Chinesas culpam expectativas tradicionais pela queda da natalidade

Uma maior consciência sobre desigualdade de género e os altos custos associados a criar um filho explicam a queda abrupta no número de nascimentos na China, apesar dos esforços de Pequim para incentivar a natalidade.

“As mulheres estão mais conscientes”, explicou Zhao Hua, uma chinesa de 28 anos natural de Pequim, à agência Lusa. “A desigualdade de género continua a ser profunda na China: os homens querem uma família tradicional, na qual a mulher toma conta dos filhos e das tarefas domésticas”, acrescentou.

Várias jovens mulheres chinesas ouvidas pela Lusa sublinharam essa discrepância nas expectativas, numa sociedade que se modernizou a um ritmo sem paralelo na História moderna. Segundo o Banco Mundial, em 1980, apenas 19,4 por cento da população chinesa vivia em zonas urbanas. Em 2023, a taxa ascendeu a cerca de 66 por cento.

As expectativas sobre o papel da mulher na sociedade, no entanto, mantiveram-se.

“Muitas das minhas amigas que casaram e têm filhos queixam-se que acabam por ter que criar os filhos e o marido”, explicou Yang Qian, chinesa natural da província de Hebei, adjacente a Pequim, à Lusa.

“Mas as mulheres têm agora a sua própria carreira e rendimentos e não querem desempenhar esse papel”, notou.

Outra razão “importante” é uma maior sensibilização sobre o desgaste físico causado pela gravidez e trabalho de parto, disse à Lusa uma chinesa natural da província de Guangdong, no sudoeste da China. “Com as redes sociais as mulheres passaram a partilhar mais informação sobre o impacto da gravidez. É um tema de grande importância”, vincou.

 

Declínio inevitável

Segundo dados oficiais, em 2023, a população chinesa diminuiu em dois milhões de pessoas, a segunda queda anual consecutiva, face à descida dos nascimentos e aumento das mortes, após o fim da estratégia ‘zero casos’ de covid-19.

O número marca o segundo ano consecutivo de contracção, depois de a população ter caído 850.000 em 2022, quando se deu o primeiro declínio desde 1961.

A queda e o envelhecimento da população estão a preocupar Pequim, à medida que privam o país de pessoas em idade activa necessárias para manter o ímpeto económico. A crise demográfica, que chegou mais cedo do que o esperado, está já a afectar o sistema de saúde e de pensões, destacaram observadores.

A China acelerou o problema com a política do filho único, que reprimiu a taxa de natalidade, entre 1980 e 2015.

“Era inevitável”, comentou à Lusa o funcionário de um órgão estatal chinês sobre o fim daquela política, aludindo à crescente pressão no sistema de pensões do país, fruto do rápido envelhecimento da sociedade. “A questão é saber quem é que tem tempo e dinheiro para criar duas crianças”, acrescentou.

O fim da política de filho único resultou num leve repique no número de nascimentos em 2016, mas, nos anos seguintes, as cifras continuaram a cair.

O número de nascimentos no país asiático caiu de 17,86 milhões, em 2016, para 9,02 milhões, em 2023, uma queda superior a 50 por cento.

Estas tendências demográficas tornam duvidosas as perspectivas económicas a longo prazo da China, indicou num relatório o grupo de reflexão (‘think tank’) Peterson Institute for International Economics, que tem sede em Washington.

“Até que ponto é credível aumentar o consumo das famílias chinesas quando o número real de consumidores está a diminuir em milhões todos os anos e o grupo de consumo mais intensivo, os recém-nascidos, está a diminuir tão rapidamente”, questionou.

“A longo prazo, as perspectivas de que a China ultrapasse a dimensão da economia dos Estados Unidos devem ser descartadas”, vincou.

5 Fev 2024

Não ter filhos pelo planeta?

[dropcap]S[/dropcap]aiu mais um relatório das Nações Unidas em como estamos a passar um ponto sem retorno na destruição do nosso planeta. Estamos a matar os nossos ecossistemas e a nós próprios. E o que é que podemos fazer? Muita coisa. Um estudo publicado em 2017 na Environmental Research Letters sugere que – a nível individual – podemos: ter uma dieta vegetariana, não ter um carro, evitar andar de avião e ter menos filhos.

Ter menos filhos: várias pessoas se interrogaram se as escolhas da natalidade poderiam ser melhor geridas de acordo com as nossas preocupações ambientais. Afinal, trazer mais uma pessoa para este mundo faz com que mais recursos sejam utilizados. Não é uma ideia totalmente absurda. E será que queremos trazer filhos para este mundo cada vez mais avassalado por catástrofes, desigualdades e injustiças irreparáveis e cada vez mais incerto? Onde os ursos polares já estão a morrer à fome e onde peixes da costa tropical africana já chegam a Portugal com o aquecimento das águas? Durante muito tempo que se julgava que a dificuldade em agir sobre o problema das alterações climáticas fosse a ignorância. As pessoas não sabem que o planeta precisa de ser tratado e por isso é que não fazem nada por isso. Mas esta é uma justificação datada (que já nem explica os climate change deniers). O problema é que o combate às alterações climáticas exige mudanças nas nossas ideologias e normas. Uma norma muito impregnada é a de que todos nós devemos ter filhos. Obrigar as pessoas a não terem filhos, seria, no mínimo, uma violência. E dessa experiência de controlo de natalidade já sabemos bastante do continente.

