Mulher de advogado processa gabinete de segurança chinês

A cor da revolta

[dropcap]A[/dropcap] esposa de um advogado chinês dos Direitos Humanos disse na segunda-feira que vai processar o gabinete de Segurança Pública da China, por ter sido acusada num vídeo de propaganda de fomentar uma revolução colorida”.

Wang Quanzhang, o marido de Li Wenzu, foi detido no Verão passado, após assumir vários casos envolvendo direitos civis e considerados sensíveis pelo Partido Comunista chinês.

O escritório de advogados onde trabalhava, o Fengrui, esteve no centro da “campanha 709” – assim designada por ter ocorrido a 9 de Julho do ano passado – e que resultou na detenção de 200 pessoas.

Um vídeo difundido na semana passada pelo gabinete chinês de Segurança Pública acusa os activistas de colaborarem com organizações internacionais, com o objectivo de minar a segurança nacional e fomentar uma “revolução colorida” contra o Governo.

Por duas vezes, o vídeo utiliza imagens de Li, que apela à liberta- ção do seu marido e outros detidos.

O termo “colorida” é utilizado pelas autoridades chinesas para descrever as revoltas durante a primavera árabe no Médio Oriente.

Recorrendo a imagens de refugiados sírios, o vídeo afirma: “As revoluções coloridas conseguiram converter muitos países em zonas de guerra e conflito, e as garras afiadas do diabo estão a tentar atingir também a China”.

A mensagem refere-se às “forças estrangeiras” e os chineses que acusa de servirem como seus peões. As organizações não governamentais (ONG) estrangeiras são “representantes que visam estabelecer uma base social para a revolução colorida”, afirma. O activistas na China continental e o movimento pró-democracia de Hong Kong são parte de uma conspiração para derrubar o Governo chinês, aponta.

Entre as muitas “forças estrangeiras” incluídas no vídeo está o ex-embaixador dos Estados Unidos para a China Jon Huntsman, que prediz que os jovens cibernautas chineses vão derrubar a China”.’

SUSTO E INDIGNAÇÃO

O filme mostra ainda imagens do julgamento de Zhou Shifeng, o director do escritório de advogados Fengrui, que foi condenado em Agosto passado a sete anos de prisão por “subversão do poder do Estado”, e fotografias suas com diplomatas e jornalistas estrangeiros.

“O vídeo difama desnecessariamente advogados dos Direitos Humanos, distorcendo deliberadamente a verdade, e chama-me a mim também uma agente da revolução colorida – mas eu não sei sequer qual a cor de uma revolução”, afirmou Li à agência France Presse, contando que a sua família se sente assustada e revoltada.

“A única coisa que fiz foi ir à procura do meu marido, depois de ele ter desaparecido, e eles referem-se a esta normal reacção como ‘revolução colorida’, dizendo que é o equivalente a opor-me ao partido, ao governo e a toda a sociedade.”
LI WENZU, ESPOSA DE UM ADVOGADO CHINÊS DOS DIREITOS HUMANOS

“A única coisa que fiz foi ir à procura do meu marido, depois de ele ter desaparecido, e eles referem-se a esta normal reacção como ‘revolução colorida’, dizendo que é o equivalente a opor-me ao partido, ao governo e a toda a sociedade”, nota.

Li Wenzu apresentou queixa no domingo e saberá dentro de uma semana se um tribunal de Pequim aceita ou rejeita o caso.

Se Li fosse mesmo uma agente da revolução colorida, “porque não condená-la em tribunal, em vez de sujar a sua imagem deliberadamente” nas redes sociais, refere a queixa.

Desde que o Presidente chinês, Xi Jinping, ascendeu ao poder, em 2012, as autoridades reforçaram o controlo sob académicos, advogados e jornalistas, segundo organizações de defesa dos direitos humanos.


Pequim devolve drone aos Estados Unidos

A China devolveu ontem aos Estados Unidos o drone submarino capturado na semana passada por um navio militar chinês, nas águas do Mar do Sul da China, num episódio que causou tensão entre os dois países. Segundo um comunicado emitido pelo Ministério de Defesa chinês, o aparelho foi devolvido ao meio- dia de ontem, depois de “negociações amigáveis” com Washington. O ministério afirmou no domingo que a captura do drone se deveu a motivos de segurança e confirmou que este seria devolvido depois do pedido do Pentágono.

21 Dez 2016

Pequim | Toca a pôr a máscara

[dropcap]P[/dropcap] estava ontem coberto por um manto espesso e cinzento, com o nível de poluição dezoito vezes mais alto ao máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde, resultando no encerramento de escolas e voos cancelados. As autoridades chinesas emitiram um alerta vermelho, que abrange mais de vinte cidades do norte do país e 460 milhões de pessoas, pelas estimativas da organização ambientalista Greenpeace.

Na capital chinesa, a concentração de partículas PM 2.5 – as mais finas e susceptíveis de se infiltrarem nos pulmões atinge os 450 microgramas por metro cúbico.

Em várias cidades próximas a concentração das partículas superou os 500 microgramas e em Handan, na província de Hebei, chegou a atingir os 1000.

O nível máximo de concentração recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é 25 microgramas por metro cúbico.

A imprensa estatal informou ainda que 169 voos com destino ou partida no Aeroporto Internacional de Pequim – o segundo mais movimentado do mundo – foram cancelados. Partes do sexto anel, a mais longa estrada em torno de Pequim, foram também encerradas.

DE VAGA EM VAGA

À semelhança de outras alturas em que uma vaga de poluição atinge a cidade, os hospitais registaram um ‘boom’ no fluxo de crianças com problemas respiratórios e prepararam equipas para lidar com os casos de alergias.

Fotografias difundidas pela imprensa chinesa mostram salas de espera cheias de pais com os filhos, cujas faces estão cobertas com máscaras antipoluição.

A China sofre frequentemente das piores vagas de poluição no mundo, devido à alta dependência do país da queima de carvão para produção de energia e produção fabril.

Pequim e outras cidades têm aprovado medidas para melhorar a qualidade do ar, substituindo o uso do carvão por gás natural.

O país continua, porém, a ser o maior emissor de gases poluentes do mundo e o principal produtor e consumidor de carvão.

Os governos locais, que se deparam com o aumento dos preços da energia, aumentaram este ano os limites de produção diária de carvão por várias vezes.

Desde que o alerta foi emitido, na sexta-feira passada, mais de 700 empresas pararam a produção em Pequim, enquanto os automóveis particulares circulam alternadamente, de acordo com o último número da respectiva matrícula: um dia pares; noutro ímpares.

Infantários e escolas de ensino básico e médio estão também aconselhadas pelo Governo a suspender as aulas e as empresas a adoptar um horário de trabalho flexível”.

O alerta vermelho, o mais alto de um sistema de quatro cores, dura até quarta-feira.

21 Dez 2016

China | Economia abrandará em 2017

As previsões da Academia Chinesa de Ciências Sociais apontam para o ritmo mais lento de crescimento da economia chinesa desde 1990 e para a contínua desvalorização do yuan, face ao dólar

[dropcap]O[/dropcap] ritmo de crescimento da economia chinesa vai abrandar para 6,5%, em 2017, e a moeda do país vai continuar a desvaloriza-se, face ao dólar norte-americano, previu na segunda-feira o principal instituto de pesquisa do país.

A previsão surge depois de anunciados, no início deste mês, vários indicadores positivos para a segunda maior economia mundial.

Contudo, a economia “continua a sofrer uma cada vez maior pressão negativa”, armou a Academia Chinesa de Ciências Sociais (ACCS), citada pelo site oficial .

O instituto de pesquisa prevê ainda que o yuan, que atingiu este mês o valor mais baixo dos últimos oito anos – irá desvalorizar entre 3% e 5%, face ao dólar.

Em ritmo brando

A ACCS anunciou estas previsões durante uma conferência de imprensa, realizada anualmente, três dias após os líderes chineses se reunirem para debater assuntos chave da economia.

Durante o encontro, que contou com a participação do Presidente chinês, Xi Jinping, os líderes prometeram resolver problemas urgentes da economia, sobretudo nos grupos estatais vistos como improdutivos, e no sector imobiliário, afectado por uma enorme ‘bolha’ especulativa.

No último ano, o ACCS previu que a economia iria crescer 6,7%, em 2016. Por enquanto, a previsão tem se confirmado, com o ritmo de crescimento económico a fixar-se em 6,7%, o mais baixo desde o pico da crise financeira, ao longo de três trimestres consecutivos.

Para o próximo ano, o ACCS prevê um ritmo mais lento da meta de crescimento definida por Pequim para o período entre 2015 e 2020 – entre 6,5 e 7%. Seria também o ritmo mais lento desde 1990, quando a economia do país cresceu 3,9%.

Vários factores permitiram à China atingir a meta proposta pelo Governo, incluindo um aumento do consumo interno, a recuperação no investimento em imobiliário e fortes gastos em infra-estruturas.

As importações e exportações devem cair 9,5 e 7,2 por cento, respectivamente, durante este ano, face a 2015. As importações em Novembro superaram as expectativas, pondo fim a taxas homólogas negativas.

EM MUDANÇA

Pequim está a encetar uma transição no modelo de crescimento do país, visando maior ênfase no consumo doméstico, em detrimento das exportações e investimento, que asseguraram três décadas de trepidante, mas insustentável”, crescimento económico. O processo tem sido, no entanto, difícil.

O aumento do consumo in- terno deve abrandar de 10 para 9,5%, em 2017, refere o ACCS.

O país enfrenta ainda vários desafios, como e cesso de capacidade de produção em empresas estatais obsoletas e fuga de capital.

A eleição do norte-americano Donald Trump, que acusa a China de manipular a sua moeda e prometeu aumentar os impostos sobre os produtos chineses, acarreta também instabilidade, tendo em conta que os Estados Unidos são o maior parceiro comercial do país asiático.

21 Dez 2016

Barcos e aviões dos EUA espiam em águas chinesas

[dropcap]A[/dropcap] China usou ontem o caso do drone norte-americano capturado no Mar do Sul da China para denunciar que barcos e aviões dos Estados Unidos entram regularmente nas suas águas em operações de vigilância.

