Académicos reticentes quanto aos novos manuais de história feitos com a China

A produção de manuais de História uniformizados com os do interior da China é uma iniciativa prevista para o ano lectivo de 2019/2020 que suscita, desde já, reacções diferentes. Tereza Sena acha que é uma iniciativa “louvável”, desde que reserve espaço para as particularidades de Macau. Larry So considera que se trata de um acto político

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] uniformização da produção de materiais escolares para a disciplina de História com o interior da China, medida anunciada esta semana pelo Chefe do Executivo, é vista por académicos do território de forma diferente. Os novos livros deverão chegar às escolas no ano lectivo de 2019/2020, confirmou Chui Sai On no debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG). Se para a historiadora Tereza Sena é uma iniciativa positiva, para o sociólogo Larry So trata-se de uma manobra política.

“Faz sentido que a história da China seja ensinada em Macau, mas tem de existir uma parte reservada à história local”, afirma Tereza Sena ao HM. Macau é uma região administrativa especial e tem um passado diferente do da China e, mesmo com a uniformização dos manuais, “faz sentido que também tenha direito à sua própria história”.

Os livros vão ser concebidos pela Direcção dos Serviços da Educação e Juventude (DSEJ) em conjunto com os serviços homólogos do Continente. “Apesar da concepção de livros de História de Macau ser um projecto recorrente no território, é louvável a iniciativa anunciada por Chui Sai On. Este é um projecto de que já se falou várias vezes e que, não se sabe porquê, acabou por não se concretizar”, explica a historiadora.

No que respeita às equipas que poderão colaborar na produção dos manuais, com o conhecimento referente ao território, a historiadora considera que “hoje em dia há excelentes investigadores – tanto chineses como portugueses e de outras nacionalidades – no que respeita à investigação acerca da História local, pelo que há uma abordagem científica rigorosa”, sendo que um trabalho conjunto se afigura a melhor solução.

Apesar de elogiar a iniciativa, não foi sem dúvidas que Tereza Sena recebeu a notícia. “Há conteúdos para fazer um manual. Agora, resta saber se o manual de que Chui Sai On fala será uma visão partilhada ou uma história direccionada”, lança, considerando que “a história de Macau já ultrapassa até mesmo as abordagens mais nacionalistas”.

A historiadora sublinha que o trabalho feito em língua chinesa acerca da história do território “é muito interessante”, mas há outros, também de valor, e noutras línguas com outras origens. “Desde que seja uma visão partilhada de Macau, acho muito bem, até porque esta é uma terra que pertence a todos e representa um lugar de encontro mundial, em que não há só chineses ou portugueses”, explica.

Para a investigadora, o ideal será um manual que conte com o contributo dos vários grupos identitários que têm passado pelo território. Recorda ainda que “já existe uma academia em Macau em que há diálogo e há troca de conhecimento”, sendo que espera que a iniciativa espelhe o trabalho conjunto que tem vindo a ser feito “com os melhores e mais recentes contributos”.

Politiquices

As directivas anunciadas por Chui Sai On representam, para o sociólogo Larry So, uma manobra política. “Penso que esta é uma orientação política porque o assunto pode ser crítico e é uma forma de manipulação”, defende ao HM.

Para Larry So, o facto de as pessoas, desde pequenas, aprenderem as coisas de determinada maneira é algo que fica registado, e o modo como são dadas as informações pode fazer com que pensem que o que é bom e verdadeiro é o que lêem nos livros escolares: “Ficarão a pensar que é aquilo que se passou”. Para o analista, é claro que “com este tipo de iniciativa, os livros podem ser manipulados e isso é, de facto, um assunto político e não de conhecimento”.

Larry So não entende porque é que a produção de um livro escolar tem de ser feita por um Governo. “Porque é que um Governo faz um manual?” questiona, considerando que “há pessoas na comunidade com formação em educação, com o conhecimento para o fazer e que podem realmente transmitir a história e não a afectar”.

No entanto, não deixa de considerar que a história apresentada vai sendo mudada com o tempo. “Penso também que, de vez em quando, todos nós alteramos a história, até pela forma como a olhamos.” Larry So espera que os manuais anunciados “se cinjam à transmissão de factos sem terem associada uma interpretação ideológica”.

No que respeita à história local, marcada pela presença portuguesa, Larry So considera que os conteúdos dos livros de História “não vão embaraçar as relações com os portugueses e que vão respeitar a sua presença de modo a promover promover uma amizade nova com o país, diferente da que existiu durante cerca de 400 anos”, na sequência das directrizes de Pequim dadas recentemente ao território, com a visita do primeiro-ministro Li Keqiang.

 

18 Nov 2016

Corrupção | Fugitiva mais procurada regressou à China

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] fugitiva mais procurada pelas autoridades chinesas, Yang Xiuzhu, regressou na quarta-feira à China, no âmbito da campanha lançada por Pequim “Skynet”, que visa repatriar suspeitos de corrupção que escaparam para o estrangeiro.

Yang, antiga vice-presidente da câmara de Wenzhou, na costa leste chinesa, aterrou em Pequim para se entregar às autoridades, depois de 13 anos evadida em países da Ásia, Europa e nos Estados Unidos da América.

A mulher de 70 anos é acusada de ter desviado um valor equivalente a 37 milhões de euros.

O seu nome aparecia afixado no topo da lista com os cem cidadãos da China mais procurados além-fronteiras, publicada pela secção chinesa da Interpol.

Yang foi levada sob custódia, após ter sido acompanhada desde o avião por duas polícias, segundo imagens difundidas em directo pela televisão estatal.

Trata-se do 37.º fugitivo que consta na lista dos 100 mais procurados por Pequim a ser repatriado, segundo a Comissão Central de Inspecção e Disciplina (CCID), o órgão máximo anti-corrupção do Governo chinês.

A detenção de Yang é “um feito importante da cooperação entre a China e os EUA no reforço da aplicação da lei anti-corrupção”, anunciou em comunicado a CCID.

No ano passado, o órgão anti-corrupção do Partido Comunista Chinês (PCC) conseguiu também a repatriação do irmão de Yang, Yang Jinjun, suspeito de corrupção e suborno e que integrava também a lista dos mais procurados.

Batalha polémica

A campanha “Skynet” tem sido também controversa, com alegações de que agentes chineses têm operado secretamente além-fronteiras, sem o consentimento das autoridades locais.

Após ascender ao poder, em 2012, o Presidente da China, Xi Jiping, lançou uma campanha anti-corrupção que resultou já na punição de mais de um milhão de funcionários chineses.

A campanha não inclui, porém, maior transparência, como exigir a declaração de bens aos membros do Governo ou a supervisão do PCC por um organismo independente.

Na semana passada, um vice-ministro da Segurança chinês foi eleito presidente da Interpol, uma escolha inédita e que mereceu críticas por parte de advogados dos Direitos Humanos preocupados com os abusos e falta de transparência do sistema jurídico chinês.

18 Nov 2016

Camponês executado por homicídio motivado por demolição forçada

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades chinesas executaram ontem Jia Jinglong, o camponês que matou um funcionário local depois de a sua casa ter sido demolida, num caso que suscitou o debate na China sobre o abuso de poder.

Jia Jinglong foi executado em Shijiazhuang, a cerca de 300 quilómetros de Pequim, após receber a última visita dos familiares, noticiou a agência oficial chinesa Xinhua.

O recurso do camponês foi rejeitado pelo Tribunal Supremo do Povo no mês passado.

O homicídio, em Fevereiro de 2015, suscitou a simpatia dos chineses vítimas de abuso do poder e dois jornais estatais difundiram editoriais apelando a que Jia fosse poupado.

“Jia não teria provavelmente agido daquela forma se a sua perda tivesse sido devidamente tratada”, escreveu então o jornal oficial em língua inglesa China Daily.

Em 2013, o camponês opôs-se à demolição da sua casa, que visava a construção de um complexo residencial, argumentando que não recebeu a compensação justa.

O seu casamento, já marcado, acabou por ser cancelado e Jia começou a planear o assassinato do chefe local do Partido Comunista Chinês, He Jianhua.

No ano passado, Jia dirigiu-se ao homem de 55 anos, durante uma reunião entre os funcionários locais, e deu-lhe um tiro na cabeça.

O seu acto foi “extremamente cruel e o seu efeito na sociedade extremamente negativo”, referiu a Xinhua, que cita o Tribunal Supremo.

Fonte de tensão

O caso ilustra a frequente tensão entre moradores e autoridades em torno das demolições forçadas na China, onde o sistema legal continua a ser débil e o cidadão comum tem poucas hipóteses de obter justiça em casos envolvendo as autoridades.

A venda de terrenos é uma fonte importante de rendimentos para os governos locais, o que fomenta o uso da força para expulsar os moradores.

Vários casos dão conta de subornos pagos pelos construtores de imobiliário às autoridades locais, visando a expulsão dos residentes de suas casas.

Em Maio, um aldeão chinês foi abatido a tiro pela polícia, na província de Henan, centro da China, após ter matado um funcionário do Governo e dois homens quando resistia a uma demolição forçada.

Segundo relatou a imprensa chinesa, Fan Huapei, de 36 anos, terá matado um responsável pelo gabinete administrativo do distrito de Huiji, na cidade de Zhengzhou, e dois trabalhadores da equipa de demolição e ferido um terceiro trabalhador.

De acordo com o jornal Beijing News, centenas de locais compareceram no funeral de Fan, enquanto 150 aldeões e um grande número de pessoas não identificadas contribuíram com donativos para a família.

“A China carece de uma supervisão efectiva em casos de demolições forçadas. As pessoas com propriedades que são demolidas reagem violentamente, e os seus actos são vistos como heróicos”, afirmou na altura ao jornal oficial Global Times Hu Xingdou, professor do Beijing Institute of Technology e especialista em questões sociais.

16 Nov 2016

Portugal | Relações comerciais com a China vão reforçar-se

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ministro da Economia considerou ontem que as relações comerciais com a China vão reforçar-se no futuro, destacando que “a China vê Portugal como um parceiro estratégico” não só para investimentos no país, mas também na lusofonia.

“As relações com a China vão reforçar-se ainda mais nos próximos anos; a China vê Portugal como um parceiro estratégico e Portugal vê a China como um grande mercado com muitas oportunidades”, disse Manuel Caldeira Cabral à margem do primeiro Fórum Económico Portugal-China, que decorre até esta quarta-feira em Lisboa.

Para o ministro, uma das grandes vantagens de Portugal passa por ser uma porta de entrada não só para outros mercados europeus, mas também para os mercados lusófonos, com o Brasil, Angola ou Moçambique.

“Há oportunidades muito interessantes na cooperação tripartida para projectos em países africanos, no Brasil e no desenvolvimento de Portugal como plataforma de entrada para as empresas chinesas no mercado europeu, podendo juntar a capacidade técnica e o conhecimento de Portugal dos mercados lusófonos com a capacidade financeira e a dimensão das empresas da China”, acrescentou o governante.

A vantagem para as empresas portuguesas, salientou Caldeira Cabral, é a possibilidade de juntar o conhecimento técnico português com o músculo financeiro chinês, a segunda maior economia do mundo, que apesar da fase de abrandamento do crescimento económico, não tem problemas de liquidez.

A junção das empresas “permite alavancar e fazer grandes investimentos em países como o Brasil, Angola e Moçambique, para os quais as empresas portuguesas têm capacidade técnica mas podem não ter capacidade financeira para investir e responsabilizar-se pelos investimentos”, defendeu o governante.

Está na moda

Manuel Caldeira Cabral concordou que “Portugal está na moda em áreas como o turismo ou o imobiliário”, mas destacou que o país “é e quer afirmar-se como um país aberto que acolhe investimento não só da China, mas de todo o mundo, porque é um factor importante para o nosso crescimento”.

Portugal, disse, é olhado pelos investidores como um país que é “um bom lugar para investir, seguro, que garante estabilidade, competitivo e com trabalhadores qualificados que são capazes de dar resposta aos avanços tecnológicos”.

16 Nov 2016

China | Consumo privado irá contribuir para quase metade da economia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] consumo privado contribuirá para quase metade da economia chinesa, em 2030, segundo a unidade de análise da revista The Economist, após no ano passado ter constituído pela primeira vez o principal motor de crescimento do país.

A Economist Intelligence Unit (EIU) prevê que o poder de compra dos consumidores chineses cresça a um ritmo médio de 5,5%, até ao final da próxima década, compensando a queda no investimento público e exportações.

“O volume do aumento do consumo privado chinês que estimamos para os próximos 15 anos é superior ao nível actual do consumo na UE [União Europeia]”, refere o estudo.

Pequim está a encetar uma reconfiguração do modelo económico do país, visando uma maior preponderância do consumo interno, em detrimento das exportações e do investimento em grandes obras públicas.

Em Outubro, as exportações da maior potência comercial do planeta recuaram pelo sétimo mês consecutivo, com as empresas chinesas forçadas a subir os preços, face ao aumento dos custos com a mão-de-obra e produção.

