo e lazer à logística, passando pela investigação e desenvolvimento científico e tecnológico, indústrias culturais e criativas, novas e altas tecnologias, saúde e bem-estar. Estas são as áreas dos 50 projectos de Macau que foram recomendados pelo Governo local ao Conselho de Gestão da Nova Zona de Hengqin, órgão que vai decidir da viabilidade e interesse de cada proposta. Em nota à imprensa, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) recorda que, em Abril de 2014, foram recomendados outros 33 projectos de investimento na Ilha da Montanha. Deste total, 16 foram já analisados: os promotores já adquiriram terrenos. Os projectos envolvem um investimento total de mais de 80 mil milhões de patacas, estando ligados, na maioria, aos sectores do turismo e lazer, indústrias culturais e criativas, novas e altas tecnologias, investigação e desenvolvimento científico e tecnológico, comércio e logística. Doze projectos já iniciaram as obras de construção para se estabelecerem no parque industrial, sendo que, nalguns casos, as instalações devem estar prontas dentro de dois anos. Talvez mais O IPIM e o Conselho de Gestão da Nova Zona de Hengqin agora vão promover em conjunto seminários de apresentação do Parque Industrial de Cooperação Guangdong-Macau, destinados aos promotores dos novos 50 projectos recomendados. Com a iniciativa pretende-se permitir aos participantes ficarem a conhecer os detalhes sobre as condições e regras de acesso ao parque industrial. No comunicado, o instituto refere também que o Governo da RAEM vai manter uma estreita comunicação com o Conselho de Gestão da Nova Zona de Hengqin, recomendando novos projectos sempre que sejam benéficos para a diversificação económica de Macau e o crescimento do parque industrial. “O objectivo é estimular a participação activa de pequenas e médias empresas e jovens empreendedores de Macau na promoção da cooperação económica e comercial regional, reforçando a implementação da política ‘Um Centro, Uma Plataforma’ e favorecendo a diversificação económica adequada de Macau”, diz o IPIM.
Hoje Macau China / ÁsiaHong Kong | Acção para invalidar juramentos pró-democratas O antigo presidente de uma associação de taxistas pede que o Tribunal Superior de Hong Kong declare nulos os juramentos de oito deputados pró-democracia [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma acção foi intentada ontem junto do Tribunal Superior de Hong Kong para invalidar os juramentos de oito deputados pró-democracia do LegCo (Conselho Legislativo, parlamento), informam os meios de comunicação social da antiga colónia britânica. Trata-se da primeira acção do género depois de o Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular da China – constitucionalmente o “supremo órgão do poder de Estado” – ter considerado, na segunda-feira, que dois deputados pró-independência de Hong Kong não podem repetir o juramento do cargo e tomar posse. O pedido de revisão judicial contesta a validade dos juramentos de Leung Kwok-hung (conhecido por ‘Long Hair’, da Liga Social Democrata); Nathan Law (o mais jovem deputado, do partido Demosisto); Cheng Chung-tai (do grupo independentista Civic Passion); Raymond Chan (People Power); Chu Hoi-dick (independentista que centrou a campanha na equidade do uso das terras nas zonas rurais); e Lau Siu-lai, Edward Yiu e Shiu Ka-chun. “Dado o seu comportamento, discurso, vestuário e adereços, estes [oito deputados] agiram em violação da interpretação” feita pelo Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, afirmou Robin Cheng Yuk-kai, antigo presidente de uma associação de taxistas, autor da acção que pede ao tribunal que declare inválidos os juramentos dos cargos e lhes retire os assentos no parlamento. Além disso, solicita ao tribunal que analise a decisão do presidente do Legco, Andrew Leung, de ter permitido que Baggio Leung e Yau Wai-ching, do Youngspiration, eleitos nas legislativas de 4 de Setembro, repetissem os juramentos a 18 de Outubro, depois de os