“Navios e aviões dos EUA realizam operações de reconhecimento e vigilância” em “águas costeiras da China”, a informou ontem uma porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying.

Pequim pediu a Washington para que “pare com essas operações”, a formando que a China “continuará atenta”, disse Hua, em conferência de imprensa.

Segundo a China, aquelas operações realizam-se desde há “muito tempo” e “co- locam em perigo” a segurança da navegação na zona.

Aporta-voz rejeitou confirmar, contudo, se o drone aquático norte-americano capturado pela marinha chinesa, no Mar do Sul da China, estava a realizar operações de espionagem.

O Pentágono afirmou que o drone servia para pesquisas científicas e foi capturado pela Marinha chinesa em águas internacionais.

A porta-voz do MNE rejeitou confirmar a versão norte-americana, dizendo que os detalhes concretos pertencem ao Ministério da Defesa chinês.

Na rede social Twitter, o Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, acusou a China de ter roubado o drone e afirmou que Pequim podia car com ele.

“Não gostamos da palavra ‘roubar’ porque não foi isso que se passou”, reagiu Hua Chunying.

O jornal Global Times considerou ontem que estes comentários revelam que falta a Trump “bom senso para liderar uma superpotência”.

Segundo Washington, o incidente ocorreu a cerca de 50 milhas náuticas a noroeste da base naval norte-americana na Baía de Subic, nas Filipinas, numa zona reclamada por Pequim e vários países vizinhos.

20 Dez 2016

China no meio das nuvens

Escolas e fábricas fechadas, voos cancelados. Mais de duas dezenas de cidades chinesas estão cobertas de fumo com os índices de poluição a registarem valores muito acima dos recomendados pela Organização Mundial de Saúde

[dropcap]P[/dropcap]elo menos 23 cidades do Norte da China estão sob alerta vermelho, devido à poluição, que obrigou ao encerramento de escolas e fábricas e cancelamento de voos, enquanto um manto de fumo cobre a região.

Em Pequim, a qualidade do ar na tarde de ontem era melhor do que o previsto, com a concentração de partículas PM2.5 – as mais nas e susceptíveis de se infiltrarem nos pulmões – a atingir os 250 microgramas por metro cúbico.
Trata-se de um nível nove vezes mais alto ao máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde, mas ainda assim é menos de metade do máximo registado na cidade em 2015, quando superou os 600.

O alerta vermelho, o nível máximo de um sistema de quatro cores, foi emitido na sexta-feira e dura até quarta- -feira, esperando-se que a poluição se agrave ao longo dos próximos dias.

A maioria das emissões poluentes vem da queima do carvão, que sobe no Inverno, com o aumento da procura por aquecimento, gerando nuvens de poluição.

Em Shijiazhuang, capital de Hebei, a província que con na com Pequim, a concentração de partículas PM2.5 atingiu ontem à tarde 701 microgramas por metro cúbico.

Na cidade portuária de Tianjin, a 150 quilómetros da capital, mais de 180 voos foram cancelados, desde que o alerta foi emitido, segundo a televisão estatal CCTV.

As auto-estradas na cidade foram também encerradas.

DESCONTENTAMENTO GERAL

Vários hospitais em Tianjin registaram um aumento do nú- mero de pacientes com doenças respiratórias como a asma, de acordo o jornal oficial Diário do Povo.

É a primeira vez este ano que Pequim emite o alerta vermelho. A maioria das emissões poluentes vem da queima do carvão, que sobe no Inverno, com o aumento da procura por aquecimento, gerando nuvens de poluição.

Nos últimos anos, a poluição tornou-se uma das principais fontes de descontentamento popular na China, a par da corrupção e das crescentes desigualdades sociais.

20 Dez 2016

Filme chinês mais caro de sempre arrecada milhões na estreia

[dropcap]O[/dropcap] filme mais caro da história do cinema chinês, “The Great Wall”, protagonizado pelo norte-americano Matt Damon, arrecadou 465 milhões de yuan (cerca de 64 milhões de euros), no primeiro fim de semana em que foi projectado.

Segundo os cálculos elaborados em tempo real pelo portal China Box Office, o filme registou o quarto melhor início deste ano no mercado chinês de cinema, o segundo maior do mundo.

A obra, dirigida pelo chinês Zhang Yimou, custou mais de 140 milhões de euros, e relata as aventuras de um mercenário inglês, interpretado por Damon.

A história remete para uma China imaginária, onde a Grande Muralha, o monumento mais conhecido do país, foi edificada para deter a invasão por monstros que comem carne humana.

“The Great Wall” é a primeira co-produção entre a China e os Estados Unidos da produtora de Hollywood Legendary, adquirida no início deste ano por Wang Jianlin, o homem mais rico da China e presidente do grupo Wanda Group, que tem a maior rede de distribuição cinematográfica do mundo.

Um outro filme da mesma produtora, estreado este ano, o “Warcraft”, arrecadou quase 92 milhões de euros no seu primeiro fim de semana nos cinemas chineses, e alcançou receitas finais de 201 milhões de euros.

A obra com melhores resultados na estreia, este ano, na China, o “The Mermaid”, alcançou uma receita de bilheteira final de 466 milhões de euros, o melhor resultado de sempre no país.

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20 Dez 2016

China | Natalidade aumentou 5,7 por cento depois do fim da política de filho único

Depois de mais de três décadas com uma política de planeamento familiar muito restritiva, a China acabou com a política de filho único há um ano. A natalidade subiu e muitas pessoas que não se puderam registar constam agora dos assentos de nascimento. Mas existe um enorme problema para resolver: há 13 milhões de vidas que não sabem como recuperar o tempo perdido

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China termina este ano – o primeiro em que todas as famílias estiveram autorizadas a terem dois filhos depois de mais de três décadas de política de filho único –, com 17,5 milhões de nascimentos, o que representa um crescimento anual de 5,7 por cento. O número de nascimentos é o maior registado pelo país este século.

O número, revelado pelo diário oficial Global Times, compara com os 16,55 milhões de nascimentos registados no ano passado, e demonstra um “crescimento estável” da natalidade após a flexibilização das políticas demográficas. Além disso, está de acordo com as expectativas, segundo responsáveis da Comissão de Planeamento Familiar e Saúde que, na semana passada, se reuniram para analisar os primeiros efeitos destas reformas.

Os segundos filhos que nasceram em 2016 têm, à partida, um destino bem diferente daqueles que, de 1978 para cá, foram tidos por casais que já tinham uma criança. O fim da política de filho único veio acabar com um problema para muitas famílias e permitir o registo de pessoas que, até agora, não existiam para as autoridades, mas há um problema que atravessa já duas gerações que parece ser difícil de resolver: as pessoas que, por terem vivido na sombra, perderam a possibilidade de estudar, de arranjar um emprego, de terem um vida normal.

A residir em Pequim há 23 anos, Li Xue nunca frequentou uma escola, nem sequer durante um dia. A China tem um sistema de educação que prevê nove anos de ensino gratuito, mas Li ficou de fora do esquema. Também nunca teve, em 23 anos, qualquer apoio da segurança social. Não tinha autorização para casar, encontrar um emprego ou abrir uma conta bancária. Li Xue é a segunda filha dos seus pais. Por causa da política de filho único, em vigor entre 1978 e 2015, a jovem não fazia parte dos números oficiais da população chinesa.

Li contou à Reuters que os pais tentaram registá-la quando nasceu na esquadra da polícia, mas os funcionários recusaram o pedido e pediram uma carta de autorização da comissão de planeamento familiar local, um requisito essencial para se ter um segundo filho.

Sem carta para mostrarem às autoridades, os progenitores da jovem tinham de pagar uma avultada multa para poderem registar a filha. Sem possibilidades para tal, Li Xue não entrou nos registos de nascimento chineses.

Ao longo dos anos, a família fez vários esforços para legalizar a situação da jovem. Com o anúncio do fim da política de filho único e a autorização para um segundo descendente, Li conseguiu finalmente obter um documento que prova a sua existência.

A mudança de política do controlo da natalidade fez com que pessoas na situação desta jovem tentem agora recuperar os anos perdidos, ainda que com a sensação de que o reconhecimento oficial do direito à existência chegou demasiado tarde e sem a certeza de que as autoridades as vão ajudar a recuperar o que ainda for possível reaver.

Li Xue não pôde ter uma educação formal e lutou para aprender sozinha, recorrendo aos livros da biblioteca que eram requisitados em nome da irmã mais velha, uma vez que a família não tinha condições financeiras para contratar um professor particular.

“A minha mãe foi despedida do trabalho porque eu nasci”, conta a jovem, numa entrevista na casa onde a família vive em Pequim, uma habitação sem casa de banho e com um duche improvisado. “Tínhamos de viver, os quatro, com o salário muito baixo do meu pai.”

A mãe de Li, Bai Xiuling, recorda que a filha costumava chorar quando via as outras crianças a caminho da escola. “Ela queria estudar, mas não podia. A minha filha perdeu nove anos de ensino gratuito. Não há dinheiro que possa comprar o tempo que perdeu e que já não volta”, afirma a antiga operária fabril.

São 13 milhões no escuro

De acordo com os censos mais recentes, conduzidos em 2010, a China tem 13 milhões de cidadãos na situação de Li Xue, sem estarem registados – é quase um por cento da população do país.

A política do filho único foi uma implantada pelo governo da República Popular da China nos finais da década de 1970 com o objectivo de reduzir o crescimento populacional e facilitar o acesso da população do país a um sistema de saúde e educação de qualidade.

“A maior parte destas pessoas são crianças que nasceram enquanto a política de filho único esteve em vigor”, explica Jiantang Ma, o homem que liderava o Gabinete Nacional de Estatísticas da China aquando da realização dos censos.

Um estudo feito no ano passado pela Academia de Pesquisa Macroeconómica, sob a alçada da Comissão para a Reforma e o Desenvolvimento Nacional, permitiu concluir que quase metade dos cidadãos chineses que não estão registados são analfabetos ou não têm qualquer tipo de educação formal.

