Filmes do IFFAM integram iniciativa “WeAreOne – A Global Film Festival”

Até ao dia 7 de Junho acontece no YouTube o festival “WeAreOne – A Global Film Festival”, com um cartaz composto por 100 filmes escolhidos por directores de festivais de cinema de todo o mundo. Macau participa com seis películas escolhidas por Mike Goodridge, director do Festival Internacional de Cinema de Macau, tal como “Sisterhood”, de Tracy Choi, “Lonely Encounter”, “Dirty Laundry”, “Wrath of Silence” e “A City Called Macao”

 

[dropcap]A[/dropcap] pandemia da covid-19 obrigou a novas formas de produzir e assistir a entretenimento e a sétima arte não foi excepção. Com produção e organização da Tribeca Productions e do YouTube, arrancou na sexta-feira o festival de cinema online “WeAreOne – A Global Film Festival”, que conta com seis filmes escolhidos pelo director do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), Mike Goodridge. O festival dura até domingo, 7 de Junho.

O premiado “Sisterhood”, da realizadora de Macau Tracy Choi, é uma das produções escolhidas, sendo exibido a 2 de Junho às 20h, hora de Macau. Em 2016, na primeira edição do IFFAM, este filme venceu o prémio do público. “Lonely Encounter”, uma produção conjunta de Macau e Hong Kong, da autoria de Jenny Wan, será exibido dia 3 de Junho às 19h30. Este filme venceu o prémio de melhor curta-metragem da Competição de Curtas do IFFAM o ano passado.

“Dirty Laundry”, curta-metragem de Maxim Bessmertny, é outro dos títulos escolhidos para ser exibido no “WeAreOne” a 4 de Junho às 19h. Esta curta fez parte da série “Years of Macao”, apresentada na secção de Apresentações Especiais para o 20.° Aniversário da RAEM do IFFAM de 2019.

“Wrath of Silence”, filme de suspense negro do realizador Xin Yukun, será exibido a 4 de Junho às 19h30. Filmado no norte da China, o filme venceu o prémio do júri e de melhor actor na secção de competição do IFFAM de 2017.

Segue-se “A City Called Macau”, uma produção da China da autoria da “grande realizadora da quinta geração do cinema chinês”, Li Shaohong. Esta película integrou a secção de apresentações especiais do IFFAM de 2019 e será exibida no YouTube a 6 de Junho, 19h.

Cinema global

Citado por um comunicado oficial, Mike Goodridge, director artístico do IFFAM, disse que toda a equipa está satisfeita por “fazer parte deste incrível evento global que mostra bom cinema de todo mundo”.

“A nossa selecção inclui alguns dos nossos filmes favoritos da região dos primeiros quatro anos do nosso festival e estamos encantados por mostrar diferentes facetas de Macau em quatro das nossas produções. Tiro o chapéu ao Tribeca e ao YouTube por juntarem este grupo de festivais neste ano de grandes desafios e lembrarem-nos por que é que o cinema de todo o mundo interessa”, adiantou Mike Goodridge.

O “WeAreOne” conta com programação escolhida pelos responsáveis de 21 festivais de cinema de todo o mundo, num total de 100 longas e curtas-metragens, documentários, desenhos animados, a par com conversas com grandes nomes da indústria cinematográfica, entre outros, exibidos em YouTube.com/WeAreOne. Este festival tem como objectivo “juntar artistas, criadores e curadores em torno de um evento internacional para celebrar arte requintada e contar histórias”.

Além disso, “o evento pretende trazer não só consolo e entretenimento ao público numa altura em que este mais precisa, mas também oportunidades para poderem contribuir com donativos para a Organização Mundial de Saúde, a UNICEF, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Save the Children, Médicos Sem Fronteiras, Leket Israel, GO Foundation e Give2Asia, entre outras”.

2 Jun 2020

Especial 2018 | Cultura: Um oásis no deserto

[dropcap]S[/dropcap]e por um lado há muito a apontar à cultura ou à falta dela no território, por outro é pertinente salientar o que consegue vingar, tratando-se de um lugar que por princípio lhe é hostil. Onde param as demonstrações culturais, sejam elas de que origem forem, num pequeno território governado por casinos e turistas consumidores de cosméticos?

A cultura é uma espécie de oásis que consegue, quase despercebida, emergir, lutando contra as forças de um deserto de gente poderosa que não quer saber dela. Apesar das dificuldades, há áreas que são de destaque e que, gradualmente, assumem um lugar digno, apesar de muitas vezes negado.

Neste ano que chega ao fim, a sétima arte ocupa o pódio no que respeita a cartazes, e mais importante, na sua capacidade de chamar as pessoas às salas da cidade.

Mas vejamos.

Macau conseguiu levar avante um festival internacional de cinema, que mais parecia ter nascido morto. O que parecia impossível, acabou por acontecer. Depois de uma primeira edição que nada tinha de auspicioso, o evento não só se manteve como, dois anos depois, nesta terceira edição, se conseguiu afirmar. Mais: conseguiu mostrar que não era mais um. Conseguiu garantir que podia ser bom. Mike Goodrige e Helena de Senna Fernandes estão de parabéns. O cartaz não desiludiu. Filmes como “Roma”, “Diamantino”, “A favorita” ou “The green book” foram exibidos por cá depois de passarem em ecrãs como Cannes, Berlim ou Veneza e antes de serem nomeados para os melhores dos óscares ou do ano.

Festival com público

Além do que está na tela, parece que o evento está a conquistar o público. Se na estreia, em 2016, as salas estavam tristemente vazias, com o andar das edições os auditórios do Centro Cultural de Macau, da Paixão e da Torre esgotam, ou se isso não acontece, estão pelo menos bem compostos por públicos diversos, reflexo de quem cá mora.

O festival é pontual, mas a cinemateca Paixão é presença permanente e nome a considerar para quem gosta da sétima arte. Apostada e convicta em manter uma programação que nem sempre é para todos os gostos, mas que sem duvida inclui os filmes de referência a nível internacional, a Paixão aqui salta poros fora e mostra-se. O grande ecrã é acarinhado regularmente com uma programação de luxo, não só para Macau, mas que poderia estar em qualquer cartaz de uma cidade internacional. Ali, na Travessa homónima, aquela sala pequenina peca por não ser a dobrar ou a triplicar.

Celebrado o primeiro ano de actividade da Cinemateca em 2018, a dupla de programadores Rita Wong e Albert Chu merece os parabéns. Por ali passaram filmes de animação, documentários, curtas e independentes. Houve espaço para o mundo com ciclos dedicados ao cinema do Estados Unidos ou de Portugal. Deu-se destaque a alguns dos melhores realizadores da praça como David Lynch e Kore-eda. Macau e o seu ainda embrionário cinema também teve direito a uma programação própria. Até a gastronomia fez parte de um cartaz na celebração do primeiro aniversário da cinemateca, e não foi preciso andar por aí a falar de capitais de tudo e de nada para juntar sabores e imagens.

Filmes à parte, as demonstrações culturais continuaram a passar obrigatoriamente pelas iniciativas de matriz portuguesa. Acontecem todos os anos e há mesmo quem diga, com ar aborrecido: “Lusofonia outra vez? São João?”. Pois sim, é isso mesmo e é lá que se junta muito do que é a identidade local.

As casas da Taipa e a zona de São Lázaro voltaram este ano a ser palco de encontros, os do costume e outros, com as comunidades que partilham desta terra. Trazem o sabor da sardinha, trazem música do mundo ou do arraial. Trazem o que Macau é: esta mescla de gentes, que deve ser respeitada e recordada.

Música para si

E como estamos a falar de oásis no deserto, é tempo de falar de música. O festival de música de Macau é uma referência que se mantém, já faz parte do protocolo. É bom, mas não chega.

Apesar das queixas dos vizinhos, a Live Music Association (LMA) continuou a ser a alternativa para quem quer marcar o quotidiano com uma ida a um concerto. Num deserto de opções, o 11º andar da Coronel Mesquita conseguiu, durante mais um ano, abrir portas e arriscar. Entre uma programação semanal, Vincent Cheang consegue ter ali espaço para a diversidade, consegue ter “O gajo” a tocar viola campaniça, os “Re-Tros” com as sonoridades pós-punk de Pequim, as bandas dos países nórdicos europeus com minimalismos tecnológicos, o punk dos “Lonely Leary”, o rock, o jazz e até o cabaret. Bem-haja.

Por outro lado, e com agenda marcada uma vez por ano, o “This is My City” (TIMC) também fez a sua parte nisto de trazer música aos de cá. O evento usou efectivamente o território como um local onde a cultura musical do continente se apresentou a par com sons de Portugal e locais. Sem utilizar a palavra bem-amada dos governantes – plataforma – o TIMC concretiza de alguma forma este objectivo. Não é preciso dizer nada, é preciso fazer. O TIMC fez.

Também sem precisar de etiquetas e chavões, destacou-se mais uma vez o Festival Literário Rota das Letras, um espaço em que convergem as literaturas do mundo e que na edição deste ano acabou por ser assombrado pela impossibilidade da presença de alguns autores “controversos” – Jung Chang, James Church e Suki Kim – o que valeu a demissão do seu director artístico Hélder Beja. Ainda assim, o Rota das Letras foi o evento literário do ano – e único – que junta géneros e autores, e isso ninguém lhe tira.

O teatro, por seu lado, manteve-se escondido nas vicissitudes linguísticas. A culpa não é dele. Não é de ninguém. Mas além do que vem de fora, o que se fez por cá continua a carecer de uma divulgação multilingue capaz de levar outras comunidades a ver as peças do Teatro experimental ou a assistir a uma encenação da Comuna de Pedra.

As faltas são ainda muitas no que respeita a iniciativas culturais neste pequeno território, é um facto. Mas no final de mais um ano em que houve tantos a fazerem o que podiam, é necessário o devido reconhecimento. Não é fácil ser terreno fértil em solo contaminado.

2 Jan 2019

“Hotel Império” | A cidade imaginária de Ivo Ferreira em destaque no MIFF

“Hotel Império” não é um filme sobre uma Macau real, mas sim o resultado da percepção do realizador, Ivo Ferreira, acerca da cidade onde vive há mais de 20 anos. Esta é premissa deixada pelo cineasta ao HM acerca da película que está entre os dez filmes recomendados pela 3a edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. “Hotel Império” é apresentado dia 11 de Dezembro, às 21h30 na Torre de Macau

[dropcap]D[/dropcap]epois da estreia mundial no Festival de Cinema de Pingyao, em Outubro, e de ter sido apontado como um filme “excepcional que dá uma visão única de Macau” pelo director artístico do Festival Internacional de Cinema de Macau, Mike Goodridge, “Hotel Império” de Ivo Ferreira está em destaque no programa da 3.ª edição do maior evento local dedicado à sétima arte a decorrer a partir de amanhã, até dia 14, e que tem projecção marcada para a próxima terça-feira, na Torre de Macau, pelas 21h30.

O filme é uma produção portuguesa e chinesa que traz ao grande ecrã “a cidade e as relações que nela se estabelecem”, começa por dizer Ivo Ferreira ao HM.

Mas não se trata de uma Macau comum e capaz de ser identificada por todos, é antes um território que aparece como resultado de uma interpretação imaginária que o realizador foi construindo. “É uma visão, uma espécie de ideia possível de Macau. Eu não sei o que é Macau, não sei quem são as pessoas. Tenho apenas ideias sobre isso”, aponta.

Em “Hotel Império”, a cidade é “uma espécie de colecção destas ideias que tenho desde os 18 anos, altura em que cheguei cá pela primeira vez”, refere. Duas décadas a viver em Macau permitiram a Ivo Ferreira assistir às transformações do território, e como tal, o filme apresenta também “a forma como o olhar foi mudando ao longo dos anos. É um mundo inventado, uma Macau fora do tempo ancorada em ideias dos anos 90 e em ideias de futuro”.

“[Macau] Tem uma atmosfera muito especial e apesar de tudo há uma espécie de fragrância a melancolia que será, talvez, uma coisa deixada pelos portugueses e que às vezes parece contaminar os espaços.”

IVO FERREIRA REALIZADOR

IDENTIFICAÇÕES DE LADO

O objectivo do realizador em “Hotel Império” não é uma aproximação do real até porque as pessoas que vivem em Macau não vão, na sua grande parte, identificar-se com o que poderão ver, considera. O que Ivo Ferreira pretende é que o público se “entretenha, em vez de ir à pro- cura dos pontos de contacto com a realidade, ou que tente procurar uma pureza dessa Macau que cada um pensa que conhece”, aponta.

De acordo com o realizador português, o cinema não é para ser feito como retrato da verdade, “e mal do cinema se fosse”, até porque “para esse efeito existem géneros muito específicos como o documentário ou determinadas ficções”, aponta.

“‘Hotel Império’ retrata uma Macau que se desenha muito na possibilidade ou da impossibilidade das personagens que habitam aquele espaço e das suas relações”, sublinha Ivo Ferreira.

PALCO DE POUCO CINEMA

Imaginado ou real, o território é um espaço apelativo para fazer cinema. “Tem uma atmosfera muito especial e apesar e tudo há uma espécie de fragrância a melancolia que será, talvez, uma coisa deixada pelos portugueses e que às vezes parece contaminar os espaços”, diz o realizador.

No entanto, não é fácil fazer filmes por cá, e talvez por isso as películas que têm o território como pano de fundo ainda sejam poucas. “A quantidade de vezes que Macau aparece em filmes é irrisória se com- pararmos com outras cidades como Hong Kong, com Lisboa ou com Pequim”, sendo que esta ausência da sétima arte “não é por acaso, com certeza”, aponta.

As dificuldades em produzir cinema no território sentem-se em vários aspectos, e reflectem que Macau é “uma cidade pouco habituada a ser filmada”, o que se vê “nas questões ligadas a autorizações de filmagens com as questões que têm que ver com o próprio tráfego da cidade, por exemplo”, lamenta o realizador.

Mas as circunstâncias podem mudar e o Festival Internacional de Cinema, que teve início em 2016, pode representar uma alavanca nesse sentido. “Aliás, Macau começa a ser falada por causa do festival a já está no mapa da sétima arte. Trata-se de um marco importantíssimo para a imagem do território no exterior e para os realizadores locais”, sublinha.

Por outro lado, a promoção do cinema feito localmente “é uma forma de dar uma imagem da cida- de que vai para além do jogo e dos casinos. Uma imagem que esteja mais ligada à identidade do lugar e que passa pela cultura”, acrescenta Ivo Ferreira.

Não menos importante é o contributo que este tipo de eventos pode trazer para a formação dos próprios residentes, sendo que “contribui para a sua formação intelectual e estabelece um maior contacto com o que se passa no resto do mundo e até dentro do próprio território”, remata.

10 Dez 2018

Agnes Lam arrasa Festival Internacional de Cinema

A deputada atacou o Festival Internacional de Cinema e defendeu que promoção da cultura vai além do convite para que as estrelas internacionais para passeiem na passadeira vermelha. Horas depois, deixou o hemiciclo antes de ser votado o debate sobre os órgãos municipais

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] deputada Agnes Lam criticou ontem a organização do 2.º Festival Internacional de Cinema, que considerou o evento um sucesso, apesar de precisar de oferecer bilhetes para ter pessoas nas salas. Na Assembleia Legislativa, a legisladora moderada frisou que uma actividade cultural que custa 20 milhões de patacas precisas de conseguir atrair os residentes.

