Cai neve em Pequim

[dropcap]S[/dropcap]e uma borboleta que bate as asas no Brasil pode provocar um tornado no Texas passado um mês, então a eleição presidencial nos EUA pode, sem sombra de dúvidas, trazer as primeiras neves de 2020 a Pequim. Com a chegada do Inverno no norte da China, mais cedo ou mais tarde irá nevar. O efeito borboleta é somente uma metáfora da relação causa efeito entre todas as coisas deste planeta.

Acredito que quando este artigo for publicado, o resultado das eleições americanas ainda não seja definitivamente conhecido. Quer Trump seja re-eleito quer Biden ganhe as eleições, não irá haver grandes alterações na política americana no que diz respeito à China, porque, sejam quais forem as circunstâncias, os Estados Unidos colocam sempre em primeiro lugar os seus próprios interesses. Qualquer país que constitua uma ameaça a esses interesses, ou que desafie a supremacia americana, torna-se automaticamente num alvo a abater. Depois da política de abertura e de reformas da China, este país tornou-se o maior rival do gigante norte-americano. Os Estados Unidos nunca se deixarão ultrapassar por um rival na liderança do mundo.

No entanto, embora os Estados Unidos sejam o país mais afectado pela covid-19, as eleições foram realizadas na data marcada. A covid -19 foi utilizada pelos dois candidatos como tópico chaves nos debates entre ambos. O vencedor, seja ele qual for, irá sempre responsabilizar a China pela pandemia, porque os políticos inteligentes sacodem sempre a água do capote. É previsível que a China e os Estados Unidos continuem a ser rivais, e que os últimos continuem com a sua política difamatória em todas as frentes em relação à China. As questões de Taiwan e do Mar do Sul da China serão motivos que os EUA irão utilizar para justificar uma intervenção nos assuntos asiáticos.

Ganhe quem ganhar as eleições presidenciais americanas, irá sempre nevar em Pequim. Na 5ª sessão plenária do 19º Comité Central do Partido Comunista da China, recentemente concluída, não foram tomadas medidas para seleccionar os candidatos para a alternância de liderança em 2022, o que quer dizer que nos tempos mais próximos, poderemos assistir a uma das maiores mudanças no cenário político da China.

Ninguém poderá prever o que irá surgir do caos actual. Em relação às presidenciais americanas, muitas pessoas temem que Trump não aceite pacificamente uma derrota eleitoral. No entanto, quem esteja familiarizado com o sistema político norte-americano sabe que nenhum partido vai querer ser cúmplice de um atentado à Constituição dos EUA. Todos os políticos sabem que têm de jogar segundo as regras, caso contrário põem as suas carreiras em risco, à semelhança do Presidente Nixon que teve de se demitir devido a um escândalo.

Embora a China tenha lidado bem com a epidemia de covid-19, a economia interna sofreu um duro golpe, e com as sanções impostas pelos Estados Unidos, o ritmo do futuro desenvolvimento económico do país está comprometido. Nos últimos anos, o investimento estrangeiro na indústria chinesa tem vindo a deslocar-se para fora do país. Se virmos os locais onde o calçado e a roupa desportiva estão a ser fabricados, verificaremos que existe uma tendência para a situação piorar. Além disso, alguns países do sudeste asiático, e outros em vias de desenvolvimento, estão progressivamente a usurpar o estatuto de “fábrica do mundo” da China, através de uma política de custos de produção muito baixos. Muitos países europeus e americanos retiraram as suas fábricas da China e voltaram a colocá-las “em casa” para reduzir o desemprego doméstico provocado pela covid-19. A China, está actualmente num período de transição da produção baseada no trabalho intensivo para um outro, em que a produção assenta na alta tecnologia. Com vários factores em jogo, o desenvolvimento económico da China entrou numa zona de águas turvas. Se o país não lidar adequadamente com este revés económico, pode entrar em recessão, à semelhança do que aconteceu no Japão no passado. Um dos sinais de recessão económica é a situação do mercado imobiliário que se verifica actualmente na China.

O Inverno chegou, por isso cair neve em Pequim é um fenómeno natural. Ganhe quem ganhar as eleições americanas, o povo chinês tem de passar no teste da vida. A duplicação do PBI da China até 2035, vai depender mais do esforço conjunto do que de slogans.

26 Nov 2020

A multiplicidade da História

[dropcap]D[/dropcap]epois de anos de trabalho árduo, a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) concluiu os trabalhos de publicação de um conjunto de 12 volumes da versão piloto dos materiais didácticos de “História”, do ensino secundário de Macau, compilados pelo Instituto de Curricula e Manuais Escolares da Imprensa para a Educação do Povo da China. Segundo os dirigentes da DSEJ, mais de 90 por cento das escolas de Macau usam estes materiais didácticos. A Imprensa para a Educação do Povo vai trabalhar em conjunto com a DSEJ para completar a tradução para inglês e publicar as versões em inglês e português dos materiais didácticos de “História”. Espera-se que estejam disponíveis para as escolas em 2021.

Não existem quaisquer dúvidas sobre as capacidades da Imprensa para a Educação do Povo da China. A DSEJ também criou a Comissão de Apreciação para emitir pareceres sobre a versão piloto dos materiais didácticos de “História”, compilados pela Imprensa para a Educação do Povo, por isso estes manuais não deverão conter qualquer tipo de erros ou sofrer qualquer género de omissões. No entanto, a edição, publicação e distribuição ficam inteiramente a cargo da Imprensa para a Educação do Povo, estando obviamente a cargo dos seus funcionários o trabalho de compilação dos materiais. Com base na sua formação académica, irão inevitavelmente adoptar uma abordagem materialista da História, o que é naturalmente compreensível. Mas os estudantes e os professores devem ter consciência de que os manuais de História não são a própria História, sendo apenas um dos meios que nos permite compreendê-la. Desta forma, será mais adequado encarar a versão piloto dos materiais didácticos de “História” como uma das muitas opções a que as escolas têm acesso para o estudo desta disciplina. Na medida em que 90 por cento das escolas de Macau adoptaram a versão piloto dos materiais didácticos de “História”, podemos depreender que estas instituições em geral apoiam de forma entusiástica a DSEJ.

Um dos objectivos do estudo da História é a procura da verdade. Autores com diferentes perspectivas da História podem ter interpretações diferentes dos factos e é difícil decidir qual é a melhor. Tal e qual como o pato à Pequim e o pato à Cantão, cada um com o seu sabor particular e cada um com os seus apreciadores.

Como tal, é difícil assinalar quais os prós e contras da versão piloto dos materiais didácticos de “História”, compilados pela Imprensa para a Educação do Povo. Mas, enquanto cidadão que vive em Macau, numa região onde vigora o princípio “Um País, Dois Sistemas”, permito-me dar a minha opinião sobre os conteúdos da versão piloto dos materiais didácticos de “História”.

Por exemplo, na versão piloto dos materiais didácticos de “História” para o 3o ano de ensino secundário geral, dedicado à “História Mundial”, a legenda da foto do Muro de Berlim diz o seguinte, “Em 1961, a Alemanha de Leste criou um bloqueio militar em torno de Berlim Ocidental para impedir a saída dos cidadãos nacionais e impedir a invasão dos valores do Ocidente. Este bloqueio veio a dar origem ao “Muro de Berlim”, que se veio a tornar o símbolo da divisão da Alemanha”. A frase “saída dos cidadãos nacionais”, tem uma conotação diferente da habitualmente usada, “deserção dos cidadãos nacionais”. Ao usar a palavra “saída”, é difícil de compreender porque é que quase duzentos alemães de leste perderam a vida enquanto tentavam escalar o Muro. “Muro de Berlim” em chinês, grafa-se“柏林圍牆” (Muro de Berlim serve para encerrar/ separar), o termo usado na versão piloto dos materiais didácticos de “História” é “柏林牆” (Muro de Berlim), omitindo o“圍”(serve para encerrar/separar), despindo o muro do seu propósito, que era precisamente encerrar e separar, tornando-o num muro vulgar pintado com toda a espécie de graffitis.

Na parte electiva da versão piloto dos materiais didácticos de “História”, o volume que diz respeito às “Relações Internacionais, Globalização e Cooperação Regional”, apresentam-se questões mais complexas. O editor adopta o ponto de vista do académico americano John King Fairbank, usndo o “sistema tributário” como modelo básico para análise da ordem internacional no Extremo Oriente e para a ordem mundial da China, e conclui que a ordem internacional para o Extremo Oriente, tradicionalmente centrada na China, foi estabelecida no tempo da Dinastia Qin. Esta tese de John King Fairbank deu lugar a grande discussão nos meios académicos. Depois do estado de Qin ter unificado os outros seis estados, o seu Imperador enviou 300.000 soldados para a região Norte e construiu a Grande Muralha para impedir as invasões estrangeiras e enviou mais 500.000 soldados para estabilizar a situação no Sul. Nestas acções, onde é que podemos encontrar o tal “sistema tributário”? Na alvorada da Dinastia Han, o Imperador ainda era obrigado a casar com uma princesa originária de uma das tribos estrangeiras e proceder à oferta de grandes quantidades de bens e mantimentos, para garantir a paz nas fronteiras. Durante o período da Dinastia Han Oriental, o vizinho Japão era ainda uma sociedade tribal. Nessa época, os tributos prestados pelas dezenas de auto-proclamados Reis do Japão, ao Imperador Han, reduziam-se a alguns punhados de escravos, mas em contrapartida os presentes do Imperador Han aos Reis japoneses eram abundantes. Na Dinastia Ming, as sete viagens empreendidas por Zheng He, como parte do esforço diplomático do Imperador, resultaram em perdas substanciais. É na verdade desadequado aplicar a expressão “sistema tributário” para explicar a ordem internacional no Extremo Oriente.

Os materiais didácticos de “História” são invariavelmente manuais orientados para uma formação validada por um exame final. Os Governos ao longo dos tempos vão ajustando os conteúdos dos manuais escolares. Por isso, para conhecer a História, é melhor começar por procurar a verdade.

12 Nov 2020

O inquebrantável iceberg

[dropcap]E[/dropcap]xiste uma canção popular cantonesa, muito famosa, intitulada “Quebrar o Iceberg”, mas a letra fala sobretudo da possibilidade de derreter o gelo com amor, sem indicar um método específico para destruir o iceberg.

Se um navio de 1.000 toneladas conseguisse quebrar um iceberg, o Titanic não teria afundado. Os icebergs flutuam na água e apenas10% do seu volume emerge à superfície. É impossível quebrar estas gigantescas massas de gelo de forma abrupta, no entanto há neste mundo quem o tente fazer.

Na antiga China, as relações entre os governantes e o povo era comparada à dos navios com o oceano. Os navios têm de ser sustentados pela água para se manterem à superfície e poderem navegar. Se os marinheiros não tiverem um bom conhecimento das correntes, a embarcação afunda. Numa perspectiva científica actual, se a água gelar, pode recorrer-se aos barcos quebra-gelo para resolver o problema; mas quando se forma um iceberg, não há forma de quebrar esta montanha gelada. Um quebra gelo que tentasse investir contra um iceberg teria a sua sorte traçada.

O tempo começa a arrefecer em Outubro, mas os icebergs políticos e económicos já apareceram em Hong Kong e em Macau. Dia 1 de Outubro, em Hong Kong, houve manifestações e confrontos nas ruas de Causeway Bay. As medidas de combate à epidemia e a lei de segurança nacional não foram capazes de acabar com o desagrado da população. A polícia foi novamente chamada para manter a ordem. O ambiente de festa dos festivais de Outono foi desta vez perturbado pelos conflitos entre a polícia e os manifestantes, que pudemos ver em directo nos ecrãs das televisões. Depois de várias detenções, as ruas voltaram a ficar pacíficas. Mas terá o problema ficado resolvido? Depois de ter assistido à forma desabrida com que Carrie Lam proferiu o seu discurso, fiquei bastante preocupado por ela. Quebrar o gelo não quer dizer necessariamente quebrar o iceberg, mas sim fazer tudo o que está ao nosso alcance para o derreter. Em vez de elogiar os agentes pela determinação e bravura com que puseram fim aos motins, teria sido preferível criar uma Comissão de Inquérito independente para avaliar de forma justa a actuação dos agentes e não imolá-los numa colisão contra o iceberg.

O iceberg político em Hong Kong não dá mostras de vir a derreter nos anos mais próximos, porque houve quem se lembrasse de colocar o navio “Hong Kong”, com 7 milhões de pessoas a bordo, num universo gelado. A coragem política demonstrada não deixa de ser impressionante, mas é totalmente desprovida de sensatez. Por enquanto, fica a dúvida se iremos assistir à destruição do iceberg ou do navio, mas acredito que em breve o saberemos.

Em Macau, o Lago Nam Van não consegue albergar um iceberg político. O ar gelado transportado pelo iceberg económico, que surgiu no início deste ano e que por cá continua instalado, fez baixar a temperatura de Macau para níveis nunca antes vistos. Durante a “Semana Dourada” na China continental, que teve início a 1 de Outubro, o número de turistas continentais que visitaram Macau caiu em mais de 80 por cento, em comparação com o ano anterior. Os esforços do Governo para trazer turistas para o centro da cidade revelaram-se inúteis, e a afluência nos Casinos caiu a pique. Para enfrentar o iceberg económico trazido pela epidemia, o Governo da RAEM propôs-se utilizar mais 20 mil milhões de patacas das reservas fiscais, para fazer face às despesas dos últimos dois meses de 2020. É previsível que a economia doméstica não vá melhorar a curto prazo, nem que o iceberg económico vá derreter tão depressa. Vinte anos após o regresso de Macau à soberania chinesa, e com os esforços de grupos de peritos, de académicos e de consultores das maiores organizações, a diversificação moderada da economia acabou por não passar de um projecto de investigação caríssimo. Na situação actual, sitiado pelo iceberg, Macau tem de confiar no Chefe do Executivo para encontrar uma boa estratégia que lhe permita libertar-se do gelo.

