UE | Hong Kong rejeita aviso sobre “contínua erosão” da autonomia e democracia

O Governo de Hong Kong rejeitou no sábado um relatório da União Europeia (UE), que avisava que a região chinesa está a sofrer “uma contínua erosão” da autonomia, dos princípios democráticos e das liberdades essenciais.

Num comunicado, o executivo da cidade disse que “discorda veementemente e rejeita firmemente os ataques infundados, calúnias e difamações” presentes no documento, preparado pelo Parlamento Europeu e publicado pela Comissão Europeia na sexta-feira.

O Governo de Hong Kong apelou à UE para “distinguir factos de falácias, respeitar a lei internacional e as normas básicas que regem as relações internacionais, e parar imediatamente de interferir nos (…) assuntos puramente internos da China”.

O relatório europeu dá conta de uma “contínua erosão do alto grau de autonomia de Hong Kong e dos princípios democráticas e das liberdades essenciais, que deveriam estar protegidas até 2047”.

O documento aponta para a imposição, em 2020, da Lei de Segurança Nacional, que coartou parte da autonomia de que Hong Kong beneficiava e, entre outras decisões, passou a criminalizar críticos do regime chinês.

O Governo da região chinesa acusou o bloco europeu de “fechar os olhos” ao facto de que “muitas pessoas de Hong Kong não puderam desfrutar dos seus direitos e liberdades durante o período de violência grave”, referindo-se aos protestos pró-democracia de 2019.

A implementação da lei de segurança nacional “rapidamente e efectivamente restaurou a estabilidade e a segurança em Hong Kong” e permitiu a “transição do caos para a ordem”, defenderam as autoridades.

20 Ago 2023

A democracia não nos prepara para a ditadura

Era uma menina bem comportada, como as meninas têm tendência a ser. Uma longa tradição de família em ter-se orgulho na demonstração de competências cognitivas, sobretudo femininas. Menos mal, não me educaram para ser a melhor, apenas para nunca atingir um nível de vergonha própria e alheia. É verdade, por vezes até anexava um bocadinho o meu sentido de valor próprio aos números que iam surgindo. Nada de grave, há casos bem piores. Se fazia mal as contas levava reguada (ainda bem que entretanto nos fomos livrando destas técnicas pedagógicas do paleolítico) e quando levava reguada, sabia que professora não estava a olhar para a aluna dedicada e algo talentosa, estava a olhar para as contas mal feitas. Não é como se doesse menos, mas havia um princípio democrático – o castigo era aplicável a todos devido ao resultado de uma ação. Em democracia, queremos igualdade de tratamento e, acima de tudo, objetividade. Havia razões para o castigo – e não vou entrar aqui na discussão da noção de castigo como método porque esse não é o meu objetivo. Se tivesse um bom desempenho nas aulas mas os testes corriam-me mal, a minha nota ia ser uma conta feita através dessa balança. Os critérios de avaliação eram transparentes e isso era importante. Ninguém me dava uma nota com base naquilo que fazia no recreio ou por me vestir toda de preto com pentágonos, nem pela forma como questionava os professores. Eram sempre questões que provinham da lógica argumentativa e, mesmo que alguns professores tivessem um pouco mais de dificuldades em lidar com o confronto, ele saia do campo da avaliação de minha performance. A forma como me vestia, a forma como confrontava os professores com alguma injustiça na avaliação ou com matérias fora do programa, não interferiam com a minha avaliação que se regia por imparcialidade, racionalidade e não por emotividade. Justiça e democracia em todo o processo. Ninguém me tinha dito que o mundo do trabalho privado seria uma ditadura! Ok, provavelmente alertaram-me para isso constantemente de outras formas como “vais ver quando começares a trabalhar” ou outro tipo de premonições demoníacas. O certo é que ter começado com uma carreira académica não me tinha preparado para tudo o que me esperava no trabalho em empresas. Se nos formam para acreditar na justiça e no mérito, não nos formam para ter que lidar com estruturas que pouco têm de meritocrático porque a sua atribuição de estatuto depende exclusivamente da relação ao capital e, consequentemente, do poder inquestionável que este lhes confere.

Trabalhei em sítios onde me exigiam que andasse de saltos altos. Fui despedida por ter confrontado a minha chefe mesmo que os números do meu trabalho fossem os mais altos entre pares. Fui guiada em áreas do meu domínio por pessoas sem o menor conhecimento da área. Tal como na escola, tinha tarefas para executar e tentava executá-las.

Contudo, o desempenho de funções numa empresa nem sempre depende da transparência e da objetividade de critérios como numa escola. “É o mundo real” dizem. Talvez. Mas por vezes gostaria que me deixassem a um canto a sonhar com utopias.

30 Jul 2021

Tailândia | Milhares de estudantes pedem reforma escolar e mais democracia

[dropcap]M[/dropcap]ilhares de estudantes do ensino secundário reuniram-se este sábado no centro de Banguecoque para exigir uma reforma do sistema escolar e apoiar os mais velhos que reclamam a demissão do primeiro-ministro e a reforma da monarquia.

Encorajados pelo movimento pró-democracia que abala a Tailândia desde o verão, os jovens organizaram o seu próprio protesto, intitulado “Maus Alunos”, para pedir mudanças em todos os pilares da educação, como programas renovados, flexibilização de regras, igualdade e direito à palavra.

Na escola, “dizem-nos o que devemos aprender, como nos vestir e nunca fazer perguntas”, conta Pung, de 15 anos.

Na Tailândia, os livros didáticos encobrem muitas das turbulências políticas das últimas décadas, focando a vida dos monarcas, e os estabelecimentos de ensino seguem normas de vestir muito rígidas, com rabo de cavalo e fita no cabelo obrigatório para as meninas e corte militar para os meninos.

Na manifestação, muitos jovens falaram da importância da igualdade de género.

“A escola não é um lugar seguro” para as meninas, escreveu uma estudante do ensino secundário num cartaz, com a boca amordaçada com fita adesiva, em sinal de protesto.

Eles riem-se de mim, “os professores dizem que pareço muito feminino”, revelou Tian, de 16 anos, que quer ser capaz de reivindicar livremente a sua homossexualidade.

Entre os adereços dos estudantes, havia pessoas em trajes de dinossauros e bolas de praia grandes a simular asteroides para dizer que, da mesma forma que se acredita que um asteróide atingiu a Terra e levou à extinção dos dinossauros, também os membros antiquados da Tailândia que impedem a mudança enfrentarão uma colisão com o movimento pró democracia do país.

Os manifestantes também exigiram, como os estudantes mais velhos, uma reforma da poderosa monarquia e a demissão do primeiro ministro, Prayut Chan-O-Cha, na sequência do golpe de Estado de 2014.

Na sexta-feira, o primeiro-ministro endureceu o tom de voz ao avisar que “o governo iria fazer cumprir todas as leis”, mesmo potencialmente a de lesa majestade, que pune com até 15 anos de prisão qualquer difamação contra o rei, e que não tem sido usada desde há alguns anos.

“Os limites foram ultrapassados”, acrescentou.

Na quarta-feira, milhares de manifestantes reuniram-se na capital, alguns a expressar slogans muito duros contra a monarquia.

No dia anterior, seis pessoas foram baleadas e feridas durante confrontos entre manifestantes, forças da ordem e ultrarrealistas, numa escalada de violência sem precedentes desde o início das contestações.

O rei Maha Vajiralongkorn ascendeu ao trono em 2016 e é uma figura controversa que reside frequentemente na Alemanha.

22 Nov 2020

Ng Kuok Cheong, deputado e fundador da UDD: “Aos cinco anos fui vendido”

Foi comprado por uma família de Macau e chegou a deputado. Durante este percurso, Ng Kuok Cheong foi um dos fundadores da União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia. Em entrevista ao HM, o deputado sublinhou que não ambiciona mudar a China Continental, mas mantém-se fiel ao fardo de recordar o que aconteceu em Pequim

 

[dropcap]A[/dropcap]ntes de o massacre acontecer já tinha consciência política. Quais eram as suas principais preocupações?

Naquela altura era estudante, formei-me e fui para o banco trabalhar. Depois, à noite, participava em algumas actividades sociais. De acordo com o meu conhecimento, Macau ia mudar, já que ia regressar à China. E sentia que a sociedade chinesa não se preocupava com o que ia acontecer e mudar. Não estava optimista nem triste: a China ia recuperar Macau, mas podia ter uma ideia mais aberta, ou não. E Portugal ia desistir de Macau, mas antes de ir embora queria fazer alguma coisa. Como residentes de Macau devemos preocupar-nos com o que acontece e [reflectir sobre] o que queremos apoiar e manter em mente. Na altura, era um jovem. Discutia com os meus amigos e a preocupação era com Macau. O que aconteceu em Macau e Pequim nesse ano foi muito importante, não só para mim, muitos cidadãos de Macau sentiram que era importante e tínhamos de prestar atenção. Na altura, os meios de comunicação locais e de Hong Kong todos os dias davam informação. Debatíamos quase todas as noites.

O que levou à criação da União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia?

Em 1989, de Maio a Junho tentámos organizar actividades sociais. Quando isso acontecia aconselhávamos o Governo. Sentimos que devíamos tentar juntar-nos. Mas depois do 4 de Junho, subitamente, sentimos que em Macau a maioria da sociedade virou costas. Sentimo-nos surpreendidos, mas claro que não os condenamos, sabemos porque o quiseram fazer. Mas para mim temos o dever de insistir no que acreditamos serem os factos e depois organizámos a União. (…) Não para a China, mas para Macau. Macau é uma cidade muito pequena e não consegue mudar toda a China Continental. Mantemos os factos desse dia porque sentimos que temos de promover a democracia em Macau, não na China.

No dia a seguir ao massacre muita gente saiu à rua em protesto. Estava lá?

Claro. Tínhamos recomendado ao Governo a actividade. Claro que quando o fizemos não sabíamos o que ia acontecer, mas depois dessa noite muita gente saiu à rua (…). Na noite antes, chegou informação pela televisão. A maioria dos cidadãos saiu à rua. Não [só] os membros da nossa união, mas todos os residentes sentiram que era muito importante, a sociedade tradicional chinesa também pensava isso. Mas depois do início de Junho mudaram.

Quando olhamos para as vigílias dos últimos anos poucas centenas aparecem. Porquê?

Talvez a maioria das pessoas sinta que aquilo que fazemos não pode influenciar a China, por isso não têm esperança neste movimento e não saem. Mas ainda há pessoas que insistem em sair durante muitos anos. Isto não significa que sentem que podem mudar a China (…). É diferente de Hong Kong, acho que as pessoas de lá sentem que podem liderar todos os chineses do mundo para mudar a China. Para nós, desde o primeiro dia da União, sentimos que Macau é muito pequeno e não tem poder. A China pode mudar, mas não por Macau. Porém, temos o fardo de recordar.

Quando desenvolveu consciência política?

Quando acabei a educação secundária em Macau fui para a Universidade Chinesa de Hong Kong. Passei muito tempo a estudar o que aconteceu política e economicamente na China, não só a aprender do ponto de vista académico. Claro que estudei, a minha licenciatura é em economia, mas o mais importante é que quando tinha cinco anos de idade fui comprado por uma família em Macau. Nasci em Cantão, mas quando tinha cinco anos fui vendido. Queria saber porquê. (…) Sei que a China nessa altura estava a passar pelo chamado ‘Grande Salto em Frente’, houve muita pobreza e muita gente ficou sem meios de subsistência, então vendiam os filhos. Dormi várias noites na biblioteca para descobrir o que aconteceu. Pensei que a China ia mudar. Por isso, de acordo com o meu conhecimento de então, o que aconteceu em 1989 foi um ponto crítico para a China. A maioria dos jovens tornou-se adulta, a força laboral era muito forte, o modelo produtivo social podia adoptar estas forças laborais para desenvolver o país. Era um ponto crítico. Não podiam continuar com o modelo antigo, em que cada um devia distribuir riqueza. Portanto, a China estava a mudar, mas que estrada ia seguir? De acordo com o meu conhecimento, Deng Xiaoping abriu portas à experiência de adoptar o capitalismo, mas naquele tempo não havia sistema democrático para supervisionar o Governo, por isso muitas pessoas ricas, e recursos saíram. Os estudantes universitários sentiram que o país estava a ficar rico, mas eles eram pobres e não conseguiam encontrar trabalho e queriam perguntar aos seus líderes: porquê? E tiveram um movimento de 1987 a 1989. Queriam alguma mudança. Talvez não fossem tão maduros, mas descobriram a pergunta. A resposta do Governo Central foi um ponto crítico. Na altura, não prestava atenção ao mundo, só a Macau e à China. Agora olho para as coisas de outra forma. Aconteceram muitos movimentos sociais na Ásia, o capitalismo e o comunismo enfrentaram desafios muito importantes incluindo na Coreia, Filipinas, Indonésia. Depois de 1989 decidiram desistir do comunismo completamente. Seguiram a via do capitalismo do Estado usando a força laboral e absorvendo técnicas do mundo capitalista para desenvolver a economia depois dos anos 90. Mas [não responderam] sobre o porquê de terem matado as pessoas. Na Polónia, na Alemanha Oriental, foi-se desistindo do comunismo depois de 4 de Junho e mudaram totalmente. Mas o Partido Comunista Chinês não mudou, não enfrentou esse fardo. Quer controlar o país para sempre.

O Governo de Macau diz que são precisos mais regulamentos de segurança nacional. O que sente em relação a isto?

É uma ideia política do Governo Central. Não estou muito surpreendido. Na universidade calculei que a força laboral da China se ia tornar forte depois de 1963, aumentar anualmente durante 50 anos, até 2013. Assim sendo, significa que nos últimos 25 anos construímos um país muito forte. Nenhum país consegue providenciar em 20 anos tanta força laboral. Depois de 2013, a situação mudou. A China tentou reduzir a natalidade e depois desse ano a mão-de-obra começa a descer. As pessoas idosas dependiam dos jovens. Isto vai continuar por cerca de 25 anos. Com a força laboral a descer na China, muitas pessoas dependem de outras para comer. O crescimento forte do país ia parar, precisávamos mudar a estrutura. (…). Agora podemos ver o que aconteceu. Desde cerca de 2013, o Governo Central, especialmente o Partido Comunista Chinês adoptou uma nova decisão. Antes o caminho era seguir Deng Xiaoping, que dizia que passo a passo tudo se podia abrir. O novo caminho é fortalecer a liderança do Partido Comunista Chinês e lidar com o mercado livre. De acordo com o meu conhecimento, a nova decisão não é assim tão boa. Dizem às pessoas que somos muito fortes, mas a força não foi de Xi Jinping, resultou dos líderes anteriores e dos anos que já passaram. Só se pode desafiar o mundo por causa da riqueza do passado. Por isso, a China e o Governo Central vão enfrentar alguns perigos no futuro. Claro que Macau é muito pequeno, não podemos mudar a mente do Governo Central nisto, mas podemos continuar para ver o que acontece.

Qual é o futuro da democracia em Macau?

Em Macau, daqui a cinco ou mais anos vamos enfrentar diferentes dificuldades. A primeira é a nova decisão do Governo (Central). Vão parar todos os democratas, se sentirem que não apoiam a sua governação. É uma matéria pessoal, mas não acho que seja uma boa decisão. Talvez no futuro enfrentem perigos ou mudanças. Por outro lado, em Macau agora temos 15 anos de educação gratuita e 90 por cento dos jovens vão para a universidade. O nível académico é muito bom e o crescimento económico também melhorou. O PIB per capita é muito bom. Comparando, o salário dos jovens de Hong Kong é baixo, quase não tiveram aumentos face a 1997, mas em Macau já subiu 300 por cento em comparação a 1999. Por isso, a situação é completamente diferente. Digo aos jovens de Macau que devem sair e falar porque têm um nível académico alto e sabem muitas coisas, podem apontar o que está errado na sociedade. Mas quando saem só posso sugerir para se juntarem a uma luta feliz. Não por serem pobres, mas porque sabem o que está errado. Actualmente, o ambiente económico das pessoas não é tão mau em Macau, e o papel que a família desempenha na sociedade é muito positivo.

Como é que a sociedade tradicional chinesa olha para as suas ideias políticas?

