Tânia dos Santos Sexanálise VozesPra lá do sexo [dropcap]S[/dropcap]exo é sexo. E há alturas que o sexo não é só sexo. Isto claramente reflecte a minha posição não binária de que a cabeça e o corpo não são duas entidades separadas. A verdade é que tudo afecta tudo, para ser assustadoramente generalista. O sexo leva com os nossos desejos, anseios, capacidades íntimas, medos e terrores. Se há gente que não vê isso talvez seja porque não lhe presta a devida atenção, porque gosto de acreditar que isto faz sentido para alguns, ou talvez para muitos. O corpo que carregamos não deve ser visto como um simples organismo biológico. A vida tem-me ensinado que corpo reage às ameaças do corpo e às da mente também. Apesar de alguma investigação apontar para a complicada relação corpo e mente, há outra que diz que não está cientificamente provado que o stress, por exemplo, afecte negativamente a saúde física. Com as dificuldades pela libertação do sexo das amarras de (tantas) sociedades até ditas progressivas, apercebo-me que a libertação sexual – como uma actividade não demonizada e de satisfação e prazer pessoal e/ou colectivo – põe em causa o que as sociedades modernas muito forçosamente querem manter: a exaltação do físico, biológico, mensurável e real em detrimento da mente, do pensamento, da sensação ou da emoção. Parece que estou a colocar isto de forma simplista para insinuar uma resposta simplista também, mas não é esse o objectivo. Não estou a defender a recusa total da procura do que é real. Se tento simplificar certas ideias é só porque quero torná-las inteligíveis. Já aqui referi como há estudos que mostram que a disfunção sexual masculina pode ser tratada com terapia, e este é só um exemplo. Esta ideia de que a mente precisa de atenção também, é de alguma forma polémica, mesmo que não seja visível. Isto porque o legado do iluminismo e da era da razão arrasou com qualquer forma mais experiencial dos fenómenos. Virámos a atenção para aquilo que é cientificamente relevante para a nossa existência – como se nos regêssemos por forças e vectores energéticos como os da Física (não sei se estarão cientes que há quem diga que a psicologia é ciência e há quem diga que não). Contudo, esta não é uma atenção descabida, principalmente nos dias que correm de ‘pós-verdade’, em que não há nada que nos valha senão a procura incessante pelos factos e pelas medições objectivas. Só que essa obsessão traz outros problemas: como é que medimos, resolvemos e compreendemos aquilo que não vemos? Será que a invisibilidade reduz-se à pura inexistência? Claro que me farto de falar do sexo e do prazer sem limites que só é atingido quando alinhamos o nosso corpo, a nossa mente, e o nosso espírito, se quiserem. Porque o sexo serve de metáfora para tudo, o sexo como produção biológica, cultural e social é uma dimensão entre muitas que nos torna absolutamente humanos. A humanidade que pressupõe aceitação, amor e tolerância, características essas impossíveis de medir com régua e esquadro. Estou a usar o sexo como pretexto para falar da saúde mental porque, na verdade, vejo mais incentivos à não-aceitação do que à aceitação. Quando queremos carregar um corpo sexual ele não precisa de ser só um corpo, precisa de disponibilidade para aceitar tudo aquilo que o sexo quer ensinar-nos. E frequentemente esbarramos com as caixinhas definidoras do que é aceitável. Ai os pêlos, ai as celulites, ai as vulvas, ai os pénis, ai as expectativas heteronormativas. Não precisamos só de um corpo – precisamos de coragem para mostrar um corpo. Precisamos de coragem para abrir a possibilidade de criar e ser intimidade. Já que foi o dia da saúde mental e eu não opinei atempadamente, aqui vai tardiamente. O sexo já foi a cura dos males neuróticos mas também pode ser a causa e processo dos mesmos males. Já que o sexo nos despe, literal e simbolicamente, só espero que comece a ser óbvia a ligação que o nosso corpo precisa de prazer, e a nossa profundidade psicológica também. O sexo é só mais um pretexto, entre muitos, para escrever e reflectir acerca da saúde mental e do bem que nos fazia se tivéssemos mais espaço para cuidar do nosso íntimo ser.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBruxas [dropcap]J[/dropcap]á que foi Halloween – isto é, em belo português, o dia das bruxas – não há nada como falar destas criaturas (míticas?) do imaginário ocidental. Quem são elas, onde estão e o que fazem? Teorias não faltam. A teoria feminista tem sido particularmente prolífica na compreensão do desenvolvimento desta imagem da bruxa, que é feia, tem uma verruga no nariz, e usa um chapéu pontiagudo. Como é que se diz? ‘A chover e a fazer sol, estão as bruxas no farol a comer pão mole’? Dei de caras com esta imagem da bruxa, primeiro, porque o dia das bruxas foi na semana passada e, segundo, porque há quem defenda que a bruxa tem muito que se lhe diga ao feminismo e ao sexo. É possível que caça às bruxas tenha acontecido pela não aceitação da emancipação feminina naqueles tempos sombrios. Parece confuso, até porque ninguém falava de emancipação das mulheres nessa altura, mas há quem ache, as ditas feministas ‘radicais’ de hoje em dia, que a bruxa representava a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que se atrevia a viver sozinha, a mulher que envenenava o patrão e incitava a revolta, que era parteira, que percebia dos meandros do sexo. Nada disto era desejável à figura feminina da época (também não acho que seja agora). Na altura muitas mulheres (e homens também) foram queimados na fogueira acusados de bruxaria. Não se sabe ao certo quantas pessoas poderão ter morrido durante três séculos, mas há várias estimativas: há quem diga 40.000, há quem diga 200.000. Vem-me automaticamente à cabeça a imagem de pessoas enfurecidas com tochas em fogo na calada da noite à procura de quem culpabilizar os males do mundo. A ‘caça às bruxas’ é sempre utilizada como o exemplo perfeito de histeria em massa. O movimento #metoo já foi acusado de ser uma caça às bruxas, neste caso, aos bruxos da misoginia – mas isso não interessa nada para aqui. Naqueles tempos sombrios as mulheres era consideradas mais fracas e susceptíveis à persuasão diabólica. Muitas das mulheres acusadas de bruxaria eram pobres, velhas e viúvas, na menopausa ou no pós-menopausa. Contudo, as bruxas surgem e surgiram de muitas formas e feitios, e por mais que se considere ‘radical’ o feminismo que tenta perceber que contornos esta caça as bruxas teve, as bruxas não deixam de ser uma questão bastante feminina. E parece que todos nós, uns mais do que outros, temos que lidar com a bruxa que existe. A psicologia do Jung analisa extensivamente o arquétipo da bruxa como a necessidade intrínseca de transgressão – que é socialmente vista como perigosa, malévola e indesejável. A bruxa, que é equiparada com a puta interior, vive à margem da sociedade, e – em vez de ser fruto do que quer seja que vivemos ou possuímos na nossa genética – é um produto civilizacional. Conseguiremos ir além da dicotomia da princesa e da bruxa das histórias de encantar e das mitologias? Como é que nos faz bem, a homens e mulheres de igual forma, incorporar os valores e fantasias das bruxinhas que outrora, e hoje, tememos tanto? A nossa bruxa, embora difícil de entender, é bastante normal. O problema é que a sexualidade, a perversão, e a diabolização do sexo que compete à bruxa incorporar, precisa de um espaço de compreensão. Mas quem é que tem coragem de dançar com a bruxa, e com o seu lado destrutivo e negro? Só aquelas e aqueles que têm a coragem de aceitar o maior desafio humano. Aprender a tocar, e a ritmicamente mexer com aquilo que mais nos aflige e nos assusta porque sabemos (ou pelo menos devíamos saber) que a bruxa não é nada mais do que um bocadinho de nós próprios.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBeijinhos aos avós [dropcap]O[/dropcap] que se torna viral, torna-se viral, não há muito a fazer. Agora, porque é que certas coisas ‘viralizam’ ou porque são escrutinadas até ao tutano é que pode ser obra de algoritmos, ou talvez de pura sorte ou de puro azar. Falo-vos do que aconteceu na semana passada na televisão portuguesa: alguém proferiu uma ideia que nem achei assim tão polémica ou problemática quanto isso. A questão da obrigatoriedade na infância tem muito que se lhe diga, no exemplo em questão, o intuito era o de alertar para estarmos atentos à auto-determinação e agência infantil. O que poderia ter surgido como uma discussão interessante acerca de como ensinar desde cedo acerca da consciência do corpo e dos limites que lhe damos, ‘viralizou’ para uma conversa que confundia educação com obrigação – e de como comer legumes, ir à escola, ser-se boa gente ou ter-se bons modos e dar beijinhos de cumprimento a quem achamos por bem, é resultado directo de um pulso firme. O tal da obrigatoriedade que julgamos ser a única estratégia educativa. A discussão não foi muito para além disso, mas não deixa de ser uma discussão importante para se ter na esfera pública. Contudo, se a ideia foi polémica não foi por ser particularmente chocante – valeu-lhe uma combinação de comunicador e comunicado que não caiu nas boas graças de muita gente. Como este alguém não cai nos moldes ideais do homem tradicionalmente português, e da família tradicional portuguesa, muito rapidamente se assistiu a uma sede de sangue e de insulto – e a uma forma de discutir ideias muito fechada, categórica e teimosa. Isto não aconteceu por acaso, foi tudo graças a um jornalismo de baixíssima qualidade que faz uso de formas sofisticadas de bullying (sim, tenho a certeza que esta é a palavra certa) e que se aproveita de uma moralidade barata, para descredibilizar alguém só porque está fora da norma. O que me chateou mais nisto tudo foi a avidez pela ofensa e pela ameaça – sim, o protagonista desta história viu a sua página na rede social a ser saqueada pela indignação popular, e não foi feito de forma simpática, muito menos construtiva. Perguntei-me se, trocando o comunicador por alguém mais normativo, em todos os sentidos do sexo e do género, a reacção teria sido diferente? A pessoa em questão é poliamorosa, vive numa constelação familiar, usa eyeliner e é professor universitário. E esta combinação começa a ser perigosa e facilmente descredibilizada porque representa uma ‘elite’ de liberdades excepcionais. Já conhecemos bem o fantasma que o sexo e a dita ‘promiscuidade’ representa. Mas o que aprendi com esta história é que há quem nem queira saber de intelectualismos, muito menos quando a intelectualidade põe em causa aquilo que achamos que o mundo é. Aliás – porque é que ouviríamos um promíscuo falar sobre como educar uma criança? Estamos repletos de vieses e a pouca consciência destes insiste em perpetuar uma forma de pensar muito pouco reflexiva. O mesmo processo que desqualifica a opinião de alguém que percebemos como diferente é o mesmo que vangloria quem julgamos um exemplo de valores contemporâneos de sucesso (sim, estou a referir-me ao menino de ouro do futebol). Na nossa inocência julgamo-nos imunes, julgamo-nos cegos à cor da pele, etnia, orientação sexual ou género. Mas a prova derradeira de que somos realmente afectados por tudo isto é de que frequentemente discutimos as pessoas em si e não as suas ideias (eu sei que parecem uma coisa só – mas uma coisa é discutir educação infantil e outra é falar das escolhas relacionais do interlocutor). Só para reiterar – eu percebo que seja difícil discutir sexualidade, ainda mais a sexualidade infantil. Mas crianças devem, sim, ter a oportunidade de serem ouvidas e compreendidas nos limites que querem definir para si mesmas. Nada disto invalida o amor, o carinho e a ligação que se estabelece entre netos e avós e outros familiares – absolutamente nada (caso duvidassem que isso estivesse em causa). Acho que este episódio foi informativo, não pelo objecto de discussão em si, mas pela indignação que gerou e todos os movimentos subsequentes. Só vos digo que ainda temos muito que caminhar para que as sexualidades e as gentes que falam abertamente sobre elas não sejam ameaçadoras – e é urgente repensar as nossas estratégias de comunicação e de disponibilidade para com o outro.