“De acordo com informações oficiais, 10 mil dos 15 mil bilhetes [distribuídos para a cerimónia de Entrega de Prémios do Festival] eram cupões que foram distribuídos principalmente às escolas, associações e a profissionais do sector cultural e artístico de Macau e do exterior, e da comunicação social”, começou por apontar Agnes Lam.

“Esta iniciativa custou 20 milhões de patacas do erário público e deveria servir para atrair turistas e criar marcas culturais locais. Se até foi difícil convencer as pessoas a comprar bilhetes, como é que se pode dizer que a iniciativa alcançou os objectivos?”, questionou.

Além da questão monetária, a legisladora admite que se registem perdas com o evento, se “o objectivo da actividade for cultivar um ambiente cultural”. Porém, mesmo nesse capítulo defende que é importante que seja registada uma elevada taxa de participação.

“O Governo deve definir indicadores passíveis de rastreio, tais como a taxa de participação do pessoal local do sector cinematográfico, com vista a esclarecer a contribuição desta actividade para o desenvolvimento cultural”, apontou.

“Não podemos só emitir notas de imprensa e convidar alguém a pisar a passadeira vermelha para dizer que a actividade promoveu o desenvolvimento cultural de Macau”, disparou a deputada, naquela que foi a sua intervenção mais agressiva na AL, horas antes de abandonar o hemiciclo quando se debatia o debate sobre a criação de órgãos não-municipais.

Bilhetes à borla

Por outro lado, a membro da Assembleia Legislativa apontou o dedo à oferta dos bilhetes, que diz prejudicar os residentes e turistas que se disponibilizaram para pagar pelos ingressos.

“Os membros do Governo não devem ser ambiciosos e avançar com as actividades só por avançar, nem devem oferecer bilhetes para as salas não ficarem vazias, quando a atracção dos eventos é zero”, defendeu.

“A oferta de bilhetes afecta a avaliação do Governo e dos cidadãos sobre os efeitos das actividades, é um desperdício de recursos, e afecta as pessoas que pagaram bilhetes, os residentes passam a criar o hábito da oferta de bilhetes, afectado gravemente a cultura de pagar, criado pelo sector cultural, bem como o desenvolvimento do sector e do ambiente de exploração”, acrescentou.

Agnes Lam terminou a intervenção antes da ordem do dia, que antecede a agenda do Plenário, deixando o desejo que “as autoridades com responsabilidades na área cultural façam uma boa gestão, utilizem racionalmente o erário público” e “adoptem uma política cultural visionária, a fim de contribuírem verdadeiramente para o sector cultural de Macau”.

O Festival Internacional de Macau é organizado pelo Governo, nomeadamente pelos Serviços de Turismo, que estão sob a tutela do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam.

14 Dez 2017

Lawrence Osborne, escritor e júri do IFFAM: “Macau é única”

O livro “The Ballad of a Small Player” passa-se em Macau e pode vir a ser adaptado para o grande ecrã. A obra é de Lawrence Osborne que está no território enquanto membro do júri do Festival Internacional de Cinema. Para o escritor britânico, Macau é um lugar único

[dropcap]É[/dropcap] a primeira vez que está a trabalhar com a área do cinema. Tenciona estar mais ligado à sétima arte?
Já fui muitas vezes convidado para escrever guiões e sempre disse que não. Conheço muitas pessoas do mundo do cinema e sempre achei que era um negócio muito complicado. Envolve muito tempo junto de um público e envolve muitas questões relacionadas com dinheiro, o que para mim são tudo complicações. Se se é um escritor, sentamo-nos no nosso quarto sozinhos, fechamos a porta e estamos assim todos os dias, e isso é óptimo. É a única coisa me interessa. Mas, de facto, este ano está muita coisa a mudar porque tenho vários livros que podem vir a ser adaptados e, com isso, tenho de estar envolvido com todos os problemas associados.

O que é que o fez mudar de ideias? 
Tenho cerca de seis livros publicados e dois para o serem. Já escrevi bastante e acho que vou tirar um ano de férias para fazer outras coisas e ver o que acontece. Por outro lado, também há muito dinheiro envolvido (risos) porque faz com que não tenha de me preocupar com essa parte durante uns tempos. Quando escrevemos livros andamos sempre falidos.

Qual o seu interesse pelo cinema? 
O cinema é um mundo muito interessante. Às vezes até gosto mais de cinema do que, propriamente, de literatura. Vejo muitos filmes. Mas o mais importante é a arte narrativa, que é sempre uma arte. Há sempre uma história. Pintura e música são diferentes. Elas existem numa outra dimensão. Mas as artes narrativas estão ligadas. Quando vejo um filme e enquanto escritor estou sempre tecnicamente interessado no que está a acontecer na história. O mesmo acontece ao ver os filmes deste festival. Estamos sempre a perguntar-nos o que vem a seguir na história e, na maioria das vezes em que conseguimos perceber isso, não nos sentimos bem. Pensamos que se o mesmo acontecer quando alguém está a ler as nossas histórias, elas perdem a imprevisibilidade, e, para nós escritores, isso significa que são fracas.

Já foi abordado acerca da possibilidade de adaptar o romance “The Ballad of a Small Player”, que acontece em Macau, para cinema?
É uma opção. Aliás, quando sair deste encontro com os jornalistas, vou ter a minha primeira reunião acerca de um guião desse livro. Mas ainda não pensei nessa história ainda como um filme. Já o escrevi há alguns anos, pelo que há coisas que não estão frescas na minha memória. Quando escrevi “The Ballad of a Small Player”, não tinha em mente qualquer adaptação para cinema. Era apenas literatura. Era um conto de fadas chinês. Por isso, fiquei surpreendido quando me apareceram com a possibilidade de ser adaptado. Se calhar vão me pedir para fazer o screenplay, e se calhar vou pensar nisso.

Com quem se vai reunir para o efeito?
Não posso ainda dizer ao certo com quem, mas posso avançar que uma das pessoas é o director do festival Mike Goodrige. Só o conheci uma vez em Londres onde o trabalho dele é muito reconhecido enquanto produtor e é uma pessoa com muito bom gosto também. Aliás, isso pode ser constatado pelos filmes que temos neste festival, que são óptimos. Por vezes, nos festivais de cinema, os filmes conseguem estar muito longe de serem bons, mas neste, a qualidade está muito alta. Acho que é uma situação muito gratificante para Macau: ter todos estes filmes de grande qualidade em competição e em exibição. Todos nós, membros do júri, estamos muito surpreendidos.

“The Ballad of a Small Player” é uma história que acontece em Macau e que trata da realidade do território. Como é que lhe ocorreu escrever este livro?
A forma como as histórias começam é muito interessante porque não acontece de uma forma, aparentemente, lógica. Há uma pequena passagem no livro em que a rapariga está a relembrar uma oferta que fez num templo, e essa imagem era uma situação por que passei no Tibete. Na altura estava a fazer uma viagem pela China, escrevia para a Vogue e andava acompanhado com dois fotógrafos e dois tradutores. Não sabia porque é que estava ali ao certo, mas acabámos por ir a este lugar assustador, no meio de uma grande floresta com vista para um rio enorme. Era um sitio deserto onde estava um mosteiro gigante com cerca de 30 monges. O meu condutor de carro era um tibetano e de repente parou, entrou no templo, e deixou um monte de notas. Eu achei tão estranho. Aquela imagem ficou comigo e não tendo qualquer conexão com Macau acabei por fazer uma adaptação no livro. Foi assim, por exemplo, que nasceu aquela personagem do livro.

Muitos dos livros que escreve são escritos depois de viver nos sítios onde a narrativa acontece. Isso também aconteceu com “The Ballad of a Small Player”?
Não. Normalmente vivo nos lugares mas não vou para nenhum sitio para fazer pesquisa para livros. O processo é o inverso. Detesto essa coisa de alguém pensar em fazer alguma coisa sobre um lugar e ir lá para pesquisar durante duas semanas. Isso é treta e não funciona. É preciso conhecer realmente um lugar e para isso é preciso lá viver, caso contrário, é falso. Não vivi em Macau mas passei muito tempo aqui em 2001, 2002, 2003 e 2004. Na altura trabalhava para o New York Times e escrevia sobre os medicamentos psiquiátricos na Ásia. Mandavam-me para a China, para o Bornéu, a Indonésia, a Papua Nova Guiné, etc. Acabava sempre por regressar ou a Hong Kong, ou a Bangkok, que funcionavam como uma espécie de base de trabalho. Muitas das viagens que fazia eram à selva e eram muito cansativas. No final, no regresso, acabava sempre por passar, pelo menos, um mês em Hong Kong, para descontrair. Acabei por me habituar a vir a Macau, porque tinha muita curiosidade. Quando percebi que era tão diferente de Hong Kong, comecei a preferir Macau a Hong Kong e a ficar cada vez mais tempo em Macau. Era uma ligação estranha a que sentia, mas foi completamente acidental. Adorava esta atmosfera que não é nem portuguesa, nem chinesa. Não se vê uma mistura óbvia, mas Macau é única. A segunda razão porque comecei a vir para Macau, teve que ver com o vinho porque também fui um dos críticos de vinho da Vogue e Stanley Ho tinha a maior colecção de vinhos que existia no Hotel Lisboa. São milhares de garrafas. Foi muito interessante para mim porque não conseguimos encontrar este tipo de colecções muito menos feitas por um chinês. Daí existirem cenas no livro que se passam no antigo Robuchon.

O jogo, nunca apareceu na sua vida?
Sim, apareceu mas mais tarde. Tudo acontece numa sucessão. Quando passamos muito tempo num sitio, como eu passava no Lisboa  a beber bastante vinho e sem conhecer ninguém, num lugar onde toda a gente circula à noite e a ver as pessoas a jogar, começa-se a jogar também. Jogava bacarat na sua forma mais fácil. Aliás acabei por achar que era uma coisa bastante terapêutica, principalmente quando perdia dinheiro.

Porquê?
A nossa relação com o dinheiro é muito baseada no adquirir e guardar o dinheiro. Passam-se vidas inteiras neuroticamente obcecadas com a ideia de guardar dinheiro, de não o gastar. Se formos a um casino frequentado por chineses, que também são muito obcecados pelo dinheiro, a situação é ainda mais particular porque é um lugar onde é muito fácil perdê-lo. Quando isso acontece é como se alguma coisa dentro de nós se partisse e rendemo-nos a isso. E isso é bom.

É a primeira vez que é membro de um júri?
Enquanto júri de cinema, sim. É muito mais divertido do que ser júri de livros. No mundo da literatura, se um membro de um júri gosta em especial de um livro detestam se um outro membro não gosta. Mas aqui é tudo mais objectivo. Discutimos os filmes que vemos ao jantar, de forma muito civilizada. Todos temos sensibilidades diferentes mas discutimos os filmes em todos os aspectos.

O que é que é um bom filme para si?
Penso que a história tem de ser visceral. Se se pensar muito, se se tratar de um filme muito intelectual, já perdeu alguma coisa. Penso qua a intensidade é o que mais conta. Acho que muitos dos escritores, actualmente, são demasiado intelectuais. Pensam demais, e isso é sempre um erro. Não funciona. Mas tenho de reforçar que ainda só vi filmes bons aqui, entre os sete que já visualizamos.

Considera mudar de carreira, da literatura para os filmes?
Não, é demasiado tarde para isso. Nós fazemos o que fazemos e já é muito difícil fazer uma coisa bem. Não é possível fazer duas coisas bem.

O que é um bom livro? 
Isso é mais complicado. Há muito poucos livros que são realmente bons. A literatura é tão diversa.

11 Dez 2017

Filmes de Pang Ho-Cheung em exibição esta semana na Cinemateca

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Festival Internacional de Cinema de Macau só começa em Dezembro, mas, entretanto, já se faz sentir no território. Exemplo disso é o ciclo que decorre na Cinemateca desde ontem, dedicado ao realizador Pang Ho-Cheung.

Depois de “Love Puff”, exibido ontem, amanhã é dia de apresentar “Isabella”.

O filme passa-se em Macau, na véspera da transferência de administração e conta a história de um polícia local, Shing, que está a atravessar um mau momento na vida e a ser investigado por crimes de corrupção. Para se animar, vai à procura de consolo feminino e conhece Yan, a filha que não sabia que tinha. Com o novo papel de pai, Shin tem agora de lidar com a relação homossexual de Yan e com os abusos que sofre por parte de um colega de trabalho. Resta saber se pai e filha se conseguem reconhecer como tal.

“Isabella” ganhou o Urso de Prata no 56.º Festival de Cinema de Berlim.

Sexta-feira é dia de “You shoot, I shoot”. O filme passa-se na vizinha Hong Kong. Numa cidade superpopulosa, em que o espaço, escasso, é palco de pequenas conquistas diárias e gerador de ódios e conflitos, os serviços de assassinato profissionais estão em boa maré de negócio. É o caso de Bart que investe o que ganha com as encomendas de morte no mercado imobiliário. No entanto a crise aparece, Bart começa a ter menos propostas de trabalho e as rendas do aluguer de casas também descem. Em Hong Kong, apenas as mulheres mais ricas começam a ter possibilidades de contratar assassinos. Bart dedica-se agora a este mercado.

Pang Ho-Cheung é um argumentista e realizador de Hong Kong que tem na carreira, não só múltiplas produções, como prémios internacionais e, este ano, é convidado para dirigir uma masterclass promovida pelo Festival de Cinema de Macau.

O ciclo conta com entrada livre e as projecções são às 15h30.

22 Nov 2017

Festival de Cinema | Já são conhecidos dez dos 11 filmes em competição

Dramas familiares, histórias reais e surrealismos de guerra são alguns dos temas que marcam a selecção de filmes em competição na 2ª edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. São na sua maioria filmes que marcam a estreia nas longas metragens dos seus realizadores. Todos de 2017, já passaram também pelos principais festivais de cinema internacionais e prometem marcar a diferença no evento local

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] secção de competição da 2ª edição do Festival Internacional de Cinema de Macau abre as hostes, a 9 de Setembro, com a “história por contar” dos tenistas Björn Borg e Joe McEnroe. A produção sueca do realizador galardoado pela crítica em Cannes com o filme “Armadillo” em 2010, Janus Metz, traz ao ecrã do pequeno auditório do Centro Cultural de Macau o drama dos bastidores do campeonato de Wimbledon de 1980. Björn Borg, à conquista do quinto título mundial está exausto. Borg e John McEnroe confrontam-se no campo, mas nos balneários só são compreendidos por aquele que é o seu maior inimigo.

O dia continua com o filme galardoado pelo público na secção da crítica de Cannes deste ano. Trata-se de “Hunting Season” , a primeira longa metragem de Natalia Garagiola. A película conta a história de Nahuel que regressa a casa do pai, Ernesto, um respeitado caçador da Patagónia argentina. Nahuel é acolhido numa nova família que o despreza e está agora com um pai que o abandonou e não traz boas memórias do passado onde o filho se insere. É, no entanto, numa caçada que os dois, sozinhos na imensa Patagónia, têm oportunidade de se reencontrar.