primeiros que fizeram, cinco dias antes, não terem sido aceites. Isto porque ambos se desviaram do ‘script’, pronunciando a palavra China de uma forma considerada ofensiva e acrescentaram palavras suas às do juramento, comprometendo-se a servir a “nação de Hong Kong”. No mesmo saco Na acção ontem apresentada é assim questionada a ‘validação’ dos juramentos de outros seis deputados, a 12 de Outubro. O autor da acção surgiu nas notícias em 2014 quando intentou acções judiciais contra os organizadores do movimento pró-democracia ‘Occupy’ devido aos prejuízos por causa dos protestos, que tomaram conta da antiga colónia britânica. Depois de o presidente do Legco ter decidido dar uma oportunidade aos dois deputados do Youngspiration de repetirem o juramento, o chefe do Executivo de Hong Kong, CY Leung, pediu uma intervenção urgente do tribunal. O juiz decidiu contra o pedido do chefe do Executivo, que teria impedido a repetição dos juramentos, mas deu luz verde a uma revisão judicial, também pedida por CY Leung. O veredicto dessa revisão judicial ainda não é conhecido, mas o Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular decidiu antecipar-se, entendendo oportuno e adequado intervir para travar o separatismo na Região Administrativa Especial, ao considerar que os dois deputados “representam uma grave ameaça à soberania e segurança nacional”. O chefe do Executivo de Hong Kong afirmou que vai “implementar plenamente” a interpretação de Pequim e impedir a entrada no LegCo dos dois deputados. Milhares de pessoas – 13 mil segundo os organizadores e 8.000 de acordo com as autoridades – protestaram no domingo contra a intenção de Pequim intervir neste caso. Um grupo entrou em confrontos com a polícia, recriando cenas que lembraram o movimento ‘Occupy’, com manifestantes a utilizarem guarda-chuvas – símbolo do protesto de 2014 – para se protegeram do gás lacrimogéneo. Esta foi a quinta vez, desde a transferência de soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, em 1997, que Pequim interpretou a Lei Básica da região.
Sofia Margarida Mota EventosPalestra | Turismo deve dar a conhecer a história do território O património de Macau classificado pela UNESCO deve ser dado a conhecer para além da fotografia turística, considera a arquitecta Maria José de Freitas, que dá uma palestra amanhã sobre os desafios de uma das principais indústrias do território. A intenção é perceber como ligar as informações dada pelos guias à história local [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história de Macau, o património e a sua herança cultural representam, actualmente, um desafio para os guias turísticos da região. A ideia é defendida pela arquitecta Maria José de Freitas ao HM, que considera que há que investir activamente na formação dos profissionais do sector. “O desafio para os guias turísticos diz respeito à informação a ser passada às pessoas e aos visitantes capaz de conter mais dados acerca da história do património local por onde passam”, ilustra. De modo a explicar a actual situação, Maria José de Freitas sublinha que “os principais desafios que neste momento se apresentam nesta comunicação entre património e agentes turísticos estão associados ao próprio contexto do território”. Para a arquitecta, circunstâncias como o desenvolvimento do sector do jogo e a abertura de toda uma série de novos casinos, e a consequente entrada de mais pessoas no território provenientes, na maioria, da China Continental, criam a possibilidade de dar a conhecer “um pouco mais acerca de Macau”. No entanto, o facto de os casinos proporcionarem passeios pela cidade não significa que promovam o conhecimento pelos locais por onde passam. “As pessoas são levadas a passear, mas não são informadas”, aponta Maria José de Freitas. “Andam pelas ruas, tiram umas fotografias, passam pelas Ruínas de São Paulo ou pelo Senado e pouco mais acontece, quanto muito ainda comem uns pastéis de nata, o que é muito curto e muito pouco.” No entendimento da