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA estúpida Cistite [dropcap]A[/dropcap]s mulheres sofrem de infecções urinárias, mais do que os homens. Isto não é porque as mulheres têm que pagar pelo pecado original, é um simples mau cálculo fisiológico. As mulheres têm uma uretra que podia estar numa posição e lugar mais conveniente para que não sofressem deste mal, mas pronto, o nosso corpo não pode ser perfeito em cada ângulo ou centímetro. Apercebi-me que nunca utilizei este espaço para falar das estúpidas das cistites quando até é um tópico de importância para o sexo e para a saúde feminina. Acontece, também, que sou uma especialista no tema porque já tive à volta de 25 chatas (e muito dolorosas) infecções. Se não estão convencidos que a fenomenologia da coisa possa trazer alguma sabedoria a ser partilhada, tenho a dizer que também nunca li tantos artigos científicos de medicina – sou detentora de conhecimento de causa. Pensei que era a única no mundo a padecer do mal das estúpidas e recorrentes cistites quando comecei a conhecer mais amigas que estavam na mesma situação, e de amigas passou a colegas ou vizinhas. Umas com situações piores que outras, umas com caixas de antibiótico nas carteiras, porque nunca se sabe quando uma estúpida cistite vai aparecer, – frequentemente dei por mim a pensar porque é que não se fala mais das infecções urinárias? Aparentemente, dizem as estatísticas médicas, é normal uma mulher ter uma estúpida infecção por ano – se tiver três num ano, é melhor procurar um especialista – mas se tiver uma por ano, está dentro da normalidade. Ora, eu não acho normal ter uma infecção urinária por ano, da mesma forma que não é normal as mulheres sofrerem de dores menstruais – por vezes tão intensas quanto um ataque cardíaco – todos os meses. Não vou entrar na batalha que ainda tem que ser travada por mais respeito pela saúde feminina (tanta investigação que diz que os profissionais médicos desconsideram queixas das mulheres…) mas focar-me-ei nas estúpidas cistites. Surpreendentemente ou não, não há grandes veículos informativos que falem sobre estas coisas abertamente e de forma clara e fidedigna. As gentes de outrora alcunharam de cistite da lua-de-mel as infecções urinárias que as mulheres frequentemente tinham depois da noite de núpcias. Isto porque a probabilidade de ter uma infecção 24 ou 48 horas depois de uma relação sexual com o (ou um novo) parceiro é significativa. Há alguma investigação (pouca) feita para perceber o que se pode fazer para evitá-la, mas primeiro uns esclarecimentos: uma cistite pós-coito não é uma IST. Esta acontece porque a fricção genital ajuda a que bactérias que temos naturalmente pelo corpo possam viajar pela uretra feminina, que é pequenina e que está perto de todo o movimento. Podia acontecer o mesmo com os homens, mas eles têm uma uretra de 15cm e as mulheres de 5cm, daí a facilidade da pequena viagem bacteriana. Para evitar a invasão indesejada, há quem diga que não há nada como ir fazer um xixi depois de toda a actividade – golden showers? Estejam à vontade. A melhor forma de prevenir uma infecção, no geral, é fazer muito xixi, porque assim não se criam as condições ideais para as bactérias se multiplicarem dentro da bexiga. Daí também ser problemático segurarmos a urina durante muito tempo – mas enfim, como eu tenho material para escrever uma tese de mestrado sobre isto, não vou prolongar-me. Não é só o sexo que aumenta a probabilidade de uma infecção, espermicidas, por exemplo, podem despoletar uma crise, produtos de higiene feminina muito agressivos, também. As mulheres, principalmente, vão sofrer transformações naturais que as vão tornar mais susceptíveis a estas chatas cistites no pós-menopausa. É preciso ter em atenção também que muitas vezes as inflamações da bexiga têm uma sintomatologia muito semelhante à infecção, mas que não precisam de antibióticos para serem tratadas. E eis que entra em cena o arando vermelho – o cranberry – a baga melhor amiga do sistema urinário! Bastante eficaz no tratamento das inflamações (e não das infecções propriamente ditas, elas precisam sempre de antibiótico) e funcionam muito bem na prevenção de infecções recorrentes. Há mais dicas, mas vou ficar por aqui. A todas as mulheres (e homens) que sofrem de infecções da bexiga, aqui me apresento em solidariedade.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSobre o medo, a violação e o Nobel [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stou honestamente cansada. Estou cansada de ver o mundo nos meus olhos de mulher, que podiam ser uns olhos quaisquer. Cansada da forma leviana como se nomeiam putas. Cansada de tocar a cassete, rebobinar e tocar a cassete de novo. Cansada de ter medo que este mundo esteja a trnasformar-se de forma dramática e que a humanidade que outrora julgava garantida, é afinal altamente contestada. E este cansaço destrói o espírito, o desejo ou a esperança. Pelo menos destrói-me um pouquinho de cada vez. Nem o Nobel pela Paz me trouxe conforto. Mas eu admito a culpa, como já admiti antes. Admito a minha pouca tolerância em perceber como é que as mulheres são sempre as culpadas e manipuladoras em casos de violação, como é que a cultura do estupro é banalizada, de como discursos machistas, homofóbicos e racistas são apoiados pelas massas. A culpa também é minha, mas não entendo se foi a minha inactividade política ou a minha rejeição ideológica. Não é uma dificuldade particularmente minha, leia-se, as comunidades intelectuais foram apanhadas de surpresa também. Aquelas elites que passam o tempo a pensar nestas coisas estão na dúvida sobre o que é que está a correr mal neste mundo. A primeira assumpção é de que a ignorância impera. Ignorância face aos factos e a ausência de uma educação formal acerca de como funciona a sociedade, a política ou o sexo! – não estava a brincar quando escrevi na semana passada que o que falta é mais e melhor educação sexual e de género nas instituições formais de educação e não só – mas o problema do argumento ‘falta de educação’ é que é condescendente. E quem é que gosta de condescendência? Ninguém, porque assim que alguém assume a ignorância do outro, mais cedo ou mais tarde este outro levanta as garras de raiva e contestação. Porque as pessoas têm egos. Mesmo para aqueles que adoram discutir, discutem para quê? Para descobrir quem é que tem razão, e ninguém quer ser aquele que é o estúpido que não sabe nada. Isto é um problema que afecta todas as partes. Se há coisa que a bela da internet trouxe foi a possibilidade de ter acesso a informação – mas há quem tenha estragado isso também. A segunda assumpção é de que as pessoas são machistas, violentas e isentas de um pingo de humanidade. Ninguém gosta de ser chamado uma coisa tão verdadeiramente feia. Cada um de nós protege-se da melhor forma que podemos, e se isso implica ter que reconstruir as nossas realidades colectivamente para que assim sejam, não vejo melhor justificação para o pensamento construtivista – e com isto eu não quero dizer que estamos deliberadamente a criar mundos paralelos. O que acontece é que cada um de nós vive nas nossas bolhas, vivemos na ilusão de que, por exemplo, a violação é categoricamente definida de vítimas e violadores de características particulares. Vivemos na ilusão que os conceitos são universalmente definidos mas não o são. Depois deparo-me com o choque que é um acordão judicial português de ‘sedução mútua’ num caso de violação, toda a história do ‘quarto de Las Vegas’ ou o candidato a Presidente que diz que os homossexuais são resultado de ‘falta de porrada’. Se calhar não sair da minha bolha é minha responsabilidade, se calhar não ter saído da bolha não me preparou para estas notícias destruidoras de espírito, não sair da bolha torna-me incapaz de perceber verdadeiramente o que se passa. A Nadia Murad e o Denis Mukwege ganharam o nobel da paz pelo seu trabalho na sensibilização, prevenção e reparação da violência sexual em contexto de guerra. Por isso como vêem, nem tudo é terrível. Só é desafiante ser um idealista nos dias que correm.
Tânia dos Santos Sexanálise Vozes#elenão [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]le – não. Não é um ele qualquer, é um ele muito particular do contexto brasileiro. Um tal de Bolsonaro candidato à presidência. Pois, ele não. Dia 29 de Setembro várias mulheres (e homens) juntaram-se para reclamar que não o querem. Porque segundo certas pessoas ele é homofóbico, machista e racista. O movimento #elenão, liderado pelo grupo de mulheres contra Bolsonaro, ecoou pelas ruas no último sábado em, pelo menos, 18 capitais de estado, outras 65 cidades no Brasil, e também em Portugal. Mas existe uma oposição também, que não é de admirar. O #elenão tem um #elesim ou um #mulherescombolsonaro de resposta. A guerra política também é digital. Há ataques por hackers, há ondas de popularidade que tentam ser travadas, há trolls da internet a causar reboliço na secção de comentários, de posts, de videos, de artigos do jornal. Estão todos em pé de guerra porque uma secção da população o acha absolutamente desadequado para o papel de Presidente, e uma outra secção acho que aquilo que poderia ser desadequado, não o é de todo. Até o Stephen Fry já veio à comunicação social pedir que os brasileiros ponderem muito bem os seus candidatos nas presidenciais que se avizinham. Entrevistou Bolsonaro em 2011 a propósito do esforço do dito em não permitir que passassem uma legislação referente à educação para o género e orientação sexual nas escolas. Este era um pacote, um ‘kit gay’ como eles lhe chamavam, para contribuir para a prevenção da homofobia e a violência associada, nas camadas mais jovens. O ‘gringo’ do Fry teve dos momentos mais estranhos de sempre porque não é fácil falar com um homofóbico que não se considera homofóbico. Sendo ele homossexual, ainda mais estranho ficou quando o Bolsorano diz que o que é preciso é uma marcha do orgulho heterossexual e que ele não seria convidado! O que uma secção do Brasil julga é que este candidato traz resoluções simples para temas complicados, como o de tentar resolver o assustador aumento da criminalidade no país armando civis. E isso fá-lo popular, isso e não só, porque ele fala ‘francamente’ sobre temas que uma secção da população sempre quis discutir mas sentia que o ‘politicamente correcto’ esquerdista não lhes permitia. O pôr em causa um kit gay nas escolas, é um dos exemplos. Em vez de fornecer mais e melhor informação sobre a diversidade sexual, muitos julgavam que esta era uma estratégia de ‘recrutamento’ sexual para tornar as crianças tão naturalmente hetero e cisgénero em homossexuais. Essa secção do país encontrou o seu representante, que diz coisas polémicas e duvidosas, em plena esfera pública, e que acha que educação sexual inclusiva está a produzir homossexuais. Fantástico. Há boas hipóteses que ele possa tornar-se no próximo Presidente do Brasil – e digam-me lá se tudo isto não vos faz sentir um grandessíssimo déjà vu? A pergunta que permanece sempre – sempre – é quem é que vota nestas criaturas que parece que só disparam um discurso de ódio, violência e exclusão? Como (e porquê) é que a democracia se torna perigosa para si própria? A pergunta mantém-se mais pertinente do que nunca. E se a solução fosse uma boa educação para o sexo? Leram bem. Vou atirar agora com uma proposta fantasiosa a partir do testemunho de um ex-republicano norte-americano que agora virou democrata. Eu perguntei-lhe o que tinha acontecido para virar a moeda. Moeda esta bem delimitada nas suas caixinhas políticas – e ele disse-me que foi uma aula sobre género e sexualidade na faculdade. Isto não é fabuloso? O pessoal tem medo do sexo e das suas variâncias porque o sexo é transformador! Porque obriga a descobrirmos coisas sobre os nossos corpos, as nossas relações e sobre como vemos o mundo, e tudo isto é inerentemente político. Um ex-republicano que nos dias que correm poderia muito bem ter votado Trump não o fez porque aprendeu o sexo na Universidade. O sexo intelectual, o pensante, ou o reflexivo. Vou continuar a ter esperança de que o sexo saudável é o que vai mudar o nosso mundo. #elenão
