Concerto | “Mediterrâneo” apresenta as raízes musicais do sul da Europa

O ensemble L’Arpeggiata apresenta a 16 de Março no Centro Cultural de Macau o concerto “Mediterrâneo”, uma viagem lírica pelas paisagens sonoras entre Turquia e Portugal. O público será brindado pela fusão da emotividade do fado e estética sonora das harmonias medievais gregas e italianas. Os bilhetes já estão à venda

 

O Grande Auditório do Centro Cultural do Macau (CCM) acolhe no dia 16 de Março o concerto “Mediterrâneo”, interpretado pelo grupo L’Arpeggiata, que propõe uma viagem pelas raízes musicais das culturas mediterrâneas.

“Atravessando sulcos culturais da antiguidade, a música de ‘Mediterrâneo’ veleja entre a Turquia e Portugal, pelas costas da Grécia e Itália, levada por Christina Pluhar, a mentora de L’Arpeggiata, um ensemble barroco que junta uma série de vozes espantosas aos sugestivos movimentos de uma bailarina”, descreve o Instituto Cultural. Os bilhetes já estão à venda e custam entre 200 e 400 patacas.

Fundindo a emotividade do fado à singularidade das harmonias medievais da música grega e italiana, “este concerto é prova viva de que, mais do que afastar, o mar estabelece uma ligação entre mentes e almas”, refere o IC.

Em palco vão estar cerca de uma dúzia de músicos, e uma bailarina que dará corpo às composições que remetem para outros tempos e latitudes através de instrumentos antigos como o violino barroco, guitarra barroco, arquilaúde, corneto, saltério, viola de gamba, cravo e teorba.

“A heterogeneidade instrumental do ensemble L’Arpeggiata é complementada pelas nuances harmónicas das canções tradicionais do sul da Europa, criando uma sequência de narrativas inspiradas nas águas misteriosas do Mediterrâneo”, descreve o IC.

As sonoridades do passado e das paisagens e paladares característicos das zonas costeiras mediterrâneas vão tomar conta do Grande Auditório do CCM. “Cruzando águas ensolaradas, entre a tradição e a poesia mediterrânea, vamos viver a sensação de caminhar sobre a areia ao som de velhas tarantelas e cantos folclóricos entoados, como era costume, há muitos séculos, nas sombras de estreitas ruas empedradas ou em olivais distantes. No encanto de um diálogo constante, por entre sóbrios improvisos, as vozes em palco interagem sobretudo com instrumentos de cordas do mediterrâneo, como a lira e a teorba”, aponta o IC.

 

Barroco no séc- XXI

Fundado em 2000 em Paris, pela directora e teorbista Christina Pluhar, L’Arpeggiata é um ensemble flexível que combina especialistas em música antiga com vocalistas de uma região musicalmente conhecida como eixo da olivicultura. Com mais de 200 mil discos vendidos, o grupo tem recebido excelentes críticas pelos seus álbuns e concertos. Têm tocado em inúmeros festivais e salas de concerto, do Festival de Música Barroca de Londres ao Carnegie Hall de Nova Iorque, entre muitos outros.

O epicentro sonoro do grupo é a música italiana, francesa e também inglesa do século XVII. Composição e interpretação surgem frequentemente do improviso e da liberdade proporcionada pela interacção de músicos de jazz e músicos dedicados ao período barroco.

A austríaca Christina Pluhar é o motor de L’Arpeggiata. Com mais de três décadas de palcos e discos, a teorbista, harpista e maestrina é também professora no Conservatório Real de Haia e na Universidade de Graz

O concerto está marcado para as 20h e terá uma duração prevista de 90 minutos, sem intervalo.

19 Fev 2024

Concerto | Daze in White apresenta “No Thoughts” no Toi San

Um concerto para aprender as partilhar as emoções negativas, aquelas que mais custam. É desta forma que a banda local Daze in White apresenta o espectáculo de 7 de Outubro, no Centro Ngai Chon

 

A banda Daze in White apresenta o álbum “No Thoughts”, o seu trabalho mais recente que vai ser lançado esta semana, com um espectáculo na noite de 7 de Outubro, sábado. No Centro Ngai Chon, no 6.º andar do Edifício do Centro da União Geral das Associações dos Moradores, no Toi San, o grupo promete um concerto para libertar as emoções negativas, mas onde também se esperam risos.

Ao HM, Felix Cheung, vocalista e guitarrista acústico do grupo, revelou que o novo álbum que vai ser apresentado tem por base as experiências negativas quotidianas e a importância de conseguir partilhá-las.

“No dia-a-dia as pessoas experimentam diferentes emoções, algumas são felizes e outras tristes. Mas ao contrário do que acontece com os nossos momentos felizes, que são sempre fáceis de partilhar, tendemos a ter uma hesitação muito maior para falar das coisas que nos fazem infelizes, preferimos guardá-las para nós”, começou por explica Felix. “Quando não partilhamos as nossas emoções, acumulamos energia negativa e muitas vezes as pessoas não sabem como libertar essa energia. As músicas do nosso álbum mais recente abordam as pequenas coisas que nos fazem tristes, como o stress, a solidão, os arrependimentos, a guerra… mas a abordagem é feita numa perspectiva de que as pessoas também se possam libertar”, acrescentou. “Tal como nas nossas performances anteriores, esperamos que através da música e do espectáculo a audiência se possa libertar da energia negativa, vamos poder chorar juntos… mas também vamos rir”, frisou.

 

Novo videoclip

Uma das músicas confirmadas no concerto é All Alone, cujo videoclip foi lançado no sábado, na plataforma Youtube. A faixa foi escrita por Felix, e aborda um dos desafios do dia-a-dia, um acidente de trânsito.

“A história da música assenta numa experiência pessoal, quando há cerca de dois anos estive envolvido num acidente de trânsito e tive de ficar duas semanas internado”, afirmou. “Foi no hospital que conclui a letra desta música, que aborda a solidão sentida naquele período. É um dos temas que vamos levar para o palco no nosso próximo concerto”, antecipou.

No entanto, quando desafiado a escolher o tema preferido dos novos trabalhos do grupo, Felix indica “No Thoughts”, que também foi escolhido para dar o nome ao álbum. “É um tema do qual fui o compositor e o responsável pela letra. É cativante porque utilizámos esta música para fazer um sumário de todos os outros temas do álbum”, justificou.

Os bilhetes para o espectáculo encontram-se à venda, custam entre 220 patacas e 250 patacas e podem ser comprados nas lojas Old Little Things, Guitar River Studio, e nos cafés e bares Cinebrew, Hok Kee Coffee Roastery e Xiangzi Coffee.

 

Estreia com grandes nomes

Juntos desde 2017, os Daze in White têm como membros Felix Cheung, vocalista e guitarrista acústico, Michael Szeto, guitarrista, Dennis Wan, baixista, Dash Lei, baterista, e Eugene Lei, guitarrista e responsável pelas teclas.

Segundo a filosofia da criação do grupo, os temas abordados nas músicas focam principalmente “os muitos desafios da vida quotidiana”, e a exigência de manter “uma mentalidade em que a coragem e a determinação coexistem” para vencer os vários desafios.

Os Daze in White são também um dos nomes confirmados para o Festival de Música KoolTai onde nos dias 11 e 12 de Novembro também vão actuar grandes nomes da música mundial como Jessie J, Suede, ou Corinne Bailey Rae. A actuação está prevista para sábado.

Para a banda, a participação neste festival é muito entusiasmante e uma oportunidade para tocar juntos de uma audiência mais diferenciada. “É um grande prazer para nós ser convidados para um festival tão grande. Acreditamos que vamos ter uma audiência com pessoas vindas de vários países, por isso é uma boa oportunidade para mostrar a música de Macau ao mundo”, disse Felix. “Estamos todos muito entusiasmados com esta oportunidade”, concluiu.

19 Set 2023

Pop | Festival de Música leva músicos, dançarinas e Kana Momonogi ao Lisboeta

Mandopop, pop alternativo, criadores de Youtube, as cheerleaders Rakuten Girls e a actriz pornográfica Kana Momonogi. O Festival WMW de Música DJ realiza-se amanhã e promete um dia de Verão com “diversão sem limites”

 

Um dia de Verão para “desfrutar dos sons cativantes e da diversão sem limites”. É desta forma que o Festival WMW de Música de DJ é apresentado. O evento realiza-se amanhã, pelas 18h, no espaço H853 do Hotel Lisboeta Macau, e além de DJs e cantores também traz ao território as cheerleaders profissionais Rakuten Girls e Kana Momonogi, popular actriz japonesa de filmes para adultos.

Em termos musicais, a animação fica de WINNI, Arrow Wei, Wendy Wander e WackyBoys, todos provenientes de Taiwan. WINNI é uma cantora que mistura o pop com rock melódico com três álbuns lançados, entre os quais “Wonder Girl, Problem Girl”, com o tema “If time paused”. Além disso, é conhecida por ser apresentadora em plataformas online com conteúdos sobre jogos electrónicos.

Por sua vez, Arrow Wei além de cantar é especialista em tocar guitarra e apresenta um estilo musical abrangente, que varia entre o folk indie, folk rock e o pop. Com cinco álbuns lançados, o mais recente em Abril deste ano com o título “Like Me”, a cantora licenciada em finanças tem como temas mais conhecidos “I still don’t understand it”, “How are you?” e “I don’t care who you kissed”.

Wendy Wander é uma banda independente que se caracteriza por um estilo alternativo, entre o pop indie, com músicas mais melódicas e suaves, e o bedroom pop, uma tendência mais recente, onde as criações têm lugar num ambiente mais íntimo, longe dos grandes estúdios, possibilitada pela era da digitalização e o acesso fácil ao software de produção musical através de um computador.

Activo desde 2018, o quinteto formado por Jiang Yang (vocalista e baixista), Zheng Ni (vocalista e guitarrista), Wei Xiang (guitarrista), Li Yaoru (teclas) e A Rui (baterista) lançou dois álbuns “Spring Spring”, em 2020, e “Lily”, em 2021, cujos temas vão poder ser ouvidos no espaço H853.

A outra aposta a nível musical é o grupo de youtubers WackyBoys, formado em 2012, e conhecido pela criação de vídeos com um teor cómico, cujo estilo pode variar entre o pop ou até o hiphop.

Com mais de 1,64 milhões de seguidores no youtube e 858 milhões de visualizações, o grupo inicialmente formado por Zhuang Yaoxuan, Yu Sunsheng e Lin Yizhen, goza de grande popularidade em Taiwan, entre os mais jovens.

Dança profissional

Além da música, uma das grandes atracções do Festival WMW de Música DJ são as Rakuten Girls, grupo profissional de cheerleaders ligado à equipa de Basebol Rakuten Monkeys, constituído por jovens provenientes de Taiwan, Japão e Coreia do Sul.

Inicialmente criado como LamiGirls, além de animarem o estádio de Basebol Taoyuan, o grupo dedica-se à produção de vídeos de dança e de apresentação das diferentes membros no youtube, onde conta com mais de 20,3 milhões de visualizações.

Em Macau, as Rakuten Girls vão contar com várias representantes, e a performance terá como líder Rina, que além de dançarina é igualmente modelo. Outras das presenças anunciadas entre o grupo são as de Yuhi, Galin, Linda, Aviva, Ava Wu, entre outras.