Por outro lado, no ano passado, o consumo privado subiu 8,4%, em termos homólogos, superando o ritmo de crescimento da economia chinesa, que se fixou em 6,9%.

Os consumidores chineses contribuem agora para 38% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, uma percentagem que é pela primeira vez superior ao investimento público e às exportações.

Na análise enviada esta semana aos investidores e a que agência Lusa teve acesso, os analistas da revista britânica The Economist prevêem que, em 2030, o consumo privado represente 47,4% do PIB chinês.

O estudo refere que 35% da população chinesa, ou cerca de 480 milhões de pessoas, terão um rendimento médio alto ou elevado, um segmento que situa acima dos 10.000 dólares.

Trata-se de um aumento significativo, face aos actuais 132 milhões de consumidores chineses – dez por cento da população – com um rendimento anual acima daquele montante.

Já a percentagem de população com rendimentos mais baixos – inferiores a 2.100 dólares – deverá cair dos actuais 36,9% para 11%, enquanto aquela com rendimentos mais elevados – acima dos 32.100 dólares – aumentará de 2,6% para 14,5%.

“A China vai parecer-se mais com uma sociedade de classe média, apesar de que a desigualdade continuará a constituir um desafio”, refere o estudo do EIU.

Por todo o lado

Os analistas consideram ainda que os altos rendimentos se tornarão mais dispersos: as cidades de Changsha, Chengdu e Wuhan e o município de Chongqing, todos situados no sudoeste do país, terão cada um pelo menos dois milhões de consumidores com rendimento elevado.

“Estas cidades recorreram a mão-de-obra e terrenos baratos para atrair empresas chinesas e estrangeiras, que procuram escapar ao aumento dos custos nas cidades costeiras. Isto ajudou a aumentar os níveis de rendimento, emprego e criação de riqueza”, refere o EIU.

Mas serão os grandes centros urbanos – Pequim, Cantão, Xangai e Shenzhen – que continuarão a ter o maior número de habitantes com rendimento elevado.

Em Xangai, por exemplo, o número de residentes com um rendimento anual acima dos 32.100 dólares corresponderá a 43,2% da população – 10 milhões de pessoas.

“Estes aumentos previstos nos níveis de rendimento significam que os hábitos de consumo dos chineses também vão sofrer alterações”, refere o estudo.

Os economistas do EIU prevêem que os novos consumidores com rendimento médio baixo vão consumir mais produtos e serviços, enquanto aqueles do segmento médio alto vão comprar produtos de marca e com qualidade.

Já o aumento da população com rendimentos elevados acarretará novas formas de consumo, que beneficiarão os sectores dos seguros e de gestão de património.

“Entender como o comportamento do consumidor chinês se vai desenvolver nos próximos 15 anos será importante para as empresas se anteciparem”, sublinha o estudo.

15 Nov 2016

Pequim com plano para reunir progenitores migrantes com filhos deixados para trás

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China está a analisar formas de reunificar milhões de famílias separadas devido à migração interna, que resultou em que mais de nove milhões de crianças cresçam longe dos pais.

Segundo o jornal oficial China Daily, o novo ministro dos Assuntos Civis, Huang Shuxian, avançou com essa proposta esta semana, durante a sua primeira reunião após suceder no cargo a Li Liguo.

Devido ao alto custo de vida nas cidades e às restrições na autorização de residência, que limitam o acesso a serviços básicos como educação e saúde pública, milhões de trabalhadores optam por deixar os filhos ao cuidado de familiares. Em muitos casos, os pais só visitam as crianças uma vez por ano.

Um censo divulgado pelo Governo na quinta-feira estima que o total de crianças “deixadas para trás” ascende a 9,02 milhões.

Quase 90% – 8,05 milhões – vive com os avôs, 3% com outros familiares e 4% permanece só – quase 400.000 crianças.

Uma das soluções propostas por Huang, segundo o China Daily, seria conceder autorização de residência (Hukou, em chinês) aos menores que migram com os pais, para que possam ir à escola nas cidades ou recorrer ao serviço nacional de saúde.

A autorização de residência ‘Hukou’ é um sistema implantado em 1958, durante o Governo de Mao Zedong, para controlar a migração massiva dentro do país e assegurar a continuidade da produção agrícola e a estabilidade social nos centros urbanos.

O ministro propôs ainda a adopção de medidas para estimular os pais a voltar a casa e o apoio aos menores que abandonaram os estudos para que voltem à escola.

Campo de fatalidades

A ocorrência de tragédias envolvendo estas crianças é frequentemente notícia na imprensa chinesa.

No ano passado, quatro irmãos, com idades entre os cinco e os 14 anos, abandonados pelos pais durante meses, morreram depois de terem ingerido pesticida em Bijie, na remota província de Guizhou.

No total, cerca de 60 milhões de chineses cresceram longe dos pais, desde as reformas económicas lançadas no país no final da década de 1970, que resultaram na transição de uma sociedade maioritariamente agrária para uma urbano-industrial, a um ritmo ímpar na História da humanidade.

14 Nov 2016

Hong Kong | Susana Chou defende interpretação feita por Pequim

A ex-presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou, escreveu no seu blogue que defende a interpretação feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional em relação a Hong Kong, que inviabilizou a tomada de posse a dois deputados

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]usana Chou reagiu à mais recente polémica que tem vindo a assombrar o Conselho Legislativo de Hong Kong (Legco, na sigla inglesa). Num texto escrito no seu blogue, a antiga presidente da Assembleia Legislativa (AL) de Macau disse concordar com a decisão tomada pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), que inviabilizou a tomada de posse dos deputados pró-independência Sixtus Leung e Yau Wai-ching. Susana Chou considera que os discursos de tomada de posse não estão de acordo com o disposto na Constituição chinesa nem na Lei Básica de Hong Kong, além de transcenderem “largamente” os limites impostos pela política “um país, dois sistemas”. Para a ex-presidente, os jovens deputados devem ser expulsos do Legco.

Susana Chou diz “lamentar” a confusão que se instalou no meio político da região vizinha, considerando que Sixtus Leung e Yau Wai-ching são piores do que alguns deputados do LegCo, que já considera como sendo “bandidos comuns”. “Defendo a resolução para que se expulse os independentistas que estão a derrubar a política ‘um país, dois sistemas, que traem os seus professores e ligações que mantém fora do Legco”, escreveu.

A antiga líder da AL lamenta os sucessivos escândalos e conflitos que têm originado várias suspensões de plenários do Conselho Legislativo. “Assumi o cargo de presidente da Assembleia durante dez anos e sempre houve uma cooperação estreita com os deputados. Essa é uma condição fundamental para o tranquilo procedimento das reuniões”, apontou.

Quanto aos jovens deputados, “além de não amarem o seu país, também não se reconhecem como cidadãos chineses e, nos seus discursos, foram ofensivos”. “Eles promovem a independência de Hong Kong e a democracia, e estas opiniões não cumprem o que está estabelecido na Constituição nacional e na Lei Básica de Hong Kong.”

No texto publicado no seu blogue, único meio onde expressa as suas opiniões, Susana Chou falou do caso de um jovem de Macau que lhe perguntou se o território também iria passar pela mesma situação. “Uma vez que a nossa campanha em prol do patriotismo foi capaz de deixar os seus contributos, Macau não vai chegar a esse ponto”, respondeu a antiga presidente da AL.

11 Nov 2016

Pequim vende mil autocarros a Angola

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ministro dos Transportes de Angola, Augusto Tomás, esclareceu que a compra de “cerca de 1.000 autocarros” será feita à China e abrigo de uma linha de crédito concedida pelo Governo chinês.

De acordo com o governante, em declarações reproduzidas esta terça-feira pela comunicação social local, os autocarros começam a chegar a Angola a partir do final do ano, para servir as 18 províncias do país.

Essas entregas deverão estar concluídas “durante o primeiro semestre de 2017”, explicou.

Em paralelo, disse ainda, serão adquiridas à China, pelo Estado angolano, viaturas pesadas para transporte de carga.

Milhões a entrar

O financiamento chinês a Angola ronda já os 15 mil milhões de dólares, desde 2004, apoio que o Governo angolano pretende ver reforçado para a execução dos seus programas de desenvolvimento.

A posição foi expressa segunda-feira, em Luanda, pelo ministro e chefe da Casa Civil da Presidência da República, Manuel da Cruz Neto, na abertura do Fórum de Investimento Angola-China, em que participam mais de 450 empresários chineses.

A Lusa noticiou a 20 de Setembro que o Governo angolano vai comprar, através do Ministério dos Transportes, para vários fins, quase 4.500 viaturas, inclusive autocarros para transporte escolar para reduzir o absentismo dos alunos, num investimento público de quase 710 milhões de euros.

A informação constava de três diferentes despachos assinados pelo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, com data de 15 de Setembro, autorizando os respectivos contratos para aquisição das viaturas, ligeiras e pesadas, que globalmente ascendem ao equivalente a 783 milhões de dólares.

O primeiro desses contratos prevê a compra à empresa ASPERBRAS de 1.500 autocarros para transporte escolar, por 383,5 milhões de dólares. A medida visa “implantar o conceito de transporte escolar com prioridade para os estudantes e reduzir os índices de absentismo nas escolas”, lê-se no respectivo despacho.

O segundo autoriza a compra à Amer-Com Corporation de 1.272 viaturas para “ampliar a oferta de serviços de transportes de passageiros e de mercadorias e apoiar a actividade produtiva”, num negócio de 191,5 milhões de dólares.

Por último, o terceiro despacho autoriza igualmente o Ministério dos Transportes a comprar também à Amer-Com Corporation 1.700 viaturas, por 208,3 milhões de dólares, “para concluir o plano de reposição e distribuição dos meios que foram destruídos pela acção da guerra e que se encontravam ao serviço do Estado”.

Esta última compra visa, nomeadamente, apoiar a actividade agrícola, piscatória, pecuária, desenvolvimento rural, actividade produtiva e o comércio local, ao nível dos municípios e comunas do país.

10 Nov 2016

Um em cada mil chineses é milionário

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] República Popular da China tem 1,34 milhões de milionários, segundo uma unidade de investigação com sede em Xangai, o que pressupõe que um em cada mil chineses tem mais de um milhão de dólares.

De acordo com a análise da Hurun Report Inc, até Maio deste ano houve mais 130.000 chineses que se tornaram milionários, um aumento de 10,7%, face ao mesmo período do ano passado.

Segunda maior economia do planeta, a seguir aos Estados Unidos da América, a China é também o país mais populoso, com 1.368 milhões de habitantes – cerca de 18% da humanidade.

No total, 0,1% da população chinesa, ou um em cada mil chineses, tem mais de um milhão de dólares.

A Hurun, considerada a Forbes chinesa, estima ainda que existam agora 89.000 de bilionários no país, mais 11.000 do que em 2015.

Guangdong, no sul da China, é a província que concentra mais milionários – cerca de 240.000 – destronando Pequim.

Mais de metade dos chineses com uma fortuna superior a um milhão de euros vive nas províncias de Guangdong e Zhejiang, no sul e leste do país, respectivamente, e nos municípios de Pequim e Xangai.

Já Pequim é a cidade com mais milionários ‘per capita’, com um em cada 100 residentes na capital chinesa a possuir mais de um milhão de dólares.

Activos de fora

A Hurun destaca ainda que os milionários chineses preferem investir além-fronteiras, principalmente em divisas estrangeiras.

O yuan, a moeda chinesa, caiu 9%, desde Agosto de 2015, levando muitos investidores chineses a procurar activos denominados em dólares ou euros.

A China representa 10% da riqueza mundial e desde o início do século o Produto Interno Bruto (PIB) chinês quintuplicou.

Apesar de a Constituição continuar a definir o país como “um Estado socialista liderado pela classe trabalhadora e assente na aliança operário camponesa”, o fosso social mantém-se acima do “nível alarmante” definido pela ONU.

Segundo os critérios do Banco Mundial, cerca de 200 milhões de chineses vivem na pobreza.

9 Nov 2016

Fórum | Angola pede capital e tecnologia à China

Quase 500 empresários chineses estiveram reunidos em Luanda, durante um Fórum de Investimento, onde terão sido assinados acordos estimados em mais de 1,2 mil milhões de dólares

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ministro da Economia de Angola reiterou ontem, em Luanda, o desejo angolano de contar com o capital e recursos intelectuais, de gestão e tecnológicos da China, para promover o desenvolvimento nacional.

Abraão Gourgel discursou ontem no encerramento do Fórum de Investimento Angola-China, que durante dois dias reuniu, em Luanda, mais de 450 empresários chineses, tendo resultado na assinatura de acordos de intenção e tramitação de projectos de investimentos privados, avaliados em mais de 1,2 mil milhões de dólares.