Os meios de comunicação chineses ainda têm algumas reportagens anteriores à nova decisão do Governo Central. Acho que os líderes da sociedade tradicional têm conhecimento sobre o 4 de Junho. Não prestam atenção porque acham que não lhes é adequado. Assim sendo, não falam, não prestam atenção e não recebem informação da internet. Sabem o que aconteceu nesses anos, mas sentem que a realidade mudou. Macau nessa altura ainda era muito pobre, agora é muito rico. Por isso, a maioria dos líderes da sociedade tradicional acha que o seu maior fardo é manter a riqueza actual.

Nasceu na China, mas cresceu em Macau. É imigrante. Porque é que na Assembleia Legislativa defende tantas diferenças de tratamento entre residentes de Macau e trabalhadores não residentes?

Não devemos enfatizar as diferenças. Prestamos atenção apenas à política de emprego, a protecção de direitos humanos devia ser igual. Em Hong Kong podem contratar-se empregadas domésticas de outros lados, mas a maioria dos outros trabalhadores são de Hong Kong, por isso entendem que podem manter bons salários. Mas em Macau há uma ideia diferente, temos muitos trabalhadores do exterior para apoiar a escala económica. Para as pessoas locais devemos aceitar estrangeiros, incluindo da China Continental, mas a quantidade é muito importante. Qual é a diferença? Em demasia vai destruir completamente o mercado laboral em Macau. Por isso, temos de prestar atenção. Se continuarmos com esta escala económica devemos aceitar uma certa proporção de trabalhadores que vêm não só da China Continental como de outros países. Mas devemos manter uma quantidade adequada. No entanto, os direitos laborais devem proteger todos.

4 Jun 2020

Democracia | MNE português recusa imposições em Macau

Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse esta sexta-feira no Porto que “nao exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhe negámos quando éramos administradores de Macau”, numa referencia à questão do sufrágio universal. Analistas criticam postura de Santos Silva

[dropcap]N[/dropcap]uma rara intervenção que remete para a questão do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo de Macau, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, disse esta sexta-feira no Palácio da Bolsa, no Porto, que um dos motivos pelas quais as relações entre China e Portugal serem boas é o facto de Portugal nunca ter feito imposições democráticas no território.

“É muito importante, quer para Portugal quer para a China, que a transição em Macau corra bem do primeiro ao último dia dos 50 anos. Não somos hipócritas, e não exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhes negámos quando éramos administradores de Macau. Não exigimos a Macau o que nunca exigimos, que fosse outra coisa que não um território da República Popular da China. E nós não temos um discurso em reuniões internacionais e outro quando recorremos à China para vender produtos”, frisou.

Augusto Santos Silva falou perante a presença do embaixador da China em Portugal, Cai Run, no âmbito da conferencia “Macau como plataforma Sino-Lusófona – 20º aniversário da transferência de soberania de Macau de Portugal para a República Popular da China”, promovida pela Associação de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-Grande Baía”.

O sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo tem sido um dos cavalos de batalha do campo pró-democracia em Macau, actualmente representado pelos deputados Sulu Sou, Au Kam San e Ng Kuok Cheong.

Esta também tem sido uma exigência em Hong Kong, onde acontecem duros protestos desde o verao despoletados pela proposta de lei da extradição, apesar do sufrágio universal também estar na lista de reivindicações dos manifestantes.

Ao HM, o analista político Arnaldo Gonçalves destaca o facto de as palavras do MNE “serem claras”. “Tivemos sempre consciência das nossas obrigações face à Declaração Conjunta. Tivemos apreço das autoridades chinesas face à continuidade da língua e da cultura portuguesa em Macau. Não temos indicações de que essa posição tenha sido alterada”, disse.

No entanto, o ex-residente de Macau alerta para o facto de “excessos de preocupações securitárias poderem deitar tudo a perder”. “Vamos acreditar que aquilo que aconteceu com a equipa da RTP foi um percalço”, acrescentou.

As críticas

Ao HM, o advogado Sérgio de Almeida Correia discorda das palavras do MNE. “O doutor Augusto Santos Silva é melhor professor do que político, já alguém lhe devia ter dito. O MNE devia ter a humildade de reconhecer que houve gente desatenta na negociação da Declaração Conjunta, pois se assim não tivesse sido teríamos dois artigos iguais aos que ficaram na Lei Básica de Hong Kong, ou uma Escola Portuguesa com outra dimensão e estatuto e um IPOR respeitado, bem como uma classe política local instruída e com passaporte português.”

Para o causídico, Augusto Santos Silva “deveria ter estudado a história de Macau das últimas tres décadas e acompanhado a situação, coisa que não faz porque se aconselha localmente com dinossauros que pensam que por pintarem a melena, usarem pó de arroz e terem um avental colorido e comerem na messe se convenceram de que tem o umbigo em Versalhes”.

Jorge Menezes, também advogado, defende que “foram infelizes” as declarações de Augusto Santos Silva. “
“Nós por aqui já não contamos muito com os governantes portugueses, pelo que o silêncio não teria sido pior opção. O senhor ministro acabou por ser aquilo que disse não querer ser. É de um ponto de vista de ética política lamentável que o Governo tenha como critério valorativo de acção o desdém com que no passado governou Macau. Como se uma geração depois, os cidadãos de Macau não pudessem almejar a mais do que o pouco que foi dado aos seus pais.”

Para o advogado, esta é uma prova em como as autoridades portuguesas “não se interessam verdadeiramente por Macau enquanto tal, servindo-se de Macau para abrir uma linha directa de Lisboa a Pequim.”

“Nem um apeadeiro procura fazer por aqui. Pronuncia-se sobre Macau como antes o governou: a pensar em Portugal. Mas não é só manifestação de egoísmo, é também de um quase atávico espírito de subalternidade”, rematou Menezes.


Cônsul-geral representa Portugal na cerimónia da transferência

O cônsul-geral em Macau, Paulo Cunha Alves, representará Portugal nas cerimónias do 20.º aniversário da transferência da administração portuguesa de Macau para a China, confirmou à agência Lusa Augusto Santos Silva. “A tradição das autoridades chinesas é comemorarem internamente as efemérides da transição. Nós não recebemos um convite para representação ao nível político e estaremos representados ao nível diplomático adequado que é o do cônsul-geral em Macau, o embaixador Cunha Alves. E evidentemente trocaremos mensagens como fazemos sempre”, referiu o ministro.

16 Dez 2019

Democracia | MNE português recusa imposições em Macau

Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse esta sexta-feira no Porto que “nao exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhe negámos quando éramos administradores de Macau”, numa referencia à questão do sufrágio universal. Analistas criticam postura de Santos Silva

[dropcap]N[/dropcap]uma rara intervenção que remete para a questão do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo de Macau, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, disse esta sexta-feira no Palácio da Bolsa, no Porto, que um dos motivos pelas quais as relações entre China e Portugal serem boas é o facto de Portugal nunca ter feito imposições democráticas no território.
“É muito importante, quer para Portugal quer para a China, que a transição em Macau corra bem do primeiro ao último dia dos 50 anos. Não somos hipócritas, e não exigimos agora à RAEM a qualidade democrática que lhes negámos quando éramos administradores de Macau. Não exigimos a Macau o que nunca exigimos, que fosse outra coisa que não um território da República Popular da China. E nós não temos um discurso em reuniões internacionais e outro quando recorremos à China para vender produtos”, frisou.
Augusto Santos Silva falou perante a presença do embaixador da China em Portugal, Cai Run, no âmbito da conferencia “Macau como plataforma Sino-Lusófona – 20º aniversário da transferência de soberania de Macau de Portugal para a República Popular da China”, promovida pela Associação de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-Grande Baía”.
O sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo tem sido um dos cavalos de batalha do campo pró-democracia em Macau, actualmente representado pelos deputados Sulu Sou, Au Kam San e Ng Kuok Cheong.
Esta também tem sido uma exigência em Hong Kong, onde acontecem duros protestos desde o verao despoletados pela proposta de lei da extradição, apesar do sufrágio universal também estar na lista de reivindicações dos manifestantes.
Ao HM, o analista político Arnaldo Gonçalves destaca o facto de as palavras do MNE “serem claras”. “Tivemos sempre consciência das nossas obrigações face à Declaração Conjunta. Tivemos apreço das autoridades chinesas face à continuidade da língua e da cultura portuguesa em Macau. Não temos indicações de que essa posição tenha sido alterada”, disse.
No entanto, o ex-residente de Macau alerta para o facto de “excessos de preocupações securitárias poderem deitar tudo a perder”. “Vamos acreditar que aquilo que aconteceu com a equipa da RTP foi um percalço”, acrescentou.

As críticas

Ao HM, o advogado Sérgio de Almeida Correia discorda das palavras do MNE. “O doutor Augusto Santos Silva é melhor professor do que político, já alguém lhe devia ter dito. O MNE devia ter a humildade de reconhecer que houve gente desatenta na negociação da Declaração Conjunta, pois se assim não tivesse sido teríamos dois artigos iguais aos que ficaram na Lei Básica de Hong Kong, ou uma Escola Portuguesa com outra dimensão e estatuto e um IPOR respeitado, bem como uma classe política local instruída e com passaporte português.”
Para o causídico, Augusto Santos Silva “deveria ter estudado a história de Macau das últimas tres décadas e acompanhado a situação, coisa que não faz porque se aconselha localmente com dinossauros que pensam que por pintarem a melena, usarem pó de arroz e terem um avental colorido e comerem na messe se convenceram de que tem o umbigo em Versalhes”.
Jorge Menezes, também advogado, defende que “foram infelizes” as declarações de Augusto Santos Silva. “
“Nós por aqui já não contamos muito com os governantes portugueses, pelo que o silêncio não teria sido pior opção. O senhor ministro acabou por ser aquilo que disse não querer ser. É de um ponto de vista de ética política lamentável que o Governo tenha como critério valorativo de acção o desdém com que no passado governou Macau. Como se uma geração depois, os cidadãos de Macau não pudessem almejar a mais do que o pouco que foi dado aos seus pais.”
Para o advogado, esta é uma prova em como as autoridades portuguesas “não se interessam verdadeiramente por Macau enquanto tal, servindo-se de Macau para abrir uma linha directa de Lisboa a Pequim.”
“Nem um apeadeiro procura fazer por aqui. Pronuncia-se sobre Macau como antes o governou: a pensar em Portugal. Mas não é só manifestação de egoísmo, é também de um quase atávico espírito de subalternidade”, rematou Menezes.


Cônsul-geral representa Portugal na cerimónia da transferência

O cônsul-geral em Macau, Paulo Cunha Alves, representará Portugal nas cerimónias do 20.º aniversário da transferência da administração portuguesa de Macau para a China, confirmou à agência Lusa Augusto Santos Silva. “A tradição das autoridades chinesas é comemorarem internamente as efemérides da transição. Nós não recebemos um convite para representação ao nível político e estaremos representados ao nível diplomático adequado que é o do cônsul-geral em Macau, o embaixador Cunha Alves. E evidentemente trocaremos mensagens como fazemos sempre”, referiu o ministro.

16 Dez 2019

A democracia e o crescimento económico

“It has been said that democracy is the worst form of government except all the others that have been tried.”
Winston Churchill

 

[dropcap]A[/dropcap] democracia é o sistema que funciona melhor? A democracia é mais eficaz, do ponto de vista económico? Há quem responda corajosamente com um retumbante sim. A evidência mostra que ao longo dos séculos, e em muitos países, a democracia tem promovido o crescimento de forma mais eficaz e consistente do que qualquer outro sistema político. Será possível acreditar? Tal raciocínio omite completamente o facto de que o crescimento veio de mãos dadas com o avanço tecnológico, e que a tecnologia é um subproduto não da democracia, mas de uma espécie de lógica e racionalidade forjada pelos gregos clássicos, que de facto deram origem ao “espírito científico” e, como resultado, ao prodigioso desenvolvimento da tecnologia que, sem igual, ocorreu nos últimos dois séculos no mundo ocidental.

É verdade que a civilização chinesa foi caracterizada por capacidades excepcionais e que durante muito tempo ultrapassou o Ocidente em invenções técnicas. A ciência e a tecnologia que “modernizaram” o mundo nunca floresceram em outras culturas, nem na China nem para citar o outro grande exemplo, na Índia. Assim, a correlação entre a democracia liberal ocidental e a riqueza é falsa. É de considerar que correlações à parte, que argumentos sustentam a tese da “superioridade económica” da democracia? Uma das principais razões pelas quais a democracia promove o crescimento é o de fornecer segurança para os direitos de propriedade, necessários ao progresso capitalista. Após o colapso desastroso das economias planificadas de tipo soviético, até mesmo os ditadores perceberam que “a mão invisível funciona melhor do que a bota visível”.

Assim, os ditadores acham que é do seu interesse promover os sistemas de mercado e respeitar os direitos de propriedade. Se olharmos para o mundo, vemos democracias “em crescimento” e “democracias em declínio”, bem como ditaduras em ruína económica e ditaduras que gozam de sucesso económico. Taiwan, Singapura, Coreia do Sul e a Malásia também construíram as suas “economias milagrosas” sob liderança autoritária. Na América Latina, as economias do Chile e do Peru caíram sob regimes democráticos e deveram a sua recuperação económica a governos autoritários (no Peru, o presidente Alberto Fujimori conseguiu milagres económicos ao suspender e reescrever uma constituição democrática duvidosa).

O padrão mais difundido nesta região é que tanto as ditaduras militares como os governos democráticos têm os mesmos maus resultados de desenvolvimento. Na ex-União Soviética e na Europa Oriental, a democratização precedeu as reformas económicas, tornando-as mais difíceis. A China, pelo contrário, sob a orientação de Deng Xiaoping tem sido notavelmente bem-sucedida, seguindo o caminho oposto, com a liberalização económica direccionada de cima para baixo sob estrito controlo do Partido Comunista. A proposição de que a democracia não é apenas um sistema político superior, mas também um “vencedor económico” é facilmente contrariada pelo argumento de que, nos mesmos mecanismos de mercado, governos que não estão constrangidos por pressões populares estão em melhor posição para promover o crescimento do que governos condicionados por procuras democráticas e demo-distribuição.

É de ressaltar que certamente, quando as pessoas se tornam ricas, uma das coisas que provavelmente exigirão é a democracia e nessa tese é o crescimento que traz a democracia, não a democracia que gera o crescimento. Para que a democracia seja mais eficaz não responde a uma lei natural. As democracias têm de funcionar, não só com boa vontade, mas também com incentivos e limitações estruturais. É de sublinhar o facto de que o próprio modelo, a forma política ocidental, exige urgentemente uma reparação. A falência da democracia, da chamada democracia com défice, é um perigo real e um risco para o qual as estruturas constitucionais actuais não estão preparadas.

Quando os sistemas político-liberais foram concebidos, a principal força motriz por trás do seu estabelecimento foi o princípio de não tributação sem representação (como James Otis declarou em 1761, “tributação sem participação é tirania”), mas consequentemente, quando os parlamentos se tornaram um dos pilares do Estado constitucional, exerceram o “poder do orçamento”, ou seja, o poder de levantar dinheiro e dá-lo ao detentor do “poder da espada” (o rei). Esta divisão de competências entre um executivo de despesa e um parlamento controlador atingiu o seu objectivo, enquanto os parlamentares representavam (como aconteceu ao longo do século XIX) os contribuintes reais, ou seja, os “mais ricos”, não os “mais pobres”. Nestas condições, os parlamentos eram, de facto, controladores eficazes das despesas.

Desde o século passado que se perdeu o equilíbrio entre os travões parlamentares e os aceleradores executivos e com o sufrágio universal e o subsequente passo geral do princípio da “lei e ordem” (que o “pequeno Estado” deveria fornecer) para o Estado Providência (cobrindo necessidades), os parlamentos tornaram-se mais gastadores do que os governos. A contenção natural que manteve os orçamentos em equilíbrio até meados do século XX foi a crença de que um orçamento é, por definição, um equilíbrio entre receitas e despesas. Tal crença explica o facto de que as enormes dívidas originadas durante as duas guerras mundiais poderiam ser gradualmente reabsorvidas. O feitiço foi quebrado quando a mensagem de John Maynard Keynes sobre o défice público alcançou os políticos, pois usar o dinheiro dos outros de ânimo leve tornou-se uma tentação irresistível e já não era possível encontrar nas estruturas do Estado de direito um elemento cancerígeno fiscal responsável.