arquitecta, urge a criação de circuitos de passeio curtos e com menos gente, mas munidos de guias devidamente informados para que possam elucidar sobre o que foi a história de Macau e sobre os espaços que se estão a percorrer. No programa das visitas deveria constar por exemplo a deslocação, acompanhada da devida informação, ao museu que se situa nas Ruínas, que faz alusão aos jesuítas e ao papel da própria Igreja, além de ter sido o Colégio de São Paulo que representa a primeira universidade ocidental na Ásia. A ideia é que estas são informações “que podem abrir os horizontes a quem nos visita e até proporcionar uma outra imagem de Macau”. Da foto ao conhecimento O desafio é avançar de uma situação de registo fotográfico “como se o património não passasse de um cenário de fundo para um registo informado e mais participado”, explica a arquitecta. Maria José de Freitas dá como exemplo a possibilidade de os visitantes, num trajecto de um dia, poderem conhecer os locais principais da cidade, sendo que seria positivo, para quem queira mais detalhe, um outro tipo de resposta. “É nesta parte que residem as dificuldades e que deve ser alvo de intervenção mais cuidada, tendo em vista o património de Macau que é reconhecido pela UNESCO.” A ideia encaixa no que as políticas para a diversificação do turismo têm vindo a proclamar e que tem de ser efectivamente posto em prática. Para o efeito, há que ter guias com formação universitária e na posse de informação fundamentada e detalhada. “Macau tem de escolher entre um turismo em que tem 40 ou 50 pessoas enfiadas num autocarro e que param em determinados lugares para a tal fotografia, ou assume que tem um património para mostrar e uma cidade que, nas suas ruas, arquitectura e planeamento manifestam uma história que precisa de ser contada, sendo que é necessário que haja alguém capaz de o fazer.” Neste sentido, a arquitecta considera ainda que cabe ao Governo e mesmo aos casinos a promoção da vertente cultural do património de Macau. Um património único “Macau tem um património único, nomeadamente no que respeita à mistura cultural. E é nesta miscigenação, que não é inteiramente ocidental ou oriental, que está a originalidade do território”, afirma. Outra característica do património local reside no facto de “não ser demasiado erudito”, no sentido em que muitas das construções não foram feitas por arquitectos ou engenheiros, mas sim por militares, por exemplo, que por cá viveram e deixaram o seu legado cultural inscrito no actual património. “Os nossos edifícios mostram uma história escrita na pedra e que é de cinco séculos, e que continua a ser construída”, remata Maria José de Freitas. Se por um lado as entidades competentes não têm tido o papel que lhes cumpre na associação da informação turística à história local, a palestra que irá proferir a convite da Associação de Estudos da Herança e Património de Macau revela, surpreendentemente, a vontade de assumir este tipo de desafios por parte de entidades privadas e formadas por “gente interessada e com formação”. “O encontro com este núcleo aconteceu, inesperadamente, em Portugal, numa conferência internacional acerca de património em que faziam uma apresentação sobre Macau e as suas particularidades”, recorda. No entanto, “esta é uma situação, a da relação entre o património e a informação turística, que passa muito ao lado das entidades oficiais, quer ligadas a Portugal, que ao Instituto Cultural, e são estas pessoas, ao nível individual, que mostram ter uma actividade cuidadosa, informada e rigorosa acerca de um assunto que é, de facto, de relevo”, defende. A palestra “De cenários amorfos a espaços culturais com significado – Desafios para o turismo na cidade de Macau” tem lugar amanhã, pelas 14h, na sede da Associação de Estudos da Herança e Património de Macau, situada na Rua dos Artilheiros.