Prioridades definidas

O ministro afirmou que as infra-estruturas continuam a ser as prioridades do Governo de Angola, que conta com uma maior participação do sector privado, inclusive o de estrangeiro, sob certas condições e com as garantias adequadas.

Segundo Abraão Gourgel, os sectores do agro-negócio, da indústria, da geologia e minas, comércio externo e turismo dispõem também de oportunidades de investimento com taxas de retorno diferenciadas e grande potencial de crescimento.

“O Estado angolano continuará, para esse efeito, a assegurar as necessárias garantias jurídicas aos investidores privados, bem como a implementar os quadros reguladores adequados à protecção dos interesses nacionais”, referiu o ministro.

O titular da pasta da economia de Angola frisou que o Governo tem desenvolvido todos os esforços para mitigar as vulnerabilidades provocadas pela baixa do preço do petróleo no mercado internacional, com reformas estruturais “para abraçar um modelo de desenvolvimento assente nas forças endógenas do país”.

Para Abraão Gourgel, o fórum permitiu dar início a um novo momento das relações económicas e empresariais bilaterais entre Angola e a China, o “momento do investimento directo privado chinês em Angola”.

“Os números do evento são claros e expressivos, podemos estar em presença do maior evento empresarial a nível bilateral entre os dois Estados, o que traduz bem a vontade e o interesse do sector privado chinês em participar de forma activa e conjuntamente com o empresariado angolano no processo de desenvolvimento económico e social do nosso país”, frisou.

O fórum é ainda, segundo Abraão Gourgel, a demonstração da abertura do Estado angolano ao investimento privado externo e do suporte institucional e político que Angola concede à construção de parcerias empresariais mutuamente vantajosas.

9 Nov 2016

Hong Kong | Assembleia Popular Nacional impede tomada de posse de deputados pró-independência

O Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional decidiu ontem que Sixtus Leung e Yau Wai-ching, os dois deputados protagonistas de uma controversa tomada de posse no Conselho Legislativo, vão ser afastados do órgão. Resta saber se é o início do fim de uma saga política em Hong Kong ou se o drama vai agora começar

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi a quinta vez, em 19 anos, que Pequim decidiu fazer uma interpretação da Lei Básica de Hong Kong – e, desta feita, a decisão de intervenção do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN) pode ter efeitos para a vida política da antiga colónia britânica que vão além do esclarecimento constitucional.

Em causa estava o Artigo 104o da Lei Básica de Hong Kong, que dispõe sobre o juramento de fidelidade. O artigo é em tudo semelhante ao que dispõe a Lei Básica de Macau: basicamente, determina que o Chefe do Executivo, os titulares dos principais cargos e os deputados ao Conselho Legislativo devem defender o diploma fundamental da região, serem fiéis a Hong Kong e prestarem juramento de fidelidade à China.

A interpretação feita pelo Comité Permanente da APN, um documento com oito páginas, veio determinar que os princípios de fidelidade não constam apenas da Lei Básica – devem ser incluídos no acto do juramento, por serem “requisitos legais e condições prévias” da participação nas eleições. “Alguém que preste juramento e que intencionalmente diga palavras que não estão de acordo com o guião definido por lei, ou que preste juramento de um modo que não é sincero ou solene, deve ser tratado como estando a declinar prestar juramento”, cita a Agência Xinhua. “Deste modo, o juramento é inválido e a pessoa fica desqualificada de assumir o exercício de funções.”

Concluindo e resumindo: Sixtus Leung e Yau Wai-ching, os dois jovens deputados eleitos protagonistas de uma controvérsia inédita em Hong Kong, não vão poder ocupar os assentos para os quais foram escolhidos nas eleições de Setembro último.

No tempo certo

Sixtus Leung e Yau Wai-ching não só não seguiram o guião – ao utilizarem expressões insultuosas para a China –, como ainda levaram para a cerimónia de tomada de posse uma faixa onde se podia ler que “Hong Kong não é a China”. Li Fei, o presidente da Comissão da Lei Básica da região vizinha, comentava ontem que os dois activistas “violaram seriamente o princípio ‘um país, dois sistemas’, a Lei Básica e as leis de Hong Kong”, acrescentando que o Governo Central “está determinado em confrontar firmemente, sem qualquer ambiguidade, as forças pró-independência”.

“A explicação do Comité Permanente sublinha a forte determinação do Governo Central contra a independência de Hong Kong”, reiterou Li Fei. A interpretação vai ao encontro do “desejo comum” das pessoas de Hong Kong e da China Continental, “é totalmente necessária e é feita em boa altura”, disse também.

O político fez ainda alusão “à minoria de pessoas que, nos últimos anos, tem desafiado o princípio ‘um país, dois sistemas’ e distorcido a Lei Básica”. “Desde as eleições legislativas, algumas pessoas têm vindo a defender a independência, dizendo que querem obtê-la através do Conselho Legislativo. A interpretação veio ajudar a defender a segurança nacional e a soberania.”

Citado pela imprensa de Hong Kong, Li Fei contestou a ideia de que o Comité Permanente da APN só pode interpretar a lei fundamental da região após solicitação da justiça local. Quanto aos efeitos da interpretação ontem tornada pública, “são retroactivos, porque [a interpretação] reflecte a intenção legislativa”. O presidente da Comissão da Lei Básica preferiu, no entanto, não fazer qualquer comentário sobre a possibilidade de outros deputados serem desqualificados por causa do modo como tomaram posse e prestaram juramento.

A decisão de Pequim em relação à interpretação da Lei Básica surgiu depois de, em Hong Kong, o caso Sixtus Leung e Yau Wai-ching ter assumido proporções complicadas, ao deixar de ser um assunto meramente político e passar ao domínio das questões judiciais.

Depois da polémica cerimónia de juramento, o presidente do Conselho Legislativo, Andrew Leung – também ele novo no exercício do cargo – decidiu dar uma segunda hipótese aos dois activistas pró-independência. O Chefe do Executivo, C.Y. Leung, não gostou da ideia. O líder do Governo e o secretário para a Justiça, Rimsky Yuen, avançaram então para tribunal, questionando a decisão de Andrew Leung.

O Supremo Tribunal de Hong Kong ainda não se pronunciou sobre a matéria. A decisão ontem tomada pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, dizem as vozes mais críticas, veio colocar em causa a autonomia judicial de Hong Kong, e esvaziar a decisão que venha a ser tomada pela justiça local. O politólogo Éric Sautedé não tem dúvidas de que houve uma jogada de antecipação de Pequim.

“Porque é que houve esta acção tão rápida? Acredito que Pequim está muito desconfortável com o sistema judicial. No passado, houve várias decisões do Supremo Tribunal sobre a independência de poderes”, recorda ao HM, lembrando que também esta é uma questão fracturante na antiga colónia britânica. “Se olharmos para uma das primeiras interpretações do Comité Permanente da APN, sobre o direito à residência, vemos que a justiça se tinha oposto à decisão do poder executivo.”

Ontem, o presidente da Comissão da Lei Básica rebateu os efeitos da atitude de Pequim em relação ao sistema judicial local: “O significado essencial da independência judicial é agir de acordo com as leis e não existe uma independência judicial que vá contra a Lei Básica”.

Desconfiança aumentada

A saga da cerimónia de juramento – é assim que o caso é descrito pela imprensa de Hong Kong – passou da esfera política local para a judicial e, depois, para o domínio político nacional. Mas há também “um lado moral” em todo este incidente, com repercussões que se desconhecem: é preciso esperar para ver. “Levantou-se uma questão moral”, comenta ao HM o politólogo Sonny Lo. Em Hong Kong, a ideia de uma intervenção do poder central foi aplaudida por quem pertence ao campo pró-Pequim porque “as acções dos dois deputados eleitos são consideradas inaceitáveis”.

Para o analista, o Governo Central não tinha outra hipótese além desta intervenção para acabar com “o estado de paralisia que levou ao impasse total” do Conselho Legislativo. Sonny Lo acredita que houve um erro de cálculo de Sixtus Leung e Yau Wai-ching – que tiveram “um comportamento altamente provocatório” – quando decidiram apostar nesta estratégia de ruptura com o sistema. “Provavelmente não calcularam bem a forte reacção de Pequim. Também não conseguiram antecipar a decisão do Comité Permanente da APN. Pequim acredita que o Conselho Legislativo de Hong Kong está num impasse. Pequim acredita que este tipo de acções e comportamentos dos dois novos deputados eleitos são inaceitáveis”, observa.

Já Éric Sautedé considera que Sixtus Leung e Yau Wai-ching estavam perfeitamente conscientes de que os actos teriam consequências. “Não digo que tivessem o controlo absoluto de todo o processo, mas estavam a testar os limites”, afirma o professor universitário. “Não acho, de modo algum, que tenham subestimado as reacções. Queriam marcar uma posição logo desde o início, mostrando que foi para isso que foram eleitos”, continua. Os dois jovens activistas pretendiam demonstrar que o sistema tem falhas, que “o rei vai nu” e, nessa medida, conseguiram atingir os objectivos.

Além de uma série de questões técnicas que agora terão de ser resolvidas, há em termos políticos um impacto a longo prazo que, para Sonny Lo, é claro: “Tudo isto aumentou muito a falta de confiança entre todos os lados, a um nível que faz com que a única solução seja recorrer a meios legais para resolver problemas políticos. Todo o processo ilustra uma desconfiança política profunda”.

No domingo, na antecipação da interpretação do Comité Permanente da APN, Hong Kong voltou a ser palco de protestos, sendo que, pelo menos, quatro pessoas acabaram detidas. “Acredito que, no futuro imediato, iremos assistir a mais confrontos. É muito difícil prever se poderá acontecer algo com a dimensão do Occupy, considerando que, em Setembro de 2014, também ninguém conseguia imaginar o que acabou por acontecer”, aponta Sautedé. “Mas, desta vez, a tensão é muito maior, e existe a ideia de que tudo é possível”, diz o analista, a viver na região vizinha. “Essa é a grande lição do Occupy e, depois, dos confrontos em Mogkok: basicamente, tudo é possível, tudo pode dar origem a um incêndio, existe electricidade no ar e, quanto mais tempo passa, mais a electricidade é de alta voltagem.”


Vem aí o Artigo 23?

O Governo de Hong Kong “apoia” a interpretação da Lei Básica feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), declarou ontem de manhã o Chefe do Executivo da região vizinha, numa conferência de imprensa sobre a decisão do poder central em relação ao caso da cerimónia de juramento protagonizado pelos deputados eleitos Sixtus Leung e Yau Wai-ching. “Enquanto Chefe do Executivo, tenho o dever de implementar a Lei Básica de acordo com o Artigo 48o”, declarou C.Y. Leung. “Eu e o Governo da RAEHK vamos implementar a decisão de forma plena.”

O líder do Governo destacou ainda que o Comité Permanente da APN “só interpretou” a Lei Básica por cinco vezes, o que demonstra que “Pequim tem sido muito cuidadoso ao exercer esta prerrogativa”. A interpretação ontem tornada pública “não teria acontecido se não fosse necessária”, defendeu, acrescentando que “o Governo Central tem total consciência do que está a acontecer em Hong Kong”.

Questionado sobre a necessidade de se avançar para a polémica legislação prevista pelo Artigo 23o da Lei Básica, que dispõe sobre a segurança nacional, C.Y. Leung – que, em tempos, disse não ver necessidade urgente na sua adopção – parece agora ter mudado de ideias. “A RAEHK deve legislar [sobre o Artigo 23o]. No passado, não víamos ninguém a defender a independência, mas agora vemos. Isto merece efectivamente a nossa atenção.”

O politólogo Éric Sautedé recorda que, para que uma legislação deste género seja aprovada, é preciso fazer contas aos votos no Conselho Legislativo. “O que é realmente claro é que existe uma interferência de Pequim nos assuntos internos de Hong Kong”, observa. O analista acredita que todo este caso veio precipitar a “lenta, mas certa, erosão do alto grau de autonomia” de Hong Kong.

“Claro que, em Macau, este alto grau de autonomia há muito que desapareceu – não sei se alguma vez existiu –, com Macau completamente alinhado com o que Pequim quer. Mas, em relação a Hong Kong, isto é preocupante, é um ponto de viragem muito mais importante do que 2003, porque na altura foi a constatação de que não havia apatia política, ao contrário do que muitas pessoas pensavam. Desta vez, existe a noção de que estes jovens têm apoio”, conclui.

Em 2003, mais de 500 mil manifestantes saíram à rua contra o Artigo 23o – desde a transferência de soberania que não se via protesto de tal dimensão. A legislação acabou por ser engavetada. Em Macau, a lei foi aprovada em 2009, sem problemas de maior.

8 Nov 2016

Pequim substitui três ministros, incluindo o das Finanças

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] órgão máximo legislativo da China aprovou ontem uma remodelação do Governo que substitui três ministros, incluindo o das Finanças, noticiou a agência oficial chinesa Xinhua.