Se os políticos que obtém lucros indevidos ou de forma ilícita podem contrair dívidas para o consumo (não para investimento) e depois simplesmente imprimem mais dinheiro, então as más políticas e a economia ou ambas, serão quase inevitáveis. É, pois, fundamental restabelecer o controlo do orçamento, pois, em última análise, o que se pode ter é um Estado sem pesos e contrapesos. Não é possível descriminar as possíveis soluções, mas apenas concluir que o funcionamento da democracia (em termos económicos) é determinado decisivamente pela encruzilhada do controlo do mercado de acções. É aqui que, passando da forma (estrutura constitucional) para o conteúdo político (como resultado das exigências democráticas), a democracia enfrenta o seu maior desafio.

Os direitos formais consagrados nas primeiras declarações de direitos não eram geralmente onerosos. No entanto, à medida que se expandiram para incluir os direitos materiais, tornaram-se cada vez mais onerosos e nas últimas décadas, as democracias ocidentais tiveram de lidar com o aumento das despesas sociais através de dois mecanismos que são o défice público e o proteccionismo. Desde então, ambos os recursos foram esgotados e muitas democracias ocidentais são confrontadas com “orçamentos rígidos”, ou seja, estão tão endividadas que quase não têm margem de manobra na distribuição dos fundos. É de entender que à medida que a economia global expõe inevitavelmente os produtores anteriormente protegidos (que poderiam transferir as suas cargas fiscais para os seus consumidores) à concorrência global, não é possível a existência do Estado-Providência.

Os anos vindouros serão anos de entrincheiramento e mais do que nunca, as democracias devem ser capazes de sustentar o crescimento. Mas, mesmo que o pior aconteça, e sejamos arrastados para um jogo de soma negativa, um jogo em que todos perdem, a ideia que se oferece como consolo é que, mesmo assim, a democracia liberal merece atenção e ter desprotecção é infinitamente melhor do que não a ter e uma última consideração permanece, nomeadamente, se a Ásia e a África podem ter os seus próprios “modelos” de democracia. Fundamentalmente, isto é, nas técnicas constitucionais de protecção dos cidadãos e de exercício do poder político, não existe nenhum modelo alternativo à vista e não se percebe porque querem descartar um mecanismo que provou funcionar muito bem.

Algo mais acontece, por exemplo, em relação ao sistema partidário e aos processos de articulação e agregação de interesses, em relação aos quais se reconhece que os acordos multipartidários originalmente decorrentes de fracturas de classe ocidentais fazem pouco sentido quando as lealdades são exclusivamente tribais. Os líderes africanos que inventaram este raciocínio não estão isentos da razão, mas estão errados ao propor como solução a proibição dos sistemas partidários e, na prática, o estabelecimento de um sistema de partido único ou de uma ditadura; por outro lado, quando se chega ao elemento liberal-democrático chamado “vontade popular”, é difícil generalizar.

O mundo é constituído por povos muito diferentes, enquadrados em culturas, visões do mundo e sistemas de valores muito distintos, para não falar de circunstâncias muito diversas e mesmo no Ocidente, a “vox populi” não é concebida como “vox dei”. Todavia não é possível afirmar que as pessoas tenham sempre razão, mas sim que têm o direito de cometer erros e de igual modo, deve-se permitir que a democracia seja despromovida, ou seja, deve-se permitir um poder do povo que se suprime a si próprio? Isto e uma infinidade de perguntas semelhantes incitam uma série de respostas diferentes que, por sua vez, afectam os resultados de experiências democráticas.

O ensaísta inglês, Walter Bagehot, no século XIX, elogiou a “estupidez diferencial” do inglês. A democracia será melhor servida pela arrogância desrespeitosa? É de sugerir que estas perguntas dependam de cada “Volksgeist”, de cada “espírito do povo” em particular. A teoria da democracia ocidental evoluiu (muitas vezes de forma normativa e até mesmo aperfeiçoada) para reflectir níveis avançados de democratização. Na medida em que essas teorias viajam para democracias incipientes (sendo disseminadas por estudantes formados em universidades ocidentais), os fundamentos da própria democracia ocidental são tomados como garantidos ou simplesmente ignorados, o que constitui um mau princípio para principiantes.

A democracia liberal evoluiu historicamente para englobar dois elementos essenciais que são a desprotecção (resultando em um povo livre) e o demo-poder (resultando no auto governo das pessoas). A desprotecção é assegurada pela “forma” política liberal-democrático, ou seja, pelas estruturas e mecanismos constitucionais, enquanto o “conteúdo” derivado das decisões políticas é o demo-poder. O primeiro elemento é uma condição necessária da democracia, enquanto o segundo é um conjunto aberto de implementações. Assim, é de concluir que a forma (o elemento liberal-constitucional) é o elemento universalmente exportável, enquanto o conteúdo (o que as pessoas querem e exigem) é um elemento contingente, culturalmente dependente.

A “domesticação” e pacificação da política é uma pré-condição essencial para respeitar os resultados eleitorais e permitir a alternância no poder. A desprotecção é indiferente às condições económicas e permite, como hipótese, uma democracia pobre, enquanto o demo-poder, que exige demo-benefícios, necessariamente requer riqueza e crescimento. A mera identificação da democracia com a demo-distribuição torna actuais as diversas crises, entre elas a crise fiscal particularmente preocupante onde quer que ocorra.

Porque se deve lidar com o passado liberal da democracia liberal? Porque a incipiente democracia na Ásia ou em qualquer outro lugar enfrenta os mesmos problemas que a democracia encontrou inicialmente no Ocidente? Não há dúvida de que uma vez inventado e testado um sistema político, em pouco tempo reproduz-se em outro lugar. Assumindo que, em princípio, é relativamente fácil construir uma democracia “por imitação”. No entanto, o problema é a diferença entre o tempo histórico e o calendário, e copiar um modelo político é um processo síncrono baseado em calendário. Importamos o que existe mas em relação ao tempo histórico, alguns países estão separados por milhares de anos. Historicamente, o Afeganistão, por exemplo, e milhões de aldeias espalhadas por áreas subdesenvolvidas (para não mencionar as não desenvolvidas) são mais ou menos onde era a maior parte da Europa nos tempos negros da Idade Média. Por conseguinte, a possibilidade de importar a democracia não é tão fácil como às vezes se imagina.

A importação envolve “diferenças temporais” enganosas, de modo que encontra problemas cada vez que se trata de estabelecer abruptamente um modelo avançado sobre uma realidade mais atrasada. Embora de acordo com o calendário possa ser o mesmo dia nos Estados Unidos como no Afeganistão, uma transposição do modelo da primeira para a segunda é um enorme salto. É de reformular esta questão em termos das condições prévias da democracia. A ideia de pré-condições de democracia geralmente refere-se às pré-condições económicas por referência aos antecedentes históricos que são dois, em que o primeiro, é a secularização, e o outro, a “domesticação” da política.

A secularização ocorre quando o Reino de Deus e o Reino de César, ou seja a esfera da religião e da política são separados. É de entender que como resultado, a política não é mais reforçada pela religião pois perde a intensidade e a rigidez delas derivadas do último (dogmatismo). Só nesses casos é que surgem as condições para a domesticação da política. É por isso que se deve entender que a política já não mata, deixando de ser um assunto belicoso, e a vida política pacífica se reafirma, como “modus operandi” habitual da comunidade política.

Não se torna necessário olhar muito para trás para captar a ligação entre essas condições históricas e a democracia. Esta última assume que os resultados eleitorais dão e revogam o poder e que rotineiramente requerem a alternância no poder, mas se os detentores do poder têm motivo para temer que renunciar ao seu exercício possa colocar em perigo as suas vidas e bens, resistirão em abandoná-lo. Assim, enquanto a política não se secularize e domestique, isto é, até que não se outorgue a suficiente protecção do ser humano, será improvável que os políticos renunciem ao poder e se retirem.

A comunidade internacional não está bem aconselhada quando pede aos países actualmente confrontados com a onda do fundamentalismo islâmico que “certifiquem” a sua democracia através da realização de eleições. Numa estrutura belicosa, não secularizada, em que o perdedor teme ser assassinado, nenhuma democracia é possível. É provável que o facto de dispor de um protótipo que possa ser copiado seja uma desvantagem para os Estados que chegaram mais tarde à democracia. É de esperar que os recém-chegados se actualizem, ignorando o tempo histórico, a um ritmo excessivamente rápido, tenderão a sofrer “sobrecarga”, uma situação incontrolável que surge de demasiadas crises e falhas simultaneamente.

A este respeito, é importante lembrar que há um século a democracia era apenas uma forma política, e que o Estado constitucional não fornecia, e não se esperava que fornecesse, “bens” económicos; apenas garantia a liberdade e as “coisas boas” dela derivada. Durante mais de um século, nunca se argumentou que a democracia tivesse prévias condições económicas que a sua sobrevivência dependesse do crescimento económico e prosperidade. O importante é que a demo-protecção que proporcionava o Estado liberal do século XIX não tinha exigências de riqueza. Se a democracia é concebida como uma forma política, é igualmente possível uma “democracia pobre”.

Quando as democracias ocidentais se desenvolveram e alcançaram os mais altos níveis de democratização, o demo-poder converteu-se em demo-apetite e a contenda política nos sistemas liberais-constitucionais centrou-se, cada vez mais, em temas distributivos sobre “quem recebe quanto de quê”. Provavelmente esta viragem era inevitável e foi reforçado o desprezo pela ética, pelo “materialismo” marxista e pela corrente fortemente utilitária que moldou a teoria e a prática da democracia na sua versão anglo-americana. Sem dúvida estes são os factores culturais que podem ser compensados quando a democracia se enraíza em outras culturas. Se a democracia é importada como um sistema de demo-poder cuja principal preocupação é a demo-distribuição, o futuro da democracia está intimamente ligado ao desempenho económico e consequentemente, a questão crucial actualmente, em quase todo o mundo, é de saber se a democracia também proporciona crescimento económico.

28 Nov 2019

Democracia: um processo, não um estado

[dropcap]É[/dropcap] verdade que a democracia se conquista e se perde. Aqui em Macau, por exemplo, estamos a perder oportunidades, uma atrás da outra, de alargar o espectro da representação democrática e tudo por causa de Hong Kong.

Sim, Hong Kong tem sido o atraso de vida na senda para a democracia. Senão vejamos. Quando as manifestações começaram em 2014, era suposto existir um sufrágio universal em 2017. As manifestações, que na realidade se estenderam até 2016, impediram a sua realização. Onde é que já se viu gente que diz querer democracia impedir um acto eleitoral, ainda que imperfeito?

Em Hong Kong, pois claro. Ora se tivesse acontecido em 2017 em HK, provavelmente teríamos votado este ano em Macau. Assim, nada, nicles, niente. Ficámos a ver os barcos a passar, que é como quem diz os tais activistas a remeterem para as calendas quaisquer possibilidades de entendimento que aprofunde a democracia nas duas regiões. Eles perderam e nós também. Como se sabe muito bem nos países onde existem actos eleitorais normais (quais são?), o avanço para a democracia é um processo de sucessivas conquistas, de permanentes novas realizações.

Passa também por um melhor acesso à educação, por exemplo. Passa por garantir o voto a todos os cidadãos (os negros só votaram plenamente nos EUA em 1968, por exemplo), passa por muitas outras coisas. É um processo, não um estado. E hoje, no século XXI, usar a violência é claramente um passo atrás nesse processo. E o pior é que a democracia é de tal modo um processo que nos países europeus, onde era suposto estar implantada, assistimos todos os dias à sua decadência.

22 Nov 2019

Democracias há muitas

[dropcap]A[/dropcap] questão da democracia tem muito que se lhe diga, é certo, mas é muito mais importante é o que se faz. Um exemplo que vem de dois países europeus com posturas radicalmente diferentes perante o mundo.

O primeiro é Portugal que, mal conseguiu implantar um regime democrático, teve como preocupação central acabar com as colónias, na medida em que a sua existência repugnava aos nossos dirigentes. Demos imediatamente a independência a todas chamadas províncias ultramarinas, se calhar nem sempre respeitando os “timings” correctos, mas a verdade é que fomos dignos de usar o nome de “democratas”.

Já a Inglaterra, que é suposto ser uma democracia há muito mais tempo, agarrou-se o mais possível às suas possessões ultramarinas e criou sempre problemas de modo a dizer-se que depois da sua saída (geralmente forçada) era o caos. De forma iníqua, pois os ingleses sempre acreditaram firmemente na sua superioridade em relação a “brancos” e, sobretudo, “não brancos”, quiseram sempre manter as relações coloniais com os que consideravam súbditos ( e não cidadãos, tanto que nunca outorgaram cidadania aos colonizados) da sua esclerosada rainha.

Daí também que Macau nada tenha a ver com Hong Kong e que por aqui reine há muito tempo o princípio “um país, dois sistemas” e é de tal forma bem sucedido que ninguém (ou quase) dá por ele. Há que afastarmo-nos das influências perniciosas da ex-colónia britânica se aqui queremos sobreviver como comunidade. Tal qual fazemos há cinco séculos, muito antes dos ingleses saberem que a China existia.

20 Nov 2019

A razão de Chan

[dropcap]A[/dropcap] secretária para a Administração e Justiça Sónia Chan disse esta semana que para existir democracia não é necessário um sistema de voto universal. “Claro que um voto por pessoa é uma forma democrática, mas não é a última.” E, certamente, também não é a primeira.

Ao longo da História, os regimes “democráticos” conheceram várias formas e diversos modos de excluir das decisões parte significativa das populações que os constituíam.

A começar pela Grécia Clássica, dito berço do conceito, onde apenas uma parte reduzida do povo, os considerados cidadãos, era considerada digna de manifestar a sua opinião e, eventualmente, liderar a cidade. Escravos, camponeses, comerciantes (as principais classes produtivas) e todas as mulheres estavam sujeitos às decisões da democrática ágora sem que tivessem qualquer voto na matéria.

Saltando no tempo e na geografia, para os EUA, exemplo recorrente e paradigmático de democracia ocidental, assistimos a uma progressão significativa no sentido de estender a toda a gente o direito de voto. A democracia americana coexistiu com a escravatura, a segregação racial e a misogenia. A população afro-americana só teve plenamente direito ao voto, na exemplar democracia estadunidense, a partir de 1968! Mas o mais importante não é tanto a extensão dos direitos mas concluir que existe um movimento nesse sentido. O que, de facto, os EUA apresentam e fazem assim crer na possiblidade de um melhoramento democrático.

Contudo, a resolução das suas contradições internas não foi propriamente conseguida nas urnas. O fim da escravatura não foi votada: ocorreu nos campos de batalha. O fim da segregação institucional dos chamados “negros” não aconteceu nas urnas como decisão popular, mas depois de numerosas marchas, protestos, manifestações, enfim uma luta constante e longínqua de qualquer acto eleitoral. Ou seja, as eleições não teriam sido suficientes para institucionalizar um regime realmente democrático.

A História ensina-nos ser muito difícil retirar a qualquer povo um direito anteriormente adquirido e, neste sentido, foram muito estúpidos os ditos democratas de Hong Kong quando rejeitaram o sufrágio universal, apesar de condicionado. Nunca ninguém deu nada de mão-beijada a povo nenhum. Os senhores do poder só muito relutantemente abrem mão das suas alcavalas. A democracia conquista-se, é um caminho que se percorre; não uma terra abençoada que se encontra, feita e pronta a habitar.

Um dos critérios mais importantes em terreno de democracia eleitoral é a capacidade cívica de um povo para escolher os seus governantes. Para que tal aconteça, é fundamental um investimento na educação — que deve ser geral, gratuita e obrigatória — de modo a criar cidadãos conscientes e capazes de escolher os seus representantes, de acordo com as propostas ideológicas apresentadas. Um dos principais truques dos regimes capitalistas ocidentais, de faceta neo-liberal, passa por diminuir o grau de educação dos povos, sabendo-os assim mais fáceis de manipular nas urnas, através de avalanches comunicacionais, nas quais é actualmente difícil distinguir o verdadeiro do falso. Isto passa-se no Brasil, nos EUA e em Inglaterra, sobretudo. É por isso que estes países conseguem eleger para os liderar pessoas como Bolsonaro, Trump ou Boris Johnson, cujo perfil repugna a qualquer democrata esclarecido. Apesar da propaganda, não é fácil a um defensor da democracia encontrar satisfeitos nos referidos países os seis critérios formulados por Norberto Bobbio para a existência de uma plena democracia.