Anabela Canas de tudo e de nada h | Artes, Letras e IdeiasPiano forte. Piano piano [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]oje é o ir pela escrita adentro, o único lugar. Como mergulhar lentamente, escolher a temperatura e sentir o rumorejar manso e eterno enquanto é. O imergir simplesmente sem violência num silêncio de sentidos múltiplos e distantes. O corpo. Somente o corpo. Palavras como águas sem mais. A única mão a estender para fora do regaço em que um par inerte e serenamente nunca só, pousa sem outra vida própria. Ir por dentro das palavras-pedras ao fundo, e ir por aí fora sobre as palavras-asas, e perder-me o possível nas palavras-gesto, nas palavras-beijo e nas palavras tacto. Varridas do chão de corredores sem fundo e de soalhos sem flor. E sem fim e sem dor. Ir. Ir para o dia que é o outro qualquer que não este que não me quer. Bem. Ir colhendo nas sílabas boas como numa seara de espigas e fenos e ir colhendo em molhos que não importa em que buquê se formam, mas formam. E formam quase a forma de um caminho que é sem fim e sem forma. E de resto mais nada que estas palavras a recobrir a calçada que nem sei se é e está. Como pétalas a disfarçar o que é terreno quando passa o andor. Sobram as ditas. Claro. A secar. A acastanhar. Nelas vou vogando. Nelas como nos dias. E o de hoje como todos na cor e na tonalidade própria, de luz-sombra. De cheio-vazio, de claro-escuro e de saturação pontual. Na indiferenciação da última sílaba da última palavra. E da pontuação. Onde acrescentar um ponto a uma vírgula e obter umas reticências. Onde apagar uma vírgula a um ponto, evidenciar um parágrafo, e observar o precipício abrupto à beira da palavra. A palavra tudo. Que está ali. E a palavra nada que se segue. Era uma história, possível. Mas eu gosto de vírgulas discretas e parágrafos sem exclamação. Escrevo a lápis mas nunca apago. Como um pássaro não seria pássaro se apagasse o vôo. E o lugar não pode deixar de o ser como se o não fosse. Ir pela escrita fora, sim, porque tenho que ir a algum lugar. Lugar marcado e encontro com o que é depois de agora. Sem outro transporte que não uma ânsia que não cessa. Não gosto do fim porque se vai finalizando. O fim que o é tem a hora marcada, registada e sublinhada a nítido fervor. Logo à noite, ver as estrelas. Os meus fins são assim de abrupta definição. Quanto muito esqueço. Quanto muito estrago. Quanto muito reciclo e refaço noutra matéria forma. Mas gosto mais de esquecer. Parar de ouvir vozes de outrora e de agora. Demasiadas vozes. Fazer a apócope de sons como do piano forte. A sobrar o piano, piano. Sem mais perturbação. Esperar a noite. Desligar o telefone dos dias. Percorro descalça o labirinto dos corredores. Disfórica e cuidadosa comigo que tenho. O que a vida traz e ninguém mandou. Tiro os sapatos e entro na casa. Que mesmo os saltos podem magoar. Ferir de pequenos pontos irrevogáveis a madeira sensível. E que ficam para sempre. A casa é forte. Quanto mais forte, mais frágil. Mas eu tiro. Penso que posso fazê-lo sem querer. Sem saber porquê. Tiro os sapatos para sentir-lhe a realidade. A chuva gelou-me a nuca e não houve carícia posterior. Talvez o sol no outro dia. E dizer bons dias a pessoas para quê…o tempo moído de esperas e desesperos, para quê…e depois aquela euforia avulsa. Um piano forte, de facto vindo dos confins dos séculos e reencontrado em ecos e vozes de natureza digital. Como dedos. A digitar recônditos recantos e bem. A fazer bem. Essa química pura e sem máscara. A música. Contornar pensamentos tóxicos e os não ditos. Adivinhados no cadinho das possibilidades em menú exponencial. Corrosivos e pela calada do desperdício. Fuga ao circunstancial. Pela escrita adentro como pela noite de todas as noites. A intemporal de sempre e de nunca. De que não sobra nos dias a liberdade. Mas que sempre vem e vai às vezes de exaustão. A noite de já não ser nada do esperado, desesperado ou ressentido. A ponte entre tudo e coisa nenhuma ou talvez. Pela escrita sentidamente e pela frágil e dissonante palavra que é tudo o que tenho. E da máscara digo nada porque é. Digo, só menos a que não quero e ganha