29 Out 2020

O inquebrantável iceberg

[dropcap]E[/dropcap]xiste uma canção popular cantonesa, muito famosa, intitulada “Quebrar o Iceberg”, mas a letra fala sobretudo da possibilidade de derreter o gelo com amor, sem indicar um método específico para destruir o iceberg.

Se um navio de 1.000 toneladas conseguisse quebrar um iceberg, o Titanic não teria afundado. Os icebergs flutuam na água e apenas10% do seu volume emerge à superfície. É impossível quebrar estas gigantescas massas de gelo de forma abrupta, no entanto há neste mundo quem o tente fazer.

Na antiga China, as relações entre os governantes e o povo era comparada à dos navios com o oceano. Os navios têm de ser sustentados pela água para se manterem à superfície e poderem navegar. Se os marinheiros não tiverem um bom conhecimento das correntes, a embarcação afunda. Numa perspectiva científica actual, se a água gelar, pode recorrer-se aos barcos quebra-gelo para resolver o problema; mas quando se forma um iceberg, não há forma de quebrar esta montanha gelada. Um quebra gelo que tentasse investir contra um iceberg teria a sua sorte traçada.

O tempo começa a arrefecer em Outubro, mas os icebergs políticos e económicos já apareceram em Hong Kong e em Macau. Dia 1 de Outubro, em Hong Kong, houve manifestações e confrontos nas ruas de Causeway Bay. As medidas de combate à epidemia e a lei de segurança nacional não foram capazes de acabar com o desagrado da população. A polícia foi novamente chamada para manter a ordem. O ambiente de festa dos festivais de Outono foi desta vez perturbado pelos conflitos entre a polícia e os manifestantes, que pudemos ver em directo nos ecrãs das televisões. Depois de várias detenções, as ruas voltaram a ficar pacíficas. Mas terá o problema ficado resolvido? Depois de ter assistido à forma desabrida com que Carrie Lam proferiu o seu discurso, fiquei bastante preocupado por ela. Quebrar o gelo não quer dizer necessariamente quebrar o iceberg, mas sim fazer tudo o que está ao nosso alcance para o derreter. Em vez de elogiar os agentes pela determinação e bravura com que puseram fim aos motins, teria sido preferível criar uma Comissão de Inquérito independente para avaliar de forma justa a actuação dos agentes e não imolá-los numa colisão contra o iceberg.

O iceberg político em Hong Kong não dá mostras de vir a derreter nos anos mais próximos, porque houve quem se lembrasse de colocar o navio “Hong Kong”, com 7 milhões de pessoas a bordo, num universo gelado. A coragem política demonstrada não deixa de ser impressionante, mas é totalmente desprovida de sensatez. Por enquanto, fica a dúvida se iremos assistir à destruição do iceberg ou do navio, mas acredito que em breve o saberemos.

Em Macau, o Lago Nam Van não consegue albergar um iceberg político. O ar gelado transportado pelo iceberg económico, que surgiu no início deste ano e que por cá continua instalado, fez baixar a temperatura de Macau para níveis nunca antes vistos. Durante a “Semana Dourada” na China continental, que teve início a 1 de Outubro, o número de turistas continentais que visitaram Macau caiu em mais de 80 por cento, em comparação com o ano anterior. Os esforços do Governo para trazer turistas para o centro da cidade revelaram-se inúteis, e a afluência nos Casinos caiu a pique. Para enfrentar o iceberg económico trazido pela epidemia, o Governo da RAEM propôs-se utilizar mais 20 mil milhões de patacas das reservas fiscais, para fazer face às despesas dos últimos dois meses de 2020. É previsível que a economia doméstica não vá melhorar a curto prazo, nem que o iceberg económico vá derreter tão depressa. Vinte anos após o regresso de Macau à soberania chinesa, e com os esforços de grupos de peritos, de académicos e de consultores das maiores organizações, a diversificação moderada da economia acabou por não passar de um projecto de investigação caríssimo. Na situação actual, sitiado pelo iceberg, Macau tem de confiar no Chefe do Executivo para encontrar uma boa estratégia que lhe permita libertar-se do gelo.

29 Out 2020

A quarta vaga

[dropcap]A[/dropcap] pandemia de covid-19 surgiu no início deste ano e ainda não deu sinais de estar a chegar ao fim. Em algumas zonas, a pandemia tem registado um padrão de altos e baixos, como é o caso de Hong Kong, que enfrenta agora uma terceira vaga. Ainda não se sabe se a fronteira entre Hong Kong e Macau vai ser reaberta. A segunda fase do cartão de consumo electrónico, implementada pelo Governo de Macau, termina em Dezembro, mas a maioria dos residentes da cidade já tinha gastado a quase totalidade das 5.000 patacas no final de Setembro. Actualmente, Macau ainda enfrenta um grave declínio económico e, apesar da retoma da política de vistos individuais implementada pela China, o número de turistas do continente decresceu substancialmente, quando comparado com o fluxo habitual antes da pandemia. Para além disso, a maior parte destes turistas vêm a Macau fazer compras o que não contribui para as receitas da indústria do jogo. Os casinos continuam praticamente vazios. Segundo os promotores de jogo, vêm muitos menos jogadores da China para Macau, porque o Governo Central está a fazer um controlo apertado de saída de divisas, na medida em que a economia chinesa sofreu também um forte revés devido aos efeitos da pandemia.

Como as vacinas contra a COVID-19 estão ainda em fase de ensaios clinícos e o virus continua a sofrer mutações, sendo que a sua origem permanece desconhecida, é muito provável que venhamos a enfrentar uma quarta vaga de infecções. Possivelmente, só quando todos desenvolverem anti-corpos a pandemia possa finalmente terminar.

Se houver uma quarta vaga de covid-19, acredito que todos a vão conseguir superar. Mas já quanto à quarta vaga de distúrbios politicos que acompanharão a pandemia, não posso afirmar o mesmo porque os vírus políticos são muito mais terríveis e complicados de combater do que os biológicos, e encontrar uma cura para aqueles é sem dúvida muito mais difícil.

O falecido académico americano, Samuel P. Huntington, fez uma previsão no famoso livro, A Terceira Vaga: Democratização, onde afirmava “…não é previsível que venha a haver uma quarta vaga de democratização durante o século XXI. Avaliando pelo que se registou no passado, os dois factores decisivos que vão determinar a futura consolidação e expansão da democracia são o desenvolvimento económico e a liderança política”. Será que a covid-19 vai fazer desencadear uma quarta vaga de democratização?

Alguns analistas afirmaram que o impacto económico da covid-19 se iria fazer sentir seis meses após o aparecimento do primeiro surto. A indústria do jogo em Macau, a Cathay Pacific Airways de Hong Kong e o multinacional HSBC Bank, encontram-se todos em estado de letargia, e o mercado imobiliário da China está à beira do colapso. Quando o sector industrial e o sector financeiro na China deixarem de estar em sintonia, vai desencadear-se uma reacção em cadeia que devastará a economia. O que me parece particularmente preocupante é a questão da liderança política quando esse dia chegar. As perturbações sociais de longa data em Hong Kong afectam as relações sino-americanas, criando um efeito-borboleta. Cada decisão tomada pelos líderes políticos pode provocar vagas gigantescas e muitos decisões erradas podem ter consequências devastadoras. Um tsunami político é mais assustador do que um tsunami verdadeiro ou do que um tsunami económico.

Os habitantes de Macau não têm campo de manobra, por isso vão ter de confiar na liderança do Chefe do Executivo. A recuperação da vitalidade da economia, a possibilidade de se controlar uma provável quarta vaga da pandemia, são questões que vão depender do desempenho económico e político dos líderes mundiais, bem como a possibilidade de virmos a acolher uma quarta vaga de democratização.

15 Out 2020

Macau dissecado

[dropcap]O[/dropcap] tão esperado documento de “Consulta pública sobre o Projecto do Plano Director da Região Administrativa Especial de Macau (2020-2040)” foi finalmente publicado, estando a data limite de consulta pública marcada para 2 de Novembro. Já que em 2049 termina o período em que o regime da Lei Básica da Região permanecerá inalterada por 50 anos, o Projecto do Plano Director será uma base importante para determinar os 20 anos seguintes de Macau. Tentar saber se virá a haver uma nova ronda de consulta pública do Projecto do Plano Director, ou se as decisões tomadas para este Projecto do Plano Director serão repudiadas por um Executivo da cidade vindouro, como aconteceu com a rejeição da proposta de design conceptual para a nova Biblioteca Central de Macau pelo actual Governo, equivale a fazer futurologia, porque Macau é um lugar muito diferente de qualquer outro. Até mesmo o Edifício do antigo Restaurante Lok Kok, considerado de interesse arquitectónico e integrado na Lista do Património Cultural de Macau, foi demolido há uns anos.

As expectativas gerais em relação a este documento de Consulta, nunca foram muito elevadas. Em primeiro lugar, os conteúdos do Projecto do Plano Director são demasiado sucintos, limitando-se a apresentar descrições de ordem geral. Os pontos chaves do Relatório Técnico estão apresentados numa terminologia profissional. Este tipo de terminologia é habitualmente usado pelo Governo da RAEM em muitos dos seus documentos de Consulta, o que os torna incompreensíveis para os leigos. Quando lemos o documento de Consulta, ficamos com a impressão de que os conteúdos são positivos, mas na verdade não se avança com nada de concreto e o demónio pode estar escondido nas entrelinhas. Quando se trata de concretizar os projectos, os membros do Governo de Macau têm a palavra final. Por exemplo, há muitos anos atrás, o plano para a “criação de cinco terrenos de aterros novos em Macau” foi aprovado pelo Governo local e o então primeiro-ministro Wen Jiabao veio pessoalmente à cidade anunciar a sua aprovação. No entanto, uma das secretárias da RAEM propôs a suspensão do projecto de aterro da Zona D, um dos cinco terrenos de aterros novos. Estes procedimentos são simplesmente inacreditáveis.

No Artigo 3 do Projecto do Plano Director, sobre os Objectivos do Plano, declara-se “O Plano Director da RAEM visa atingir os objectivos do Plano Director do artigo 6.º da “Lei do planeamento urbanístico” (Lei n.º 12/2013) e os objectivos constam do Despacho do Chefe do Executivo n.º 234/2018, para criar uma cidade feliz, inteligente, sustentável e resiliente”. O recurso a uma série de adjectivos (feliz, inteligente, sustentável e resiliente) que traduzem qualidades mais ou menos subjectivas, faz com que o cidadão comum fique sem perceber de que forma o Executivo pretende atingir estas metas. Na verdade, o adjectivo “feliz” refere-se ao indíce de bem-estar bruto. Mas estarão actualmente os cidadãos de Macau felizes com as suas condições de vida, com os bens que possuem, com os seus salários, com as ligações sociais, a educação, as condições ambientais, a participação civíca, a administração do Executivo, o Serviço de Saúde, com o seu bem-estar pessoal, a segurança e o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal? Por exemplo, com o recente endurecimento da “Lei da Habitação Económica”, vai ser muito difícil para a população de Macau vir a melhorar as suas condições de vida num futuro próximo. Enquanto a democratização do sistema político não for implementada, a participação das associações irá sempre inibir a participação pública. Desta forma, apenas um pequeno número de pessoas pode ter acesso à possibilidade de desenvolvimento sustentável.

Neste caso, como é que a administração governativa pode ser melhorada? Quanto à criação de “uma cidade resiliente”, no relatório da “Cidade da Oportunidade 2020”, recentemente publicado pela Fundação para o Estudo e Desenvolvimento da China, Macau aparece em terceiro lugar no tópico “Resiliência urbana”, o que não deixa de ser impressionante. No entanto, quando me apercebi que Hong Kong aparece em primeiro lugar, uma cidade onde a convulsão social ainda não terminou e Xangai figura em segundo lugar, com um Vice-Presidente da Câmara a ser investigado, senti arrepios na espinha.

No Relatório Técnico sobre preservação da vista bilateral da Capela de Nossa Senhora da Penha e do Lago de Sai Van, é recomendado que a altura dos edifícios a construir no futuro não ultrapasse os 62,7 metros que correspondem à altitude do topo da Colina da Penha. Se a recomendação sobre a altura dos edifícios for aceite, é possível que venham a aparecer construções desta dimensão junto à Capela de Nossa Senhora da Penha de futuro. Nesse momento, o que é que nos vai restar?

A “Obra de Construção da Travessia Pedonal ao longo da Avenida de Guimarães na Taipa” está em curso há mais de um ano. Recentemente, devido ao esforço conjunto de vários departamentos de construção, a Taipa tem sido alvo de enormes congestionamentos de trânsito. É uma dor de cabeça para os condutores e para a polícia de trânsito, que se esforça diariamente para criar alternativas de circulação. Quando a construção da travessia pedonal ao longo da Avenida de Guimarães vier a causar um problema semelhante na Taipa, para que o Projecto do Plano Director da RAEM possa ser aprovado à pressa, Macau vai assemelhar-se a alguém que está a ser dissecado por decisão arbirátria dos médicos. Nessa altura, os residentes da cidade serão os únicos a sofrer as consequências.

Enquanto cidadãos de Macau, devemos todos expressar as nossas opiniões sobre o Projecto do Plano Director da RAEM durante o período de consulta pública, e impedir que as associações e os peritos se pronunciem em nosso nome!

24 Set 2020

A recta final

[dropcap]D[/dropcap]entro de quatro meses, o ano de 2020 vai fazer parte do passado. Desde que o surto de covid-19 surgiu em Wuhan em Janeiro, para além das muitas vítimas que causou, a economia global tem vindo a ser severamente afectada. Embora a retoma gradual da política de vistos individuais dos residentes do Interior da China venha a contribuir para a recuperação económica de Macau, devido à situação epidemiológica e ao apertado controlo da saída de capitais a que a China está a proceder, a indústria do jogo em Macau não poderá ter o mesmo dinamismo dos anos anteriores. Muitos dos trabalhadores deste sector ainda estão com licenças sem vencimento, e ainda não se sabe se os projectos de construção do complexo do Resort, do “Londoner Macao” e do “Lisboa Palace” vão avançar na altura prevista.