O sábado de competição fecha com o filme do alemão Jan Zabeil “Three Peaks”. A película trata de um drama familiar. Aeron vive com Lea e o seu filho de oito anos, Tristan, com quem não consegue construir uma relação. A esperança mora numas férias nas Dolomitas italianas. A ideia é que este tempo possa representar um ponto de partida para uma nova vida e uma nova vivência familiar. No entanto, e apesar dos esforços de Aaron, Tristan continua leal ao pai biológico. É num passeio entre os dois, dentro de mais uma tentativa de aproximação, que a situação começa a ganhar outro rumo, quando Aaron e Tristan, devido ao nevoeiro, se perdem um do outro.

Das minas à pastelaria

O dia seguinte começa com a projecção de “Wrath of silence” do realizador natural da Mongólia Interior, Yukun Xin. Xin explora, em “Wrath of silence”, não só o drama de um pai que procura o filho desaparecido como o submundo ligado à corrupção da exploração mineira. Depois de saber que o filho não voltou a casa após dois dias no campo a guardar ovelhas, o mineiro Zhang Baomin decide voltar à aldeia para o procurar. As dificuldades são muitas. A população não se mostra com vontade de ajudar a encontrar a criança desaparecida e, sem desistir, Zhang acaba por se confrontar com os perigos e os negócios que determinam a exploração mineira.

O fim-de semana termina com “The Cakemaker”. Trata-se de uma produção israelita a cargo do realizador Ofir Raul Graizer. Em “The Cakemaker”, Thomas, um jovem padeiro alemão que gere uma pastelaria em Berlim, tem um caso com Oren, um homem casado de Israel que vai frequentemente à Alemanha em negócios. Quando Oren morre, vítima de um acidente em Israel, Thomas viaja para Jerusalém à procura de respostas. Sem dar a conhecer a natureza da relação que mantinha com Oren, Thomas começa a trabalhar para Anat, a viúva, e consegue com a perícia que traz de Berlim, revitalizar o negócio de biscoitos tradicionais. Mas, a relação entre Thomas e Anat não se fica por aqui. “The cakemaker é a primeira longa metragem de Ofir Raul Graizer, o realizador que trabalha entre a Alemanha e Israel e teve a sua estreia galardoada com o “Ecumenical Jury Award” no Karlovy Vary International Film Festival, na Répública Checa.

Tragédias entre a Índia e Inglaterra

A segunda-feira abre com uma adaptação de uma peça de Shakespeare a uma família de elite indiana. A protagonista é a viúva Tulsi Joshi que tem o filho prestes a casar com uma descendente da família Ahuja. Com a união, fica concretizada a associação de duas famílias de negócios. Mas o filho de Tulsi Joshi acaba por ser encontrado morto antes da cerimónia, e aparentemente a causa seria o suicídio. Tulsi não se conforma e dois anos mais tarde trata de se casar ela com um herdeiro da família Ahuja. O objectivo: ir à procura da verdade acerca da morte do filho e vingar-se a qualquer preço.

O filme é “The Hungry” e conta com a realização da realizadora natural de Cálcutá, Bornila Chatterjee. “The Hungry” é a segunda longa metragem de Chatterjee e teve a estreia destacada como apresentação especial no Toronto International Film Festival, em Setembro.

No mesmo dia, mas ao serão, vai ser exibido no grande ecrã “Beast” do britânico Michael Pearce. Moll Huntford é uma jovem de 27 que vive na ilha de Jersey, ao largo da costa da Inglaterra. Moll ainda está em casa dos pais e teve o crescimento marcado por uma mãe dominadora e uma educação sem liberdade, principalmente depois de ter sofrido um acidente na adolescência. Mas Moll apaixona-se por um estranho e misterioso individuo, Pascal. Quando a vida parece estar a mudar, é encontrado um corpo na ilha, a quarta vítima de um assassino em série, e Pascal é o principal suspeito. É mais uma vez uma primeira longa metragem do realizador, já com créditos ganhos nos BAFTA e que viu a sua estreia na secção “Plataforma” Toronto International Film Festival deste ano.

Divórcios e surrealismos

O dia 12 de Dezembro traz à tela mais duas películas em competição. “Custody” de Xavier Legrand é um outro drama familiar vindo de França que trata, desta feita, da luta de uma mãe pela custódia do filho após o divórcio. O argumento é que a criança pode correr o risco de ser abusada pelo pai. Como em dramas do género, a criança vê-se numa luta que não é a dela e acaba por ser refém dos desentendimentos entre os pais. O realizador Xavier Legrand é conhecido pelo seu trabalho de actor de teatro, mas em “Custody”, a sua primeira longa metragem, foi já galardoado com o prémio de melhor realizador no Festival de Veneza no passado mês de Setembro.

“Foxtrot” traz ao ecrã uma abordagem com toques de surrealismo. Michael e Dafna são um casal devastado pela tristeza causada pelas mortes na guerra dos seus familiares. Agora foi a vez do filho. No entanto, com Dafna sedada, Michael começa a duvidar da morte do filho. O filme é do israelita Samuel Maoz que aos 13 aos já filmava em 8mm. Aos 18 anos contava com vários filmes feitos quando foi obrigado a integrar o exército e destacado para  a guerra no Líbano. O seu primeiro filme, “Lebannon” ganhou, em 2009 o Leão de Ouro em Veneza e “Foxtrot” arrecadou, este ano, o prémio do júri no mesmo evento.

A secção de competição termina a apresentação a 13 de Dezembro com “My Pure Land” de Sarmad Masud. Tal como o filme que abre a secção, trata-se mais uma vez de uma película baseada em factos reais.

No Paquistão, Nazo juntamente com a mãe e uma irmã são forçadas a defender a sua casa depois da prisão do pai. Estas mulheres vêm-se cercadas por milícias, que a mando do tio, querem reaver as terras da família. Nazo não se rende.

22 Nov 2017

Festival Cinema | Filme “Paddington 2” é a escolha de Mike Goodridge

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau é marcada pela exibição do filme familiar “Paddington 2”. Para o director, Mike Goodridge trata-se de uma escolha para satisfazer “toda a gente”. O festival pretende ser um evento para um leque diversificado de público e trazer ao território cinema comercial e de autor.

Um festival que agrade a todos os gostos foi a ideia deixada pelo director do II Festival Internacional de Cinema de Macau (FICM), Mike Goodridge, na passada sexta-feira, à margem da conferência da imprensa de apresentação do programa desta segunda edição do evento.

A iniciativa tem lugar entre 8 a 14 de Dezembro e a escolha dos filmes conta, este ano, com uma selecção variada, entre películas comerciais e de autor.  Mike Goodridge explicou que a opção tem que ver com o objectivo de “apelar a uma audiência que goste de filmes artísticos, mas também que agrade a um público mais vasto”, disse aos jornalistas.

Para o britânico, a opção de alargar o leque de exibições a filmes mais comerciais tem como objectivo chegar a um público mais alargado do que aquele que, à partida, seria o de filmes independentes. “Queremos que a audiência de Macau não fique desencorajada por estes filmes, não pense que são demasiado artísticos, ou estrangeiros, ou seja o que for, mas que os abrace”, referiu.

Para o efeito, Mike Goodridge optou pela escolha de filmes “que contam grandes histórias e têm temas universais”. “Seleccionámos deliberadamente filmes que promovam a reflexão e sejam acessíveis no que respeita à narrativa”.

O director ilustra em tom de brincadeira: “Se eu pudesse ver um filme filipino de sete horas, fá-lo-ia, mas não quero infligir isso a toda a gente porque sei que não é do gosto de todos”.

Urso de abertura

A acessibilidade das películas a serem projectadas começa logo com o filme seleccionado para abrir o evento no próximo dia 8 de Dezembro.

A eleição recaiu na personagem de contos infantis do também britânico Michael Bond, o urso Paddington. O filme será o número dois da saga e, de acordo com o director, é obrigatório. “Têm de ver este filme, é encantador. Queríamos um filme que agradasse a toda a gente, que toda a gente apreciasse, toda a família. Estes filmes são perfeitos e o segundo ainda é melhor que o primeiro”, explicou.

Por outro lado, “apesar de não ser um tipo de filme de festival, é extremamente bonito, é o filme de família perfeito. É uma óptima maneira de começar esta celebração do cinema”, continuou o director.

Este ano o FICM conta com a exibição de mais de 40 filmes. Para Mike Goodridge é um cartaz “muito forte e sem ser demasiado artístico ou demasiado estrangeiro”.

Competição de ouro

À semelhança do ano passado, os filmes em competição – um total de dez – são dedicados a novos realizadores. Destes, Mike Goodridge destaca dois premiados no Festival Internacional de Cinema de Veneza: “Custody”, de Xavier Legrand, e “Foxtrot”, de Samuel Maoz.

O júri será composto pelo realizador francês Laurent Cantet, a actriz  Joan Chen, a realizadora austríaca Jessica Hausner, o escritor britânico Lawrence Osborne e o realizador de Singapura Royston Tan.

Portugal vai estar representado, nesta edição, do FICM com o filme, também premiado, de Pedro Pinho, “A Fábrica de Nada”. A produção integra a rúbrica “Panorama” dedicada às películas que se destacaram em alguns dos mais prestigiados festivais internacionais de cinema. “A Fábrica de Nada” é, para o director do FICM, uma referência. “É sem dúvida o melhor filme português do ano, estreou no Festival de Cannes. É soberbo”, disse. Da mesma secção fazem ainda parte filmes oriundos da China, do Japão, da Malásia, Estados Unidos e França.

Aprender com os mestres

À semelhança da primeira edição do festival, este ano a organização continua com a secção “Aulas com os Mestres”. A segunda edição traz a Macau os realizadores de Hong Kong John Woo e Pang Ho Cheung para partilhar conhecimentos e experiência.

A acrescentar tem também lugar a parceria estabelecida com a Academia de Cinema Britânico. A iniciativa pretende dar oportunidade aos realizadores locais de ter acesso a formação específica de modo a produzirem uma das duas curtas-metragens a serem seleccionadas para projecção ainda durante o festival.

Mantendo a forma com que foi criado, o 2º Festival Internacional de Cinema de Macau vai contar com as secções “Fogo Cruzado” que integra as recomendações de realizadores reconhecidos e “Adagas Voadoras” dedicada do cinema asiático. A “Apresentação Especial” desta edição é dedicada ao “Último Imperador” de Bernardo Bertolucci, como forma de marcar o 30º aniversário do filme que conta a história de Pu Yi.

A conferência de imprensa da passada sexta-feira ficou ainda marcada pela posição secundária dada ao director Mike Goodridge. O britânico apresentou as linhas gerais do programa, não tendo, contudo, um local de destaque entre as individualidades presentes. Mike Goodrige foi nomeado em Junho para dirigir esta edição do evento que pretende promover o cinema no território, após a demissão, no ano passado, de Marco Mueller, a um mês do início do evento. Interrogado acerca da sua permanência à frente do FICM, Mike Goodridge afirma não tencionar fazer o mesmo que o seu antecessor.

6 Nov 2017

Cinema | Inscrições para curso da BIF termina amanhã

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]ermina amanhã o prazo para a inscrição no concurso que vai escolher 18 talentos locais para participarem num curso preparado pela academia de cinema BIF International Film. A iniciativa vai decorrer ao longo do Festival Internacional de Cinema de Macau e é organizada numa parceria entre a BIF International Film Academy e a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau.

Para participar, os candidatos têm de entregar uma ficha com currículo, onde devem destacar a experiência na área, assim como as principais aptidões. Depois, o júri vai seleccionar os 18 vencedores, sendo a participação está limitada a pessoas com experiência com idades entre os 18 e 28 anos.

Ao longo dos nove dias do programa oferecido pela BIF, os alunos vão ter de produzir duas curtas, com a ajuda de profissionais. Os enredos e os preparativos da pré-produção vão ser feitos antes do curso. Um dos grandes desafios para os participantes é adequarem a produção ao orçamento disponibilizado, que os organizadores definem como “pequeno”, embora não esclareçam o montante.

Entre os 18 participantes, seis vão ser escolhidos do programa que foi realizado no ano passado. A decisão sobre os vencedores vai ser tomada entre sábado e 29 de Outubro e os contemplados vão ser informados a 30 de Setembro.

O curso começa a 1 de Novembro e termina no dia 9. Porém, a 7 de Outubro há um dia de preparação, que visa explicar aos contemplados o que precisam de fazer ao nível da pré-produção das curtas.

21 Set 2017

Cinema | Britânico Mike Goodridge é o director do festival internacional

Depois da confusão do ano passado, com a desistência do director na fase da contagem decrescente, o Festival Internacional de Cinema de Macau tem o estreante Mike Goodridge como responsável pelo evento. A aposta vai para os novos talentos. O orçamento mantém-se
Mike Goodridge vai estrear-se como director artístico de um festival em Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] britânico Mike Goodridge foi escolhido para o cargo

de director artístico da segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, que vai decorrer de 8 a 14 de Dezembro, anunciou a organização do evento.

Apesar de ligado há 27 anos à indústria cinematográfica, na qual desempenhou diferentes papéis, desde jornalista a crítico, a apresentador ou produtor, Mike Goodridge vai estrear-se como director artístico de um festival, um “desafio irresistível” que era o “próximo passo” na sua carreira que incluiu programar, ao longo dos últimos sete anos, a secção Kinoscope do Festival de Cinema de Sarajevo.

Mike Goodridge, que foi júri em mais de 25 festivais internacionais de cinema, vai contar com o apoio de uma equipa de cinco consultores internacionais, da Europa, da América e da Ásia, incluindo o produtor de cinema português Luís Urbano.

Sob o tema “Novas Vias para o Mundo dos Filmes”, o Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla em inglês) encontra-se dividido em diferentes categorias, entre as quais a de “Competição”, da qual vão fazer parte dez longas-metragens.

Nesta secção foram introduzidas ‘nuances’, com o foco apontado a realizadores com menos experiência, estando previsto um prémio máximo de 60 mil dólares.

“A parte da competição vai ser sobretudo para realizadores que têm um ou dois filmes, porque queremos incentivar mais os novos talentos”, explicou, por seu turno, a presidente da comissão organizadora do IFFAM, Maria Helena de Senna Fernandes.

O programa inclui outras seções como “Gala”, em que vão ser exibidos “três dos mais importantes filmes do ano”; “Adagas Voadoras”, com “seis dos filmes mais inovadores e representativos do atual cinema asiático”; “Fogo Cruzado”, composta por “seis filmes recomendados por realizadores de peso” ou “Panorama”, com “oito películas premiadas nos principais festivais de cinema em 2017”.

Famílias e masterclasses

Uma das novidades no programa prende-se com a introdução de uma categoria “Para Toda a Família” e com um programa de formação em produção cinematográfica, a ser ministrado por profissionais do Instituto de Cinema Britânico, destinado a jovens de Macau interessados em enveredar pela sétima arte.

À semelhança da edição inaugural, realizar-se-ão fóruns de cinema e uma feira de investimento destinados a profissionais da indústria cinematográfica, além de ‘masterclasses’ com profissionais internacionais de renome.

O Festival Internacional de Cinema de Macau é organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST) e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau.

O IFFAM vai contar com um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são assegurados pela DST, ou seja, o mesmo do da edição inaugural realizada no ano passado.


Director do IFFAM quer pôr certame no mapa dos festivais

O recém-nomeado director artístico do Festival Internacional de Cinema de Macau, Mike Goodridge, identificou uma indústria em crescendo no território, que vê como “porta de entrada” para a China, e quer colocar o certame no mapa dos festivais.