Lou Jiwei, 65 anos, era ministro das Finanças desde Março de 2013 e a Assembleia Popular Nacional apontou como seu sucessor Xiao Jie, de 59 anos e vice-secretário-geral do Conselho de Estado da China, informou a Xinhua, sem avançar com mais detalhes.

Xiao, natural da província de Liaoning, no nordeste do país, trabalhou durante quase 20 anos no Ministério das Finanças e ocupou o cargo de director da Administração Estatal Tributária desde 2007.

Contra o populismo

Lou, que faz parte do Conselho de Administração do Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas, tem sido um dos principiais interlocutores sobre a economia chinesa, a segunda maior do mundo.

No mês passado, Lou advertiu para a ascensão de políticos populistas, com posições contra o livre comércio e a globalização, afirmando que estão a colocar a economia mundial em perigo.

“Esta tendência de profundo populismo contra a globalização inspirou ‘slogans’ de campanhas de políticos que procuram conquistar o apoio e votos dos eleitores. Isto trouxe-nos até à incerteza”, afirmou, em Washington, no encontro anual dos ministros da Finanças dos países do G20.

“Precisamos de reconhecer os riscos políticos nas campanhas eleitorais em alguns países e economias grandes”, acrescentou, no que a imprensa norte-americana considerou ser uma referência ao candidato republicano nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, Donald Trump, que se realizam esta terça-feira.

A China anunciou ontem também a substituição do ministro da Segurança, que controla os tribunais, polícia e a polícia secreta do país, Geng Huichang, por Chen Wenqing, de 56 anos, que era responsável pelo órgão máximo de disciplina do Partido Comunista Chinês.

Li Liguo foi substituído por Huang Shuxian como ministro dos Assuntos Civis.

8 Nov 2016

Pequim, 11 de Novembro de 1978

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s chineses são mestres no fabrico e manipulação de todo o tipo de materiais. Hoje foi dia de visita a uma das muitas fábricas de artesanato de Pequim, oportunidade para ver e entender como se criam excepcionais peças artísticas. A fábrica, no sul da cidade, é pequena e os artesãos são maioritariamente mulheres, 56% do total. Têm umas mãos a quem os deuses concederam o privilégio de cerzir e lapidar pequenas e grandes maravilhas. Esculpem o jade e o marfim, mas quando não há marfim trabalham o osso de búfalo ou de iaque. Fiquei a saber que o marfim é raro e muito caro, proveniente da Tanzânia custa entre 400 a 500 yuans por quilo.

Mais acessível e capaz de satisfazer qualquer gosto é o cloisonné, típico de Pequim. Trata-se, no essencial, de jarras de cobre e latão cobertas cuidadosamente de esmalte vidrado, de diferentes cores, segundo o desenho saliente de um rendilhado de flores e figuras que é colado na  jarra e depois cheio com o esmalte, utilizando o artífice uma espécie de pipeta. Em seguida, a jarra vai ao forno e no fim é polida. Uma espectacular obra de arte!

Também as mini-pinturas no interior dos pequenos frescos de vidro, teoricamente para guardar rapé, são um hino ao engenho destes artífices que usam um pequeníssimo pincel dobrado introduzido pelo gargalo do frasco e criam paisagens ou desenhos de animais, dragões, temas mitológicos e beldades de espantar.

Os operários, os artesãos têm apenas o 1º. ou o 2º. ciclo de escolaridade. Os veteranos ensinam os mais jovens e os melhores de todos conseguem uma graduação pelo Instituto Central do Artesanato Industrial. O salário mais baixo é 40 yuans, mas os artesãos veteranos podem ganhar 250 yuans por mês. Há uma creche e uma clínica destinada aos artesãos e suas famílias. Tudo muito pobre, mas funcional.

Pequim, 15 de Novembro de 1978

Há dias, aqui em Pequim, dizia-me o Gonçalo César de Sá, jornalista da Anop a trabalhar em Macau, de visita à China: “Hoje convidaram-me a conhecer a redacção e as oficinas do ‘Diário do Povo’ (Renmin Ribao). Quase tudo aquilo me pareceu velho e desactualizado, a precisar de urgente modernização”.

O Gonçalo tinha razão. Não é apenas o maior diário chinês que precisa de se modernizar, é toda a enorme China que, nos últimos anos, por múltiplas e complexas razões, se deixou atrasar e quase ia perdendo o comboio do progresso.

As gentes desta terra parecem voltadas para o futuro e ninguém lhes poderá levar a mal por pretenderam aproveitar e desenvolver as suas enormes potencialidades.

A China é um país rico. Possui jazidas de petróleo, ferro, carvão, estanho, bauxite, ouro, prata, etc. Com uma população laboriosa de quase mil milhões de pessoas consegue, graças aos esforços gigantescos dos seus camponeses, com 1/17 do solo arável existente no globo alimentar  quase 1/5 da população mundial.

Mas a China é também um país pobre. A população é predominantemente camponesa e continua agarrada à terra onde vai buscar o arroz de cada dia; os recursos naturais estão pouco explorados, a indústria é muitas vezes incipiente, faltam técnicos e pessoal especializado, a mão-de-obra  está muito longe de ser plenamente aproveitada, o rendimento per capita é muito baixo.

Após os enormes sobressaltos da Revolução Cultural, a morte em 1976 dos seus três maiores dirigentes, Mao Zedong, Zhu Enlai e Zhu De, a China, agora com Deng Xiaoping, procura a estabilidade e a modernização.

A estabilidade é sempre relativa num país extremamente diversificado, com uma superfície cento e dez maior do que a de Portugal e com as chagas de vários conflitos políticos ainda não cicatrizadas. Mas os chineses procuram uma acalmia na luta política. O fulcro é hoje a modernização da China.

Um dos aspectos que mais seduzia certos ocidentais que visitavam a China nas décadas de cinquenta e sessenta eram encontrarem um povo com as necessidades primárias quase todas resolvidas, a alimentação, a saúde, a habitação, o ensino, mas que permanecia pobre e aparentemente feliz. Ora o mundo evoluiu. Até há poucos anos atrás, era fácil comparar a Nova China com um passado tenebroso de morte e miséria, anterior a  1949 que estava na retina de tanta gente. Hoje, os chineses, sem esquecer esse passado, fazem sobretudo comparações com os países mais avançados do mundo, reconhecem o seu atraso e vêem que têm muita coisa a aprender com o estrangeiro. Recentemente, no Diário do Povo” fazia-se a seguinte pergunta: “Será que é muito revolucionário viajar de mula enquanto no estrangeiro viajam em jactos supersónicos? Será que enquanto os outros usam computadores, nós vamos continuar a utilizar o ábaco”? Havia muito gente na China que defendia um tipo de vida género “pobrezinho mas honesto”. Ora se as pessoas podem deixar de ser pobres – a honestidade é um conceito muito complexo e relativo, sobretudo no mundo chinês —  o que há de mau em procurar viver melhor?

Socialismo não pode ser sinónimo de pobreza. Socialismo não pode ser  continuarem a viver indefinidamente seis pessoas numa única assoalhada, como ainda acontece em muitas grandes cidades da China. Quando existem neste país meios para se construir uma casa decente para toda a gente, como se compreende que situações como esta não caminhem para uma solução?

Há dias, no Congresso dos Sindicatos da China, Ni Zhifu, membro do Burô Político do Comité Central do Partido Comunista da China, disse, tal como vem no boletim diário da agência Xinhua, a Nova China: “Se o socialismo não permite aos trabalhadores uma vida sossegada e feliz através de um considerável desenvolvimento das forças produtivas, mas se significa que o país deve permanecer pobre e que o povo deve ter uma vida muito difícil, que espécie de socialismo é este?”

Para se modernizar, a China está a recorrer à tecnologia e aos empréstimos estrangeiros. Há quem veja associado a isto a importação de ideias do mundo capitalista e o abandono da política de “contar com as próprias forças”. É capaz de ser verdade.

Em finais de 1977, visitei o complexo petroquímico de Pequim que engloba uma cidade com 110 mil habitantes, situada cinquenta quilómetros a sul da capital. Aí funcionam cinco grandes refinarias, uma delas integralmente importada do Japão. É ultramoderna, controlada por computadores e foi instalada em 1975 e 1976. Em dois anos de laboração já produziu quase o suficiente para pagar a sua instalação e continua a refinar petróleo que se destina principalmente ao Japão.

Existe um provérbio chinês que diz: “Nunca nos devemos meter no casulo como o bicho-da-seda”. A China saiu do “casulo” e trabalha para, modernizando-se, garantir a melhoria das condições de vida deste povo que tanto tem sofrido e bem merece uma existência mais feliz.

Pode experimentar-se simpatia, cepticismo ou receio face à China actual, pode concordar-se ou não com o sistema político chinês, mas é preciso estar atento e tentar conhecer o que de facto vai acontecendo cá pelas bandas do Extremo-Oriente. Porque uma China poderosa e moderna pesará como chumbo nos destinos da Humanidade.

Pequim, 25 de Novembro de 1978

O meu filho Sérgio, de três anos, quase só fala chinês, com o sotaque nasalizado e arredondado de Pequim. O português começa a ser para ele uma língua difícil.

Hoje perguntei-lhe:

“Se não falas português, quando chegares a Portugal como vais falar com a avó?”

Resposta imediata:

“A avó fala chinês.”

Aos três anos de idade, pela língua, o entendimento o mundo chinês plasma-se na mente do menino de Lisboa. E não há nada a fazer, para ele é fácil, toda a gente do mundo fala chinês…

Pequim, 7 de Dezembro de 1978

A lanterna do desânimo acende-se por vezes num dos muitos recantos de mim. Ilumina este sentir azedo de quem anda amiúde pontapeando a lua com sapatos de papelão. Sei de coisas grandes que olhos pequenos raramente vêem, de palavras bonitas e acções bem feias, do desaforo de gente mascarada que traz orquídeas nos dedos e cultiva cardos no coração.

Falo cada vez menos. Acentua-se este pendor para uma quase misantopia, não inata, adquirida ao longo dos sinuosos caminhos que conduziram à decepção e à tristeza diante de tanta vilania humana.

7 Nov 2016

Poluição | UNICEF congratula-se com esforços feitos pela China

É sempre possível fazer mais, mas o Governo Central está no bom caminho no combate à poluição atmosférica. Na semana em que a UNICEF publicou um aterrador relatório sobre os efeitos do ar sujo nas crianças, a delegação em Pequim diz estar satisfeita com os progressos alcançados

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] UNICEF louva o Governo chinês pelos passos que foram dados no combate à poluição, ao introduzir sistemas de quantificação do problema, implementando padrões rigorosos para as emissões e prestando atenção às indústrias mais poluentes.” É assim que a delegação de Pequim da agência das Nações Unidas comenta a situação actual do país, em declarações feitas ao HM na sequência da publicação de um relatório, no início desta semana, sobre as consequências da poluição atmosférica para as crianças ao nível mundial.

O estudo – o primeiro do género a ser feito pela UNICEF – indica que cerca de 300 milhões de crianças vivem em locais onde os níveis de poluição são tão elevados que podem ter consequências graves para a saúde. Em termos globais, uma em cada sete crianças respira ar na rua que é, pelo menos, seis vezes mais poluído do que o recomendado nas directrizes internacionais. A poluição atmosférica é, neste momento, um dos principais factores para a mortalidade infantil.

Ao contrário do que tem vindo a ser norma, a China não é retratada no estudo como sendo dos casos mais problemáticos – Shenzhen é, de resto, apontada como uma cidade que soube trabalhar para ter um ar mais puro e que continua empenhada para atingir níveis melhores.

A UNICEF China confirma os progressos alcançados um pouco por todo o país. “As metas definidas no 13o Plano Quinquenal, o compromisso com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e a ratificação do Acordo de Paris são passos que irão permitir que a China se torne mais saudável.”

De pequenino

A delegação da agência explica que está a colaborar com as entidades governamentais do país para estudar os efeitos da saúde ambiental nas crianças, prometendo ainda apoiar o desenvolvimento de um plano de acção para a saúde ambiental infantil como parte do plano nacional sobre a matéria. A UNICEF participa também em actividades de educação dos jovens, “aumentando a consciência sobre as alterações climáticas, dando assim instrumentos às crianças para que possam ser futuros líderes na resolução dos problemas relacionados com o ambiente”.

Rana Flowers, representante da UNICEF para a China, defende que as autoridades não podem ser as únicas entidades públicas chamadas à colação quando em causa está o combate ao ar difícil de respirar. “É preciso fazer mais para proteger as crianças das consequências da poluição atmosférica, não só pelos governos, mas por todos nós. Reduzir a poluição ao ar livre é um objectivo a longo prazo, mas podem ser dados passos imediatos para diminuir a poluição nos recintos fechados”, sustentou ao HM.