Tânia dos Santos Sexanálise VozesRiso do sexo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] comédia é um veículo informativo. Já em português se diz que ‘a brincar, a brincar é que se dizem as verdades’ e não deixa de ser aqueles dizeres populares que não são ridículos de todo. Há teses académicas que provam que os temas difíceis são acompanhados de gargalhadas. Alguém se lembra da risota que era, dentro da sala de aula, quando se falava do aparelho reprodutor? Não vou falar de qualquer tipo de riso, mas do riso profissional, e nem é da comédia na sua generalidade, mas gostaria de vos falar da Hannah Gadsby e do seu último espectáculo de stand-up comedy. Para quem está familiarizado com os recantos da internet com facilidade encontrará a gravação desta performance, que se chama Nanette. Neste exercício de comédia a única voz que se ouve é a de Hannah, uma mulher lésbica que não está muito preocupada em mostrar-se particularmente feminina. Esta é uma mulher que já sofreu na pele a homofobia generalizada e internalizada nas nossas sociedades contemporâneas e, através destas experiências de violência e de incompreensão dos outros à sua volta, faz comédia. Porque a brincar a brincar é que se confessam a pior das verdades sobre nós e os outros. Não quero destruir a experiência de quem tenciona ouvi-la de viva voz neste espectáculo – que se ainda não o disse, recomendo vivamente! -, mas ela vai mais longe do que gozar com ela própria e com a sua experiência, ela põe em causa a experiência da comédia: dos artistas às suas audiências. Se o riso serve para libertar a nossa tensão e dificuldades, será que o faz de forma saudável? Será que uma mulher lésbica que conta as suas experiências (muitas delas traumáticas) num tom jocoso, revela que estão resolvidas? E a audiência, continuará a perceber a gravidade do preconceito diário de quem não se conforma com uma ‘dita’ norma? Por isso este espectáculo não é só um desabafo de como as sociedades falham continuamente na tentativa de igualdade ou liberdade de expressão de género e de sexo. A comédia urge em ser repensada, na forma como os artistas e as suas audiências dão sentido às suas vidas sexuais, e à, infelizmente, violência que muitas destas gentes estão sujeitas. Qual é, afinal, o papel do riso? Uma forma fácil de lidarmos com o nosso desconforto? Uma forma de entretenimento? Sem dúvida que é uma arte, mas como em tudo o que nós, seres sociais, tocamos, será que é crítica e politicamente suficiente? Este é um espectáculo de comédia, uma reflexão e uma zanga com o mundo. Todas as palavras proferidas são feitas com a maior honestidade, e isso é raro de se ver. Honestidade, humanidade, e uma pinta de humildade! É por isso que este é um espetáculo estrondoso, porque é engraçado, intelectualmente bem construído, e brutalmente honesto. E não sei se isto tudo foi deliberado para ser um sucesso ou não, mas a verdade é que a conclusão da tão bem construída verborreia da Hannah, é de parar de fazer comédia. Partilho com ela a preocupação do que fazemos com as palavras, e o que fazemos com o nosso gozo ou o riso. Não que ela tenha uma conclusão brilhante de como será a melhor forma de falar acerca dos homens que a violaram, ou da homofobia que lhe valeu bofetadas com negras e dores por todo o corpo. Mas ela, com toda a sua honestidade, sabe que gozar com isso não está a fazer-lhe bem, e também sabe que não é sua intenção, gerar um ciclo de ódio que junte as massas. O ódio (e dor) que sente são resultado da experiência pessoal nesta infeliz sociedade. O que é claro para ela é que quer ressoar a quem lhes faz sentido, e a quem não faz também, mas não quer ser um veículo para um movimento de ódio partilhado. Porque o ódio não precisa de mais ódio para ser resolvido, precisa de gargalhadas, claro. Mas no mundo complicado em que vivemos, nem sabemos o que uma ‘boa’ e inofensiva gargalhada poderá ser. A Hannah Gadsby, uma especialista do riso, deixou de o saber.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAté já, Amor [dropcap style≠‘circle’]S[/dropcap] obre as discussões amorosas e os desencontros emocionais sabe-se demasiado e sabe-se pouco ao mesmo tempo. Como se fosse um mistério que, por mais que seja escrutinado publicamente, só mesmo o escrutínio íntimo e pessoal poderá contribuir para qualquer coisa à confusão da relação que tentamos manter. Isto porque desenvolver um projecto comum entre duas ou mais pessoas não é tarefa fácil. Os momentos de verdadeiro encontro são muito especiais. Mas como todos nós sabemos, a magia é um instante e não um estado perpétuo de ilusão. Quando descobrimos o amor descobrimo-nos a nós também, por mais estranho que pareça. Como se os nossos apetites em conjunto com os do(s) outro(s) aflorasse os nossos medos e anseios – e tudo isto é normal, tudo isto é perfeitamente normal. Não fosse o amor e a paixão os temas mais discutidos pela humanidade, nas artes ou, simplesmente, no dia-a-dia, se quisermos ser mais mundanos. Contudo, felizmente ou infelizmente, há alturas em que o amor simplesmente não está lá. Perde-se no meio de uma discussão, vai dar uma volta e vemo-nos sem perceber exactamente o que é que isso faz da nossa relação, ou de nós próprios. Vemos o amor a ir a algum lado e não sabemos se é um ‘até já’ ou um ‘adeus’ definitivo. É uma dúvida legítima, especialmente para os mais inexperientes nas curvas e altitudes do amor. Porque como alguns de vós saberão, o amor é uma maratona sem fim, sem meta de chegada, uma corrida de prazer e de resistência – de persistência. Iludimo-nos a julgar o amor, constantemente. Não é incomum encontrar amigas e amigos à espera do amor perfeito, aquele que acontece por pura magia. Sem esforço, sem nada. Mas digamos que esta é uma maratona com obstáculos, com as nossas dificuldades emocionais, intelectuais, sexuais ou culturais, com momentos de desencontro que exigem capacidades de comunicação e compreensão extraordinárias. Quais serão as habilidades incríveis que fazem com que um relacionamento perdure no tempo. Há quem recorra a terapia de casal como um recurso importante – e é. Mas em que condições? Dizem os especialistas – e isto já circulou na imprensa portuguesa pela terapeuta de casal Rute Agulhas – que quando se procura um terapeuta de casal talvez já seja tarde demais. Vou-me dar a liberdade de coagitar possíveis razões: por exemplo, a possível total incompreensão do que a terapia de casal possa ser ou o estigma que pode acartar ir a um terapeuta. Isto tudo combinado com a falsa expectativa que os casais (ou outras constelações familiares) estão em perfeita homeostasia e protegidos por qualquer alteração na sua dinâmica, faz com que possa não haver um meio termo saudável em que haja espaço para mudança e aprendizagem ao longo do tempo. É como se os problemas e as suas resoluções, fossem necessariamente vistos como patologizantes ou, ainda pior, a derradeira prova de que o amor eterno não existe. Os casais recorrem à terapia de casal quando já é tarde demais porque apesar de isto lhes oferecer ferramentas que podem melhorar as formas de comunicação, o amor pode já lá não estar. O amor é resiliente mas delicado ao mesmo tempo, nas palavras de uma amiga, ‘não se está simplesmente num relacionamento, escolhe-se estar num relacionamento’. Pode soar a pouco romântico, mas o amor é assim mesmo, um estado ao qual se trabalha delicadamente. Não é como se a terapeuta fosse capaz de injectar doses de amor para um salvamento urgente. O amor é uma escolha mais ou menos deliberada. Quando o sentimos a perder-se o que fazemos? Corremos atrás dele ou deixamos a nossa inactividade afectar a nossa possibilidade de amar, e do outro, amar-nos de volta?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBDSM [dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]DSM é a sigla oficial para a prática de bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo – sim, o acrónimo inclui todos estes princípios. Esta forma de expressão sexual está incluída na lista de parafilías da DSM, o manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais. O que (erradamente) pressupõe que quem pratica BDSM é doente mental. Durante muito tempo a psicanálise tentou explicar as motivações que levam as pessoas a procurar prazer na dor e tudo apontaria para as experiências traumáticas nos indivíduos, na infância ou na adolescência. Mas têm existido algumas tentativas para desconstruir esta perspectiva patológica. A investigação tem mostrado que os praticantes da BDSM até nem são assim tão diferentes do resto da população (apesar de mais investigação ser necessária), em miúdos, o que é que isso quer dizer? Que na realização de testes psicométricos da personalidade, estes praticantes encontram-se na média populacional. Então, se a BDSM não está tão fortemente associada com a psicopatologia e com as explicações da psicanálise, porque é que as pessoas sujeitam-se a ser dominantes ou submissas no jogo da dor e prazer? De acordo com a autora Pamela Connolly, ainda estão por explorar diferenças na fisiologia individual, i.e., de como as endorfinas conectam a dor e o prazer, e a sociologia que pode estar por detrás da psicologia do fenómeno, de como as normas culturais e as sanções sociais podem influenciar a procura de universos e personagens alternativas. Os interessados em BDSM ou os já praticantes que não se apoquentem, porque sentir prazer com beliscões nos mamilos não é sinal de um estado emocional e psíquico terrível per se. Há quem sugira que, na verdade, esta recriação é saudável e funciona como um mecanismo de coping para as nossas frustrações e dificuldades nos jogos de poder a que estamos frequentemente sujeitos, as do nosso dia-a-dia. Não encontrei estatísticas para uma possível percentagem de praticantes, mas diria que não são poucos, todos com uma grande variabilidade de desejos e experiências. Não será surpreendente, contudo, que um sair do armário da BDSM seja difícil (e o consequente registo em algum tipo de estatística). Os estudos apontam para uma falta de sensibilidade por parte dos elementos da sociedade em geral, e dos médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde em particular, acerca destas práticas de dominação e submissão – e esta falta de sensibilidade contribuem para um loop marado de desentendimento, estigma e preconceito. Na cultura popular até que começam a existir referências ao tema, mas isso parece desconstruir pouco. Estive a ler a opinião de praticantes BDSM face ao grande filme que inseriu no imaginário colectivo sexual uma miúda virgem que se inicia no mundo do sexo e das amarras numa masmorra com um tipo jeitoso – sim, o fifty shades of grey – e eles não estavam contentes. Isto tem que ver com a recriação do processo de sedução no filme, que ficou muito longe da complexidade da experiência em si (mas desde quando o cinema popular retrata a complexidade da vida, anyway?). Estas representações do sexo, e do BDSM em particular afectam as nossas realidades sociais. O problema é que é fácil assumir que só alguém muito maluquinho é que iria bater, e pior ainda, deixar que o batessem em contexto sexual. Daí ser um tópico polémico, sensível e problemático. Mas desenganem-se se julgam que se trata de uma prática de simples violência. O consentimento é um conceito chave para uma BDSM feliz porque só dá uma tareia marota e só leva com a tareia marota quem assim o quiser. Ninguém está ali sem ser de livre vontade, e se não estiverem, já é estupro e não uma prática sexual kinky. De bem verdade que quanto mais realista a prática parecer, melhor, mas dentro de certos limites. Não é por acaso que se decide uma palavra de segurança que costuma ser tão aleatória como ‘elefante cor-de-rosa’, porque coisas como ‘pára’, ‘estás a magoar-me’ são supostamente parte do role-play. O potencial da prática está a olhos vistos, seja para o desenvolvimento psico-emocional ou sexual, ou até para desenvolvimento económico e profissional: uma fetichista profissional criou uma empresa que junta BDSM com outras terapias alternativas como o Reiki. Terapias alternativas com um kinky twist, como ela lhe chama. A melhor forma para desbloquear as energias e tensões localizadas com carinho, e uma palmadinha?