Por último, o festival promete ainda a presença da actriz pornográfica, cantora e criadora de conteúdos online Kana Momonogi, de 26 anos. A japonesa fazia parte do extinto grupo musical Ebisu Muscats 1.5, que tinha a particularidade de todas as 30 membros serem actrizes pornográficas. No entanto, Momonogi vem a Macau para apresentar os trabalhos a solo como cantora, que cria desde 2017.

Os bilhetes para o evento encontram-se à venda nos locais habituais e variam entre as 188 patacas e as 1388 patacas, sendo que os ingressos mais caros permitem tirar fotografias com os vários artistas.

17 Ago 2023

Portugal repõe quota de música portuguesa em 30 por cento

O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, assinou a portaria que repõe a quota mínima de música portuguesa na rádio nos 30 por cento, durante um ano, tendo o diploma seguido para publicação em Diário da República, anunciou segunda-feira o ministério.

“A programação musical dos serviços de programas de radiodifusão sonora é obrigatoriamente preenchida com a quota mínima de 30 por cento de música portuguesa”, lê-se no texto da portaria à qual a Lusa teve acesso. A portaria deve entrar em vigor a 01 de Setembro próximo, “produzindo efeitos pelo período de um ano”.

O ministério justifica a medida pela relevância que “a produção de música portuguesa apresenta hoje” e a “vitalidade que permite às rádios cumprir o regime de quotas, sem comprometer a diversidade e a coerência do projeto editorial de cada serviço de programas”.

O ministério salienta que o espectro radioeléctrico é um recurso público limitado, e “o Estado tem legitimidade para determinar o cumprimento de obrigações específicas, em nome do interesse colectivo”.

“Note-se que a rádio por via hertziana terrestre continua a ser o principal meio de escuta de música para um número elevado de pessoas e que a emissão radiofónica, apoiada por um sistema de quotas, contribui para a diversidade da oferta musical”, lê-se na portaria.

Conversas parlamentares

No início do mês, a 05 de Julho, no Parlamento, o ministro demonstrara disponibilidade para fixar a quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios em 30 por cento, enquanto se aguardava pela proposta de revisão da lei da rádio, a apresentar pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

Pedro Adão e Silva sugeriu então que o Parlamento aguardasse “pela proposta de revisão da Lei da Rádio da ERC”, já que o processo legislativo que se tinha iniciado dificilmente terminaria este mês, em que encerrou a actual sessão legislativa.

“O Governo, nos termos que a lei prevê, isto é, ouvindo e consultando o sector, pode fixar por portaria, e essa é a minha disponibilidade, os 30 por cento [quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios]”, adiantou então Pedro Adão e Silva.

A quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios, prevista na Lei da Rádio, entrou em vigor em 2009. Nessa altura, foi estabelecido que seria de 25 por cento, mas o valor subiu para 30 por cento em Março de 2021, como uma medida de resposta à pandemia da covid-19.

Um ano depois, em 2022, a quota mínima regressou aos 25 por cento e esta decisão do Governo acabou por ser criticada publicamente pelo sector, nomeadamente por dezenas de artistas portugueses.

2 Ago 2023

Música melódica fluindo de Dizi: paisagens de um manifesto nostálgico

Por Flávio Tonnetti

Sempre é um prazer muito grande entrar em uma sala de concerto, esses espaços dedicados à escuta, em que podemos nos recolher para melhor ouvir a nós mesmos – e à respiração dos outros. Lugares em que, por alguns minutos, estamos protegidos do mundo e seu ruído externo, nos quais somos convidados à expressão de uma interioridade solene quase silenciosa, não fosse o ecoar da música.

Gosto de pensar nas salas de concertos como templos religiosos: vãos arquitetônicos oferecidos às divindades da música, lugares consagrados aos misticismos sonoros e seus espíritos. Sítios onde assumimos uma postura reverente perante aquilo que ali se materializa, partilhando com seus sacerdotes, chamados músicos, o maná que flui dali.

Em Macau, temos o privilégio de ter um Centro de Artes com salas muito bem preparadas para esse tipo de culto, nas quais podemos apreciar com grande qualidade a música repercutida em seus espaços. Uma delas é o Pequeno Auditório – que não tem nada de pequeno: uma sala contemporânea com arquitetura sóbria, cadeiras confortáveis e boa distribuição acústica. Foi nesse espaço que, neste fim de semana, pudemos ouvir ao concerto Música melódica fluindo de Dizi, com a Orquestra Chinesa de Macau, em um programa conduzido pelo maestro Zhang Lie com solos de Li Feng, tocando banhu, e Dai Ya tocando dizi. Um concerto que nos levou a passear por várias das paisagens chinesas, tendo sempre Macau como porto de chegada.

Uma seleção de obras que permitiu observar como é sofisticado o trabalho da percussão nas composições musicais chinesas. Um trabalho que, no conjunto de composições escolhidas, opera função sonora por vezes mais harmônica do que rítmica, criando climas e atmosferas que em orquestras ocidentais seriam sustentados pelo naipe de cordas, com baixos, violinos, violas e violoncelos.

As cordas chinesas, nas quais se acomoda o banhu, instrumento com sonora singularidade, assumiram uma forte potência rítmica, deixando a melodia, como sopro etéreo – como ânimo e alma – aos cuidados das flautas de bambu, conhecidas como dizi – nome do instrumento que compõe parte importante do título do concerto. Um instrumento que seria vigorosamente executado por Dai Ya, com o virtuosismo pelo qual é conhecido, na segunda parte do programa, dando corpo à composição Amor em Qinchuan, de Zeng Yongqing.

Por alguma razão misteriosa, o concerto no Pequeno Auditório de Macau remeteu-me a Sala Manuel Ponce, do Palácio de Bellas Artes da Cidade do México, um prédio histórico suntuoso, arquitetonicamente muito distinto desses espaços mais clean que compõem o Centro de Artes de Macau.

Essa sensação de transposição talvez tenha surgido porque nas duas salas de concerto eu tenha visto espetáculos em que músicos da orquestra usavam a voz como elemento sonoro. Em uma das músicas do primeiro bloco, o corpo dos músicos vocalizou, em uníssono, um urro, que funcionava, no desenvolvimento formal da música, como um elemento enérgico culminador dum clímax.

Aqui, uma espécie de ‘hai’; lá, uma espécie de ‘ola’. Assim como os espaços arquitetônicos podem ser postos em contraste, também a natureza dos corpos em transe musical pode ser contrastados: aqui, um corpo asiático que, operando pela estratégia da contenção, vai organizando dentro de si o som como força que vem de dentro. Lá, um corpo sul-americano que, permitindo que dele extravase aquilo que já não se comporta, vai operando por transbordamento: no México, um corpo que dança. Em Macao, um corpo que caligrafa.

Faço essa analogia, porque os temas das itinerâncias, dos encontros, da celebração e da mestiçagem estão de alguma forma presentes como força estruturante desse programa. Bem como o tema da espiritualidade, que aparece explícito na escolha da obra Flying Apsaras, de Zhao Jiping.

Também a performance do solista Li Feng no banhu expressa bem esses sentidos: o som que escutamos não saí exatamente de seu instrumento; apenas passa por ele. Um instrumento que é em si uma continuidade desse corpo contido, que corta em si uma fresta, permitindo que possamos observar – e nos conectar solidariamente – aos humores e afetos de sua alma invisível, que só pode se fazer manifesta pelo domínio delicado de um instrumento.

A própria música que executa, Rapsódia de Macau n. 3, é um signo do transe das misturas – apresentando uma cultura milenar chinesa que operou não apenas por repetição e enclausuramento, mas também por assimilação e abertura, obra composta por Kwan Nai-chung a partir de uma série de procedimentos de citação e assemblagem de músicas clássicas orientais e ocidentais, de temas operísticos e populares, buscando emular na linha melódica do banhu aquela grave tristeza emitida pela voz da fadista portuguesa, reconfigurando esses arabescos para chegar a uma paisagem sonora cantonesa, revelada como porto musical pelo qual todos passam e se reúnem harmonicamente. Essa música se mostra, portanto, como um manifesto, tão nostálgico quanto a antiga forma de soar das guitarras portuguesas – que cada vez se escutam menos. Imaginar os sons do futuro é urgente.

*Artigo escrito em português do Brasil

27 Mar 2023

“Excursão Cultural Profunda” | Música e workshops aquecem Janeiro

Com a chegada do Ano Novo Chinês, que este ano acontece entre os dias 21 e 27 de Janeiro, o Instituto Cultural promove uma série de espectáculos musicais e actividades até final do mês no espaço da Feira do Carmo e Casas Museu da Taipa

 

O Instituto Cultural (IC) prepara-se para receber o Ano Novo Chinês com muita música e animação. O cartaz dos eventos, que se integra na iniciativa “Excursão Cultural Profunda” deverá acontecer ao longo do mês, sempre aos fins-de-semana, com espectáculos musicais e muitas actividades para miúdos e graúdos.

O primeiro espectáculo, de música pop brasileira, acontece já no próximo sábado nas Casas Museu da Taipa, e integra-se na temática “música dos continentes americanos”. No sábado seguinte, dia 14, é a vez de o público desfrutar de um espectáculo de música rock americana, seguindo-se Bossa Nova, dia 21, e música latina no dia 28. Os concertos decorrem sempre entre as 16h e as 18h.

Com estes concertos, o IC pretende “englobar diferentes géneros musicais únicos” permitindo “ao público sentir os ritmos extremamente dinâmicos das músicas oriundas dos continentes americanos”.

Workshops e afins

Se os sábados são feitos de música, os domingos são preenchidos com workshops e actividades alusivas ao Ano Novo Chinês, com o tema “Novo Ano, Nova Imagem”. A Feira do Carmo acolhe, no próximo domingo, o evento “Melodias mágicas abrem um novo capítulo”, enquanto no domingo seguinte, dia 15, decorre um workshop onde os participantes vão aprender a criar acessórios típicos do Ano Novo Chinês com plasticinas de diferentes cores, a fim de criar “acessórios únicos como celebração desta ocasião especial”. Para marcar presença nesta iniciativa, deve ser feita a inscrição entre os dias 4 e 11 na plataforma da Conta Única.

Por sua vez, no dia 22, decorre a iniciativa “Monstros do Ano Novo Chinês animam a celebração” enquanto mais perto do final do mês, a 29, tem lugar a actividade “Receber a divindade de felicidade com música e alegria”.

Com estes eventos dominicais, o IC pretende aliar “a cultura chinesa com a ocidental e o passado com o presente”. As apresentações escolhidas para o programa trazem “danças chinesas elegantes, teatros interactivos com tema de animais do Ano Novo Chinês e concertos de instrumentos chineses baseados na mesma festividade”.

Haverá ainda a oferta de felicitações com dísticos sobre temas de destaque no ano novo lunar, escritos na hora por mestres de pintura e caligrafia chinesa, entre outras actividades de celebração, promovendo a fusão entre a tradição e a inovação e proporcionando um ambiente festivo carregado de animação e alegria.

O IC descreve que esta iniciativa “tem sido muito bem recebida por residentes e turistas” desde o seu lançamento, em Novembro. A ideia é continuar a promover “uma série diversificada de experiências de cultura a nível comunitário e espectáculos com características únicas” num espaço único como é a antiga vila da Taipa.