Durante os anos de vigência da política de filho único, os segundos filhos não podiam ser registados no sistema de residência do país, a não ser que fosse paga uma pesada multa, uma regra que foi seguida com raras excepções.

Também os filhos nascidos fora do casamento são considerados uma violação das regras apertadas de planeamento familiar, pelo que os casais que não contraíram matrimónio são obrigados a pagar uma multa para registar os filhos, dinheiro que nem sempre têm.

A China é dos poucos países do mundo com um sistema de registo de residência – o “hukou” – que contém informação como nascimentos e casamentos. Uma pessoa sem um “hukou” não tem acesso a serviços públicos (como educação e sistema de saúde) e está impedida de casar, de encontrar um emprego e até de abrir uma conta bancária.

A ligação entre a “política de filho único” e o “hukou” é controversa, com as autoridades governamentais chinesas a dizerem que o sistema de registo de residência é aberto a todos os cidadãos, sem quaisquer pré-requisitos. Mas as famílias afectadas argumentam que há uma ligação clara.

“Apesar de o ‘haikou’ e a política de filho único não deverem estar juntos, as autoridades locais têm relacionado estes dois aspectos durante anos porque descobriam que é uma forma de obrigar as famílias a obedecerem à lei de planeamento familiar”, comentou à Reuters Youshui Wu, responsável por um escritório de advogados em Zhejiang.

Youshui Wu, que ajudou muitos casais chineses a registarem os segundos filhos, acrescenta que existe ainda em torno desta questão um lado económico: as multas pesadas a que estavam obrigados os casais prevaricadores eram uma fonte lucrativa de receitas para as autoridades locais.

Casa de portas fechadas

Dados recolhidos pelo advogado em 24 governos ao nível provincial, disponibilizados pelas autoridades, mostram que, só em 2012, a China arrecadou mais de 20 mil milhões de yuan em multas pagas por casais que tiveram um segundo filho sem autorização prévia. “Nenhum destes governos foi capaz de fornecer informações sobre o modo como estas verbas foram aplicadas”, explicou Wu.

Wenzhuang Yang, um alto responsável da Comissão Nacional de Planeamento Familiar e Saúde, nega que a “política de filho único” e as punições que lhe estão associadas tenham contribuído para impedir o registo a milhões de cidadãos.

Numa conferência de imprensa este ano, o responsável disse que a comissão fez o que podia para remover os obstáculos criados pelas autoridades locais no registo de residência e que muitos cidadãos sem assento de nascimento foram agora incluídos no sistema ‘hukou’.

Chunyan Liu, uma professora de Inglês solteira, conta que não teve capacidade financeira para suportar a multa que teria de pagar pelo nascimento da filha, que esteve sete anos sem ser registada. Em Abril deste ano, a criança passou a constar dos registos nacionais. “A multa em Pequim era muito elevada. Pensei muitas vezes nisso, mas era impossível deixar as autoridades saberem que tive uma filha sem permissão”, diz.

Por não ter um ‘hukou’, a filha da professora não teve acesso a cuidados de saúde pagos pelo Governo. Também não podia comprar um bilhete de comboio ou sair do país. “Quando outros pais levavam as crianças à Disneylândia de Hong Kong, nós não nos atrevíamos sequer a pensar nisso.”

“A minha filha tem agora sete anos e nunca pôs os pés fora de Pequim”, relata ainda, confessando que continua preocupada com a possibilidade de as autoridades lhe exigirem o pagamento da multa.

Apesar de toda a história pessoal que carrega, Liu considera ter “sorte”. No ano passado, tentou encontrar uma escola para a filha estudar, mas não conseguiu, por causa da falta de um registo de residência. “Agora, ela tem tudo aquilo que precisa para poder frequentar uma escola pública”, diz.

A filha de Liu ainda vai a tempo de não ficar excluída de educação. Mas o destino de muitos foi bem diferente: os investigadores da Academia de Pesquisa Macroeconómica dizem que mais de metade dos chineses sem registo já fizeram 18 anos.

Muitos destes adultos não só viram vedados o acesso à escola, como tiveram dificuldades adicionais na procura de emprego, uma vez que não dispõem de documentação legal para serem contratados. O trabalho de investigação dá o exemplo de Liu Wei, da província de Henan, que não teve escolha: foi trabalhar para uma mina de carvão. Depois de a exploração ter fechado portas, ficou desempregado, uma vez que não conseguia arranjar um novo posto. Acabou a dormir na rua durante cinco anos.

Em 2012, a China arrecadou mais de 20 mil milhões de yuan em multas pagas por casais que tiveram um segundo filho sem autorização prévia.

Os filhos de quem não existe

O isolamento social é um problema que não pertence a uma só geração, com os investigadores a mostrarem dúvidas sobre os efeitos do fim da política de filho único para esta fatia da população. “Muitas pessoas sem registo cresceram e começaram as suas próprias famílias, dando assim início à segunda geração de crianças sem documentação”, escrevem os autores do relatório da Academia de Pesquisa Macroeconómica.

Wenzheng Huang, especialista em demografia e antigo professor assistente em Harvard, explica que Pequim tentou encontrar formas de resolver o problema depois de os censos de 2010 terem colocado em destaque o facto de existirem 13 milhões de cidadãos chineses sem registo.

“Tanto quanto sei, muitos desses segundos filhos ou filhos fora do casamento têm agora um ‘haikou’. O Governo Central começou a tratar do registo de residência de forma séria”, afirma o académico. “As autoridades reconheceram que a existência de tantas pessoas sem registo é um problema muito sério. Não só representa um preço muito elevado no desenvolvimento social, como tem causado uma enorme dor a muitas famílias.”

19 Dez 2016

Pequim diz que capturou ‘drone’ dos EUA por segurança 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ministério da Defesa chinês disse que a captura de um ‘drone’ submarino norte-americano por parte da marinha foi devido a motivos de segurança e que vai devolver o aparelho conforme pedido do Pentágono.

Em comunicado divulgado na noite de sábado, o porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Yang Yujun acusou também o Pentágono de “exagerar” o incidente ocorrido na quinta-feira nas águas do Mar da Sul da China, algo que considerou “inapropriado”.

O Departamento da Defesa norte-americano garantiu este sábado que tinha chegado a um “entendimento” com Pequim para a devolução daquele veículo não tripulado que, segundo Washington, se dedicava a trabalhos de investigação científica.

Yang explicou que um barco chinês que navegava no Mar do Sul da China localizou na tarde de quinta-feira um aparelho não identificado e que, para evitar causar algum dano ao navio ou aos seus tripulantes, decidiu examiná-lo “de maneira profissional e responsável”.

Uma vez realizados esses testes, acrescentou o porta-voz chinês, verificou-se que se tratava de um ‘drone’ submarino dos Estados Unidos, pelo que, após comunicarem com os norte-americanos, as autoridades asiáticas aceitaram devolvê-lo.

O porta-voz da Defesa chinês lamentou que o Pentágono tenha tornado público o assunto “de forma unilateral” e “exagerada”, o que, afirmou, não ajudou a resolver a disputa.

Yang criticou, por outro lado, a prática de os Estados Unidos enviarem navios e aviões de combate para realizar missões de reconhecimento nas águas chinesas.

“A China opõe-se veementemente a estas actividades e pede à parte norte-americana que as detenha. A China continuará a vigilância contra estas relevantes actividades dos Estados Unidos e tomará as medidas de resposta necessária”, advertiu o porta-voz.

Mar concorrido

O incidente do ‘drone’ no Mar do Sul da China coincidiu com a publicação esta semana, por parte do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS) de Washington, de imagens de satélite que alegadamente mostram a instalação de armamento militar em ilhas artificiais construídas por Pequim nessas águas.

A Malásia e o Vietname, que disputam com a China a soberania de vários arquipélagos no Mar do Sul da China, manifestaram a sua preocupação por essas defesas militares, enquanto as Filipinas disseram na sexta-feira que não vão protestar por isso.

19 Dez 2016

OMC | China pronta para defender estatuto a nível internacional

Na véspera do prazo de expiração de uma cláusula do tratado de adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), Pequim terá que defender o seu novo estatuto de economia de mercado perante os demais sócios, que se negam a reconhecê-la como tal com medo de uma enxurrada de produtos a preço de custo

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ompletou-se ontem o décimo quinto aniversário da adesão da China à OMC, num contexto marcado pela desconfiança geral em relação às exportações chinesas, em especial dos Estados Unidos, onde o presidente eleito, Donald Trump, ameaça impor direitos alfandegários de 45 por cento, informa o Jornal de Angola.

Nos termos do seu protocolo de adesão, os países membros da OMC podiam até esta data tratar Pequim como uma “não economia de mercado”, o que implicava a possibilidade de impor ao país duras tarifas anti-dumping, com o argumento de que os preços da China não reflectem a realidade do mercado.

Mas nem os Estados Unidos, nem a União Europeia ou o Japão tinham a intenção de abolir o seu arsenal anti-dumping a partir de 12 de Dezembro: a China terá que iniciar um longo processo na OMC se pretender impor-se aos seus sócios, explicam especialistas em comércio internacional.

“A China tomará medidas para defender os seus direitos se os membros da OMC continuarem com as velhas práticas anti-dumping contra produtos chineses após a data de expiração” da cláusula, advertiu na semana passada o porta-voz do Ministério chinês do Comércio, Shen Danyang, citado pela agência Nova China, em reacção ao anúncio do Japão, um dia antes, sobre a manutenção da sua taxação dos produtos chineses.

Proteccionismo disfarçado

“A China passará automaticamente ao estatuto de economia de mercado” em 11 de Dezembro, segundo a agência oficial chinesa. A negativa de outras potências de reconhecer este estatuto a Pequim não é “senão um proteccionismo disfarçado, o que vai contra a corrente da globalização e envenena a recuperação da economia mundial”, acusou, denunciando que o Ocidente aplica dois pesos e duas medidas em relação à China.

