Rendas | Coutinho retira projecto e une-se a Chan Meng Kam

Do dia para a noite, Pereira Coutinho decidiu retirar o seu projecto de lei sobre o arrendamento e unir-se a Chan Meng Kam. A notícia chegou com surpresa, mas tem um propósito: reunir o maior número de deputados para que seja aprovado algum diploma que controle as rendas. Coutinho aceita mas quis, em retorno, apoio na aprovação da Lei Sindical

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho surpreendeu tudo e todos quando anunciou a retirada do seu projecto de lei sobre o arrendamento – apresentado na semana passada à Assembleia Legislativa (AL) e pronto para ir a votos na segunda-feira – para se unir ao deputado Chan Meng Kam.

“Sim, é verdade. Decidi unir-me ao grupo de deputado que também vai apresentar um projecto similar e com objectivos idênticos ao meu projecto”, começou por confirmar José Pereira Coutinho ao HM, enumerando pontos em comum entre os dois diplomas. “Os aspectos de controlo das rendas e referências no sentido de combater as pensões ilegais [são semelhantes]”, diz.

Assumindo que está a aliar-se a forças diferentes dentro da AL, o deputado – viu o seu colega do hemiciclo rejeitar alguns dos seus projectos – admite que esta aliança poderá ser benéfica para todos.

“Atendendo que o objectivo é aprovar a lei em causa, acho que seria importante eu subscrever este novo projecto e retirar o meu com o objectivo de que os residentes de Macau passem a ter uma Lei de Arrendamento num futuro próximo”, argumenta, esclarecendo que Chan Meng Kam conseguirá reunir mais votos a favor dos outros deputados.

A carta de pedido de retirada do projecto de lei foi enviada ontem a Ho Iat Seng, presidente da AL. “Acabei de assinar o projecto de lei [da equipa de trabalho de Chan Meng Kam] e acabei de enviar uma carta ao presidente da AL para solicitar a retirada do meu projecto”, confirmou ao HM, no final da conferência de imprensa organizada na Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) sobre a Lei Sindical.

Unir forças

[quote_box_right]“Atendendo que o objectivo é aprovar a lei em causa, acho que seria importante eu subscrever este novo projecto e retirar o meu com o objectivo de que os residentes de Macau passem a ter uma Lei de Arrendamento num futuro próximo” – Pereira Coutinho, deputado[/quote_box_right]

Pereira Coutinho não nega que a união traz algum interesse, já que assegura que recebeu uma garantia por parte de Chan Meng Kam de apoio ao projecto da Lei Sindical. “Foi uma das contrapartidas que lhe fiz e espero que [Chan Meng Kam] cumpra a promessa”, afirma.

Questionado sobre o número de vezes que Chan Meng Kam votou contra os projectos de lei encabeçados por Pereira Coutinho, o presidente da ATFPM justifica que “às vezes é necessário dar passos para a frente ou para trás, faz parte da vida, [que] é feita de muitas surpresas”.

“Vejo [esta união] de forma positiva, desde que [Chan Meng Kam] apoie o projecto da Lei Sindical tudo bem para mim, são mais apoiantes e aumentam as possibilidades da lei vir a ser aprovada. Apesar de ainda existirem algumas dificuldades”, argumenta.

Equipa de votos

A união a Chan Meng Kam vem ainda trazer mais votos. Pelo menos é nisso que acredita Pereira Coutinho. “Porque ao ser do Chan Meng Kam os outros dois [Song Pek Kei e Si Ka Lon] também vão apoiar, em princípio, sendo da mesma equipa, daí mais votos”, explica.

Recorde-se que um projecto de lei sobre esta matéria há muito tem sido anunciado pela deputada Song Pek Kei, que encabeçou um grupo de trabalho dedicado a este projecto. Também Gabriel Tong esteve envolvido, ajudando na parte jurídica. Questionada pelo HM, a deputada confirmou que irá assinar o projecto de lei em causa por fazer parte da equipa de Chan Meng Kam. “Se o deputado José Pereira Coutinho já falou com o deputado Chan Meng Kam faremos uma equipa. O que de nós os três [Chan Mang Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei] assinar o projecto está a representar toda a equipa. O que queremos é impulsionar a lei”, disse ao HM.