2 Jan 2023

Música | Amizade é tema central de “Conversas Ilustradas com Música”

A Fundação Rui Cunha (FRC) apresenta, na quinta-feira, dia 21, às 18h30, mais uma palestra inserida na iniciativa “Conversas Ilustradas com Música”, desta vez sob o tema da Amizade.

A sessão conta com a participação de Shee Va e José Carlos Pereira, que vão abordar temas como o “afecto, carinho, estima e dedicação”. Além disso, a sessão conta com a música dos compositores Benjamin Britten e Dmitri Shostakovich.

“Pese embora tenham estado separados pela língua e pela Cortina de Ferro em tempos de Guerra Fria, sempre se entenderam através da arte e da profunda admiração que nutriam pela música um do outro”, aponta a FRC, em comunicado. Exemplo disso foi o facto de Britten ter dedicado a Shostakovich a sua ópera “O filho pródigo”, tendo este retribuído com a XIV Sinfonia.

Ambos foram verdadeiros alicerces na construção da música do Século XX, o que levou o maestro britânico Jan Latham-Koening a fundar a Britten-Shostakovich Festival Orchestra, que agrega jovens músicos oriundos dos Conservatórios dos dois países de origem dos dois compositores. De frisar que este evento ocorre no âmbito do décimo aniversário da FRC.

13 Abr 2022

Música | Achun lança Keep Da Vibez Goin’ e prepara concertos em Macau

Keep Da Vibez Goin’ é o mais recente disco de Achun, o músico local que na ausência de uma comunidade alternativa em Macau centrou a carreira em Hong Kong. Numa altura em que a ansiedade e o negativismo ganham terreno, os sons de Achun são o elixir da boa disposição, descontração e ritmo à vida

 

Apesar de tudo, a boa onda prevalece. “Keep Da Vibez Goin’”, o disco de Achun lançado recentemente, é o equivalente a abrir todas as janelas numa casa fechada há demasiado tempo, a aragem que rompe com o mofo que se expandiu na inactividade.

Situado no campo da música electrónica, distante dos marasmos barulhentos das discotecas, “Keep Da Vibez Goin’” resulta da colagem de muitos estilos que influenciam o músico de Macau, como hip hop, drum and bass, big beat e soul. “Neste último disco, muitas faixas nasceram de samples de antigas músicas de pop japonês dos anos 80, sons 8-bit e de velhos jogos de Nintendo”, conta ao HM. As melodias simples e difíceis de tirar da cabeça que servem de banda sonora de videojogos, o ambiente dos jogos de arcada e o universo digital japonês são fontes de inspiração para Achun.

Com a pandemia a congelar a vida e a remeter a carreira para a internet, sem concertos marcados e com as viagens entre Hong Kong e Macau entremeadas com quarentenas, o músico local acabou por ficar grande parte do ano passado na região vizinha. Pelo meio, o seu filho nasceu e lançou em Julho de 2020 “Unending Journey”, um disco que acabou por não ter suporte físico, apesar dos planos para o editar em vinil. O álbum encontra-se à venda em formato digital no bandcamp e Spotify do artista.

No final do ano passado, o DJ que comanda a XXX Records, editora de Achun, desafiou o artista a trabalhar no próximo registo. Foi neste cenário que nasceu “Keep Da Vibez Goin’”, o disco que soa como um grito cool de resistência ao cenário negativo que se estabeleceu.

A faixa de abertura, “Groovin’ In Da Midnite” dá algumas pistas sobre a mente criativa de Achun, com a melodia a ser entregue pela via digital 8-bit a remeter o ouvinte para um universo de videojogos. A música seguinte, “Say Goodbye”, é uma festa, plena de groove e batida drum and bass que reclama visibilidade de um artista criativo e com uma noção muito particular de melodia, longe dos produtos comerciais que geraram fenómenos como os Mirror, outras boybands semelhantes e artistas que esticam a corda do cantopop até ao infinito.

Um ninho no nicho

Apesar de somar dezenas de milhares de streamings no Spotify, Macau não acarinha nichos culturais que fujam às tendências mais convencionais de criação, em particular na música. Motivo pelo qual a carreira de Achun tenha passado mais por Hong Kong, Zhuhai e outros locais no Interior, como Xangai.

Em Hong Kong, Achun encontrou uma pequena comunidade alternativa, que foge às regras da arte mercantil ditada ainda por meios antigos como a televisão. “A maioria do meu público é de Hong Kong, antes da pandemia passava muito tempo lá e tocava muito ao vivo. Quando regressei este ano a Macau percebi que ninguém me conhece, continua tudo muito parado, a maioria das pessoas não sai, não vai a festas ou concertos”, contextualizou o músico ao HM.

Apadrinhado pela editora XXX, que nasceu de um club nocturno em Kowloon com o mesmo nome, Achun encontrou artistas com visões semelhantes com quem colaborou. Luna is a Bep, artista em ascensão na cena hip hop de Hong Kong, foi uma das colaboradoras recentes do músico de Macau. A primeira parceria aconteceu há dois anos, com um tema inspirado nos protestos em Hong Kong e nas questões identitárias das gerações mais novas.

A segunda colaboração é uma das faixas de destaque do disco do ano passado de Achun. “Tree Poisons”, tema inspirado no conceito budista dos três venenos (ignorância, apego e aversão), que fala das angústias dos mais novos na região vizinha. Disparidade entre ricos e pobres, habitação e elevado custo de vida são questões sociais fortes que estão no epicentro de uma melodia calma, com toques de soul e uma linha de baixo que faz mexer as ancas.

O gosto musical de Achun é bem representado nesta faixa. Batidas ténues, que embalam mais do que agitam, longe dos tempos de rocker, quando os sons do pop-rock britânico dominavam a discografia, com Oasis, Blur, Radiohead e Suede entre os discos predilectos. Porém, já a electrónica se infiltrava no seu gosto, através de nomes incontornáveis como The Chemical Bothers, The Prodigy e Daft Punk.

Hoje, com 37 anos, o músico de Macau evoluiu enquanto compositor, aprimorando ecletismo e múltiplas influências em melodias e ritmos que transportam o ouvinte para cenários mais optimistas do que os que vivemos.

Achun tem no calendário duas actuações em Macau. No próximo dia 30 de Outubro irá servir o prato principal da ementa da noite de Halloween no DD3 e em Novembro actua no Festival Hush!, ainda sem data marcada.

27 Set 2021

Música | Thetiredeyes, a banda que mistura diversos contextos musicais

Chamam-se Thetiredeyes [Os olhos cansados] e contam com oito músicos que trouxeram consigo a paixão por vários géneros musicais. Desta forma, nasceu um projecto de uma banda eclética, que tem agora como objectivo actuar nas próximas edições dos festivais de música de Beishan, em Zhuhai, e Hush! em Macau

 

Há um novo grupo musical no território onde a fusão de géneros musicais é palavra de ordem. Os Thetiredeyes [Os olhos cansados] formaram-se o ano passado depois de uma série de encontros improváveis mas, sobretudo, de uma enorme vontade de pessoas diferentes se juntarem a criar música.

A história é contada ao HM por Monic Kei, pianista e directora musical. “Thetiredeyes é uma banda de fusão composta por oito elementos que são músicos entusiastas e com diferentes contextos que não se fartam de géneros musicais como o R&B, Neo Soul, Hip Hop e Pop”, começou por dizer.

Monic vivia em Boston, nos EUA, na mesma altura de Amanda, uma das vocalistas do grupo formada no Berkeley College of Music, mas só se conheceram em Macau em Agosto do ano passado quando actuavam em bares do território. Mais tarde, iriam juntar-se a Kabi [baixista], para formarem um trio de jazz.

“Além de tocarmos como duo queríamos tocar juntas com mais pessoas, mas não queríamos traçar um género musical específico. Como ambas tínhamos formação musical clássica, queríamos encontrar músicos que estivessem habilitados a ler notações, possuíssem bons tons e técnicas, ao mesmo tempo que trouxessem uma amplitude de géneros musicais e uma mentalidade aberta.”

Além da ligação a Amanda e Kabi, Monic conhecia Matthew, um brasileiro baterista há 15 anos. “Ele foi o primeiro baixista que conheci quando era jovem e fiquei feliz por nos reunirmos anos depois e podermos tocar música juntos. Depois o Matthew trouxe consigo o seu melhor amigo Lao Seng Fat para a banda.” Lao Seng Fat é formado pela Academia de Música Contemporânea de Pequim e toca essencialmente jazz e géneros musicais clássicos.

Depois de actuarem no LMA, os projectos do grupo passam por subirem aos palcos dos festivais de música de Beishan, em Zhuhai, e Hush!, em Macau, ainda sem data marcada para acontecer.

Base no improviso

Monic Kei confessou também que as músicas dos Thetiredeyes têm como base principal o improviso “com arranjos de orquestra”. Do grupo, faz parte ainda o músico local Patrício Manhão, que toca Ewi. Formado no Conservatório de Macau, é uma músico multi-instrumentista que, além do Ewi, toca ainda clarinete, saxofone, bateria e piano. Patrício Manhão “trabalha de forma activa em teatro e produção artística”, contou Monic.

A banda tem a portuguesa Rita Martins como vocalista, que também está ligada ao projecto musical Darkroom Perfume. Yaya, outra das vocalistas, canta também no grupo “A Little Salt”, sendo “uma vocalista de jazz muito experiente, tendo actuado mais de 500 vezes em toda a Ásia”, descreveu Monic Kei.

Os Thetiredeyes são ainda compostos pela teclista Monic Chen, de Hong Kong, que teve uma vasta experiência como compositora e a fazer arranjos musicais na Ásia e América do Norte, além de participar em diversos projectos na mesma área. Monica Chen formou-se na Universidade de Boston, tendo estudado piano e improvisação no conservatório de New England.

“O foco da sua música é uma obsessão e compromisso pela expansão das possibilidades musicais e expressivas do piano. Ela tem um estilo eclético que inclui o clássico, avant-garde, pop, free jazz e música de improvisação”, aponta a pianista e directora musical do grupo.

6 Set 2021

Tentativas de dessemantização da língua e de vocalização da escrita – Aude Locatelli

Tradução de Emanuel Cameira

Para Mallarmé, que pedia que «não puséssemos Música ao pé dos seus versos», a poesia é, na essência, a própria Música: «não é das sonoridades elementares dos metais, cordas, madeiras, mas, sem dúvida, do ápice da palavra intelectual, que a Música, em toda a sua plenitude e evidência, enquanto conjunto das relações existentes em tudo, deve resultar.» Se é inadequado, segundo essa perspectiva, falar de «musicalização» da linguagem poética, podemos dizer que toda uma parte da poesia experimental se empenhou, à sua maneira, em retomar o seu «contributo» para a música, valorizando a dimensão fónica da linguagem. A este respeito, J.-M. Gleize distingue dois pólos, não deixando de especificar que a polarização «admite todas as práticas intemédias»: por um lado, um «pólo a-semântico ou infra-semântico: poesia fonética (sons, onomatopeias), talvez ruidosa» e, por outro, um «pólo semântico: um texto numa “língua” classificada ou não, mas cujo significado parcial (porventura o essencial, em certos casos) depende da sua realização acústica através da activação dos parâmetros musicais da linguagem falada (timbre, potência, tempo…), com ou sem adjuvantes técnicos (microfones, amplificadores, gravadores, vídeos, etc…)».