“Quero descobrir mais sobre a indústria e a audiência chinesa, que é imensa”, realçou o britânico Mike Goodrige, na apresentação da segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau.

Destacando o seu “real conhecimento” do mundo do cinema, Mike Goodridge espera contribuir para colocar Macau no mapa, embora notando que o território, com pouco mais de 30 quilómetros quadrados e menos de 650 mil habitantes, é um lugar que considera “excitante”, e tem vindo a aparecer cada vez mais na tela.

“A questão está em criar um festival com significado no calendário dos festivais. Há tantos festivais no mundo que [o] queres fazer [é] algo à medida de Macau, que tenha valor para que as pessoas venham”, sublinhou o novo director artístico do IFFAM, para quem “parte disso passa por criar uma audiência que queira ver os filmes” que vão ser exibidos.

“Queremos casa cheia e as pessoas entusiasmadas em torno do cinema”, afirmou Mike Goodridge, que pretende conceber um cartaz com filmes “artísticos, mas acessíveis”.

O britânico afirmou ainda que acredita dispor de total autonomia editorial: “Tanto quanto sei, tenho. Absolutamente”.

Mike Goodridge respondia assim aos jornalistas, depois de a primeira edição Festival Internacional de Cinema de Macau ter ficado marcada pela saída do italiano Marco Müller, que esteve à frente de festivais de cinema como o de Veneza, Roma ou Locarno. Müller demitiu-se do cargo de director artístico do IFFAM a menos de um mês do arranque do evento, invocando divergência de opiniões.

Mike Goodridge, que deixou recentemente a produtora Protagonist Pictures, foi escolhido entre “cinco a seis candidatos”, entre recomendados e autopropostos, indicou a presidente da comissão organizadora do festival, Maria Helena de Senna Fernandes.

19 Jun 2017

Nova edição do Festival Internacional de Cinema vai ter director estrangeiro

A estreia ficou marcada pela saída polémica de Marco Müller e por salas com muitos lugares por preencher. Mas o Turismo acredita que faz falta a Macau um festival internacional de cinema e quem trabalha na indústria concorda. Vem aí a segunda edição do Festival de Cinema. O director vem de fora

Com agência Lusa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] segunda edição do Festival de Cinema de Macau está prevista para Dezembro e vai ter “um director internacional”, cujo nome deverá ser anunciado no próximo mês, afirmou ontem a directora dos Serviços de Turismo.

“Estamos quase a completar [o processo]. Só posso dizer que é uma pessoa internacional, tem muitos anos de cinema (…) Ainda não assinámos o contrato. Se calhar, em Junho, estamos em posição de anunciar”, disse Helena de Senna Fernandes, em declarações aos jornalistas à margem da abertura da 11.ª edição da feira Global Gaming Expo Asia (G2E Asia), que anualmente junta empresas e especialistas do jogo de todo o mundo.

A segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau vai decorrer entre 8 e 14 de Dezembro, este ano com a duração de sete dias, mais um do que no ano passado, adiantou.

O italiano Marco Müller, que esteve à frente de festivais de cinema como o de Veneza, Roma ou Locarno, tinha sido escolhido no início do ano passado para dirigir a primeira edição do festival, mas um mês antes do arranque do certame, em Novembro, demitiu-se, invocando divergência de opiniões.

A directora dos Serviços de Turismo e presidente da comissão organizadora, Helena de Senna Fernandes, assumiu então a função de directora substituta do festival.

Mais público

Na reacção às declarações de Helena de Senna Fernandes, o realizador Ivo Ferreira não deixa de ficar entusiasmado. “A expectativa que tenho, ainda sem saber pormenores, é que seja, na continuidade da edição anterior, um festival de qualidade”, disse ao HM.

O realizador espera que, com a iniciativa, seja dado a conhecer a Macau o melhor do cinema com filmes que se destaquem pela sua qualidade. “Só assim é que este festival pode vir a estar no mapa do mundo.”

Ivo Ferreira acredita que seja este o objectivo do projecto local e que “numa segunda edição sejam afinadas algumas questões”. O realizador exemplifica com a dinâmica capaz de levar o público a participar mais nas sessões.

Ivo Ferreira não deixa de achar natural que, num primeiro certame, existam lacunas na organização, até porque “os festivais ganham maturidade e reconhecimento passados alguns anos, visto terem de ganhar tempo e corpo”. Essencial é, de facto, a manutenção de padrões de qualidade e para isso, considera, deve promover a cinematografia de autor em que o alvo seja a diferenciação.

“Este festival tem, na minha opinião, uma componente de cruzamento entre o Oriente e o Ocidente, o que me parece uma tendência natural”, aponta.

Já Tracy Choi – vencedora do prémio do público no ano passado com a sua primeira longe metragem, “Sisterhood” – considera que esta é uma iniciativa que atrai efectivamente a atenção para o cinema local.

Com a confirmação da realização da segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, a realizadora espera que seja uma oportunidade de continuar a investir na divulgação dos filmes feitos no território, ao mesmo tempo que “dá oportunidade aos locais de trocarem experiências com outros profissionais do cinema, vindos de várias partes do mundo”.

A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, em 2016, foi organizada pela Direcção dos Serviços de Turismo de Macau e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau.

O filme português “São Jorge”, sobre um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver, conquistou os prémios de melhor realizador (Marco Martins) e melhor actor (Nuno Lopes).

A primeira edição do festival teve um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões foram assegurados pelos Serviços de Turismo.

17 Mai 2017

Especial 2016 | Raimundo do Rosário é a personalidade do ano

Personalidade do ano – Raimundo do Rosário

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Secretário para os Transportes e Obras Públicas chegou, viu e…convenceu. E porquê? Porque – vejam lá bem! – é capaz de tomar decisões, algo que há muito não se via pelas bandas do seu pelouro. Ao segundo ano da sua presença no Governo, as coisas parece que querem andar, ainda que emperradas pelas areias do costume. Ele diz que não sabe, não diz que não pode e não teme atirar o prazo das obras para as calendas, quando esse é o seu triste destino. É o caso do metro ligeiro, entre outras. Raimundo do Rosário conhece bem os interesses locais, demasiado bem para ser optimista. Mas, nesta RAEM do quanto-menos-te-mexes-melhor, foi uma lufada de racionalidade, desassombro e eficácia, bem necessária depois da Era Glacial que se seguiu ao incidente Ao Man Long e ao empata-obras que o substituiu. Ninguém espera que faça milagres ou que os milagres se façam por si, mas deverá manter a mesma postura e demonstrar a mesma vontade em defender o interesse público se quiser terminar o ano em 2019 a sua passagem pelos mais altos cargos do Governo da RAEM com uma nota extremamente positiva. Depois da sua presença em Lisboa, na delegação de Macau, será o final dourado de uma distinta carreira como servidor da coisa pública.

Ralhete do ano – Li Keqiang

A presença do primeiro-ministro expôs as fraquezas do Governo local, que, além de ser manso e garantir a mansidão popular,pouco efectuou no sentido de implementar os desígnios de Pequim. De tal modo que Li Keqiang não se coibiu de, em “édito-rei”, exigir as medidas que há muito deveriam estar longe do papel e das intenções. Os governantes coraram e a oligarquia encolheu os ombros, pois pouco disto lhe interessa. Todos disseram que sim e as cabeças ficaram a abanar até o pó da carruagem de Li assentar no fim da estrada. Depois, a partilha do bolo continua. A ver vamos se o discurso criativo do primeiro-ministro cai em saco roto ou não.

Governante do ano – Lionel Leong

O Secretário para a Economia e Finanças é o homem das “missões impossíveis”: uma, diversificar a economia de Macau; duas, convencer os empresários locais a dotarem-se de uma postura contemporânea e menos ambiciosa. Outro deixaria correr o marfim, mas Lionel Leong tem-se distinguido pelo modo como está por dentro dos dossiês e parece por isso levar a sério as suas hercúleas tarefas. A cadeira no Olimpo ainda está à vista.

Revelação do ano – Wong Sio Chak

Raramente a polícia é trampolim para mais altos voos, mas o ano de 2016 revelou um Wong Sio Chak, ex-director da judiciária e agora Secretário para a Segurança, de peito firme e asas abertas, angariando apoios ao supremo cargo na RAEM. Nesse sentido, é uma revelação. A prosseguir nessa heróica senda, faz tremer os liberais pela sua postura, um tanto ou quanto militarizada, e a visão, que partilha sem pudor, de uma sociedade securitária, talvez demasiado regrada, uma espécie de Singapura retardada e fora do tempo. Treme a Macau do laissez-faire, laissez-passer, um dos traços identitários mais fortes desta terra. Temem os que preferem um mundo de “amplas liberdades democráticas”, tal qual Álvaro Cunhal nos ensinou.

Desilusões do ano

Festival de Cinema – Pariu um rato. Mais uma vez o que poderia ter sido e até parecia que ia ser, não chegou a ser nem metade. Filmes premiados com salas vazias, e, sobretudo, uma irrelevância final, muito fruto da exclusão de Marco Muller, que chegou a ser confrangedora. Macau demonstrou não ter capacidade para aquilo que anunciou. O Governo, depois da casa desfeita, ainda quis pôr um freio na bizarra situação. Conseguiu mas o cavalo não chegou a sair da estrebaria. Prometeu muito. Pariu um rato. Porque a rolha foi roída pelo rei da Rússia.

Hotel Estoril – Convidar e desconvidar Siza Vieira não lembra a ninguém. Ah..não..espera…aconteceu a Oese de Pecos, onde afinal nada parece haver de novo. A não ser os novos estudos, as novas consultas e os novos concursos.

Evento do ano – Fórum Macau

A presença de primeiros-ministros e outros figurões já seria suficiente para destacar este evento, cuja importância para a RAEM é, sobretudo, apreciada por quem o vê de fora. As medidas anunciadas por Li Keqiang foram muito bem recebidas por todos os países participantes, e, sobretudo, por quem ficou à porta a roer as unhas: São Tomé e Príncipe. De tal modo que, entretanto, a ilha já se divorciou da ilha e arranjou casório com o continente. O Fórum desempenha o seu papel…

Instituição do ano – Centro do Bom Pastor

A aprovação da lei da violência doméstica foi uma grande vitória para as organizações que por ela combateram e nenhuma esteve mais perto da linha da frente do que o Centro do Bom Pastor, dirigido pela irmã Juliana Devoy. Se esta lei foi aprovada e se hoje as pessoas gozam de protecção contra a violência como nos países civilizados, tal deve-se muito aos incessantes esforços desta instituição e da sua face mais conhecida.

Artista do ano – Ivo M. Ferreira

O filme “Cartas da Guerra”, baseado na obra epistolar de António Lobo Antunes, está a ter uma visibilidade única, se pensarmos que se trata de uma obra de um residente de Macau e que, além das críticas esfuziantes, foi pré-seleccionado para os Óscares. Ivo M. Ferreira mostra até que ponto é possível existirmos e que este céu cinzento da descrença local bem pode esperar. Ele vai ali, já volta.

Figura Internacional do ano – António Guterres

Avíssaras! O secretário-geral da ONU é português e os portugueses conhecem bem a sua capacidade para o diálogo e, de um modo geral, para a conversa, a conversinha e mesmo para a converseta. Este é, aliás, um traço comum ao puro lusitano. Pode ser que esta capacidade, aliada a um também lendário malabarismo numérico, façam de António Guterres o homem com o perfil certo para o cargo. O mundo parece pensar que sim.

Vergonha do ano – Ho Chio Meng

É muito aborrecido, para não dizer chato, saber que o antigo procurador da RAEM foi preso e acusado de 1500 e tal crimes. Não sei…é assim uma sensação desagradável pensar que o responsável máximo pela defesa dos interesses públicos andava a meter a mão em massa que não lhe pertencia nem era suposto pertencer. A sua detenção foi um golpe duro na credibilidade do sistema judiciário de Macau. E, se pensarmos que este senhor foi um dia putativo candidato ao cargo de Chefe do Executivo, colhendo apoios nas mais variadas paróquias, que isto nos sirva de lição para um futuro não muito longínquo.

Livro do ano – Delta literário de Macau

O livro do consagrado e respeitado professor Carlos Seabra Pereira, publicado pelo Instituto Politécnico de Macau, constitui um marco na crítica literária de Macau. Nele são referidos e apreciados os principais autores que escreveram ou escrevinharam por estas terras, num esforço que se reconhece praticamente exaustivo e titânico. Até hoje nada se tinha escrito assim.

Exposição do ano – Ad Lib

A craveira internacional de Konstantin Bessmertny é um dado de facto mas a sua arte, inquietação e reflexão não descansam à sombra dos louros justamente recolhidos. A exposição que apresentou no Museu de Arte de Macau é um exemplo maduro da sua capacidade artística e da imaginação critica a que nos habituou.

Filme do ano – Sisterhood

Ainda longe da exigência técnica e plástica de “Cartas da Guerra”, “Sisterhood” é um enunciado corajoso e desassombrado de Tracy Choi, luminosa crueza na sociedade morna, hipócrita e desenxabida de Macau. A realizadora mostra mão e um sentido próprio para o seu trabalho. espera-se mais.


Prémios especiais

O que mais me irá acontecer do ano – Helena de Senna Fernandes

E de repente cai-lhe no colo um festival internacional de cinema, cujo director desapareceu misteriosamente, embora para parte certa. A directora dos Serviços de Turismo teve de assumir a cabeça do animal. Salvou-a ver extensamente filmes “nos aviões” e a persistência com que repete o seu filme favorito: “Música no Coração”

O que vou fazer se me deixarem do ano – Alexis Tam

O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura lançou uma mão-cheia de projectos mas, a cada um deles, praticamente sem excepções, foi contestado pelas auto-denominadas “forças vivas da população”. E Alexis Tam, sistematicamente, recuou e fez mais consultas, que é como quem diz, lavou daí as suas mãos. A sua pele deve estar seca.

O pêndulo de Foucault do ano – Ho Iat Seng

A eterna reserva moral da RAEM, enquanto presidente da Assembleia Legislativa, revelou-se um homem com uma desmedida tendência para a harmonia e o consenso. E também para a prudência quando tal é necessário. De tal modo que é capaz de embalar e fazer adormecer um frasco de anfetaminas.

O vira disco e toca o mesmo do ano – Ng Kuok Cheong

Os acontecimentos em Hong Kong retiram cada vez mais margem de manobra aos democratas locais. E Ng Kuok Cheong é um bom exemplo disso: este ano a sua criatividade levou-o a querer discutir o sufrágio universal na Assembleia Legislativa, como tem feito todos os anos. E, como em todos os anos, levou uma nega quase geral.

O grande salto em frente do ano – Casinos

Jogo a cair, receitas a baixar, e os casinos de Macau a investir como cães danados. No Cotai, se juntarmos os trapinhos recentes de todos eles, a coisa vai parar à módica quantia de 17 mil milhões de patacas. Isto quando as renovações das licenças estão em águas de bacalhau. É o que se chama uma aposta.