Tânia dos Santos SexanáliseMaria-Rapaz [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]nde é que está a masculinidade perfeita? Os mais insensíveis dirão que se encontra nos homens detentores de um pénis. Claro está que existem expectativas pelas quais todos nós trabalhamos árdua e diariamente. Esta perspectiva biológica de que a masculinidade pressupõe um pénis já leva tempo que tenta ser desconstruída. A minha tentativa de desconstrução fará uso da masculinidade sem pénis, mas com uma vagina. Afinal, onde podemos nós encaixar, no léxico e semântica sexual, a masculinidade feminina? Há toda uma literatura académica que se debruça acerca de um possível fenómeno de masculinidade feminina que é a ‘Maria-Rapaz’. Os especialistas mostram que é um estado que tem sido retratado como aceitável na infância e talvez parte da adolescência, e por isso é circunscrita no tempo. Contudo, com algumas limitações, porque a Maria-Rapaz é castigada quando começa a ter uma forma exagerada de identificação masculina, i.e, quando quiser mudar de nome e recusar toda e qualquer forma de identificação ‘típica’ feminina – como roupas, acessórios, maquilhagem. Na análise literária e cinematográfica das Marias-Rapazes, esta rebelião é tida como uma forma de evitamento da fase adulta, e não necessariamente uma rebelião de fase adulta feminina. A representação da Maria-Rapaz nos nossos objectos culturais reduz a masculinidade feminina a uma experiência de desapropriação pessoal e emocional, mas não a relacionada com um desejo de, sei lá, mudar de sexo, manter formas ambíguas de género, ou querer ser uma mulher masculinizada – e ser adulta dessa forma. Aliás, para juntar à fantasia colectiva que as Marias-Rapazes passam por ‘fases’ que têm que ser ultrapassadas – é que as narrativas da feminilidade vêm depois todas em força. Juro-vos que tenho reconhecido um padrão em que as grandes referências da figura feminina, e de como a feminilidade é apresentada, como as super-modelos e super actrizes de hoje em dia, foram todas, outrora, algures no tempo, Marias-Rapazes. Para melhor explorar este conceito difícil de masculinidade feminina (que é um conceito que está cheio de pré-concepções, mas facilita o nosso entendimento mais mundano do foco desta análise – pessoas de vagina e as suas masculinidades) não há nada como analisar o problema das casas de banho. As casas de banho públicas são a materialização de um binarismo extremo, estático, e sem espaço de manobra. E de acordo com relatos de gentes que querem e tentam pôr em causa a sua feminilidade, as casas de banho públicas são um teste a todos os envolvidos. Aos que não são de binarismos, aos limites e violências desses mesmos binarismos e aos medos e injustiças da nossa falta de reconhecimento do que é diferente. Contam-se histórias de pessoas de masculinidades femininas que entram nas casas de banho das raparigas e que são acusadas de terem entrado na casa de banho errada. Ou pior, verem a ser chamados seguranças que batem à porta dos cubículos para uma verificação da legitimidade daquela presença. É de uma violência atroz, não é? Ter que justificar uma simples entrada na casa de banho: porque quando os indicadores de que estamos à esperam falham em ser exibidos o que nos resta? Mostrar os genitais para garantir uma entrada pacífica? Um acto tão simples como ir fazer xixi parece ter um potencial complicador que muitos simplesmente evitam. Que mundo estranho vivemos nós que a simples ida à casa de banho, para concretizar uma necessidade fisiológica básica, pode ser tão pouco inclusiva? A masculinidade é um constructo com o potencial mutante e transformador para o qual todos nós contribuímos com as nossas ideias e comportamentos. Mudando as nossas ideias e comportamentos podemos mudar as violências das fronteiras (fronteiras de qualquer tipo, mas neste caso conceptuais). Não será novidade que o nosso bem-estar também depende da possibilidade de nos criarmos à luz do que queremos ser. E esta criação pode ser dita ‘normativa’ ou pode não sê-lo. Porque as Marias-Rapazes podem tornar-se em Marias-Homens também – e não deveria existir problema algum.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO que passa na televisão? [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] vida diária já começa a ser aborrecida para ser retratada televisivamente. Já lá vai o tempo (no início dos 2000) que parecia uma verdadeira loucura colocar um grupo de pessoas numa casa com câmaras durante meses, gravando-lhes todos os passos. Foi necessário inserir novas e entusiasmantes regras para que o ‘jogo’ continuasse a ser interessante. E não há nada mais interessante que o amor e o sexo, por isso parece que virou moda – nos últimos anos, porque eu ando mesmo desactualizada do mundo televisivo – explorar até ao tutano o amor, a intimidade e a sexualidade com uma equipa de cameramen (ou women) atrás dos indivíduos que procuram o amor ou os casais que tentam desenvolvê-lo. Há vários programas deste género, nos EUA, Reino Unido e outros países europeus, uns programas mais aparvalhados do que outros. Mas deixem-me falar-vos do ‘Casamento à Primeira Vista’ que basicamente junta concorrentes que são ‘cientificamente’ provados como pares perfeitos, e o primeiro episódio, em que eles se conhecem, é já a cerimónia de casamento. O programa acompanha-os nas primeiras semanas deste matrimónio, até culminar no possível divórcio ou na tentativa de continuarem um casal na vida ‘real’. Não sei que vos diga – talvez não tenha nada de muito estruturado para dizer. Certamente não se admirarão que os casais não duram muito tempo. Aliás, numa pesquisa muito preliminar, diria que todos eles acabam em divórcio. Mas os divórcios não me surpreendem, só que me irrita que isto tudo seja feito com o pretexto de ser uma experiência social e que é acompanhada por especialistas, nomeadamente psicólogos, que supostamente auxiliam no ‘matchmaking’ e no consequente processo de casamento ‘forçado’. Primeiro, acho vergonhoso que profissionais da saúde mental estejam a compactuar com a ideia de que todo este processo é científico – há concorrentes que dizem que os dedos foram medidos, como se isso fosse um factor de correspondência relacional de qualquer tipo – e segundo, que estejam a mostrar as interacções de casal como ‘reais’ ou exemplificativas do que quer que seja. Não me quero armar em moralista (apesar de ser tentador) mas os participantes sabem para o que vão e são maiores e vacinados para fazerem o que bem entenderem das suas vidas (mesmo que seja casarem-se com um estranho), mas pergunto-me se as pessoas poderão ter depositado demasiada esperança no papel dos tais profissionais que supostamente são especialistas em relacionamentos. Se o pessoal quer aparecer na televisão e fazer uns dramas para a câmara, óptimo, mas só espero que ninguém se convença que vão de facto encontrar o amor das suas vidas. Parece que a televisão anda a abusar do conceito de ‘matchmaking’ que os sites de procura romântica como o Okcupid alegam utilizar. Análises essas que podem ou não funcionar, não me vou debruçar demasiado sobre isso porque até sei pouco – mas sei o suficiente para saber que as medidas do corpo e dos dedos (!!) em nada contribuem para estas análises. O que acontece é que as câmaras, a constante falta de privacidade e a noção de que aquilo que fazemos está disponível para todos verem, altera o nosso comportamento. A alegada insinuação de que estes programas são experiências sociais é falsa, porque no mundo real não temos a constante exposição social – nacional – global. Esta – vou chamar-lhe de – fraude é problemática na medida que convence as pessoas que as novelas são ficção, mas que a televisão da realidade é a realidade de facto. A televisão, com propostas outrora honestas de informação e conhecimento, parece que anda a deturpar uma realidade que muitos de nós até precisaria de ter contacto. Porque – como é que podemos interagir com a normalidade da nossa realidade se aquilo que nos é apresentado como real é mascarado pelos valores que levam a audiências televisivas?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesTestículos [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s tomates, bolas, ovos – para fazer uso da gíria global – produzem esperma e testosterona, as substâncias mais masculinas do universo. Eu nunca tive a experiência de ter testículos por razões óbvias. Mas digamos que tive curiosidade em perceber mais e melhor acerca deste par de ‘esferas’ que andam penduradas nas virilhas de metade da população. Claro que este interesse não veio do nada – parece que saiu um estudo que mostra que os testículos têm bactérias (daquelas boas, como a vagina as tem) e que uma grande variedade de bactérias pode estar de alguma forma relacionada com fertilidade e com uma boa contagem de espermatozoides – em contraste com outros testículos com menor variedade de bactérias e que apresentavam uma contagem menor. Apesar da investigação estar ainda numa fase inicial, parece que estão a desenvolver alguma terapêutica medicamentosa de forma a trazer estas ‘saudáveis’ bactérias ao sistema masculino e promover a produção de esperma. Apercebi-me que a partir daí pouco mais sei sobre testículos e os cuidados a ter em relação a eles. Conhecer duas pessoas que sobreviveram a cancro nos testículos também me ajudou a perceber que, como aspirante a terapeuta sexual, o meu conhecimento acerca de testículos é estupidamente limitado, dos pénis é que ainda se vai sabendo um pouco mais. O meu primeiro passo foi procurar na Internet o que é que há para saber sobre as gónadas masculinas, e qual foi o meu espanto ao ver que a informação é demasiadamente confusa. Só aparecem aqueles sites com ar duvidoso em que é necessário fechar anúncios atrás de anúncios para ter acesso ao conteúdo que estou a procura. Que depois dão dicas como esticar o escroto e pôr os testículos em água quente – e isso parece-me uma péssima ideia. Todos nós sabemos que os testículos quanto mais fresquinhos, soltos e airosos, melhor. De bem verdade que as gónadas masculinas precisam de cuidados especiais. Já verificaram os vossos testículos hoje? Estão com boa cor, um bom formato, um bom tamanho? Não quero de todo incentivar a paranóia dos testículos em ninguém, mas digamos que problemas nos testículos são relativamente comuns e não há nada como estarmos atentos e apostarmos na prevenção. Vai de problemas simples a outros mais graves e particularmente dolorosos (como torção testicular que, como o nome indica, é quando os testículos se torcem um no outro). O cancro nos testículos é o pior cenário, mas é mais facilmente resolvido quanto mais cedo for encontrado. Assim sendo, surpreendeu-me que formas de auto-examinação dos testículos não fossem mais vulgarmente disseminadas (tal como acontece com a apalpação mamária) – é que até para encontrar isso na Internet não foi fácil. Talvez seja estigma, preconceito ou vergonha que justifiquem a pouca atenção testicular na contemporaneidade. Ou se calhar é medo, ninguém quer encarar a possibilidade de poder ficar sem testículos – porque os nossos indicadores anatómicos interessam-nos, e à forma como vivemos a nossa identidade de género. Mas parece que estamos perante um fantasma de contornos preocupantes onde só temos a masculinidade hegemónica a quem culpar. Aquela que diz que um homem tem que ter tomates para encarar a vida, por isso não encara os ditos de todo. Os tomates, bolas ou ovos, esses que são socialmente construídos como sinal de força, de coragem e de virilidade, mas que na verdade são de grande fragilidade e delicadeza. Os ovinhos da fertilidade que pendurados com os seus ambientes bacteriológicos e os seus formatos curiosos – a propósito, é normal o testículo direito ser ligeiramente maior que o esquerdo, e é normal o esquerdo estar mais pendurado que o outro – precisam de uma contínua atenção.