Ao primeiro pólo correspondem diversas tentativas de dessemantização da língua: a poesia fonética (H. Ball, K. Schwitters) e o movimento letrista de I. Isou são dois exemplos de experimentações que levam assim a uma saturação sonora da escrita, que se transforma numa «música» onomatopaica. Isou usa precisamente, para os seus poemas, indicações de tempo (andante, allegro, lento…), de silêncio (uma pausa de um segundo), de tom (tom selvagem, rouco, patético…). Como destaca F. Escal, «a primazia dada ao aspecto sonoro do texto confere então à língua o mesmo funcionamento simbólico (o simbólico é o que resiste à “degradação” em signos ou em imagens) da música: o seu sentido, não formulável, é a sua forma». O facto de esta música ser capaz de integrar todos os tipos de sons, incluindo os não fonéticos (inspiração, expiração, respiração ofegante, espirro, estalido de língua, crepitação, escarro…) aproxima-nos, segundo ele, do segundo pólo, que nasce de um desejo de vocalizar a escrita.

Essa preocupação com a vocalização é ainda mais significativa nas diferentes formas de poesia sonora, se se pensar nos «poemas para gritar e dançar» do precursor P.-A. Birot, nas «permutações» de B. Gysin, nos «grito-ritmos» de F. Dufrêne, nos «audio-poemas» de H. Chopin, na «poesia-acção» de B. Heidsieck ou nos poemas elementares de J. Blaine. A poesia sonora, que nem sempre se empenha no processo de dessemantização da linguagem, mesmo se perde muitas vezes as suas referências semânticas, aspira, antes de mais, à vocalização do poema. B. Heidsieck, que opta por uma «propulsão directa» da poesia durante as leituras públicas e que mobiliza recursos electro-acústicos para multiplicar a sua voz e criar, a partir dela, efeitos de polifonia, afirma que o dever do poeta sonoro é o de «ARRANCAR o texto da página, [de] o descolar do papel, desse suporte que carrega o peso de tantos séculos, para o projectar para uma audiência no momento certo e ao vivo». O poema também não é concebido como um simples objecto sonoro mas como um facto que envolve todo o corpo. Neste sentido, tomando em consideração o corpo e a violênca que pode ser detectada na palavra poética viva, junta-se à poesia sonora (pense-se na vociferação do texto poético a que se presta, por exemplo, J. Blaine) alguém como A. Artaud, proferindo, após mais de vinte anos de censura, o seu poema radiofónico intitulado «Para acabar [de vez] com o juízo de Deus».

A problemática da vocalização da escrita convida, por outro lado, a sublinhar a influência do blues, contraparte profana dos espirituais negros que M. Yourcenar se esforçou por traduzir, sobre a literatura americana do século XX, e em particular sobre os poetas da geração beat, conforme testemunha o carácter sincopado dos Mexico City Blues de Kerouac. Se temos criticado o carácter arbitrário dos paralelismos estabelecidos por C. Elsen, «para quem o jazz está para a música o que a poesia está para a literatura e que associa Ellington a Verlaine, Miles a Milosz e Monte a Péret», ou por P.-L. Rossi, que faz corresponder «Monte a Ponge, Parker a Mallarmé, o movimento bop ao movimento dada, o scat ao letrismo, Coltrane a Artaud, Ellington a Reverdy, Mingus a Michaux, O. Coleman a A. Césaire, Rollins a Tzara, a improvisação do jazz à escrita automática», existem muitas relações efectivas entre o jazz e a poesia, de que são prova não só os poemas inspirados pelo jazz, como a recolha Carte noire, de F. Valorbe, mas também experiências poético-musicais originais: por exemplo, quando J. Cocteau, em 1929, recita poemas da sua colectânea Opéra acompanhado pela orquestra de jazz de D. Parrish, ou quando, em 1937, P. Reverdy grava com o trompetista P. Brun e o guitarrista D. Reinhardt um poema intitulado «Fonds secrets».

Tradução de: Locatelli, Aude, Littérature et Musique au XXe siècle, Paris, Presses Universitaires de France, 2001, pp. 96-99.

18 Jun 2021

Joking Case com nova música e desejo de pisar mais palcos 

Chamam-se Joking Case e apresentam-se como uma banda de música alternativa que, no fundo, quer experimentar todos os géneros, desde o pop ao funk. Depois de um recente concerto no espaço Live Music Association, Vickie Cheong, vocalista e compositora, assume que a banda quer pisar novos palcos assim que a pandemia o permitir e fala de “Dualism”, o novo single

 

Tudo começou em 2017 com a participação numa competição de bandas, na qual os Joking Case ficaram em primeiro lugar. Depois disso, a composição do grupo mudou, mas a vontade de fazer música não diminuiu. Prova disso, é o lançamento recente de “Dualism”, o novo single da banda disponível nas plataformas digitais, cujo videoclip foi feito em parceria com Kawai Ho, estudante do Instituto Politécnico de Macau.

Trata-se de uma música “mais ligada à sonoridade funk”, baseada na história de uma pessoa “com várias mentalidades numa só” contou ao HM Vickie Cheong, vocalista e compositora da banda. “Vamos aproximar-nos do formato de pequeno álbum. Esta estudante interessou-se pela nossa música e daí nasceu uma colaboração.

Queremos tocar em diferentes locais e ir a outros países, para que outras pessoas conheçam a nossa música. Mas primeiro queremos lançar mais canções, para podermos ter mais espectáculos”, contou.

Além de Vickie Cheong, fazem parte dos Joking Case Ronald, baterista, Brian, guitarrista e Ethan, baixista. “Sou vocalista e escrevo muitas letras para as composições feitas pelo guitarrista [Brian]. Consideramo-nos como um grupo de música alternativa, porque a música que fazemos actualmente tem diferentes estilos e sonoridades.”

Vickie Cheong confessa que consegue transmitir melhor as suas ideias em inglês do que em chinês. “Esta é a primeira banda na qual participo e passamos bons momentos a compor novas canções. Todos nós temos pensamentos semelhantes na hora de compor, sobre os temas, trabalhamos muito bem nesse aspecto. Diria que escrevo mais em inglês porque é mais fácil expressar o sentido daquilo que quero que seja escrito. Em chinês seria mais desafiante para mim.”

No início, os Joking Case ouviam muitas bandas de Taiwan, e parte da inspiração para as letras veio daí. “Queríamos ter um estilo mais descontraído. Algumas partes estavam mais ligadas à música soul, enquanto que outras tinham uma sonoridade mais forte. A ideia era expressar o significado das nossas canções. As coisas que estávamos a escrever baseavam-se nos nossos próprios pensamentos. Muitas vezes escrevemos sobre histórias de amor, ligações entre rapazes e raparigas, coisas desse género.”

A vocalista frisa que os Joking Case buscam a competição, e isso passa por mostrar as suas músicas “em diferentes plataformas e a pessoas de diferentes países”. “Este foi um bom começo e não queremos parar. Mesmo que alguns membros tenham saído mas ainda queremos fazer mais experiências e criar canções diferentes”, acrescentou.

A experimentação é um dos objectivos dos Joking Case. “Queremos experimentar todos os géneros musicais de que gostamos. Na maior parte das vezes gostamos de compor em inglês, ouvimos diferentes géneros musicais e fazemos uma história para as nossas canções, e produzimo-las. É esse o nosso projecto.”

Problemas que são piada

O nome Joking Case nasce dos problemas que enfrentamos no nosso dia-a-dia que, no final de contas, se resolvem e se transformam nisso mesmo, em situações que acabam, muitas das vezes, por nos fazer rir.

“Escrevemos sobre a realidade e sobre situações que nem sempre são as melhores. Todos enfrentam dificuldades na vida, podemos passar por maus momentos às vezes. Queremos que o público saiba que há situações que, mesmo não sendo as melhores, podem durar apenas um período de tempo e depois fazem parte do passado, deixam de ser importantes. É apenas uma coisa engraçada na tua vida, foi um desafio. É um caso encerrado que pode ser considerado uma piada.”

Assumindo-se como uma “banda independente”, em que tudo o que fazem em termos musicais é pago do seu bolso, os Joking Case querem “tomar as melhores decisões” com base no orçamento de que dispõem. “Esta é a parte mais difícil”, conta Vickie Cheong. Ainda assim, fazer música em Macau é cada vez mais desafiante, defende.

“As bandas de Macau estão cada vez melhores, porque há mais bandas a fazer videoclips, por exemplo. Nos últimos quatro anos aprendemos mais sobre como produzir músicas e agora há mais espectáculos, em espaços como o LMA, e há mais público a aproximar-se destes projectos. O panorama em Macau está a melhorar, há mais bandas com mais géneros musicais, como hip-hop ou música electrónica.”

2 Jun 2021

Artistas femininas são as grandes vencedoras dos Grammy 2021

As artistas femininas, incluindo Beyonce e Taylor Swift, tiveram uma noite de recordes nos prémios Grammy 2021, um espectáculo repleto de música ao vivo, mas com muito distanciamento social devido à pandemia da covid-19. Quatro mulheres ganharam os quatro prémios mais importantes no domingo: Taylor Swift, Billie Eilish e H.E.R..

Swift tornou-se na primeira intérprete feminina a ganhar o Álbum do Ano por três vezes. Nesta edição, venceu a categoria com o álbum “Folclore”. Billie Eilish ganhou o galardão Gravação do Ano com “Everything I Wanted”, repetindo a vitória de 2020 na mesma categoria.

“I Can’t Breathe” (Não consigo respirar) de H.E.R. levou para casa o prémio de Canção de Ano, um tema inspirado pelos protestos no verão passado, nos Estados Unidos, na sequência da morte do afro-americano George Floyd.

O título remete para a frase que Floyd, sufocado por um polícia durante oito minutos, pronunciou antes de morrer e que se transformou em palavra de ordem contra o racismo e a brutalidade policial.
“Somos a mudança que queremos ver e essa luta que tivemos no Verão de 2020 deve continuar”, disse a artista ao receber o prémio.

Meghan Thee Stallion recebeu o Grammy de Revelação do Ano, sendo a primeira artista de ‘rap’ a triunfar nesta categoria desde Lauryn Hill em 1999.

Beyonce, com a 28.ª vitória, tornou-se a mulher mais premiada na história dos Grammy. Desta vez, a cantora norte-americana conquistou o prémio de Melhor Vídeo Musical com “Brown Skin Girl”.
Harry Styles, que abriu a noite com o êxito “Watermelon Suga”, ganhou o Grammy para Melhor Performance Solo Pop.

Britanny Howard, anteriormente conhecida com a banda Alabama Shakes, ganhou o Grammy de Melhor Música Rock, enquanto Fiona Apple levou para casa dois prémios pelo álbum “Fetch The Bolt Cutters”.

Outros prémios

Numa categoria de rock onde artistas femininas voltaram a estar em voga, The Strokes conseguiu ganhar o Melhor Álbum de Rock com “The New Abnormal”. O veterano do ‘rap’ Nas conquistou, no domingo, e depois de 14 nomeações, o primeiro Grammy para Melhor Álbum de Rap.