Para Washington, no entanto, a concessão do estatuto de economia de mercado não é, nem pouco mais ou menos, automática e as cláusulas anti-dumping do protocolo de adesão permanecem intactas.

“Os Estados Unidos continuam preocupados com os graves desequilíbrios do dirigismo chinês, como as super capacidades de produção, especialmente no sector de aço e alumínio”, insistiu o Departamento de Comércio dos EUA. “A China não fez as reformas necessárias para funcionar conforme as regras de mercado.”

Por isso, Washington continuará a aplicar métodos de cálculo alternativos para determinar as margens de dumping chineses, prometeu o Departamento de Comércio, apoiado pela Aliança de Manufactureiros Americanos (AAM), segundo a qual o excedente comercial da China custou 3,2 milhões de empregos nos Estados Unidos desde a adesão de Pequim à OMC.

Em Bruxelas, o enfoque foi um pouco diferente: a Comissão Europeia anunciou no mês passado um novo método para combater o dumping, que não se dirigiria mais especificamente contra a China, mas poderia ser aplicado a todo o país suspeito de vender a preço de custo.

Mas os vinte e oito membros da organização estão divididos e a proposta, denunciada por Pequim, não pode ser aprovada antes do limite do prazo de 11 de Dezembro pelos Estados-membros da UE, nem pelo Parlamento Europeu.

Em qualquer caso, enquanto o órgão regulador do comércio internacional não der o seu veredicto definitivo sobre a interpretação da famosa cláusula, “a UE e os demais membros da OMC poderão continuar a tratar a China como não economia de mercado que é”, considera Milan Nitzschke, porta-voz da Aegis Europe, uma organização que reúne cerca de 30 indústrias europeias.

13 Dez 2016

Pequim adverte empresas sobre investimentos “irracionais”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China advertiu as empresas do país sobre investimentos “irracionais” além-fronteiras, numa altura em que o ‘boom’ de aquisições no estrangeiro alimenta preocupações face à fuga de capitais e viabilidade duvidosa de alguns activos.

O aviso de Pequim, noticiado pela agência noticiosa oficial Xinhua, não menciona nenhuma empresa, mas destaca as áreas do desporto, hotelaria e entretenimento.

“Advertimos as empresas a tomar decisões com cautela”, lê-se num comunicado emitido em conjunto pelo Ministério do Comércio chinês e outras entidades do Governo.

“Os órgãos reguladores estão também a seguir atentamente a tendência irracional nos investimentos além-fronteiras, em áreas como imobiliário, hotelaria, cinema, entretenimento e clubes desportivos”, aponta.

O ‘boom’ das aquisições no estrangeiro por empresas chinesas tem dificultado os esforços de Pequim em travar a fuga de capitais, que levou à desvalorização da moeda chinesa, o yuan.

Nos primeiros oito meses do ano, os investimentos chineses fora do país atingiram 61,7 mil milhões de dólares.

Às compras

Em Portugal, o país asiático tornou-se, nos últimos anos, um dos principais investidores, comprando participações em áreas da energia, seguros, saúde e banca.

Os investidores chineses correspondem também a 74% dos vistos ‘gold’ emitidos desde a criação do programa, em Outubro de 2012.

“Uma das razões pela qual os reguladores tomaram esta posição é a tendência de queda do yuan, assim como a dificuldade em travar a fuga de capitais”, comenta em Pequim um analista da consultora DealGlobe.

A agência Bloomberg estima que o país asiático tenha registado uma fuga de capitais privados recorde em 2015, estimada em um bilião de dólares (927.000 milhões de euros).

As reservas cambiais da China, as maiores do mundo, caíram 69 mil milhões de dólares em Novembro, pelo quinto mês consecutivo, para 3,05 biliões de dólares, a maior queda desde janeiro.

9 Dez 2016

Livro | Obra de Luís Cunha analisa tecno-nacionalismo da China

Pequim coopera, mas Pequim compete. A China tem tentado recuperar os anos perdidos e afirmar-se como uma potência também ao nível tecnológico. O facto deu um livro, apresentado em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]uís Cunha, investigador, há muito que estuda a ascensão geopolítica da China. Já escreveu sobre a política externa de Pequim, a questão de Taiwan, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial. “Há um denominador comum a estes todos livros: a tentativa de reflexão sobre este processo de ascensão geopolítica da China”, explica ao HM.

“China’s Techno-Nationalism in the Global Era – Strategic Implications for Europe”, o livro que apresenta hoje no auditório do Consulado-Geral de Portugal em Macau, segue o mesmo alinhamento, ao ser “uma tentativa de despertar para a nova era” que o país atravessa.

O tecno-nacionalismo não é um palavrão que tenha sido inventado por Pequim. Mas quando se fala da China, há todo um contexto que faz com que tenha características próprias. “O tecno-nacionalismo já foi adoptado por outros países, noutras circunstâncias. No caso da China, é diferente”, sublinha o investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O passado mais distante

A diferença tem que ver, desde logo, com o passado particular do país: o nacionalismo reflecte o facto de “a China ter sido ocupada por várias potências estrangeiras ao longo da sua história”, explica Luís Cunha. “Todo este processo de desenvolvimento e de ascensão da China tem quer ver a procura de uma certa reposição de justiça histórica”.

Por outro lado, continua o investigador, “a China sempre foi muito frágil ao nível do desenvolvimento das ciências, da educação e da tecnologia”. Luís Cunha recorda que, durante muito tempo, as pessoas não tinham sequer consciência de que “a pólvora, a impressão e a bússola tinham sido invenções chinesas”. O confucionismo teve um peso neste quadro, ao fazer com que “a ciência não tivesse um desenvolvimento muito significativo”.

Mas o panorama mudou com o século XXI. “A China quer realmente dar o grande salto em frente na área tecnológica e está a fazê-lo, de uma forma fortíssima”, refere. O livro que é hoje apresentado, numa iniciativa do Instituto Internacional de Macau, destaca precisamente este desígnio chinês. “É uma nova página que se abre no desenvolvimento da China, com uma aposta muito forte na inovação,” com o patrocínio de Pequim.

A obra está centrada na cooperação entre a China e a Europa, e nem todos os exemplos são histórias com um final feliz, como é o caso do Galileu, um programa que a China abandonou para fazer um ao nível nacional. “Há uma forte cooperação, mas também uma grande competição entre as duas partes”, sintetiza. A apresentação da obra de Luís Cunha começa às 18h30.

7 Dez 2016

China critica EUA por “politizar” investimentos chineses

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China criticou na segunda-feira a decisão dos Estados Unidos de bloquear a aquisição da Aixtron, empresa alemã do sector tecnológico, por um grupo chinês, afirmando que o negócio deve ser separado da política.

O Presidente dos EUA, Barack Obama, travou o negócio, ao rejeitar a inclusão da unidade norte-americana da Aixtron.

Washington disse que a Comissão para o Investimento Estrangeiro nos EUA avaliou os riscos da aquisição, que poderia servir fins militares chineses, como sendo demasiado altos.

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Lu Kang considerou que a oferta pela Aixtron tinha um propósito exclusivamente comercial.

“A China opõe-se à politização do normal comportamento em negócio ou à interferência política”, afirmou em conferência de imprensa, em Pequim.

“Esperamos que os EUA parem de fazer acusações sem fundamento contra as empresas chinesas e proporcionem um ambiente justo e boas condições para os investimentos chineses”, acrescentou.

Acesso vedado

O Departamento do Tesouro dos EUA afirmou que a tecnologia produzida pela Aixtron, que é fundamental no fabrico de semicondutores usados em lasers, luz de alta resolução e células solares, também pode servir fins militares.

Washington não quer que empresas financiadas pelo Governo chinês tenham acesso àquela tecnologia.

Em Outubro passado, Berlim anunciou que o negócio voltaria a ser analisado, alterando assim a sua posição inicial sobre a proposta da chinesa Grand Chip Investment, pela Aixtron, no valor de 670 milhões de euros.

O jornal Handelsblatt, que citou fontes não identificadas dos serviços secretos alemães, escreveu na altura que a alteração se deveu à interferência dos EUA.

“Washington teme que os ‘chips’ produzidos pela Aixtron possam ser usados no programa nuclear chinês”, disse o jornal.

A Alemanha é o segundo maior destino do investimento chinês na Europa, ultrapassada apenas pelo Reino Unido.

Portugal é o quarto, logo a seguir à França.

7 Dez 2016

Shee Va, autor de “Espíritos”: “As comunidades não interagem”

É apresentado hoje ao final da tarde o primeiro romance de Shee Va. Depois de um livro em que assumia a ideia de fazer a ponte entre Ocidente e Oriente, o médico recorre agora a outro género literário para descodificar, em português, uma realidade chinesa que não se vê

[dropcap]C[/dropcap]omo é que surgiu a ideia de escrever um livro de ficção?
É uma ideia que vem de há muito tempo. Os espíritos acompanham-nos e estes, à moda chinesa, acompanham-me desde criança, porque ouvi falar deles pela primeira vez – ainda por cima, a povoar Macau – por um amigo de infância. Nessa altura eu vivia em Moçambique, esse rapaz chegou de Macau e contava as histórias todas sobre os espíritos e fantasmas que habitavam as casas antigas de Macau, de modo que isso fez o meu imaginário. Entretanto, quando aqui cheguei, em 2012, conheci um médium, que me contava histórias. Foi a partir do imaginário de infância e das histórias do mestre que resolvi escrever este livro. São crenças e superstições do povo chinês. Vem na linha daquilo que pretendo transmitir com os livros: dar a conhecer ao mundo lusófono – porque escrevo em português – a cultura chinesa. No meu primeiro livro, “Uma Ponte para a China”, tinha mesmo essa intenção.

Neste caso, optou por um romance para fazer passar a mensagem.
Sim, e há ainda a minha faceta de médico. O espírito deste livro é o de uma criança que morreu com uma doença genética. Cinco anos depois, os pais decidem refazer a vida e terem outro filho. Procuram ajuda junto da medicina ocidental e dos espíritos, porque a mãe da criança sentiu um espectro na altura em que o filho faleceu. Guardou o segredo durante cinco anos, nunca contou nada ao marido, mas quando decidem refazer a vida revelou que viu esse espírito, pelo que quer descobrir quem é.