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesVolta ao Mundo à Saúde Reprodutiva [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á discuti extensivamente como a saúde feminina deve ser divulgada e discutida, e de como existem variações nacionais (às vezes até regionais!) na forma como as mulheres podem ter (ou não) acesso a certos produtos, medicamentos ou serviços. Parece-me que, se já no nosso local de residência habitual pode tornar-se um pesadelo encontrar certas atenções que a nossa vagina pode necessitar, imaginem no estrangeiro. Nós somos mulheres emancipadas, senhoras dos nossos narizes, e corremos mundo à procura de emprego, bem-estar, ou simplesmente divertimento. Mas num mundo de desigualdades de oportunidades e de direitos, a saúde reprodutiva feminina nem sempre é um direito ou não é de fácil acesso, na generalidade. Num mundo globalizado esta é informação útil às mulheres que precisam de ter acesso a pílulas contraceptivas, pílulas do dia seguinte, de um(a) ginecologista, de um antifúngico para aquela vaginite chata e persistente, em qualquer ponto do globo. Com isto em mente, nasceu o projecto ‘gynopedia’, uma wikipedia online da vagina e das questões femininas em geral, para quem corre mundo e precisa de arranjar soluções para certos desafios particulares. Assim saberás que na China pode ser difícil comprar um tampão, mas que uma pílula do dia seguinte não precisa de receita médica, e é facilmente adquirida em qualquer farmácia. Até oferecem uma tradução para mandarim de como fazer o pedido. E esta lógica aplica-se às outras páginas de outros países ou cidades, não de tantos quanto se gostaria, porque que ainda se esperam novas colaborações – de pessoas como tu! especialista na forma como se vive a saúde reprodutiva no teu local de residência – para completar a enciclopédia dos assuntos femininos globais. Este é um projecto/plataforma ainda em estado muitíssimo embrionário mas acho que merece toda e qualquer atenção – entendam-no como um guia turístico para os assuntos femininos e reprodutivos. No mundo ocidental, o tal que é supostamente democrático e desenvolvido, dissemina-se a representação de que é lá que se faz tudo e muito bem, porque de bem verdade que é lá que a tecnologia de ponta está à disposição. Mas existem sempre transformações e mutações inesperadas. O progresso nem sempre tem um caminho ascendente, às vezes tem uns percalços e cai a pique. A Polónia é um exemplo deste declínio porque, entre outras acções, inutilizaram a prática de educação sexual nas escolas e tornaram o aborto ilegal. Parece que os EUA estão a ir por um caminho tortuoso também, vendo recuar certas liberdades sexuais e de reprodução por outras mais arcaicas. O que este projecto colaborativo oferece é uma possibilidade de nos mantermos sempre informadas acerca de certos progressos, mas de forma mais preocupante, de certos retrocessos também. Acho que estou entusiasmada com a possibilidade saber onde procurar caso necessite de uma pílula do dia seguinte quando estiver de férias no Brasil, mas também porque facilita ter esta informação organizada e de fácil acesso, para uma perspectiva de como o mundo vai e como é que a saúde reprodutiva é tratada e regulamentada pelo globo. E porque é que esta consciencialização é importante? Porque é preciso um movimento de descoberta e de união, que não servirá para o perpetuar um movimento à la globalização neo-liberal, mas para possibilitar a compreensão que apesar de existirem vários feminismos e várias formas de vivermos a feminilidade, o direito a uma saúde reprodutiva plena deveria ser um direito universal. Infelizmente o direito à nossa intimidade e ao controlo do nosso corpo não é um dado adquirido, em nenhum dos hemisférios (perdoem-se o pessimismo ocidental) mas vale sempre a pena contribuir para a discussão e divulgação do que são corpos – e vaginas – felizes.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCorpo Mutante [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que é que faz um corpo sexy? Não é consensual entre as massas, e muito menos através dos tempos. Aliás – e este não é um argumento original – parece que os corpos (especialmente os femininos) ganham partes dependendo se estamos na Primavera/Verão 2018 ou no Inverno 2011. É como a moda, vai mudando de temporada em temporada. A novidade deste Verão 2018 é o anteriormente desconhecido, e pouco explorado, ‘decote das ancas’, i.e., o que no mundo de língua inglesa andam a chamar de hip cleavage. Talvez até haja uma tradução ‘oficial’ mas não encontrei, o ‘decote de ancas’ terá que funcionar. E que parte do corpo vem a ser esta? Os decotes de anca que andam a ser orgulhosamente exibidos pelas redes sociais dos mais famosos, não são tão novas quando isso. Já nos anos 80 era orgulhosamente exibida uma linha de anca bastante decotada nas idas à praia. Uma cuequinha, só era uma boa cuequinha, se apresentasse uma abertura generosa e acima do osso da anca, a expôr ainda mais umas coxas bem firmes e torneadas. Certamente que se lembrarão de uma Pamela Anderson com um fato-de-banho encarnado nas Marés Vivas. Pois que a moda voltou, e fez com que reaparecesse na esfera pública uma nova, mas velha, parte do corpo feminino. O fenómeno não é novo. Sempre houve uma constante proliferação de zonas/partes de intensa sexualidade ao longo dos séculos. O que não deixa de ser divertido, não é? De seis em seis meses posso – as às vezes sinto-me obrigada – olhar para o meu corpo de maneira diferente, corpo esse que só pode ser mutante, já que lhe pressupõem tanta diversidade e transformação. Olhem a revista Vogue – a aclamada voz da moda anda a dizer que o peito já não é o que era, os decotes já não se usam. O que é uma porcaria, porque era daqueles truques fáceis e simples de uma saída nocturna mais sexualmente sucedida, vá. ‘Vou pôr aquele vestido de decote generoso e estou pronta para sair!’ Mas dizem os ‘especialistas’ que já não é bem assim. Os super-famosos ‘wonderbras’, os tais super potentes capazes de levantar até as mamas mais descaídas para uma linha de peito eriçado e redondinho está fora de moda (!). As mais conhecidas marcas de lingerie até já andam a vender soutiens sem armação. Diz, quem se acha de direito, que é porque o look ‘natural’ é a tendência de momento. Por acaso ‘wonderbras’ nunca me interessaram por aí além, e sempre fui apologista do tal look natural, mas não consigo deixar de pensar que o que a ‘indústria’ julga natural pode ser discutível. Porque já houve o fascínio da mama até à ultima consequência – também proliferaram partes de mama antigamente desconhecidas, ou pelo menos pouco pensadas- pela prega da mama de baixo, de lado (leia-se underboob, sideboob). Quem é que se recorda do desafio de 2016 de segurar uma caneta com a prega mamária inferior? – a internet está cheiinha disso. Decote de anca, linha de mama lateral e frontal anterior, decote dos pés que mostram mais linha de dedos ou menos linhas de dedos, espaço entre as coxas, as covinhas das costas ou de ‘Vénus’ (que é genético), o refego do rabo, o rabo de ‘lado’ (sidebutt) são só meros exemplos do que se tornou moda. E como devem calcular esta atenção particular aos rabos, às pernas, e às mamas têm catapultado a importância da cirurgia plástica. Acho que o rabo de ‘lado’ tem sido um grande hit, mas para vos ser muito honesta nem sem bem o que é, é simplesmente um rabo que tem uma saliência de lado, nada de anormalmente mutante, só mais redondo e cheio Eu não sei muito bem quem culpar este culto do corpo. Se não são as mamas, são rabos, são ancas, são sobrancelhas, sei lá, é preciso estarmos a reinventar-nos constantemente. Porque o que importa é comercializar e transformar os nossos corpos sazonalmente. Mas para quem? É como se existisse uma vontade omnipresente de ditar as tendências do físico mas que ninguém sabe muito bem para qual finalidade. Eu duvido que os homens estejam tão obcecados em criar novas formas de objectificação feminina – que não digo que não exista – a cada 6 meses. Parece que andamos todos na busca incessante para promover as formas desejáveis, resolver os defeitos, reinventar os feitios… A consequência disto tudo não é necessariamente patológica – como anorexia e bulimia nervosas – é só particularmente irritante. Estas são vozes e vozinhas que inundam os nossos pensamentos porque não temos pernas afastadas o suficiente, ou rabos de jeito o suficiente, ou as mamas assim ou assado. E o pior é que é suposto mudarmos de ano a ano, dependendo… nem sei muito bem de quê. Porque afinal… quem é que tem a clarividência de que o corpo não é mutante, mas é simplesmente o que é? Quem são os corajosos que não se deixam melindrar, nem por um momento, que o corpo, e a nossa sexualidade, tem uma perfeição imperfeita?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesConfissões de uma Femininista [dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]nteressante ver como o feminismo continua a ser intensamente discutido, escrutinado e contestado. Nem sequer há um consenso na esquerda. Ser-se feminista nos dias que correm é entendido como um radicalismo – um radicalismo de género. Perceber se isto é verdade ou não, não vai ser amplamente discutido aqui – porque há muitos feminismos, e há muitas formas de perceber as injustiças deste mundo. Vamos partir do princípio que existem formas mais reaccionárias do que outras para tratar deste assunto. Li um artigo de opinião do New York Times em que discutia a possibilidade de nós, mulheres, podermos odiar os homens – à luz de tudo o que tem acontecido e que tem posto o dedo na ferida da desigualdade de género. Esta desigualdade que é amplamente reconhecida no mundo dito em desenvolvimento, mas que ainda está a ser discutido se será um problema ainda por resolver no mundo ocidental. Será legítimo odiar a condição masculina? Será que nos é dada a possibilidade de odiar o violador, o abusador, a pessoa que carrega os valores do patriarcado para todas as acções da sua vida e odiar também, a ideia de homem em geral, o homem que por nascer com um pénis tem asseguradas as vantagens de uma sociedade que valoriza sobejamente os princípios masculinos? Tenho visto as vozes mais críticas preocupadas com o ódio. Estas imaginam que o futuro pelo qual as feministas lutam é um futuro exclusivamente feminino, sem espaço para a masculinidade. Onde as mulheres governam o mundo e põe todos os homens num campo de concentração onde seriam todos exterminados. Primeiro: diria que a maioria das feministas não têm esse objectivo, segundo: se de facto for verdade, acho que qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe que o ódio pode escalar para coisas como já vimos acontecer na nossa história. Olhem com o que aconteceu com os Judeus e de como uma narrativa de vitimização tem perpetuado o conflito Israelo-Palestiniano. Ou como a Hungria, um país que durante centenas de anos sofreu ocupações violentas e que contou com o apoio humanitário internacional e agora criminaliza quem ajudar os refugiados que chegam ao país. As vítimas podem tornar-se abusadores. O ódio que as mulheres poderão sentir relativamente à condição masculina, pode ser problemática, confesso. Mas será que a solução é ‘higienizar’ as posições mais reivindicativas? Será que podemos censurar o ódio ou a raiva que se pode sentir? Não acredito que seja assim tão simples. Em Espanha, um grupo de 5 homens violou uma rapariga e oram postos em liberdade mediante o pagamento da módica quantia de 6 mil euros. 