O Auslander Raus! Do ano – Ella Lei e companhia

Quando toda a gente sabe que Macau parava sem mão-de-obra estrangeira, a qual precisamos como de chao min para a boca, de gente qualificada e não só, a deputada Ella Lei e companhia continuam a defender que a causa das causas é expulsar os trabalhadores alienígenas. Isto numa cidade onde o desemprego não atinge os dois por cento. De facto o ridículo não mata e a perda de tempo também não.

O centro é onde eu quiser do ano – Song Pek Kei

O Governo quer uma biblioteca central no centro da cidade. Parece lógico. Pois. Mas nem para todos nasce esse sol. A deputada Song Pek Kei entende que a biblioteca central deve ser nos novos aterros. O problema é que deixa de ser central, capisce? Não? Pois…

O a gente manda e mainada do ano – Táxis

As multas não os demovem, os fiscais não lhes metem medo. Eles são os taxistas de Macau. Fazem o que querem e ao Governo mostram…pirilau. Por essas ruas acima, navegam como querem, cobram o que lhes apetece e nada de levantar a grimpa que ainda te partem o focinho. São a prova de que este é um Estado falhado.

30 Dez 2016

Parem de se sentir bem convosco próprios

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão foi só uma vez. Os governantes de Macau, sobretudo o chamado “secretário dos cinco anos brilhantes”, defendem que as medidas ou as actividades que o próprio Governo realiza “obtêm grande sucesso”, ou que “ganham bons comentários da maioria da população”, apesar de existirem várias opiniões ou criticas que revelam exactamente o contrário.

É irritante observar que eles se sentem bem meramente consigo próprios, além de virem a público dizer que a maioria dos residentes também concorda com o que se passa. Antes de dizerem isso, não devem ter ouvido as críticas da sociedade, as que são difundidas nas redes sociais e nos meios de comunicação social, ou então apenas fazem ouvidos moucos.

A harmonia é uma das características associada a Macau, à sua sociedade e às suas gentes, mas não é surpreendente que muitas pessoas prefiram ficar em silêncio sobre coisas que realmente não gostem, em vez de falarem dos problemas existentes. Olhando por aí, é fácil desmentir o que os dirigentes do Governo defendem de bom.

A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, que acabou esta semana, é o exemplo mais recente. O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, salientou aos jornalistas que o festival foi organizado com grande sucesso, que recebeu todas as mensagens positivas, tendo ainda falado da surpresa de muitos com o sucesso da realização do festival pela primeira vez.

Não posso negar os bons comentários que foram feitos e que o secretário ouviu, mas não deve ter ouvido falar das outras opiniões de especialistas e espectadores de festival expressas nas redes sociais. Essas críticas falam de salas vazias na exibição dos filmes seleccionados no festival, em momentos onde apenas os realizadores de renome e os actores apareceram para falar do filme com apenas dez espectadores. Seria curioso saber o que eles pensaram nesse preciso momento.

Quando eles pensavam que os filmes não foram suficientes para despertar a curiosidade das pessoas, para as levar a comprar bilhetes, veio a saber-se que, antes dos filmes começarem a ser exibidos, já os bilhetes estavam esgotados. Então para onde foram esses bilhetes? Para as personalidades VIP convidadas pela organização do festival? Para os funcionários e familiares? Pode ter acontecido o caso de que, muitos dos que queriam realmente ver os filmes não conseguiram comprar bilhete.

Mas as críticas não ficam por aqui. Um espectador do filme “Gurgaon” partilhou a sua opinião à publicação “All About Macau”, sobre a ida de um grupo de 50 estudantes à sala de cinema, tendo-se deparado com a falta de legendas em chinês, o que levou a que não tenham usufruído do filme, pela falta de entendimento do mesmo.

Os responsáveis por esta edição do festival não podem tapar os olhos a esta situação. Tratando-se da primeira edição, o Governo deve prestar mais atenção a todas as reacções, quer sejam elogios como críticas. Num território tão pequeno, se todos fizerem ouvidos de mercador às críticas existentes, a cidade morrerá aos poucos, porque onde não há críticas, não há melhorias.

16 Dez 2016

The Winter e São Jorge sagraram-se os grandes vencedores

O argentino “The Winter” venceu na categoria de Melhor Filme porque tudo nele foi belo, através das coisas simples. Depois de Veneza, Nuno Lopes voltou a vencer na categoria de Melhor Actor, com o filme “São Jorge”, que ganhou também na categoria Melhor Realizador

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]iziam as regras do Festival Internacional de Cinema de Macau que um filme não poderia vencer dois prémios, mas o júri não teve escolha. Se “The Winter” (O Inverno), do argentino Emiliano Torres, venceu apenas na categoria principal, como Melhor Filme, o português São Jorge arrecadou dois prémios: o de Melhor Actor (Nuno Lopes) e Melhor Director (Marco Martins). “Sisterhood”, de Tracy Choi, ganhou a estatueta de Melhor Actriz (Jenifer Yu), para além de ter ganho o prémio do público.

“O meu único pedido para os meus colegas do júri foi para verem os filmes com emoções, com o coração”, disse Shekar Kapur após a cerimónia de entrega dos prémios. ”Se alguém fez um trabalho brilhante num filme porque não premiar? Por isso decidimos quebrar as regras”, disse ainda.

O júri falou de “The Winter” como sendo uma bela película onde o minimalismo consegue contar as maiores histórias. “Achei o “The Winter” lindíssimo, os actores incríveis. O filme foi muito completo, bem interpretado, com boa fotografia, com uma história forte. Tive muitas reacções em relação a ele”, disse Giovanna Fulvi, membro do júri.

Emiliano Torres referiu estar sem palavras. “Ganhar um prémio já seria bom, mas ganhar o prémio principal é espectacular. Esperamos que este prémio possa trazer o nosso filme para a Ásia.”

Com excepção de “Sisterhood”, filme local, não houve estatuetas para produções asiáticas. Mas, para Shekar Kapur não há mal nenhum nisso. “Não havia regulamentos que diziam que deveríamos prestar atenção aos filmes asiáticos. São filmes e é isso que é bom no cinema, trespassa geografias e conta histórias sobre nós.”

O risco

“São Jorge” aborda a vida de um pugilista que sem opção arranja emprego numa empresa de cobranças difíceis numa altura em que Portugal vive os constrangimentos de uma crise. Nuno Lopes vê o seu trabalho de actor reconhecido mais uma vez, após vencer em Veneza o prémio na secção “Horizontes”. Apesar de ausente, o actor português deixou uma mensagem via skype a agradecer a distinção: “Tenho pena de não estar presente e é uma honra poder receber este prémio. Quero agradecer ao meu amigo e ao melhor realizador com quem se pode trabalhar” disse referindo-se a Marco Martins.

Marco Martins falou do risco que foi fazer “São Jorge”. “Quando comecei a escrever o guião todos me diziam que era perigoso fazer um filme sobre o presente, porque não temos perspectiva. Concordo com isso, mas para nós era um momento importante, em que muitas pessoas perderam trabalhos e apoios sociais. Assumi o risco, e nunca tinha feito um filme de cariz social.”

O realizador deixou no ar a hipótese de um dia filmar em Macau, mas referiu que filma sobretudo lugares que lhe são próximos. “Escolho sempre temas que me são próximos, fiz muitos documentários na Índia ou no Japão, e Macau gerou em nós um grande fascínio.”

“Elon, não acredita na morte” , a produção brasileira que conta com a realização de Ricardo Alves Júnior ganhou o prémio para a melhor contribuição técnica. Ao HM, o realizador manifestou a sua alegria não só pelo reconhecimento mas por ser um prémio que valoriza a equipa. “Estamos muito satisfeitos com este reconhecimento internacional, e mais do que um prémio individual, este é uma condecoração colectiva que tem em conta o trabalho de todos”, referiu ontem.

Lembrar Muller

Marco Muller foi lembrado por Ricardo Alves Júnior, realizador de “Elon não acredita na morte”. “Para a gente o festival foi importante porque teve a figura do Marco Muller, foi isso que nos levou a fazer a estreia internacional do filme aqui. É importante estar aqui a receber o prémio numa selecção feita por uma figura tão importante do cinema.”

A falta de público em muitos dos filmes foi também notada pelo realizador brasileiro. “(Marco Muller) conseguiu levantar um grande evento, que correu muito bem. O mais importante no festival são os filmes e o público e esperamos que no próximo ano consigamos trazer mais gente para ver os filmes, algo que nos fez muita falta.”

Prémios

  • Melhor Filme – “The Winter”, Argentina
  • Melhor Realizador – Marco Martins – São Jorge – Portugal
  • Melhor Actor – Nuno Lopes – São Jorge – Portugal
  • Melhor Actriz – Lindsay Marshal – Trespass against us – UK
  • Melhor Jovem Actriz – Jeniffer Yu – “Sisterhood” – Macau
  • Melhor Argumento – Amy Jump e Ben Wheatley – “Free Fight” – UK
  • Melhor Contribuição Técnica – “Elon não acredita na morte” – Brasil
  • Prémio do Júri– “Trespass against us” – UK
  • Prémio do Público – “Sisterhood” – Macau
14 Dez 2016

Shekhar Kapur, presidente do júri do MIFFA: “Festival tem todas as características para se solidificar”

 

 

Shekhar Kapur é o cineasta indiano que assumiu a presidência do júri da principal competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFFA). Foi contabilista, mas a necessidade de fazer alguma coisa que o divertisse deu-lhe outro rumo à vida. Vive agora entre a Índia e Hollywood, tem no currículo filmes de renome e vê o festival de Macau com um forte potencial de projecção além-fronteiras

 

Como é que apareceu o cinema na sua vida?

Comecei por ser contabilista. Mas percebi que precisava de saber qualquer coisa que me desse algum significado pessoal. Não quero dizer que ser contabilista é uma profissão má, mas acho que que faz muita diferença quando trabalhamos e nos estamos a divertir ao mesmo tempo. Também não quer dizer que enquanto nos divertimos não estejamos a fazer coisas sérias. Quando o trabalho não tem este aspecto lúdico, penso que as pessoas vão envelhecendo, mas num sentido negativo. O meu primeiro movimento para longe da contabilidade em direcção ao cinema foi provocado pela tentativa de olhar para alguma coisa que me fizesse sentir que estaria a brincar também, a divertir-me. É difícil encontrar pessoas em trabalhos muito sérios que se divirtam. Na maioria dos trabalhos as pessoas estão, muitas vezes, a pensar no que vai acontecer a seguir, no que vão fazer a seguir e quem vai fazer o quê, e eu queria fazer alguma coisa em que me sentisse tão apaixonado e completo que nesse momento não pensaria em mais nada. Foi aí soube que tinha de deixar a contabilidade e ir para uma área artística. Foi o cinema.

O filme que o catapulta para a fama foi “Bandit Queen”. Um sucesso em Cannes que acabou por levá-lo para outros destinos e para as grandes produções. Que diferenças temos no seu trabalho antes e depois de “Bandit Queen”?

Há alguns filmes que se destacam porque a sensação é a de que nunca vamos fazer uma coisa tão boa como aquela. Bom ou mau, não se pode dizer. Há muitas pessoas que dizem que “Elisabeth” é melhor que “Bandit Queen” e há quem diga o contrário. Mas, para mim, o “Bandit Queen”, feito naquela altura, foi muito mais intenso.

Porquê?

Porque foi uma autodescoberta. Foi um filme acerca da dominação sobre as mulheres. Apesar de ter essa atitude, senti que era também responsável pela minha ignorância e por não lutar contra isso. Transformou-se numa experiência de redenção. De certa forma, estava zangado comigo e fui fazer um filme acerca da minha zanga. Tentei redimir-me enquanto homem. Como é que alguma coisa pode ser mais pessoal que isto? Como é que qualquer grande produção que se seguiu, nomeadamente em Hollywood, pode ser tão profunda quanto isso? É um daqueles filmes que me assusta e que me põe a questionar se alguma vez conseguirei regressar àquele ponto. Para regressar tenho de me tornar inocente outra vez.

Já perdeu a inocência?

Não, ainda tenho alguma. Mas porque os filmes são cada vez mais caros, somos apanhados no nosso próprio sucesso e depois tornamo-nos prisioneiros. De alguma forma, o fracasso traz-nos liberdade. Se estamos no topo de uma montanha, deixamos de ter oxigénio. Por isso precisamos de descer para respirar. É preciso ter-mos um intervalo para isso mesmo, respirar.

Quando precisa de se reencontrar, como faz agora?

Vou para um ashram e passeio com pessoas que têm uma perspectiva da vida muito maior do que a minha. Encontro-me com vários amigos e acabamos por tentar discutir as questões mais fundamentais da vida. Não há nada melhor do que isso.

Em “Queen Elisabeth” trabalhou, por exemplo, com a Cate Blanchet e contou com várias nomeações e prémios entre os Óscares e os Bafta. Como foi passar para uma produção desta envergadura?

Para mim, o “Bandit Quenn” também foi uma grande produção. No fundo, o tamanho da produção não interessa. O importante é a intimidade que se consegue com o que fazemos. Penso que umas das grandes razões para o sucesso de “Elisabeth” foi a relação entre a equipa que estava ali a trabalhar. Fizemos questão de trabalhar de forma a tornar o filme muito íntimo. Fiquei surpreendido porque até aí nunca tinha feito um filme com mais de 800 mil dólares. Disseram-me que orçamento era de 24 milhões de dólares e eu fiquei sem saber o que fazer com o dinheiro. No primeiro dia de filmagens, já no local, verifiquei que chegavam autocarros, carros e roulottes quando tínhamos pedido que aquele espaço ficasse sem ninguém. Pensei que alguma coisa tivesse corrido mal e que os turistas estivessem a chegar. Acabei por perguntar quem eram aquelas pessoas e responderem-me que era a equipa a chegar. Nunca tinha visto uma coisa assim. Nunca tinha, sequer, tido um trailer para nenhum dos meus filmes, ou um serviço de catering. Lembro-me de estar ali a tirar fotografias, fascinado. Havia uma diferença nesta produção mas, uma vez dita a palavra ‘acção’, é sempre igual: é um momento mágico e esquecemos tudo à volta.

Trabalhou, em “Bombay Dreams”, com Andrew Lloyd Weber, conhecido pelos musicais. Foi um retorno à música que também caracteriza o cinema indiano, no qual começou?

É uma história engraçada. Quando nos conhecemos, ele convidou-me a fazer uma adaptação para o cinema de “O Fantasma da Ópera”. Falámos durante algum tempo e percebi que não podia fazê-lo. Apesar de já ter feito musicais, não sabia como fazer uma coisa em que não acreditasse na própria acção. Mas tornámo-nos amigos. Um dia falei-lhe de “Bombay Dreams”. Noutra altura, estávamos num jantar com outros amigos e acabei por falar nesse projecto. De repente apercebi-me que o Andrew Lloyd me estava a pontapear debaixo da mesa. Queria ser ele a fazer esse filme comigo. Aprendi muito com ele. Um musical é realmente como Bollywood: a história tem de ser muito simples porque a complexidade reside na música. Aprendi isso com ele. Depois achei que deveria existir outro compositor. Falei-lhe de Allah-Rakha Rahman. Quando contactei o Rahman, recusou com receio de ser rejeitado no mundo ocidental. Acabou por aceitar participar. Desde aí já ganhou dois Óscares. (risos)

O que é que está a preparar neste momento?