Macau tem uma sociedade extremamente pragmática, consumista. É uma cidade que não pára. A vivência espiritual encontra espaço aqui?
Sempre. Os espíritos fazem parte da cultura chinesa, tanto que existem duas festividades chinesas relacionadas com os antepassados: uma no quarto mês lunar e outra no nono. O culto dos mortos é muito importante para os chineses. Uma das coisas que este mestre que conheci me disse – e que está também na base do livro – foi que se eu quisesse conhecer o futuro dos meus filhos poderia consultar um médium, que através da condução dos antepassados se pode prever a vida futura. Ou seja, há uma ideia na cultura chinesa de que os entes falecidos, que moram no firmamento, são espíritos bons que conduzem a nossa vida. Por isso é que, na cultura chinesa, é prestado culto a esses antepassados, para que nos protejam. Isto existe muito mesmo nesta população que é citadina e não tem que ver com o facto de haver muitos imigrantes que vêm de zonas rurais. Faz parte da educação, faz parte da cultura chinesa.

Tendo vivido grande parte da vida no Ocidente – primeiro em Moçambique, depois em Portugal, com algumas passagens por Macau –, mas tendo um contexto familiar chinês, sente que está numa posição privilegiada para desdobrar este tipo de códigos culturais?
Julgo que sim. Por poder fazer essa ponte é que pretendo fazer isso, mesmo que seja através de um romance. Consigo interpretar aquilo que os chineses sentem e transmitir ao mundo ocidental. Na apresentação que Beatriz [Basto da Silva] fez em Lisboa deste livro, achou interessante ter, pela primeira vez, uma pessoa chinesa a falar destes aspectos, porque normalmente os chineses são muito fechados, não se revelam muito. Eu, provavelmente sendo um aculturado, consigo revelar algumas coisas que os outros eventualmente não revelariam. Acho que posso ser essa ponte que liga o mundo ocidental ao mundo oriental.

Como é que lida com o facto de ter influência de tantas culturas diferentes?
A minha cultura é ocidental e a forma de pensar será ocidental. Mas não posso deixar de ter as raízes chinesas e elas chamam. Esta forma de revelar as coisas é talvez um chamamento. Tenho a necessidade de aprender – porque para mim também é uma aprendizagem – com a cultura chinesa e verificar que tem aspectos interessantes, mesmo que sejam no oculto. Por exemplo, há aspectos da medicina tradicional chinesa que são interessantes. Enquanto médico, devo compreendê-los. Outros, provavelmente, nunca chegarei a compreender, porque são conceitos fora do parâmetro ocidental. Quando se pergunta se a medicina ocidental se poderá ligar à oriental, penso que há aspectos em que sim. Em relação à cultura, penso o mesmo. Vivendo eu com um sentir ocidental, também sinto algumas coisas da cultura chinesa. Este sentir poderá ser raiz ou é genético? Isso não sei explicar. Este livro é também a procura da vida além da morte – podemos ir buscar as explicações conforme as religiões ou conforme as culturas. Talvez esta seja a minha pesquisa para o lado oriental. Acho que tem muito interesse quando se lida com uma cultura diferente poder compreendê-la. Talvez seja isso que quero transmitir. Portugal, neste momento, tem muitos chineses, o mundo inteiro tem muitos chineses. As populações não podem viver fechadas. Uma coisa que sinto em Macau é que foi durante muito tempo – e hoje em dia também – um sítio multicultural, mas em que as comunidades não interagem. Para mim, isso é mau – podia ganhar-se muito mais com a comunicação.

É médico, é amante de música clássica e faz estas incursões pelo mundo das letras. Como é que funciona o exercício da escrita?
É um hobby, tenho um prazer enorme em escrever. O trabalho é enorme, o trabalho de médico é stressante, talvez isto seja uma maneira de fugir ao stress. Para mim, o acto de escrever é muito individual, preciso de estar muito isolado para poder escrever e reflectir. É uma necessidade – é como se formasse um jardim meu e, quando estou a escrever, estou sozinho. Normalmente aproveito para escrever de madrugada, porque já descansei o suficiente: quando acordo tenho a cabeça e as ideias arrumadas. Poder-se-á dizer que o exercício da escrita é um escape, mas também é um prazer.


Depois de Lisboa, Macau

O livro de Shee Va, “Espíritos”, é apresentado hoje, às 18h30, na Fundação Rui Cunha, depois de ter sido lançado em Lisboa, no Fórum do Livro de Macau. À semelhança do que aconteceu na capital portuguesa, a sessão de hoje conta com a apresentação da historiadora Beatriz Basto da Silva. A obra é editada pela Livros do Oriente. As receitas da venda revertem integralmente para a Associação Amigos do Livro em Macau.


Uma semana, dois livros

“Espíritos” não é o único livro da autoria de Shee Va a ser apresentado esta semana em Macau. Amanhã, ao final da tarde, também na Fundação Rui Cunha, o médico lança uma obra sobre ópera: trata-se do primeiro tomo de dois acerca das óperas que fizeram parte dos cartazes do Festival Internacional de Música ao longo dos seus 30 anos de existência. O primeiro volume aborda as óperas até 1999. O lançamento do livro encerra a última sessão do ciclo “Conversas ilustradas com música”, sob o tema “Os sete pecados mortais na ópera”. O último pecado abordado é a ira, com a “Elektra” de Richard Strauss. A sessão começa às 18h30.

30 Nov 2016

China | Controlo sobre investimentos além-fronteiras reforçado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China vai tornar mais restrito o controlo sobre os investimentos de empresas do país além-fronteiras, segundo informações difundidas pelo Governo e imprensa, face ao rápido aumento da fuga de capitais registada nos últimos anos.

As autoridades vão “combinar a facilitação do investimento no estrangeiro com a protecção face aos riscos dos investimentos”, refere em comunicado a Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento, o organismo máximo chinês encarregado da planificação económica.

Entre as medidas destaca-se a “proibição da maioria dos negócios acima dos 10.000 milhões de dólares” e “bloqueio de investimentos superiores a 1.000 milhões de dólares em sectores não relacionados com as actividades da respectiva empresa”, detalha a agência Bloomberg.

Os grupos estatais passam também a estar proibidos de gastar mais de 1.000 milhões de dólares em propriedades além-fronteiras, acrescenta a agência, detalhando que as regras estarão vigentes até Setembro de 2017.

O investimento chinês além-fronteiras superou, em 2015, pela primeira vez, o valor investido por outros países na China, ao atingir os 145.000 milhões de dólares, um valor que representa um crescimento homólogo de 18%. Em Portugal, por exemplo, o país asiático tornou-se, nos últimos anos, um dos principais investidores, comprando participações importantes nas áreas da energia, dos seguros, da saúde e da banca. Os investidores chineses correspondem também a 74% dos vistos ‘gold’ emitidos desde a criação do programa, em Outubro de 2012.

As restrições surgem depois de Pequim ter encorajado as empresas do país a investir além-fronteiras, como forma de assegurarem fontes confiáveis de retornos e adquirirem tecnologia avançada.

Entretanto, o aumento da fuga de capitais disparou, suscitando preocupações face à desvalorização do yuan, a moeda chinesa, que bateu no nível mais baixo comparativamente ao dólar, em mais de oito anos. A agência de ‘rating’ Fitch estima a fuga de capitais do país asiático, entre o início de 2015 e meados deste ano, em um bilião de dólares.

Desigualdades

As empresas da União Europeia e Estados unidos queixam-se também pelo que consideram um “tratamento” desigual dado ao investimento no país.

“Para os chineses, a Europa é um ‘buffet’ variado, onde tudo decorre com facilidade, enquanto [na China], para nós, são quatro pratos e uma sopa”, afirmou em setembro passado Jorg Wuttke, o presidente da Câmara do Comércio da União Europeia (UE). Wuttke referia-se às restrições impostas por Pequim ao investimento externo no país, em áreas como telecomunicações, média, energia ou serviços financeiros e jurídicos.

O investimento chinês além-fronteiras – muitas vezes financiado com recurso a crédito barato cedido por bancos estatais – terá levado Pequim a questionar também a viabilidade de alguns activos.

Em Setembro passado, um representante do ministério do Comércio chinês afirmou que “algumas empresas fizeram aquisições além-fronteiras sem pensar”. “Descobrimos que algumas empresas não fizeram suficiente pesquisa sobre elementos básicos como os objectivos e a necessidade dessas operações”, disse.

“Algumas firmas procuram desenfreadamente expandir-se, enquanto outras são guiadas por motivos irracionais, como apenas seguir a tendência ou o desejo de ostentar”, acrescentou.

Em editorial, o jornal oficial China Daily afirmou ontem que as regras são dirigidas à “fuga de capital disfarçada de investimento”.

O jornal diz que o investimento chinês fora do país é um “desenvolvimento natural”, mas ressalva que, num período de incerteza, os riscos inerentes aos investimentos podem ameaçar a estabilidade financeira.

30 Nov 2016

China | Milhões desperdiçados em centrais a carvão “inúteis”

Serão cerca de 460 mil milhões de euros gastos em  centrais desnecessárias. A acusação parte da Carbon Tracker Initiative, uma ONG britânica que examina as implicações financeiras das alterações climáticas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China, primeiro emissor mundial de gases com efeitos de estufa, prevê gastar milhões de euros em centrais eléctricas a carvão de que não precisa, denunciou ontem uma associação ecologista.

O gigante asiático poderá gastar 460 mil milhões de euros nem centrais a carvão que vão continuar inutilizadas, estima um relatório da Carbon Tracker Initiative, uma organização que analisa as consequências financeiras das alterações climáticas.

Em Julho, as capacidades das centrais de carvão na China totalizavam 895 gigawatts (GW), mas essas 2.689 ‘fábricas’ “são apenas utilizadas durante metade do tempo”, advertiu o relatório.

No entanto, a construção de centrais a carvão continua a ritmo acelerado, a uma média de duas novas instalações por semana este ano.

