André Namora Ai Portugal Vozes19 anos de fome pode dar novo confinamento De norte a sul o país vestiu-se de verde para comemorar ao fim de 19 anos a vitória, diga-se merecida, do Sporting como campeão nacional de futebol. Há milhares de jovens que nunca tinham tido a sensação de ver o seu clube ser o número um. Fizeram parte de claques, gritavam, viajaram a acompanhar os “leões”, invadiram a academia de Alcochete e foram para tribunal depois de agredirem jogadores, treinadores e equipa médica, tiveram os mais diferentes presidentes e treinadores e afinal, durante 19 anos apenas choraram. Desta vez foi diferente: chegaram à loucura. De manhã cedo já estavam ao redor do estádio de Alvalade com os cachecóis e bandeiras, sem pensar que o Boavista podia estragar a festa. Vá lá, que um golinho do único avançado que deixou de saber marcar golos, o Paulinho, foi o suficiente para que o país esteja a falar de tudo o que se passou. A festa foi enorme, mas não se tem falado em outra coisa sobre o aspecto de uma festa deste género em estado de calamidade. O coronavírus não joga à bola mas rola por todo o lado e os responsáveis e especialistas pela Saúde sabem perfeitamente que o perigo espreita a todo o momento se entrarmos numa espiral de desleixo. As autoridades do país, sejam elas camarárias, dirigentes do Sporting e Direcção-Geral de Saúde é que têm a culpa do descalabro que se assistiu. Realizou-se uma reunião com as referidas entidades e a Polícia de Segurança Pública (PSP) e esta alvitrou que a festa se realizasse apenas no interior do estádio do Sporting, com um número limitado de adeptos e com o teste rápido feito à entrada. A proposta da PSP foi rejeitada. E aqui é que está o busílis. Mais ainda: a PSP recomendou que o autocarro dos sportinguistas não percorresse as ruas de Lisboa para evitar os ajuntamentos e a possibilidade de propagação da covid-19 ou de qualquer variante do vírus que anda por aí. Como é que foi possível autorizar no exterior do estádio a instalação de ecrãs gigantes para que a multidão visse o jogo? Porque não se fizeram avisos com antecedência de que seria proibido o ajuntamento de público junto ao estádio? Quem permitiu a venda de bebidas alcoólicas junto ao estádio tendo provocado como consequência que arruaceiros atirassem com garrafas e pedras aos agentes policiais? Naturalmente que estes responderam em força e os confrontos foram uma vergonha que manchou a chamada festa. Quanto ao ministro da Administração interna, que só tem feito asneiras, desta vez devemos tirar-lhe o chapéu porque a sua PSP fez tudo para evitar multidões que pudessem propagar o vírus. E o ministro não tinha a certeza do resultado do encontro. O Boavista podia vencer e não havia razão nenhuma para ajuntamentos sem máscara de protecção e muito menos sem distanciamento físico. O Presidente Marcelo veio meter-se no assunto a posteriori. A que propósito? Tinha de ter tomado medidas sérias muito antes dos acontecimentos. E pede responsabilidades. A quem? Aos ministros da Saúde e da Administração Interna? E por que não aqueles que têm proibido a presença de público nos estádios de uma forma organizada e em número reduzido? Desta vez, Marcelo está mal a pedir a cabeça de alguém porque a culpa é simplesmente de quem não aceitou as propostas da PSP e aí, meus caros, temos alguma informação que os dirigentes do Sporting é que quiseram a bagunça a que se assistiu porque teriam o receio de uma invasão do relvado no final do jogo e que pudesse contaminar alguns jogadores. Balelas, porque os jogadores andam por todo o lado incluindo centro comerciais. O que se passou nos festejos verdes não foi nenhuma brincadeira, foi algo de muito sério porque passadas duas semanas iremos ver o resultado da pandemia no que respeita a infectados. Para já, no sábado o número já tinha aumentado para cerca de 500 infectados relativamente ao dia anterior e para sete óbitos quando antes dos festejos não se verificava nenhuma morte. Se temos no país ainda vários lugares em cerco sanitário e com elevado número de pessoas infectadas, como foi possível permitir que milhares de adeptos leoninos se juntassem daquele modo? Os 19 anos sem ganhar um campeonato nacional tinha de ter sido festejado com bom senso e mostrar que o respeito pelos seus concidadãos tinha de ser a pedra de toque, não vá o caso resultar em novo confinamento geral, pelo menos na região de Lisboa. O Sporting sempre foi um grande clube, tem história, há muitos anos ganhava campeonatos em anos seguidos, mereceu ser campeão este ano, mas os seus dirigentes não estiveram à altura do momento pandémico que todos vivemos e só por isso não enviamos um viva ao Sporting. *Texto escrito com a antiga grafia