6 mil euros não é muito. Como esta ideia enraivece-nos, milhares de pessoas (maioritariamente mulheres) saíram à rua em Espanha para mostrar a sua zanga, a sua consternação. Será que a mostrar ódio também? Nós só conseguimos transformar a nossa negatividade se formos capazes de enfrentá-la. Isto é um princípio básico na psicoterapia – não podemos simplesmente evitar e censurar as nossas emoções, temos que compreendê-las e reconhecê-las para poder transformá-las. O que não quero dizer com isto que as mulheres e os seus ‘radicalismos’ são um problema – não. Estou simplesmente a justificar que sentir ódio, raiva ou o que quer que seja pode não culminar no genocídio masculino, a importância do ódio vem na necessidade de validar muitas injustiças aos quais as mulheres estiveram sujeitas. A verdade é que ultimamente tenho medo de me intitular como feminista. Já recebi reacções muito fortes, como se o meu feminismo fosse da mesma qualidade do racismo ou de outra forma de discriminação. Às vezes ouço as queixas com paciência, outras vezes não. Neste caso em particular, sobre o ódio que pode ser sentido (e alastrado) a preocupação é legítima, e percebo que a qualidade de ‘vítima de um mundo de injustiças’ não dá o direito a ninguém a fazerem o que lhes apetece. O ódio pode simplesmente fazer parte do processo, e não o fim em si mesmo. Não concordará o leitor que o feminismo existe porque ainda é necessário, mesmo que na Arábia Saudita as mulheres já possam conduzir? Ando continuamente a surpreender-me com o tom de desaprovação com que muita gente anda a comentar o valor do feminismo. Não acham gritante que o género feminino componha 50 por cento da população mundial, mas é continuamente caracterizado (e tratado) como uma minoria?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBad Romance [dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]aros são os indivíduos que não procuram relacionamentos mais felizes. E isso pode acontecer na incessante busca por novos relacionamentos, os tais que têm um ‘fit’ perfeito com os quais as pessoas não precisam de se preocupar com mais nada, ou na disponibilidade de trabalhar continuamente na confiança e no desenvolvimento relacional. Há de tudo um pouco, dentro e fora das nossas diversidades. Na tentativa de perceber melhor os romances que dão para o torto existe uma relação quasi-directa (popular e científica) dos relacionamentos extraconjugais e o fim de um relacionamento feliz. Atrever-me-ei a desconstruir esta premissa demasiado simples – alertando sempre para as explicações demasiado simplistas do que quer que seja – com base num estudo que tenta redefinir o que é um mau ‘romance’, ou um relacionamento de pouco compromisso e pouca satisfação. O que o estudo mostra é que os relacionamentos extraconjugais não são um preditor directo de um relacionamento em declínio. Isto porque depende bastante do tipo de relacionamento que tenha sido negociado. Casais não-monogâmicos ou constelações poliamorosas poderão confirmar isso mesmo, que a escapadinha sexual – que já foi conversada e discutida – não é um problema por si só. O que, na verdade, pode definir um relacionamento em declínio, de pouco compromisso e pouca satisfação é a incapacidade de discutir e criar os limites pelos quais as pessoas se sentem felizes, e isso poderá incluir a escapadela extraconjugal, para quem lhes fizer sentido. Portanto, o bom e o mau romance somos nós que criamos, mesmo que tenhamos as mesmas representações de romance heterossexual monogâmico (do tipo conto de fadas) a inundar as nossas vidas. Ao ponto de pensarmos, alguns de forma mais obsessiva que outros, será que isto é normal? Será que aquilo é normal? Será que eu sou anormal e nós, como anormais que somos, vivemos o pior romance de todos? Claro que a liberdade de recriar um relacionamento ao nosso gosto (e ao do nosso parceiro) está limitado por muitas coisas e ideias. O que não faz de nós mais ou menos pessoas, simplesmente faz-nos pessoas a viver entre aquilo que queremos, aquilo que os outros julgam que queremos, e aquilo que os outros recomendam que devíamos querer. Só vos digo que mais confuso que isto não poderia ser. A Esther Perel, uma psicoterapeuta especialista em terapia de casal – e agora uma quase celebridade, com livros técnicos e palestras a circular na internet – fala sobre como a infidelidade é um potencial catalisador de mudança. Aqui a infidelidade é daquela que não foi negociada, nem discutida, e trouxe de facto, dificuldades à vida do casal. E apesar de, muito provavelmente, ter trazido momentos destruidores à relação, houve uma possibilidade de reinvenção. Depois de muito choro, zanga, raiva e tristeza, depois de se sentir a facada na confiança daquilo que se julgava um relacionamento funcional, poderão vir dias melhores. O que não é fácil, porque há um princípio bastante disseminado de que não se perdoa a infidelidade. E se o fizermos, é porque somos fracos. O mau romance é relativo, tal como a nossa disposição para trabalhar uma relação também é relativa. Se o maior preditor para um relacionamento feliz é na verdade a nossa capacidade de partilha e negociação, devíamos perder mais tempo das nossas vidas a (re)educar-nos nesse sentido. Na forma como queremos o bem do outro e na forma como, ao mesmo tempo, podemos ser capazes de reconhecer as nossas necessidades. Obviamente que se o caro leitor for uma pessoa muito interessada em arranjar um relacionamento extra-conjugal – e achar que isso não perturba a sua vida de casal – e a sua companheira/o não aceitar, não há negociação possível. Afinal, também temos que aprender a reconhecer os nossos limites de influência do outro, e de que forma isso pode ser resolvido. Porque afinal, o mau romance pode vir do simples facto de ainda não termos encontrado a pessoa das nossas vidas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO Sexo das Alterações Climáticas [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s alterações climáticas é um daqueles temas transversais a tudo, tal como o sexo, por isso decidi casar um tópico com o outro para um argumento, que não é novo para alguns, mas talvez seja para outros. Tenho sofrido da particular frustração por ver que as alterações climáticas, que estão aí ao virar da esquina, ou que até já chegaram em força, é um conceito entendido como desconectado de tudo à nossa volta. Não está desconectado do ambiente em si, claro, mas está desconectado dos nossos sistemas morais, sociais, psicológicos, e do nosso dia-a-dia, no fundo. Já em tempos me debrucei acerca de uma sexualidade ecológica, a forma mais fácil de casar os temas – seja porque se ama o planeta e se faz amor com o solo, as árvores e as plantas ou porque se tomam decisões de compra mais ecológicas, como vibradores, lubrificantes e outros que tais – com a garantia que não estamos a poluir o ambiente ou nós próprios. Mas será que basta? Será que é suficiente ter hábitos de consumo mais ecológicos e ponderados para evitar o fim da civilização tal e qual como ela existe? Será que a solução são os carros eléctricos, pensando agora num sentido mais lato de hábitos de consumo, ou os produtos biológicos,ou os materiais biodegradáveis, ou as casas inteligentes? Quando, no ano passado, Macau viu passar os tufões mais intensos e mortíferos dos últimos tempos, uns atrás dos outros, eu pensei para mim mesma que a minha geração, muito provavelmente, assistiria ao início da degradação dos nossos ambientes e sociedades. E o que tenho aprendido é que as alterações climáticas vêm aprofundar o fosso socio-económico das nossas cidades, países, continentes, e planeta. No dia da Mulher, as Nações Unidas apresentou uma campanha toda bonita sobre como as alterações climáticas são um problema de género – também. Eu sei que esta é uma ideia difícil de perceber, e pouco consensual. Que diferença faz se eu for homem, mulher ou outra identificação de género, à vista das alterações climáticas? Não serão os efeitos os mesmos para todos? Há quem discorde – as alterações climáticas são um problema que têm afectado primeiro as comunidades já frágeis, que para além de verem os seus ambientes a deteriorar-se, vêem-se em confronto com outro tipo de desafios. Países com escassez de água, de condições básicas de sobrevivência, seja pela seca ou pela inundação, sofrem de maior desigualdade de género. Tal como o sexo, as alterações climáticas não são um problema do mundo físico, somente, são um problema do mundo social. Reparem: a escassez de recursos ou as transformações no ecossistema, mexem com temas tão delicados como a maternidade – será que podemos ou devemos trazer uma criança ao mundo? – ou com a contracepção – porque é que os peixes andam cheios de hormonas femininas? – ou com o nosso consumo sexual – será que preciso de 30 vibradores, um de cada cor, para completar a minha colecção megalómana de dildos? Quanto mais consumimos, mais poluímos, não é? O sexo das alterações climáticas não deverá ser uma discussão sem fim, porque de perguntas sem resposta já estamos nós fartos. O que considero útil neste desafio temático, é olhar para aquilo que está a acontecer no nosso planeta de forma interseccional – que o ambiente está no estado desequilibrado em que está, e que pode afectar e reforçar as dinâmicas de poder já existentes. No exercício de distopia da Margaret Atwood, que explora as questões das mulheres e as questões do ambiente (em vários exercícios de ficção, e não só na sua mais aclamada obra), torna este mesmo argumento óbvio: as alterações que o nosso planeta anda a sofrer são um desafio também ao sexo que fazemos, ao sexo performativo e representado e ao sexo que desejamos. O sexo destas sociedades que parecem mais loucas do que sensatas: mais loucas por poder, por desigualdade, nunca loucas por amor, ou pelo menos, nunca da forma certa de amor.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesVelha Vagina [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]amos falar sobre a velhice, sobre ser-se velho e ser-se mulher: quando a vagina sofre de securas, quando os afrontamentos são constantes, quando a menstruação pára de aparecer mensalmente. O envelhecimento da nossa sexualidade não é de fácil compreensão porque está envolta em muitas falsas concepções e expectativas. Ora porque os velhinhos não são sexuais, ora são desinteressados, ora são ‘xéxés’ de todo. A menopausa durante muito tempo esteve sob o paradigma médico como uma ‘doença’, uma falha grave dos órgãos reprodutores, e não como um processo natural de desenvolvimento. Ora isto traz alguns problemas à partida: se há uma história que lida com a velhice de forma patológica, que esperança temos nós de percebê-la de outra forma? O que nos têm tentado convencer é que a menopausa pode ser ‘curada’ ou ‘revertida’, nomeadamente, com tratamentos hormonais. Estes tiveram o seu pico nos anos 70 (pelo menos nos Estados Unidos), e a sua utilização prolongou-se até os anos 90, mesmo que trouxessem riscos (há quem diga altos) de acidentes cardiovasculares. Hoje em dia, apesar de não ser um tratamento popular, a retórica continua a mesma, o que quero dizer com isto: ainda se tenta ‘curar’ a menopausa com tratamentos. O que não é descabido de todo porque de facto há alterações no corpo da mulher que são extremamente difíceis de gerir. Recomenda-se, contudo, cautela e tacto, para não perpetuar a noção de que a sexualidade feminina saudável deve ser equivalente a uma vagina jovem e roliça – porque isso só faz com que o corpo envelhecido seja visto como não-saudável, e doente. Claro que o cerne da questão está na visão heteronormativa e clássica do sexo, i. e., de que a penetração pénis-vagina é a única combinação possível (e digna) de sexualidade. De bem verdade que uma boa velha vagina pode sofrer alterações de forma a que penetração vaginal se torne mais dolorosa. Mas não limita a imaginação de criar outras possibilidades de sexualidade das quais os nossos corpos e as nossas mentes se possam sentir confortáveis. O que frequentemente acontece é que nós ficamos tão presos à ideia de que outras formas de sexualidade não são sexo de verdade, que a visão distorcida da velha (doente) vagina é, por vezes e infelizmente, inevitável. Espero que estejamos todos de acordo que são necessários mecanismos sociais para desfazer esta estupidez. Porque a velhice, essa sim é