Quanto a Macau, na minha opinião, já variadíssimas vezes reiterada, o governo não deve ser eleito por um sistema semelhante às democracias ocidentais, na medida em que esta região depende economicamente de uma só indústria (o Jogo), algo que vicia à partida o jogo democrático. As experiências eleitorais aqui realizadas fazem-nos antever o perigo de “corrupção eleitoral”, “compra de votos”, “votos étnicos” e outros problemas “infantis” da democracia, que levariam ao poder pessoas realmente indesejáveis.

Macau gera demasiado dinheiro para que esse fluxo possa ser deixado à mercê de quem o produz (a saber, os casinos) e de quem sateliza a vida à sua volta. Com efeito, a população está habituada a fazer chegar as suas preocupações através de representantes próximos (de bairro) e trata-se mais de surgir gente genuinamente interessada no bem-estar da população, gente essa que não será encontrada nas urnas.

Neste sentido, tem razão Sónia Chan: a democracia eleitoral não é a última forma de evolução democrática; a História não acabou ontem. Convinha era que na RAEM os governantes governassem com exemplar virtude, tendo em conta os interesses do povo e do futuro da região e não da oligarquia de interesses que até hoje têm alegremente servido.

9 Ago 2019

Lei Básica | Sónia Chan defende que democracia pode existir sem sufrágio universal

A secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, defendeu ontem que não é necessário sufrágio universal para se considerar um sistema democrático e que o avanço de Macau para uma mudança de sistema político não depende do Chefe do Executivo. A governante respondia a Au Kam San que defendeu a necessidade de intervenção do Chefe do Executivo para o desenvolvimento democrático de Macau

 

[dropcap]O[/dropcap] sistema político local é o mais adequado e reúne o consenso da sociedade. A ideia foi defendida ontem pela secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, na sessão plenária de respostas a interpelações. “O actual sistema está de acordo com a realidade. Em 2012, tivemos um amplo consenso na sociedade”, justificou a governante referindo-se à reforma que aumentou de 300 para 400 os membros do colégio eleitoral responsável pela eleição do Chefe do Executivo. Chan respondia a Au Kam San que interpelou o Governo no sentido de apressar a mudança de sistema político.

Mas, de acordo com Sónia Chan, para existir democracia não é necessário um sistema de voto universal. “Claro que um voto por pessoa é uma forma democrática, mas não é a ultima”, apontou.

Já o deputado Chan Wa Keong sublinhou que Macau já é uma democracia. “O nosso sistema é um sistema democrático” e o mais importante é saber qual o regime mais adequado pelo que “quando a sociedade tem dúvidas em relação à democracia, isso pouco ou nada afecta a sociedade. Por isso, temos que ter muita cautela”, porque “os últimos anos demonstram que o sistema em vigor tem sido o mais favorável ao desenvolvimento económico do território”.

Chan Wa Keong acrescentou ainda que “há uma norma a definir a orientação na Lei Básica para que se caminhe para a eleição universal”, mas questiona se essa será a melhor opção. “Se queremos ter um desenvolvimento acelerado optaria por uma democratização da política em sacrifício da nossa economia?”, questionou.

Segundo o tribuno ainda é “cedo” para se caminhar no sentido do sufrágio universal. Por outro lado, o deputado entende que a população não deseja essa alteração de sistema político. “Em Macau não há essa solicitação ou um consenso mais ou menos solidificado para a reforma política”.

“Concordo com o deputado. Temos de ter consenso”, apontou Sónia Chan sobre a intervenção de Chan Wa Keong. Sónia Chan avançou ainda que não é possível saber qual o melhor sistema político. “Há vários tipos de sistemas políticos no mundo, e não podemos dizer qual é o melhor – o mais importante é que esteja de acordo com o desenvolvimento do local onde se aplica”, referiu.

Dependência materna

Por outro lado, e apesar da democratização do sistema local estar prevista na Lei Básica, o avanço para esta meta não depende do Chefe do Executivo, afirmou Sónia Chan.

“O Governo da RAEM é subordinado ao Governo Central e com um elevado grau de autonomia – isto está na lei básica. O Governo da RAEM não pode alterar o sistema político, o desenvolvimento do nosso sistema e as nossas decisões estão de acordo com o Governo Central”, acrescentou a secretária, afirmando que “este é o princípio elementar de ‘Um País, Dois Sistemas’”.

O deputado pro-democrata Ng Kuok Cheong discordou de Sónia Chan e defendeu que “cabe ao Chefe do Executivo dar o primeiro passo para a reforma política”.

Quanto à altura para o fazer, o momento actual parece o mais adequado. “De facto, estamos numa situação bastante boa”, disse Ng. Acresce ainda o facto de a figura de Chui Sai On enquanto Chefe do Executivo não estar nos seus melhores dias, consequência de não ter sido uma escolha de todos. “Em termos de desempenho, o nosso dirigente está muito aquém das expectativas da população e em termos de reconhecimento também tem um nível muito baixo”, referiu Ng.

7 Ago 2019

Relatório | Hong Kong considerada “autocracia fechada” com declínio democrático

O terceiro relatório do V-Dem Institute, divulgado este domingo, é demolidor para o panorama político de Hong Kong. O território é classificado como uma “autocracia fechada” e caiu no índice de democracia liberal entre 2008 e 2018. Quanto à China, está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte, que ocupa o fundo do índice. A China é também acusada de perturbar a democracia em Taiwan com a difusão de informação falsas

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo de Carrie Lam leva nota negativa no terceiro e mais recente relatório do V-Dem Institute, um think-tank sediado no departamento de ciência política da Universidade de Gotemburg, na Suécia, e que tem como objectivo medir os níveis de democracia em todo o mundo. Os resultados relativos a 2018 não são animadores para o território vizinho: em dez anos, ou seja, entre 2008 e 2018, Hong Kong piorou a posição no ranking de democracias liberais e mereceu a classificação de “autocracia fechada”. O documento, que tem como título “Democracy facing global challenges (Democracia enfrenta desafios globais), dá a posição 107 a Hong Kong, enquanto a Coreia do Norte ocupa o último lugar da lista, com 179 pontos.

A região vizinha também leva nota negativa no que diz respeito à exclusão por grupos socioeconómicos, algo que, de acordo com os autores do estudo, “está relacionado com baixos níveis democráticos”. Neste sentido, o estudo revela que a RAEHK enfrenta um problema sério de elevada exclusão destes grupos.

A China está também classificada como uma “autocracia fechada”, tendo piorado, em dez anos, a sua posição no índice de democracias liberais. Ao longo de uma década, o país hoje liderado por Xi Jinping está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte. Em termos de confiança no regime político, e dentro do grupo de países com confiança na ordem dos dez por cento no índice da democracia liberal, a China está no fundo da lista, ao lado de países como a Coreia do Norte, Laos, Arábia Saudita e Camboja.

Além disso, a China é também criticada pelos autores do estudo como um dos países que mais informação falsa espalha, com Taiwan como principal alvo. “A China tem vindo de forma activa a espalhar falsas e erradas informações no estrangeiro, tendo Taiwan como um dos seus principais alvos. Ao fazer circular informação errada nas redes sociais e investindo em meios de comunicação taiwaneses, a China procura interferir nas políticas internas e engendrar uma unificação completa.”

O relatório revela que os observadores “reportaram muitos exemplos de campanhas de desinformação por parte da China”, uma vez que o país “providencia fundos para que os media adoptem uma linha mais pró-Pequim nos seus trabalhos jornalísticos”.

Os investigadores chegaram a essa conclusão quando observaram que “a maior parte dos meios de comunicação social de Taiwan providencia diferentes apresentações dos mesmos eventos”.

“Uma vez que os taiwaneses consomem bastante informação online, a estratégia de desinformação chinesa acaba por resultar numa fracturação da informação online, o que tem um impacto negativo na democracia de Taiwan”, lê-se ainda.

Nesse sentido, Taiwan surge ao lado da Letónia como “os dois países com piores pontuações” ao nível da difusão de falsa informação por países estrangeiros, sendo que ambos os países são considerados pelo V-Dem Institute democracias liberais.

“Pouca abertura” no Myanmar

Um olhar sobre o panorama político em alguns países do sudeste asiático permite concluir que a situação também piorou nos últimos dez anos em, pelo menos, sete regimes autocráticos. A Tailândia transformou-se mesmo numa autocracia fechada, desde que uma Junta Militar tomou o poder, lembra o relatório.

Neste âmbito, em dez anos, a Tailândia registou uma “substancial ou significativa” redução da liberdade de associação, de expressão e da igualdade perante a lei. No Myanmar, onde recentemente foram presos dois jornalistas da Reuters por escreverem sobre a perseguição movida aos Rohingya, houve apenas uma “frágil melhoria” ao nível de eleições limpas, liberdade de associação e de expressão, polarização da sociedade.

O relatório dá ainda conta que, no Myanmar, “os grupos que estão alinhados com o antigo regime, tal como os militares, continuam a exercer uma influência importante”, tendo em conta que grupos sociais minoritários, como os Rohingya, “estão sujeitos a uma repressão sistemática”.

No país, em geral, “a abertura (do sistema político) tem sido limitada”, escrevem os autores.
Também as Filipinas integram o grupo dos países em risco de terem uma pior democracia nos próximos anos, uma vez que ocupam um pior nível nas previsões para 2019/2020 face ao ano de 2017/2018.

É também referido o caso do Sri Lanka, onde se registou “um processo eleitoral democraticamente pobre, o que desafiou novamente o progresso democrático” do país. “No Sri Lanka, a transição para a democracia renasceu com a surpreendente vitória eleitoral de Sirisena sobre o veterano líder Rajapaksa, em Janeiro de 2015, e muitos aspectos democráticos registaram melhorias.”

O relatório apresenta como exemplos o facto de “o sistema judicial ter comprovado a sua independência”, embora “muitos outros aspectos se mantenham frágeis, como a liberdade de imprensa e questões igualitárias”.

A Índia, que sempre foi considerado um país exemplar ao nível da participação cívica, e que neste estudo consta no grupo da erosão das democracias liberais, registou “substancial e significativa redução da liberdade de expressão, da polarização da sociedade e populistas no poder”.

Na Índia, bem como na Bulgária e Brasil, houve “ataques ao pluralismo dos media, à liberdade cultural e académica e substancial polarização da sociedade, que em pontos chave está mesmo a piorar”. Nestes três países “está a tornar-se cada vez mais perigoso ser jornalista, como mostram os indicadores deste relatório e também do relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, tendo em conta o número de jornalistas que morreram”. Na Índia, o Governo liderado por Narendra Modi “usa leis ligadas à sedição, difamação e ataques terroristas para silenciar as críticas”.

Além de fazer referência à situação política no Brasil, depois do impeachment à presidente Dilma Rousseff, em 2016, e à vitória de Jair Bolsonaro, o relatório do V-Dem Institute dá também conta da degradação democrática nos Estados Unidos. No país, “o presidente Trump ataca constantemente a oposição bem como os media, e parece estar empenhado em reduzir as liberdades civis e a supervisão das instituições, tal como os tribunais e o parlamento”. Ainda assim, “as instituições americanas parecem estar a resistir a estas tentativas a um nível significativo”, tendo em conta a vitória dos democratas nas eleições intercalares no ano passado, que levaram a um reforço do poder parlamentar para travar determinadas medidas do Executivo de Trump, republicano.

O V-Dem Institute declara que “continua a tendência de autocratização (no mundo), embora os níveis globais de democracia não estejam em queda livre”. Um total de 24 países “estão agora a ser severamente afectados pelo que se pode chamar de uma ‘terceira onda de autocratização’, onde se incluem países já referidos acima, como é o caso do Brasil, Índia e Estados Unidos, sem esquecer alguns países da Europa de Leste, como é o caso da Bulgária, Hungria e Polónia, entre outros.

9 Jul 2019

Sufrágio Universal | Sónia Chan justifica-se com novos membros do IAM

[dropcap]S[/dropcap]ulu Sou, Au Kam San e Ng Kuok Cheong, os três deputados do hemiciclo do campo pró-democrata, questionaram ontem a secretária para a Administração e Justiça sobre a falta de referência do desenvolvimento democrático no relatório das LAG. Sónia Chan justificou-se com a introdução dos dois novos membros na comissão eleitoral do Chefe do Executivo, oriundos do futuro Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), além de ter falado das alterações já feitas às leis eleitorais.

“O Governo presta muita atenção aos elementos democráticos do sistema político”, começou por dizer. “Na alteração da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa reforçámos o combate à ilegalidade nas campanhas eleitorais, o que correspondeu aos princípios da transparência pedidos pela população. O IAM vai ter dois membros que vão integrar a comissão eleitoral. No futuro vamos continuar a fazer estudos e a ouvir a sociedade para aperfeiçoamento do sistema político”, rematou.

Au Kam San questionou mesmo se a eleição do Chefe do Executivo por uma comissão eleitoral de 400 pessoas irá manter-se para sempre. “Não houve nenhum avanço democrático com essa alteração. A eleição num pequeno círculo vai ser permanente? Temos de pensar nesta questão”, frisou o deputado.

23 Nov 2018

O monstro do id

[dropcap]M[/dropcap]onstros não têm faltado ao cinema, abundantes em forma e proveniência, quase sempre barulhentos e escamudos, mas todos alardeando um incorrigível mau-feitio, dedicados a escangalhar a vida à humanidade. Quase nunca dão explicações acerca dos motivos da sua grande arrelia e, na verdade, nem é preciso: basta serem monstruosos para ficarmos esclarecidos quanto ao mal que aí vem.

Deste vasto bestiário uma galeria de celebridades incrustou-se no imaginário popular contemporâneo como ícones das nossas piores e recônditas inseguranças. Contudo uma das criaturas malévolas mais tenebrosas, e sobretudo surpreendentes, está hoje infelizmente um tanto esquecida. Talvez uma certa particularidade do “monstro do Id” dificulte recordá-lo: era invisível.

Pode-se especular que essa invisibilidade foi um belo truque da MGM, relutante em gastar demasiado dinheiro nos efeitos especiais. Para mais, sendo evidente a incipiência e a inverosimilhança da figuração dos monstros naqueles anos 50 – a tecnologia coeva não dava para mais – a MGM não desejava que a inaptidão dos recursos técnicos contrariasse a chancela de qualidade que imprimia em todas as obras saídas dos seus estúdios.

Do “monstro do Id” temos direito a ver por instantes tão só uma silhueta eléctrica, já perto do final de “Planeta proibido” o filme de 1954 em que ele (não) aparece. É por volta desse momento que a verdade nos é revelada. O bicho-papão descontrolado, implacável e autónomo que tinha vindo a dizimar a tripulação da nave espacial é fruto dos terrores inconscientes do Dr. Morbius, o guardião do planeta e pai da virginal Altaira por quem os garbosos astronautas ficaram pelo beiço. Incapaz de reprimir a sua involuntária e insubmissa criação Morbius acabará por entender que só morrendo o avatar será eliminado.

A ideia de um monstro criado e nutrido pelos nossos piores sentimentos, doutro modo ciosamente coibidos pelo ferrolho do sub-consciente, é um adorável achado. Mas sumamente arguto é preconizar que tarde de mais consigamos perceber sermos nós próprios a fonte de alimentação da energia maléfica, de tão iludidos que estamos pelo narcisismo da nossa consciência. Retardar esta descoberta inflige no espectador um sentimento de culpa – sem darmos conta todos calamos um “monstro do Id” à espera de algum proveito se recorta e guarda dos filmes que sirva para nos orientarmos.

Dispensada a sarja freudiana, que não passa de má literatura, que eloquente metonímia é este “monstro do Id” se o empregarmos na compreensão de certas aventesmas políticas a emergirem por todo o lado. A última delas esse desalumiado, e tudo indica que também desalmado, capitão Bolsonaro.

A democracia liberal atravessa um mau momento.

Cresce e já não se retrai o pressentimento de ser ela incapaz de corresponder aos anseios dos cidadãos, acumulando promessas falhadas, disfunções orgânicas e, sobretudo uma inquietante incapacidade para dar respostas a problemas sentidos e cada vez mais prementes. Inquietante porque os protagonistas da democracia liberal, aquelas que a governam, aparentam uma completa alienação em face deste maus augúrios.