Estou a filmar uma série acerca da juventude de William Shakespeare. É a minha primeira experiência para televisão. Neste trabalho fiz uma espécie de “trabalho ultrajante”. As pessoas podem mesmo vir a perguntar: isto é Shakespeare? Percebi que Shakespeare, no fundo, escrevia para uma audiência um pouco idêntica à de Bollywood em que as pessoas pobres expressam o que sentem e o seu individualismo muito melhor e de uma forma muito mais forte e mais apaixonada. Os ricos, por exemplo, podem apresentar um bom carro e marcam uma posição, mas os pobres só se têm a si mesmos. É daí que vem também o punk. E no momento em que percebi que Shakespeare, à sua maneira, escrevia “para” o povo das ruas, soube o que tinha de fazer.

Além do cinema, tem investido na protecção ambiental, nomeadamente na protecção da água. O que é que o motivou a ter este papel activo?

Às vezes somos confrontados com equívocos. Lembro-me, quando era criança, que o meu tio tinha uma quinta e que eu e os meus amigos íamos para lá no Verão, e ficávamos debaixo dos tubos da água a refrescarmo-nos. Nunca pensámos que a água podia ser um recurso que podia gostar. De repente, apercebi-me que a água podia acabar. A minha geração criou o problema por não saber da verdade. Agora também quero fazer um filme que será sobre a água. Penso que quero mostrar a realidade às novas gerações para que não cometam o mesmo erro, o do desperdício de um bem precioso e que pode ser esgotável. As consequências podem ser catastróficas. Quando falam que podemos vir a ter uma crise de água, a minha resposta é que já temos esta crise há mais de 20 anos e nem a vemos. As pessoas que podiam fazer a diferença na preservação da água têm torneiras que nunca vão deixar de correr e nem sabem que uma grande parte da população nem torneiras tem. Também mudámos o princípio fundamental da água. A água sempre foi um recurso comunitário e nós transformamos num recurso pessoal.

Como foi o visionamento e discussão dos filmes que estiveram em competição?

Os filmes que entraram em competição, foram, e tenho de o admitir, muito bons. Entre os membros do júri discutimos muito. Falávamos muito uns com os outros porque cada um lutava de alguma forma pelo seu filme favorito. A discussão era sempre à volta dos destaques do que cada um tinha em especial e que marcavam os membros do júri. Uma sensação importante foi a de que, cada membro, tinha sido afectado pelos filmes que estava a ver e a classificar. E isso é o mais importante.

Que balanço faz desta primeira edição do MIFFA?

Vim a Macau há 30 anos e nessa altura não havia nada. Agora, o que posso constatar é que existem mais infra-estruturas aqui para a realização de um festival desta dimensão do que em muitos pelos quais já passei. Talvez Macau precise de mais salas de cinema. A sala do Galaxy, os outros casinos podiam sentir-se encorajados a fazer mais. Macau também é uma cidade pequena, com pouco trânsito e, por isso, tem potencial para se tornar um grande festival. Este primeiro ano foi muito bom. Penso também que a próxima fase da cultura, também em termos cinematográficos, é esta onda de interesse pelo que se faz na Ásia. Neste contexto, o aparecimento de um festival novo nesta região tem todo o potencial. As pessoas podem dizer que em Macau não há muita gente para assistir a este tipo e iniciativas. Quando comecei com o festival de Goa, dizia-se o mesmo, e tínhamos os mesmos problemas: em Goa há muito turismo e as pessoas não vivem lá. Mas agora, anos depois, os bilhetes esgotam, as salas estão cheias, as pessoas vão de todo o lado.

É uma questão de tempo também?

Sim, e também é uma questão do que é oferecido. Nestes festivais cria-se uma comunidade durante uma semana. As grandes vantagens de Macau já existem: a intenção existe, as infra-estruturas estão lá, o festival já começou e é na Ásia. Tem todas as características para se solidificar.

 

14 Dez 2016

“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês

Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática.

“São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira.

A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa.

“O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês.

Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal.

“Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou.

Obra do acaso

Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador.

A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais.

“A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo.

Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo.

A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme.

“Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais.

“Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”.

Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.

12 Dez 2016

João Botelho, realizador: “Quando se constroem muros, é preciso pontes que os destruam”

“A Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto é o título e tema do próximo filme de João Botelho. O realizador português esteve em Macau a apresentar o projecto no “Crouching Tigers Project Lab”, secção do Festival Internacional de Cinema que reúne cineastas e a indústria para levar os filmes, que ainda são ideias, ao grande ecrã. Para João Botelho, esta é uma oportunidade de dar o cinema português ao conhecimento asiático

[dropcap]E[/dropcap]stá na secção “Crouching Tigers Project Lab” a apresentar o seu novo projecto, “ A Peregrinação” baseado na obra de Fernão Mendes Pinto. Porquê esta escolha?
Gosto de adaptar livros. Comecei quando fiz os “Tempos difíceis” do Dickens numa adaptação portuguesa. Depois comecei a fazer coisas que considero importantes na cultura portuguesa e penso estarem pouco divulgadas. Adaptei, do Frei Luís de Sousa, o “Quem és tu?” e “A corte do norte” da Agustina Bessa Luís, que é uma escritora que admiro. Fiz “O desassossego” do Pessoa e “Os Maias” do Eça. Acho que agora é a altura de fazer uma coisa que os portugueses se vão esquecendo e que é ter orgulho em alguns dos grandes momentos portugueses. O Fernão Mendes Pinto representa um deles. Foi uma pessoa desprezada durante muito tempo e de repente descobre-se que ele tinha muito mais verdades do que aquilo que se pensava. Naquela altura, os portugueses queriam epopeias que revelassem a grandeza e Fernão Mendes Pinto foi uma pessoa que apenas relatou, e muito bem, os anos que esteve na Ásia. Por outro lado, as contradições do ser humano estão todas na sua obra. Outro aspecto importante é que estamos numa altura em que está tudo a construir muros e o Fernão Mendes Pinto, através das civilizações que vai conhecendo e com quem se vai relacionando, dá um bom exemplo do que é a coexistência pacífica entre os povos. Numa altura em que se constroem muros, é preciso pontes que os destruam. Ele só começou a escrever o livro passados oito anos de regressar a Portugal. Ninguém lhe ligava. Não foi muito bem reconhecido em Portugal. A única pessoa que o reconheceu foi o Filipe II de Espanha. Nem foi em Portugal. Mas era alguém que conhecia, na altura, como ninguém, o oriente. Outra coisa curiosa acerca do Mendes Pinto, é que considerava que, quando os portugueses se portassem mal, deveriam ser castigados por isso.

Um sentido de justiça?
Sim, ele achava que toda a acção tem uma paga.

Este filme é um filme de aventuras e o cinema que faz é conhecido pelo seu lado mais contemplativo. Como é que junta a acção da aventura com este aspecto contemplador?
Tem de ser com muito cuidado. Por exemplo, este filme também é um musical. Adoro o “Por este rio acima” do Fausto, e achei que uma das coisas magníficas que se podem fazer no cinema é, quando há uma acção com crueldade, por exemplo, podemos parar os actores e pô-los a cantar a própria acção. Por exemplo, há uma grande tempestade e em vez de fazer a cena toda (até porque é muito cara), a cena pára a determinada altura e os actores, agarrados aos mastros, cantam a tempestade, cantam o naufrágio. É um filme que tem um bocado de acção, um bocado de contemplação e de narração também.

É um filme também narrado?
O herói deste filme é a grande escrita do Fernão Mendes Pinto e vamos ter uma voz off a narrar o próprio filme, a dele. Uma das coisas que estamos a trabalhar aqui, e que tem sido uma sugestão que agrada à indústria, é de a de que a voz do narrador seja uma voz do país em que está a ser distribuído. Por exemplo, na China será chinesa, no Japão, japonesa, no Brasil, o português brasileiro, na Malásia, o malaio. Mas, para ser fiel, porque o narrador é o Fernão Mendes Pinto que é português, quando estas situações acontecerem, muda-se o pronome, o eu passa a ser ele.

A linguagem também unifica…
Sim, nesta mistura cultural é um meio de unificar, aliás o cinema pode sempre unificar porque no cinema podemos fazer tudo. Não há uma regra para o cinema.

Como é que está a correr a apresentação do projecto nesta secção?
Aqui as pessoas parecem estar muito interessadas neste projecto. Esta secção está muito bem pensada e organizada. De repente houve uma data de produtores, distribuidores e agentes que estão aqui. Vêm da china, de Hong Kong, Malásia, Coreia. São sobretudo asiáticos. Apareceu um grande produtor da China continental que tem uma sucursal em Hong Kong e também tem estúdios em Los Angeles. Segundo eles, quando também lhes perguntamos no que é que estão interessados, a resposta é que estão interessados em tudo. Apareceu-nos outra pessoa, um miúdo fantástico da Coreia que faz efeitos especiais, que se ofereceu para tratar da pós produção deste filme. Nesse caso, ficam os direitos para a Coreia. É uma troca e é muito boa porque vamos precisar disso. Outro representante da indústria de Hong Kong queria comprar-nos os direitos para fazer um filme de animação. Não aceitei. Quero fazer o filme mas posso ceder os direitos daqui a dois anos para o projecto de animação.

O mercado asiático está interessado?
Sim e pela primeira vez. Este pode ser um meio dos filmes, principalmente portugueses, atingirem outros mercados. Eles gostaram muito desta história e pareceram muito interessados. Pode não dar em nada mas acho que vai dar.

O Martin Scorsese acabou de fazer um filme acerca dos Jesuítas no Japão, a peregrinação é também uma abordagem do oriente. Considera que há um interesse crescente e visível pela abordagem da Ásia no cinema ocidental?
Sim, há. Este é o próximo império. Os impérios são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Nós também o fomos. Agora é a China. A Europa estagnou, os Estados Unidos estão com problemas gravíssimos e a China tem tempo. Para a China, mil anos não é nada, eles têm tempo para esta uma ocupação lenta.

Filmou na China, com que impressão ficou?
Foi uma impressão de uma certa violência, ou seja, de vez em quando é preciso fechar os olhos a alguma coisa para poder ver a beleza de coisa inacreditáveis. É uma cultura de massa mas por outro lado tem orgulho e dimensão deste novo império.

Quando é que prevê a estreia de “A Peregrinação”?
Vou filmar de Abril a Julho e espero que lá para Novembro do ano que vem possa estrear.

12 Dez 2016

João Rui Guerra da Mata: “A cultura tem de estar focada no futuro”

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]oão Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues co-realizam “270, San Ma Lo”. O filme, que ainda só é uma ideia, tem como pano de fundo o Hotel Central de Macau e está a ser apresentado no “Crouching Tigers Project Lab”. O HM falou com Guerra da Mata que considera a possibilidade de comunicação entre a arte e a indústria uma oportunidade “fantástica”

A dupla de realizadores João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues estiveram em Macau para apresentar à indústria cinematográfica o novo projecto “270, San Ma Lo”, para o qual obtiveram ontem um financiamento de 20 mil dólares, atribuídos pela Fox International Productions.

O projecto “Crouching Tigers Project Lab”. Sem querer adiantar ainda muito acerca do filme, Guerra da Mata admite que é uma ideia já com alguns anos. “Partiu de uma carta-branca para participarmos num festival que acabou por não avançar”, explicou ao HM.

No entanto, fazer uma história a partir do Hotel Central de Macau, cuja morada corresponde ao nome da película, não ficou esquecida. “Mas a ideia de fazermos um filme que tivesse este hotel como ponto de partida era um projecto que queríamos mesmo fazer. É um lugar com uma história extraordinária, na altura era o prédio mais alto do chamado império português e nós sempre achámos que o facto daquele hotel ser um ninho de espiões era fantástico”.

“O filme não é o Hotel mas o que se lá passa”, referiu. “Este filme tem muito a  ver com o período da guerra do Pacífico que, na minha opinião, não é muito conhecido em Portugal. É um período que nos interessa muito”, mencionou enquanto desvendou um pouco mais do que poderá aparecer no grande ecrã: “o filme começa na actualidade e depois, sem revelar muito, vamos encontrar Macau e personagens de cá nesse período em que o território foi um importantíssimo centro geopolítico e tinha militares das várias tendências políticas mundiais”. A importância em abordar Macau no contexto da guerra reside no facto de ser “um assunto que ninguém sabe ou, quando muito, é do conhecimento de um grupo muito reduzido em Macau”. O desconhecimento abrange, na opinião do realizador, os países asiáticos: “por outro lado, tenho visto nos encontros que se estão a fazer aqui que é uma história que ninguém conhece”.

Para o mundo

João Guerra da Mata considera a ideia do Festival Internacional de Cinema que está a decorrer “absolutamente extraordinária” porque podia ser uma forma de divulgação de cinematografias de países com menos visibilidade em território chinês e asiático.

A secção em que está a participar, o Crouching Tiger Project Lab, é no entender do cineasta, “uma ideia absolutamente maravilhosa”. “Esta coisa de existir uma secção que selecciona uma série de projectos entre os muitos que foram enviados, e permitir que o autor possa ter uma conversa, durante alguns minutos, em que se apresenta o projecto de modo a que possa haver possibilidades de produção, financiamento e distribuição é uma coisa muito boa”, explicou.  Por outro lado, “o cinema português tem co-produções que já existem num registo imediato, como a França ou a Alemanha e esta iniciativa permite a possibilidade de associação a países asiáticos. Macau podia servir de ponte entre o mundo e o mercado chinês.”

A ideia para o filme está a ser bem recebida, apesar de se encontrar ainda numa fase muito embrionária. “Nas reuniões que tenho tido apercebi-me que já há aqui filmes muito desenvolvidos, o que não é o nosso caso, mas as pessoas mostram-se interessadas”.

De relevo, é a comunicação entre a arte e a indústria e, para Guerra da Mata, “o que é mais interessante é que o cinema enquanto arte, aqui tem o contacto que precisa de ter com a indústria. O cinema é uma arte, mas também é uma indústria”.

Guerra da Mata passou a infância no território e tem-no “sempre muito presente”. Não sendo uma presença “nostálgica”, classifica a sua atracção por Macau como “quase física”. “No entanto tenho pena que não haja um pensamento relacionado com cultura”, admitiu ao HM.

“A cultura não é só o passado, antes pelo contrário, tem de estar focada no futuro e, por causa disso mesmo, custa-me muito ver as coisas serem todas destruídas, porque qualquer dia é tarde demais”, explicou. Para o cineasta, “Macau, culturalmente, é única no mundo por ser um lugar de fusão e influencia mútua pelo que gostava que a cultura luso chinesa não fosse vista como um complemento aos casinos. Gostava que fosse mais dinâmica.”

12 Dez 2016

MIFFA | Shekhar Kapur considera o cinema asiático “dos melhores do mundo”

Teve início ontem a primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. A abertura foi marcada pela conferência de imprensa com o júri da secção de competição. À comunicação social falaram essencialmente das diferenças e particularidades do cinema asiático

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] cinema asiático é mais melodramático, é místico”. A ideia foi deixada ontem pelo presidente do júri do festival internacional de cinema de Macau (MIFFA, na sigla em inglês), Shekhar Kapur. “Às vezes tento explicar aos meus amigos em Hollywood que, o que eles entendem por melodrama, nós (na Ásia) chamamos de misticismo”, explicou na conferência de imprensa que marcou a abertura do festival. Para o cineasta indiano, que tem desenvolvido carreira em Hollywood, a forma como a vida é encarada na Ásia também é diferente da do mundo ocidental. “Penso que aqui aceitamos a ideia que o nascer, o morrer, a traição, o ter filhos, etc, são um conjunto de temas místicos pelos quais temos de passar e acho que é a isto que o ocidente chama de melodrama”, salientou.