Sobre o projecto elaborado pela deputada, Song Pek Kei afirmou “que não está decidido quem poderá assinar esse projecto”, não dando qualquer informação extra sobre se o documento será ainda submetido à AL.

Num email enviado ao HM, Chan Meng Kam esclarece que avançou com o projecto com o objectivo de “desenvolver de forma saudável o mercado de arrendamento”. Sobre o convite ao deputado Pereira Coutinho, Chan esclarece que faz parte de uma tentativa de “angariar mais apoio” a um só projecto de lei.

12 Jun 2015

Edifícios bem guardados

O resultado da consulta pública já é conhecido e vem reforçar as alterações que o IH previa: não vai existir um seguro da responsabilidade civil nos condomínios, mas há consenso sobre a obrigatoriedade de uma licença

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á foram ouvidos os vários interessados no sector de Administração de Condomínios sobre a Lei de Actividade Comercial de Administração de Condomínios e o resultado é claro: a licença da empresa deverá ser obrigatória e tem de fazer a distinção dos tipos de administração, sendo que deverão ser ainda as próprias empresas a especificar as funções do director técnico.

Apesar das 1654 opiniões recolhidas se mostrarem de acordo com os requisitos exigidos para a licença de director técnico, o Instituto de Habitação (IH) explica que serão as “empresas de administração de condomínios a especificar o conteúdo concreto das funções do director técnico através do contrato de trabalho”, porque este exerce as funções de trabalho subordinado ou de colaboração. Assim, propõe o IH que “no futuro a legislação continue a tipificar os requisitos para o exercício da função de director técnico (…) servindo [esse] ainda como um dos requisitos para a concessão e renovação da licença as empresas de administração de edifícios”.

Relativamente à licença de empresa de administração de condomínios, as opiniões recolhidas mostram que “a licença da empresa de administração deve ser concedida conforme a natureza do requerente: empresário comercial, pessoa singular ou sociedade comercial”, fazendo que seja necessário, na concessão da licença, esta distinção.

Pontos de discórdia

O resultado da consulta, que decorreu de Setembro a Novembro de 2014, mostra ainda que os inquiridos não concordam com o seguro de responsabilidade civil e por isso mesmo, este, será anulado. “Tendo em conta os problemas relativas à oferta dos seguros no mercado e a respectiva cobertura, o IH aceita esta opinião e irá anular este requisito no futuro processo de legislação”, pode ler-se no documento. 

Também o valor da caução não reuniu concordância. “O IH irá proceder a uma investigação sobre o modo de funcionamento das empresas de administração, as dívidas que possam surgir bem como sobre a respectiva capacidade de solvência, tendo como referência as práticas de outros sectores, no sentido de ajudar o valor de caução”, indica o IH.

O instituto indica ainda no relatório que “irá ponderar limitar os documentos àqueles que as empresas de administração possuem e são susceptíveis de serem divulgados”, depois de ter recebido algumas opiniões que propunham que sejam especificados os documentos a proporcionar pelas empresas de administração.

Como conclusão, o IH prevê que o tempo de licença provisória seja de três anos, tempo que o Governo considera ser suficiente para o sector de adaptar à regularização. É importante referir que a lei em causa não inclui os edifícios administrados pela sua própria comissão administrativa.