Acomodaram-se às rotinas administrativas, aos processos e soluções do costume, por mais ineficazes e estéreis que se tenham demonstrado e afadigam-se em malabarismos eleitorais para captarem um voto crescentemente céptico e funcional (há quantos sufrágios andamos a votar “útil”?)

Se os políticos nem sequer percebem que há um problema, como poderiam resolvê-lo?

E não percebem porque estão formatados para desperceber. Paulatinamente vão divergindo as competências necessárias à querela política das competências da governação. O Estado foi governamentalizado, ou seja, foi sequestrado e instrumentalizado pelos profissionais da política que fazem carreira nos partidos para através dos governos ocuparem o aparelho estatal. Nesta circularidade – como ratos na roda – procedem como uma corporação que, conforme ao género, cuida desveladamente das suas conveniências como parte interessada.

Agora Bolsonaro, mas antes Trump, Le Pen e demais réplicas, são cabeças de uma mesma Hidra, gerada e cevada, larvar e latente no interior da democracia liberal, que irrompem como repelentes monstros do seu Id. Ansiosamente se deseja que a ela não caiba sorte igual à do Dr. Morbius que foi a de ter que morrer para os matar.

19 Out 2018

Modesta proposta política

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap] chega de bordados metafísicos, vamos à política.

O senador Bernie Sanders, dos EUA, publicou um manifesto, no The Guardian. O objectivo é barrar a ascensão do eixo autoritário no planeta. Diz Sanders que os novos populistas compartilham ideais comuns como “a hostilidade às normas democráticas, antagonismo em relação à liberdade de imprensa, intolerância em relação às minorias étnicas e religiosas e a crença de que o governo deve beneficiar a si próprio e a interesses financeiros egoístas.” E contrapõe: “É hora de os democratas de todo o mundo, diz o Manifesto, formarem uma Internacional Progressista”.

Então, terá de meter-se em questão a orgânica do sistema que permitiu a “profissionalização da política” e tornou a corrupção endémica.

Há duas ideias fulcrais nos ensaios de Vladimir Safatle. A primeira: “O líder democrático é aquele que nos ensina como a contingência pode habitar o cerne do poder.” A segunda: “(…) devemos insistir em que a esquerda não pode permitir que desapareça do horizonte da acção uma exigência profunda de modernização política que vise à reforma, não apenas de instituições, mas do processo decisório e de partilha do poder. Ela não pode ser indiferente àqueles que exigem a criatividade política em direcção a uma democracia real”.

A Esquerda tem sido indiferente, e isto não é inocente: é por compromisso.

Hoje confundimos solicitações do mercado com informação e progresso com poder de consumo. Tudo nos fascina no consumo, sobretudo o aparato tecnológico. Até o Derrida acreditava na transformação tecnológica como um dos factores de aceleração política.

Talvez, mas há um lado de sombra, inescamoteável, na tecnologia e antes que os algoritmos contornem a confiabilidade no eixo da política democrática, urge repensar o sistema democrático.

É esta a modesta proposta, que reedito, porque não foi lida nem discutida.

Talvez não seja digna de Swift, mas de criados e mordomos da política estamos fartos:

1. A detenção do poder será sempre contingente e rotativa. Cada movimento político ou instituição partidária terá direito a dois mandatos (três anos x dois) seguidos, embora de três em três anos haja eleições e um referendo;

2. Pelo referendo afere-se a confiança no governo e se o executivo necessita de mudança. Não é vinculativo mas corresponde a um cartão verde, amarelo ou vermelho.

3. Nas eleições, mediante a apresentação e discussão de programas (mais importantes neste caso do que quem personifica as ideias) apura-se quem terá o direito a ser oposição na legislatura seguinte;

4. Cada Partido deverá apresentar nas suas listas 30 % de independentes;

5. Quem ganhe o direito a ser oposição (o que implicaria um reforço qualitativo do trabalho dos partidos) subirá automaticamente ao poder daí a três anos, após o fim do mandato do poder cessante.

6. O parlamento nacional deve ser reduzido e funcionar, na prática, como um Conselho do Estado alargado.

7. Cada país organiza-se em regiões com os respectivos parlamentos. Este parlamento regional é composto por elementos dos partidos, mas reserva-se um terço dos lugares do hemiciclo a elementos espontâneos, ou representantes de outros movimentos e sensibilidades sociais, que queiram participar directamente na identificação dos problemas e na defesa dos interesses das suas regiões (- de modo a reflectir-se a ideia de que há questões que são indelegáveis);

8. O voto é obrigatório.

9. Emanará dos Parlamentos regionais a maioria dos pacotes legislativos, que serão regulamentados no Parlamento Nacional, tendo o Governo meras tarefas executivas, ou de regulação, dado poderem surgir conflitos de interesse entre regiões;

11. Cabe inteiramente ao Governo a orientação das políticas de caráter político-internacionais; estando, no entanto, as decisões mais graves sujeitas a referendo;

12. Sem burguesia não há democracia. Fala-se de uma burguesia ilustrada e produtiva. Pelo que, de força a garantir-se que o empenho sobre a qualidade técnica da educação seja maior do que a sua feição ideológica, cabe, por inerência ao partido da oposição a administração de duas pastas: o sector de Educação (será obrigatória desde a Primária a disciplina de Filosofia para Crianças) e o Ministério do Património Intangível. O que deve ser acompanhado de um pacto de regime que assegure um orçamento confortável para esses dois ministérios.

12. Não são permitidas as organizações de Juventude dos Partidos;

13. Será interdita a entrada na política activa aos cidadãos com menos de trinta anos e tal só poderá acontecer depois de dez anos de vida profissional activa e de se demonstrar que se atingiu certos patamares de competência ou o pleno da autonomia sócio-profissional;

14. Ninguém poderá estar no palanque da política activa mais do que um período de dez anos; podendo, a partir de então pode unicamente participar no concerto das opiniões, ou fazer parte de movimentos cívicos, mas sem ocupar lugares públicos;

15. Quem quiser entrar para a política activa terá de cumprir um ano em regime de voluntariado em qualquer parte do mundo;

16. O regime das tabelas salariais não pode, em todas as empresas, apresentar mais do que uma disparidade de um para cinco;

17. Dado que vivemos num mundo de recursos finitos e pós-mitos-do-progresso, onde até por ecologia política se deverá impor uma redistribuição as riquezas, a riqueza individual será permitida mas dentro do quadro de uma espécie de «economia-bonsai»; a partir de determinado nível a riqueza reverterá para a comunidade.

Restaurará este modelo um equilíbrio entre Democracia e Participação Cívica, fazendo da dignidade da política um exercício menos dúbio e amortecendo as atracções pelos engodos do Poder?  Talvez pelo menos iniba as profissionalizações na política.

Muito para além da “arte do possível”, creio antes que só o impossível é desejável e acontece. Só o impossível tempera a dignidade do homem. É preciso desejar o impossível para que algo aconteça e a política passe a ser um exercício laico e não uma actividade dependente de uma predatória lógica religiosa.

Consciente de que atirei o barro a uma parede que prefere o silêncio, passemos agora à sala e falemos de literatura.

27 Set 2018

Entrevista | António Sampaio da Nóvoa, Embaixador de Portugal na UNESCO

[dropcap style =’circle’] A [/dropcap] ntónio Sampaio da Nóvoa, ex-reitor da Universidade de Lisboa e candidato à Presidência da República Portuguesa em 2016, acredita na liberdade, alerta para o bom uso da informação na era digital e antevê um novo conceito de democracia para o séc. XXI. O embaixador de Portugal na UNESCO recebeu ontem o título de professor honorário do Instituto Politécnico de Macau

Amanhã comemora-se mais um aniversário do 25 de Abril. Esteve envolvido nas lutas políticas da altura. Como é que vê Abril 44 anos depois? 

Todos nós, que nos dizemos pessoas de Abril, e eu sou uma dessas pessoas até porque sinto que nasci para a vida no 25 de Abril, somos uma geração que tinha uma dimensão utópica muito grande. Ao ter esta dimensão, estamos sempre a achar que não se cumpriu Abril. Mas, tirando essa dimensão, se objectivamente olharmos para o que foram estes 44 anos, acho que só podemos estar contentes. Foram 44 anos com  muitos problemas, com muitas dificuldades, com muitos avanços e recuos. Os últimos cinco anos, sobretudo com a crise, foram anos horríveis, mas Portugal é um país com uma democracia estabilizada, é um país do qual todos nos podemos orgulhar. Vejo Abril com um balanço extraordinário. Acho que Portugal nunca teve na sua história 44 anos seguidos de democracia estabilizada, com regras e onde há liberdade. Mas há ainda coisas que não gostamos no país. Há duas que me deixam sempre muito desgostoso. Uma é as desigualdades. Portugal continua a ser o país da Europa com maiores desigualdades sociais, o que quer dizer que ainda temos uma parte da população com níveis de pobreza muito grandes. 44 anos depois de Abril, custa que não sejamos um país mais igual, que não estivéssemos como já estamos na área da educação ou na ciência, na metade de cima da Europa.  A segunda coisa que me deixa ainda com um sabor muito amargo são os níveis de corrupção que ainda existem na sociedade portuguesa. Percebe-se que estão ainda instalados jogos de interesses, de influencias entre zonas do poder político, do poder económico, etc. Não é aceitável num país com os níveis de educação e de cultura como os que nós já temos, se continue a assistir a estas coisa com banqueiros e políticos. São estas as duas coisas que me custam mais ver que não existem depois de Abril. Gostava que tivéssemos feito muito mais, que a nossa economia fosse mais produtiva, que as nossas instituições tivessem menos burocracias que a nossa educação fosse melhor, mas sinto-me, apesar de tudo, satisfeito. Valeram muito a pena estes 44 anos.

 

A questão da desigualdade foi um dos aspectos que focou em especial na sua candidatura à presidência da república. O que pode ser feito?

Acho que há duas respostas para isso. Não há forma de desenvolver um país se não houver capacidade de produção de riqueza. Portugal precisa de ter, do ponto de vista económico, uma capacidade e desenvolvimento e de produção que  não tem tido. Falamos hoje muito da revolução digital, da economia 4.0 e Portugal tem estado, felizmente, a captar alguma capacidade nessa área mas isso não resolve o problema de não ter uma capacidade instalada de produção do tecido económico. Com a adesão à União Europeia, nós caímos numa ilusão. A ilusão de que podíamos abdicar das pescas, da agricultura e de muita indústria porque estaríamos debaixo de uma espécie de protector. O que percebemos com a crise, é que não há protecção nenhuma. Nós, e citando um poeta português “ou nos salvamos a nós, ou ninguém nos salva”. A única maneira de combater tem que ver com o facto de que o problema dos pobres não é a pobreza, é o poder, é não terem autonomia, não terem poder para sair da pobreza. Isto quer dizer que nós não resolvemos o problema das desigualdades se não reforçarmos a capacidade das pessoas que são mais frágeis, pela educação, pela cultura, pela capacidade de criarem empregos. É preciso trabalhar nas duas áreas, é preciso trabalhar no desenvolvimento e produção de riqueza, mas ao mesmo tempo, é preciso trabalhar nesta capacidade de dar autonomia e poder às pessoas.

 

Quais são os maiores desafios da educação neste momento? 

Vou dar o exemplo de Portugal, mas pode ser aplicado a outros países. Julgo que temos dois problemas neste momento. Metaforicamente, diria que temos de acabar o Séc. XX e de entrar no Séc. XXI. Na educação do séc. XXI, a escola vai mudar de forma e de molde. As nossa crianças agora aprendem a trabalhar uns com os outros, a fazer projectos, cooperando com os outros colegas, etc.

 

A revolução digital também traz com ela uma série de informação, nem todo ela boa.

Em primeiro lugar, e tendo em conta a educação, uma das nossas grandes surpresas no sentido negativo é que achávamos todos que a internet e o mundo digital iam ser uma espécie de uma janela para o mundo inteiro. O problema é que nesta janela acabou por estar muita coisa, coisas de mais até. Acabamos por utilizar a internet para nos relacionarmos com aqueles que pensam como nós, ou seja em vez de ser um lugar onde nos relacionamos com todos é um lugar onde se reforçam, para efeitos de segurança, as nossa crenças, os nossos preconceitos, as coisas em que já acreditamos ou em queremos acreditar, como as teorias da conspiração e outras coisas absurdas que não têm nenhuma relação com a realidade, nem com a ciência. Isto está a trazer uma fragmentação nas sociedades contemporâneas brutal. Por isso tenho vindo a insistir muito na área da educação em que a escola tem de ser um lugar em que aprendemos a viver em comum, uns com os outros, o comum no sentido da diferença. Temos de aprender a dialogar e a perceber o ponto de vista do outro em vez de reforçamos crenças. Este é um problema que tem de ser debatido. Por outro lado, outro aspecto que o António Guterres expos notavelmente no seu discurso quando recebeu o doutoramento honoris causa na Universidade de Lisboa foi que é muito possível que a terceira guerra mundial não vá começar por nenhum ataque nuclear. Vai começar por ataques informáticos e pela sua produção sistematizada de notícias e acontecimentos falsos e nós não estamos preparados para isso. Não estamos preparados para esta explosão digital e para o poder dos chamados GAFAM – Google, Aple, Facebook, Amazona e Microsoft, que hoje em dia são o grande poder no mundo.

 

Falou, após a cerimónia em que foi condecorado com o titulo de professor honorário do IPM, que a UNESCO deveria ter um papel relevante na democratização da ciência. Como?

No caso da ciência há duas orientações que hoje são absolutamente centrais. Uma é saber como é que a ciência se pode transformar em cultura científica democratizada e acessível a todos. Outro dos grandes debates que está pela nossa frente é o conceito de ciência aberta. Isto quer dizer que temos hoje um fenómeno extraordinário: os países investem milhões na ciência e quem dá este dinheiro somos nós, os cidadãos, mas depois o produto da investigação é fechado. Vai para revistas que não estão em acesso livre. O mesmo se diga das patentes: o público pagou fortunas para se conseguirem desenvolver vacinas, para se conseguir desenvolver um medicamento mas isso depois vai para os grande laboratórios privados. Porque é que o dinheiro que foi objecto de um investimento publico é depois de capturado por interesses diversos? A União Europeia já deu um sinal muito forte neste aspecto e disse que, a partir de 2020, a não ser que haja razões muito concretas para que não esteja em acesso livre, todas as investigações obtidas com fundos europeus têm de estar em plataformas de acesso livre, o que é um passo imenso. A UNESCO pode ter um papel impressionante, porque é uma organização internacional que não tem associados interesses na sua matriz universalistas e humanista.

 

Como é que vê o crescente interesse da China na língua portuguesa?

O interesse da China pela língua portuguesa é uma coisa muito clara. Lembro-me em particular um encontro muito importante, quando era reitor da Universidade de Lisboa, em 2007, com o vice ministro da educação da China e ele disse-me que gostava que num período de dez anos houvesse pelo menos 40 universidades chinesas a ensinar português. Na altura, essa possibilidade parecia difícil de realizar porque havia muito poucas. Hoje, o presidente do IPM já me disse que há 40 universidades a faze-lo. Nessa altura, já o presidente do IPM e outras pessoas de Macau eram os elementos de ligação. Eu não teria chegado a Pequim se não tivesse passado por aqui. Esta foi a porta de entrada e facilitou imenso todo o trabalho que se fez a partir daí. Penso que neste sentido, no ensino da língua portuguesa, Macau também está a cumprir esta vocação de porta de entrada, da plataforma giratória com a China.

 

E relativamente a Portugal?

Portugal não tem tido uma política muito consistente de promoção da língua portuguesa. Temos uns discursos retóricos de vez em quando e umas saídas literárias que ficam sempre bem. Acho que estamos numa situação em que podemos ainda fazer muito pela língua portuguesa. Durante a minha campanha dizia que há duas coisas que são os nossos grandes baluartes e que nos distinguem de todos os outros: a língua e o mar. Na língua e no mar está tudo o que é a nossa história, a nossa posição geográfica mas também tudo o que são as nossas potencialidades no futuro.

 

Vai-se voltar a candidatar à presidência?