Muitas pessoas consideram que o Governo de Macau suplantou o Executivo de Hong Kong no controlo da epidemia. Na verdade, a resposta do Governo de Hong Kong à epidemia, em termos preventivos e de controlo dos surtos, foi insipiente. Um Governo pragmático é melhor do que um Governo preocupado com a sua imagem junto do público. Se Macau for capaz de encontrar um novo rumo depois de percorrer a recta final da prevenção da epidemia, ficará senhor da chave para o desenvolvimento futuro.

Com a abertura do Novo Posto Fronteiriço de Hengqin, o projecto de cooperação entre Macau e a Nova Zona de Hengqin (em Zhuhai) está oficialmente lançado. O isolamento provocado pela covid -19 deverá ser quebrado por Zhuhai e Macau e passagem fronteiriça deve abrir, de outra forma a complementaridade económica entre as duas regiões não se tornará realidade. Embora na “Ilha Financeira” da Nova Zona de Hengqin existam projectos para a construção de edifícios magníficos, na qual Macau pode cooperar, a RAEM não pode suceder a Hong Kong, e ultrapassar Singapura, como novo centro financeiro asiático, quer do ponto de vista de recursos humanos, quer do ponto de vista do seu próprio sistema financeiro. A intenção inicial de utilizar a Nova Zona de Hengqin como base do futuro desenvolvimento económico de Macau, parece estar comprometida pelo impacto a longo prazo da covid e pela instabilidade das relações Sino-Americanas.

Ainda me lembro que o plano inicial traçado para o desenvolvimento nacional estabelecia que Macau se deveria tornar o Centro Mundial de Turismo e Lazer e não apenas a capital mundial do jogo. Se Macau poder fazer uso da sua herança patrimonial e valorizar as potencialidades turística do Centro Histórico da cidade, esforçando-se por se tornar num centro cultural como Cesky Krumlov na República Checa, os problemas decorrentes da excessiva dependência da indústria do jogo, deixarão de ser tão devastadores.

Cada cidade tem as suas próprias características. Com um pequeno território, densamente povoado, a miscegenação das culturas chinesa e portuguesa é a especificidade e o valor acrescentado de Macau. Em comparação com outras zonas da Ásia, Macau tem um contexto cultural rico, como se pode ver pela coexistência das arquitecturas religiosas chinesa e portuguesa. Se ao planear o seu desenvolvimento futuro, a cidade puser de lado a ideia de sucesso e lucro rápidos, focando-se nas características únicas que a podem tornar um Centro de Cultura, Turismo e Lazer, e desta forma complementar a sua função como centro da indústria do jogo, pode transformar-se num local acolhedor onde as pessoas também podem vir para jogar.

Durante a pandemia, vieram à tona de água muitos problemas sociais. Ficou em evidência a pobreza escondida por trás da prosperidade e tudo aquilo que foi negligenciado no passado. Tendo percebido que a dependência exclusiva da indústria do jogo pode conduzir-nos a um beco sem saída e de que não há qualquer hipótese de nos transformarmos no novo centro financeiro asiático, o caminho que devemos traçar para Macau, que nos garantirá um desenvolvimento sustentável a longo prazo, é trabalhar com empenho para fazer da cidade o Centro Mundial de Turismo e Lazer.

11 Set 2020

A estratégia do bridge

O “Mahjong” é o jogo de mesa mais popular na China. É estranho que os chineses se interessem tanto por jogos individuais, como o “Mahjong” e o “Pai Gow”, onde não entra em linha de conta o espírito de equipa. Excepção à regra foi Deng Xiaoping, o líder supremo da República Popular da China entre 1978 e 1989, que tinha uma paixão pelo bridge, possivelmente por ter estudado em França.
O bridge é um jogo de cartas com 4 jogadores divididos em duas equipas de 2. Além do factor sorte, a estratégia e o entendimento entre os parceiros de equipa é essencial. O meu conhecimento deste jogo não é muito aprofundado, mas estou plenamente convencido que para um líder político é do maior interesse estudar a sua estratégia.

Pensemos em Hong Kong como um campo de batalha entre a China e os Estados Unidos, sendo o comércio a arma a que ambos recorrem. A China não pode à partida ter os trunfos porque os Estados Unidos são uma super -potência. Pelo contrário, sempre que a China faz um movimento estratégico, os Estados Unidos tiram proveito dessa jogada e colocam-na numa posição passiva. Outro factor de grande importância neste jogo é a escolha dos parceiros. Os Estados Unidos têm do seu lado o Reino Unido, a França, a Alemanha e o Japão, ao passo que a China tem a Coreia do Norte, Cuba, o Irão e o Paquistão. Basta olhar para este alinhamento, para perceber que o cenário não é favorável à China, cujo maior vizinho é a Rússia que acabou de celebrar o 160º aniversário da conquista ao Império Qing da cidade portuária de Vladivostok. Por enquanto, a Rússia não é inimiga da China, mas também não é aliada. No quadro actual, se a China jogar a carta errada vai fracassar.

As relações internacionais são um jogo de força e de habilidade. Quando Deng Xiaoping visitou os Estados Unidos, estava plenamente consciente de que a ideia de “ultrapassar a Grã-Bretanha e ombrear com os Estados Unidos” não passava de um slogan político. Por isso, o caminho certo era continuar com a política de reformas e de abertura da China ao mundo, e o recurso à ciência e tecnologia ocidentais para promover a economia chinesa. De facto, a China demonstrou a sua capacidade para se tornar “a fábrica do mundo”, devendo-se grande parte desta eficácia ao seu dividendo demográfico. Deng Xiaoping afirmou certa vez, que as reformas e a abertura iriam enriquecer inicialmente um pequeno grupo de pessoas, mas que depois a riqueza se iria estender a um grupo muito maior. Infelizmente, as reformas políticas na China não conseguiram acompanhar o ritmo das reformas económicas, tendo conhecido um enorme revés em 1989 (com o incidente de 4 de Junho). O desenvolvimento económico da China durante os últimos 30 anos atingiu o nível da “bolha”, e as reformas e a abertura passaram a estar envolvidas em corrupção. Para reverter esta tendência, é necessário reformar o sistema político porque um governo autocrático não é a solução do problema.

Um jogador de bridge experiente pode transformar uma “má mão” numa “boa mão”, mas um jogador pouco hábil pode fazer precisamente o contrário. Desde que Hong Kong promulgou a “Lei de Defesa Nacional para Hong Kong” a 1 de Julho, as perseguições tornaram-se frequentes. Comparando com Macau, onde a “Lei relativa à defesa da segurança do Estado”, entrou em vigor em 2009, e onde nunca houve qualquer tipo de instabilidade, recordamos a teoria política do filósofo chinês Laozi, que afirmava que se um Governo for clemente o povo será honesto. Quanto mais duras forem as medidas políticas, mais o povo terá vontade de se rebelar contra elas. Quanto mais severa for a lei, maior será a vontade do povo de a violar. É uma situação que se assemelha a “jogar bridge”, na medida em que os jogadores têm de manter o sangue frio se quiserem ganhar o jogo. É isto que explica porque é que Deng Xiaoping conseguiu atravessar “vários altos e baixos” na sua carreira política e mesmo assim ter-se tornado o arquitecto do plano de Reformas e de Abertura da China.

O Governo de Macau, confrontado com o surto de Covid-19 e com a necessidade de recorrer à sua reserva financeira para colmatar os problemas económicos internos, vai precisar da ajuda do Governo Central. Para já, não tem outra forma de lidar com o impacto da pandemia. O que é digno de louvor é ter-se mantido de cabeça erguida e não optar por seguir certas tendências de forma indiscriminada.

14 Ago 2020

Levar o navio a bom porto

[dropcap]H[/dropcap]avia uma canção muito popular no tempo da Revolução Cultural, cujos primeiros versos diziam mais ou menos o seguinte, “A boa navegação depende do piloto e o crescimento dos seres vivos depende do Sol”. Mas, para além do Sol, também é necessário que haja água; de outra forma os seres vivos morrem de desidratação. No que respeita à navegação, o piloto é sem dúvida importante, mas o capitão e a restante tripulação também são indispensáveis, porque impedem que o piloto siga na direcção errada e que choque com um iceberg ou que encalhe nas rochas. Mas se o capitão pilotar o navio e cometer um erro, todos sofrem as consequências. Vou recorrer ao enredo de um filme para me explicar melhor. Um grupo de pessoas apanhou numa carrinha vermelha, à noite, em Mong Kok, Hong Kong. O condutor muito exaltado, conduz a toda a velocidade. Se os passageiros não conseguirem travar o condutor, o deus da morte esperará por eles na próxima curva. No mundo em que vivemos, os países estão constantemente a disputar um jogo de xadrez. A proliferação do populismo e do nacionalismo, associada aos efeitos da COVID-19, está mergulhar o mundo em águas turbulentas. Depender apenas do piloto para garantir uma navegação segura, vai conduzir-nos a um grande desastre.

Quando Ho Iat Seng se candidatou às eleições para Chefe do Executivo de Macau, nunca imaginou que teria de vir a lidar com uma das situações mais desafiantes dos últimos 100 anos. Enquanto piloto da RAE de Macau, como é que irá abordar o futuro da cidade?

Com o aparecimento de uma terceira vaga de COVID-19, e sabendo nós que antes do final do ano não estar disponível uma vacina, é muito pouco provável que a economia de Macau se comece a erguer nesta segunda metade do ano. De acordo com os dados do Inquérito ao Emprego, a taxa de desemprego dos residentes subiu 3.5% e a taxa de subemprego também cresceu entre 0.5% e 2.6%. Todos os peritos na matéria afirmam que estes valores vão continuara a aumentar. Para já, é impossível prever quando é que esta tendência se começará a inverter. A única esperança é que o Governo Central retome a política de “Vistos Individuais”.

O Governo de Macau sustém a economia doméstica através do plano de subsídio de consumo, das excursões locais e da formação subsidiada, finaciados pela reserva financeira acumulada aos longo de anos. O objectivo é apoiar a economia até que a epidemia acabe. Mas que rumo vai tomar Macau a seguir à pandemia?

Tanto Hong Kong como Macau adoptaram o sistema político executivo, liderado pelo Chefe do Executivo. Qualquer decisão errada que o Chefe do Executivo tome vai reflectir-se em todos os sectores da sociedade.

Este problema agrava-se quando a equipa administrativa é incompetente, ou quando é composta por alguns elementos de extrema-esquerda. As sugestões de que Macau deveria ter uma lei como a Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong, e ver os nomes portugueses das suas ruas alterados, partem precisamente desses elementos extremistas. Quando um navio se inclina só para um lado, é certo que vai ao fundo.

Ninguém nega a importância de salvaguardar a segurança nacional, no entanto é preciso ter em conta a eficácia da lei que a deve assegurar. Depois da Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong ter sido introduzida em Hong Kong, as reacções locais e internacionais serviram de barómetro para medir essa mesma eficácia. Pilotar um navio é uma honra e uma responsabilidade. Mas se o piloto não for hábil, e apenas se mantiver no leme por amor ao poder, quer os passageiros quer a tripulação serão as suas vítimas. Deng Xiaoping disse certo dia, “A China tem de manter a vigilância contra as tendências de “Direita”, mas antes de tudo deve combater as tendências de “Esquerda”; as tendências de “Direita” podem arruinar o socialismo, mas as de “Esquerda” também.

Quando a extrema-esquerda se cruza com a extrema-direita, o resultado é sempre conflituoso. A COVID-19 é um novo tipo de vírus, que pode ser combatido com vacinas. Mas os virus politicos matam silenciosamente e é muito difícil encontrar uma cura definitiva. Para levar um navio a bom porto, para além do piloto e do capitão, toda a tripulação tem de participar sempre que necessário; caso contrário o navio naufraga e para os seus ocupantes não haverá mais nada para além da morte.

31 Jul 2020

Cem anos de mudanças

[dropcap]O[/dropcap] filósofo da antiga China, Lao Tzu, disse, “A felicidade e a desgraça andam de mãos dadas. A felicidade traz muitas vezes consigo o infortúnio e o infortúnio está sempre escondido na felicidade”. Todas as coisas deste mundo têm aspectos positivos e aspectos negativos, à semelhança dos polos positivo e negativo das forças electromagnéticas. Os acontecimentos encaminham-se na direcção positiva quando chegam ao extremo da negatividade. A positividade e a negatividade são duas faces da mesma moeda, não forças opostas como Hegel nos demonstrou através da sua dialéctica.

Toda a gente sabe discorrer sobre a razão, mas apenas muito poucos agem de forma razoável. O egoísmo daqueles que detêm o poder mergulha o mundo na confusão e na inquietação. As obras de Orwell, “O Triunfo dos Porcos” e “1984” ultrapassaram largamente a ficção, foram antevisões do mundo em que vivemos. Só aqueles que fizeram uma leitura aprofundada destas obras podem entender a verdade subentendida nas entrelinhas e por isso evitarão cometer os erros descritos nestes textos “ficcionais”.

A pandemia de COVID-19 tem vindo a assolar o mundo nos últimos seis meses. Enquanto escrevo este artigo, há registo de mais de 13 milhões de infectados a nível global e o número de mortos anda perto dos 600.000, e isto para não falar do enorme abalo económico que já se faz sentir por toda a parte. Este vírus não apareceu do nada. Se surgiu na natureza ou se foi criado em laboratório, é um enigma que só pode ser desvendado pelos cientistas através de estudos aprofundados sobre o seu processo de mutação. Mas esta pandemia trouxe consigo grandes mudanças a nível planetário, para além de todo o sofrimento que já causou.

O Partido Comunista da China foi fundado em 1921, apenas dois anos depois do Movimento do 4 de Maio (1919), o mesmo ano em que Sun Yat-sen estabeleceu o Governo Nacional em Guangzhou (Cantão). No plano internacional, 1918 foi o ano do fim da I Guerra Mundial e da fundação da Liga das Nações, impulsionada pelo então Presidente americano Woodrow Wilson. Quer estivéssemos na China ou na Europa há cem anos atrás, a vida seria certamente mais difícil do que é agora. No entanto, a vitalidade e as crises florescem em tempos difíceis, o que comprova a filosofia de Lao Tzu.