11 Jun 2015

Pesca em Macau | Até que a morte os identifique

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ascer a bordo de um barco e nunca ter sido registado faz deles, à luz das leis, imigrantes ilegais, pessoas sem certidão de nascimento, passaporte ou sequer terra natal. Muitos dos pescadores que atracam barcos nos cais do Porto Interior tiveram uma vida difícil, sendo forçados, pela vida, a trabalhar desde muito novos, quando a maioria brincava no parque e aprendia as regras da Matemática e dos caracteres chineses. Ká che é apenas uma de entre centenas de pescadores que passaram por esta experiência, apenas descrita como “uma de tantas outras”. Agora, na casa dos 60 anos, a actual gestora do cais “Hip Lei” – ou Ponte 30 – conta com a ajuda de mais meia dúzia de sexagenários para a confecção das refeições diárias e mais uns quantos ajudantes que facilitam a aproximação e estacionamento dos barcos junto ao cais.
Macau foi, desde o início, uma cidade particularmente virada para o mar. A pesca insere-se no sector primário, juntamente com a agricultura. Uma vez que a cidade era rodeada pelo rio, os habitantes fizeram por usufruir disso mesmo. No início do século XX, cerca de 1/3 da população local vivia nos barcos, ainda que muitos se ficassem pelos cais e não estivessem no mar a tempo inteiro. Actualmente, o sector tem vindo a perder adeptos, tanto no caso de trabalhadores, como de compradores. A grande maioria do peixe aqui consumido provém do continente e das águas do território vizinho, sendo também pescado por embarcações destes locais. No entanto, o Governo tem vindo a desenvolver uma série de projectos de apoio ao sector, de forma a ressuscitar a pesca em Macau.

É tudo uma questão de peixe

Ká gere aquele local, cobrando uma taxa diária aos barcos que por ali quiserem atracar. “cada dia de atra- cagem neste cais custa 120 patacas por barco e há espaço para seis”, ilustra a pescadora reformada, que conseguiu a residência permanente em Macau devido a um acordo entre o sector e o Governo, que data já das décadas de 40 e 50, quando a grande maioria dos pescadores nascia no mar, mas tinha família de Macau.

[pull_quote_right]Existem mais de dez pessoas [na nossa família] que nasceram no mar e o meu pai é residente de Macau, mas a minha mãe não e por isso não tem identidade. – ‘Ká che, ex-pescadora actual gestora do cais “Hip Lei”’ [/pull_quote_right]

A vida destas pessoas é feita nos barcos e alguns têm mais de 70 anos, mas não têm coragem de sair para as ruas por causa dessa falta de identidade.[/quote]A agora idosa passa os seus dias entre ferro-velho, redes de pesca usadas e peixes em processo de seca, aguardando pela chegada dos seus dois irmãos, ambos dedicados ao mar. No entanto, Ká che não esquece a sua história, já que hoje em dia o tempo é muito e as memórias infinitas. “A vida no mar é muito difícil e eu comecei a trabalhar com 10 anos de idade”, começa por contar. Ao HM confessa ainda que o horário de trabalho nunca é definido, já que só acaba quando o mar assim dita. Entre explicações e ensinamentos, Che deixa fugir uma confissão: “eu também nasci no mar”. No entanto e ao contrário de vários dos seus sobrinhos, a ges- tora do cais Lei Hip conseguiu, ao falta de identidade”, confessa a antiga profissional de pesca. A esperança é, alegadamente, a única a morrer, mas Che conta que, devido à falta de conheci- mentos de leitura e escrita destes pescadores, é pouco provável que o Executivo lhes forneça permissão de residência.

TNR que estão lá para ajudar

“Este negócio já tinha desaparecido se não fosse pelos TNR da China que trabalham nos barcos”, confessou Fung Hee. O presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau abre a porta da sede a todos os curiosos da profissão. unnamed-2
Naquele primeiro andar ou- vem-se peças de majong a ser baralhadas e o cenário é logo ali imaginado: um grupo de homens a passar o tempo livre enquanto o mar não chama por eles. “Em média, há seis ou sete TNR em cada barco e neste momento há em circulação cerca de 160 barcos, o que contrasta com os 600 que havia na década de 80”, explica o dirigente. No total, cada embarcação não leva mais de dez pessoas, dois deles sendo frequentemente o casal proprietário do transporte.