Não sei. Nunca tinha estado nos meus planos candidatar-me e aconteceu.

 

Porquê independente?

Porque sempre fui. Nunca estive ligado a nenhum partido. Sempre tive e mostrei um respeito enorme pelos partidos. Não há democracia sem eles, mas a democracia do séc. XXI não se faz só com os partidos.

 

O que é que é preciso para essa democracia?

É preciso participação no espaço público no ponto de vista da deliberação. Provavelmente, grande parte da democracia do séc. XXI vai ter lugar nas cidades e já não vai ter lugar nos países. Provavelmente, vai ser uma democracia mais complexa também e em que é preciso uma consciência individual muito grande que vai nascer no momento em que passarmos da ideia da participação como consulta, para a participação como deliberação. Aí, as pessoas vão se envolver.

 

O que acha do crescente número de grupos extremistas?

Estamos num momento em que parece que andamos todos perdidos com internet, ou com o mundo financeiro, em que não sabemos quem é que manda nisto. Há uma espécie de dificuldade em ler e compreender o mundo que leva a que as pessoas se retraiam em grupos que lhes dão segurança, seja ela mais fundamentalista religiosa, ou política, e isso leva a fenómenos muito perigosos. Se calhar, neste momento, estamos num momento de perigo nas sociedades como há muito não vivíamos. Mas, acima de tudo, precisamos de acreditar na liberdade e só o podemos fazer quando há muita confiança. A confiança precisa de um pensamento racional, da ciência, de um pensamento sensível que olha para os outros. Quero um mundo económico a funcionar com liberdade mas também quero ter a liberdade das pessoas, dos cidadãos, dos costumes. No futuro precisamos de desenvolver todos os mecanismos da liberdade e não é através de práticas de controlo autoritárias que conseguiremos construir esta paz com a Terra. O Edgar Morin falava muito do conceito de Terra Pátria, um conceito muito bonito porque é esta a nossa pátria e para a preservar temos de preservar uma cultura de paz com os outros.

 

24 Abr 2018

Estudo | Relatório do The Economist revela declínio global da democracia

O Índice de Democracia da unidade de pesquisa do The Economist revela que 2017 foi um ano negro para as aspirações democráticas no mundo inteiro. De acordo com o relatório, a Ásia foi das regiões que mais caíram no índice, numa tendência global de ataque à democracia e à liberdade de expressão. Em primeiro lugar do ranking ficou Noruega. O último lugar foi, sem surpresas, para a Coreia do Norte

 

[dropcap style≠’circle’]2[/dropcap]017 foi um ano negro para a democracia, uma asserção que não parece surpreendente se fizermos uma revisão do que se passou no ano passado, mas que ganha substância no Índice de Democracia do jornal The Economist. O relatório divide em quatro categoria os regimes analisados: Democracias completas, democracias com falhas, regimes híbridos e regimes autoritários.

O estudo baseia-se na análise de 60 indicadores que medem o processo eleitoral e o pluralismo, o funcionamento do Governo, a participação política, a cultura democrática e política e as liberdades civis. Logo à partida, o resultado é chocante, nomeadamente por demonstrar que apenas 5 por cento da população mundial vive numa democracia completa. Enquanto que quase um terço do mundo vive sob o jugo de regimes autoritários, com particular destaque para a China neste capítulo. Aliás, no geral, 89 países e territórios viram as suas pontuações descerem, registando a maior queda desde 2010, com os países asiáticos a liderar o declínio.

Não é, portanto, de espantar que nesta parte do globo os únicos países com pontuações que os colocam na categoria das democracias completas são a Austrália e a Nova Zelândia.

A Ásia foi o continente que sofreu o maior declínio em relação a 2016, além de registar a maior discrepância entre países. O bloco asiático obteve 5.63 de pontuação, ficando para trás em relação à América do Norte que atingiu os 8.56, a Europa Ocidental que teve 8.38 e a América Latina com 6.26.

A pontuação obtida pela Ásia em 2017 contraria os avanços registados nos anos anteriores.

“Foi um ano de retrocesso democrático na região e a pior performance desde 2010/2011 no rescaldo da crise económica e financeira global”, explica Duncan Innes-Ker, director da Ásia The Economist Inteligent Unit, a organização responsável pelo estudo. Duncan Innes-Ker salienta “como maiores razões para as tendências de regressão a consolidação do poder de alguns líderes chave da região, a crescente intolerância em relação a minorias e os atropelos à liberdade de expressão”.

As duas maiores democracias emergentes asiáticas, a Índia e a Indonésia, sofreram declínios acentuados nas respectivas pontuações. A Índia caiu da 32ª posição, que ocupava em 2016, para o lugar 42, enquanto a Indonésia desceu do lugar 48 para 68.

Um dos maiores reveses sofridos pelo Estado indonésio, que explicam a queda de 20 lugares no ranking, está relacionado com o município de Jacarta, após a prisão por blasfémia contra o Islão do antigo Governador, Basuki Tjahaja Purnama, um cristão de origem chinesa. O ex-governante foi condenado a uma pena de prisão de dois anos.

China na cauda

A ascensão das ideologias conservadoras e religiosas também afectaram a Índia. O fortalecimento das forças Hindus de direita levou ao aumento do número de melícias e vigilantes e da opressão de comunidades de minorias, em especial muçulmanas, e outras vozes dissidentes.

Cá pela região, Hong Kong caiu três lugares para o lugar 71, num total de 167 jurisdições. Macau não está incluída na lista do The Economist, porém, a pontuação obtida pela região vizinha é um bom indicador comparativo. Na análise de 2017, Hong Kong teve a mesma pontuação que a Namíbia e o Paraguai, ocupando a categoria das democracias com falhas, ficando atrás de territórios como Singapura, Mongólia, Malásia e Sri Lanka.

Neste aspecto é de referir que a China ficou no 139º lugar, entre 167 países e territórios, ocupando a categoria dos regimes autoritários, atrás de países como Zimbabué, Ruanda, Rússia, Cuba, Venezuela Angola, Moçambique e Iraque.

O resultado chinês foi influenciado pela consolidação do poder de Xi Jinping, algo que teve o seu apogeu na inscrição do pensamento do presidente sobre a Nova Era de socialismo de características chinesas na constituição do Partido Comunista Chinês. Além disso, a pontuação chinesa também foi influenciada pela aceleração do estado de vigilância trazido pelas políticas de Pequim no que toca à ciber-segurança e pela perseguição e prisão de activistas dos direitos humanos e líderes religiosos.

Apesar de terem características políticas completamente diferentes, também o Japão e as Filipinas viram os seus líderes consolidarem o poder. O Primeiro-Ministro Shinzo Abe assegurou o quarto mandato à frente dos destinos do Japão, depois de uma vitória esmagadora do seu partido, o Partido Democrático Liberal, que mantém a posição dominante na legislatura.

No que diz respeito às Filipinas, que ocupa o lugar 51, o país desceu a sua pontuação devido à pouco precisa declaração de lei marcial na parte sul de Mindanao e pela actuação autoritária do presidente Rodrigo Duterte.

Imprensa livre

Um dos factores de análise da equipa de investigação do The Economist é a liberdade de imprensa e de expressão. Nesse domínio, a editora do relatório, Joan Hoey, explica que a liberdade de expressão enfrenta uma tripla ameaça. “Tanto nos regimes democráticos como autoritários, o crescimento do uso de processos por difamação, a prevenção do terrorismo e as leis de blasfémia são entraves à liberdade de expressão”.

As ameaças à liberdade de expressão não são oriundas apenas das estruturas de poder político. “Entidades privadas, onde se incluem militantes islâmicos, gangs criminais e interesses instalados usam a intimidação, ameaças, violência e homicídio para limitar o discurso livre. Aqueles que argumentam pelo direito de não se sentirem ofendidos estão a exigir “espaços seguros”, “avisos de ofensas” e leis e regulamentos para trazer o “discurso odioso” nas redes sociais de forma a limpar a vida pública de conteúdos alegadamente ofensivos”, explica a editora.

De acordo com o índice respeitante à liberdade de imprensa, o estudo revela que apenas 30 países, do universo de 167 estudados, estão classificados como “completamente livres”. Esta parcela representa apenas 11 por cento da população mundial. Na categoria de parcialmente livre estão 40 países, onde vive 34,2 por cento da população mundial.

De resto, 97 países do Índice de Liberdade de Imprensa tiveram notas que os colocaram na categoria de “sem liberdade”.

Pilares tremidos

Apesar dos maus resultados, 2017 é um ano que traz alguma esperança, pelo menos no contraste com o ano anterior. De acordo com os autores do relatório, “se 2016 teve uma notável insurgência de populismo contra políticos e partidos mainstream em democracias desenvolvidas na Europa e na América do Norte, 2017 foi marcado pela resposta a este populismo evidente nos movimentos de oposição ao Brexit e à administração Trump”.

No Estados Unidos, o estudo realça a polarização política, que tem vindo a crescer ainda mais desde que Donald Trump ocupa a Casa Branca, intensificando clivagens entre republicanos e democratas em temas como a imigração, economia e políticas ambientais. “As crescentes divisões entre os dois pólos políticos ajudam a explicar o porquê das dificuldades de governação da Administração Trump, apesar de os republicanos controlarem ambas as câmaras do Congresso”, lê-se no relatório.

Face a este cenário não é de estranhar que os Estados Unidos tenham sido classificados como uma democracia com falhas, uma classificação que abrange também a grande maioria dos países europeus como, por exemplo, Portugal, Itália, França, Grécia e Bélgica.

O último classificado na lista de países com democracias completas é a Espanha, que viu o seu lugar posto em causa devido à forma como Madrid lidou com a questão catalã. A equipa do The Economist não deixou passar em claro as tentativas de parar o referendo pela independência da Catalunha, nomeadamente a forma como foram invadidas assembleias de voto, se encerraram portais de internet e se perseguiram eleitores.

A maioria dos países europeus classificados como democracia com falhas situam-se na Europa de Leste, com a Roménia à cabeça desta lista, ocupando o número 64 do ranking. De acordo com o relatório, “a Europa de Leste tem tradicionalmente pontuações baixas no Índice de Democracia devido à fraca cultura política, transições políticas para a democracia e dificuldades na salvaguarda da lei e contra a corrupção”.

5 Fev 2018

Tráfico humano e falta de democracia salientados em relatório da UE

Macau continua a não apresentar uma situação satisfatória no que diz respeito ao tráfico humano e à participação democrática na política local. Estas são as conclusões de um relatório da União Europeia dado a conhecer ontem

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tráfico humano e a falta de um enquadramento que permita uma maior participação democrática são os principais desafios aos direitos humanos em Macau, apontou ontem um relatório da União Europeia (UE).

“As principais questões que desafiam os direitos humanos em Macau são o tráfico de seres humanos, a falta de um quadro legal que permita uma maior participação democrática e o fracasso em aplicar leis relativamente à negociação colectiva”, refere o documento.

Não obstante, ao abrigo de um princípio “Um País, Dois Sistemas” consagrado na Lei Básica, os direitos e liberdades fundamentais continuaram a ser respeitados e o Estado de Direito cumprido em Macau, reconheceu a UE no relatório referente a 2016 sobre os direitos humanos e democracia no mundo.

“Macau goza de um elevado grau de liberdades”, no entanto, como lembrou a UE, o Governo mantém a oposição à recomendação do Comité da ONU contra a tortura relativamente ao estabelecimento de um órgão independente de direitos humanos, sob o argumento de que tal não é aplicável a Macau como Região Administrativa Especial da China.

Macau caiu para a lista de vigilância do tráfico humano publicada em Junho pelo Departamento de Estado norte-americano que, apesar de admitir os esforços das autoridades, entende que os padrões mínimos não estão a ser cumpridos.

“O Governo de Macau iniciou oito investigações de tráfico e duas acusações, mas não obteve qualquer condenação pelo segundo ano consecutivo”, referia o relatório anual de Washington referente a 2016 ao qual o Executivo reagiu “com forte indignação”.

Destacando a “grande determinação” dos esforços no combate ao tráfico de seres humanos, o Governo afirmou então que o relatório dos Estados Unidos continuava “a ignorar os factos objectivos da situação de Macau”.

Votos difíceis

O desafio relativo à falta de um enquadramento legal que permita uma maior participação democrática prende-se com o facto de o chefe do Governo não ser eleito pela população, mas por um colégio composto por 400 membros de diferentes sectores da sociedade, um aspecto apontado com regularidade em relatórios internacionais.

Dos 33 deputados que compõem a Assembleia Legislativa apenas 26 são eleitos e desses apenas 14 por sufrágio universal, dado que os outros 12 são eleitos por sufrágio indirecto, ou seja, através das associações. Os restantes sete deputados são nomeados pelo chefe do Executivo.

19 Out 2017

Eleitor

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] somatório de todo o raciocínio, indiferença e sofrimento vertido na ponta de um carimbo. Com um simples gesto sepultam-se quatro anos de desfasamento na urna eleitoral. Já repararam na conotação fúnebre de tudo isto? O ciclo político encerra-se e reabre com um velório democrático. Um ritual mortuário mascarado de cidadania levando cortejos de eleitores enlutados e as suas lamúrias à cova das fracas opções. Um ciclo de vida afastado dos tronos da decisão onde se enterra a defunta liberdade. Tudo isto para chegarmos onde estamos, ou seja, exactamente onde estávamos antes. À terra regressamos.

Hoje voltámos a ser o que éramos antes da campanha eleitoral, uma massa disforme, por definir, nas antípodas do poder, perfeitamente camuflados por uma perfusão de estudos e consultas públicas fantasmagóricas. Sinto-me aliviado por não ter de testemunhar mais a charada dos bilionários a tentarem meter-se na minha pele, a fingir que conhecem as minhas dores. Tenham decência e deixem-me em paz, regressem às vossas torres de marfim, às vossas mulheres esculpidas a bisturi, às vidas onde não existe o medo de ficar sem tecto, onde não cabe a matemática da mercearia. O vosso único medo sou eu, somos nós, é um povo desperto e raivoso a reagir ao vosso despudor.

Este é o momento em que quase podemos tocar o Olimpo, roçar ombros com quem faz as leis da terra. Há um conceito que me desce da cabeça para onde se forma a bílis: Elite! A palavra tem origem no latim, eligere exlegere, uma cruel ironia para estes dias de retorno ao fosso incomensurável entre governadores e governados. Elegemos a elite, temos uma quota-parte de responsabilidade nisto tudo.

De certa forma, este exercício de intoxicante livre arbítrio é o que nos traz a este dia, ao rescaldo do concurso de popularidades que terminou na urna. Alimentaram-me com aspirações colossais face ao liliputiano gesto de eleger, venderam-me a ideia de acto essencial como a respiração e saiu-me na rifa uma acção onde não há qualquer tipo de processo cognitivo, nem análise, intuição, nada. Resta-me o vazio de utilidade depois do direito/dever cumprido, uma flor que teimo plantar em alcatrão fresco a cada quatro anos, sempre com uma réstia de esperança de que floresça além das limitações biológicas.

Mas pensemos no procedimento que me caracteriza, o voto. Como é que algo pode ser simultaneamente um direito e um dever? Este conceito tem na sua génese um enorme paradoxo que dificilmente poderá ter eficácia prática. É uma aberração lógica à qual não declino, talvez seja precisamente devido a esta inconsistência racional que não resisto, a todos os quatro anos, a carimbar um simulacro de escolha. Mas faço por eleger, presto-me ao sacrificial desígnio de sepultar o pequeno corpo democrático em caixão branco.

Fica toda a realidade citadina reduzida ao gesto aniquilador do voto, ao último golpe de teatro antes do regresso à normalidade e regressamos à cidade estrangulada pelas tenazes dos múltiplos interesses e à invisibilidade das suas gentes.

Agora instala-se a ressaca da inevitabilidade, mais quatro anos sem solicitações de cima. Volto a ser o cidadão, o residente, o mais elevado na hierarquia dos esquecidos, impertinente acorde na corda mais gorda do violoncelo, impetuoso na minha massificação, um fantasma andrajoso na cidade do super pib. Onde estão os milhões que as médias estatísticas me devem?

Hoje desperta um novo dia, mais um daqueles sem história depois de todo o rebuliço deste pedaço de Verão escaldante. A treva fica para trás e o sol irrompe num horizonte de normalidade. Um sentimento de paz apodera-se das coisas, entranha-se nos passeios, como se entre os objectos se instalasse um narcótico armistício.