Volvidos 75 anos do final da II Guerra Mundial, e 40 e tal anos após a China ter implementado a política de reformas e de abertura, parece que a Humanidade deixou de celebrar os tempos de paz. O barril de pólvora, constituído pela situação geopolítica de Médio Oriente persiste e o Museu Hagia em Istambul vai voltar a ser uma mesquita. O ping-pong diplomático entre a China e os Estados Unidos vai tornar-se uma guerra comercial. Hong Kong, desde há muito distinguida com o título de “Pérola do Oriente”, está actualmente desfeita em pedaços tão afiados que facilmente cortará as mãos dos que lhe estão próximos. E, mais, sob o domínio dos nacionalismos e dos populismos o mundo está a tornar-se um local muito perigoso. Deng Xiaoping disse que o progresso das reformas não podia ser revertido, porque voltar atrás nos conduziria a um beco sem saída.

A COVID-19, as frequentes cheias, os diversos tremores de terra, as pragas de gafanhotos, a lei de segurança nacional em Hong Kong, o conflito Sino-Indiano, a contenda Sino-Americana….são testes constantes à sabedoria e perseverança da nação chinesa. O resultado positivo ou negativo que daqui pode advir dependerá apenas da responsabilidade colectiva do povo chinês.

A 15 de Julho, os visitantes que cruzarem as fronteiras entre Macau e a Província de Guangdong deixam de ser submetidos a quarentena obrigatória. Com esta decisão espera-se trazer alguma dinâmica à economia das duas regiões, num cenário em que ainda existe receio de propagação da COVID-19. Nos 20 anos que decorreram após o regresso de Macau à soberania chinesa, a cidade tem vivido quase exclusivamente da indústria do jogo, e nunca reflectiu sobre as consequências de depender economicamente de um único sector. Nestes últimos seis meses em que se tem feito sentir o impacto da pandemia, o Governo da RAE e a população devem ter compreendido a realidade actual de Macau. Posto isto, 2020 é o ano decisivo para que Macau procure pelas suas mãos próprias a mudança, ou então para que fique à espera de ser mudado.

17 Jul 2020

O último quilómetro

[dropcap]U[/dropcap]m quilómetro são 1.000 metros e uma pessoa normal leva em média entre 10 a 15 minutos a percorrê-lo. Mas é preciso não subestimar o esforço que é necessário para o fazer. Certa vez, sofri por ter acreditado num mapa turístico publicado na China, que não levava em consideração as encostas e os declives. É preciso muito mais do que 15 minutos para subir uma encosta com 1000 metros. O Campo IV da Rota do Everest situa-se a 8.000 metros acima do nível do mar e é a última paragem antes da escalada de 844 metros até ao pico da Montanha. No entanto, muitos alpinistas morreram quando tentavam vencer esta última etapa.

Em 2012, Tsai Ing-Wen (a actual Presidente de Taiwan) perdeu a eleição. Nessa altura disse aos seus apoiantes que “se encontrava apenas a um quilómetro de atingir o palácio presidencial” e que esperava que todos a apoiassem para atingir o seu objectivo. O quilómetro, neste caso, levou quatro anos a ser percorrido e acabou por ser eleita em 2016.

O Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China aprovou a Lei da República Popular da China sobre Segurança Nacional, aplicável à Região Administrativa Especial de Hong Kong, que terá efeito imediato a partir de 30 de Junho de 2020. A Lei foi adicionada ao Anexo III da Lei Básica de Hong Kong. Será que esta Lei representa os últimos 1.000 metros empreendidos pelo Governo local para parar a violência e abrandar a curva de distúrbios na cidade?

2020 ia ser o ano decisivo para a China continental declarar que a sociedade como um todo se tinha transformado numa “sociedade de abundância e bem-estar”. No entanto, a China foi gravemente atingida pela epidemia do novo coronavírus, enquanto a evolução da doença no resto do mundo conhecia situações ainda mais tensas e complicadas. As reformas e a abertura da China estão a passar por uma zona de águas muito agitadas e o país encontra-se actualmente a percorrer os últimos 1.000 metros desta jornada, recheados de dificuldades e de perigos. A forma como ultrapassar o desafio será crucial para determinar o sucesso ou o fracasso deste grandioso projecto.

Macau é conhecido como um exemplo da implementação da política
“um país, dois sistemas. Para além do sucesso que teve com a prevenção e controlo da covid-19, o confinamento da cidade provocou uma enorme crise no sector do jogo e do turismo. Durante os últimos seis meses, a taxa de desemprego local atingiu a marca dos 3.4%, apesar do Governo ter atribuído enormes verbas para apoiar os negócios locais e os trabalhadores. E como é que o Governo vai lidar com situações que já vinham de trás, como as pessoas em situação de semi-emprego, com as baixas sem vencimento e com as centenas de diplomados acabados de sair dos colégios e das Universdades? O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, convoca os cidadões para o trabalho conjunto e para a travessia dos últimos e atribulados 1.000 metros, mas quanto tempo vai ainda durar esta jornada?

Taiwan afastou-se mais da China continental desde 2016. A recondução de Taiwan e da China ao caminho da “reunificação pacífica” só será possível se se conseguir ultrapassar o fosso ideológico que os separa. Em Hong Kong, após a vigência dos dois últimos Chefes do Executivo, Leung Chun-ying e Carrie Lam, a cidade foi-se progressivamente afastando do caminho da “Independência” para enveredar pelo da “destruição mútua”. Se este curso não for invertido, no final dos últimos 1.000 metros vai estar um beco sem saída. Estes dois Chefes do Executivo colocaram-se a si próprios num caminho sem retorno. Mas actualmente Carrie Lam ainda tem uma hipótese, que apenas depende da coragem que tenha para lidar com as reivindicações de cariz social e da sua capacidade para encontrar soluções. Se a manutenção da ordem e da estabilidade social e a contenção da indignação popular tiver de passar apenas pelo uso da lei e da força, temo que ainda estejamos a viver na Dinastia Qing.

A China tem uma população de mais de 1.4 biliões de pessoas, e qualquer problema pode causar enorme instabilidade, além disso é preciso não esquecer que 2022 é o ano em que o país passar por uma mudança de líder. A prática é o meio de testar a verdade. Se a alternância de poder for bem-sucedida, acredito que a China possa atingir uma nova fasquia durante os próximos anos. O Chefe do Executivo de Macau disse que poderia haver novidades em Julho. No entanto, o Governo de Hong Kong anunciou que as medidas de quarentena vão permanecer até 7 de Agosto.

Neste caso, esperemos que o Governo de Guangdong possa revitalizar a economia de Macau, enquanto nicho turístico, e através da reactivação da Política de Visitas com Vistos Individuais, para que Macau possa sobreviver à travessia dos últimos e difíceis 1000 metros. Espero que o Governo de Macau possa aprender esta grande lição e que compreenda que a dependência exclusiva da indústria do jogo e do turismo, criada pela Política de Visitas com Vistos Individuais, apenas pode conduzir Macau a um beco sem saída.

Seja como for, só aqueles que completarem os últimos 1000m podem vislumbrar o futuro no horizonte.

3 Jul 2020

Buraco negro na educação

[dropcap]O[/dropcap] médico é um ser humano, por isso, quando adoece, deixa de ver doentes para não os contagiar. No caso dos professores, se tiverem problemas e não beneficiarem de uma supervisão adequada, são eles próprios e os seus alunos que ficam em perigo.

O recente caso de assédio sexual de uma aluna por parte do professor, não só provocou uma onda de indignação popular, como também fez soar o sinal de alarme no sector da educação. Casos semelhantes ocorreram mais do que uma vez no passado. Nos finais de 2019, um professor e uma estudante de Macau suicidaram-se no quarto de uma pensão. Este caso deu sem dúvida o alerta para o perigo das relações entre professores e alunos. Mas depois deste assunto ter caído no esquecimento, será que o sector deu mais atenção ao problema e envidou esforços no sentido de prevenir o abuso de alunos por parte dos professores? Esta temática pode ser considerada o buraco negro da educação.

Cada profissão tem o seu próprio código de ética cujo objectivo é impedir quem a pratica de se aproveitar de vantagens e privilégios e evitar prejudicar os utentes dos serviços. Estes códigos de ética contemplam a relação entre: advogados e clientes, médicos e pacientes. Segundo o código de ética dos profissionais da educação, professores e alunos não se devem apaixonar uns pelos outros e ter relacionamentos sexuais. No Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 6/2017 – “Homologa as Normas Profissionais do Pessoal Docente”, promulgado pela Governo da RAE, no que respeita à relação entre professores e alunos, apenas é referido que se deve “estabelecer uma relação de confiança e respeito mútuo com os alunos” e se deve “salvaguardar os direitos e interesses dos alunos”, o que é uma formulação muito genérica. Na totalidade do documento não são mencionados quaisquer requisitos respeitantes ao código de ética dos professores. O mesmo não sucede em Hong Kong, onde existe um “Conselho da Conduta Profissional na Educação”, formado por representantes dos professores, de grupos pedagógicos, representantes de pais e representantes do Governo. No código de ética dos professores vem claramente mencionado que “não poderão tirar partido da sua relação com os alunos para benefícios pessoais”.

A escola tem obrigação de ser um lugar seguro e é por isso que os pais lhes entregam os filhos. As autoridades escolares têm a confiança dos pais e são responsáveis por garantir que os alunos tenham professores qualificados. Para além do conhecimento técnico e do bom carácter, os professores também devem ser seleccionados com base na ética profissional. Ao longo das suas carreiras, os professores vão deparar-se com vários problemas, que requerem a supervisão e aconselhamento do director da escola e dos colegas mais velhos. No entanto, o aperfeiçoamento das condições para evitar a violação das leis é da responsabilidade das escolas. No caso recente do professor suspeito de ter assediado sexualmente uma aluna, a polícia não revelou detalhes, mas colocou-o sob investigação do Ministério Público, para proteger a vítima de danos secundários. A autoridade informou a comunicação social que esta abordagem, não só protegia a privacidade da vítima, mas também garantia o direito do público à informação e colocava o agressor em posição de vir a ser responsabilzado. Penso que esta é a abordagem correcta para lidar com a situação. A escola fez imediamente uma declaração pública e despediu o professor, o que me parece ter sido decisivo.

Existe um ditado na China que diz “Nunca é tarde de mais para reunir o rebanho mesmo depois de algumas ovelhas se terem tresmalhado”. Penso que este ditado contém apenas uma meia verdade. Reunir o rebanho apenas impede que as ovelhas venham a fugir de novo, não faz com que as que se perderam venham a ser encontradas. Os problemas acumulados no sector da educação estão ligados a um grande buraco negro, que devora silenciosamente os estudantes que lá se encontram.

Poderá a Proposta de Lei intitulada “Estatuto das escolas particulares do ensino não superior”, que está a ser submetida à análise na especialidade na Assembleia Legislativa há mais de um ano, criar um ambiente seguro para os estudantes e estabelecer as linhas administrativas e operativas das escolas privadas? Poderá ainda eliminar o buraco negro do sector da educação? Todas estas são questões importantes para o Governo, os educadores e a comunidade trabalharem.

Infelizmente, os estudantes são alvo de muitos incidentes nas escolas, que nunca deverão ser ignorados pela justiça. Os professores e os directores têm a responsabilidade de proteger os estudantes dentro das escolas. Devemos deixar que o Sol brilhe nos locais de ensino para fazer desaparecer para sempre o buraco negro.

19 Jun 2020

Hong Kong, o grande palco

[dropcap]O[/dropcap] maior palco do mundo é o palco político. Pode estar em qualquer lado e ter muitos actores em cena ao mesmo tempo. Recentemente, Hong Kong transformou-se num desses palcos.

No dia 28 de Maio, a Assembleia Popular Nacional (APN) aprovou, por maioria, a controversa proposta de lei de segurança nacional para Hong Kong, com 2.878 votos a favor, um contra e seis abstenções. A versão final do documento será ratificada pelo Comité Permanente da APN e directamente incluída no Anexo III da Lei Básica de Hong Kong. Ninguém ficou surpreendido com a esmagadora votação a favor da lei. Pelo contrário, o deputado que votou contra e os seis que se abstiveram é que foram alvo de grande curiosidade.

Os representantes de Hong Kong e de Macau que compareceram na Assembleia Popular Nacional e na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês apoiaram unanimemente o resultado da votação. A Chefe do Executivo de Hong Kong publicou uma carta aberta, impressa nas primeiras páginas de muitos jornais, apelando ao apoio à lei de segurança nacional de Hong Kong. As maiores organizações da cidade, os responsáveis pelas forças policiais e os reitores das principais cinco Universidades de Hong Kong seguiram-lhe o exemplo, fazendo o mesmo apelo. Esta situação ocorreu com frequência na China há décadas atrás, na sequência de movimentações políticas. Na altura, os membros do campo pró-governamental, tinham sempre de apoiar as decisões do Governo Central e seguir as suas directrizes. Mesmo que, futuramente, viesse a haver mudanças na cena política, podiam sempre dizer que não tinham compreendido bem o contexto anterior e assim sacudir a água do capote. Uma pessoa curiosa, só precisa de ir à Biblioteca Central consultar alguns jornais antigos e ver como grupos de patriotas se posicionaram por ocasião da “ Campanha Anti-Lin Biao e Anti-Confúcio”, de “Os Protestos de Tian’anmen em 1976”, da campanha “Criticar Deng Xiaoping, Contra-atacar o Divisionimo de Direita e a Tendência para Reverter o Veredictos” e dos “Protestos na Praça da Paz Celestial (Tian’anmen) em 1989”. Depois de uma leitura atenta, a pessoa perceberá que os melhores actores deste mundo não estão em Hollywood, mas sim nos bastidores da política.