vida para além dos fios e da teia que não quero tecer. Histeria metabólica em que oscila o amor e o desamor, a vida e a morte em trinta segundos e a rodar sempre a rodar o carrocel à música do tilintar de uma moeda. Ninguém pode invejar sentidos e sentimentos, aparentemente cada um gosta daqueles de que é capaz, vítima, ou roda de moinho. Como os de D. Quixote. Que só ele podia ver, como gigantes. Para quê alucinar as alucinações alheias. Há cogumelos mágicos de sobra para todos. E o mar chão de praias para abrir os braços e maravilhamento de costas ao poente. O lado contrário do mergulho. O amor é um bicho mamífero. Come mais ou menos de acordo com a indisposição. Entristece e adormece nas noites mais frias. Vigia o dono, espera. Desespera e dorme triste, acorda e dá saltos para desentorpecer as patas dormentes de tanto esperar. Passeia a farejar a vida. Mas não morre e renasce em cada sono. Está por ali nas arritmias e solavancos da vida. Até chegar a sua hora. Não é de modas sentimentais. De teorias estéticas. De uns dias se ser céptico de amor, e dos outros, vítima de fúria e de ardor. Os dias do nunca e nunca mais e os outros do para sempre e demais. Como se é fútil se as coisas não são construção sólida nos alicerces das veias. Sem circunstâncias. As pessoas fazem-se e desfazem-se nas palavras ditas. Nas outras, não se sabe. Sim, talvez mais como o sangue, a circular sem parança, a oxigenar-se quanto pode, sem parar. No seu sistema de vasos e ramificações por todos sem se enganar ou voltar para trás. Mas sempre nesse circuito fechado. De um nome. Um rosto, um corpo. Inconfundível. Esse. Que se vê no escuro. Porque é aí que vive escondido. De modas. Fruto da desnecessidade e mais ainda, sobretudo, infraestruturado na desmesura…e no espanto, de fora, a ver o carrocel com olhos de criança, no susto do ruído atroador. Da velocidade. Da voz que diz vai rodar. Fazem-se e desfazem-se, mas sobram. Umas e outras sem relação nenhuma. Como os dias. Novos ou reaquecidos da véspera. As mãos são a metáfora impossível sem o tacto. Impossível mas não improvável. Talvez pudesse dizer o contrário dependendo dos dias. Mas sobretudo o ar. Ser livre. Ter um espaço amplo. Nada ouvir e nada olhar. Um dia sem circunstâncias sem vozes e sem nada. Para escrever. E escrever ou não. Pela cor. Abstractas e macias como piano piano. E à noite ali na mesa da cozinha entre sombras, atentas amigas, a mão a um palmo. O olhar desarrumado e sem lugar, e pode ser uma companhia limite. Um ou dois copos. Tanto faz. Encosto a cabeça ao braço porque estou cansada e digo lê. Como quem diz, toca…a luz, baixa. O pano cai. E faz-se silêncio por fim. O de repente, o de sempre e o de nunca. Uma coisa de suave esquecimento. Vem daí.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasDiscurso de abertura da Exposição Industrial de Macau [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Domingo dia 7 de Novembro de 1926 fora inaugurada a Exposição Industrial de Macau no Campo de Mong-Há, e o jornal A Pátria, diário desde 1 de Outubro de 1925 e que em Abril de 1926 tinha como editor e proprietário o Pe. António José Gomes, doutorado em Teologia, referia a 9 de Novembro de 1926, “não poderia ser, nem mais atraente, nem mais auspiciosa, se atendermos às circunstâncias presentes desta Colónia, conjugadas com o estado político e económico do Sul da China.” A China encontrava-se mergulhada numa guerra civil desde 1917, estando dividida com dois governos rivais. Um a Norte, reconhecido internacionalmente e o do Sul, apoiado pelo Partido Nacionalista e liderado por Sun Zhongshan. Quando este, Sun Yat-Sen para os ocidentais, morreu em 1925, começou uma luta interna no Guomintang entre as duas facções, uma comunista e a outra nacionalista, esta liderada por Chan Kai-Chek. “A inauguração ocorreu às 14h e pico, sob um Sol escaldante” e estava o recinto da Feira apinhado de gente convidada especialmente para esse fim. No estrado central tomaram assento o Governador da