Também entre as pessoas reina a reconciliação. Os eleitores voltam a ser quem eram, os trabalhadores residentes continuam a não ser ninguém e os políticos continuam a reinar acima de todos os outros. Como na relação entre astro e rotação celeste, Macau entra no “polistício”, a altura do ano em que a legislatura está no seu pináculo, iniciando, imediatamente, o seu declínio. A vida prossegue para mais um ciclo.

18 Set 2017

A pobreza e a dinâmica das democracias

“The concern that poverty and economic inequality pose a threat to the quality and even survival of democracy has taken on new urgency in recent years.”
“Poverty, Inequality, and Democracy” – Francis Fukuyama, Larry Diamond and Marc F. Plattner

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntender as origens do autoritarismo político é de vital importância para as modernas democracias. Os últimos trabalhos em psicologia evolutiva, sugerem que a preferências das pessoas, podem ser uma resposta biológica a duras experiências nas primeiras etapas de vida. Quem viveu a pobreza na infância mostra uma marcada tendência para na vida adulta preferir um líder autoritário. A essa conclusão muito importante. chegou um estudo sobre “A pobreza na infância cria preferência por líderes autoritários”, realizado pelo “Instituto Francês de Neurociências Cognitivas”.

O que vivemos na nossa infância influencia as nossas atitudes políticas? Os resultados a essa pergunta foram recentemente publicados na revista “Evolution and Human Behavior”. Tendo sofrido da pobreza, o jovem está associada a uma maior adesão a atitudes políticas autoritárias na idade adulta, não só na população francesa, mas também, em outros quarenta e seis países europeus, e compreender as origens do sucesso do autoritarismo, é uma chave importante para a manutenção das actuais democracias. A partir do início do ano 2000, a maioria dos países ocidentais tem assistido a um aumento histórico dos partidos autoritários, e as atitudes autoritárias estão a espalhar-se em muitos partidos políticos.

A análise destes fenómenos políticos é mais frequente, e tem base factores contextuais, como a crise económica ou a ameaça do terrorismo, que promovem atitudes de facto autoritárias. Todavia, pesquisas recentes em biologia e psicologia, têm mostrado que o ambiente em que um indivíduo é exposto durante a infância também, pode influenciar o seu comportamento na idade adulta. A primeira questão será a de descobrir se tais processos foram envolvidos no desenvolvimento das atitudes políticas, especificamente, analisando o efeito da pobreza na infância sobre as atitudes autoritárias. Os pesquisadores, para medir as preferências políticas, basearam-se em testes, pedindo aos participantes as suas primeiras impressões sobre rostos.

Os estudos de psicologia anteriores, mostraram que as atitudes políticas influenciavam preferências por determinados tipos de rostos, e julgamentos simples das caras dos candidatos, permitia prever o resultado de eleições políticas. Os pesquisadores do “Laboratório de Neurociência Cognitiva” de França, mediram a preferência por políticos fictícios, representados por rostos modelados por computador e calibrados para representar os níveis de variáveis de dominância e de confiança. As dimensões da confiança e dominância são ortogonais entre si. Todas as combinações são possíveis, pois um rosto pode ser muito dominante e não confiável, muito dominante e muito confiável, um pouco dominante e não confiável ou um pouco dominante e muito confiável. Foram realizados dois testes, sendo um simplificado para crianças e outro para adultos, tendo participado no primeiro, quarenta e uma crianças de sete anos, que tiveram de escolher entre rostos mais ou menos dominantes e  confiáveis, como o seu capitão de equipa para os liderar em uma expedição nas montanhas.

O primeiro teste mostrou que crianças expostas a condições socioeconómicas desfavoráveis, preferiram capitães mais dominantes e menos confiáveis do que seus colegas, que vivem em ambientes mais favoráveis. Tendo por base este efeito precoce da pobreza, os pesquisadores ficaram interessados, então, em saber a sua influência sobre as preferências políticas subsequentes. A parceria com o “Instituto Ipsos”, permitiu medir as preferências de uma amostra representativa da população francesa (mil participantes, método das quotas) para os homens políticos, mais ou menos dominantes e confiáveis. Nesta parte do estudo, os rostos mais ou menos dominantes e de confiáveis foram apresentados aos participantes pares de forma aleatória, com a pergunta “em quem votariam? Este estudo revelou que ter vivido a pobreza durante a infância, aumentou a preferência pelos políticos dominantes e indignos de confiança na idade adulta e que, independentemente do nível de escolaridade e socioeconómico actual dos participantes.

A equipa de investigação ficou finalmente e directamente interessada nas atitudes explicitamente autoritários, pedindo aos participantes para estudar o seu nível de aderência à segunda frase: “Eu acho que ter como líder do país um homem forte que não tem de se preocupar com o parlamento ou eleições é uma coisa boa.”. A análise dessas respostas mostrou que ter vivido a pobreza durante a infância, aumentou a adesão a atitudes explicitamente autoritárias, não só na amostra da população francesa, mas também em mais quarenta e seis países europeus. Através de três testes diferentes, estes trabalhos permitem destacar a importância dos factores iniciais, para determinar as atitudes políticas e assim enriquecer a compreensão das dinâmicas das democracias. As obras empíricas, durante décadas, demonstraram que a dureza do meio envolvente, afecta sistematicamente as preferências políticas.

A ameaça perceptível para a segurança e as visões mundiais perigosas, de facto, correlacionam-se com o autoritarismo de direita, e os cenários de ameaça ou de guerra, induzem sistematicamente, à preferência por líderes mais altos, masculinos, dominantes e menos confiáveis. É importante, que a essa mudança de autoritarismo, também aparece como resposta a ameaças não-políticas. O patógeno e a prevenção de doenças, por exemplo, são um problema importante na evolução humana, e correlacionam-se com o grau de autoritarismo a nível nacional e individual. Em conjunto, esses estudos sugerem que a preferência por líderes fortes é uma resposta evolutiva profundamente enraizada aos agentes externos. No entanto, as sugestões do ambiente actual dos indivíduos não são os únicos sinais que afectam o comportamento. Os sinais percebidos, durante a infância são realmente cruciais para calibrar os comportamentos actuais e futuros.

O ambiente da infância fornece sinais sobre o tipo de meio que os indivíduos provavelmente enfrentarão, como adultos, ou o tipo de recursos físicos que podem confiar para o seu desenvolvimento. Em consonância com esta ideia, pesquisas empíricas mostram que os fenótipos são ajustados às condições iniciais, através de trinta e seis mecanismos de desenvolvimento múltiplos. Os animais, por exemplo, que viveram um período de alto “stress” na fase juvenil, passam a estar mais orientados para o presente, e priorizam a sobrevivência imediata e a reprodução sobre os benefícios a longo prazo. As pessoas que nascem com baixo peso ou que sofrem “stress” psicossocial e interrupção familiar na infância, amadurecem mais cedo e têm o seu primeiro filho mais jovens, que o restante da população.

A dureza nos estádios iniciais de desenvolvimento também induz a mudanças importantes na cognição social. Por exemplo, independentemente do seu estatuto socioeconómico, ulterior na vida, os adultos que cresceram em ambientes com elevado nível de “stress”, são mais sensíveis a ameaças sociais e emoções negativas, que podem ser adaptáveis em ambientes mais competitivos e violentos. O objectivo do estudo realizado pelo “Instituto Francês de Neurociências Cognitivas” aconselha também, estudar se as preferências dos líderes são influenciadas por sugestões de dureza na infância, independentemente das circunstâncias actuais dos indivíduos. Para testar esta hipótese, seria de confiar em uma medida robusta de dureza na infância, como a privação de recursos.

A privação de recursos infantis reflecte realmente níveis mínimos de recursos e aumento da instabilidade e exposição a eventos adversos, ou seja, a privação de recursos constitui um servidor interessante para o nível de “stress” externo, experimentado durante a infância.Logo, avalia-se o impacto da privação durante a infância nas preferências dos líderes infantis, e depois avalia-se o seu efeito duradouro na idade adulta.Para medir as preferências dos líderes de forma consistente em crianças e adultos, depende da percepção dos participantes sobre os rostos, como foi efectuado.Pesquisas extensas em psicologia, de facto, mostraram que os sinais faciais são usados para escolha de líderes tanto em adultos como em crianças, e que seu uso prevê de forma confiável nos resultados eleitorais.

Os estudos transnacionais e manipulações experimentais mostraram que a importância concedida a sinais faciais específicos, como confiabilidade ou domínio, é sensível a factores envolventes. Da mesma forma, as diferenças políticas da vida real entre democratas e republicanos, têm sido associadas a diferenças estáveis nas preferências faciais, ao escolher um líder. Esses resultados sugerem que a confiança das pessoas em sinais faciais específicos para escolher um líder é um “proxy” confiável das suas preferências políticas reais. No referido estudo, foi explorado o embate diferencial de dominância e confiabilidade, nos julgamentos sociais, para investigar o impacto da privação da infância sobre a preferência por líderes autoritários. Mais precisamente, foram usados rostos controlados tanto pela dominância, quanto pela confiabilidade, para medir a forma como a experiência adversa precoce, pode moldar o uso dessas duas questões faciais para escolher um líder. Finalmente, foi confirmada a associação entre as preferências dos líderes e a privação da infância, e analisado o impacto do autoritarismo extremo, auto-relatado em uma amostra nacional francesa e europeia em larga escala.

O objectivo do primeiro estudo foi investigar o efeito imediato da pobreza infantil na preferência das crianças por líderes fortes. Para isso, foi adaptado um projecto experimental existente que desencadeia preferências políticas em crianças. O segundo estudo consistiu no facto dos participantes adultos, terem que escolher em quem votariam em uma eleição nacional, entre o “avatar que defronta-se parametricamente, variando em confiabilidade e domínio. Os participantes também relataram a sua preferência por líderes autoritários, para investigar a relação entre privação na infância e as atitudes autoritárias explícitas. O terceiro estudo teve a ver com o impacto da privação na infância, sobre a preferência por líderes fortes, sendo analisado através de uma pesquisa sociológica de grande escala, realizada em mais de sessenta e seis mil entrevistados residentes em quarenta e seis países europeus.

As experiências efectuadas pelos pesquisadores procuraram compreender o impacto do meio ambiente infantil nas preferências políticas. Em consonância com a sua hipótese, descobriram que viver a pobreza, durante a infância prejudica as preferências em relação aos líderes dominantes. Estes resultados são consistentes com a literatura sobre o efeito de ameaças externas sobre preferências políticas. Por exemplo, as análises de registos históricos revelaram o aumento do autoritarismo durante períodos de ameaça social e económica como a “Grande Depressão” e o final da década de 1960 e 1970 nos Estados Unidos. As ameaças agudas de 9 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e os atentados de Londres em 2005, igualmente, foram fortemente associadas ao aumento do conservadorismo e do autoritarismo.

Os estudos actuais, no entanto, sugerem que o efeito das ameaças externas é muito mais abrangente do que se pensava anteriormente. Os resultados, de facto, revelam um efeito imediato de experiências adversas precoces nas preferências das crianças, bem como, um efeito adiado nas preferências políticas dos adultos. Este efeito adiado foi evidenciado tanto na tarefa experimental como em auto-relatos, e sugere a existência de um impacto directo da dureza do meio ambiente infantil nas atitudes políticas. No entanto, não se pode excluir a existência de uma variável não observada, que poderia afectar as atitudes políticas dos adultos, e o meio ambiente infantil de forma independente. Além disso, vale a pena notar que mesmo que a descoberta tenha sido a mesma em quarenta e seis países europeus diferentes, factores genéticos, também podem ser parcialmente responsáveis pelos resultados. Na verdade, demonstrou-se que o autoritarismo é parcialmente determinado geneticamente.

As descobertas presentes serão, assim, reforçadas por pesquisas futuras envolvendo choques externos em ambientes experimentais ou ensaios naturais. No entanto, para controlar factores de confusão, deviam ser incluídos vários exames nos modelos que permitissem demonstrar que o efeito da dureza do meio ambiente infantil, nas atitudes políticas é independente do estatuto actual, eventos da vida recente, nível educacional, estilo parental, bem como da confiança dos participantes em instituições políticas. Esta verificação de robustez, sugere um impacto limitado de variáveis observáveis omitidas no estudo. A ideia de que as preferências dos líderes, emergem relativamente cedo na infância e orienta o comportamento dos indivíduos durante toda a vida, é consistente com estudos longitudinais que mostram que a orientação do autoritarismo de direita é estável durante anos. Além disso, a pesquisa de imagens cerebrais mostrou diferenças substanciais, entre adultos que experimentaram ambientes com “stress”, como crianças em áreas cerebrais envolvidas em avaliações de rosto.

O impacto da pobreza na infância evidenciado no estudo pode depender de mudanças profundas no funcionamento do cérebro. Além disso, os estudos também podem lançar luz sobre a base ecológica de atitudes políticas, como o autoritarismo e o seu valor adaptativo. Na verdade, demonstrou-se que as escolhas dos líderes são principalmente determinadas por julgamentos de competência. Essa associação entre a competência percebida e a escolha do líder pode explicar, porque os líderes dominantes são percebidos como mais atraentes em ambientes de elevado “stress”. Do ponto de vista ecológico, os ambientes de elevado “stress” são mais competitivos e menos cooperativos. Nesses ambientes, os indivíduos dominantes, que procuram superar os outros, são naturalmente capazes de adquirir maiores quantidades de recursos e, portanto, aparecem mais competentes. Finalmente, esses estudos podem oferecer uma nova maneira de explicar as mudanças de longo prazo nas atitudes políticas. A calibração inicial das preferências sociais de facto, sugere que a vida política não é apenas influenciada pelas circunstâncias actuais, como as recessões, guerras e actos de terrorismo, mas também pelas circunstâncias experimentadas pelos eleitores quando eram jovens.

Tal pode ter um efeito protector contra as circunstâncias agravantes, quando os eleitores experimentam situações favoráveis ​​como as crianças, mas também podem prejudicar os efeitos benéficos das melhorias actuais no ambiente pessoal. Por exemplo, no início da década de 1970, após trinta anos de prosperidade crescente, cada vez mais pessoas começaram a abraçar valores pós-materialistas, como enfatizava a autonomia e a auto-expressão. No entanto, as crianças nascidas e criadas antes da II Guerra Mundial, que sofreram a recessão dos anos trinta e as restrições da guerra, continuaram a aderir aos valores materialistas, enfatizando a segurança económica e o autoritarismo.

Os países ocidentais, por outro lado, desde a década de 1970, experimentaram mais de trinta anos de estagnação económica e desigualdades crescentes. O efeito do elevado “stress” sobre as atitudes políticas das pessoas, pode ter sido atenuado, algum tempo, pela presença de grandes conjuntos de indivíduos criados durante períodos de prosperidade crescente de 1945 a 1975, e cujas atitudes políticas ainda foram influenciadas por uma infância favorável. Mas, à medida que as gerações mais novas atingem a maioridade e começam a votar, os candidatos autoritários podem tornar-se cada vez mais populares.

7 Jun 2017

A maior democracia do mundo

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]oltei no Domingo de uma semana de férias na Índia, onde fiquei dois dias em Nova Deli, três em Varanasi, à beira do rio Ganges, e mais um dia e meio na capital, antes do regresso a este “same same” – faz sempre bem mudar de ares de quando em vez. Só que desta feita não foram as habituais “férias de luxo na miséria dos outros”, nem tanto mais ou menos um relaxante e reparador interlúdio do quotidiano. Digamos que foi antes um “partilhar da miséria alheia”. Se me perguntarem se gostei, vou dizer que sim, claro, mas não vou recomendar. Não é tudo “lindo”, e uma maravilha, antes pelo contrário. Eu gostei porque sou um tipo esquisito, a atirar para o excêntrico.