O título deste artigo é “Hong Kong, o grande palco”. Na realidade, Hong Kong teve no passado um grande palco, o “Grand Theatre”, sediado na Queen’s Road, na parte Leste de Hong Kong, onde se exibiam filmes e eram levadas à cena óperas cantonesas. Acabou por ser demolido, e no seu lugar foi construído o “Hopewell Centre”. O “Grand Theatre” passou a fazer parte da história, mas Hong Kong é actualmente o grande palco político, onde a China e os Estados Unidos se degladiam. É mais excitante e letal do que as “competições de artes marciais entre Wu Kung-i e Chan Hak Fu” que tiveram lugar em Macau há 60 anos atrás. Porque é que Hong Kong, o centro financeiro asiático que conheceu dias de glória, se transformou num Coliseu, num palco de lutas de gladiadores?

Após a Revolução Cultural, Deng Xiaoping propôs reformas que abriram a China ao exterior e defendeu o princípio “um país, dois sistemas”. A ideia que presidiu à primeira medida foi a revitalização económica do país no período pós Revolução Cultural e a segunda foi orientada para a resolução dos problemas políticos que poderiam advir do regresso à soberania chinesa de Hong Kong e de Macau e também para uma tentativa de reunificação pacífica com Taiwan. No cenário internacional, a China estava a lutar para manter alguma discrição e para dar uma imagem de país desenvolvido, esperando vir a realizar o mais rapidamente possível as “quatro modernizações”. Apesar das perturbações causadas pelo “Protesto na Praça da Paz Celestial (Tian’anmen) em 1989”, Deng Xiaoping insistiu em persistir no caminho das reformas e da abertura, após a sua visita ao sul da China em 1992. O progresso económico da China nos últimos anos tem sido avassalador, o que prova o sucesso das reformas e das políticas de abertura. Mas se os responsáveis pela implementação destas políticas se desviarem do percurso estabelecido, ou interpretarem estas políticas de forma diferente, o progresso que foi alcançado pode vir a perder-se e a prosperidade pode transformar-se um revés económico.

。唯一的問題在於下這個決定前,有沒有細心想一想香港推行基本法第23條立法,梁振英解決不了?林鄭月娥亦解決不了?

A “lei de segurança nacional para Hong Kong” aprovada pela Assembleia Popular Nacional (APN) parece ser a última cartada para travar os “meninos mal comportados” de Hong Kong. Mas antes de tomar esta decisão, terá a APN pensado porque é que Hong Kong não implementou o Artigo 23 da Lei Básica, durante a vigência do anterior e da actual Chefes do Executivo?

Se um médico não prescrever o medicamento certo e não identificar a causa da doença, mas se limitar a aumentar as doses de um remédio desadequado, o doente acabará por morrer. Bom, neste caso, no grande palco político que é agora Hong Kong, não seria melhor colocar alguns artistas verdadeiros do que levar à cena musicais sino-americanos acompanhados por aquelas óperas chinesas típicas da Revolução Cultural, como “A Rapariga do Cabelo Branco” e o “Ataque ao Regimento do Tigre Branco”?

5 Jun 2020

Uma pergunta controversa

[dropcap]D[/dropcap]epois do regresso de Macau à soberania chinesa, tem sido realizada todos os anos uma exposição de fotos do “Incidente de 4 de Junho”, nesta data. Mas, este ano por causa da covid-19, o Instituto para os Assuntos Municipais e alguns membros do Governo não aprovaram a mostra. O organizador do evento não apresentou recurso contra a decisão. Será que esta atitude marca o fim do progresso democrático em Macau? Mas em Hong Kong, a situação é ainda mais devastadora, como se pode verificar pelos seguintes acontecimentos: a eleição do Presidente da Casa do Comité do Conselho Legislativo não obedeceu às regras de procedimento; a RTHK (Radio Television Hong Kong) teve de interromper a produção do programa “Headliner” e apresentou desculpas a todos os agentes da polícia que se possam ter sentido ofendidos pelos seus conteúdos; uma pergunta do exame de História do Ensino Secundário levantou sérias preocupações na opinião pública. Tendo em conta a morte recente de Allen Lee Peng-fei, industrial, veterano da política e comentador, irá Hong Kong cumprir a sua missão histórica a curto prazo?

Quando estudamos História, devemos compreender os factos e aprender as lições que ela nos ensina, ou devemos aprender a ser politicamente correctos e subservientes? Há quem afirme que a História é escrita pelos vencedores e que os livros didácticos se limitam a estandartizar as respostas para que os alunos as memorizem mais facilmente. Mas isso não é rigoroso. Para além dos livros didácticos, existem inúmeros outros que se podem consultar. Os vencedores só registam o que os pode enaltecer. Mas existem muitos outros registos escritos e orais que os vencedores não conseguem controlar. Por causa desta incapacidade de controlo, o primeiro imperador da Dinastia Qin, Qin Shihuang, ordenou “a queima de livros e o sepultamento de intelectuais”; a Dinastia Qing implementou a “inquisição literária”, mas existiram muitos movimentos políticos na história moderna da China. Embora muitos intelectuais e historiadores tenham sido executados, os factos e a verdade não podem ser ocultados.

Mas voltemos à pergunta do exame de História do Secundário (HKDSE) que desencadeou muitas críticas e ataques em Hong Kong. Algumas pessoas afirmaram que a pergunta era tendenciosa, que “embelezava” a invasão japonesa da China e que ofendia seriamente os sentimentos e a dignidade dos chineses que sofreram imenso durante esta invasão. Estas acusações pareciam reunir em si todos as técnicas usadas durante a Revolução Cultural, no apogeu da “luta de classes”.

Na realidade, a pergunta que tanta controvérsia desencadeou era uma pergunta de desenvolvimento que requeria análise, um tipo de pergunta que aparece frequentemente nos exames. Pretendia testar a capacidade dos alunos para analisar o texto proposto, e não a sua concordância ou discordância, e também testar os seus conhecimentos da história desse período. A pergunta era formulada da seguinte maneira, “O Japão foi mais benéfico do que prejudicial para a China no período de 1900-45. Concordas? Justifica a tua resposta fazendo referência a [dois textos incluídos] e recorrendo ao teu próprio conhecimento.” Era suposto os estudantes fazerem uso do pensamento crítico para responderem à pergunta.

De uma forma geral, a não ser que o estudante fosse apoiante incondicional do militarismo japonês, ou um autómato que apenas lesse as perguntas e respondesse sem pensar, a resposta deverá ter sido “discordo”.

Os dois textos de apoio só incluiam documentos do período compreendido entre 1905 e 1912, não mencionando a invasão japonesa que decorreu entre 1931 e 1945. A intenção do examinador deve ter sido deixar esse período (1931 a 1945) à consideração dos estudantes, para que pudessem exprimir livremente as suas opiniões, e para que dessa forma os seus conhecimentos pudessem ser avaliados. A maior parte dos estudantes respondeu, “discordo”, na medida em que possuem bons conhecimentos sobre o período da invasão japonesa da China.

Alguns membros do Governo de Hong Kong criticaram esta pergunta porque a consideraram “politicamente incorrecta”, o que só demonstra falta de profissionalismo e autismo em relação às opiniões dos peritos. Os principais alvos das críticas são os professors que conceberam a pergunta e os que a avaliaram. Dois membros da Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong demitiram-se devido a estas críticas. Algumas pessoas exigiram que a pontuação da pergunta fosse excluída da avaliação final do exame, o que é muito injusto para os estudantes, já que esta questão apenas põe à consideração os conceitos de “bem e mal” para quem tiver pensamento crítico.

Hoje em dia, a Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong possui um processo rigoroso de verificação da formulação e dos conteúdos das perguntas dos exames públicos, no qual participam muitos profissionais. Por isso, pergunto-me qual teria sido a intenção destes profissionais ao aprovarem esta pergunta, que tanta polémica desencadeou. Além disso, cada pergunta vem acompanhada de um guia de classificação, que serve à avaliação dos revisores. Desta forma, não teria sido difícil aperceberem-se de que esta pergunta poderia ser considerada uma ofensa à dignidade do povo chinês. Se tivéssemos visto o guia de classificação da resposta, e estivesse lá assinalado “concordo” como resposta correcta, isso seria uma prova de que tinha havido intenção de ofender.

Quando interpretamos tudo politicamente, podemos ver problemas em toda a parte. Não é o colapso da educação que destrói um país, mas sim as pessoas que provocam o colapso da educação.

22 Mai 2020

Tradição, alicerce do patriotismo

[dropcap]O[/dropcap] debate das Linhas de Acção Governativa das cinco áreas principais de trabalho foi concluído a 6 de Maio na Assembleia Legislativa. A única vantagem de se ter abreviado a discussão, inicialmente agendada para dois dias e efectuada em apenas um, foi a possibilidade de os deputados terem ido para casa mais cedo. Quem acompanhou a discussão na comunicação social concordará que os ditos “debates” se resumiram a uma sessão de perguntas colocadas pelos deputados aos membros do Governo, ou melhor, a uma demonstração de apreço dos deputados pelo Governo. A forma como os legisladores e os membros do Governo interagiram fazia lembrar uma partida de ténis de mesa, com a bola a ser atirada com regularidade de um lado para o outro. Os deputados faziam o serviço, mas a vantagem era sempre dos membros do Governo. Se a estrutura da Assembleia Legislativa se mantiver, a qualidade interventiva dos deputados não vai melhorar, e desta forma nunca será possível monitorizar o desempenho do Executivo. Por exemplo, quando um deputado interpelou o Governo sobre a demora na construção do novo Estabelecimento Prisional de Macau (EPM) em Coloane e sobre os elevados custos envolvidos, o assunto foi evitado e teve como resposta uma vaga alusão a uma suposta monitorização do projecto. Só num sítio tão especial como Macau este tipo de coisas pode acontecer. Fica a pergunta por responder, quem é o verdadeiro responsável pelo atraso na conclusão do novo EPM?

Não tenho a certeza se o Governo se sente ameaçado com a luta pela liberdade e pela democracia na região vizinha. Mas alguns membros do Governo sentem que Macau se tornou cada vez menos seguro após o regresso à soberania chinesa e que passou a ser uma séria ameaça à segurança nacional. É por isso que foram instalados mais “Olhos no Céu” (“Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” em toda a cidade.

Depois de a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” ter sido implementada, foi criado um grupo de trabalho interdepartamental para assegurar o cumprimento desta lei, e foi igualmente criado um conjunto de leis e regulamentos complementares com a finalidade de transformar Macau numa cidade patriótica e inteligente.

Poderão os “Olhos no Céu”, as “super bases de dados” e os diversas “quadros legais” garantir a segurança nacional? A resposta é um redondo NÃO. Algumas pessoas propuseram a introdução da “educação patriótica” e a criação de uma base de educação do amor à pátria e amor a Macau. Macau é efectivamente um local repleto de História. Durante o final da Dinastia Qing, o mercador Zheng Guanying (a sua família residia em Macau há já várias gerações) escreveu um livro intitulado “Advertências em Tempos de Prosperidade”, que se compunha de avisos à corte Qing. O Dr. Sun Yat-sen, no regresso a casa após uma temporada a estudar no estrangeiro, utilizou Hong Kong e Macau como bases revolucionárias para planear o fim da governação Qing. Mesmo o General Ye Ting, que se juntou ao Kuomintang e posteriormente ao Partido Comunista, chegou a residir em Macau.

Karl Marx era um judeu alemão. Durante a sua vida, Israel ainda não era reconhecido como um país. Baidu Baike afirmou que Karl Marx não tinha nacionalidade. Adolf Hitler, Hideki Tojo e Mussolini, defenderam respectivamente o pan-Germanismo, a Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental e a restauração da glória do Império Romano. Acreditavam todos na “educação patriótica” que, em última análise, se virou contra os seus próprios países. Para conhecermos o nosso verdadeiro patriotismo, temos de entender a cultura tradicional chinesa.

O pensador Confusionista Mencius defendia que o bem-estar do povo se sobrepõe ao bem-estar do país e só aqueles que recebem o apoio popular estão em posição de poder governar. Analisando a rebelião popular para derrubar a Dinastia Shang e matar o rei, Mencius advogava a morte dos tiranos cruéis e não a morte do rei. Quando comparada com as teorias da era moderna, a tese de Mencius da “supremacia dos direitos do povo”, que já existia antes da “Teoria do Governo” de John Locke, revela-se muito mais avançada do que a “Declaração de Independência” dos Estados Unidos.

Mencius foi uma figura profética, um verdadeiro patriota e um homem de estado, deliberadamente ignorado pelos sucessivos monarcas chineses. As suas palavras e os seus feitos merecem ser estudados nas escolas e integrar os conteúdos de uma verdadeira educação patriótica.

8 Mai 2020

Ser ou não ser um homem de Estado

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo Ho Iat Seng deu uma conferência de imprensa sobre os conteúdos das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020. Quando interrogado sobre a forma de restaurar a confiança em Macau durante a pandemia, afirmou que não é um homem de estado, mas apenas o Chefe do Executivo de Macau, e adiantou que existem muitos homens de estado altamente respeitados em todo o mundo, e que até agora nenhum deles foi capaz de delinear com clareza um plano para restaurar a normalidade nos seus respectivos países.

De acordo com o Capítulo IV sobre “Estrutura Política” da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, “O Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é o dirigente máximo da Região Administrativa Especial de Macau e representa a Região…. o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável, nos termos desta Lei, perante o Governo Popular Central e a Região Administrativa Especial de Macau”. Mas que tipo de pessoa não é adequada para este cargo?

Hoje em dia existem muitos políticos por esse mundo fora que são defensores do populismo e do nacionalismo, movimentos esses que, de alguma forma, são responsáveis pela situação caótica que vivemos.

Os verdadeiros homens de estado, são uma espécie em vias de extinção, porque na verdade muitos deles foram perseguidos ou assassinados antes de chegarem ao poder. Na minha opinião, o Presidente dos Estados Unidos George Washington, Giuseppe Garibaldi de Itália, Gandhi da Índia e Sun Yat-sen da China podem ser considerados verdadeiros homens de estado. O critério que uso para assim os julgar assenta numa actuação política virada para o bem comum e não para a obtenção de quaisquer ganhos pessoais.