As centrais já em construção acrescentariam 205 GW ao parque existente e os projectos adicionais outros 405 GW suplementares.

Sem justificação

Para a ONG de Londres, trata-se de “uma má alocação de capital, de uma magnitude nunca antes vista”. Um anterior relatório da Greenpeace referia a existência em Julho de 300 GW de capacidades excedentárias nas centrais a carvão.

“Para que estas capacidades adicionais fossem justificadas, até 2020, era preciso que a produção de energia aumentasse pelo menos 4% ao ano e que as centrais funcionassem a 45% das suas capacidades”, disse a Carbon Tracker Initiative.

Ora, a trajectória da segunda economia mundial sugere o inverso: o seu consumo energético não aumenta mais do que 3% ao ano, contra os 10% registados há alguns anos.

O carvão, de que a China é o primeiro consumidor mundial, continua a ser um carburante indispensável da sua economia, fornecendo 60% da sua electricidade.

O consumo do país duplicou no período 2004-2014, superando as quatro mil milhões de toneladas por ano.

29 Nov 2016

Xenofobia e outras considerações

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 21 o Irish Times publicou um artigo sobre uns desacatos que envolveram Rainer Garner, um dos directores executivos  da Daimler, uma marca alemã fabricante de automóveis, e um cidadão chinês.

Uma das principais exportações da Daimler para a China são os motores da Mercedes-Benz. Rainer Gartner foi director executivo da sucursal chinesa da Daimler durante mais de um ano. Antes tinha trabalhado em Seul como director executivo da Daimler Trucks Korea, sendo também responsável pela produção do modelo Mercedes-Benz Guard, os carros com placas blindadas da Daimler.

No anterior Domingo, dia 20,  estava Rainer a tentar arrumar o seu Mercedes numa zona de estacionamento em River Garden, em Pequim, quando um outro condutor local começou a fazer marcha atrás para tentar pôr o carro no mesmo espaço. A discussão começou, cada um reclamando do direito a arrumar o carro no referido local.

Durante a discussão este alto quadro da Daimler terá dito,

“Estou na China há mais de um ano e a primeira coisa que aprendi é que os chineses são todos uns filhos da mãe.”

As pessoas que passavam e que ouviram estas afirmações acercaram-se  de Garner e começaram a discutir com ele, e foi aqui que Rainer sacou de um spray de gás pimenta e os atacou. Do ataque resultou um ferido. As pessoas envolvidas no caso, por se terem sentido atacadas física e psicologicamente, divulgaram amplamente o sucedido na internet.

A Daimler apressou-se a emitir um comunicado para esclarecer a situação,

“Na Daimler, sempre respeitámos os povos e as culturas dos países onde nos instalamos, e o mesmo princípio é válido na China. Trabalham na empresa muitos cidadãos chineses responsáveis e estamos empenhados em colaborar juntos no sentido do progresso da sociedade chinesa.”

A empresa adiantou que o incidente estava a ser investigado e que seriam tomadas medidas em conformidade. Acrescentou ainda,

“Lamentamos profundamente o que se passou. A empresa não se identifica de forma alguma com as afirmações proferidas durante a discussão .”

Sabe-se que as pessoas envolvidas estão a preparar um processo contra Rainer Garner.

Não há dúvida que o que foi dito por Garner é inaceitável para qualquer cidadão chinês. Possivelmente noutros locais a expressão “filho da mãe”, não terá uma conotação tão negativa como na China, mas aqui é altamente insultuosa. E é claro que quem a ouviu se sentiu atingido e ficou furioso.

O artigo a que nos temos vindo a referir não explicava porque é que Garner recorreu ao spray de gás pimenta. Geralmente este gás é utilizado para dispersar multidões. Regra geral não provoca danos físicos, nas em circunstâncias muitos especiais pode ser letal. Aqui levantam-se duas questões. Em primeiro lugar somos levados a perguntar porque é que Garner teria o spray de gás pimenta. Segundo a lei de alguns países o gás pimenta pode ser visto como uma arma. Sem licença, o seu uso é proibido . Este será um dos principais motivos que levam o caso à justiça.

Em segundo lugar é preciso saber porque terá sido usado. Estavam muitos cidadãos chineses no local, mas Garner estava sozinho. Será que estas pessoas quiseram atacar Garner?  Os gritos, a forma rude como falou, podem ter instigado as pessoas. Mas a instigação é um elemento subjectivo e a sua avaliação vai depender em grande parte das declarações de Garner. Se ele afirmar que pressentiu sinais de agressão iminente, não é de admirar que tenha usado o spray para se defender.

O caso está a ser investigado e a polícia vai ter de encontrar respostas para estas questões. Só assim se poderá fazer justiça, quer para os cidadãos chineses quer para Garner.

Este caso alerta-nos para a noção de “respeito”, um elemento vital no relacionamento entre seres humanos. Independentemente de quem venha a ganhar o processo, Garner não deveria ter insultado os chineses enquanto povo. Desentendimentos e discussões acontecem constantemente em toda a parte. Se nos desentendemos com alguém é natural que o ataquemos. Mas se o ataque passar a ser dirigido ao grupo étnico a que essa pessoa pertence, o caso já muda de figura. Quanto mais pessoas foram chamadas à liça, mais complicada fica a situação.

Na sequência destes acontecimentos a Daimler despediu imediatamente Garner. O caso está a ser investigado pela polícia. Será melhor que os ânimos se acalmem, bem como as acusações mutuas. Quanto mais ruído houver pior será para ambas as partes. A melhor forma de resolver o assunto será esquecer e perdoarem-se uns aos outros.

29 Nov 2016

Huafeng prevê investir mil milhões de dólares em Angola

O investimento do grupo chinês, a ser aplicado nos próximos cinco anos, deverá abranger áreas tão diversas como a agricultura ou as indústrias transformadoras

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] grupo chinês Huafeng prevê investir mil milhões de dólares  em Angola, em sectores que vão desde a agricultura à pecuária, pescas e indústria transformadora, conforme acordo de investimento assinado com o Governo angolano.

O investimento, segundo informação divulgada sexta-feira em Luanda, será implementando num prazo de até cinco anos, nas províncias de Luanda, Moxico, Malanje, Lunda Norte, Huambo, Cuando Cubango, Benguela e Lunda Sul.

O acordo para o investimento do grupo chinês, celebrado quinta-feira, em Luanda, com a Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP), em representação do Estado angolano, prevê a criação de 1.500 postos de trabalho directos, em várias áreas.

Já com sede em Luanda e interesses na construção civil, reparação automóvel, exploração florestal e outras indústrias em Angola, aquele grupo privado chinês é presidido por Zhan Qiaoyang e empregava em 2013 quase um milhar de pessoas.

De acordo com a imprensa local, um dos primeiros projectos deste contrato será a construção de um centro de formação especializada no ramo de produção de sementes agrícolas, em Luanda, bem como a criação de gados bovino e suíno, aves, peixes.

Está também prevista a construção de uma fábrica de fertilizantes e outra de medicamentos, de acordo com a mesma informação.

Desejos de ministro

O ministro da Economia de Angola reiterou a 8 de Novembro, em Luanda, o desejo angolano de contar com o capital e recursos intelectuais, de gestão e tecnológicos da China, para promover o desenvolvimento nacional.

Abraão Gourgel discursava no encerramento do Fórum de Investimento Angola-China, promovido pela UTIP e que durante dois dias reuniu na capital angolana mais de 450 empresários chineses, tendo resultado na assinatura de acordos de intenção e tramitação de projectos de investimentos privados, avaliados em mais de 1,2 mil milhões de dólares.

O ministro afirmou que as infra-estruturas continuam a ser as prioridades do Governo de Angola, que conta com uma maior participação do sector privado, inclusive o estrangeiro, sob certas condições e com as garantias adequadas.

Segundo Abraão Gourgel, os sectores do agro-negócio, da indústria, da geologia e minas, comércio externo e turismo dispõem também de oportunidades de investimento com taxas de retorno diferenciadas e grande potencial de crescimento.

“O Estado angolano continuará, para esse efeito, a assegurar as necessárias garantias jurídicas aos investidores privados, bem como a implementar os quadros regulatórios adequados à protecção dos interesses nacionais”, referiu o governante.

Para Abraão Gourgel, o fórum permitiu dar início a um novo momento das relações económicas e empresariais bilaterais entre Angola e a China, o “momento do investimento directo privado chinês em Angola”.

28 Nov 2016

Executivo chinês com ligações a antigo assessor presidencial condenado

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] executivo chinês que alegadamente ofereceu o Ferrari com que o filho dum antigo assessor presidencial sofreu um acidente mortal foi sexta-feira condenado a quase cinco anos de prisão por uso ilegal de informação privilegiada e outros crimes.

Um tribunal do nordeste da China considerou Li You, antigo presidente executivo do Founder Group, um dos maiores grupos chineses do ramo da tecnologia, culpado do uso ilegal de informações privilegiadas e outros crimes.

Li foi condenado a quatro anos e meio de prisão e multado em 750,2 milhões de yuan, refere o comunicado difundido pelo tribunal intermédio de Dalian.

Fundado em 1986 com financiamento da Universidade de Pequim, o Founder Group opera nos sectores da informática, saúde, imobiliário, finanças e comércio de recursos naturais.

Segundo o jornal Beijing News, Li e o antigo presidente da empresa Wei Xin estão ligados ao braço direito do antigo Presidente da China Hu Jintao, Ling Jinghua, que em Julho passado foi condenado a prisão perpétua por obtenção ilegal de segredos de Estado e abuso de poder.

Em queda

Ling Jihua caiu em desgraça quando o seu filho Ling Gu morreu ao volante de um Ferrari, em Março de 2012, num episódio que abalou a liderança chinesa e coincidiu com o período de transição na cúpula do poder na China.

Os jornais chineses escreveram anteriormente que o Ferrari que Ling Gu conduzia foi-lhe oferecido por Li You.

Quase quatro anos depois daquele acidente, muitos pormenores continuam a ser segredo de Estado, mas sabe-se que Ling Gu seguia no carro com duas mulheres, uma delas totalmente nua, que ficaram feridas no acidente.