A estrela nigeriana Burna Boy ganhou na categoria Música do Mundo, enquanto Kanye West conquistou o 22.º Grammy, não na categoria ‘rap’ que o tornou famoso, mas com o álbum evangélico “Jesus Is King”, votado Melhor Álbum de Música Cristã Contemporânea.

Entre os nomeados havia três portugueses na corrida: a cantora Maria Mendes na categoria de Melhores Arranjos, Instrumentais e Vocais, e o produtor André Allen Anjos na categoria Melhor Gravação Remisturada, enquanto o DJ e produtor Holly produziu oito temas de um álbum na categoria de Melhor Álbum.

16 Mar 2021

Canção de Engate

Na natureza, quando é que ouvimos música? Quando os passarinhos tentam engatar as passarinhas. A música faz algumas coisas pelo sexo e pelo amor, como com outras coisas na nossa vida. A música ajuda-nos a expressar identidades, regular as nossas emoções e ajuda no bem-estar. A música até pode afectar o que compramos – parece que há maior probabilidade de comprar um vinho alemão quando há música alemã a sair dos altifalantes da loja – para alegria dos comerciantes. Os arqueólogos encontraram flautas feitas de osso com mais de 35 mil anos. A insistente ideia de que a música é só uma atividade “extra” não dá conta da sua importância no nosso dia a dia, e na evolução da espécie humana.

Mas voltemos ao que interessa: a relação entre a música, o sexo e o amor é-nos intuitiva. Principalmente porque, e houve quem tivesse perdido tempo para averiguar, à volta de 60% das canções dos tops internacionais são sobre amor. A música é dos veículos mais eficazes para dar sentido àquele frio na barriga ou a um coração partido – que depois ressoa nas experiências dos ouvintes. Os estudos sobre o tema são muitos, criativos e de resultados curiosos.

Tal como em contexto comercial, parece que a música romântica pode aumentar a possibilidade de alguém partilhar o número de telefone com um estranho, em comparação com uma música neutra. Até Darwin opinou sobre o papel da música (e da sua evolução!) em relação às fases de acasalamento humanas. A sua teoria dizia que as mulheres teriam preferência por homens que tocavam instrumentos porque eles mostrariam uma clara vantagem genética (destreza, ritmo, musicalidade…). A teoria vai mais longe a supor que é na ovulação que as mulheres prefeririam música mais complexa, para garantir um acasalamento propício à propagação de bons genes. Não é piada, o Darwin pôs a hipótese de que a evolução da música terá dependido das tentativas de engate. A grandiosidade do Piano Concerto nº 2 do Rachmaninoff viria dos homens a quererem superar-se.

Claro que estudos empíricos subsequentes não conseguiram provar muitos destes pressupostos darwinianos, apesar das inúmeras tentativas. Aliás, esta forma de estudo da música é extremamente insatisfatória. É como se a música estivesse à mercê dos humanos para uma manipulação calculista, como se ouvíssemos e fizéssemos música para um fim muito concreto. E sim, a verdade é que muitos de nós já perdeu horas a fazer colectâneas de canções para umas férias de sonho, ou para um jantar romântico especial. Quem mais adequado do que o Nick Hornby para, nos seus romances, esmiuçar o amor que se coloca a fazer uma colectânea de canções.

O que a investigação talvez tenha explorado menos é a capacidade da música juntar as pessoas na criação de ligações sociais e comunitárias. Muito antes da possibilidade de gravar ou escrever música (com anotação musical) a música era vivida e co-criada. Imaginem as pessoas da aldeia com canções para ajudar a trabalhar na terra. Ou melhor, antes disso, imaginem a tal flauta de osso inventada muito antes da agricultura. Acho que perceber a música como este veículo comunitário e ritualista, que até envolve muita dança e oxitocina – a hormona do prazer que também é libertada no sexo –, é um caminho mais frutífero para perceber esta ligação da música com o amor.

Pensem nas discotecas, por exemplo, são antros de engate não porque passam música romântica constantemente, mas porque há esta comunhão entre a música e os outros.

Depois, claro, “não se ama alguém que não ouve a mesma canção” e a partilha de música importa, principalmente, na atracção. Como nos grandes filmes de amor, uma grande banda sonora faz toda a diferença.

18 Fev 2021

Música | António Vale da Conceição lança novo trabalho em Março

“António Vale da Conceição – 4 Hand Pianos” é o nome do novo trabalho do músico macaense, que será lançado em Março em diversas plataformas digitais. António Vale da Conceição tem composto música para cinema e televisão e este lançamento é uma compilação das sonoridades que acabaram por não ser utilizadas em diversos projectos

 

Foto de Dóris Marcos

Depois de fazer música com os Turtle Giant, o macaense António Vale da Conceição está de regresso aos discos mas, desta vez, em nome próprio e com uma roupagem musical totalmente diferente. “António Vale da Conceição – 4 Hand Pianos” é o novo projecto que será lançado em várias plataformas digitais de música no próximo mês de Março.

Este trabalho é o resultado de várias composições feitas para cinema e televisão e que acabaram por não ser incluídas nos projectos. Ainda assim, o músico não quis perder o trabalho feito nos últimos anos.
“Fui trabalhando em alguns filmes e pondo de lado vários apontamentos que não funcionavam. São canções de que gosto, mas que não tinham utilidade”, contou ao HM.

António Vale da Conceição trabalhou sozinho neste projecto. “Todas as músicas são feitas para piano, mas eu não sou pianista. Este trabalho pretende espelhar mais a composição, a banda sonora, do que a técnica propriamente dita do piano.”

Sem instrumentos tocados ao vivo, “4 Hand Pianos” acaba por ter “uma componente expressiva bastante rica”. “Gostava que o álbum espelhasse um pouco as intenções da composição. Este é um álbum de tensão, porque os filmes assim o pedem, independentemente de serem cenas com mais ou menos drama, comédia ou acção. É a tensão que faz com que as coisas sigam para a frente e que exista um desenvolvimento”, acrescenta o músico.

Voz e linguagem

Para António Vale da Conceição, o “processo de compor é uma procura”, onde há sempre uma voz e “uma forma de abordar em uma linguagem”. Isso foi fundamental para escolher quais as composições que entravam nos projectos de cinema e televisão e as que ficavam de fora.

“É algo omnipresente, mas há subtilezas nessa linguagem. Quando se procura fazer coisas para filmes ou personagens, quando se procura o tom da história, uma pessoa tem de se atrever e a escrever algo que possivelmente possa encaixar. É isso que determina o critério daquilo que é ou não importante.”

Num processo cinematográfico, a música tem sempre o propósito de servir o filme, assegura o músico. “Os filmes nascem da contribuição de várias partes que são estritamente necessárias. Não é atirar com música épica que vai fazer com que o filme melhore, é nas subtilezas que encontramos algo especial, mas outras vezes não. Mas o critério é sempre servir o filme, fazer com que este fale mais alto, que a música não seja propriamente o centro da atenção, mas sim um veículo para que o filme seja melhor compreensível.”

Apesar de este ser o primeiro trabalho lançado em nome próprio, desde os Turtle Giant, a verdade é que para António Vale da Conceição não é uma novidade trabalhar sozinho. “Já tinha feito ‘O Monstro’ há uns anos atrás, mas são coisas diferentes. Já faço há algum tempo música para filmes e séries de televisão. Este processo de trabalhar sozinho não é novo, mas não tenho lançado em formato disco.”

De momento, os Turtle Giant não têm planos na agenda, uma vez que os três elementos estão a viver em três continentes diferentes. “Não estamos a gravar nada. Temos de admitir que a banda está um pouco parada, mas todos nós estamos activos a fazer música. O Fred [Ritchie] está em Los Angeles a produzir. Vamos estando atentos a cada um de nós. Todos participamos naquilo que cada um está a fazer.”

Documentário premiado

“4 Hand Pianos” inclui uma composição feita para o documentário “Beyond the Spreadsheet – The Story of TM1”, dirigido por António Vale da Conceição em parceria com Francisco Santos, e que ganhou recentemente o prémio de melhor documentário no festival internacional de cinema de Anatolia, na Turquia.

Este documentário conta a história de Manny Perez, cubano inventor da tecnologia de cálculo TM1, adquirida pela IBM e que “revolucionou o mundo de uma forma muito silenciosa, mas que foi extremamente importante para a sociedade”, considera António Vale da Conceição.

“Uma das coisas interessantes do filme é tornar mais evidente o impacto que isto tem nas nossas vidas. Espero que as pessoas estejam atentas e ganhem gosto por este mundo complexo, que é o mundo da informação e dos números, mundo financeiro e político. Esta é uma demonstração de como está tudo tão ligado e interdependente”, rematou.

18 Fev 2021

Música | Free Yoga Mats aguardam melhores tempos para voltar aos palcos lá fora

Os Free Yoga Mats [Tapetes de Yoga Gratuitos] só têm este nome por brincadeira, e a música que fazem, muito ligada ao género rock, punk ou grunge, pretende igualmente transmitir boas vibrações a quem os ouve. Depois de alguns concertos e de uma demo gravada, a banda ensaia agora com um novo baixista e espera pelo fim da pandemia para voltar à estrada

 

Tudo começou quando um grupo de amigos se juntou num festival de música na Tailândia, mas a ideia de formar uma banda em Macau já há muito andava na cabeça de Pedro Domingues. O guitarrista dos Free Yoga Mats queria construir algo e, numa conversa com o vocalista, Hafiz Said, foi feita uma proposta.

“Aí dissemos que se ele voltasse para Macau que iríamos fazer uma banda. Voltamos e daí a uns meses ele arranjou trabalho cá. Depois começamos a trabalhar com o Marcio [Rios, baterista] e com o Bastiani [Bani, baixista]”, contou ao HM Pedro Domingues, guitarrista do grupo.

Já o nome foi ideia de Adam Cook, também ele guitarrista. “Tudo começou com uma piada do Adam, que disse ‘se pusermos free yoga mats [tapetes de yoga grátis]’, de certeza que vem gente, e vêm muitas raparigas [risos]. E as nossas mulheres fazem yoga, uma delas até é instrutora. Foi uma piada e gostamos porque é um nome que não é para levar muito a sério.”

O projecto dos Free Yoga Mats é recente e, para já, o grupo tem apenas uma demo tape gravada para reunir todas as canções que foram compondo e tocando nos últimos tempos. Mas essa demo tape servirá também para promover o projecto online numa altura em que os palcos estão fechados devido à pandemia da covid-19.

O último concerto da banda foi no espaço Live Music Association e, para trás, teve de ficar o plano de tocar fora de Macau. “Em Macau estamos optimistas porque temos seguidores e sítios onde tocar, mas já tocámos em todos. Mas facilmente podemos organizar um concerto. Mas a realidade é que este ano e até meados do próximo ano a situação vai estar comprometida, e não há garantias de que possamos andar a viajar.”

“O nosso plano para este ano, sem a covid, era tocar em Hong Kong, Singapura, Taiwan, em várias cidades da China. Olhamos para a realidade como ela é e esperamos que isto melhore, e aí estaremos prontos para ir para fora”, adiantou Pedro Domingues.