Colónia, tendo à sua direita o Governador do Bispado, Reverendo A. J. Gomes, o Presidente do Leal Senado Damião Rodrigues e à esquerda, o Presidente da Comissão da Exposição, o Engenheiro Carlos Alves, o Professor Chan, representante da Associação Comercial Chinesa e o Sr, Frederico Gellion, manejante da Macau Electric. Depois de tocado o Hino da Maria da Fonte pela banda do Orfanato e cantado o Hino Nacional pelo Orfeão do Liceu Central de Macau, começou a série de discursos. O discurso do Almirante Lacerda Presidindo à festa de abertura da primeira Exposição Industrial e Feira de Macau, o então Governador interino, Almirante Hugo de Lacerda fez o seguinte discurso: “Tudo o que vemos em volta, todas estas barracas vistosas e engalanadas, cheias de artigos de variado valor, partiu da ideia de se estabelecer um simples mostruário de produtos de Macau”. Referiu que de início fora a exposição planeada para uma “sala do edifício do Leal Senado para uma exibição de poucos dias; depois passou-se a considerar também o aproveitamento do largo em frente deste edifício; mas a breve trecho, reconheceu-se a necessidade de um mais vasto campo, primeiro Tap Siac e depois o parque da Avenida Vasco da Gama, e por último, o lugar onde estamos, isto é, a baixa de Mong-há a qual por vezes chegou a parecer pequena. Tratava-se então de facto de realizar a feira como fora projectada pelo Governador Rodrigues e para o qual se conseguira $60 mil (patacas) como auxílio a dar por parte do Governo, mas que no caso presente se reduziu à quinta parte, o que foi motivo de bastantes dificuldades.” “O que vemos em volta não representa um acontecimento isolado e com restrita significação como a alguns poderá parecer; liga-se fundamentalmente com todo o ressurgimento de actividades industriais e comerciais que de há tempos se notam nesta cidade, a despeito de todas as dificuldades do viver político da China; liga-se naturalmente com as previsões do aproveitamento do porto de Macau, este novo e valioso instrumento do progresso. Indústria, comércio, navegação e viação terrestre dão-se as mãos, quando há uma população obreira como a de Macau e a que há em volta de Macau.” (…) “Dentro do progresso material se deve contar muito em Macau com o benefício trazido por forasteiros; não basta a produção e o tráfego de mercadorias, é preciso atrair a concorrência de pessoas por todas as formas dignas de uma cidade moderna; é necessário considerar o valor do que se chama o Turismo. A Direcção das Obras dos Portos não tem descurado este importante aspecto da questão dentro dos limites das suas possibilidades, indo até ao ponto de fazer sacrifícios, como por exemplo o estabelecimento de uma pista de corridas de cavalos, nos terrenos conquistados defronte da Areia Preta, crente em que estes sacrifícios terão largas compensações indirectamente para o porto e sem dúvida mais directamente para a cidade. Pena é que não possamos fazer neste momento, também a inauguração deste melhoramento como se chegou a julgar possível.” A pista de corrida de cavalos na Areia Preta só foi inaugurada em Março de 1927. “Voltando à exposição propriamente dita e atendamos também aos que nela trabalharam. O que está à vista não é mais do que uma tentativa, é certo, mas quando se considerem todas as dificuldades que resultaram dos fracos recursos, quando se considere ainda que tudo isto representa uma novidade para Macau, quando se atenda a que a maior parte do trabalho directivo e não directivo foi realizado com pessoal das Obras dos Portos, já tão sobrecarregado de serviços, fica-se defronte de qualquer coisa admirável; para cúmulo até a Natureza parece que quis experimentar a resistência do prestimoso Comissariado com um violento tufão (ocorrido inesperadamente a 27 de Setembro, causando grandes estragos no Porto Exterior, mas em terra não houve desastres pessoais) que reduziu o que estava feito já em estado adiantado a um montão de ruínas”. (Em terra os prejuízos materiais limitaram-se à destruição