inevitável, agora como escolhemos vivê-la é que depende totalmente de nós – se soubermos que existem outras possibilidades. Os media são importantes nesta dinâmica, por exemplo: há uma deliciosa série norte-americana com a septuagenária Lily Tomlin e a octogenária Jane Fonda que tenta fazer isso mesmo, ao explorar o mundo sexual na terceira idade. Seja porque são necessários produtos sexuais para a mulher madura, como lubrificantes adequados ou vibradores, ou porque explora a possibilidade de ‘recomeçar’ a vida íntima numa idade avançada. Mas falar da sexualidade na velhice (e aos desafios é eles associados) sem falar da obsessão social pela juventude é descontextualizar por completo o problema. Idadismo – neologismo que nem todos os dicionários reconhecem – preconceito que tem como base a idade. Parece que no mundo ocidental andamos afectados com a tendência de julgar as velhas vaginas e os velhos pénis, na generalidade, como incompetentes. Ora, num mundo de desenvolvimento tecnocientífico, que tem aumentado a esperança média de vida, e com uma clara tendência de envelhecimento demográfico, urge uma nova visão sobre a velhice, e já agora, sobre o seu sexo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo de Paralelos e Perpendiculares [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] geometria que esperamos da vida não é única, nem previsível. O que sentimos nem sempre corresponde ao mundo que vivemos, às vezes está ao lado, às vezes está no encontro e às vezes estamos nós a sabotar com tesouradas as realidades que podiam ser mais pacíficas, mas que não são. O dualismo corpo – mente é uma dessas realidades complicadas. Desde Descartes que começámos a separar o corpo da nossa consciência, um objecto material e outro imaterial que vivem de forma (quase) paralela mas que se encontram nas esquinas. O Damásio bem tentou desmistificar o pressuposto cartesiano com o seu tratado mais popular ‘O Erro de Descartes’, mas nem a perspectiva das ciências puras e duras, muito menos as medicinas holísticas vêm ajudar à mudança. Porque é que esta é uma discussão relevante ao sexo? Eu atrevo-me a dizer que o sexo interessa a tudo, e que tudo interessa ao sexo. O sexo no fundo é interseccional às várias dimensões da vida. Neste dualismo, o sexo manifesta-se na consciência de quem somos e na forma como lidamos com o nosso corpo e com a nossa ‘materialidade’. Percebem? Mente e Corpo. Se calhar a solução para a desmistificação dualista não é neurologia do Damásio. Precisamos de sexo. Porque se o sexo carrega o dilema corpo mente mais polémico de sempre, se calhar até será capaz de resolvê-lo. Podemos pensar nas várias dimensões do sexo, nas suas formas conceptuais para perceber que o dualismo cartesiano até se encaixa. A sabedoria popular facilmente escolhe o sexo como biologia ou o sexo como emoção para melhor perceber as vidas sexuais. E isso só perpetua a crença que estas poderão ser arestas paralelas, não relacionadas – mas as perpendiculares existem, tanta intersecção que existe! Tal como existem as tesouras, de golpes certeiros dos quais não estamos à espera, como o Marcelo Rebelo de Sousa que veta a lei da mudança de género em Portugal. No fundo, o que é problemático para o sexo é o uso do corpo, este corpo que é julgado com características essencialistas – se tens uma vagina, és mulher, se tens um pénis, és um homem. E o uso deste corpo de forma tão categórica sobrepõe-se as imaginações desta mente, que também tem corpo, mas que o re-inventa. O prazer é dos exemplos clássicos de contestação do dualismo, que só existe com corpo e mente, juntos, em sintonia, em perpendicularidade. O prazer que pode ser o sexual e o orgásmico, também é o de sermos quem somos. Porque o corpo e a mente também nos fazem sentir mulher quando temos um pénis, ou homem quando temos uma vagina. Quando aparecem acusações de que a naturalidade do corpo não é respeitada percebe-se que a doutrina dominante acredita que o corpo que se vê é real, e a nossa consciência… O que poderá ser? A grande vitória das gentes Irlandesas que num referendo histórico conseguiram acabar com a abolição do aborto, uma luta de mentalidades que punham em causa a utilização deste corpo – de que direitos e liberdades? Quando a cabeça tem juízo, o corpo não paga, o corpo também pode ser feliz. Estou ciente de que a minha tentativa de simplificação só veio complicar. Mas talvez, mostrar a complexidade da mente e do corpo para não os colocarmos em caixinhas certas e direitinhas seja o melhor caminho. Para não estarmos convencidos de que o que é paralelo nunca se encontra e que, lá por magia ou o que quer que seja, o paralelo ‘perpendicula’ – só mesmo porque geometria nunca foi comigo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesIDAHOT ou o dia contra as fobias [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] 17 de Maio de 1990 a organização mundial de saúde retirou a homossexualidade da sua lista de doenças, já a DSM (o manual de diagnóstico de psiquiatria) tinha retirado a homossexualidade da sua lista de distúrbios mentais também. Foram lutas particularmente difíceis pela persistência de certas fobias. Há quem tenha fobia de aranhas ou de espaços fechados e há quem tenha fobia da auto-determinação sexual. Depois de mais activismo e reivindicação, há uns anos atrás tornaram o dia 17 de Maio o Dia Internacional contra a Homofobia, Lesbofobia, Transfobia e Bifobia e o acrónimo na língua inglesa apresenta-se como IDAHOT. É-me difícil conceptualizar este tipo de fobias, conceptualizar no sentido muito pessoal e mundano, porque conceptualizações formais devem existir aí aos pontapés. Do ponto de vista do outro, na procura das representações do outro, suponho que as pessoas tenham medo daquilo que elas julgam o ‘não-natural’ (até porque nós, humanidade, até somos muito conhecedores da ordem natural das coisas…). Mas fico-me por aí. Confesso que a minha imaginação não consegue ir muito mais longe para conseguir perceber o que leva a uns e outros a simplesmente recusarem a individualidade do ser, seja ela de que natureza for. Estas fobias tendem a pôr numa caixa simples o que é complexo, como a orientação sexual e o género. Seja porque me julgo homem e quero desenvolver características femininas, ou porque sou mulher e quero estar com outras mulheres, e não preciso de ser uma maria-rapaz para sê-lo (nem ser reconhecida como tal), ou porque não me identifico com uma coisa com outra, ora faço operações para não dar corpo ao que determinaram à minha nascença. São situações complexas, de caixinhas igualmente complexas, que suscitam as tais malfadadas fobias que continuo a não conseguir compreendê-las. Mas elas existem, a nível micro e a nível macro, a discriminação existe e estes dias de celebração continuam a fazer sentido porque ainda há mentalidades por esse mundo fora por mudar. Muitos afirmam que sabem exactamente como é que esse processo ocorre, mas digamos que pelas números elevados de violência contra as minorias sexuais, eu diria que há coisas que ainda não sabemos fazer. Milagres, por exemplo, não somos capazes de tornar este um mundo melhor de um dia para o outro. Pergunto-me, contudo, se a minha ignorância acerca daquilo que torna a fobia real não seja um problema. Devia mergulhar na retórica anti-LGBTI para poder de facto contestá-la. Não sei se esta não será uma ideia demasiado complexa para tão pouco espaço de escrita, mas aqui fica: Quando penso nos intolerantes das sexualidades não-‘heteronormativas’ a minha paciência esgota-se. Eu fico irritada, julgo o outro como ignorante e parto para outra. Mas não dou espaço, não dou espaço para ouvir o que me irrita e não dou espaço (nem tempo!) para desconstruir o que quer que seja, porque, sei lá, se uma pessoa é mal informada, é porque não teve a educação adequada. Tem que haver qualquer coisa mais, não é? Porque os detentores destas fobias que perpetuam certas e muitas formas de violência continuam a existir, e sinto-me limitada por conseguir fazer muito pouco – mas será que é a minha falta de paciência? Mas o Papa, por exemplo, consegue fazer muito e parece que fez algo porreiro nestes últimos dias. Ele disse a alguém em privado (e não alto e em bom som) de que a homossexualidade é um acto de Deus. Nasce-se, vive-se e somos quem somos e aparentemente o Deus da tradição judaico-cristã poderá concordar com esta realidade. Será que viveremos para ver hasteada a bandeira pelos direitos LGBTI no Vaticano?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPedofilia (aqui tão perto?) [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e há por aí alguém que tenha acompanhado as minhas perspectivas do sexo nesta secção temática de escrita, saberá que pedofilia foi um tema sobre o qual nunca proferi nem uma palavra. E isso aconteceu por alguma razão. Primeiro, porque é um tema extremamente difícil de se tratar e de compreender, e segundo, porque é todo um universo que me dá raiva, mal-estar e indignação – tudo. Não é fácil aceitar a suspeita de que poderão ter existido abusos sexuais no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes. Estamos todos em choque. Eu andei no Costa Nunes – informação que não interessa para nada, tanto até porque foi há uns 25 anos, mas o sentido de familiaridade permanece. É com misto de surpresa e rancor que me pergunto como é que a pedofilia poderá estar tão perto. A dificuldade de lidar com estes casos acontece nas várias frentes, e isso tem sido bastante claro para quem tenha acompanhado os acontecimentos dos últimos dias. Como se pode identificar? Como se pode prevenir? Como se pode sancionar? Como se pode resolver? Não tenho respostas claras e o universo institucional de Macau parece estar também no embroglio do não saber bem o que fazer, nem como fazer. Que até poderia dar um desconto – mas não quando estão crianças de três anos expostas a realidades que não deviam ser as delas. Não tendo eu respostas concretas, que não será novidade, porque este não é o meu tema de especialidade, certamente existirão académicos, profissionais, burocratas a quem pedir algum parecer e algum insight acerca das medidas a tomar. Macau (e vão perdoar-me a generalização) continua a provar que em tempos de crise (sejam eles de que tipo forem) não sabe reagir. No Jardim de Infância poderá ter acontecido o que não queremos que aconteça, e a complexidade do que aconteceu não é só a do que leva ao comportamento pedófilo. Há estruturas burocráticas e institucionais, perspectivas de sexo e expectativas de género, que revelam certas ‘tendências’ ideológicas da sociedade e que moldam a forma como percebemos estes problemas. O que quero dizer com isto – o problema começa logo com a dificuldade em identificar, e em constituir prova e suspeita, o abuso sexual. Que não é, pura e simplesmente, penetração genital, mas que pode tomar todas e muitas formas de sexualidade e sensualidade. Quando, há 6 meses atrás, houve uma primeira desconfiança de que algo de errado se passava, pergunto-me o que poderá ter acontecido para não ter sido logo averiguada. Seriam falta de provas? Distracção? Incompreensão do que pode ou não pode constituir um abuso? O facto do alegado abusador não ter sido (logo) constituído arguido também me parece ser sintomático da dificuldade de identificação do abuso e do crime. Na nossa tentativa de dar sentido a uma coisa destas, é normal também começarem a traçar ‘perfis’ de como identificar um abusador. Será que o problema (e culpa) foi da permissividade do infantário ao deixar um homem-empregado mudar as fraldas de crianças meninas? Aí já terei que pedir muita reflexão por parte ‘dos públicos’, porque infelizmente, os pedófilos não são só homens, nem tomam a direcção que se julga ‘heterossexual’. Parece-me ingénuo que se tome uma medida destas para travar todo e qualquer risco de abuso sexual a menores em instituições. Se calhar mudar fraldas não era da competência de um empregado de limpeza, concordo, mas certamente muitos de nós, em contexto de trabalho, já teve que desenvolver tarefas que não era da nossa competência. O problema não é mudar fraldas, o problema é que a pedofilia é um distúrbio mental identificado na DSM-5 do qual não existem exames psicológicos para encontrá-lo (só critérios de diagnóstico, que depende da honestidade do sujeito). Também – é um distúrbio que posto em prática é julgado com pena de prisão, que na minha opinião é curta (8 anos?!) quando o risco é o de afectar a vida e desenvolvimento de crianças indefesas. São precisas medidas, são precisas acções, são necessárias cabeças para reflectir acerca das nossas estruturas e mecanismos. Continuará a ser um tema difícil, de resoluções difíceis – a única coisa fácil é de que é urgente e imperativo proteger as crianças.