“A utilização de combustíveis limpos, a boa ventilação, a construção de casas e escolas com eficiência energética, e o fim do consumo do tabaco em espaços fechados” são alguns exemplos apontados por Rana Flowers. “Os pais também podem dar passos para proteger as crianças contra os efeitos da poluição, ao evitarem expô-las ao fumo do tabaco e prevenirem a má nutrição”, continua, alertando para os benefícios da amamentação exclusiva dos bebés até aos seis meses de idade, e das vantagens no investimento em vacinação e tratamentos para a pneumonia.

3 Nov 2016

Diário (secreto) de Pequim | Beidaihe, 30 de Julho de 1978

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lém da praia, bem agradável, mais uma visita, agora a uma fábrica de vidros, de nome Yao Hua, o que significa “Glória da China”, começada a construir em 1924 por um cidadão belga perdido por estas paragens e por um filho de Yuan Shikai, o tal general que em 1916, após a fundação da república chinesa, se auto-proclamou imperador de uma nova dinastia e, entre os conluios pelos corredores do poder, acabou por ser morto logo a seguir, por envenenamento.

A fábrica, ocupada pelos invasores japoneses em 1936, conta hoje com 4.100 operários, e tem muitas histórias para contar. Está a laborar em pleno, com dois enormes fornos e dezoito complexos de maquinaria. Produz desde berlindes a vidraças de grande dimensão, 9.000 caixas de vidro por dia, cada com 200 quilos, 25% das quais destinadas à exportação. Eu vou aprendendo. A vidraça é fabricada com nove espécies diferentes de materiais, a saber, areia, quartzo, óxido de cálcio, manganésio, óxido de sódio, sulfato de sódio, cal, carvão em pó e fluoreto de cálcio. Fabricam também fibra de vidro para uso electrónico, seda de vidro e tela de fibra para isolamentos. Mas dizem-me que a tecnologia de que dispõem ainda é baixa e atrasada, não corresponde às exigências da indústria moderna.

Pensam produzir vidro estampado, com desenho de flores, automatizar grande parte da maquinaria, utilizando computadores. O salário máximo é de 160 yuan por mês para os engenheiros veteranos, o médio, de 60 yuans e o mínimo é de 37,5 yuans. Os operários que trabalham junto aos fornos recebem um subsídio extra de alimentação.

Muito interessante o complexo vidreiro. Tenho a sorte de poder conhecer na China tanta coisa, tanto lugar onde jamais entraria no meu Portugal.

Pequim, 9 de Agosto de 1978

Na calma do Verão continuo a estudar, a ler tudo o que me chega sobre a China, e não é nada pouco. Estou a organizar um ficheiro “chinês” por temas, autores, personalidades, história. Tenho trabalho para o resto da vida.

Pequim, 29 de Setembro de 1978

Ida à comuna popular de Dong Beiwang, que significa “Prosperidade do Nordeste”, uns quarenta quilómetros a norte de Pequim. Como de costume nestas visitas, logo à chegada somos brindados com uma longa explanação sobre as realidades e virtudes do lugar, desta vez por parte do camarada Wang Chong, um dos vice-directores da comuna.

Aí vai parte do relatório:

A comuna foi fundada em 1958, juntando quatro cooperativas agrícolas. Engloba 3.700 famílias, num total de 14.000 pessoas, 6.000 das quais aptas a trabalhar todos os dias. A cada um segundo o seu trabalho. Contam com uma superfície de 33 km 2  e 1.500 hectares de terra cultivada. Têm uma estação agro-técnica com armazéns para adubos, oficinas para a reparação de tractores e outras alfaias agrícolas. Existe ainda uma policlínica, uma fábrica de papel, outra de ferramentas. Assim se diversifica a economia da comuna popular. Têm 500 vacas, cada uma produz 14 litros de leite por dia, já com ordenha mecânica. Criam 60.000 patos por ano, cevados, alimentados à força para engordarem rapidamente e, depois de bem assados, resultarem no famoso pato lacado de Pequim, uma das delícias da cozinha chinesa. Fui ver como alimentam as aves. É um bocado deprimente olhar para os patos com uns canudos enfiados pelas goelas as abaixo, sendo obrigadas a engolir enormes quantidade de farinha.

Escavaram diversos poços ou tanques largos onde criam milhares de peixes de água doce, outra fonte de rendimento. O trigo, o milho, o arroz são as principais culturas mas não tem sido fácil estender as terras cultivadas. Os terrenos são acidentados, necessitam de ser nivelados, de se unir as parcelas separadas, de se fazerem obras de irrigação, enfim para bem dos homens é preciso alimentar, dar de beber a estas terras.

Parece estarmos numa economia colectiva que se auto-abastece do que necessita, e ainda sobra alguma coisa para vender.

Mais dados:

Têm 27 tractores e 300 moto-cultivadoras, mais 11 ceifeiras-debulhadoras. Só a transplantação do arroz é manual, os outros trabalhos já estão mecanizados. 2/3 das sementes são produto da investigação científica da comuna. A produção tem aumentado, em 1958 era de 2.520 quilos de cereal por hectare e agora é de 7.500 quilos. As máquinas e as pequenas fábricas só surgiram depois da formação da comuna, em 1958.

O salário médio dos camponeses varia entre 380 a 400 yuans, por ano. Eu próprio, como estrangeiro tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, ganho 550 yuans por mês, com casa, água, luz e assistência médica, tudo à borla. Mas os dezanove chineses que comigo trabalham nas Edições auferem quantias entre 45 e 70 yuans por mês, dez vezes menos do que eu, um pouco mais do que estes camponeses. É verdade que esta boa gente da comuna popular não paga renda, nem infantário ou escola para os filhos, e beneficia também de assistência médica gratuita.

Cada família tem direito a uma parcela privada de terra com 66 metros quadrados. Aí cultivam alguns legumes e criam porcos, galinhas, ovelhas e cabras que vendem como muito bem entendem. Na comuna funcionam dez escolas primárias e duas secundárias. Dizem-me que este ano 62 jovens da comuna entraram na universidade.

Cada equipa de produção tem direito a um televisor, a preto e branco.

Na visita à Comuna Dong Beiwang, avanço sozinho pelas humildes casas, pelos campos bem tratados. Um rancho de crianças faz-me companhia, curiosas por verem um estrangeiro na sua aldeia.

Esta é a China rural, ainda carente de quase tudo, centenas de milhões de chineses sobrevivendo em economias de subsistência, gente pobre que hoje já não morre à fome mas merece uma vida melhor.

Pequim, 2 de Outubro de 1978

Outra vez o faustoso banquete no Grande Palácio do Povo nas comemorações dos vinte e nove anos de fundação da República Popular da China. Exactamente igual aos outros dois onde já estive presente, Outubro e Dezembro do ano passado. A única, e parece que decisiva mudança, foi a presença de Deng Xiaoping que no seu discurso surgiu poderoso e confiante quase a subalternizar dentro do Partido o sucessor designado por Mao Zedong, o cada vez mais apagado Hua Guofeng.

Pequim, 4 de Outubro de 1978

Esta tristeza de viver dias solitários,

plenos de gente ecoando na redoma do ser.

Esta surdez capaz de ouvir o espiralar do silêncio

e a música do vento nas florestas.

Esta fome jamais saciada,

à solta por campos de sorgo

e trigais dourados de pão.

Estes olhos serenos, cerrados,

abertos para madrugadas de coral e maresia.

Estes dias, com o sol difuso

a pintar de cinza a labuta dos homens.

Esta corda atada em volta do brilho do olhar

e do prateado da lua.

Estes perfumes de saudade

estendendo-se pelas margens cintilantes do Outono.

Estas mãos gretadas,

puras na certeza de guardar e dar,

Esta voz soluçante, cantando.

Pequim, 21 de Outubro de 1978

Algum dia teria de me calhar a sorte ir trabalhar no campo, com os camponeses de uma comuna popular. A directiva do presidente Mao datada de 7 de Maio de 1966, institucionalizando as “Escolas 7 de Maio” 五七干校 , logo no início da Revolução Cultural, pressupunha reeducar os quadros e os intelectuais lançando-os num contacto intenso com a labuta dura e diária dos camponeses. Vieram-me buscar ao Hotel da Amizade, às cinco da manhã, num mini-bus. Fomos a Adélia Goulart, o Hans que trabalha na secção alemã da revista Beijing Informação e depois, junto à Rádio Pequim, entrou a Angelina Martins, brasileira, a viver e trabalhar na China, na Rádio, com o marido, o Jayme Martins, há mais de dez anos.

Seguimos, numa estirada de quase cem quilómetros, por maus caminhos mas quase sem trânsito madrugador, para a comuna popular de Waiwengu, no distrito de Guhang, já na província de Hebei. Era a nossa “Escola 7 de Maio”, apenas por um dia. Chegados à aldeia, pobre mas organizada, fomos ouvir o relatório do chefe da comuna, o camarada Su Xiangyu.

Começa por nos dizer que o solo da comuna é arenoso e difícil de cultivar. Quase só dá arroz, por isso têm de gerir cuidadosamente a água, as outras culturas  crescem com dificuldade, a produção depende das condições climatéricas e não é estável, produzem 400 quilos de cereais por mu (cada mu são 666,7 m 2) e consideram que apesar da seca são números razoáveis. O trabalho é sobretudo manual, possuem poucas máquinas, quase nenhuns tractores e debulhadoras mesmo assim contam com uma pequena fábrica de parafusos e de sacos de papel onde trabalham os familiares dos quadros do Partido. Têm um autocarro que transporta os alunos para a escola e que também é alugado às outras comunas próximas, o que acrescenta algum dinheiro ao magro pecúlio da terra. Três tardes por semana são dedicadas ao estudo. Aprendem mais chinês e lêem textos escolhidos do presidente Mao.

Concluída a arenga sobre as realidades da comuna de Waiwengu, era tempo de nós arregaçarmos as mãos e trabalhar. Destinaram-nos umas dezenas largas de fardos de palha que estavam alinhados ao longo do campo e nós devíamos agarrar, levantar do chão e colocar cuidadosamente no atrelado de um tractor que circulava a nosso lado. Esta era a labuta inicial dos recém-chegados filhos de uns tantos “diabos estrangeiros”. A minha roupinha, tipo fato-macaco maoista, começou a ficar coberta de fiapos de palha. E eu já suava. Mas em mim gosto do dever cumprido. Às onze e meia foi tempo de almoço, uma pobre vianda camponesa para enganar a fome e às treze horas era tempo de recomeçar o trabalho. Agora tínhamos de descarregar os fardos de palha dos atrelados do tractor e de os empilhar a preceito num dos grandes armazéns da aldeia. Tudo concluído, chegámos ao fim da tarde, exaustos, cansados. Vida de camponês chinês não é fácil, no entanto penso que era capaz de passar aqui um ou dois meses, ia aprender, não me fazia mal nenhum. 75% da população da  China vive no campo, este é o país mais do que real, tão mal conhecido pelos estrangeiros.

Yulan, uma das chinesas jovens que comigo trabalha nas Edições, contou-me que há uns tempos atrás foi mandada para uma comuna a fim de ser “reeducada pelos camponeses”, também numa Escola 7 de Maio. Puseram-na a plantar arroz, afundada na lama de um arrozal. Menina da cidade, de mãos limpas e mimosas, desabituadas a qualquer esforço para além da pena e da caneta, disse-me que tinha tanta a sua falta de jeito que eram mais os molhos de arroz  que arrancava do que os plantava.

Não foi o meu caso, nem o da Adélia, do Hans, da Angelina. Demos o nosso melhor, trabalhámos bem, quase até à exaustão, no meio daqueles calejados camponeses, que sorriam sempre face a tanta dedicação, labor e entusiasmo destes estranhos intelectuais chegados do outro lado do mundo.

Já no regresso a Pequim, a Angelina Martins, brasileira de São Paulo, contou-nos uma interessante história acontecida com o Jayme, o seu marido. Trabalham ambos na Secção Portuguesa da Rádio Pequim e há uns tempos atrás mandaram o Jayme para uma comuna popular, 300 quilómetros a norte de Pequim, para ser “reeducado”. Necessitando cagar, o Jayme dirigiu-se à latrina colectiva da aldeia, um grande buraco ao ar livre onde os camponeses depositavam as suas fezes e urinas que, depois da devida fermentação, eram utilizadas para adubar a terra. O Jayme agachou-se, tirou as calças e ali ficou, de bunda ao vento, tentando evacuar os seus cocós, o que não foi fácil, os seus intestinos estavam algo presos. Face à demora, olhou para trás e, para seu espanto, tinha já ali, do outro lado, quase uma centena de camponeses chineses contemplando curiosos o seu rabo. Rabos há muitos mas uma bunda estrangeira, brasileira, ao léu, numa comuna popular, no nordeste da China, cagando lentamente na brisa da tarde, é raríssima.

五七干校

António Graça de Abreu

31 Out 2016

Encontro entre líderes do PCC e Kuomitang no fim do mês

As reuniões entre representantes dos dois lados do Estreito sucedem-se. O lado chinês apela a uma comunicação honesta para salvaguardar a paz na região

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma reunião entre os líderes do Partido Comunista da China e do partido Kuomintang (KMT) será significativa para salvaguardar o desenvolvimento pacífico das relações através do Estreito, disse um porta-voz da parte continental da China na quarta-feira.