A expectativa de que nós estamos neste mundo para parir é chata e insistente. Chega a uma idade em que os casais precisam de se justificar a muitos à sua volta se não têm filhos ou se não os quiserem ter. Curioso como tenho observado o horror na cara das pessoas quando alguém lhes diz que não quer ter filhos. ‘Porquê’? Há agora quem se justifique com o estado de alerta climático em que vivemos. Para algumas pessoas, a decisão de não ter filhos vem da preocupação que o mundo já está demasiado cheio. Existem activistas, grupos de discussão, cada vez mais consciencialização sobre isto. Não sabemos em que mundo os nossos filhos irão viver. Nós já sentimos os efeitos agora – não é uma coisa que só vai ter repercussões daqui a 100 anos.

Claro que não é uma solução simples para o combate das alterações climáticas, muito menos consensual. Vivemos num mundo demasiado desigual onde nos países tidos como desenvolvidos uma criança produz mais impacto ambiental do que num país menos desenvolvido. Por outro lado, a nível nacional existem incentivos para os jovens de agora regenerarem a população cada vez mais envelhecida. São perspectivas contraditórias que põem em causa o global em detrimento do local. Mas tenho cá para mim que se é para fazer alguma coisa pelo nosso planeta, teremos que começar a pensar para lá das nossas fronteiras nacionais. Precisaremos de um sentido de comunidade e de solidariedade global que em muito entra em conflito com a nossa tacanha necessidade de nos definirmos como nações culturais bem delimitadas. Onde as necessidades económicas de regeneração populacional nacionais entram em conflito com a realidade de que já há pessoas suficientes neste mundo, só que nasceram em lugares diferentes, de úteros diferentes.

Tenho perfeita noção que acabei de tornar o sexo e a procriação numa ferramenta política e social – como tudo o que fazemos. Não tenho como objectivo responsabilizar os que querem ter filhos ou os que já os têm, mas mostrar como podemos posicionar-nos acerca dos problemas que nos preocupam. Há quem não queira ter filhos porque não quer ter filhos, sem mais nem menos. Há quem queira ter filhos. Felizmente que o corpo é nosso e cabe-nos decidir acerca dele da melhor forma que pudermos. As alterações climáticas e a natalidade só formam uma dimensão sobre a qual podemos reflectir sobre os desafios deste mundo onde vivemos.

15 Mai 2019

Governo apoia famílias mas faltam políticas abrangentes

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] recente relatório do Gabinete de Estudo de Políticas não deixa margem para dúvidas: as famílias numerosas escasseiam e há cada vez menos crianças a nascer, tendo sido pedido ao Governo que comece a agir. Mas para Teresa Vong, docente da Universidade de Macau (UM), apesar do Executivo dar apoios financeiros a quem tem muitos filhos, não está a criar uma verdadeira política de incentivo à natalidade. “O Governo providencia apoio suficiente para as crianças, mas não acredito que pegue neste apoio e crie uma política de encorajamento à natalidade. Não me parece que o Governo esteja a incentivar a geração mais jovem para ter filhos”, diz ao HM.
“O Governo tem de estudar mais o background das novas gerações. Em Singapura é tudo diferente: a maioria dos jovens da nova geração, têm um background cultural, uma boa situação financeira, e o Governo encoraja-os a terem mais filhos. Mas pelo contrário em Macau, quando olhamos para as qualificações dos jovens ou a sua situação social, seria arriscado para o Governo incentivar os membros das classes mais baixas a terem mais filhos. Isso porque o Governo teria de pagar a factura”, defende a académica.

O número certo

Apesar dos entraves da inflação e dos preços das casas, Teresa Vong acredita que os casais em Macau tendem a ter mais um filho do que em Hong Kong. “Penso que a geração mais jovem de Macau preferem ter mais filhos do que em Hong Kong. Segundo as minhas observações, os meus alunos, assim que casam, procuram ter dois filhos. Penso que dois filhos é um número óbvio para a maioria das famílias. Provavelmente o terceiro filho será um acidente (risos).”
Trabalhos por turnos nos casinos, salários que pagam o essencial, falta de vagas nas creches e falta de boas casas a um preço razoável: eis os entraves que a classe média enfrenta diariamente e que a impede de procriar mais. “Seria muito difícil às grandes famílias sobreviverem em Macau. A não ser que sejam ricas e tenham mais espaço. Normalmente as crianças ficam com os avós, que dão grande apoio à família. Para aqueles que trabalham nos casinos, estamos há um ano com quebra nas receitas, então as pessoas sentem-se inseguras para terem mais filhos, especialmente quando há riscos no emprego, não sabem se vão ser despedidos”, defende Teresa Vong.
Para Paul Pun, a solução para a baixa taxa de natalidade poderia resolver-se com a vinda de mais trabalhadores de fora. “A única mudança que pode ocorrer é se vierem mais emigrantes ou se as políticas dos emigrantes mudarem. Mas actualmente não me parece que desejem a chegada de trabalhadores de fora, e a taxa de natalidade é baixa.”

Tempos modernos

Para além dos problemas sócio-económicos, a própria percepção de família mudou, defende o secretário-geral da Caritas. “Os pais pensam mais neles próprios para ter uma vida confortável, e nem têm energia para cuidar dos filhos. Há mais oportunidades de emprego e teriam de abandonar um cargo de gestão ou a oportunidade de serem promovidos, por exemplo, e isso afecta a taxa de nascimentos. As mulheres não querem apenas ser mães a tempo inteiro, e muitas contratam uma empregada doméstica. Não é um problema, é um estilo de vida. As expectativas mudaram.”

31 Ago 2015