Na Índia está bem à vista dos olhos tudo o que há a lamentar naquele país, o segundo mais populoso do planeta depois da China: o lixo, a pobreza, as gritantes insuficiências em termos de estruturas que possam dar uma vida decente a toda a população. Sendo que ali vigora um regime de governo parlamentar eleito por sufrágio directo e universal, posso dizer que estive na maior democracia do mundo. Tecnicamente é assim, e pensarem-se em medidas de controlo da natalidade não faz sentido. Afinal que democracia é essa onde não se pode ter o número de filhos que se quiser? Ali o melhor é ter uns nove ou dez, pois se morrerem metade, ainda se fica com a descendência assegurada. Valha isso o que valer àquela pobre gente. Estava ainda no carro a caminho do minha sede em Deli, e deparei com um aviso em inglês por cima de um muro de arame farpado, onde se lia: “Propriedade privada. Os intrusos serão ABATIDOS”. Isso mesmo, ou “trespassers will be shot”, na versão original. Realmente, na maior democracia do mundo o melhor mesmo é resolver as coisas da forma mais simples, do que recorrer a tribunais por algo de tão pífio como entrar em propriedade privada. Já pensaram o que seria se centenas de milhões de pessoas tivessem a noção de que poderiam processar alguém, do que simplesmente limpar-lhe o sebo?

O que também não faz falta e só atrapalha são as regras de trânsito. Na Índia não há uma, duas ou três faixas de rodagem – há as que calharem, desde que sejam na direcção certa. É preciso ter atenção mesmo quando se anda pelo passeio, pois existe a possibilidade de se pisar num cão, em bosta de vaca, ou em alguém a dormir no chão. Na Índia é normalíssimo encontrar pessoas a dormir na rua, e não se pode aqui sequer aplicar o conceito de “sem abrigo”. Pode ser que ainda haja por lá quem considere que estes “têm sorte”; se estão a dormir, é sinal que estão vivos. Quantos às vacas na via pública, sim, confirmo: vacas em toda a parte, e contem com isso se estiverem a pensar em lá ir. Contudo são falsos os relatos que dão conta de comboios paralisados devido à presença de uma vaca nos carris, ficando os passageiros a depender da vontade do ruminante em sair dali para fora. Na eventualidade disto acontecer (e não é de todo improvável), enxota-se o animal e ele vai embora. Reparei que a Índia não é um mau sítio para se nascer vaca ou cão, pois tudo o que fazem é comer lixo e dormir. E lixo é coisa que ali não falta.

Mas deixarei agora Deli de lado, e vou falar de Varanasi, a outra capital da Índia, mas esta espiritual. É uma cidade à beira do Ganges, e conta-se que foi nela que o príncipe Siddharta decidiu mudar de vida, e passou a ser conhecido apenas por “Buda”. Eu chamaria-lhe uma espécie de cruzamento entre Fátima e Meca, mas “on acid” e aberto 24 por dia todos os dias. Uma coisa completamente louca, um “hippie trail” que só visto. Varanasi foi fundada por Lorde Shiva, um dos elementos da santíssima trindade hindu, e que passava o dia “a fumar marijuana e a beber veneno”, e à conta disto “era azul”. As pessoas que morrem envenenadas pela picada de uma cobra “ficam azuis”, assim me contaram. Por falar em morrer, é ali mesmo no leito do rio Ganges que se realizam diariamente cremações de mortos, cujas cinzas são deitadas na água. Excepção feita a um grupo de casualidades, onde se inclui a lepra, onde nesse caso o cadáver é simplesmente deitado ao rio. Não, não vi nenhum cadáver a flutuar nem nada que se parece. Aquele é um dos maiores rios do mundo, sabiam?

Assim sendo, da Índia tirei algumas conclusões pessoais; eis um povo que vive a sua democracia, a maior do mundo, alimentada pelo veneno da religião e da idolatria, que não deixa ninguém azul, mas antes conformado. Vigora ainda hoje, em pleno século XXI, um sistema milenar de castas, que determina que a percentagem da população que nasça no seio de determinada casta  considerada “impura” esteja condenado a pedir esmola ou limpar latrinas, mal saia do ventre maternos. Os colonizadores britânicos acabaram com muitas práticas consideradas “barbáricas” pelos indígenas, mas curiosamente não tocaram nesta, que é está em prática de forma bem evidente – porque será?

Adorei a Índia, mas mais uma vez, não recomendo a ninguém. Já agora, comida é óptima, um “must” para os aficionados. E não, não contraí nenhuma doença tropical, apesar dos 42º sequinhos que se aguentavam bem melhor que os vinte e qualquer coisa ensopados de Macau. Que nem é democracia sequer, quanto mais a maior do mundo.

20 Abr 2017

Declaração Conjunta | O sistema político de Macau, 30 anos depois

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, a conjuntura política pode estar a caminho de uma democracia. Já Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, considera que o território não tem um movimento que zele por esse sistema enquanto que deputados pró-democratas responsabilizam a Lei Básica por não garantir o sufrágio universal. As opiniões são dadas quando se comemoram os 30 anos da Declaração Conjunta

“Há espaço para a democracia em Macau.” A afirmação é do presidente da Associação Novo Macau, Scott Chiang, quando se festejam os 30 anos da Declaração Conjunta. “Para aqueles que se denominam de patrióticos, é claro que não é necessária mais expressão democrática em Macau. Para a China, o importante é que o território esteja em harmonia e sob controlo”, afirmou ao HM. No entanto, o importante, afirma, é o ponto de vista dos residentes e, neste sentido, “é necessário que tenham mais controlo na escolha do Governo e do sistema político”, considerou.

Para Scott Chiang, a Lei Básica não é um impedimento para que a democracia se desenvolva no território até porque “há espaço na Lei Básica de Macau para ter um regime de voto universal na eleição do Chefe do Executivo”, disse.

Para o responsável pró-democrata, a diferença com Hong Kong está na percepção que as pessoas têm da importância do seu contributo para a sociedade, que levará gradualmente a uma mudança do próprio sistema. Para Scott Chiang, é necessário que as pessoas “sintam que têm o destino nas suas mãos porque só assim podem ter atitudes capazes de mudar o futuro para melhor”. “É desta forma que Macau fará por ter um sistema diferente rumo à democracia” disse.

As palavras de Scott Chiang aparecem em resposta às declarações do presidente da Fundação Oriente e antigo número dois do Governo de Macau nos anos 80, Carlos Monjardino, que, de acordo com a Agência Lusa, acredita que os movimentos pró-democracia não terão expressão no antigo território português, pelo menos da mesma forma que Hong Kong.

“Não há muitos movimentos pró-democracia no território. Sempre houve uma diferença muito grande, no que respeita a esse assunto, entre Hong Kong e Macau. Em Hong Kong sempre foram muito mais virulentos, digamos assim”, afirmou Carlos Monjardino numa declaração à Lusa sobre os 30 anos da assinatura do acordo para a transferência de administração de Macau para a China.

O documento foi assinado a 13 de Abril de 1987 pelo então primeiro-ministro português, Cavaco Silva, e o seu homólogo chinês, Zhao Zyang. A transferência efectiva do território aconteceu em Dezembro de 1999.

“Já quando eu estava lá me faziam a mesma pergunta que me está a fazer. E eu respondia sempre da mesma maneira. Nenhum movimento democrático semelhante ao de Hong Kong vai ter sequência em Macau. Não terá qualquer expressão”, disse Carlos Monjardino, explicando a sua visão com as “diferenças de herança” entre os dois territórios.

Os outros pró-democratas

De acordo com a Lusa, há deputados pró-democracia em Macau que consideram que, ao contrário de Hong Kong, a luta pela democracia na antiga região portuguesa sofre de “uma deficiência congénita”, criada pela Lei Básica de Macau, em vigor desde que o território deixou de ser administrado por Portugal.

Ao contrário do que aconteceu em Hong Kong, a Lei Básica de Macau não estabelece o voto universal como objectivo na eleição do líder do Governo.

Em Hong Kong, a sociedade local empenhou-se na exigência desse direito e o compromisso acabou por entrar na lei que funciona como uma constituição para a região. Já em Macau, segundo os deputados pró-democracia, foram poucas as solicitações e a Lei Básica, definida em 1993, não o incluiu.

Na Assembleia Legislativa de Macau, só 40 por cento dos deputados são eleitos por sufrágio directo e o Chefe do Executivo é eleito por um colégio.

Carlos Monjardino admite que, quando se estava a negociar os termos da transferência de Macau, os responsáveis portugueses estavam muito cépticos em relação à forma como a China iria tratar o território.

“Há 30 anos – eu estava lá nessa altura – nós olhávamos para o futuro de Macau de uma forma muito cautelosa, mas depois por razões várias, basicamente políticas, quando a China passou a ter as rédeas, resolveu promover Macau. Era uma hipótese – não aquela que nos parecia a mais provável – mas foi o que aconteceu”, indicou o também vice-presidente da Fundação Stanley Ho.

“Felizmente que em todos estes anos a República Popular da China percebeu a utilidade de Macau”, completou.

A China, recordou o antigo banqueiro, “fez o Fórum Macau – onde estão reunidos todos os países de língua portuguesa – e, internamente, abriu as portas para o jogo”.

11 Abr 2017

Jason Chao | Activista promete fiscalizar processo eleitoral

O vice-presidente da Associação Novo Macau, Jason Chao, agora demissionário, tem na manga um novo projecto. A implementação de um sistema de monitorização que garanta a transparência das eleições é a nova meta. Entra em acção a partir de Abril

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]ason Chao está de saída da Associação Novo Macau (ANM), não por divergências com o organismo, mas porque pretende implementar um projecto de monitorização eleitoral. A informação foi dada ontem, num encontro com a comunicação social, em que o vice-presidente demissionário da ANM fez saber que se trata de “um novo projecto independente e será lançado em Abril”.

A ideia resulta de uma reflexão acerca da sociedade civil do território. “O que observei da experiência do meu trabalho anterior é que a sociedade civil de Macau não tem uma boa infra-estrutura, ao contrário de Hong Kong que, ao nível civil, é uma sociedade muito enérgica”, afirmou.

Para já, Jason Chao avança sozinho na fiscalização das eleições e não adianta nomes com quem pretenda fazer parcerias. “Espero formar uma equipa, mas para já avanço apenas comigo. Não estou a trabalhar com ninguém ainda, mas espero ter pessoas a colaborar neste projecto”, referiu.

Na calha está a “fiscalização” de todo o processo eleitoral que inclui várias acções. Referindo-se à participação nas actividades ligadas às campanhas, o objectivo é “ter pessoas que participem e que a elas tenham acesso”. O intuito é tornar pública toda a informação recolhida e, em caso de recusa na obtenção, o facto também será comunicado. Por outro lado, este tipo de plataforma não existe no território e não é função que se possa pedir a ninguém “porque o empenho e intervenção na sociedade civil tem de ser feito de forma voluntária.”

Jason Chao lembra as legislativas de 2013, em que participou, para dizer que “presenciou situações de abuso de poder e de censura para com a Novo Macau”. O activista local sentiu que não tinha qualquer tipo de apoio e pretende, com o novo projecto, ter uma palavra a dizer de forma independente.

Os pormenores, no entanto, são ainda desconhecidos, sendo que “toda a informação será divulgada no momento certo”. Jason Chao explicou ainda que não será uma plataforma semelhante à da vizinha Hong Kong, a Thunderbolt, promovida por um dos cofundadores do movimento de desobediência civil “Occupy Central”, Benny Tai Yiu-ting. Para Jason Chao, o importante é monitorizar as eleições e não fazer “engenharia da eleição”.

Adeus definitivo

O ainda dirigente associativo não pensa voltar a fazer parte de uma associação de cariz político. “É improvável que regresse”, afirmou. As razões, apontou, são de foro pessoal e têm que ver com a sua personalidade e condição de saúde recentemente diagnosticada. “Há sete meses fui a um psiquiatra em Hong Kong e fui diagnosticado com síndroma de Asperger, uma subcategoria do espectro do autismo”, disse.

Jason Chao admite que a síndrome interfere no contacto com outras pessoas e, “no processo de eleições em Macau, as interacções pessoais com os residentes são muito importantes”. O activista não se sente apto a integrar este tipo de actividades, pelo que prefere trabalhar de forma independente e longe dos holofotes da política. “Gosto de trabalhar para a excelência e para a implementação de novas ideias, por isso, desta vez, dado que a Novo Macau tem tido cada vez mais interessados em se associar, parece-me uma boa altura para escolher um papel que melhor se encaixe em mim”.


O rei que vá à luta

A Associação Novo Macau (ANM) vai continuar com o trabalho que tem vindo a desenvolver e mantém os objectivos, sendo que, com a saída de Jason Chao, vão registar-se mudanças no que respeita à aproximação dos problemas diários da população. “Claro que temos uma agenda partilhada com as ideias do Jason Chao, mas com algumas pequenas alterações”, afirmou o vice-presidente Scott Chiang.

Para ilustrar o caminho que a entidade pretende seguir, Scott Chiang refere as áreas de interesse do membro demissionário e a sua aplicação aos “novos” objectivos. “Jason Chao tem uma forte ligação aos direitos humanos e à liberdade individual, que são temas sem popularidade em Macau. Haverá algumas alterações a este nível. Não vamos deixar estes assuntos, mas pretendemos chegar a um maior número de pessoas e partilhar dos mesmos interesses”.

A ideia é continuar a lutar por uma sistema democrático mas de forma a intervir na vida da população. “Temos lutado pela democracia, mas a maioria dos residentes tem outro tipo de problemas que lhes afectam o quotidiano. O que temos de fazer é juntar os vários pontos: temos um mau sistema que leva a más políticas que, por sua vez, levam aos problemas de tráfego”, exemplificou.

Scott Chiang não adianta nomes para concorrer às próximas eleições dando a entender que o papel poderá caber ao presidente Sulu Sou. “O rei tem de montar o seu cavalo e ir para a batalha”, disse.

28 Fev 2017

Manifestantes de aldeia democrática condenados à prisão

A experiência democrática da pequena aldeia do sul da China resultou na condenação de nove aldeões acusados de perturbarem a ordem social e de efectuarem uma assembleia ilegal

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ove residentes da aldeia chinesa de Wukan, que em 2012 elegeu o comité de aldeia através de eleições por sufrágio directo, após uma rebelião popular, numa experiência inédita na China, foram presos por “perturbar a ordem social”.

A vaga de detenções surge após em Setembro passado a aldeia ter sido palco de protestos violentos, motivados pela condenação do chefe local, Lin Zulian, por desvio de fundos públicos.

Com 13.000 habitantes, aquela localidade costeira do sul da China tornou-se um símbolo de resistência popular em 2011, quando protagonizou uma das mais celebradas experiências democráticas do país.

Protestos contra a expropriação ilegal de terras culminaram com a demissão dos líderes locais, acusados de corrupção, e a eleição de um novo comité de aldeia por sufrágio directo

Em Setembro passado, a detenção de 13 residentes de Wukan intensificou os protestos, motivando confrontos com a polícia, que acabou por bloquear o acesso à aldeia.

Nota de culpa

Nove aldeãos foram agora condenados a penas de prisão, entre dois e dez anos, por realizarem uma “assembleia ilegal”, um desfile e manifestações que “perturbaram gravemente a ordem social”.

Os réus foram também condenados por difundir informações falsas, perturbar a circulação de transportes públicos e interromper os serviços públicos, segundo um comunicado emitido na segunda-feira através do ‘site’ do Tribunal de Haifeng.

“A situação foi tão grave, que fábricas e empresas tiveram de interromper a sua produção, tendo sofrido grandes perdas”, lê-se naquela nota.

As manifestações foram suscitadas pela condenação de Lin Zulian, o chefe local da aldeia, que encabeçou os protestos, em 2011, antes de ser eleito por sufrágio directo.

Liu foi condenado em Junho passado a três anos de prisão por corrupção, depois de confessar ter aceitado subornos no valor de 590.000 yuan.

Os protestos de 2011, em Wukan, foram inicialmente vistos apenas como um levantamento popular, semelhante às dezenas de milhares que todos os anos ocorrem na China.

A morte de um dos líderes dos protestos, sob custódia da polícia, contudo, levou os residentes a bloquear as estradas que davam acesso à aldeia, conseguindo expulsar as forças de segurança durante mais de uma semana.

O Partido Comunista Chinês decidiu então recuar e fazer concepções raras, incluindo investigar as disputas de terra e permitir aos locais organizar eleições livres.

Lin Zulian, 70 anos, foi então nomeado chefe local com 6.205 votos, num total de 6.812 eleitores, substituindo um homem de negócios que era acusado de roubar terras para as vender a promotores.

28 Dez 2016