An Fengshan, porta-voz do Departamento dos Assuntos de Taiwan do Conselho de Estado, o gabinete chinês, fez o comentário referindo-se à visita de Hung Hsiu-chu, líder do KMT em Taiwan.

Hung deve chefiar uma delegação em visita à parte continental entre 30 de Outubro e 3 de Novembro, disse o departamento na segunda-feira.

Sinal mais

Sob a situação actual, a interacção entre os dois partidos e os esforços para consolidar o fundamento político comum terão um impacto positivo para salvaguardar a paz e a estabilidade através do Estreito de Taiwan, disse An.

Em 2005, quando os laços através do Estreito atravessaram um momento crítico, os líderes dos dois partidos realizaram um “encontro histórico” confirmando adesão ao Consenso de 1992, que afirma o princípio da Uma Só China e se opõe à “independência de Taiwan”.

An disse que o acordo alcançado naquela reunião apontou um “caminho brilhante” para os laços através do Estreito e para o seu desenvolvimento.

Desde então, os dois partidos têm comunicado, o que tem contribuído para as relações pacíficas, disse o porta-voz.

An disse que os dois partidos e também os dois lados através do Estreito abriram um novo capítulo no desenvolvimento pacífico das relações e alcançaram uma série de êxitos desde 2008.

Os êxitos foram viáveis porque os dois lados estabeleceram o fundamento político comum de defender o Consenso de 1992 e opor-se à “independência de Taiwan”.

An indicou que é importante para os dois partidos manterem uma comunicação honesta para garantir o desenvolvimento das relações pacíficas através do Estreito.

28 Out 2016

Comércio entre a China e PLP cai 11,22%

As trocas comerciais entre o Império do Meio e os países de língua portuguesa continuam em queda. O Brasil mantém-se como o principal parceiro comercial

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] comércio entre a China e os países de língua portuguesa caiu 11,22% nos primeiros oito meses do ano, face ao período homólogo de 2015, indicam dados oficiais ontem divulgados.

Segundo estatísticas dos Serviços da Alfândega da China, publicadas no portal do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau), o comércio entre a China e os países lusófonos foi 60,23 mil milhões de dólares  entre Janeiro e Agosto.

Pequim comprou aos países de língua portuguesa bens avaliados em 41,68 mil milhões de dólares  – menos 0,74% – e vendeu produtos no valor de 18,54 mil milhões de dólares– menos 28,24% face aos primeiros oito meses de 2015.

O Brasil manteve-se como o principal parceiro económico da China, com trocas comerciais bilaterais de 45,16 mil milhões de dólares, uma queda de 7,69% em termos anuais homólogos.

As exportações da China para o Brasil atingiram 13,85 mil milhões de dólares, menos 30,14%, enquanto as importações chinesas totalizaram 31,30 mil milhões de dólares, uma subida de 7,62%.

Com Angola, o segundo parceiro comercial da China no universo da lusofonia, as trocas comerciais caíram 28,34%, para 10,19 mil milhões de dólares.

Pequim vendeu a Luanda produtos avaliados em 10,60 mil milhões de dólares – menos 60,27% face aos primeiros oito meses de 2015 – e comprou 9,13 mil milhões de dólares, menos 20,96%.

Vantagem de cá

Com Portugal, terceiro parceiro lusófono da China, o comércio bilateral ascendeu a 3,57 mil milhões de dólares  – mais 19,19% –, numa balança comercial favorável a Pequim, que vendeu a Lisboa 2,61 mil milhões de dólares – mais 32,91% – e comprou produtos avaliados em 966 milhões de dólares, menos 6,78%.

Em 2015, o comércio entre a China e os países de língua portuguesa caiu 25,73%, a primeira queda desde 2009.

Os dados divulgados incluem São Tomé e Príncipe, apesar de o país manter relações diplomáticas com Taiwan e não participar no Fórum Macau.

China estabeleceu a Região Administrativa Especial de Macau como a sua plataforma para o reforço da cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa em 2003, ano em que criou o Fórum Macau, que reúne a nível ministerial de três em três anos.

A quinta conferência decorreu em Macau entre 11 e 12 de Outubro com a presença de cinco primeiros-ministros (da China, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique), naquela que foi a representação de mais alto nível de sempre. Angola, Brasil e Timor-Leste fizeram-se representar por ministros.

28 Out 2016

Maioria dos chineses quer Xi Jinping como “líder central”

Uma sondagem da Tribuna do Povo revela que as qualidades do secretário-geral devem levar a que este possa ganhar o estatuto de “líder central”, a exemplo de Mao Zedong. Alguns analistas ocidentais admitem já que o actual Presidente possa ficar no poder mais do que os dez anos previstos

[dropcap style≠’circle’]”A[/dropcap] maioria dos chineses” deseja que o actual secretário-geral do Partido Comunista (PCC), Xi Jinping, seja um “líder central”, com o estatuto do antigo Presidente Mao Zedong, revelou uma sondagem publicada ontem na imprensa oficial.

As referências a um estilo de governação centrada no líder têm-se multiplicado, numa altura em que cerca de 400 altos quadros do PCC estão reunidos em Pequim para discutir o futuro da organização.

A referida sondagem, com uma amostra de 15.000 pessoas, foi difundida pela Tribuna do Povo, revista do grupo do Diário do Povo, o jornal oficial do partido.

O estudo revela que a “maioria” dos inquiridos concorda “que a ascensão de uma grande nação necessita de um líder forte e central”.

“As qualidades especiais do secretário-geral Xi Jinping, como líder de uma grande nação, conquistaram a aprovação da grande maioria dos inquiridos”, escreveu a revista.

Todos os sectores da sociedade “aguardam com enorme expectativa” a ascensão de Xi Jinping, acrescenta.

O artigo que acompanha os resultados da sondagem compara ainda Xi a Mao Zedong, o fundador da República Popular, e a Deng Xiaoping, o “arquitecto-chefe das reformas económicas” que abriram a China à economia de mercado.

“Foi o Presidente Mao que ergueu o povo [chinês], ou de outra forma andaríamos perdidos na escuridão”, refere, acrescentando que Deng converteu a China num país rico.

“Agora, a China deve fortalecer-se, o cidadão comum sabe disso. E para atingir esse objectivo devemos confiar no secretário Xi”, aponta.

Regras e virtudes

Formalmente, Xi Jinping acumula já mais poder do que todos os anteriores Presidentes chineses, desde o fim do “reinado” de Mao Zedong.

Cimentado pelos líderes chineses desde finais dos anos 1970, o sistema de “liderança colectiva” parece ter sido também desmantelado desde que Xi chegou ao poder.

Analistas ocidentais admitem já que este poderá ficar no poder para além do período previsto de dez anos.

O sexto plenário do Comité Central, o último antes da liderança do partido ser remodelada no próximo ano, aborda as “regras da disciplina interna” no PCC e “as directrizes para a vida política” dos seus membros, segundo a agência oficial Xinhua.

Os inquiridos pelo Tribuna do Povo dizem admirar o pensamento estratégico de Xi, a coragem com que enfrenta os problemas e o seu “carisma pessoal”.

O enfraquecimento da “liderança central” pode “facilmente causar guerra civil, a invasão por inimigos estrangeiros e pôr o povo na miséria”, lê-se no artigo.

“Isto é uma dura lição que aprendemos com os 100 anos de sangue e lágrimas na recente história da China”, conclui, numa referência ao “século de humilhação”, um período que se refere à ocupação estrangeira e vai desde a primeira guerra do ópio (1839 – 1842) ao fim da ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial.

27 Out 2016

As mulheres mais odiadas da China 让解放军踮起足尖的女人

[dropcap style≠’circle’]“E[/dropcap]m Xangai, Wang Guangmei (mulher do então presidente, J O’y) proferiu um discurso de 70.000 palavras…[na] mesma semana em que Jiang discursou no Festival da Ópera de Pequim. Enquanto Wang explicava a agrónomos qual o fertilizante que ela achava mais adequado para as difíceis condições da Província de Hebei, Jiang ensinava os actores a usar uma pistola de forma a evitarem danificar o pénis.”

Comrade Chiang Ch’ing por Roxane Witke, 1977

Querida Humanidade, ups, a Mestre de Artes, Jiang Qing江青.

A reforma da arte tradicional começou após a fundação da República Popular da China, em 1949; esta reforma também abrangeu a Ópera. No início dos anos 60, Mao Tsé Tung queixava-se que os palcos chineses ainda eram dominados por “imperadores, reis, generais, chanceleres, literatos e beldades” (风花雪夜才子佳人, ao invés de heróis proletários da classe trabalhadora. Houve uma mulher que o compreendeu. Acabaria por entrar na História como a mulher malvada do Secretário Geral – uma mulher que arcou com a as consequências do desagrado nacional, devido às marcas deixadas pelo líder da revolução de massas.

Liu Haisu, um dos grandes nomes da história da Arte chinesa, que deu início à utilização de modelos nus nas Academias, escreveu sobre Lan Ping: “Tinha regressado da Europa no Verão de 1935. [Ela] já era famosa em Xangai por causa do seu desempenho de Nora, na peça de de Ibsen. Era uma artista talentosa, qualquer coisa que se lhe dissesse, ela compreendia à primeira.”   Nos anos 60, quando Mao apelou à criação de uma nova arte revolucionária, foi como se lhe tivesse insuflado vida nova. Deu início a uma cruzada para controlar o mundo das artes, pelo que foi condenada para todo o sempre, mas através da qual deixou marcas inesquecíveis. Os chineses costumam dizer: “8 biliões de pessoas a admirar 8 personagens modelo do palco” (八亿人看八个样板戏). Porquê? Porque os heróis e as heroínas são gao (, sublimes), da (, gloriosos) e quan (, completos). É a versão chinesa do Übermensch (super-homem de Nietzsche), embora duvide que Jiang alguma vez tenha estudado Riefenstahl.

Pelos vistos, os efeitos das oito personagens modelo da camarada Jiang Qing na memória colectiva dos chineses, foram muito incrementados pela publicação de diversíssimos cartazes que reproduziam momentos chave das suas peças. Tornaram-se imediatamente clássicos, ousados e inovadores usando sem complexos elementos característicos da arte ocidental. Por exemplo, os instrumentos que compõem as orquestras ocidentais foram todos introduzidos na Ópera tradicional de Pequim, bem como elegantes bailarinas de sapatilhas de cetim, que volteavam e saltavam em torno de soldados agitando armas e espadas, enquanto realizavam proezas de Kungfu.  O colorido dos cenários chegava a ter um magnetismo à la Warhol.    

As oito personagens modelo continuam vivas hoje em dia, justiça lhes seja feita, embora o apreço do público seja já desprovido de significado político. O que resta tem mais a ver com nostalgia, já não existem conotações negativas. São o manifesto de uma mulher no mundo masculino da política.

26 Out 2016

6º Plenário do PCC | Analistas falam na consolidação do poder de Xi Jinping

Começou ontem em Pequim o encontro do movimento político com mais poder no mundo. O Sexto Plenário do Partido Comunista Chinês pode mudar a história do país, dizem os analistas. É que começa agora a luta pelos cargos mais importantes da estrutura

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão reuniões que acontecem no Hotel Jinxi, na capital chinesa, longe do olhar do público. Ao todo, participam quase 400 membros do Partido Comunista Chinês (PCC). Até à próxima quinta-feira, discutem mudanças em relação ao modo como o partido deverá ser gerido. O conclave, diz a Xinhua, “está focado nas questões da disciplina partidária”. A lacónica retórica oficial esconde o que está efectivamente em causa: jogam-se posições políticas e relações de força na segunda maior economia do mundo.

O Sexto Plenário, como o encontro é conhecido, acontece numa altura em que o PCC enfrenta mudanças significativas. Desde que assumiu os comandos do partido em 2012, o secretário-geral Xi Jinping tem tentado moldá-lo de acordo com os seus desígnios e tem controlado mais alavancas de poder do que qualquer outro líder desde Mao Zedong, escreve a France-Presse.

Depois, enquadra ainda a agência, a campanha de luta contra a corrupção dos últimos quatro anos alterou profundamente a composição do PCC, ao derrubar bastiões de poder que se julgava serem invencíveis – como o caso de Zhou Yongkang, antigo chefe da segurança –, e criando um receio generalizado por todo o país, que se traduz na dificuldade na tomada de decisões.

“Do ponto de vista histórico, é sempre uma reunião importante no PCC porque se definem ou clarificam-se políticas”, explica ao HM Arnaldo Gonçalves, especialista em relações internacionais. “Acontece, normalmente, a meio do mandato do secretário-geral e por isso é importante”, vinca, recordando que foi numa reunião deste género que foram definidas mudanças importantes na vida política da China, como “o encerramento da Revolução Cultural”.