Se há traço unificador no cinema asiático, será esta ligação mística, e que abrange não só o cinema, mas é ainda comum à própria cultura. “Aqui temos uma grande ligação ao misticismo e não temos medo disso. Eles chamam-lhe melodrama e nós misticismo”, reiterou.

Já para Giovanna Fulvi, membro do júri e que tem no currículo a programação do Festival de Cinema de Toronto, “comparado com o cinema ocidental, o cinema asiático tem a capacidade de contra uma história através das imagens em que os guiões não são tão importantes como são no ocidente.”

A ideia é partilhada por Kapur que considera que “no ocidente as pessoas esperam que o guião seja o filme, e isso nunca deveria acontecer”.

Outra questão de relevo entre as diferenças do cinema asiático e o ocidental, para o cineasta indiano, é que “na Ásia um filme não tem de ter sempre uma história completa”. Muitas vezes o filme faz mais questões do que dá respostas”, disse.

Desejo versus destino

O cinema ocidental é, muitas vezes, sobre desejo e o asiático é mais acerca do destino, considerou. “Há, claro, diferenças entre a forma de contar histórias japonesa e indiana, mas ainda assim, são mais próximas entre si do que com o cinema ocidental”, explicou, referindo-se aos traços comuns entre tanta diversidade no continente asiático.

Ainda em contraponto com o ocidente, nomeadamente com Hollywood, onde Kapur tem estado mais presente, o cineasta considera que “agora há uma tendência para que os filmes sejam menos melodramáticos. O objectivo é que os filmes sejam uma experiência agradável para o público”. No entanto é com esta tendência que quem quer contar histórias está a distanciar-se das grandes produções feitas com orçamentos elevados e a dirigir-se para produções com custos mais baixos e que venham a ser distribuídas pela televisão.

“É por isso que vemos cada vez mais bons filmes nas plataformas OTT – distribuição de conteúdos de áudio e vídeo através da Internet”.

O cinema asiático está a caminho do ocidente e “o MIFFA já é um passo importante nesse sentido” salientou Kapur.

A primeira edição do MIFFA começou ontem e acaba no próximo dia 13. Fazem parte do júri da secção de competição Shekhar Kapur, Giovanna Fulvi, Stanley Kwan, Jung Woo Sung e Makiko Watanabe.

Um coreógrafo no cinema

Foi ontem exibido “Polina, danser sa vie” de Valerie Muller e Angelin Preljocai . O filme que marcou a abertura do festival Internacional de Cinema de Macau é também a primeira aventura cinematográfica do coreógrafo Angelin Preljocai. Para o agora realizador, “foi muito interessante realizar um filme especialmente em conjunto com Valérie Muller”. O facto de ter a vida associada à dança e agora integrar a realização cinematográfica, não é de estranhar. “Penso que fazer um filme é, tradicionalmente, um acto que inclui música e dança, podemos ver o Fred Astaire por exemplo”, ilustrou. Mas o mais importante, é a ligação óbvia que se sente entre a música e o cinema: “dança é movimento e na minha opinião o cinema também. São ambos movimento e ritmo”.

A bailarina do facebook

Anastasia Shevtsova, dá corpo a “Polina”. A actriz russa estreou-se no grande ecrã com este filme porque a “encontraram no facebook”. Bailarina da Mariinsky Theater, foi convidada através da rede social a participar nos castings para “Polina”. Foram três selecções na Rússia e uma em França. Conseguiu o papel, aprendeu francês e movimentou-se, pela primeira vez, na dança contemporânea. Se a personagem do filme, desde pequena, sentia que a dança ia além do clássico, a actriz descobriu isso mesmo com as rodagens de “Polina”. “Foi uma óptima experiência enquanto actriz e também enquanto bailarina. Tenho formação clássica e não estava habituada à dança contemporânea”, disse em conferência de imprensa. Aprendeu ao longo das filmagens e tal como a personagem, agora prefere a dança contemporânea. “Com este filme também se abriu qualquer coisa nova dentro de mim e espero que resulte”, afirmou.   

9 Dez 2016

Emily Chan, realizadora de “Our Seventeen”, destacada nos filmes asiáticos do MIFF

Emily Chan estreia “Our Seventeen” na secção dedicada ao cinema asiático do Festival Internacional de Cinema de Macau. A realizadora local, que divide o tempo e a profissão entre Pequim e Macau, fala acerca das expectativas, da película e do futuro

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] estreia de “Our Seventeen”, de Emily Chan, está agendada para dia 9 na Torre de Macau. O filme integra a secção “Hidden Dragons”, que aborda a produção asiática.

Emily Chan, realizadora e produtora de Macau, não deixa de manifestar satisfação com o acontecimento. “Estou feliz porque é um evento internacional e é bom fazer parte dos dois filmes realizados por autores locais e que vão estar em exibição”, explica ao HM.

O convite para a participação foi súbito. “Cheguei a pensar que o filme não estaria pronto a tempo, visto ter sido acabado este Verão, mas conseguimos, apesar de passar muito tempo em Pequim”, explica. Também foi devido a um encontro em Pequim que soube do festival. E foi assim que o ex-director do evento, Marco Muller, a desafiou a participar.

A realizadora, que já passa grande parte do tempo dividida entre a capital chinesa e Macau, considera que é necessário que as produções locais se dividam entre filmes artísticos e filmes comerciais. Apesar de referir que o Governo se mostra empenhado em apoiar a indústria, acha que “o que é realmente necessário é que exista público para ver os filmes”. Por outro lado, e de forma a dar lugar à profissionalização, “os artistas locais também precisam de sair e fazer coisas fora de Macau”.

“Our Seventeen”, que se passa na altura da transferência de Administração, trata de um grupo de jovens que procuram a concretização do sonho de serem músicos, ao mesmo tempo que exploram os seus processos de auto-descoberta e de definição de valores. A realizadora diz que é uma película que trata sobretudo da ausência. “Neste filme estamos perante qualquer coisa que falta. As pessoas não estão satisfeitas, há sempre alguma coisa que não está presente”, menciona.

Para Emily Chan, a questão da ausência é uma característica de Macau. “O território está a evoluir demasiado rápido e, neste contexto, o meu objectivo é chamar a atenção para a necessidade de as pessoas pararem um pouco e se encontrarem a si mesmas.” Emily Chan opta por uma abordagem com uma baixa intensidade emocional, transversal à película. “Na verdade, a emoção do filme nunca é demasiado alta ou baixa e a ideia é que a atmosfera seja sempre caracterizada por uma calma relativa, porque a vida em Macau também tem uma certa calma, sendo que falta sempre qualquer coisa.”

As expectativas para a estreia de “Our Seventeen” não são exacerbadas. “É uma boa oportunidade para ter mais um filme em portfólio e dar a conhecer o meu trabalho, visto que o evento pode atrair muitas pessoas, nomeadamente ligadas à indústria internacional. Não tenho qualquer expectativa em especial, estou calma e receptiva ao que aparecer”, ilustra, até porque “enquanto realizadora, o que há a fazer é sempre dar o melhor que se pode”.

Uma oportunidade aos locais

Tal como a realizadora de Macau Tracy Choi (ver texto nestas páginas), a inclusão de artistas de Hong Kong na produção deste trabalho de Emily Chan acontece porque, “dada a sua experiência, são muito profissionais”. No entanto, a realizadora fez questão de “incluir e proteger a participação de elementos locais na equipa”, sendo a maioria.

O orçamento de cerca de três milhões de patacas que, apesar de situar a película numa produção de baixo custo, poderia contribuir para a contratação de mais gente da China Continental ou mesmo de Hong Kong, foi essencialmente usado para “a construção de uma equipa constituída em 90 por cento por pessoas de Macau, porque são estas que precisam de uma oportunidade, nomeadamente de poderem participar num filme dito a sério”.

“Algumas das pessoas que acabaram por financiar este filme são da China e também pediram para integrar mais elementos de Hong Kong, mas fiz questão de proteger a minha equipa maioritariamente constituída por profissionais locais”, refere ao HM.

Rebelde e contadora de histórias

O cinema apareceu na vida de Emily Chan quando ainda era muito nova. “Era muito rebelde, mas fui-me apercebendo que conseguia escrever histórias e expressar-me através de meios ligados à imagem”, recorda.

Ainda na faculdade, onde tirava um curso em Comunicação, começou por fazer alguns documentários mas, com o tempo, começou a criar histórias de ficção. Com a paixão pela realização acordada percebeu que Macau não era o lugar para a desenvolver. “Descobri que aqui não existia espaço para poder ser realizadora. Fui para Pequim e, até agora, a minha vida é de idas e vindas entre Pequim e Macau”, refere.

No geral, a maior inspiração para as histórias que conta “é a vida do quotidiano, no presente”. “Considero-me uma escritora e realizadora de histórias de amor”, diz, enquanto adianta que já está a trabalhar num novo guião que trata a história de um homem natural da China Continental que vive em Macau.

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30 Nov 2016

Tracy Choi, realizadora: “É um filme acerca de memórias”

“Sisterhood”, a primeira longa-metragem da realizadora de Macau, estreia na edição inaugural do Festival Internacional de Cinema. Tracy Choi mostra-se especialmente satisfeita por ser o público de Macau o primeiro a ver a obra que entra na secção de competição do evento

[dropcap]C[/dropcap]Como é ter a estreia do primeiro filme no Festival Internacional de Cinema de Macau, logo na primeira edição?
É uma situação que me deixa especialmente feliz. Além de ser a minha cidade natal, é um filme que também teve parte das rodagens no território e que fala dele. Também tenho aqui os meus amigos e família, e é uma oportunidade de assistirmos juntos à estreia. Estou muito contente que isso tenha acontecido.

É um dos filmes que está em competição na principal secção do festival.
Sim. Ainda não vi os restantes filmes em competição, mas já vi os trailers. Parecem ser filmes muito bons e é uma honra poder partilhar esta secção com eles.

Quais são as expectativas que tem para esta competição?
Nenhumas.

Porquê?
Porque, apesar de não ter visto ainda os filmes, penso que já têm um carácter muito internacional. Parecem todos muito bons.

Vai apresentar “Sisterhood”. Como é que apareceu este trabalho?
Foi o projecto do meu mestrado em Hong Kong. Já tinha esta história na cabeça e quando me graduei candidatei-me a um fundo de apoio do Governo de Macau. Na altura não tinha ainda este nome, penso que se chamava “Sweet Home”, mas a história era muito idêntica. Acabei por ter um financiamento de 1,5 milhões de patacas e fui bater à porta de outras produtoras em Hong Kong para acabar de financiar o filme. Consegui, juntamente com o meu orientador de mestrado, produtoras interessadas e começámos por contratar um guionista para tratar melhor da história e escrevê-la de uma forma mais complexa e densa. Depois, o resto do processo foi acontecendo.

E que história conta?
É sobre uma mulher natural de Macau que foi para Taiwan onde viveu 15 anos. Acaba por regressar ao território, mas já não consegue dizer que se sente em casa porque não sente uma ligação à terra. Macau também tinha mudado muito ao longo desses 15 anos de ausência, pelo que não mais reconhecia a “casa”. Mas o filme também se chama “sisterhood” porque aborda a história de uma relação entre a personagem principal e uma amiga antes de ir para Taiwan, ainda nos anos 90, e da percepção de como essa relação tinha mudado ao longo do tempo.

Um paralelismo entre as mudanças de Macau e das relações?
Sim. A história começa quando a personagem principal, que se chama Sisi, mas é sempre tratada com o número 19, o número de massagista que tinha antes de ir embora, recebe a notícia de que a sua melhor amiga de juventude tinha morrido. É então que regressa a Macau no intuito de “rever” a companheira pela última vez. No regresso, encontra amigos em comum e o filho da tal amiga, que tinha ajudado a cuidar enquanto bebé. São estes encontros que lhe trazem as memórias da relação e da vida antes da partida. É um filme acerca de memórias.

Que assuntos motivam os seus filmes?
São essencialmente questões acerca de mulheres e de género. Acabam por ser os temas que mais me atraem.

A escolha de Gigi Leung, a conhecida actriz de Hong Kong, foi uma estratégia?
Sim, para atrair outro público, mas foi também uma coincidência. Enviámos o guião e ela gostou muito, pelo que aceitou fazer o papel sem pedir o cachet normal. No início foi estranho para mim trabalhar com ela, sentia-me nervosa. Mas ela é muito profissional e vinha sempre muito bem preparada para as filmagens.

Passou de uma produção muito independente para um filme de uma maior produção. Teve de fazer alguma alteração significativa ao que queria inicialmente?
No geral, não. Tive acima de tudo oportunidade de trabalhar numa escala maior e contar com profissionais de Hong Kong. Mas, e tal como pretendia, consegui envolver na equipa pessoas de Macau. Sempre quis que fosse uma produção partilhada com Macau.

Qual é o problema da indústria cinematográfica em Macau?
Penso que o maior deles é não ter audiências. Por exemplo, se foram filmes mais independentes é muito difícil conseguir algum retorno em Macau porque nunca há público suficiente. Daí a necessidade de que o filme seja vendido para outros mercados. Mas, se pensarmos no mercado continental, ficamos limitados, porque nem todos os temas são aceites. Se pensarmos em Hong Kong, temos sempre de conseguir a presença de uma estrela da indústria local de modo a que tenha público. Taiwan é outra alternativa. Mas é muito difícil o cinema de Macau encontrar um caminho. No entanto, e à semelhança da realizadora Emily Chan, a colaboração com a China Continental pode ser uma opção para o cinema de Macau.

Considera que o festival pode vir a contribuir para a indústria do cinema em Macau?
Ainda não sabemos. Claro que é uma boa oportunidade para encontrarmos profissionais de outras partes do mundo. Mas, na verdade, ainda não sabemos o que vai acontecer no festival. Estamos também ansiosos por ver o que vai acontecer.

Planos para o futuro?
Estou a trabalhar em novos projectos. A concretização de “Sisterhood” acabou por abrir muitas portas. Estou também a escrever um novo guião. A história vai ser sobre Macau e sobre a vida de uma mulher que trabalha num casino. Quero trabalhar acerca do mundo actual, e dos constrangimentos e preconceitos que ainda se vivem em Macau, especialmente por parte das mulheres.

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30 Nov 2016

Qualquer coisa que possa correr mal, irá correr mal

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]xiste uma diferença substancial entre culpa e vergonha. Existe uma diferença substancial entre sentirmo-nos culpados de algo e sentirmo-nos com vergonha de algo. Para nos sentirmos culpados não precisamos necessariamente de sentir vergonha e para termos vergonha não precisamos necessariamente de ser culpados. É exactamente aquilo que parece se passar com o caso da demissão de Marco Muller da direcção do Festival internacional de Cinema. O culpado não tem vergonha de como se porta, e nós, pessoas da cultura de Macau, sentimos vergonha. Sentimos vergonha que Macau protagonize continuadamente o desrespeito por qualquer ideia de dignidade para com quem trabalha e dá o melhor de si pela evolução da cultura em Macau. O pior de tudo é que olhamos para o que aconteceu sem surpresa, ora porque somos – também nós programadores e artistas locais repetidamente tratados de forma semelhante, ora porque o vimos acontecer vezes sem conta em relação a tudo.