O cargo de Chefe do Executivo não tem de ser entregue a um homem de estado. O poder de escolha do Chefe do Executivo está na mão dos eleitores, e as consequências dessa decisão recaem sobre a população em geral. Do meu ponto de vista, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, parece ser uma funcionária admnistrativa sénior que executa fielmente as ordens recebidas dos seus superiores, enquanto Ho Iat Seng se apresenta como um empresário, altamente influenciado pelos ambientes a que foi exposto durante a sua formação.

Após ter feito a apresentação das “Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020” na Assembleia Legislativa e respondido às questões colocadas pelos jornalistas e pelos deputados, o lado empresarial de Ho Iat Seng saltou à vista. É possível que ele venha a administrar Macau como administraria uma empresa, e não há dúvida que teve um bom desempenho no combate à epidemia. Provavelmente esta característica não será má para Macau, que deseja sempre estabilidade absoluta.

Durante a sessão de perguntas e resposta sobre as “Linhas de Acção Governativa”, ficou claro que a reforma da estrutura política da RAEM não está para breve e que nem sequer se consegue divisar a data da sua concretização. Os residentes estão mais preocupados com os problemas de habitação, mas para evitar uma equitatividade negativa, os preços elevados não vão desaparecer a curto prazo. A recuperação da economia local depende inteiramente da China, da reactivação da política de “Vistos Individuais” e da submissão da Direcção dos Serviços de Turismo à jurisdição do Secretário para a Economia e Finanças. Estes indicadores serão sinais explícitos da necessidade de reactivação económica.

Embora Ho Iat Seng não seja um homem de estado, tem de cumprir algumas obrigações políticas como Chefe do Executivo. A primeira será assegurar que Macau nunca representará uma ameaça à segurança nacional. Nessa sequência, uma série de regulamentos que sustentam a “Lei relativa à defesa da segurança do Estado” serão progressivamente introduzidos. A monitorização geral do “Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” (vulgarmente conhecido por Sistema “Olhos no Céu”) e a monitorização de redes terão de ser gradualmente aperfeiçoadas, para que as forças de segurança identifiquem imediatamente quem pode ter a “oportunidade” de pôr em risco a segurança nacional. Sobre o desenvolvimento de um relacionamento mais próximo entre Macau e a Zona de Hengqin, previsto no plano da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, Ho Iat Seng manifestou publicamente, durante a eleição para Chefe do Executivo, um grande empenho na sua implementação. No entanto, temo que o verdadeiro plano de quem está no poder será fundir Macau e Hengqin numa zona única durante os próximos 30 anos.

As “Linhas de Acção Governativa” também revelam o plano para a construção de “uma base de ensino do Amor à Pátria e a Macau” que incluem acções como exposições, formação, mostra de multimédia e de audio-visuais. Contempla ainda trabalho conjunto com o Ministério de Estado para a Educação, para dar início ao “Plano de Formação de Docentes de Excelência”. Este plano também envolve o Ministério da Educação da China e destina-se a preparar, nos próximos dez anos, mil elementos do pessoal docente dotado de conceitos educativos e técnicas pedagógicas avançados, cujos destinatários do primeiro ano serão os docentes do ensino infantil e da disciplina de História.

E porque estará a ser dada prioridade aos “docentes do ensino infantil e da disciplina de História”? Provavelmente só um homem de estado pode responder a esta pergunta.

24 Abr 2020

O mais alto responsável

[dropcap]O[/dropcap] antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, anunciou que se retiraria da corrida a representante do Partido Democrata nas Presidenciais deste ano, por falta de apoio entre os membros do Partido. Esta decisão foi tomada depois de ter gasto mais de 600 milhões de dólares na campanha. O que será que torna o poder tão apelativo? Será uma questão de promoção pessoal ou a vontade de servir o povo? São duas possibilidades. Mas se os politicos não tiverem cuidado, assumir um alto cargo pode, em última análise, conduzi-los ao descrédito e à ruína das suas carreiras públicas.

Prefiro designar aqueles que se encontram à frente de um país ou de uma região como “o mais alto responsável”, por me parecer a forma mais apropriada. Demasiadas pessoas receberam ao longo da História o epíteto de “grande líder”, no entanto a maioria acabou por não realizar nada de verdadeiramente “grande”.

Também não será muito apropriado apelidá-los de “líderes supremos”, já que a incompetente liderança de alguns causou a sua própria morte. Designar aqueles que ocupam o mais alto cargo político como “responsável máximo” é uma forma de lhes conferir o sentido de responsabilidade. Os políticos têm de ser responsáveis por todas as suas acções. Se não querem assumir essa responsabilidade, então porque é que se dão ao trabalho de encetar uma carreira política?

A epidemia de covid-19, que teve início em Wuhan, na China, já se espalhou por todo o globo. É um novo coronavírus com características semelhantes à gripe e ao vírus da SARS (Síndrome Respiratório Agudo Grave). Este novo surto tem feito mergulhar muitos governos no caos e representa um desafio às capacidades governativas do “responsável máximo” de cada país e de cada região, particularmente para os governos da China, de Taiwan, Hong Kong e Macau.

Tsai Ing-Wen, a actual “responsável máxima” de Taiwan, que ganhou a eleição presidencial a 11de Janeiro último, teve de enfentar a crise da covid-19 pouco depois da sua reeleição. As lojas e as escolas continuam a funcionar embora o Governo tenha impedido os estrangeiros de entrar no país. Apesar de a sociedade ainda estar a funcionar, a prevenção e o controlo da doença em Taiwan têm sido bastante eficazes, registando-se até à data apenas 200 casos confirmados. Este facto demonstra que as medidas adoptadas têm sido correctas, apesar do arrefecimento das relações com a China ter causado uma quebra no turismo, o que em certa medida tem ajudado a manter o baixo número de infectados. Tsai Ing-Wen e o seu braço direito Chen Shih-chung, têm dado provas de idoneidade e de responsabilidade.

Por outro lado, na RAE de Macau, o desempenho de Ho lat-seng tem sido amplamente apreciado pela população. No discurso que proferiu há poucos dias, explicou que, depois de bem informado, podia tomar medidas decisivas e rápidas, como ficou provado pelas acções atempadas que tomou para evitar a propagação do vírus. O encerramento temporário dos casinos e de todas as salas de espectáculo evitou a contaminação comunitária da covid-19 e beneficiou a população. Estas medidas deixaram os opositores

Ho lat-seng sem argumentos para o criticar. Com as reservas que Macau acumulou nos últimos 20 anos, Ho lat-seng pôde gerir a situação sem ter de abrir as portas e fazer entrar pessoas infectadas da China, e ainda conseguiu fazer regressar a casa os residentes que estavam no estrangeiro. No primeiro teste a que foi submetido após assumir o cargo, Ho lat-seng passou com nota elevada. Agora, o outro desafio que tem pela frente, é a recuperação económica no período pós-epidemia. Para isso, é preciso esperar que a China retome o regime dos “Vistos Individuais” para os continentais que queiram visitar Macau, o que significa que a retoma depende dos turistas vindos da China. No cômputo geral, Ho lat-seng tem evidenciado claramente estar à altura das responsabilidades do seu cargo.

A “mais alta responsável” de Hong Kong é Carrie Lam, que possui uma personalidade particular. Cada acção que empreende, embora bem intencionada, tem-se revelado contra prudecente. Por exemplo, durante a agitação criada pelo” Movimento Contra a Lei de Extradição”, que até hoje ainda não se encontra completamente solucionada, Carrie Lam recorreu à estratégia do “uso da força para combater a violência e prender agitadores para parar o caos”. Esta estratégia só fez com que a violência e as prisões fossem aumentando, tendo sido detidos diariamente inúmeros jovens. Com Hong Kong ainda mal recuperado deste período conturbado, os esforços de Carrie Lam para impedir a propagação da covid-19, tentando impôr aos outros as suas convicções pessoais, não tiveram bom resultado. Quando se impede os bares de vender alcoól, não é normal que passem a vender outras bebidas? Esta decisão de Carrie Lam foi muito pior do que determinar o encerramento temporário dos bares. A forma como o Governo continua a lidar com a compensação económica das pessoas afectadas por esta crise não é a melhor, a distribuição de 10.000 HKD pelos residentes não vai remediar a situação. Hong Kong tem mais casos confirmados de covid-19 do que Taiwan e do que Macau, mas o Governo fechou as portas aos residentes destas duas regiões, de forma a transferir a sua responsabildade para os outros, mas acreditando que está a cumprir a sua missão. Carrie Lam, como “responsável máxima” de Hong Kong, poderá tornar-se na “maior devedora” e o momento da “liquidação” está a chegar.

Wuhan foi a primeira cidade da China a ser posta em isolamento devido ao surto de covid-19, e Hubei a província onde se registou o maior número de casos a nível nacional. O sacrifício imposto a Wuhan e a Hubei salvou efectivamente o país, mas o que é que os responsáveis fizeram nos dez dias que mediaram entre a declaração do primeiro caso e a implementação das medidas de isolamento? Ainda continua a faltar uma resposta a esta pergunta. E só encontrando a resposta e a verdade podemos ficar a saber quem é realmente responsável.

Tornar-se o “mais alto responsável” é o sonho de muitos políticos. Mas aqueles a quem falta capacidade, sabedoria, personalidade forte e ideais sólidos, apenas estão a ir ao encontro de dificuldades. E o pior de tudo é que irão partilhar essas dificuldades com os outros.

27 Mar 2020

Castelos na areia

[dropcap]S[/dropcap]e construirmos um castelo de areia na praia, mal a maré sobe, ele desaparece. Mas se o construirmos longe da praia o destino será o mesmo, o vento e a chuva acabam por demoli-lo, porque construções sem alicerces não perduram.

O surto do novo coronavírus em Wuhan não foi acidental, mas sim inevitável. Os seres humanos não têm respeitado a Natureza e o alcance e a escala da engenharia bioquímica não têm parado de crescer. Quando os homens usam os vírus como instrumentos para gerar dinheiro, mas acabam por deixá-los escapar ao seu controlo, o resultado pode ser comparado a um caudal de água que irrompe por uma barragem danificada.

As principais vítimas da inundação serão sempre os pobres que habitam as margens das albufeiras.
Terá havido pessoas que se aperceberam da crise que nos esperava? Claro que sim! A questão é que estes pequenos grupos de pessoas conscientes, que ousaram falar desta crise, foram silenciadas porque estavam a comprometer os interesses dos monopólios. Há quem opte por orbitar em torno do poder para obter benefícios. Mas existem muitos mais que, em troca do seu silêncio, recebem uma vida sem preocupações.

Estas pessoas adormecem a consciência com prazeres materiais. Em vez de apoiarem quem pretende expor a verdade, fazem os possíveis para os travar, de forma a que os seus “belos sonhos” não sejam desfeitos. Na maior parte dos casos, as pessoas preferem ignorar a realidade.

As razões que desencadearam as tragédias relatadas em filmes como o “Titanic” ou “A Torre do Inferno” voltam a estar presentes no surto do novo coronavírus em Wuhan. Quem foram os responsáveis pelo afundamento do Titanic? A quem se ficou a dever a culpa do incêndio do edifício mais alto do mundo?

Aqueles que procuraram descobrir a verdade por trás destas tragédias foram interrogados e torturados!
Por norma, as pessoas preferem ignorar a opinião dos peritos e de quem trabalha directamente no terreno, no entanto, poderiam dar uma vista de olhos em livros como: “O Cisne Negro: o Impacto do altamente Improvável”, “O Rinoceronte Cinzento” e “Os Vinte Anos Perdidos”. Ao menos os autores destes livros não têm relações com o poder político nem com o poder económico. Desde que se deu a crise financeira em 2009, o mundo inteiro tem vivido numa bolha económica, alimentada por empréstimos a baixo juro e por uma política monetária facilitista. Os Governos estão constantemente focados no aumento do PIB e nos indicadores de crescimento económico. Quando a bolha económica rebenta, volta tudo à estaca zero. Desta vez a culpa cai em cima dos morcegos e não onde devia cair, nos manipuladores que actuam nos bastidores!

Após quarenta anos de reformas e de abertura ao exterior, o crescimento económico da China é tão avassalador, que os lucros gerados podem soterrar a Humanidade inteira. A economia dispara, mas as reformas políticas estão congeladas. No entanto, quanto mais desenvolvida está a economia, mais perto está o país do caminho que conduz à crise. Costuma descrever-se a relação entre a China e Macau como uma “relação de sangue”, mas quando a qualidade do sangue está comprometida, o receptor sofre as consequências.

O segredo para evitar o colapso do castelo de areia, não está no silenciamento de quem quer manifestar as suas opiniões, mas sim no recurso urgente à democracia e à ciência, como meios para consolidar as fundações do castelo e para criar um país constitucional capaz de, com resiliência, fazer frente às adversidades. No cenário da epidemia do novo coronavírus, Macau vive presentemente um momento de tranquilidade. Será esta a altura ideal para o Governo da RAEM considerar a apresentação de um plano para demolir o castelo de areia contido na Agenda Política a levar em Abril à Assembleia e fazer de Macau um paraíso de lazer e um verdadeiro destino turístico?

13 Mar 2020

Epidemia

[dropcap]D[/dropcap]esde o aparecimento do surto do novo coronavírus em Wuhan, continua a ser difícil conter a propagação da epidemia. Em muitos países já se registaram casos de infecção, que confirmam a possibilidade de uma epidemia a nível mundial. Para já, é difícil prever quando é que a situação pode vir a ficar sob controle, nem mesmo Tedros Adhanom Ghebreyesus, Director Geral da Organização Mundial de Saúde, que se tem mostrado optimista, consegue adiantar uma data.

No momento em que escrevo este artigo, estão confirmados cerca de 80.000 casos na China continental e já se registaram perto de 3.000 mortes. Os média têm transmitido vídeo-clips com cenas comoventes e inúmeras histórias trágicas.