Longe da poluição

Neste momento, as águas preferidas dos pescadores locais estão perto de Hong Kong e a norte da China. Há ainda quem opte por se ficar por Hainão, uma ilha bastante mais longe do território. É o caso da família de Sze Lam, residente em Macau e filha de pescadores. “O meu pai tem um barco juntamente com dois irmãos e passa a maioria do tempo em alto-mar”, começa a jovem por explicar. Hoje em dia, algumas coisas parecem ter sido facilitadas, como são os regressos do pai e dos tios ao território em ocasião de festivi- dades como o Ano Novo Chinês. “Quando há datas importantes, eles vêm muitas vezes de avião porque é mais barato do que voltar no barco”, conta. Sze nunca teve uma relação próxima com o mar nem trabalhou na embarcação da família, mas a sua voz denota felicidade quando refere que hoje em dia vê o seu pai mais vezes, em termos anuais, do que há uma década. Na associação e nos cais, as tardes vão-se enchendo de jogos chineses, conversas de café e bafos de cigarro, enquanto o enjoo de estar em terra não assola o estômago dos mais sensíveis. Hee, o presidente da associação, também já foi pescador.

“Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, refere. A poluição obriga a mais gastos de combustível, algo que Sze diz influenciar bastante o lucro de todos os meses. O pai da jovem tem 50 anos e percorre rio e mar durante vários meses, na esperança de dar à sua família um nível de vida aceitável. Shantou – zona do Mar da China do Sul – é outras das áreas preferidas para a actividade piscatória.

Emprestar para suprir a escassez

Vida de pescador é, como referido, passada entre mar e terra, ondu- lação e chão firme. Este método faz com que apenas seis meses do ano potenciem lucros, deixando a restante metade à mercê da sorte, dependente do número de peixe vendido. Para tentar minorar esta dificuldade, a Direcção de Serviços para os Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) desenvolveu uma série de ajudas destinadas ao sector piscatório. “Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, disse Hee.

Normalmente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde. — Fung Hee Presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau
Um dos mecanismos dá pelo nome de “plano de formação para pescadores durante o período de defeso da pesca” e pretender ajudar estes profissionais durante o período “morto” da profissão. “Este programa pretende reduzir as dificuldades económicas dos pescadores que não têm ordenado durante a interregno da actividade, bem como ajudá-los a elevar as competências e dominar outras técnicas”, refere a DSAMA em resposta ao HM. De acordo com a entidade, foram mais de 400 pessoas as que integraram o programa do ano passado. Há ainda o Fundo de Desenvolvimento e Apoio à Pesca, que distribui dinheiro ao sector. A DSAMA explica que foram investidas mais de 50 milhões de patacas desde a sua criação, em 2007. A justificação para a existên- cia deste fundo é, de acordo com o Governo, “a importância do sector piscatório” para Macau. Já no ano passado, foram aprovados apenas dez casos com um investimento de 5,7 milhões de patacas. Ao todo, a DSAMA diz ter aprovado e investido em 159 casos desde a criação desde fundo.

À parte dos dois modelos referidos, Hee conta que há ainda a possibilidade de pedir emprésti- mos ao Executivo, podendo estes chegar às 800 mil patacas. “Além do empréstimo, que é fácil de pedir e obter, também temos isenção de imposto”, revela o presidente da associação. No entanto, há que lembrar o caso já referido, de pescadores sem identidade nem passaporte, que por não saberem ler nem escrever, são forçados a permanecer anónimos, presos pelo vergonha de sair à rua.

O ferry de hoje foi o peixe de ontem

Fung Hee conta como se faz a vida lá fora, até porque se há coisa que não falha é a memória. “Normal- mente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde”, começa por explicar. A cama recebe os pescadores perto das seis da tarde, hora em que descansam os braços e a redes, apenas para recomeçar as lides algumas horas depois. Se, por um lado, algumas profissões foram facilitadas pelo tecnologia, a pesca não parece ter sido uma delas. As queixas são várias e entre elas está a necessidade de percorrer mais quilómetros para encontrar peixe de qualidade e, consequentemente, um maior gasto de combustível. “Dantes, havia muito peixe naquela que hoje é a rota do ferry entre Macau e Hong Kong”, diz Hee. Os tipos de peixe, esses, são variados, mas no caso de Hee, eram enguias e Peixe Dourado que mais caíam na sua rede. As ruas do Porto Interior, onde estamos, não são tão barulhentos como a zona que lhe antecede, do Patane. O Rio das Pérolas não cheira ao Tejo e o céu não é o de Lisboa, mas é precisamente isso que faz daquele local único, um dos mais marcantes da cidade e que melhor a define.

2 Abr 2015