O conclave que acontece por estes dias em Pequim “é importante porque estamos num período de transição”. A situação é, por ora, uma incógnita, mas como se sabe são sete membros [no Comité Permanente do Politburo] e há um grande falatório sobre a substituição daqueles que atingem os 70 anos – são cinco destes sete”, contextualiza Arnaldo Gonçalves.

O especialista faz alusão à “regra não escrita instituída por Deng Xiaoping, no pós-maoismo”, que determina que os dirigentes da primeira linha do PCC não devem ultrapassar o limite dos 70 anos, “porque é eternizarem-se no poder e é uma repetição da síndrome do Mao”. Até agora, a regra foi aceite por todas as lideranças, “mas não se sabe se vai ser alterada ou não”, continua o analista. “Este é um dos pontos importantes deste conclave.”

Uma vez que os políticos mais importantes do país estão no encontro de Pequim – “todo o poder central está lá” – e atendendo ao timing em que acontece, “é um tempo em que as pessoas que têm ambições de subir ao Politburo [ao grupo dos 25 membros] também se começam a posicionar”. Começa também “a corrida para o congresso do ano que vem, que vai ser um congresso decisivo em que se vai jogar quem vai ser o comité central, o comité permanente do Comité Central, e quem vai estar no futuro Governo da China, porque é provável que haja também mudanças a esse nível”.

Arnaldo Gonçalves sublinha, no entanto, que “há que esperar” – no final desta semana “Xi Jinping deve dar, nas entrelinhas, algumas directivas” do que será a vida política chinesa até ao próximo ano.

Um homem só

Xi Jinping descreveu o Partido como “a arma mágica” que pode ser usada para implementar reformas necessárias para atingir o objecto do “Grande Rejuvenescimento” da nação, uma ideia que diz, com frequência, ser o “sonho chinês”. Mas tem encontrado uma forte resistência nas tentativas de alteração do modo de funcionamento das empresas estatais, que controlam sectores estratégicos da economia e servem de apoio a políticos com importância na China.

“Estas reformas não foram a lado algum nos últimos três anos”, aponta à AFP Anthony Saich, especialista em política chinesa da Universidade de Harvard. “Claramente, Xi Jinping vê o PCC como o único motor para as reformas. Não acredita na sociedade ou no Estado como meios para levar por diante as reformas que deseja.”

No encontro de Pequim, acrescenta Saich, há um confronto entre “aqueles que são apoiados pelo secretário-geral e aqueles que são negativamente afectados pela campanha de luta contra a corrupção e pelas reformas que possam vir a ser feitas no sector empresarial detido pelo Estado”.

Para Xi Jinping, as melhorias ao nível da disciplina do partido são mais do que uma redução do mau comportamento dos elementos do PCC. “Tem sido muito ambicioso na conquista do poder, no modo como se apropria de poderes”, defende Willy Lam, académico da Universidade Chinesa de Hong Kong.

O analista considera que “a maior motivação” de quaisquer novas regras a serem aprovadas durante o plenário servirão para “consolidar a posição de Xi Jinping como grande líder”, destacando que várias medidas foram sendo introduzidas para garantir que os membros do Partido estão de acordo com a linha de pensamento de Xi Jinping, incluindo a “proibição de críticas sem fundamento”. “Só há uma pessoa no PCC que tem o direito a definir as regras políticas – chama-se Xi Jinping”, nota ainda.

Ao HM, Arnaldo Gonçalves recorda as dúvidas que tinha sobre o líder do Partido Comunista Chinês quando este passou a ser o homem mais importante da China, já lá vão quatro anos, até porque Xi “não abriu muito o jogo” na altura. O modo como tem desempenhado os cargos que ocupa – na liderança do Partido e como Presidente – levam o analista a considerar que “claramente é um homem de poder, com ambição de poder, com uma perspectiva para o exercer extremamente solitária, que não gosta muito das direcções colectivas – que foram a tradição desde Deng Xiaoping –, e prefere ser o tipo de Presidente com alguns adjuntos que o coadjuvam”. Para o analista, é importante ver “o que vai acontecer agora”.

O conclave acontece ainda numa fase em que aumenta a especulação em torno da possibilidade de Xi se manter no poder depois de 2022, altura em que deveria sair, por estarem cumpridos dois mandatos. Para o presidente do Mercator Institute for China Studies, Sebastian Heilmann, trata-se de uma possibilidade “extremamente arriscada, porque iria criar grandes fricções entre a elite política chinesa”.

Outro especialista ouvido pela AFP, Mao Shoulong, entende que o Sexto Plenário vai ser aproveitado como uma oportunidade de fortalecer a posição do secretário-geral na liderança e a base de poder”. Mao Shoulong repara também que a campanha contra a corrupção interferiu em áreas que não tinham sido afectadas.

Bondade ou jogo político

A eficácia da grande luta desencadeada por Xi Jinping é o tema de um editorial do jornal “Procura pela Verdade”, uma publicação importante do PCC. Na sexta-feira passada, na antecipação do Sexto Plenário, o jornal escrevia que a campanha contra a corrupção pode ter enfraquecido o partido que Xi pretende salvar, ao destacar a “universalidade e a gravidade da corrupção dentro do Partido Comunista Chinês”. Os castigos aplicados a milhares de membros e funcionários “enfraqueceram seriamente as fundações do Partido e a sua capacidade para governar”.

Há críticos do regime que entendem a campanha é uma forma interna de luta entre facções e, uma vez que não existem reformas sistémicas dentro da estrutura, não são eliminadas as causas da corrupção.

Arnaldo Gonçalves foca precisamente estas várias leituras em torno do principal cavalo de batalha de Xi Jinping. “Há quem diga que é importante a campanha anticorrupção para limpar o partido, para o dignificar, para o legitimar de novo, limpá-lo dos corruptos que a máquina tem criado”, diz. “Há quem diga que é um pretexto, como tem acontecido nalguns regimes mais ou menos musculados da Ásia, para aproveitar a campanha anticorrupção para se libertar de alguns adversários políticos, que foram adversários dele à medida que foi subindo no partido.”

Ressalvando que não tem “certezas destas avaliações”, o especialista sublinha que a composição do próximo Comité Central vai ser esclarecedora. “Perante este [Comité Central], acho que tem uma relação de grande respeito por Li Keqiang, que se irá manter, de certeza; por Wang Qishan, que é o homem da comissão de disciplina do Comité Central, uma área importante, e por Zhang Dejiang. Tem uma relação de respeito por estes três homens, os dois últimos mais velhos”, aponta, recordando que tanto Wang Qishan, como Zhang Dejiang deverão abandonar os cargos que detêm por atingirem a tal regra não escrita do limite de idade.

À AFP, e ainda sobre a questão da corrupção, Hu Xingdou, analista do Instituto de Tecnologia de Pequim, espera que da reunião de Pequim saiam novas regras para garantir a transparência de acção dos membros do Partido, dando o exemplo do registo de propriedades. “No passado, foram produzidas regulamentações que acabaram por não ser implementadas”, recorda. Desta vez, “espero que possa passar a haver a divulgação pública de bens”. Para o especialista, “só assim é que podem conquistar o respeito de toda a nação”.

25 Out 2016

Fundador do China Minsheng Bank compra seguradora dos EUA

O grupo que acordou a compra da seguradora norte-americana Genworth Financials quer também 50% do Novo Banco

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] maior accionista e fundador do China Minsheng Bank, que em Portugal apresentou uma oferta não vinculativa por 50% das acções do Novo Banco, chegou a acordo para adquirir a seguradora norte-americana Genworth Financials.

O China Oceanwide Holdings ofereceu 5,43 dólares por cada acção do Genworth, numa transacção em dinheiro e avaliada em 2,7 mil milhões de dólares, de acordo com um comunicado emitido pelas duas empresas no domingo.

Fundado em 1871, o Genworth tem quase quatro milhões de clientes no sector dos seguros de vida e oferece também seguros hipotecários, segundo o seu ‘site’ oficial.

“Vamos fornecer um apoio financeiro crucial nos esforços do Genworth para reestruturar o seu negócio no ramo dos seguros de vida”, afirmou o presidente executivo do Oceanwide, Lu Zhiqiang, em comunicado.

Senhor milhões

Lu é o nono homem mais rico da China, com um património líquido avaliado em 85 mil milhões de yuan, de acordo com a unidade de investigação chinesa Hurun Report.

A Oceanwide, que tem sede em Pequim, prometeu ainda disponibilizar 600 milhões de dólares  à Genworth, para liquidar as suas dívidas que vencem em 2018, e realizar uma injecção de capital de 525 milhões de dólares no ramo de seguros de vida da empresa.

Tom Mclnerney, presidente e chefe executivo da Genworth, considerou o grupo chinês um “proprietário ideal”, afirmando que o investimento será do interesse dos accionistas da empresa, que tem sede no Estado norte-americano da Virgínia.

A Oceanwide controla várias entidades financeiras, incluído o Minsheng Bank, que segundo o jornal Público fez uma proposta não vinculativa de aquisição da maioria de capital do Novo Banco.

Segundo o seu ‘site’ oficial, a Oceanwide investiu em vários empreendimentos imobiliários na costa oeste dos Estados Unidos da América, incluindo uma torre que será em breve a segunda mais alta de São Francisco e um condomínio de mil milhões de dólares em Los Angeles.

O negócio, que precisa ainda da aprovação dos accionistas, deverá ser concluído em meados de 2017.

De acordo com o Ministério do Comércio chinês, em 2015, a China investiu 145.000 milhões de dólares fora do país, um valor que representa um crescimento homólogo de 18% e ultrapassa o valor do investimento directo estrangeiro no país – 135,6 mil milhões de dólares.

25 Out 2016

Aniversário | Pequim celebra 80 anos desde o fim da Longa Marcha

A China celebra este mês, com séries de televisão, documentários ou exibições, 80 anos desde o fim da Longa Marcha, a epopeia que consagrou o Partido Comunista Chinês (PCC) e o seu líder Mao Tse-Tung

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]erante o cerco do exército da República da China, então controlada pelo Partido Nacionalista Kuomintang (KMT), os guerrilheiros comunistas empreenderam, a partir de Outubro de 1934, uma travessia de 6.000 quilómetros.

Durante essa retirada, que começou no sul da China e terminou em Yanan, aldeia do norte onde os comunistas estabeleceram uma base a partir da qual conquistariam o país, morreram mais de 90% dos combatentes.

O aniversário tem sido celebrado ao longo deste mês, com a difusão diária de notícias e artigos assinados, séries de televisão, programas de rádio, concertos ou exibições, que exaltam o heroísmo dos fundadores do PCC e a necessidade de o país realizar uma “nova Longa Marcha”.

“A China está no início de uma nova Longa Marcha, rumo ao rejuvenescimento da nação chinesa”, proclamou o jornal oficial do PCC, o Diário do Povo, num editorial assinado no início deste mês.

A agência oficial Xinhua destacou ainda a “inteligência e vontade” daquela epopeia como inspiração para o mundo e a China de que se pode “tornar possível o impossível”.

Deixem-me sonhar

O Presidente chinês, Xi Jinping, celebrou a ocasião com visitas a museus na região de Ningxia, noroeste da China, e em Pequim.

O líder chinês afirmou que o partido tem de adoptar o espírito daquela marcha, para alcançar o “sonho chinês” de rejuvenescimento da nação e o objectivo de construir uma “sociedade moderadamente confortável”, até 2021, quando o PCC celebra 100 anos desde a fundação.

“Nós, a nova geração, devemos concretizar a nossa Longa Marcha”, disse.

Evocar a lenda é “uma lembrança para todos de que o partido, de facto, significou e significa algo”, apesar de ter perdido o “propósito e legitimidade”, afirmou à agência France Presse Trey McArver, analista político na Trusted Sources, em Londres.

As referências de Xi à Longa Marcha reflectem o seu desejo de canalizar a autoridade de Mao, disse à AFP Liu Tong, historiador na Universidade de Jiaotong, em Xangai.

A administração da China tornou-se mais centrada na figura do líder, desde que Xi ascendeu ao poder, um estilo que se “assemelha ao de Mao em muitos aspectos”, afirmou o historiador, acrescentando que celebrar a Longa Marcha relaciona Xi com o “símbolo de triunfo dos comunistas”.

19 Out 2016

Corrupção | Televisão chinesa divulga pormenores de processos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] estação de televisão estatal da China começou esta semana a transmitir um documentário que revela ao público os detalhes de alguns dos casos de corrupção mais dramáticos do país. A série – dividida em oito episódios – foi para o ar pela primeira vez na noite da passada segunda-feira e, escreve a agência Reuters, promete uma abordagem em que não ficam de fora os defeitos dos protagonistas das histórias de subornos e de vidas extravagantes, desvendadas pelo Partido Comunista Chinês (PCC) nos últimos anos.