quase completa dos pavilhões destinados à Exposição no Campo de Mong-há, vulgarmente denominado Campo dos Aviadores, de várias barracas de obras de construção, fios partidos de iluminação eléctrica e dos telefones, tabuletas de vários estabelecimentos e cangalhadas e outros estragos de somente importância. De referir que nessa altura, a data da inauguração estava ainda marcada para 30 de Outubro.) “Foi esse momento crítico. Mas o momento mais crítico foi talvez aquele em que, havendo já compromissos importantes, foram negados quase totalmente os recursos ao Comissariado. Felizmente que essa enorme dificuldade foi removida, porque, a instâncias deste Governo, Sua Exa. o actual Ministro das Colónias, Capitão Tenente João Belo, autorizou que, pelos fundos do Conselho de Administração das Obras dos Portos, fosse aumentada aquela importância com $2000 (patacas). Creio que com esta experiência ficará bem vincada em todos a convicção da necessidade de nos futuros orçamentos da Colónia, ou na distribuição de verbas da Direcção das Obras dos Portos, se consignar a importância até pelo menos de $20 mil para anualmente se realizar a Feira de Macau. Aproveito ainda esta ocasião para dizer que este certame veio dar grandes facilidades para se realizar um melhoramento mais permanente – o estabelecimento dum museu comercial e etnográfico da Colónia – cuja falta se vinha fazendo sentir e mais se sentiria com o desenvolvimento da vida do porto” sendo “no Boletim Oficial estabelecido por Portaria”. “Não está terminada ainda a missão do Comissariado da Exposição, mas por menos que tivesse que fazer de ora avante, já se tornou digna dos maiores louvores por todo o seu trabalho e dedicação, que não poderá ser esquecido por este Governo e pela Colónia.” Assim terminava o discurso do então Governador interino de Macau. Foi durante a Sétima Sessão da Comissão, a 10 de Julho de 1926, que o Secretário pedira a nomeação de um Comissariado para dar cumprimento às resoluções da Comissão, pois, até ali, tem ele sozinho estado sobrecarregado com todo o trabalho. Assim logo se elegeu para o Comissariado os Srs. Pe. Manuel José Pita, Henrique Nolasco da Silva, Artur Tristão Borges e João Barbosa Pires. A ela se foram juntando Hü-Cheong, o Major Victor de Lacerda, o Capitão Afonso de Veiga Cardoso e desde finais de Setembro, o Tenente Gaudêncio da Conceição, Comandante do Corpo de Salvação Pública e da Polícia de Segurança. A Feira de Macau e Exposição Industrial ficou aberta até 12 de Dezembro de 1926.
Paulo José Miranda Em modo de perguntar h | Artes, Letras e IdeiasValério Romão: “Não me interessam os temas da moda” [dropcap]E[/dropcap]nquanto outros seguem guiões pré-definidos, como por exemplo ter de escrever uma cena de sexo (ou mais de uma) e uma piada (ou mais do que uma), ou seguir um imaginário completamente retórico, quase até ao limite da publicidade, os teus livros começam a partir daí, como a Marina Tsvetaeva para a poesia russa, nas palavras do poeta Joseph Brodsky em “Less Than One”: “Marina começa os seus poemas onde os outros acabam”. Tens a consciência de que escreves ao arrepio do que se escreve hoje em Portugal? Não sei se é exactamente ao arrepio daquilo que se escreve em Portugal, embora eu tenha uma consciência, ainda que pouco nítida, de que faço um caminho que tem um formato e trajecto com algumas particularidades que o distingue dos restantes. Talvez isso corresponda, grosso modo, à noção de estilo – seja lá o que isso for neste tempo em que parece que a única ocupação moral e eticamente permitida é o estilhaçar de categorias (e não para criar algo de novo, mas para terraplanar diferenças, um ideário paradoxal no qual se propõe que a criação não tem de criar nada e que o seu propósito é normalizar tudo, seja pela ironia, seja pelo pastiche, até nada se distinguir de nada). Não me interessa esse manifesto de terra queimada, não me interessam os temas da moda, não me interessa ser “actual”. Interessa-me sobretudo trabalhar