Músicas de intervenção

Os dias têm sido passados a ensaiar com o novo baixista que substituiu Bastiani Bani, que teve de voltar a Singapura, a sua terra natal, pelo facto de ter ficado numa situação de lay-off. No entanto, o projecto musical não está parado. A demo tape é, para já, uma ferramenta de promoção, mas já antes o grupo tinha gravado o EP “Made in Macau”, com músicas como “Tokyo”, “Go Robot” ou “War and Order”.

“O nosso espírito como banda e em palco é, sem dúvida, positivo e construtivo, de amizade. Mas as nossas letras são mais de intervenção, contra a sociedade e as coisas que não estão bem”, adiantou Pedro Domingues. Cabe a Hafiz Said a composição de todas as letras.

Para já, “não existe nada de concreto sobre a possibilidade de gravarmos um novo álbum”, frisou o guitarrista.
Questionado sobre as referências musicais da banda, Pedro Domingues assegura que são várias, embora quem os oiça associe de imediato o seu trabalho às sonoridades mais ligadas ao rock. “Dentro da banda temos o Adam que ouve mais rock e grunge, o Marcio também anda mais nessa onda, começou no punk hardcore, eu sou mais punk-rock, mas ouvimos um pouco de tudo. Mas diria que é o rock, grunge e o punk que são as grandes referências da banda.”

11 Fev 2021

Carlos Barretto

[dropcap]P[/dropcap]ara um compositor, tudo é música? Para um instrumentista, tudo é música? Nunca mais me esqueci da primeira vez que vi o Maestro Carlos Barretto tocar o seu contrabaixo. Não era só uma dança entre ser humano e instrumento, logo um contrabaixo, de formas ancestrais, femininas e férteis. Não é possível ouvir música da mesma maneira. Não são as mãos que tocam, uma a pisar as cordas no travessão e a outra a fazer vibrar o arco ou, quando nua sacode, puxar e afaga as cordas na barriga do instrumento. É uma simbiose. O contrabaixista não existe em palco sem o contrabaixo. O contrabaixo sem contrabaixista é um vulto pesado, inerte, deitado ou encostado. Mas ali em palco dança. Era o que me parecia. Às vezes, o Carlos Barretto desaparecia, dissolvido na escuridão do palco, confundido com o fundo, e o contrabaixo dançava sozinho, com a base pontiaguda. Mexia-se para a frente e para traz, rodava, inclinava-se como se fosse um dos elementos de um par de dança deixado solitário no palco. E depois via-se o corpo todo daquele humano a encaixar a massa instrumental como num abraço não estático. Umas vezes parecia dançarem um slow e o movimento era lento, lânguido, voluptuoso. Outras vezes, parecia um combate entre dois lutadores que procuram encontrar zonas do corpo do adversário, diminutas, no porte gigantesco do seu corpo, onde encontrassem as pegas. Entre o abraço dengoso do amor malandro ou suave e os movimentos abruptos dos combatentes, não havia ser humano nem instrumento isolados um do outro. Há técnicas rudimentares para agarrar pela mão esquerda ao alto, para descer e subir, para pisar as cordas, para pegar no arco ou tocar com os dedos em cruzamento perpendicular nas cordas. O contrabaixo não pode estar afastado muito nem tão próximo que se asfixie o instrumento e não deixe margem de manobra. O contrabaixo tem de poder ir e vir e ser feito rodar sobre si próprio. Tem de se deixar esse espaço à medida de um braço esticado. Não pode ser abraçado de tal forma que os dedos encontrem as costas do instrumento, no lugar oposto onde estão as cordas. Mas a magia não é nunca surda nem muda, como se o palco estivesse dentro de uma piscina e assistíssemos ao concerto debaixo de água. É a música que dá alma ao instrumento e acorda o espírito no virtuoso. Nenhum movimento, nenhum gesto, nenhuma constelação de movimentos e gestos existe em silêncio. Mesmo o som solto de uma corda tem um tom, um volume, um ritmo, uma melodia. Em conjunto, não sei o que acontece. São muitos pontos para muitas cordas em que o braço pode ser apertado e as cordas podem ser repercutidas. Uma só orelha não dá para acompanhar cada pormenor. A audição capta a massa complexa da música e até os silêncios, as pausas, a lentidão e a velocidade. É das mãos que nasce a música? É nas cordas só como superfície intervencionada do instrumento? É no contacto e acção recíproca entre mãos e cordas? Mas a ponta de metal que serve de base ao contrabaixo tem de intervir na música, também a posição do contrabaixo – de costas para a barriga do instrumentista e virado de frente para o público – tem de intervir na produção do som. É no instrumento? Como se quando está no estojo parece um grande animal enfiado num saco de cama. Nem está mudo. Está em silêncio, quando está arrumado em casa ou no porão de um avião para ser transportado. É no instrumentista? Nos gestos técnicos que fazem voar as mãos sobre cordas e braço? Ela vem do contacto de um com o outro. Não há dúvidas. É de lá fisicamente que procede, mas ecoa no palco e na sala toda. Mas não fica aí, no espaço, parte da expansão e propagação no espaço, precisa do espaço para fazer a sua travessia até ao espectador, repercute-se na epiderme, nas orelhas e viaja fisicamente para o interior anatómico. Mas ninguém ouve só volume sonoro medido em decibéis. Tudo é transformado e há uma transfiguração plástica causada por uma sensação acústica. De onde vem a música? Acontece no interior do maestro ao mesmo tempo que toca ou aconteceu antes, em silêncio na cabeça do Maestro? E quando acontece em silêncio é uma não coisa? Não existe já sem ser escutado um único som? A música tem de acontecer na sua origem como acontece no seu destino, no espírito. O espírito não tem orelhas e se tiver são diferentes dos abanos que temos para captar som. Antes de soar no instrumento ou ao soar no instrumento, não há uma relação mecânica em entre percussão e percutido. Acontece a música como um movimento no coração ou nos pulmões. Não é só a pulsação nem a respiração que tem ritmos e batidas, sons e pausas, intermitências. A vida tem altos e baixos, é lenta até estagnar ou rápida e alucinante. Às vezes afasta-se e não conseguimos ouvir nada. Outra vez está presente nas nossas vidas, como quando amamos. Um músico tem de estar sempre numa relação com o amor, pode ser infeliz e de coração partido, mas pode ser esfusiante e transbordante. É um tradutor numa linguagem audível do que se passa sempre com cada ser humano, sem que se aperceba que na dissonância, cacofonia, desarmonia, barulheira há uma expressão da nossa vida, como num adagio ou na lentidão do pôr do sol, inexorável, mas temporal. Às vezes a vida é ao som de um drum&bass outras vez trash metal, outras ainda sinfónica, outras é silenciosa.

O maestro e o contrabaixo são o instrumento da música que pode acontecer sem vibrar, mas insta à produção e tudo transforma, mesmo visualmente, ainda que sendo acústica a sua manifestação e auditiva a sensação que a capta. Não se encontra no espaço ocupado pelo virtuoso e pelo instrumento, não existe apenas na sala, no lugar da sua reprodução mecânica. É atmosférica.

O ser humano existe numa atmosfera musical mesmo quando desespera em silêncio ou na pausa absoluta da morte.

22 Out 2020

Cassete Pirata – “Sem ar”

“Sem ar”

Nem mais um dia sem razão p’ra acordar
Não vou seguir na omissão p’ra agradar

Vivo ao contrário do tempo em mim
P’ra te encontrar
Vivo ao contrário
Voo sem subir
Balão sem ar
Sem ar
Sem ar
Sem ar

Quantas horas vão em vão no sono a combater
Noites claras, primaveras para recriar

Vivo ao contrário do tempo em mim
P’ra te encontrar
Vivo ao contrário
Voo sem subir
Balão sem ar

Vivo ao contrário do tempo em mim
P’ra te encontrar
Vivo ao contrário
Voo sem subir
Balão sem ar
Sem ar
Sem ar
Sem ar

Cassete Pirata

JOÃO FIRMINO, JOÃO PINHEIRO, ANTÓNIO QUINTINO, MARGARIDA CAMPELO e JOANA ESPADINHA

5 Mai 2020

Mónica Ferraz estreia-se em Timor-Leste com concerto em Díli

[dropcap]A[/dropcap] cantora portuguesa Mónica Ferraz, ex-vocalista do grupo Mesa, apresenta no próximo dia 22 de Junho os seus novos trabalhos, incluindo o single “Fool”, num concerto de estreia em Timor-Leste.

Mónica Ferraz, 39 anos e natural do Porto, começou a sua carreira aos 15 anos, estreando-se em 2003 como vocalista da sua primeira banda de originais, o projecto Mesa. Sete anos depois, em 2010, iniciou uma carreira a solo com o primeiro álbum “Start Stop”, com participações em alguns dos principais festivais em Portugal.

Em 2012 e 2013 foi nomeada para a categoria de ‘Best Portuguese Act’, nos MTV Europe Music Awards e em 2014 editou o seu segundo álbum. Actualmente a viver na Suíça, Mónica Ferraz está a trabalhar com vários músicos e produtores europeus, lançando este ano o single “Fool”.

A cantora, que veio para Timor-Leste numa iniciativa da NoLimit, actua no Hotel Timor na noite de 22 de Junho.</p

16 Jun 2019

Yo La Tengo ao vivo em Hong Kong a 10 de Julho

Os veteranos Yo La Tengo voltam aos palcos de Hong Kong a 10 de Julho no espaço This Town Needs, em Yau Tong – Kowloon. A celebrar 35 anos de carreira, os norte-americanos são uma referência incontornável da cena indie rock

 

[dropcap]E[/dropcap]les estão aí, outra vez. Yo La Tengo regressam a Hong Kong, depois da actuação no Clockenflap de 2016 e em 2014 no Music Zone – KITEC, para um concerto em nome individual. O espectáculo está marcado para o dia 10 de Julho no espaço This Town Needs, em Yau Tong na ponta sudeste de Kowloon.

A fazer 35 anos de carreira, a banda formada em New Jersey pelo casal Ira Kaplan e Georgia Hubley, um dos mais prolíferos casamentos dentro da instável cena do rock ‘n’ roll, regressa à região vizinha com 15 discos na bagagem e a reputação de banda ao vivo.

Com um vasto repertório, que compreende experimentações art-rock, explosões electrónicas, noise e baladas acústicas, a banda de New Jersey tem uma legião de fãs fiéis conquistados com actuações ao vivo que levam os espectadores entre os limites da experimentação eufórica até momentos de contemplação melancólica.

Aquando da participação no Clockenflap 2016, os Yo La Tengo deram uma masterclass sobre a mudança de géneros musicais, o que atesta bem a versatilidade musical da banda.

Gema dos 90

Apesar da discografia longa e da qualidade a que habituaram os fãs, há dois discos na carreira dos Yo La Tengo que são essenciais na história do indie rock dos anos 90, o sétimo e oitavo registo da carreira da banda de Ira Kaplan e Georgia Hubley. Em 1995, lançaram “Electr-O-Pura”, o segundo registo com o selo da Matador, um disco que firmou a reputação da banda em termos de influência. Deste disco é impossível não destacar malhas como “Decora”, “Tom Courtenay” e “Blue Line Swinger”.

No entanto, o ponto mais alto da discografia dos norte-americanos é “I Can Hear the Heart Beating as One”, de onde se retira uma das músicas mais emblemáticas da banda: “Autumn Sweater”.