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesQuando o sexo gosta dele próprio [dropcap style=’circle’] N [/dropcap] o início dos anos 80, num enorme rancho no estado de Oregon (EUA), instalou-se ao que na altura se desconfiava ser uma ‘seita’ religiosa liderada por Bhagwan Shree Rajneesh. Esta é a premissa inicial de uma série-documentário lançada há pouco tempo ‘Wild Wild Country’ – que recomendo vivamente. Esta narrativa foca-se, particularmente, no desenvolvimento das tensões e hostilidades entre os moradores locais e a recém-criada cidade de devotos ao Bhagwan. As ideias deste guru eram… diferentes, sendo que das suas propostas filosóficas e espirituais mais marcantes eram as do sexo livre, e do amor livre – e isso, não caiu nada bem aos residentes da América rural, nem ao Hinduismo Ortodoxo do seu país de origem. Parece que nos seus tempos na Índia, Bhagwan era descrito nos média como o ‘guru do sexo’. Quando o sexo gosta dele próprio, quando é tido como livre, descomprometido, aceitante das condições humanas. Quando simplesmente não é censurado pela nossa tendência (neste caso, ocidental) do legado judaico-cristão, parece que é natural haver uma espécie de representação maléfica acerca dele. Neste documentário era muito clara esta representação de que ‘a comunidade de tarados – que estão a fazê-lo a toda a hora’ era tida como demoníaca. E claro, estamos a pensar nos anos 80, uma altura particular em que a SIDA ainda era uma ameaça misteriosa de que se sabia pouco, quando a revolução sexual dos anos 60 já tinha poucos seguidores e quando o sexo ainda tinha uns passos de emancipação por caminhar. O Bhagwan, consciente da repressão sexual, bem tentava explicar que o sexo estava no estado em que estava porque tradições religiosas assim o trabalharam. O guru, que teve uma vida e influência discutíveis, considerava-se um ‘playboy espiritual’ que pregava a diversão do sexo, sem medos nem tabus – até dava umas dicas, se fosse preciso. E entre 99 Rolls Royce’s, declarar-se o líder espiritual dos ricos, e não dos pobres, detentor de relógios repletos de diamantes, ele até disse umas coisas acertadas, no que tocava ao sexo, pelo menos. Mas o sexo não gosta de si próprio ainda hoje, e isso não é novidade. A procura espiritual contemporânea continua a ser relevante, dentro ou fora das estruturas e instituições religiosas. Mas como é que as reflexões do espírito e da mente transformam o sexo? Enquanto se julgar o sexo como uma necessidade ‘instintiva’, ‘básica’ ou simplesmente ‘biológica’, as micro-agressões ao sexo continuarão a ser diárias. Aquilo que não é dito, mas que é sentido nas expressões subtis de desaprovação informam-nos do estado da arte sexual – que digo-vos, não é fácil de avaliar. O sexo é constantemente manipulado na esfera pública para comercializar produtos, materiais ou imateriais. Por isso, parece que vendemos uma sociedade contemporânea com imenso sexo, mas que ainda se choca ao dar de caras com um guru que desapareceu desta vida terrena há quase 30 anos. O sexo para começar a gostar dele próprio teria que assistir a uma revolução. Não é a revolução do sexo – não – essa seria simples de mais e pouco sustentável. Também não seria somente espiritual, o espírito vive demasiado em isolamento e pouco ou nada partilha com as vidas globais, ou com os movimentos globais. A revolução é de estruturas, de políticas, de economias, de espíritos e mentes. A revolução tem que ser a todos os níveis. A forma como nós chegámos a um sexo que produz desdém é algo que ainda me surpreende – eu entendo bem como é que aconteceu, só não percebo porque é que aconteceu – por isso não há nada como tentativas (nem que sejam somente teóricas) para retroceder este processo. A pergunta que merece 1 milhão de patacas é: como é que tiramos este peso terrível, do sexo como pecado, das nossas costas?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCaprichos (ou como ouvir uma vagina) [dropcap style=’circle’] Q [/dropcap] uem tem uma vagina – mulheres, mulheres trans e também possivelmente homens – saberá que é um pedaço de corpo delicado e versátil, com capacidade de promover o prazer e a procriação. Quando nós temos caprichos do sexo e fantasiamos com tudo e mais um par de botas (daquelas com salto agulha, sensuais), o nosso corpo também tem uns caprichos por satisfazer. O que quero dizer com isto: o capricho, definido como uma vontade inexplicável e repentina, não é só uma vontade da mente, mas uma vontade do corpo. E quem é que entende as vontades do corpo na sua plenitude? Poucos de nós. Porque vivemos a vida presos na nossa existência mental, e lá de vez em quando temos uma brecha de consciencialização deste corpo que nos carrega, que tem apetites, que tem manias e caprichos. As vaginas são pedaços particularmente misteriosos que poucos parecem entender – poucas e poucos parecem ter a vontade, sequer, de olhá-la, cara a cara, mediada com a ajuda de um espelho. A inabilidade de poder olhá-la francamente no nosso dia-a-dia talvez venha ajudar ao nosso evitamento constante. Há quem se lembre, certamente, da primeira vez que tentou colocar um tampão – porque enfim, está sol, há uma boa praia e nós queremos evitar pensar que o período existe e que possa estragar os nossos planos – e é então necessário todo um domínio das partes íntimas para poder colocar um ‘mini’ pedaço fálico de algodão, com o intuito de absorver o inevitável sangramento. A vulva e vagina são vistas como sagradas, e a ideia de que está lá toda uma área flexível (muito flexível), capaz de absorver aquele pedacinho, é, para muitas, difícil de compreender. Se isto é difícil para as virgens, para as que começaram a sua vida sexual também pode ser complicado porque, é como vos digo, há pouca consciência da vagina. A vagina ressente-se, claro, e capricha-se. O que se tornou no senso comum vaginal de evitamento, algum nojo, e em casos mais extremos de repúdio, faz com que as necessidades da vagina não sejam ouvidas com atenção. O tabu da menstruação e do prazer sexual feminino também leva com o tabu da vagina, tanto que mais não seja porque ‘originalmente’ estaria escondida por detrás de um pequeno arbusto de pelugem púbica, que até essa é rejeitada hoje em dia. Já ouviram a vossa vagina hoje? Estará em que fase folicular? Como é que gosta de ser estimulada? Saberemos tratá-la bem, com saúde e bem-estar? Estou ciente da minha hipocrisia, porque verdade,verdadinha, também não percebemos nada do nosso corpo de outras partes menos censuráveis, quanto menos do orgão sexual biologicamente tido como feminino, e historicamente alvo de alguma negligência, de todas as naturezas. Se pudesse mudar de carreira num abrir e fechar de olhos, provavelmente teria sido ginecologista e terapeuta sexual, e tentaria pregar por aí a importância do bem-estar vaginal – e digamos que não são só as mulheres que se aproveitam desta vantagem. Vagina feliz leva a um sexo feliz, em qualquer idade. Será necessário relembrar que o nosso corpo que cresce e se desenvolve, muito na expectativa do sexo, passa por fases mais ou menos difíceis? Com mais ou menos apetites, mais ou menos lubrificação. A maternidade até, que de partos e nascimentos transformam vaginas e o sexo. Onde e quando é que se fala disso? Na novela das 21h? No telejornal? Na literatura erótico-pornográfica? Na medicina? Onde é que afinal se fala de vaginas felizes e caprichosas ao longo da idade adulta?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA História do sexo servirá a alguém? [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] História do sexo tem muitas linhas e tem poucas. Se já é um tema tão dificilmente trabalhado nos dias de hoje, imaginem olhar para os milénios da nossa história sexual, com todas as complicações que lhe conferimos na contemporaneidade. Nos museus daqui e de acolá, daqueles que têm artefactos em cerâmica e porcelana, lá de quando em vez me deparo com uma peça centenária erótica – são uma delícia de se observar. Quando na representação colectiva imaginamos um antepassado de emancipação sexual duvidosa, é com surpresa que nos deparamos com os objectos de quem quisesse criar, ilustrar, expor e admirar as formas (as posições!) dos corpos que copulam. Claro que a História conta-nos dos amores, desamores e extra-conjugalidades daqueles que viveram há muitos anos, mas eu dou por mim a pensar: quem seriam os ‘tarados’ de serviço? Os que ponham a mão na massa para criar, em porcelana e outros materiais, corpos semi-nus em plena penetração, ou todos os outros que simplesmente queriam pensar o sexo fora do quarto? Como o conservadorismo sexual perdura mais do que gostaríamos, também não são muitos os investigadores que se debruçam sobre isso. Na China, esse paraíso de figuras e formas eróticas da antiguidade, um dos mais preocupados com a temática do sexo e da sua história quis abrir ‘o’ museu do sexo. Em 2001 Liu Dalin quis expor cerca de 3700 objectos eróticos da China milenar: imagens em porcelana, gravuras, objectos fálicos (os dildos da altura), estátuas, estatuetas, tudo. Ora que surpresa, o museu não teve grande apoio na sua criação e manutenção. O interesse sociológico-científico de Liu Dalin foi mal interpretado por uma tentativa de vulgarização do sexo e da ‘pornografia’. Será que uma sala carregada de dildos dos milénios passados não tem valor pedagógico absolutamente nenhum? Ninguém entendeu esse intuito. Aliás, surpreendentemente ou não, o Museu, que se situava numa zona animada do Bund em Shanghai, foi realojado para Tongli, uma pequena aldeia a 80 km da metrópole, em 2004. Nem tudo é assim tão mau porque Tongli até é uma aldeia bastante turística (já ouviram falar da pequena Veneza da província de Jiangsu?) e o Museu agora ocupa o espaço de um edifício histórico da dinastia Qing. Mas ainda assim… esta mudança de localização não deixa de ser indicativa de qualquer coisa. Numa entrevista Liu Dalin explica como foi difícil ter apoio na divulgação do Museu, até porque o logótipo orgulhosamente divulgava o caracter para ‘sexo’ e ninguém queria colocá-lo em lugar nenhum. Diz o fundador que este museu serviria para termos maior consciência, no oriente e no ocidente, acerca das representações do sexo na antiguidade chinesa. Quando em tempos mais daoistas o sexo era visto como um contributo para a saúde e era vivido de forma libertadora, as filosofias de Confúcio vieram ‘castrar’ a liberdade sexual, e a partir daí o tabu intensificou-se. Parece que os tarados, os tais que gostavam de sonhar e explorar o sexo fora da obrigação da procriação, de alguma forma contribuíram para a criação destes artefactos de beleza imensa e sexualidade intensa. Acerca dos significados, simbologia e utilização dos mesmo é que há pouca reflexão, porque ninguém se quer meter a estudar essas coisas. Objectos de formas fálicas foram encontrados em túmulos de imperadores e familiares, autênticos strap-ons que se especula terem sido utilizados para a estimulação anal masculina, mas ninguém sabe muito bem. A História, do que quer que seja, serve muitos propósitos. Não sou eu que o digo, os historiadores concordam comigo. A do sexo só vem mostrar que sempre houve uns movimentos de maior ou menor contestação do que uns e outros podem achar do sexo, esse sexo que pode ser livre, ter menos preocupações, ter menos problemas, e ter muito mais originalidade.