Em Macau, o Governo tem sabido tirar partido do modelo “Um País, Dois Sistemas”. Numa cidade privada de recursos naturais e de tecnologia avançada, tem sido possível encontrar um caminho para garantir a saúde da população. No entanto, o surto do novo coronavírus em Wuhan, fez vir à luz do dia os pontos fracos de Macau. Com os casinos temporariamente fechados e a política de “Vistos Individuais” suspensa, o número de turistas desceu drásticamente. Os locais turísticos estão agora praticamente vazios, fazendo lembrar o panorama que se vivia há trinta anos. Quem é que disse que o desenvolvimento de Macau já não poderia voltar atrás? Uma epidemia pode reverter todo o progresso obtido nas últimas décadas.

Face à adversidade, o novo Governo da RAEM tem feito tudo o que está ao seu alcance para conter a epidemia, e as medidas de controle e prevenção que foram tomadas revelaram-se mais eficazes do que as acções desenvolvidas em Hong Kong. Sem os milhares de turistas que normalmente a visitam, a cidade tem um ar fantasmagórico. Até que se declare o fim da epidemia, mesmo que os casinos retomem a sua actividade, os efeitos nefastos provocados na economia de Macau não poderão ser revertidos. Embora as verbas que o Governo está a investir possam garantir o funcionamento da cidade por mais algum tempo, como é que as pessoas vão conseguir manter o seu estilo de vida num clima de recessão económica, com a indústria do jogo seriamente afectada? Se a população de Macau passar a depender das verbas do Governo para garantir a sua subsistência, a cidade vai perder autonomia. Mesmo que Macau consiga ultrapassar os efeitos do surto deste novo coronavírus, ficará numa posição muito mais difícil se voltar a ser atingido por outra epidemia.

Muitas pessoas acreditam que a brutalidade com se espalhou este novo coronavírus em Wuhan se ficou a dever a falhas de informação e à ineficácia na implementação de medidas de contenção da infecção, o que fez com que as autoridades tivessem deixado escapar a altura certa para conter o surto e impedi-lo de se tornar epidémico. Mas os surtos no Japão e na Coreia não se deveram a falta de informação. A negligência humana e os erros institucionais podem ter efeitos mais devastadores do que os desastres naturais, e podem criar as condições para o surgimento de uma nova epidemia.

Na sua obra, “A Terceira Vaga: A Democratização nos Finais do Séc. XX”, Samuel P. Huntington assinala que não se pode afirmar que venha a haver uma quarta vaga de democratização no séc. XXI. A julgar pelos acontecimentos do passado, os dois factores chave que influenciarão a expansão da democracia no futuro serão o desenvolvimento económico e a liderança política.

O surto do novo coronavirus é um sério revés para a economia da China continental, quebrando as suas cadeias de produção global e fazendo disparar os alertas vermelhos da recessão. Quanto à cena política, da qual constam em termos imediatos; a próxima convenção da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o desenvolvimento político de Hong Kong e de Taiwan, a eleição do sucessor de Najib Razak, para Primeiro-Ministro da Malásia, as eleições presidenciais nos EUA e o Brexit, as falhas e os maus procedimentos cometidos por cada um destes líderes resultarão numa nova epidemia de grande magnitude.

Perante a aproximação de uma epidemia, para além de confiar na protecção do Governo, a população deve sobretudo reconquistar um papel primordial no desenvolvimento económico e no domínio da situação política!

28 Fev 2020

O ano do silêncio

[dropcap]D[/dropcap]urante a alvorada do Ano Novo chinês, o surto de pneumonia provocada pelo novo coronavírus em Wuhan alastrou-se a todo o país. Embora Macau não tenha fechado as fronteiras, o Governo da RAEM pede aos cidadãos que permaneçam em casa e que saiam apenas se for estritamente necessário.

As escolas estão encerradas, os departamentos oficiais reajustaram os horários de serviço, os casinos, os locais de entretenimento público e os recintos desportivos fecharam as portas e a única opção que resta aos residentes é ficar em casa.

A cidade tornou-se silenciosa; as Ruínas de São Paulo, normalmente habitadas por multidões ruidosas, estão agora em silêncio. Tenho estado em casa, onde passo a maior parte do tempo a navegar online e a acompanhar a par e passo as notícias relacionadas com a evolução da pneumonia. Tem surgido uma grande quantidade de video-clips e de publicações onde as pessoas manifestam a sua preocupação com a situação actual. Entre eles, houve um que me impressionou particularmente. Tem o título “Um Ano Novo muito silencioso” que nem sequer foi muito divulgado pelos média.

O video-clip, que tem a duração de quatro minutos, é narrado por alguém cuja voz imita a do Presidente Xi Jinping. Quando ouvi a frase “este Ano Novo chinês está muito silencioso” proferida numa voz familiar, admirei o talento do narrador. Para além de imitar a voz do Presidente, a mensagem é muito específica, repleta de palavras inspiradoras e de confiança na capacidade de vencermos a epidemia. Finalmente fala-nos de esperança, lembrando que “depois da tempestade vem a bonança”.

Mas será que a bonança vai chegar? Segundo as palavras de Zhong Nanshan, um consultor sénior chinês da área de saúde, vai levar pelo menos alguns meses até que isso aconteça. Até lá, para revitalizar a economia teremos de enfrentar enormes desafios. No entanto, se a causa do surto deste novo coronavírus não for identificada, outra tragédia, semelhante à que foi provocada pela Síndrome Severa Aguda Grave (SARS- sigla em inglês), será inevitável. O médico Li Wenliang, que alertou para a possibilidade desta epidemia se transformar numa ameaça semelhante à SARS, declarou que “revelar a verdade é mais importante do que reivindicá-la”. Li Wenliang veio a falecer, vítima deste novo vírus e a sua morte despertou a inquietação do público face à autodenominada transparência do Governo.

Num país repleto de câmaras de vigilância e de tecnologias sofisticadas de reconhecimento facial, os criminosos não têm onde se esconder. Além disso, o sistema de controlo fiscal implementado pelo Governo chinês expõe facilmente quem comete fraudes, sem, contudo, ser capaz de detectar os negócios ilegais que decorrem no Mercado de Mariscos de Huanan em Wuhan, e localizar a origem deste novo vírus de forma a controlar a sua propagação. No entanto empenha-se em manter sob vigilância quem dá os alertas. Não será esta uma questão a ponderar?

Independentemente de quaisquer considerações, a Província de Guangdong é a zona do país onde se consome mais carne de animais selvagens e o surto de SARS em 2003 foi também aí que surgiu. Macau tem uma “caverna de morcegos” em Ka-Ho na área de Coloane, onde se aloja uma vasta população destes animais, mas nunca aconteceu nada deste género na cidade. Diz-se que o surto desta pneumonia em Wuhan está relacionado com os morcegos, mas eu acredito que está muito mais dependente dos comportamentos humanos.

Passaram-se quarenta anos desde que Deng Xiaoping iniciou as reformas e abriu a China ao resto do mundo. A China, o gigante adormecido, acordou e fortaleceu-se. O plano original implicava o desenvolvimento da economia e do sistema político. No entanto, a concentração no desenvolvimento económico e a negligência em relação às reformas políticas originou inevitavelmente uma série de problemas.

O Dr. Li Wenliang lembrou ao povo chinês que uma sociedade saudável não pode ser dominada por “certos vícios”. Este novo ano, tão terrivelmente silencioso, dá-nos oportunidade de reflectir sobre a raiz dos problemas.

14 Fev 2020

Baptismo de fogo

[dropcap]Q[/dropcap]uando Ho Iat Seng se candidatou ao cargo de Chefe do Executivo de Macau, perguntaram-lhe por que motivo queria trocar a presidência da Assembleia Legislativa pela liderança do Governo da RAEM, optando pelo sistema executivo. Ele respondeu que não fugia de uma “casa em chamas”.

De facto, a “casa em chamas” com que o Chefe do Executivo tem de lidar não está só a arder (tem de enfrentar muitos problemas sociais), como também está muito desarrumada, na medida em que o fogo não foi combatido durante os últimos 20 anos (existem muitas práticas malsãs de longa data nos departamentos administrativos) e a casa em si tem falta de espaço (com estruturas que se sobrepõem umas às outras e um número de funcionários que excede em muito o necessário).

Com uma experiência de uma década na Assembleia Legislativa e como ex-membro do Conselho Executivo, Ho Iat Seng deve ter plena consciência do estado da “casa em chamas”. Está também ciente de que a liberalização da indústria do jogo promovida por Edmund Ho transformou a cidade num dos centros de lazer mais famosos do mundo, após Macau ter falhado na renovação das suas infra-estruturas económicas. Mas a corrupção brotou deste súbito crescimento económico, como se pode verificar no caso da prisão de Ao Man Long, o primeiro secretário para os Transportes e Obras Públicas da RAEM, considerado culpado das acusações de suborno e de lavagem de dinheiro. Durante os dez anos da administração de Chui Sai On, Macau registou um salto económico brutal que também derivou do enorme desenvolvimento da China. Na Era Chui, desde que os processos administrativos fossem decorrendo suavemente e sem sobressaltos, e com a total cooperação das maiores organizações e associações, o Governo tinha reservas financeiras suficientes para distribuir todos os anos dinheiro pelos residentes e para pagar as custas crescentes do recrutamento exponencial de funcionários públicos, apesar das boas intenções para alcançar “uma boa governação à base da racionalização de quadros e simplificação administrativa”. Contudo, ao longo desses dez anos, o procurador do Ministério Público, à altura, Ho Chio Meng, foi preso por crimes que incluiam fraude agravada e lavagem de dinheiro.

Ho Iat Seng é o actual Chefe do Executivo de Macau e os próximos cinco ou dez anos em que exercerá a governação serão cruciais e decisivos para definir o caminho que a cidade irá trilhar de futuro. Sendo há 20 anos membro do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China, Ho Iat Seng sabe que Macau possui importantes mais valias e que tem um papel específico a desempenhar na Zona da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. E, na medida em que o Governo Central atribuiu a Macau três grandes funções no quadro da Zona, não há tempo a perder. Por isso, desde que tomou posse, vemos Ho Iat Seng a fazer visitas surpresa a vários departamentos governamentais para inspeccionar o seu funcionamento. Esta actuação foi alvo de críticas por parte de alguns altos funcionários, que afirmam que pode provocar distúrbios no modus operandis da função pública, que até aqui tem proporcionado um ambiente de trabalho de paz e harmonia. Mas então, se tudo corre bem, porque é que os responsáveis têm medo das visitas surpresa do Chefe do Executivo?

Por este tipo de actuação, fica claro que Ho Iat Seng é uma pessoa que procura a verdade a partir dos factos. E, graças à sua forma de lidar com os acontecimentos, a resposta do Governo de Macau e as medidas que foram tomadas em relação à prevenção e controlo da propagação do novo coronavírus na cidade foram rápidas e positivas. Sob a sua liderança pragmática, todos os corpos governamentais, do topo até à base, deram provas de saber gerir a crise. Foi criado o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus, foi assegurado o fornecimento de máscaras a todos os residentes, implementado o controlo das entradas e saídas de Macau, as escolas foram encerradas, os feriados prolongados e foram tomadas as medidas necessárias para evitar a propagação do vírus. Todos os procedimentos foram mais rápidos e eficazes do que em Hong Kong. Ho Iat Seng parece estar a aproveitar da melhor maneira os seus muitos anos de experiência e os contactos que estabeleceu como membro do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China. Conseguiu convidar o chefe do grupo de especialistas da Comissão Nacional de Higiene e Saúde, e membro da Academia Chinesa de Engenharia, Zhong Nanshan, para vir a Macau como conselheiro, e tem mantido uma comunicação próxima, garantindo a coordenação com o Governo Central e com o Governo do Povo da Província de Guangdong. Até agora, não existe pânico em Macau e as pessoas em geral estão satisfeitas com a forma como o Governo está a responder a esta crise. Não há dúvidas que Ho Iat Seng passou neste primeiro teste de fogo.

Passar o primeiro teste é um bom princípio. A próxima prova para Ho Iat Seng virá quando tiver que lidar com as consequências desta epidemia, como o declínio das receitas do jogo, os impactos negativos no turismo e no comércio, devido à drástica redução do número dos turistas provenientes da China que visitam Macau em regime de “Visto Individual”. Como revigorar a economia de Macau e a sua dependência de um sector único (o jogo) vai ser a próxima difícil prova que Ho Iat Seng terá de enfrentar.

4 Fev 2020

O efeito dos pardais de Hong Kong

[dropcap]E[/dropcap]m 1963, o metereologista americano Edward Norton Lorenz afirmou um dia que “quando uma borboleta bate as asas no Brasil pode provocar um tornado no Texas” para nos lembrar que pequenas mudanças num determinado lugar podem ter como consequência tremendas alterações num local distante. Estas declarações deram origem à expressão “efeito borboleta”.

Assim sendo, se o movimento das asas de uma borboleta pode ter grandes consequências, o que dizer do efeito provocado pela agitação continuada das asas de um pardal? O resultado das últimas eleições em Taiwan é a resposta a esta pergunta.

No início de Outubro de 2019, referi nesta coluna que, se os problemas sociais desencadeados pelo “Movimento contra a Lei de Extradição” em Hong Kong, não fossem solucionados o mais rapidamente possível e se o Governo continuasse a recorrer apenas às Forças de Segurança para controlar a violência e o caos, a China, como nação, iria ser lesada. A maior maldição que pesa sobre todos os historiadores é a sua capacidade de prever as consequências das situações e a sua impossibilidade de reverter os resultados. E isto porque, quem detém o poder só se preocupa com a defesa da sua dignidade pessoal, da sua posição e acredita que a História é escrita por si, ignorando os sentimentos e as opiniões do povo. As águas do mar podem ser suaves e calmas, mas quando se enfurecem, podem afundar um navio de centenas de toneladas. Aqueles que não conseguem aprender com a História, terão de aprender de outra forma.