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesQuem tem a última palavra sobre o futuro de Macau? Na sessão de consulta exclusivamente destinada aos Deputados da Assembleia Legislativa sobre o Projecto do Plano Director da Região Administrativa Especial de Macau (2020-2040), lançado em Setembro de 2020, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas revelou que o Governo da RAEM propôs ao Governo Central a suspensão do projecto de aterro da Zona D dos Novos Aterros Urbanos, passando a construir uma zona entre a Zona A dos novos aterros urbanos e a Península de Macau, com o objectivo de criar espaços verdes. Assim, a área do aterro foi reduzida de 58 para 41 hectares. Quando questionado sobre a suspensão do projecto de aterro da Zona D, o Chefe do Executivo declarou que Macau terá território suficiente nos próximos 20 anos e que a proposta para suspensão do projecto de aterro da Zona D aguarda a aprovação do Governo Central. Assim que esta notícia foi divulgada, os membros do Conselho do Planeamento Urbanístico manifestaram de imediato o seu apoio à suspensão do projecto de aterro da Zona D, e os representantes da União Geral das Associações dos Moradores de Macau e da Associação de Construtores Civis e Empresas de Fomento Predial de Macau também se mostraram favoráveis ao projecto num programa de rádio. Na sessão de consulta pública exclusiva ao público, interroguei os responsáveis sobre o motivo da suspensão do projecto de aterro da Zona D. Em resposta, o Chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) alegou que a decisão tinha sido tomada para protecção dos ecossistemas da marina de Macau e da paisagem circundante. Os principais pontos da minha intervenção na sessão de consulta pública exclusiva ao público, foram os seguintes, “A publicação do documento de consulta do Plano Director da Região Administrativa Especial de Macau (2020-2040) visa sondar a opinião da população. Mas, infelizmente, enquanto o documento de consulta esteve a circular, o Governo da RAEM afirmou que tinha proposto ao Governo Central a suspensão do projecto de aterro da Zona D dos Novos Aterros Urbanos, passando a construir uma área entre a Zona A dos novos aterros urbanos e a Península de Macau. Isto fez com que o projecto de aterro da Zona D, transformado em documento de consulta, deixasse de existir. Desta forma, estamos perante uma ‘notificação’ pública ou perante uma ‘consulta’ pública? A criação das cinco novas zonas urbanas em Macau foi oficialmente aprovada pelo Conselho do Estado em 2009, como um “presente” para assinalar o 10.º aniversário do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. Em 2010, Wen Jiabao, o primeiro- ministro da República Popular da China ao tempo, veio pessoalmente a Macau para analisar o plano do Governo da RAEM para a criação das novas zonas urbanas através de aterro. Como é que uma decisão tão importante pode ser agora ignorada com tanta ligeireza?” Se recuarmos a Setembro de 2020, quando o Governo da RAEM ousou propor ao Governo Central a suspensão do projecto de aterro da Zona D, a maior parte das pessoas acreditou que o Governo local tinha um certo grau de certeza na aprovação do projecto. Caso contrário não faria uma proposta que pretende reverter uma decisão do Governo Central. Eu fui o único que, na sessão de consulta pública exclusiva ao público, se opôs à suspensão do projecto de aterro da Zona D. Sem o consentimento do Governo Central, o projecto de aterro da Zona D mantém-se, enquanto o plano de construir uma área entre a Zona A dos novos aterros urbanos e a Península de Macau através de aterro será suspenso temporariamente. Sou um grande defensor da protecção ambiental, e o projecto de aterro vai ter necessariamente impacto nos ecossistemas da marina de Macau, particularmente nos residentes do Edifício Ocean Garden, devido ao projecto de aterro da Zona C dos Novos Aterros Urbanos. Mas, na realidade, muitos dos terrenos de Macau foram obtidos através do aterro. O projecto de aterro das cinco novas zonas urbanas já arrancou, então porque é que o plano de aterro da Zona D teve de ser cancelado ou adiado? A razão é simples. Macau terá terrenos suficientes nos próximos 20 anos. Além disso, um aterro em grande escala requer o investimento de grandes somas do erário público, enquanto a construção de um grande número de edifícios residenciais vai provocar o rebentamento da bolha do sector do imobiliário de Macau. Do ponto de vista da economia deste sector, a suspensão do projecto de aterro da Zona D dos Novos Aterros Urbanos é uma boa decisão, o que vai implicar o adiamento da construção das habitações públicas. Quanto ao Governo Central, a sua maior preocupação nos próximos 20 anos não é a RAE de Macau, mas sim o papel de Macau na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau depois de 2049. As cinco novas zonas urbanas não são apenas um presente do Governo Central à RAEM, mas também uma aposta estratégica no desenvolvimento futuro de Macau. Desta forma, o projecto de aterro da Zona D pode ser adiado, mas terá de ser realizado porque constitui uma decisão política. O Governo Central tem sempre a última palavra no que respeita ao futuro de Macau!