A oligarquia muito específica de Macau e à qual eu me referia no texto da semana passada antes de passar à situação dos Estados Unidos está, em Macau, sempre descaradamente em prática e quem tiver o assombro de a desafiar sofre com isso. E sofre porque quem beneficia desse estado oligárquico tudo faz para destruir ou apagar quem tem o arrojo de questionar o establishment da cidade.

Repugnância existe mais ou menos em oposição a atracção. Isto para dizer que se o Festival Internacional de Cinema era atraente por ter uma figura de tanta importância na sua direcção torna-se agora repugnante pelo modo como se trata essa pessoa. E este sentimento de repulsa associa-se ao da vergonha quando se pensa no modo como uma determinada associação (MFTPA – Macau Film and Television Production Association) se acha no direito de interferir, manipular, abusar, e ultrapassar as decisões de quem foi contratado para dirigir o festival. Vergonha pelo modo como Macau mais uma vez falha e se maltrata pelo modo como trata uma pessoa com tanta qualidade e que tantos benefícios poderia trazer à cultura de Macau. Vergonha pelo desrespeito para com a pessoa e por não se mostrar ter um pingo de carácter no processo avançando para tribunal em vez de tecer um agradecimento pelo trabalho feito agindo de forma adulta independentemente da diferença de opiniões.

As pessoas que, num processo como este, avançam para tribunal não merecem ser chamadas profissionais. São pessoas que mostram não ter maturidade nem classe para fazer aquilo que estão a fazer. As pessoas que fazem este tipo de coisas são exemplos do vírus continuado do amadorismo existente debaixo da capa do talento local onde apenas se enriquecem a si e que em nada beneficiam a sociedade. Estas pessoas não têm lugar em organizações de eventos culturais. Estas pessoas não respeitam o outro. A estas pessoas não pode ser conferido poder numa área tão importante como a cultura.

Agora voltamos aquilo que conhecemos. Voltamos àquele estado umbilical onde somos olhados de fora com desconfiança e até desprezo por aquilo que representamos. E é esta a santa sina de quem faz cultura em Macau. Para poder ambicionar a ser-se minimamente reconhecido fora de Macau tem-se que: ou dizer que não se é de Macau, para não levar logo com a etiqueta do jogo, do mau ou muito mau, e para evitar aqueles sorrisos condescendentes de quem se controla para não rir directamente na cara; ou tem-se que, através de um trabalho de excelência, conseguir ultrapassar o estigma local do benefício de uns em detrimento da qualidade – prática que durante décadas tem prejudicado a sociedade. Poucos conseguem ser reconhecidos fora de portas e os que conseguem quando voltam à terrinha voltam a ser tratados da mesma forma porque são uma ameaça para quem beneficia financeiramente com todo o circo oligárquico, numa pantominice que exaspera qualquer pessoa séria. A cidade do entretenimento, onde se confundem todos os valores da ética e onde se força a verdadeira cultura e arte a definhar, é nesse sentido uma vergonha.

Macau não está 50 ou 100 anos atrasado culturalmente. Macau simplesmente não existe. E não são patos gigantes, paradas ou carrinhos de choque que a colocam no mapa. Macau não existe porque não quer existir. Porque se quisesse existir percebia que há artistas e programadores de Macau com desempenhos elevados ao nível do discurso contemporâneo, que se tornam internacionais devido ao seu talento, que são apreciados e reconhecidos em festivais, prémios prestigiantes, bienais e Museus no ocidente, na  ásia e no continente, e que em Macau são tratados da mesma forma que se tratam diletantes ou estudantes do secundário. Macau não existe porque há já muito tempo que deveria ter percebido que num mundo global os directores de Museus e festivais são pessoas com cartas dadas na área e não funcionários públicos. Macau não existe porque não respeita uma lenda do cinema mundial e ao não a respeitar não se respeita a si própria.

Para terminar há-que recordar que o mesmo grupo económico que está ligado à MFTPA está também ligado à estranha saída do coordenador do Grande Prémio de F3, que estava no lugar desde 1983, a cerca de dois meses do evento. O mesmo grupo económico que gere os fundos de 55 milhões para o Festival Internacional de Cinema dos quais 20 são das finanças públicas. Coincidência ou piadas de mau gosto que custam muito dinheiro? A cultura em Macau é um cálice que antes de ficar cheio se estilhaça pelo ar. Macau é o perfeito exemplo da Lei de Murphy: “Qualquer coisa que possa correr mal, irá correr mal”.

17 Nov 2016

MIFF – Seis dias para a sétima arte

Filmes em competição e fora dela, bailarinas que sonham maior, prémios e estatuetas, masterclasses e galas. Aqui fica uma ideia do que vai poder ver entre 8 e 13 de Dezembro

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão 11 os filmes que vão estar em competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFF, na sigla inglesa). Divididas as projecções entre o Centro Cultural e a Torre de Macau, as películas vão disputar nove prémios, entre os quais o melhor filme, o melhor realizador, os melhores actor e/actriz e o melhor argumento.

O júri é presidido por Shekhar Kapur, cineasta indiano que conta com um vasto currículo, de onde se destaca “Elisabeth”, nomeado para sete Óscares e vencedor de dois, e galardoado com cinco BAFTA, entre os quais o prémio para melhor filme.

Da secção de competição fazem parte “150 miligrams” (França); “Free Fire” (Reino Unido); Gurgaon (Índia); “Hide and Seek” (China); “Queen of Spades” (Rússia); “Survival Family” (Japão); “The Winter” (Argentina) e “Trespass Against Us” (Reino Unido). Os filmes juntam-se a “Elon não acredita na morte”, do brasileiro Ricardo Alves Jr, em estreia internacional e que tem como protagonistas Rômulo Braga e Clara Choveaux, e a “São Jorge”, do realizador Marco Martins, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor atribuído pelo júri da secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza, em Setembro. É a primeira vez que “São Jorge”, que conta a história de um pugilista desempregado que se vê obrigado a trabalhar em cobranças de dívidas para sobreviver, pode ser visto na Ásia.

De destaque nesta secção é ainda a realização da local Tracy Choi, “Sisterhood”, que tem agora a sua estreia marcada.

Estreia a dançar

“Polina”, filme francês realizado por Valérie Müller e Angelin Preljocaj, marca a abertura do Festival Internacional de Cinema de Macau. O filme conta a história de uma jovem russa que sonha desde a infância com uma oportunidade no Bolshoi. Cansada da disciplina a que está submetida, a bailarina vai para França onde abandona o ballet clássico para se aventurar no mundo da dança contemporânea. “Polina” conta com as interpretações de Juliette Binoche e Anastasia Shevtsova.

O MIFF é composto por mais quatro secções de competição: “Gala”, “Dragões Escondidos”, “Crossfire” e “Cinefantasy”.

Momento de oportunidade

Ainda no programa está o “Crouching Tigers Project Lab” que integra, entre 9 e 11 de Dezembro, palestras, oficinas e painéis destinados ao debate entre profissionais do sector. É aqui que poderão ser criadas alianças para avançar com projectos cinematográficos. As ideias em cima da mesa são 12 e estão divididas em três categorias: género, autor e parceiros associados. Os vencedores serão distinguidos com prémios monetários: um no valor de 20 mil dólares — atribuído pela Fox International Productions — e outro de 10 mil, concedido pela Ivanhoe Pictures e Huace Media.

Entre os candidatos estão dois projectos portugueses, “Peregrinação”, de João Botelho, e “San Ma Lo 270”, de João Pedro Rodrigues e Rui Guerra da Mata.

Para os jovens talentos, essencialmente os locais, o MIFFA tem, desde segunda-feira, as inscrições abertas para um concurso de curtas-metragens. Os candidatos interessados têm até 30 de Novembro para enviar os seus projectos.

A conversar é que se aprende

Não há festival de cinema sem masterclasses e Macau não é excepção. Apesar da tímida estreia com duas sessões agendadas, consta do programa a master com Gianni Nunnari, e outra com Tom McCarthy e Bobby Cannavale. Ambas agendadas para 10 de Dezembro, sabe-se já que o tema abordado por McCarthy será o uso de histórias pessoas na arte de contar, enquanto Cannavale irá abordar a relação entre realizadores e actores.

O MIFF é organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo de Macau e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPA). Conta com um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são garantidos pelo Governo.

16 Nov 2016

Helena de Senna Fernandes: “A minha responsabilidade é dar continuidade aos trabalhos”

Helena de Senna Fernandes assumiu a representação da primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. Uma posição repentina que vem na sequência da demissão de Marco Mueller da direcção do evento. A também directora dos Serviços de Turismo fala da sua “inesperada” função e do acontecimento pelo qual dá a cara

[dropcap]H[/dropcap]erdou a representação repentina da primeira edição do Festival de Cinema Internacional de Macau. Como é estar neste papel?
É verdade. Foi uma situação inesperada mas, depois de termos recebido a notícia da demissão de Marco Mueller na noite de sexta-feira, impunha-se a manutenção da estabilidade da organização. A demissão do director não é positiva, nesta altura do campeonato, sobretudo numa altura em que estamos na fase final de preparação do evento. Depois de falarmos com os consultores internacionais do festival, era necessário transmitir confiança aos nossos parceiros e ao nosso público. Era necessário alguém que substituísse Mueller na direcção e não seria justo convidar outro director para continuar o trabalho que outra pessoa já tinha feito. Não seria agora que iríamos mudar alguns dos conceitos que foram deixadas por Marco Mueller. Neste sentido, a melhor solução foi a presidência da comissão organizadora assumir a representação do evento. Não tenho experiência na área do cinema, mas considero que a minha responsabilidade é dar estabilidade e continuidade aos trabalhos que ainda têm de ser realizados de modo a garantir o sucesso do projecto.

Quais são, agora enquanto representante, as expectativas para o MIFF?
Para já, o mais importante é dar continuidade ao evento, principalmente no que respeita à promoção dos jovens de Macau que têm o sonho de fazer os seus próprios filmes. A intenção é avançar com a ideia de tornar a iniciativa numa plataforma em que os cineastas locais consigam ter uma oportunidade para darem a conhecer ao exterior os seus trabalhos. Penso que esta é uma forma privilegiada de dar a conhecer as indústrias criativas de Macau. Também tencionamos, através do festival, dar uma oportunidade para que seja criado um público local, ou seja, para que os residentes possam ter acesso a mais géneros de cinema. A ideia é que o público conheça, não só o cinema comercial, mas que também tenha acesso e comece a apreciar filmes mais artísticos. Esta é uma altura em que as pessoas de Macau podem abrir mais os olhos para que, eventualmente, esteja aberta a possibilidade de criar uma indústria nesta área. Queremos também criar os consumidores destes produtos que são os filmes. Tem de existir gente que assista e compre, nós temos de criar esta componente referente às audiências de Macau.

Falou de indústria do cinema mas Macau não tem essa dinâmica. Em que é que o MIFF vai ajudar, concretamente?
Acho que essa ajuda não se vai verificar já. Esta é a primeira edição e não se pode esperar esse tipo de retorno imediatamente. Quando olhamos para este festival, temos de estar conscientes de que não estamos só a projectar filmes ou a dar prémios. Estamos também a criar espaço para que a indústria internacional venha a Macau e possa conhecer o território. Existe também uma componente formativa e que é concretizada pela realização, por exemplo, de masterclasses. Para que haja uma indústria a funcionar tem de existir conhecimento e faz parte do evento promover isso também. Os jovens locais não devem ter apenas o sonho em ser realizadores, têm de ter conhecimento. Por outro lado, esta é uma indústria que deve desenvolvida passo a passo e não de um dia para o outro. Como estamos a iniciar este caminho, temos ainda de ter em conta que é importante trabalharmos muito com a China e mesmo com Hong Kong. A China, por exemplo, representa uma grande parcela de público de cinema e como tal, ao pensar na criação da indústria em Macau, temos de ter em atenção as perspectivas de entrada no mercado chinês e as colaborações que possamos vir a ter com cineastas da China Continental. É lá que está o grande público que irá consumir os produtos do cinema de Macau.

É a directora do Turismo de Macau. Qual é o impacto do MIFF no sector?
Claro que é importante utilizar este evento enquanto plataforma para promover Macau. Uma das questões é a promoção do território internacionalmente de modo a que seja mais conhecido e que mais pessoas queiram vir de visita. Por outro lado, e de muita importância, é a promoção da terra enquanto espaço de produção de cinema, ou seja, que Macau se torne capaz de chamar os cineastas internacionais para que cá venham fazer, por exemplo, a rodagem das películas. É fundamental esta aposta no sentido de que realizadores internacionais escolham a região para os seus cenários e, desta forma, projectar Macau para audiências internacionais.

O embaixador do MIFF é Jang Keun Suk, um actor coreano essencialmente conhecido pelo seu trabalho em novelas. Qual foi o critério para esta escolha?
Também estamos a falar de turismo e, desse ponto de vista, a Coreia é o nosso mercado mais importante.

É uma estratégia de marketing turística?
Sim. É uma estratégia para atrair os olhos dos coreanos para Macau. Na óptica do turismo, e agora falo enquanto directora do organismo, é importante ter um forte representante coreano porque é que aí que está o nosso grande alvo internacional. Neste momento, é um mercado que está a crescer na ordem dos dez por cento e, como tal, não foi ao acaso que escolhemos Jang Keun Suk como embaixador.

Cannes ou Locarno são conhecidas precisamente devido aos festivais de cinema que acolhem. Poderiam ser desconhecidos, mas estão nas bocas do mundo e são destinos por muito apetecidos por serem uma referência da sétima arte. Acha que Macau pode vir a fazer parte dos destinos culturais associados ao cinema e com o contributo do MIFF?
Locarno, Cannes e mesmo Hong Kong já são festivais com uma forte afirmação no mercado e já existem há muitos anos. Sim, acho que podemos pensar nisso como um objectivo a atingir no futuro. Não vamos pensar nisso como um objectivo que se atinge dentro de pouco tempo, mas podemos começar agora a criar um nicho próprio. Espero que com o tempo e com a continuação do trabalho possamos conseguir um lugar de relevo.

Disse na conferência de imprensa de apresentação que o MIFF ainda iria ter algumas surpresas…
Não posso ainda dizer quais serão porque a comissão ainda está em fase de contactos e negociações. Mas estamos a falar de convidados especiais que, esperamos, vão fazer do festival um evento mais completo.

Gosta de cinema?
Infelizmente não tenho possibilidade nem tempo para ir ao cinema. Vejo essencialmente através da internet, mas a altura em que dedico mais tempo a ver filmes é, realmente, dentro dos aviões. E sim, gosto de filmes e de diferentes géneros de cinema.

Quais são os filmes da sua vida?
O primeiro filme que me lembro de ver é o “Música no Coração” e este é realmente um filme de que gosto. É um filme que tenho sempre presente.

Como é que vê este festival no futuro?
Penso que vai ser estabelecido como um dos festivais de referência a nível mundial. Espero que seja, num primeiro passo, um festival obrigatório, primeiro dentro da Ásia, e com o tempo vá ganhando terreno ao nível internacional.

16 Nov 2016