Nos anos que se seguiram à fundação da República Popular da China, houve uma campanha para erradicar os pardais de todo o país, porque se acreditava que provocavam muita destruição. Esta campanha teve um sucesso sem precedentes, mas teve como consequência a multiplicação das pestes que atacavam as colheitas. Por este motivo pôs-se fim ao extremínio dos pardais. Veio a perceber-se que um pequeno pássaro como o pardal, tem um impacto muito grande na natureza.

O discurso do Presidente Xi Jinping dirigido a Taiwan no início de 2019, foi usado por alguns detractores do princípio “Um País, Dois Sistemas” para proferirem ataques verbais à China continental. Quando surgiu o “Movimento contra a Revisão da Lei de Extradição”, a forma como o Governo de Hong Kong lidou com os acontecimentos provocou ainda mais desconfiança em Taiwan. O slogan “Hoje em Hong Kong, Amanhã em Taiwan,” tornou-se a bandeira do Partido Democrático Progressista (PDP), que apela ao sentimento nacionalista. Cada lata de gás lacrimogéneo lançada, cada bala de borracha disparada pela polícia de Hong Kong, bem como cada manifestante preso, parece ter dado mais votos ao PDP, como se viu nas eleições de Taiwan. Os pardais (os manifestantes) não foram erradicados de Hong Kong, mas o Partido Nacionalista perdeu as eleições.

A famosa revista bi-semanal de Taiwan “Commonwealth”, publicou no passado dia a 31 de Dezembro, os resultados de uma sondagem que realizou a nível nacional. A sondagem demonstrou que mais de 60% dos inquiridos se consideram “Taiwaneses”, dos quais mais de 80%, têm idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos. Mais de 60% dos inquiridos, com idades superiores a 40 anos, apoiam o status quo, mas cerca de 60% com menos de 30 anos são a favor da indepedência, e 90% dos inquiridos pensam que o princípio “Um País, Dois Sistemas” não é aplicável a Taiwan. Estes números reflectem o sentimento da sociedade de Taiwan antes das eleições da semana passada, e foram influenciados pelo “Movimento Contra a Revisão da Lei de Extradição” em Hong Kong. A resposta do Partido Nacionalista de Taiwan face aos acontecimentos de Hong Kong foi bastante débil, quando comparada com o apoio activo demonstrado aos manifestantes pelo PDP. Os eleitores de Taiwan, especialmente as gerações mais jovens, deram o seu voto ao PDP, porque consideram que “não foi contaminado pelos vermelhos”. Isso permitiu que Tsai Ing-wen tivesse sido reeleita Presidente. Algumas pessoas já fizeram comentários jocosos na internet, afirmando que a chefe do Eecutivo de Hong Kong, Carrie Lam, é a primeira pessoa a quem Tsai deveria agradecer, visto que Carrie a ajudou a “angariar” votos!

As eleições de 2018 e de 2020 em Taiwan revelam uma inflexão acentuada do eleitorado para o campo azul e para o campo verde, o que também demonstra que a ecologia política de Taiwan é muito instável. Qualquer movimento ao longo do Estreito tem um impacto incomensurável na situação política de Taiwan. O princípio “Um País, Dois Sistemas” e o estabelecimento do “Consenso 1992” pretendiam lançar as bases para uma reunificação pacífica da China. O modelo “Um país, Dois sistemas” aplicado em Hong Kong, assente na actuação de 30.000 agentes da polícia para travar as insurreições sociais não será certamente aceite pelos compatriotas de Taiwan, e ataques armados a Taiwan iriam criar danos irreparáveis. O efeito dos pardais de Hong Kong não se voltará a fazer sentir desde que eles se deixem de sentir assustados e pressionados, e nessa altura o ciclone político puderá abrandar.

17 Jan 2020

O adeus a 2019

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, 2019 marcou a transição da paz para a turbulência. A forma eficaz de “parar a violência e a curva ascendente de tumultos”, será através da criação de uma comissão de inquérito independente, uma aspiração da maioria dos residentes de Hong Kong, e não através do estabelecimento de um “comité de análise independente”. Mas porque é que a criação desta comissão de inquérito parece gerar tantos receios? Se estes problemas forem ultrapassados, os tumultos em que Hong Kong se encontra imerso irão acabando, as relações entre a polícia e a população vão melhorar e vai ser possível amenizar as clivagens sociais. As situações devem ser consideradas no seu todo, quem não consegue ter um perspectiva geral dos acontecimentos não merece ser líder de Hong Kong.

E em Macau, que balanço podemos fazer? A cidade acabou de celebrar o 20º aniversário do estabelecimento da RAEM e o Presidente Xi Jinping passou aqui três dias, durante os quais efectou diversas visitas e presidiu à cerimónia da tomada de posse do V Governo. Numa primeira análise, Macau apresenta-se próspero e estável, tendo sido louvado como um modelo do princípio “Um país, dois sistemas”, mas, na realidade, subsistem muitos problemas por resolver.

Mesmo antes da vinda do Presidente Xi, a classificação da agência de crédito Fitch Group sobre Macau passou de “estável” a “negativa”. A classificação baixou devido à erosão da autonomia do Governo da RAEM na cena política, à continuada perda de receitas da indústria do jogo, das quais o Governo local depende em larga escala, e à crescente ligação económica, financeira e sócio-política à China continental.

Durante a visita de três dias do Presidente Xi a Macau, considerou-se que o controlo de segurança tinha sido efectuado com sucesso, porque todos os seus encontros e percursos tinham sido cuidadosamente verificados e preparados com antecedência. O controlo de segurança é necessário sem sombra de dúvida, mas isolar o Presidente da população retira-lhe a oportunidade de ter contacto com a realidadede. Por essa altura, vi uma foto tirada em frente ao Largo do Senado, que estava a circular online. Na foto, vê-se uma pessoa que parece ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, vestido informalmente, com diversos homens à sua volta a andar em direcção à Praia Grande. Depois de ter visto esta imagem, lembrei-me de um artigo intitulado “Após regressar a Xingyi, tive saudades de Hu Yaobang”, escrito em 2010 pelo antigo Primeiro Ministro da China, Wen Jiabao. No artigo, Wen falava dos ensinamentos de Hu Yaobang, que defendia que os líderes e os quadros superiores devem ir ao encontro das bases, para, pessoalmente “experienciarem e observarem as dificuldades do povo, escutar a sua voz e conhecer em primeira mão a sua realidade”. O maior risco que qualquer líder corre é distanciar-se da realidade.

Em lugar algum do mundo existem controlos de segurança 100% eficazes. A calma e harmonia que o Presidente Xi testemunhou em Macau deriva do facto de a maioria dos residentes da cidade não ter qualquer intenção de se manifestar contra ele, isto, para lá dos múltiplos controlos de segurança implementados. Em relação à situação actual de Macau, não se vislumbra qualquer possibilidade de mudança, “as coisas são como são”.

Os novos líderes da RAEM, que tomaram posse em Dezembro de 2019, são no seu conjunto um grupo de novos dirigentes designados para os cargos de Secretários e membros do Conselho Executivo. No entanto, uma renovação das equipas não significa necessariamente um estilo novo de administração, o qual depende das competências e da experiência dos seus elementos. Experimentar novas jogadas com uma certa relutância pode ter efeitos adversos. Apesar de tudo, Macau tem recursos escassos e poucos técnicos qualificados e continua a depender das receitas do jogo e do turismo. A cultura social assente na tradição ancestral das múltiplas associações locais, moldou uma certa morfologia social e travou o desenvolvimento. Num local sem competitividade como Macau, a inacção é a escolha mais fácil.

Para me despedir de 2019, decidi desfazer-me de muitas coisas. Enquanto arrumava, deparei-me um um artigo retirado do Hong Kong Economic Journal, datado de 12 de Janeiro de 2019, que fazia uma previsão da situação de Hong Kong para esse ano, a partir da perspectiva do “Yi Jing” (“O Livro das Mudanças” – um clássico da antiga filosofia chinesa). Embora seja cristão, tenho um profundo interesse pela filosofia tradicional chinesa. Após uma análise das normas sociais e da natureza humana, o artigo concluia que “Não nos devemos impôr aos acontecimentos”. Quando fazemos algo, devemos primeiro avaliar a situação, analisar os prós e os contras, não agir de forma precipitada, de forma a termos campo de manobra”.

Hong Kong e Macau têm de ter noção dos seus posicionamenros, vantagens e limitações. É preciso aprender com os mais fortes para contrabalançar as nossas fraquezas, de forma a invocar a sorte e esconjurar o infortúnio. Quanto ao que espera as duas cidades em 2020, apenas posso dizer que vai depender da forma como os seus dirigentes souberem conduzir os actuais acontecimentos.

3 Jan 2020

Macau, um modelo a seguir?

[dropcap]U[/dropcap]m amigo enviou-me há pouco do seu telemóvel a foto de uma grande fila de carros junto a uma bomba de gasolina. Esta afluência deve-se à visita do Presidente Xi Jinping, que vai estar em Macau de 18 a 20 de Dezembro e, por este motivo, as bombas só podem ser abastecidas entre a meia-noite e as 6.00 da manhã. Como já enchi o depósito do meu carro, não vou ter de ir para as filas e enfrentar a confusão. Segundo os comunicados do Governo de Macau, o Corpo de Polícia de Segurança Pública e os Serviços de Alfândega vão inspeccionar em conjunto todos os veículos que circulem nas estradas que fazem a ligação aos postos fronteiriços terrestres de Macau, no período compreendido entre 17 e 21 de Dezembro.

Os pontos assinalados são a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, as Portas do Cerco, Cotai e o Parque Industrial Transfronteiriço Zhuhai-Macau. Porque é que estas inspecções conjuntas não são feitas todos os dias, mas apenas durante a visita do Presidente Xi? Será que as autoridades tiveram acesso a alguma informação privilegiada que indicasse que segurança do Presidente poderia vir a estar em risco?

Faz sentido intensificar a inspecção dos veículos nos postos fronteiriços terrestres para aumentar a segurança, dado que, nesta altura, o volume do tráfego aumentou imenso. Mas porque é que foi suspenso o serviço de passageiros do Metro Ligeiro entre 18 e 20 deste mês, quando se encontrava no período experimental apenas há uma semana? Será que a manutenção deste período experimental iria afectar de alguma forma a segurança do Presidente Xi? Como é que o funcionamento do Metro Ligeiro de Macau ia pôr em risco a integridade do líder nacional? Será que Macau não é uma cidade segura?

Saliente-se ainda que, a este propósito, o Governo da RAEM anunciou “devido à realização de Actividades Comemorativas do 20º Aniversário do Estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, entre 18 a 20 de Dezembro de 2019, serão aplicadas medidas de controlo e de interdição à navegação no Canal do Porto Exterior, no Canal da Taipa, no Canal de Acesso ao Porto Interior e Canal de Acesso ao Porto de Ká-Hó”. Relativamente ao controle do espaço aéreo, penso que as entidades competentes também já tomaram medidas nesse sentido. Todas estas medidas de segurança criam instabilidade na população. Devíamos estar a viver um momento de festa e de alegria, durante a visita do líder nacional a Macau para presidir à inauguração da cerimónia do estabelecimento do novo mandato do Governo da RAEM. Porque é que o Governo lida com esta situação como se houvesse um perigo em cada esquina? Desde quando é que Macau passou a ser uma cidade hostil?

Mas além de Macau, as autoridades de Zhuhai também criaram pontos de controle na Ilha articifual de Leste da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, para que quem atravessa a ponte de Hong Kong para Macau possa ser inspeccionado. Pelo menos uma pessoa já foi detida nesta operação. O secretário para a Administração da Região Administrativa da RAEHK, Cheung Kin-chung, declarou que o exercício de jurisdição na Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, por parte da China continental é, não só razoável como legal. A afirmação de Cheung é correcta. Mas o que está aqui em causa é a brevidade deste posto de controle e o facto da sua existência se ter ficado a dever apenas à visita do Presidente Xi. É sabido que “o modelo de controle fronteiriço da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, será adoptado o modelo de construção em separado por cada Governo de três postos fronteiriços individuais”. É certo que a Ponte se encontra sobre a jurisdição da China continental na sua totalidade, mas todos os condutores sabem que não é permitido parar um veículo que a esteja a atravessar, porque a ponte é um ponto de ligação entre as três RAEs. É possível exercer jurisdição sobre a Ponte, desde que se recorra ao tacto e à inteligência. Não é necessário inspeccionar todos os passageiros, porque só lhes poderá dar a sensação que podem vir a ser “extraditados para a China”. Se a China continental tivesse criado logo de início um posto de controle de segurança na Ilha artificial de Leste, penso que as pessoas teriam compreendido e cooperado. Mas de facto o controle de segurança é só uma medida temporária, que só funciona durante o período da visita do Presidente Xi a Macau. Esta actuação demonstra claramente uma falta de confiança por parte das autoridades.

Recentemente Macau foi elogiada como um modelo de sucesso do conceito “Um País, Dois Sistemas”, por comparação com o que se passa em Hong Kong. Macau promulgou legislação sobre segurança nacional, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica, no início de 2009. Para além da “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado”, Macau fez em 2017 uma emenda à Lei n.º 5/1999 (Utilização e Protecção da Bandeira, Emblema e Hino Nacionais) em consonância com a “Lei do Hino Nacional da República Popular da China”. Mesmo uma “cidade modelo” como Macau, teve de ser tão monitorizada e controlada! Bom, será que Macau é verdadeiramente um “modelo” de cidade?

Para tornar Macau um verdadeiro modelo do ideal “Um País, Dois Sistemas”, além de vir a promulgar com sucesso leis que não passaram em Hong Kong, também será necessário levar por diante a reforma política que Hong Kong não conseguiu alcançar. Desta forma, a população de Hong Kong vai poder constatar que Macau irá eleger o seu Chefe do Executivo por sufrágio universal, sob condições específicas, e que a reforma da Assembleia Legislativa irá gradualmente garantir que todos os deputados ocuparão o seu lugar por via da eleição directa, ou seja “uma pessoa, um voto”. Quando Macau conseguir alcançar o que Hong Kong não conseguiu, será um verdadeiro modelo do ideal “Um País, Dois Sistemas”.

20 Dez 2019