com coisas que me são próximas e, simultaneamente, desconfortáveis. O que me interessa – pedindo desculpa pelo pretensiosismo inerente ao que vou dizer em seguida – é fazer qualquer coisa que, tendo um pé no agora, possa transcendê-lo: qualquer coisa de humano. A única forma literária que nunca escrevi foi o conto. Nem sei se sei fazer ou não. Tu tens uma predilecção pelos contos, ou entre o conto e o romance venha o diabo e escolha? Qual a diferença dessas duas formas de escrita em ti? Grande parte da minha formação enquanto leitor tem que ver com a leitura de contos, sobretudo os da escola do absurdo: Gogol, Kafka, Buzzati, Cortázar. Um conto é, passe a obviedade, muito diferente de um romance; um romance é uma corrida de fundo, uma ultra-maratona na qual parágrafos ou páginas inteiros podem estar ligeiramente ao lado ou mesmo desalinhados. Há um grau de tolerância relativamente ao romance que diminui exponencialmente quando passamos para formas mais breves de literatura: é muito menor no conto (talvez um, dois parágrafos) e ainda menor na poesia (às vezes, nem a um verso se permite o coxear). O conto para mim é a forma mais adequada para preparar desfechos inusitados e para testar ambientes e contextos incomuns, duas coisas que eu próprio procuro enquanto leitor. Tem ainda o bónus de ser possível começar e acabar um conto no mesmo dia, coisa que naturalmente não acontece com um romance. E como entendes a arte da crítica literária, que rareia nesta urbe? A função essencial da crítica literária é a recondução de um autor e/ou de uma obra ao lugar que pertencem na história da literatura, lato sensu. A crítica dispõe (ou devia dispor) das ferramentas necessárias para aquilatar o grau de novidade, sofisticação e relevância de uma obra. Só ela, dado a sua memória histórica, assente no trabalho de leitura e de crítica, pode encontrar o lugar do autor. O autor não faz isso sozinho. Não faz isso através do público. É o crítico o geógrafo capaz de encontrar o lugar do autor e a sua afiliação. O que normalmente lemos são recensões. E um e outro trabalho podem coexistir. Ambos são necessários. Descuidar a crítica, porém, é prestar, em primeiro lugar, um mau trabalho ao autor e ao público. Viveste muitos anos em França, qual a razão pela qual não te tornaste um escritor de língua francesa? Não me senti nunca em casa, em França. E não me sentido em casa, o francês, embora fosse a minha primeira língua, nunca se tornou um médium literário. Há que igualmente notar que saí de França com 11 anos, uma idade insuficiente para que a língua francesa tivesse obtido competência literária. Tornei-me leitor de francês mas não falante, e essa falta de prática aliada ao facto de nunca ter sentido França como “a minha casa”, fez com que acabasse por ser perfeitamente natural escrever em português. Tens uma licenciatura em filosofia. Achas que o curso que fizeste foi determinativo para seres o escritor que és? Vias-te a fazer outro curso, que não te conduzisse tanto a ti como o de filosofia? Eu não me imagino sem filosofia. Absolutamente. E atrevo-me a dizer que sou ainda mais específico: é o curso de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova. Não teria as mesmas competências de análise fenomenológica se não tivesse tido aulas com o Nuno Ferro, com o Mário Jorge de Carvalho, com o António de Castro Caeiro. Do mesmo modo, a minha perspectiva relativamente à estética não seria a mesma se não tivesse sido aluno da Filomena Molder. Não raras vezes socorro-me do que retive da minha passagem pelo curso de filosofia e do que vou lendo, entretanto, para escorar um capítulo, uma personagem, um livro inteiro. A filosofia está sempre presente, é mais que um conteúdo, é uma forma de pensar. Está presente de forma inconspícua, são as costuras das coisas, o espaço entre os retalhos, a geometria oculta que transforma um arrazoado de acontecimentos numa estrutura narrativa. Pode fazer-se tudo isto sem filosofia? Claro. Mas para mim seria mais difícil.