Apesar de desde sempre ocuparem um lugar relativamente discreto, principalmente face à rebeldia de bandas como Sonic Youth, Dinosaur Jr, Pavement e Mudhoney, os Yo La Tengo foram trilhando o seu caminho como uma das bandas do indie rock com maior longevidade e qualidade consistente.

O concerto marcado para o This Town Needs não deve fugir à regra de habitual entrega em palco dos veteranos. Para os interessados, os bilhetes custam 490 dólares de Hong Kong.

18 Abr 2019

A timidez da coroa

Ao Francisco Amaral, in memoriam

[dropcap]E[/dropcap]xiste um fenómeno natural que tem um nome poético: timidez da coroa. É um processo observado em algumas espécies arbóreas, em que as copas frondosas das árvores não se tocam entre elas. Vistas do solo criam uma espécie de mapa em que o céu aparece como uma fronteira de azul, como um rio aéreo em que as árvores são as margens. A causa deste fenómeno, descoberto em 1920, ainda não está definitivamente assegurada. Alguns cientistas afirmam que esta timidez existe para proteger as árvores de insectos nocivos; outros concluem que é uma forma de sobrevivência, para que a luz que entra por estes intervalos entre as copas possa permitir uma melhor fotossíntese e, por consequência, um melhor desenvolvimento da árvore. Um entendimento entre gigantes que não se tocam para benefício de todos.

Descobri há dias esta timidez da coroa – belíssimo nome, paradoxo involuntário e genial – graças a um vídeo que me apareceu numa rede social. Pouco antes, a mesma rede social tinha anunciado, de surpresa e sem filtros, a morte de Francisco Amaral, radialista de excelência entre outros atributos. E de imediato achei que ambos os acontecimentos estavam relacionados.

Porque nas nossas vidas existem pessoas assim. Não as conhecemos mas estão próximas.

Olhamos para o lado, vemo-las mas não nos cruzamos. Ajudam-nos sem o saberem. O Francisco Amaral foi uma dessas pessoas, não só para mim mas para muitos que cresciam com a rádio a sinalizar os dias, a libertar todas as emoções. O seu programa, Intima Fracção, era uma referência para os que gostavam e queriam saber da nova música que se fazia na altura. Num registo de sereno lirismo, anunciado pelo genérico do programa – o instrumental Mar d’Outubro, do primeiro disco da Sétima Legião -, a Intima Fracção entrava devagarinho pelo coração adentro, cada emissão a causar espantos vários e nunca repetidos.

Em 1988 o jornal O Independente tinha crítica de rádio. Nada de extraordinário – a não ser em Portugal – mas pouco provável nos dias de hoje. Quem a assinava era eu, jovem deslumbrado e nunca saciado pelo que ia ouvindo. Naturalmente uma das primeiras críticas foi um elogio desavergonhado mas justo ao Intima Fracção. Pouco tempo depois da publicação da crítica recebi uma carta do Francisco, a agradecer de forma singela as minhas palavras. Ainda guardo essa carta. Depois disso cruzámo-nos duas ou três vezes, sempre de raspão.

A rádio continua a ser o mais subestimado dos meios de comunicação. A vertigem televisiva tudo sugou e a própria rádio foi perdendo a sua humanidade em favor de playlists anódinas. O programa de autor quase desapareceu. Quase: o Francisco era um desses autores e tê-lo-á sido até ao fim. Depois de ter sido dispensado de uma rádio sem vocação para o albergar, a RADAR foi buscá-lo porque o compreendiam. Ficou feliz o Francisco, com a felicidade de quem regressa a casa.

Esta crónica, que preferia nunca ter escrito, é também de certa forma um regresso a casa. Um agradecimento a partir do Francisco a todos os gigantes que, sem nos tocarem, nos tocam e nos protegem. O último gesto que recebi do Francisco foi o envio, através de uma familiar que com ele trabalhava, de um pin do Intima Fracção. Amanhã usá-lo-ei, não só para lembrá-lo mas para brindar aos grandes que nos seguram, à timidez das coroas.

17 Abr 2019

Rapsódia sobre um Tema de Paganini em Lá menor, Op. 43

[dropcap]O[/dropcap] compositor, pianista e maestro russo Sergei Rachmaninoff foi um dos últimos grandes expoentes do período Romântico na música clássica europeia e é tido como um dos pianistas mais influentes do Século XX.

Sergei Vasilievich Rachmaninoff nasceu em Semyonovo, perto de Novgorod, no noroeste da Rússia, no dia 1 de Abril de 1873, no seio de família nobre descendente de tártaros, que esteve a serviço dos czares russos desde o Século XVI. Os seus pais eram ambos pianistas amadores, e o jovem Rachmaninoff teve as suas primeiras lições de piano com a sua mãe, mas os seus pais não notaram nenhum talento extraordinário no jovem. Devido a problemas financeiros, a família mudou-se para São Petersburgo, onde Rachmaninoff estudou no Conservatório da cidade antes de ir para Moscovo, para estudar piano com Nikolai Zverev e Alexander Siloti (que era seu primo e ex-aluno de Liszt). Também estudou harmonia com Anton Arensky, e contraponto com Sergei Taneyev. Deve-se observar que, no início, Rachmaninov era considerado preguiçoso, faltando muito às aulas para ir patinar. Foi o rigoroso regime da casa de Zverev (que hospedou vários músicos jovens, como Scriabin) que o disciplinou.

Ainda jovem, Rachmaninoff começou a mostrar grande habilidade nas suas composições. Enquanto estudante, escreveu uma ópera em um acto, Aleko (que lhe rendeu uma medalha de ouro em composição), o seu primeiro concerto para piano, um conjunto de peças para piano, Morceaux de Fantaisie (Op. 3, 1892), compostas aos 19 anos de idade, que inclui o popular e famoso Prelúdio em Dó Sustenido menor.

A sua reputação como compositor, por outro lado, tem gerado controvérsia desde a sua morte. A edição de 1954 do Grove Dictionary of Music and Musicians desprezou notoriamente a sua música como “monótona em textura… consistindo principalmente de melodias artificiais e feias” e previu o seu sucesso como “não duradouro”. No entanto, os trabalhos de Rachmaninoff não apenas se tornaram parte do repertório standard, mas também a sua popularidade, tanto entre músicos quanto entre ouvintes, tem vindo a crescer desde a segunda metade do Século XX, com algumas de suas sinfonias e trabalhos orquestrais, canções e música coral sendo reconhecidas como obras-primas ao lado dos trabalhos para piano, mais populares.

As suas composições incluem, entre várias outras: quatro concertos para piano; a famosa Rapsódia sobre um tema de Paganini; três sinfonias; duas sonatas para piano; três óperas; uma sinfonia coral (The Bells, baseada no poema de Edgar Allan Poe); vinte e quatro prelúdios; dezassete études; muitas canções, sendo as mais famosas a V molchanyi nochi taynoi (No Silêncio da Noite), Lilacs e Vocalise; e o último dos seus trabalhos, as Danças Sinfónicas. A maioria das suas peças é carregada de melancolia, num estilo romântico tardio lembrando Tchaikovsky, embora com fortes influências de Chopin e Liszt. Inspirações posteriores incluem a música de Balakirev, Mussorgsky, Medtner (que considerou o maior compositor contemporâneo) e Henselt.

Em “conversas” com o maestro e escritor americano Robert Craft, depois transformadas em livro, o compositor também russo Igor Stravinsky dá um depoimento um tanto anedótico e no mínimo curioso sobre Rachmaninoff: “Lembro-me das primeiras composições de Rachmaninoff. Eram ‘aguarelas’, canções e peças para piano influenciadas por Tchaikovsky. Depois, aos vinte e quatro anos, voltou-se para a ‘pintura a óleo’, e tornou-se, na verdade, um compositor velho. Não se pense, porém, que eu vá desprezá-lo por isso. Ele era, como já disse, um homem apavorante e, além do mais, há muitos outros para serem desprezados antes dele. […] E ele era o único pianista que jamais encontrei que não fazia caretas. Isto já é muito”.

Este depoimento, dado por um compositor envolvido nas mudanças revolucionárias por que passa a música no século XX, traduz bem a figura de Rachmaninov no contexto musical contemporâneo: aos artistas criadores e aos musicólogos, na sua grande maioria, a sua obra não causa nem entusiasmo nem desprezo. Por outro lado, aos intérpretes e ao público em geral, ela soa atraente e desafiadora… Por vezes, mesmo comovente. É certo que a linguagem de Rachmaninoff parece ignorar os caminhos abertos por Debussy desde o final do século XIX e permanece ligada às formas tradicionais e às técnicas de composição herdadas do Romantismo. No entanto, ele foi, antes de tudo, um pianista. A parcela mais importante de sua obra, dedicada ao piano, atesta-o. Essa ligação visceral com o seu instrumento faz com que adopte uma estética ultrarromântica, que leva a graus exponenciais o tratamento pianístico, transcendendo (e às vezes superando, à sua maneira), inclusive, as grandes investidas de Liszt. À parte as pequenas peças para piano, nota-se esse “pianismo ultrarromântico” sobretudo em seus concertos para piano e na célebre Rapsódia Sobre um Tema de Paganini, Op. 43

A Rapsódia Sobre um Tema de Paganini em Lá menor, Op. 43, é umas das últimas composições de Rachmaninoff. Considerada de dificílima execução, a obra foi escrita para piano e orquestra, lembrando um concerto para piano, na Villa Senar, a casa de Rachmaninoff na Suíça, de 3 de Julho a 18 de Agosto de 1934, de acordo com uma anotação na partitura. O próprio Rachmaninoff, um intérprete notável dos próprios trabalhos, tocou a obra na sua estreia na Lyric Opera House em Baltimore, no estado de Maryland, nos EUA, no dia 7 de Novembro de 1934 com a Orquestra de Filadélfia, regida pelo maestro Leopold Stokowski.

A Rapsódia é um conjunto de 24 variações sobre o vigésimo quarto capricho para violino solo de Niccolò Paganini, que também serviu de inspiração para outros compositores. Embora se intitule rapsódia, a obra é na verdade construída segundo o princípio de tema e variações. Rachmaninoff encadeia vinte e quatro variações sobre o Capricho para Violino solo No 24 de Niccolò Paganini. Antes de Rachmaninoff, Johannes Brahms nas suas Variações sobre um tema de Paganini, e Franz Liszt nos seus Grandes Estudos segundo Paganini haviam já explorado esse tema. Embora a obra seja executada duma só vez, podemos dividi-la em três secções que correspondem vagamente aos três andamentos de um concerto. O que podemos considerar o primeiro andamento termina com a variação 11 e as variações 12 e 18 abrem e fecham o segundo (andamento lento), e as últimas variações compõem um finale. Ao contrário das convenções, Rachmaninoff teve a ideia de apresentar a primeira variação antes do tema. A Rapsódia é uma das sete peças de Rachmaninoff que cita a melodia do hino litúrgico Dies iræ, que alguns sugerem ser uma referência à lenda segundo a qual Paganini teria vendido a sua alma ao diabo em troca do seu virtuosismo prodigioso e o amor de uma mulher.