O Presidente Xi Jinping lançou uma campanha contra a corrupção mal chegou ao poder, há quase quatro anos, tendo então prometido que ninguém – independentemente da posição – ficaria de fora do combate a um dos principais problemas da política nacional. A promessa foi cumprida, com homens outrora poderosos a caírem em desgraça.

Três destes “tigres” estão em destaque no primeiro episódio da série: Bai Enpei, o antigo chefe do PCC na província de Yunnan; Zhou Benshun, que liderou o partido em Hebei; e Li Chuncheng, vice-secretário da estrutura política em Sichuan.  Bai Enpei e Li Chuncheng já foram condenados, mas Zhou Benshun continua a aguardar julgamento – os detalhes mais curiosos são precisamente os que dizem respeito ao político de Hebei.

O enterro da tartaruga

Com um fundo de imagens de um templo budista e ao som de cânticos de monges, os autores do documentário descrevem Zhou como estando envolvido em “práticas supersticiosas”. “Tinha expectativas contando com a protecção de seres sobrenaturais”, conta o narrador. “Depois de uma tartaruga ter morrido em sua casa, transcreveu escrituras e enterrou-as com o animal.” O ex-alto funcionário do Partido Comunista Chinês até tinha um tratador para os animais de estimação, conta um investigador.

Os funcionários do PCC não devem ter qualquer envolvimento em actos religiosos e a acusação de superstição é frequentemente utilizada contra os suspeitos de corrupção como forma de denegrir, ainda mais, a imagem dos arguidos.

Os três políticos caídos em desgraça admitem a culpa durante o programa – a Reuters vinca que não foi possível confirmar com os protagonistas se a participação foi feita de forma voluntária. No entanto, o PCC vê com bons olhos as confissões e os actos de contrição: há funcionários que conseguiram evitar a pena de morte porque mostraram remorsos e cooperaram com as investigações.

Ao assumir a culpa, Li Chuncheng, condenado em 2015 a 13 anos de prisão, não conseguiu conter as lágrimas. “Comecei a achar, desde novo, que sob a liderança do Partido conseguiria contribuir para o progresso da sociedade, fazer as pessoas felizes. Mas, no fim, por minha causa, não alcancei os meus objectivos. Desiludi o Partido. Desiludi as pessoas”, admitiu.

O documentário chama-se, numa tradução livre, “Sempre na estrada”, uma referência ao desejo que o PCC tem em não abrandar o combate à corrupção. Estão prometidas novas revelações para o final desta semana.

O primeiro episódio da série foi de imediato alvo de muito debate nas redes sociais chinesas, com algumas pessoas a considerarem as lágrimas de Li Chuncheng, o antigo político de Sichuan, pouco convincentes e muito teatrais.

19 Out 2016

A nova ordem económica internacional (I)

“As the Chinese economic transformation is unprecedented in human history, there are no successful models from which the Chinese can learn in order to smoothly and effectively transform their planned economy to a market economy. Nonetheless, the so-called Socialist Market Economy, or Economic Taoism approach, appears to have been remarkably successful. Although there is no agreement in the literature on whether a coherent Chinese model of economic growth exists, it seems clear that the approaches of Taoism, combined with its traditional guanxi relationships, have helped China in “groping for stones to cross the river.” It may be too early to say that the Chinese Economic Taoism paradigm has come of age; however, it is indisputable that China has found a unique way to develop its economy and that this has enabled it to respond effectively to the recent financial crises.”

“China in the International Economic Order: New Directions and Changing Paradigms” – Lisa Toohey, Colin B. Picker and Jonathan Greenacre

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mercados emergentes que cresciam a grande rapidez e a brecha que sempre os tinha separado dos países industrializados, começava a fechar-se no inicio do século XXI. A convergência realizava-se num ambiente de liberalização económica, em que se acreditava, que os sistemas financeiros de todos os países, formariam uma rede uniforme, mas esse período terminou. Os países emergentes já não crescem à velocidade de antes, especialmente, em comparação com os países desenvolvidos, e as fissuras entre os diferentes sistemas tornam-se mais evidentes.

A última sondagem anual aos executivos de empresas pela “PricewaterhouseCoopers (PwC)” designado por “19th Annual Global CEO Survey”, mostra que apenas 35 por cento dos inquiridos crêem que o mundo caminha para uma maior unidade económica, e cerca de 59 por cento dos inquiridos acreditam que vários modelos económicos irão coexistir e competir entre si. A confirmar essa análise, apenas basta observar quão diferente é o investimento público e privado nos Estados Unidos, China, Japão e União Europeia (UE). Esses países e região operam com premissas fundamentalmente diferentes, acerca da forma como a economia se deve organizar.

A tensão entre esses diferentes pressupostos aumenta de forma gradual, indicando que uma nova ordem económica mundial está a surgir para substituir a que existiu desde o final da II Guerra Mundial. A economia global, num futuro próximo, será definida por um conjunto complexo de relações económicas em permanente mudança. As economias continuarão interligadas, mas com regras em constante mudança no comércio internacional. A forma mais eficaz para o líder de uma empresa gerir esta complexidade, ou atravessar a entrada para a próxima ordem económica com confiança e habilidade, é concentrar a atenção em três tendências base, como a dispersão do poder económico, a contínua evolução de modelos de crescimento dirigidos pelo Estado e a aceleração da ruptura que sofrem as empresas, como consequência da alteração tecnológica.

Essas tendências podem parecer evidentes, mas nenhuma à primeira vista é na realidade. Além disso, continuarão a evoluir em direcção incerta. Se forem analisadas cuidadosamente, os empresários poderão ajudar as suas organizações a tomar as medidas necessárias para avançar na nova ordem económica mundial. A dispersão do poder económico está a produzir uma alteração fundamental. O dólar está a perder a sua posição exclusiva como moeda de reserva mundial e nas próximas décadas, nenhum país poderá dominar a balança de pagamentos, como fez os Estados Unidos durante mais de setenta anos. O último acontecimento idêntico foi no final da II Guerra Mundial, e o catalisador foi a Conferência de Bretton Woods, em 1944. Após a Conferência, os Estados Unidos converteram-se no país que negociava os acordos internacionais para que as actividades financeiras fossem realizadas com ordem, adoptando dessa forma, a posição de líder mundial até ao presente.

As instituições multilaterais que surgiram então, como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estavam sujeitas à forte influência dos Estados Unidos e funcionaram bastante bem, durante muito tempo, o que não quer dizer que não tenham existido conflitos. Quando unilateralmente os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro, em 1971, por exemplo o “Choque Nixon” provocou dois anos de negociações, até que as grandes economias aceitassem que as suas moedas flutuassem face ao dólar. Os Estados Unidos durante o período do pós-guerra, negociaram com as grandes economias para tomar as decisões mais importantes.

A intenção foi quase sempre favorecer países amigos, quase todos com economias democráticas e liberais. Durante as sete décadas após a Conferência de Bretton Woods, a superioridade económica dos Estados Unidos baseou-se em quatro pilares. Os dois primeiros foram a sua possante importância económica em expansão, e as redes comerciais que estabeleceu e dominou e que eram também, os motores do crescimento global. Os outros dois pilares foram o estatuto do dólar como moeda global de reserva e a sua influência nas instituições multilaterais. Assim, trouxe estabilidade à economia global, e uma plataforma para a cooperação internacional. As economias emergentes estão a pôr em causa os quatro pilares.

O país desafiador mais notável é a China, cuja influência económica global surgiu rapidamente na última década. A China, em 2014, converteu-se na maior economia do mundo, em termos de poder aquisitivo. Era até então a de maior crescimento entre os países que constituem o G20. A indicação da importante influência económica chinesa é importante, como se pode ver pela sua recente desaceleração, que teve repercussões nos mercados mundiais. Essa influência enfraqueceu o primeiro pilar, ou seja, a força da economia dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial.

A China é também o maior exportador mundial. A rápida adopção desse papel deu-lhe uma enorme influência nas redes comerciais, enfraquecendo o segundo pilar. Por outro lado, está-se a deteriorar a eficácia dos acordos comerciais multilaterais, sendo substituídos por acordos regionais que começam a preponderar. Os acordos regionais representam uma erosão da capacidade americana para definir as regras a nível global. O progresso da China em estabelecer o renminbi (RMB) como moeda para acordos internacionais, enfraquece o terceiro pilar velozmente. Quanto ao quarto pilar a China está a tentar alargar a sua presença nas actuais instituições multilaterais e a criar novas. A sua contribuição para o orçamento da ONU, duplicou entre 2010 e 2015, e presentemente representa 5 por cento do total das suas contribuições. Tem uma participação cada vez maior nos esforços de paz, controlo das alterações climáticas e redução da pobreza.

A criação de uma nova ordem económica global é inevitável. Ainda que a China não vá substituir os Estados Unidos, tornar-se-á cada vez mais difícil a estes, recuperarem a sua posição de domínio económico global, porque existem outras economias a aumentar o seu poder de influência. O FMI prevê que a Índia, terceira economia mundial, seja até ao final de 2016, a de maior crescimento do G20. Surgirá como um actor económico influente com interesses próprios. Em um mundo de poder económico em dispersão, a estabilidade será mais considerada que nunca. Pela natureza dessa estabilidade, não será estabelecida por nenhuma das grandes potências, pois dependerá da qualidade das relações económicas entre os principais países, incluindo aqueles que tenham sistemas económicos diferentes.

A actual alteração no poder económico global será distinta da última grande mudança em 1944, pois o poder de influência na economia em termos globais passou do Reino Unido para os Estados Unidos, que são dois países com uma visão do mundo semelhante, mas mesmo assim, o processo de transferência da polaridade de um lado ao outro do Atlântico levou quarenta anos, pois tinha-se dado nos começos do século XX. Actualmente, assistimos a um reequilíbrio muito mais rápido, entre os diferentes sistemas económicos e políticos, cada um, com distintivo nível de confiança nos mercados e no papel do Estado.

O modelo de Estado da China tem criado um crescimento significativo na última década. É evidente que este modelo não será suplantado por uma forma tradicional de capitalismo, em um futuro previsível. O modelo de Estado mantém a popularidade porque está associado a um forte crescimento nas economias emergentes. Os governos dos países da América do Sul e Rússia, entre países de outras áreas, mantiveram-no nos últimos anos. A dispersão do poder económico e as incompatibilidades consequentes estiveram mais em evidência nas áreas da logística, telecomunicações, suporte lógico e infra-estrutura. É de considerar que a existência de sistemas paralelos em esferas competitivas de influência, o movimento de provimentos, bens, serviços, capital e talentos de uma esfera de influência a outra é menos alinhado.

As empresas não estarão isentas de sofrer interrupções periódicas, como atrasos na obtenção da acreditação dos pagamentos ou nas taxas alfandegárias. Um possível exemplo envolve o sistema global de pagamentos. A denominada de “The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT)” é uma cooperativa que fornece uma plataforma de comunicação, produtos e serviços para ligar mais de dez mil e oitocentos bancos, distribuidoras de valores e clientes corporativos em mais de duzentos países e territórios. O SWIFT permite aos seus utilizados a troca de informações financeiras de forma automatizada e padronizada, com segurança e confiança total, o que reduz os custos, diminui o risco operacional e elimina as ineficiências operacionais. Além disso, também une a comunidade financeira no sentido de melhorar a colaboração na adaptação das práticas de mercado, definição de normas e debater questões de interesse comum. O seu grande mal é de estar sujeita à influência dos bancos americanos e europeus.

A “China International Payment Service (CIPS)” é um sistema de pagamento que oferece serviços de compensação e de liquidação para os seus participantes nos pagamentos RMB, transfronteiriços e de comércio. É uma infra-estrutura do mercado financeiro na China. O CIPS foi planeado para ser desenvolvido em duas fases. A primeira designada por, CIPS (Fase I), teve lugar a 8 de Outubro de 2015. O primeiro grupo de participantes directos é constituído por dezanove bancos chineses e estrangeiros, que foram criados na China e cento e setenta e seis participantes indirectos que abrangem seis continentes e quarenta e sete países e regiões.

O CIPS assinou um memorando de entendimento com a SWIFT, para a sua implantação como um canal de comunicação seguro, eficiente e confiável para a ligação do CIPS com os membros da SWIFT, o que proporcionaria uma rede que permite que as instituições financeiras em todo o mundo, possam enviar e receber informações sobre transacções financeiras em um ambiente seguro, padronizado e confiável. O CIPS é por vezes referido como o “Sistema de Pagamentos Internacional da China”.

Tendo sido apresentado primeiramente como alternativa ao SWIFT, com vista a processar pagamentos internacionais denominados em RMB, nunca irá substituir o SWIFT, porque 45 por cento das transacções internacionais são denominadas em dólares e todos os bancos internacionais terão a necessidade de aceder ao sistema bancário americano. Todavia, com o CIPS a funcionar bem, alguns bancos internacionais poderiam decidir operar sem a licença da banca americana e os Estados Unidos teriam menor autoridade para impor regras a bancos não americanos.

19 Out 2016