Não ter filhos pelo planeta?

[dropcap]S[/dropcap]aiu mais um relatório das Nações Unidas em como estamos a passar um ponto sem retorno na destruição do nosso planeta. Estamos a matar os nossos ecossistemas e a nós próprios. E o que é que podemos fazer? Muita coisa. Um estudo publicado em 2017 na Environmental Research Letters sugere que – a nível individual – podemos: ter uma dieta vegetariana, não ter um carro, evitar andar de avião e ter menos filhos.

Ter menos filhos: várias pessoas se interrogaram se as escolhas da natalidade poderiam ser melhor geridas de acordo com as nossas preocupações ambientais. Afinal, trazer mais uma pessoa para este mundo faz com que mais recursos sejam utilizados. Não é uma ideia totalmente absurda. E será que queremos trazer filhos para este mundo cada vez mais avassalado por catástrofes, desigualdades e injustiças irreparáveis e cada vez mais incerto? Onde os ursos polares já estão a morrer à fome e onde peixes da costa tropical africana já chegam a Portugal com o aquecimento das águas? Durante muito tempo que se julgava que a dificuldade em agir sobre o problema das alterações climáticas fosse a ignorância. As pessoas não sabem que o planeta precisa de ser tratado e por isso é que não fazem nada por isso. Mas esta é uma justificação datada (que já nem explica os climate change deniers). O problema é que o combate às alterações climáticas exige mudanças nas nossas ideologias e normas. Uma norma muito impregnada é a de que todos nós devemos ter filhos. Obrigar as pessoas a não terem filhos, seria, no mínimo, uma violência. E dessa experiência de controlo de natalidade já sabemos bastante do continente.

A expectativa de que nós estamos neste mundo para parir é chata e insistente. Chega a uma idade em que os casais precisam de se justificar a muitos à sua volta se não têm filhos ou se não os quiserem ter. Curioso como tenho observado o horror na cara das pessoas quando alguém lhes diz que não quer ter filhos. ‘Porquê’? Há agora quem se justifique com o estado de alerta climático em que vivemos. Para algumas pessoas, a decisão de não ter filhos vem da preocupação que o mundo já está demasiado cheio. Existem activistas, grupos de discussão, cada vez mais consciencialização sobre isto. Não sabemos em que mundo os nossos filhos irão viver. Nós já sentimos os efeitos agora – não é uma coisa que só vai ter repercussões daqui a 100 anos.

Claro que não é uma solução simples para o combate das alterações climáticas, muito menos consensual. Vivemos num mundo demasiado desigual onde nos países tidos como desenvolvidos uma criança produz mais impacto ambiental do que num país menos desenvolvido. Por outro lado, a nível nacional existem incentivos para os jovens de agora regenerarem a população cada vez mais envelhecida. São perspectivas contraditórias que põem em causa o global em detrimento do local. Mas tenho cá para mim que se é para fazer alguma coisa pelo nosso planeta, teremos que começar a pensar para lá das nossas fronteiras nacionais. Precisaremos de um sentido de comunidade e de solidariedade global que em muito entra em conflito com a nossa tacanha necessidade de nos definirmos como nações culturais bem delimitadas. Onde as necessidades económicas de regeneração populacional nacionais entram em conflito com a realidade de que já há pessoas suficientes neste mundo, só que nasceram em lugares diferentes, de úteros diferentes.

Tenho perfeita noção que acabei de tornar o sexo e a procriação numa ferramenta política e social – como tudo o que fazemos. Não tenho como objectivo responsabilizar os que querem ter filhos ou os que já os têm, mas mostrar como podemos posicionar-nos acerca dos problemas que nos preocupam. Há quem não queira ter filhos porque não quer ter filhos, sem mais nem menos. Há quem queira ter filhos. Felizmente que o corpo é nosso e cabe-nos decidir acerca dele da melhor forma que pudermos. As alterações climáticas e a natalidade só formam uma dimensão sobre a qual podemos reflectir sobre os desafios deste mundo onde vivemos.

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