Ling Jihua terá recebido 6,43 milhões de yuan em subornos de Wei, avançou a agência oficial chinesa Xinhua, acrescentando que Ling sabia que Wei dava também dinheiro ao seu filho.

Dez outros executivos do grupo Founder foram também punidos hoje por uso de informações privilegiadas, ocultar informações financeiras e tentar obstruir a investigação.

Após ascender ao poder, em 2012, o Presidente chinês, Xi Jinping, lançou uma campanha anticorrupção, considerada a mais persistente e ampla na história da China comunista.

Aquela campanha resultou já na punição de um milhão de membros do Partido Comunista da China.

28 Nov 2016

Pequim declara apoio à integração comercial

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China disse ontem apoiar uma maior integração na região Ásia Pacífico, após o anúncio do futuro Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que vai retirar o seu país do Acordo de Associação Transpacífico (TPP).

O acordo, assinado a 4 de Fevereiro, depois de cinco anos de negociações, inclui os EUA, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname e abrange 40% da economia mundial.

Porém, não inclui a China, tendo sido entendido por Pequim como uma forma de conter a crescente influência económica do país no Pacífico.

“Estamos abertos a todos os acordos que são positivos para a integração, a facilitação do comércio, a paz e a prosperidade na Ásia Pacífico”, disse ontem o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Geng Shuang.

O porta-voz recordou que na recente cimeira da APEC (Fórum de Cooperação Económica Ásia Pacífico) os líderes do grupo concordaram em “aprofundar a integração económica e opor-se ao proteccionismo comercial”.

Geng considerou que os futuros tratados devem evitar a segmentação – numa referência à exclusão da China do TPP – e apelou a que sejam cumpridas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), de forma a manter vigente o sistema multilateral de comércio.

“Esperamos que todos os acordos se reforcem entre si, em vez de se debilitarem. Devemos evitar a segmentação dos acordos de livre comércio ou a sua politização”, insistiu.

Encruzilhada

O futuro Presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou na segunda-feira que vai retirar os EUA do Acordo de Associação Transpacífico quando chegar à Casa Branca por ser um “potencial desastre” para o país.

Alguns países consideram avançar com o TPP mesmo sem a participação norte-americana, enquanto outros apontam para tratados alternativos, como o Acordo Integral Económico Regional (RCEP), que inclui a China e exclui os EUA.

Geng lembrou que o RCEP não foi inicialmente proposto por Pequim, mas antes pelos dez países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), que têm mantido as negociações.

Pequim “espera que essas conversações possam produzir resultados em breve”, concluiu.

23 Nov 2016

A China tal como ela é 真实的中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] câmara de Michael Wolf é honesta, mas não é indelicada. Durante mais de vinte anos, o fotógrafo alemão abordou os seus temas com uma frescura que reflecte simultaneamente o passado e sugere o futuro.  Tomemos como exemplo uma das suas muitas sequências conceptuais.  A série de fotografias intitulada “Cadeiras Chinesas” não o fez cair nas boas graças da polícia chinesa, embora ele se tivesse esforçado por explicar que o seu trabalho era “inofensivo”. Mas, a polícia continuava a insistir que “prejudicava a imagem da China”. Não chegaram a prendê-lo, mas detiveram-no durante seis horas e confiscaram-lhe as fotos.  Num contraste marcado entre a bizarria dos edifícios luxuosos e dos Centros Comerciais que inundam o País, as “Cadeiras Chinesas” inventariam todo o tipo de assentos que dão corpo ao humor e à sabedoria da cultura chinesa.  Na minha opinião, estas “cadeiras” são a constância da China. Cada cadeira é um retrato de teimosia e determinação. Passam ao lado da moda, calmas, intimas e audaciosas: são a China como ela é.

Nascido em Munique, Wolf cresceu nos Estados Unidos. Chegou a Hong Kong em 1995. Se o leitor fizer uma visita ao seu website, pode ficar um pouco chocado com a obsessão pela separação e classificação, sob a batuta do rigor alemão.

Em a “Fábrica de Brinquedos” percebemos que para haver uma infinidade de brinquedos são necessários inúmeros trabalhadores. Assistimos à “Verdadeira Toy Story”, numa fábrica de brinquedos chinesa: uma azáfama de trabalhadores, um ambiente abafado, e pilhas de brinquedos de plástico.  Cerca de 75% dos brinquedos produzidos em todo o mundo são “Made in China”. São fabricados por gente real e não por máquinas.

Durante a produção da série “Arte Falsa Real”, Wolf pediu a um falsificador de arte chinês que lhe pintasse os girassóis de Van Gogh. Obteve a seguinte resposta: “É muito simples. Com 400 pinceladas está feito!” Esta conversa decorreu na Dafen Artist Village (subúrbio artístico de Shenzhen), onde vários milhões de “quadros famosos” são produzidos anualmente para exportação. Um “artista” despachado consegue fazer 30 obras-primas por dia.  Sim, claro, isto também é a China.

23 Nov 2016

China e EUA discutem cooperação na área da justiça

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hina e Estados Unidos da América discutem desde ontem como fortalecer a cooperação em assuntos da justiça, tal como a repatriação de fugitivos, uma questão determinante para a campanha anti-corrupção lançada por Pequim.

“As relações entre a China e os EUA são, sem dúvida nenhuma, umas das mais importantes no mundo”, afirmou ontem o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês Liu Zhenmin, na abertura do 14.º encontro entre os dois países para a cooperação em matéria de justiça.

“O cumprimento da lei e a colaboração policial são uma parte muito importante dessas relações”, acrescentou.

Durante o encontro, que ocorre até hoje em Pequim, e durante as quais participam o responsável norte-americano pela segurança e luta anti-droga, William Brownfield, Liu disse esperar que “os assuntos polémicos sejam tratados de forma adequada”.

O vice-ministro chinês destacou, como resultado da cooperação, o regresso à China na semana passada da fugitiva mais procurada por Pequim, Yang Xiuzhu, “com a ajuda” dos EUA.

“Este tipo de apoio insere-se nos compromissos alcançados entre o Presidente chinês, Xi Jinping, e o seu homólogo norte-americano, Barack Obama, em Setembro passado, durante a reunião entre os líderes dos países do G20”, disse.

Liu referiu ainda que Xi “falou na semana passada com o [Presidente eleito] Donald Trump e ambos pensam que falta alargar a cooperação a todos os aspectos”.

Ligações intrincadas

David Rank, embaixador adjunto dos EUA, sublinhou que o encontro entre Xi e Obama, à margem da APEC, “demonstra o quão complexas são as relações, que abarcam desde a segurança à economia, alterações climáticas e reforço da lei”.

“Isto inclui aumentar a cooperação na coordenação de investigações criminais, repatriações e luta contra os narcóticos”, afirmou.

“Hoje estamos aqui para assegurar que os compromissos realizados entre os nossos Presidentes se levam a cabo”, acrescentou, numa altura em que o desenvolvimento futuro das relações é uma incógnita, após a vitória de Trump nas eleições.

O fórum ocorre num período em que Pequim reforça a campanha “Skynet”, que visa repatriar suspeitos de corrupção que escaparam para o estrangeiro – a maioria por crimes económicos e muitos evadidos nos EUA.

O mais mediático alvo da campanha é o empresário Ling Wancheng, irmão do ex-director do Comité Central do Partido Comunista Chinês e adjunto do antigo Presidente Hu Jintao, Ling Jihua, que foi condenado este ano à prisão perpétua.

22 Nov 2016

China | Denunciadas cargas incompletas de petróleo de Angola

Quase 90% dos carregamentos de petróleo provenientes do poço angolano de Saturno que chegaram a Huangdao, norte da China, nos primeiros dez meses do ano tinham peso a menos, noticiou a imprensa local

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo o maior jornal da província de Shandong, o Qi Lu Wan Bao, 45 dos 51 carregamentos provenientes de Saturno traziam menos carga do que o acordado, estando a perda para os compradores estimada em 2,21 milhões de dólares.

No total, as encomendas oriundas daquele poço de águas ultra-profundas, situado no bloco 31, costa norte de Angola, apresentaram um défice de 7.690 toneladas, destaca o jornal, que cita a alfândega de Huangdao.

No caso em que os carregamentos apresentaram maior irregularidade, o valor em falta ascende a 0,5% do total.

A mesma fonte justifica o défice com a “densidade do petróleo acima do normal” e o “carregamento insuficiente no porto de carga”, estimando a perda para os compradores em 2,21 milhões de dólares.

Situada na província de Shandong, a ilha de Huangdao é sede de uma das principais refinarias do gigante estatal Sinopec no norte da China, e extremo de um dos oleodutos que fornece o nordeste chinês.

No pódio

Entre Janeiro e Outubro, Huangdao recebeu 3,6 milhões de toneladas de petróleo oriundos de Saturno, o que coloca o poço angolano entre o terceiro maior fornecedor, a seguir a Meery16, na Venezuela, e ESPO, na Rússia.

As autoridades recomendaram aos importadores chineses que, ao assinar o contrato de compra com o fornecedor angolano, devem identificar claramente o método de pesagem e realizar uma inspecção no porto de carga.

O bloco 31 tem o petróleo mais barato produzido em Angola e já rendeu em receitas para o Estado, entre Janeiro e Setembro, 57.104 milhões de kwanzas (321 milhões de euros), segundo dados do Ministério das Finanças de Angola.

É explorado por um consórcio que integra a BP (26,67% do capital), a Statoil (13,33%), a Sonangol Sinopec International (15%) e a estatal angolana Sonangol (45%), que é também operadora do bloco.

Em Julho passado, Angola ultrapassou a Arábia Saudita e a Rússia e tornou-se no principal fornecedor de petróleo da China, segundo dados das Alfândegas chinesas.

Em Agosto e Setembro, o país africano manteve aquela posição.