Sugestão de audição da obra:
• Sequeira Costa, piano
•Royal Philharmonic Orchestra, Christopher Seaman – RPO Records, 1991
16 Abr 2019

Estudo | Consumo de música está mais barato e mais poluente

[dropcap]A[/dropcap] compra e escuta de música estão mais baratas, por causa da Internet, mas têm um maior impacto no ambiente pelo consumo de energia poluente, segundo um estudo divulgado ontem pela Universidade de Glasgow, Escócia.

A investigação, intitulada “O custo da música”, analisou a indústria discográfica e o consumo de música nos Estados Unidos, concluindo que os consumidores gastam menos pela música que ouvem, em particular com o aumento dos serviços de escuta ‘online’ em ‘streamming’.

No entanto, a energia gasta para carregar a bateria de todos os dispositivos para a partilhar e ouvir, como telemóveis e computadores, representa um aumento das emissões de gases de efeito de estufa no ambiente.

No estudo são avançados dados concretos sobre o panorama nos Estados Unidos: em 1977, no pico das vendas dos discos de vinil, o consumo de música gerou 140 milhões de quilos de dióxido de carbono, mas em 2016 o armazenamento, transmissão e escuta de música ‘online’ levou à emissão de 200 milhões a 350 milhões de quilos de CO2.

Do ponto de vista do impacto ambiental, os investigadores apresentam um dado positivo sobre a desmaterialização do consumo de música. O uso de plástico na indústria discográfica desceu drasticamente para oito milhões de quilos, em 2016, quando em 1977 foi de 58 milhões de quilos, produzidos e utilizados.

Em 1988, altura em que prevaleceu o uso e compra de cassetes, a indústria discográfica usou 56 milhões de quilos de plástico e produziu 136 milhões de quilos de gases poluentes. Em 2000, considerado o período de maiores vendas de CD, os valores subiram para 61 milhões de quilos de plástico e 157 milhões de CO2 emitidos.

9 Abr 2019

Mundo e música

 [dropcap]N[/dropcap]ão tenho a certeza, mas imaginemos que o nosso primeiro sentido é o auditivo. A percepção acústica tem consequências no nosso corpo todo. Não nos lembramos de como era no ventre da nossa mãe. Mas podemos achar que é táctil, líquido, quente, interior: um pequeno mundo. Ainda assim, proponho: a nossa primeira sensação é acústica. Como será no interior do ventre da nossa mãe? Seremos nós exteriores dentro de um interior acústico? Lembro-me de como foram as minhas percepções: o mar, o trânsito em Lisboa, a cozinha onde se matavam animais para serem comidos, os primeiros dias de Primavera, o frio de Dezembro. Eram visuais, não? Mas todas tinham a vibrar no seu interior música, tinham tonalidades, melodias, harmonias. Eram músicas estranhas porque não tinham instrumentos a exteriorizá-las. Tinham uma camada visual e uma camada acústica. E não só. O tacto era musical: o corpo era quente e lento ou frio e rápido ou lento e rápido: quente e frio. E era húmido ou envolvente como um slow ou seco como um acorde do baixo para o agudo. O gosto era musical: batidos de morango eram uma sinfonia e a Coca-Cola um Rock pesado. Depois, há o olfacto: as doces e melódicas fragrâncias que contrastam com o ácido e azedo que dá prazer e nos faz elevar ao céu e descer ao inferno.

 As primeiras impressões são acústicas, são auditivas. Não apenas nas sensações. Não. São no espaço. O quarto da infância é lento como o tempo do tédio. O quarto, o mesmo, da juventude, é rápido como as músicas doidas que se ouviam e ouvem quando o tempo tem de ser preenchido. O quarto do estrangeiro encontra na luz ou na penumbra, numa segunda-feira ou numa sexta-feira, o seu ritmo. Mas era ao domingo que era lento. O tempo da vida tem esta musicalidade complexa, inebriante. Quando era tempo, era musical. Não sabemos bem como, mas era. E, depois, há os outros. Os outros têm as suas sensações, os seus locais, os seus tempos. Podem ser os outros com as suas sensações, os seus lugares e os seus tempos, mas os outros connosco e nós com eles somos outras sensações, outros lugares e outros tempos.

 Os outros vêm das suas mães, dos seus cheiros, sabores, visões e audições. Vêm do seu tempo, do seu lugar e do seu corpo. Quando conhecemos os outros vemos um misto de tudo: sensações, lugares, tempos. Os outros são os seus pais e avós, irmãos e filhos. Nós somos os outros: pais, irmãos e filhos. Os outros que são connosco e nós com eles somos um conjunto de sensações, lugares e tempos. E tudo isso é uma melodia complexa com múltiplas vozes, ritmos e melodias. Ninguém é só. Alguém é só na mudez e no silêncio das suas vidas. Não. Mesmo na voz solitária falamos connosco e somos três: eu que falo comigo sobre mim: tu que falas contigo sobre ti. O outro que fala consigo sobre si. Nós que falamos uns com os outros sobre nós. Vós que falais com os outros sobre vós. Os outros que falam com eles sobre eles.

 A primeira percepção da vida é acústica. O tempo é captado no tempo. A harmonia é ouvida na distensão temporal da harmonia. O ritmo é o da vida. Lento como nas tardes de domingo. Rápido é sexta-feira à noite ou sábado. O ritmo e a melodia é diferente nos primeiros acordes. É diferente nos acordes finais de um soneto. Um soneto é música falada. A fala é a música da conversa, do discurso, do que dizemos sem querer e do que dizemos sem querer. É como nas relações intrínsecas e íntimas. Tudo é um horizonte musical.

 Tudo é um horizonte musical. Não é visual, táctil, olfactivo ou gustativo.

 Vem um tempo, o princípio, acordes primeiros da vida: sempre a criar expectativa, sempre, ao princípio de prazer. Depois, talvez tarde demais, mas ainda cedo, de sofrimento. A promessa transforma-se em ameaça. O tempo futuro, musicalmente, é o da ameaça e da promessa. A promessa do prazer e a ameaça de sofrimento.

 A noite abate-se sobre o quarto na solidão. A solidão não engana. A solidão pode não ser eu só, mas acompanhado por toda a gente. Um mundo cheio de vozes sem dizerem nada e cacofónicas. Também pode ser outra coisa. Eu com toda a gente do mundo e nenhuma harmonia. Ou então: eu só contigo: em vez de haver um ritmo tão lento que abranda a vida ao ponto de a parar. É que a morte não tem tempo e, por isso, não tem música.

 Mas tu vieste: cheia de ritmo e melodia e harmonia.

 A vida passa do silêncio da mudez a ser a melodia do silêncio em que nada preciso de dizer no tempo.

 O tempo é a vida. A vida é a música possível, quando há amor. Impossível, quando não o há.

22 Mar 2019

Música | Salvador Sobral esteve ontem no Teatro Broadway

O vencedor da edição de 2017 do Festival Eurovisão da Canção, Salvador Sobral, esteve em Macau para um concerto no Teatro Broadway. Horas antes do espectáculo, o artista apontou as primeiras impressões do território e falou do processo criativo do seu ultimo disco, “Paris-Lisboa”

[dropcap]O[/dropcap]tempo em Macau foi limitado mas, entre o concerto de ontem Teatro Brodway e os sound-checks, Salvador Sobral leva impressões de uma “Macau profunda”. “Macau tem duas faces, a da ostentação que acompanha os casinos, em que tudo não passa de uma fachada como a Torre Eiffel, o Casino Lisboa etc., e depois existe a verdadeira cidade, muito genuína e que gostei muito de ver”, aponta ao HM referindo-se ao passeio que deu pela zona antiga do território. “É uma cidade mais escura, melancólica, o reflexo desta sociedade”, acrescentou. Na memória leva um pequeno espectáculo que assistiu “por acaso numa casa de chá antiga”, acrescentou.

Entretanto, o convidado do festival literário Rota das Letras deu ontem um concerto de apresentação do álbum que vai ser lançado no final deste mês: “Paris, Lisboa”, título inspirado no filme “Paris Texas” de Wim Wenders. “Achei piada fazer uma referência ao “Paris, Texas”. É o meu filme preferido”, refere. As semelhanças entre o segundo álbum do artista e a obra de Wim Wenders não são perceptíveis num primeiro olhar, no entanto, tal como no filme, o disco trata da procura, “de alguém que está constantemente numa procura intensa e interior, de si próprio e daquilo que o rodeia”, diz. “A nossa música é isso. É também uma procura constante de alguma coisa que não vamos encontrar”, acrescenta.

Processo invertido

“Paris, Lisboa”, é mais um disco que começa muito antes do momento de gravar em estúdio. “Muitas vezes as canções, como “Presságio” que já tocamos desde 2016, não estão registadas em lado nenhum e só saem depois de terem sido cantadas ao vivo muitas vezes”. O artista prefere fazer o processo “inverso”, o de “tocar primeiro e depois gravar”. Desta forma é possível, na chegada ao estúdio, descobrir outros caminhos. “A música já está tão intrínseca que permite explorar outras coisas. Os discos para mim são uma constante procura de imitar o que vamos fazendo ao vivo”, diz.

A vida por um fio

O primeiro tema de “Paris, Lisboa”, é muito pessoal para Salvador Sobral e representa a “catarse” e o “renascimento” após ter sido submetido a um transplante de coração em Dezembro de 2017. “O coração é o órgão que desde a antiguidade está ligado às emoções, e à própria vida”, aponta o  músico. No entanto, e devido à proximidade temporal da intervenção, Sobral ainda não consegue “perceber que influência aquele transplante tem directamente” na sua vida. “Quando penso naquela situação ainda fico em pânico e ainda não consigo ir facilmente a hospitais apesar de ter que o fazer.” Talvez por isso, a canção que abre “Paris, Lisboa” é “um vómito de tudo o que aconteceu nessa altura para depois poder começar o disco já com paz e tranquilidade”.

Ter passado por uma situação limite que lhe revelou uma finitude eminente, fez com que o músico passasse “a viver de outra forma”. “Lembro-me que quando saí do hospital e  olhei para o trânsito achei-o fascinante e de ter pensado que nunca mais me iria chatear por causa do trânsito”, recorda. “Agora quando estou prestes a irritar-me com questões como esta, acabo por parar e pensar. Tenho mais é que agradecer por poder estar no meio do trânsito e não confinado a quatro paredes dentro de um hospital”, refere.

Em três minutos

Acerca da eurovisão, Salvador Sobral admite que que foi um momento de viragem na sua vida, até porque “de que outra forma é possível , de uma só vez e em três minutos ser visto por 200 milhões de pessoas?”. A vitória, teve outro sabor porque foi conseguida com um tema de que gosta muito, “Amar pelos dois”. “Há muita gente que vai ao festival e faz canções só para aquele evento. Eu acho que fiz uma coisa verdadeiramente boa e com uma mensagem muito forte, tanto melódica como lírica, o que me deixa muito orgulhoso”. Aliás, é com a música “verdadeira” que o artista quer continuar a trabalhar.

Este ano Portugal vai estar representado no evento musical europeu por Conan Osíris, artista que Salvador Sobral considera “muito particular”, sendo que “é esse o segredo, é a particularidade, a distinção e o impacto que podem vir a fazer de Conan Osíris o próximo vencedor do festival da canção”, aponta.

18 Mar 2019