21 Nov 2016

China |Investimento directo no exterior aumentou 53,3%

Serviços e consumo são agora os sectores mais solicitados pelos chineses para aplicar capital. Os investimentos além-fronteiras chegaram a 162 países e regiões

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s empresas chinesas investiram 145,96 mil milhões de dólares no exterior, entre Janeiro e Outubro, um aumento de 53,3%, face ao mesmo período de 2015, consolidando a posição da China como investidor externo.

O valor supera o investimento directo estrangeiro na China, que nos primeiros dez meses do ano aumentou 4,2%, em termos homólogos, fixando-se nos 90.500 milhões de euros.

Os dados do Ministério do Comércio chinês detalham que, em Outubro, o investimento feito pela China além-fronteiras subiu 48,4%, face ao mesmo mês de 2015, para 11,74 mil milhões dólares.

Pequim tem encorajado as empresas do país a investir além-fronteiras, como forma de assegurar matérias-primas e fontes confiáveis de retornos, face aos sinais de abrandamento na economia doméstica.

Os investimentos chineses chegaram a 162 países e regiões, tendo beneficiado sobretudo Hong Kong, os países do sudeste asiático e da União Europeia, Austrália, Estados Unidos da América, Rússia e Japão.

Os EUA registaram a maior subida, com o capital chinês no país a registar um aumento de 173,9%, nos primeiros dez meses do ano.

Mudança de rumo

A tendência do investimento chinês tem-se também alterado nos últimos anos, com crescente preponderância do sector dos serviços e do consumo.

Os números oficiais demonstram que, nos primeiros dez meses do ano, a maioria do montante de investimento chinês fora do país se dirigiu para os serviços comerciais, retalho e manufactura.

“Anteriormente dominado por grandes empresas estatais que procuravam ferro e cobre, o investimento chinês agora inclui conglomerados do sector privado que compram estúdios de cinema nos EUA e casas de moda na Europa, assim como empresas apoiadas pelo Estado a adquirir firmas no sector da tecnologia”, notou o banco HSBC em comunicado.

A China é a segunda economia mundial, a seguir aos EUA, e a maior potência comercial.

Nos últimos anos, Portugal tornou-se um dos principais destinos do investimento chinês na Europa, logo a seguir ao Reino Unido, Alemanha e França, num montante que já ultrapassou os 10.000 milhões de euros, segundo fontes portuguesas.

21 Nov 2016

EUA | Senadores republicanos querem lei que puna a China

Primeiro foi uma comissão do Congresso, depois dois senadores. Os dias conturbados que se vivem na antiga colónia britânica são motivo de preocupação em Washington. Pequim só já pensa em Trump

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s senadores norte-americanos Marco Rubio e Tom Cotton apresentaram esta semana uma proposta de legislação que visa punir quem tente restringir a democracia em Hong Kong.

A Lei da Democracia e dos Direitos Humanos de Hong Kong irá “renovar o compromisso histórico dos Estados Unidos com a liberdade e a democracia em Hong Kong, numa altura em que a sua autonomia tem vindo a ser colocada cada vez mais em causa”, defendeu Cotton, num comunicado reproduzido pelas agências internacionais de notícias.

Com esta proposta, pretende-se definir “medidas punitivas contra as autoridades de Hong Kong ou da China Continental responsáveis por atentarem contra a liberdade” na antiga colónia britânica, “especialmente no caso dos sequestros de certos editores e livreiros”.

A legislação – que tem ainda de ser aprovada – irá, entre outros aspectos, servir para pedir ao Presidente norte-americano que identifique aqueles que foram responsáveis pela “vigilância, sequestro, detenção e confissões forçadas” de editores e jornalistas de Hong Kong. O objectivo é congelar bens que possam ter nos Estados Unidos e impedir que entrem no país.

Tom Cotton considera que os Estados Unidos devem liderar o mundo no que diz respeito às exigências em relação à China: Pequim tem de cumprir o acordo supranacional sobre a autonomia de Hong Kong que firmou com o Reino Unido.

“A lei irá dar poderes ao Presidente para que Pequim seja responsabilizado, e enviar uma mensagem forte às autoridades chinesas que tentam acabar com a liberdade em Hong Kong e violam os compromissos sem que haja quaisquer consequências”, sublinhou o republicano.

Para o senador, as grandes vantagens da antiga colónia britânica estão a ser desperdiçadas pelo Governo Central: “A identidade única, a tradição de liberdade, o Estado de Direito e a economia de mercado podem ser um modelo para a China, para que seja um actor mais importante no mercado internacional”.

Marco Rubio encontrou-se esta semana com o activista pró-democrata Joshua Wong (ver texto nestas páginas), nos Estados Unidos, e teceu elogios ao papel que o jovem de 20 anos tem desempenhado “na luta pela democracia”.

“Joshua Wong é um jovem impressionante que, juntamente com os seus colegas activistas, representa o futuro de Hong Kong – um futuro que não pode seguir o caminho do autoritarismo falhado e do partido único de Pequim”, atirou o senador republicano.

Rubio acrescentou que, nos últimos tempos, o Governo Central chinês tem colocado em causa o princípio “um país, dois sistemas” e violado a liberdade dos residentes da região administrativa especial, um direito que devia estar garantido.

“Isto foi revelado no último ano através do sequestro dos editores de Hong Kong e com o que aconteceu com o juramento na sequência das eleições legislativas de Setembro”, apontou. “E culminou na semana passada, com a intervenção sem precedentes de Pequim no sistema legal de Hong Kong, que impede dois deputados democraticamente eleitos de ocuparem os seus assentos.”

Mau para a economia

A iniciativa legislativa dos dois senadores republicanos acontece na semana em que um painel do Congresso norte-americano apresentou um relatório sobre um “alarmante aumento” da ingerência da China em Hong Kong – o documento levanta mesmo questões sobre a continuidade do território enquanto plataforma financeira em termos mundiais.

A comissão do Congresso responsável pela elaboração do relatório reflecte, sobretudo, o sequestro e detenção dos cinco livreiros que trabalhavam na antiga colónia britânica, dando ainda destaque ao que entende serem as pressões nos media e na liberdade académica.

No documento de 33 páginas defende-se uma investigação do Departamento de Estado sobre a autonomia e a liberdade em Hong Kong, sugerindo-se ainda um acompanhamento da situação por parte do Congresso.

“O posicionamento tradicional de Hong Kong enquanto centro financeiro tem implicações económicas importantes para os Estados Unidos, uma vez que as relações comerciais e os investimentos entre ambas as partes são substanciais”, salientam os autores do relatório.

No que diz respeito aos livreiros, a comissão escreve que “o incidente ameaçou a manutenção do princípio ‘um país, dois sistemas’”, acrescentando que as eleições de Setembro passado para o Conselho Legislativo aconteceram num clima de receio em relação a uma “alarmante interferência do continente em Hong Kong”.

O documento foi apresentado numa altura sensível das relações entre Pequim e a antiga colónia britânica. Esta semana, o Supremo Tribunal da região deu razão à reivindicação do Governo de C.Y. Leung sobre os dois deputados eleitos pró-independentistas que não cumpriram os requisitos do juramento – não vão poder tomar posse. A decisão do tribunal de Hong Kong vai ao encontro da interpretação da Lei Básica que já tinha sido feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional.

Hong Kong já reagiu ao relatório – as autoridades da região pedem que os países estrangeiros se abstenham de interferências nos assuntos internos do território.

Mais amigos

Entretanto, nos Estados Unidos, o embaixador chinês no país defendeu que Pequim e Washington devem evitar suspeitar das intenções estratégicas um do outro, numa mensagem que é já dirigida à presidência de Donald Trump.

O republicano vencedor das eleições do passado dia 8 não foi meigo em relação à China durante a campanha eleitoral – os analistas entendem que será bem provável que mude de atitude quando chegar à Casa Branca.

Para já, fica a declaração do diplomata Cui Tiankai: é importante construir o consenso e identificar prioridades comuns. “Temos de fazer esforços maiores para promover o entendimento mútuo e temos de ser cuidadosos para evitar suspeitas acerca das intenções de cada país”, vincou.

“É inevitável que surjam problemas e desafios nos próximos quatro anos, mas acredito que, em termos gerais, no geral, a relação vai avançar de forma estável pelo caminho certo”, acrescentou o embaixador.

Donald Trump e o Presidente Xi Jinping falaram no início desta semana ao telefone. O líder chinês defendeu que a cooperação é a única hipótese para as duas maiores economias do mundo, com Trump a comentar que ficou criado um “mútuo respeito claro”.

Como terá acontecido um pouco por todo o mundo, a eleição do republicano gerou incertezas em Pequim, onde também se preparam mudanças ao nível da liderança política.

Para já, e enquanto Trump não assume o cargo para se ver qual será a estratégia em relação ao país, os Estados Unidos vão mostrando a Pequim que há um lado da China que estão dispostos a contestar.

O recado de Joshua a Trump

O jovem activista pró-democracia de Hong Kong Joshua Wong instou o Presidente eleito norte-americano a apoiar os direitos humanos na antiga colónia britânica, com o argumento de que estão sob ameaça de Pequim.

“Sendo um empresário, espero que Donald Trump possa conhecer a dinâmica em Hong Kong e saiba que, para manter os benefícios do sector empresarial em Hong Kong, é necessário apoiar plenamente os direitos humanos para manter a independência judicial e o Estado de direito”, afirmou.

Wong falava num evento em Washington, no Capitol Hill, organizado pelo painel do Congresso norte-americano que monitoriza os Direitos Humanos na China.

Em 2014, Joshua Wong, na altura com 17 anos, foi o rosto dos protestos em prol do sufrágio universal em Hong Kong, que culminaram na ocupação durante 79 dias de algumas zonas da cidade. Já este ano, foi co-fundador do partido Demosisto, que defende um referendo sobre a “autodeterminação” e o futuro estatuto da região.

O jovem activista disse ainda que a comunidade internacional tem a responsabilidade moral de “manter os olhos em Hong Kong”, alegando que o Governo Central está a atacar as liberdades consagradas no acordo que sustentou a transferência de administração.

Joshua Wong afirmou também que os sete milhões de habitantes de Hong Kong merecem a democracia.

18 Nov 2016