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesTurismo e Covid-19 “The travel industry worldwide has been dealt a vicious blow by COVID-19. The industry will recover, but travel will never be the same again, and the year 2020 will be a defining moment in the history of the tourism sector. As COVID-19 has painfully demonstrated, travel can play a critical role in the spread of new infectious diseases. Likewise, the increased globalization of tourism means that the industry is uniquely vulnerable to the disruption these disasters can cause.” Simon Hudson COVID-19 & Travel: Impacts, Responses and Outcomes O turismo proporciona meios de subsistência a milhões de pessoas e permite a milhares de milhões mais apreciar as suas diferentes culturas, bem como o mundo natural. Para alguns países, pode representar mais de 20 por cento do seu PIB e, globalmente, é o terceiro maior sector de exportação da economia global. O turismo é um dos sectores mais afectados pela pandemia da COVID-19, impactando economias, meios de subsistência, serviços públicos e oportunidades em todos os continentes. Embora a manutenção dos meios de subsistência dependentes do sector deva ser uma prioridade, a reconstrução do turismo é também uma oportunidade de transformação, com vista no aproveitamento do seu impacto nos destinos visitados e na construção de comunidades e empresas mais resilientes através da inovação, digitalização, sustentabilidade, e parcerias. De acordo com dados de 2019, o turismo gerou 7 por cento do comércio mundial, empregou uma em cada dez pessoas a nível mundial e através de uma complexa cadeia de valor de indústrias interligadas, forneceu meios de subsistência a milhões de pessoas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Com o encerramento das fronteiras, os hotéis fecharam e as viagens aéreas caíram drasticamente, as chegadas de turistas internacionais diminuíram 56 por cento e perderam-se trezentos e vinte mil milhões de dólares em exportações do turismo nos primeiros cinco meses de 2020, o que representou três vezes mais que a perda durante a Crise Económica Global de 2009. Os governos estão a lutar para compensar a perda de receitas necessárias para financiar serviços públicos, incluindo a protecção social e ambiental, e cumprir os prazos de pagamento da dívida. Os cenários para o sector indicam que o número de turistas internacionais poderia diminuir de 58 por cento para 78 por cento em 2020, o que se traduziria numa queda nos gastos dos visitantes de 1,5 triliões de dólares em 2019 para entre 310 e 570 mil milhões de dólares em 2020, colocando em risco mais de cem milhões de empregos no turismo directo, muitos deles em micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) que empregam uma elevada percentagem de mulheres e jovens. Os trabalhadores informais são os mais vulneráveis. Nenhum país escapou à dizimação do seu sector turístico, desde Itália, onde o turismo representa 6 por cento do PIB do país, até Palau, onde gera quase 90 por cento de todas as exportações. Esta crise é um grande choque para as economias desenvolvidas e uma emergência para as pessoas mais vulneráveis e para os países em desenvolvimento. O impacto nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento (PEID), países menos desenvolvidos (PMD) e muitas nações africanas é motivo de preocupação. Em África, o sector representava 10 por cento de todas as exportações em 2019. Os impactos da COVID-19 no turismo ameaçam aumentar a pobreza quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS1) e a desigualdade (ODS10) e inverter os esforços de conservação da natureza e da cultura. A pandemia também corre o risco de abrandar o progresso no sentido dos ODS. O turismo é directamente referenciado em três objectivos: ODS8 “trabalho decente e crescimento económico”, ODS12 “consumo e produções responsáveis” e ODS14 “vida na água”. Para as mulheres, comunidades rurais, povos indígenas e muitas outras populações historicamente marginalizadas, o turismo tem sido um veículo de integração, empoderamento e fonte de rendimentos. Permitiu a prestação de serviços em locais remotos, apoiou o crescimento económico das zonas rurais, proporcionou acesso a formação e emprego, e muitas vezes transformou o valor que as comunidades e sociedades atribuem ao seu património cultural e natural. A ligação do turismo a tantas outras áreas da sociedade significa que esta crise também põe em risco a contribuição do sector para outras ODS, tais como a igualdade de género (ODS5) ou a redução das desigualdades entre e dentro dos países (ODS10). O turismo relacionado com a natureza e os oceanos é uma importante motivação para viajar e fonte de receitas. Um inquérito de 2015 da Organização Mundial do Turismo (OMT) determinou que catorze países africanos geram uma estimativa de cento e quarenta e dois milhões de dólares em taxas de entrada em áreas protegidas. O encerramento das actividades turísticas significou meses sem rendimentos para muitas áreas protegidas e para as comunidades que vivem à sua volta, muitas delas altamente dependentes do turismo para sobreviver e sem acesso a redes de segurança social. A perda de rendimentos do turismo põe ainda mais em perigo a biodiversidade das áreas protegidas e de outras áreas conservadas, onde se realiza a maior parte do turismo de vida selvagem. Sem oportunidades alternativas, as comunidades podem recorrer à sobre-exploração dos recursos naturais, quer para consumo próprio quer para criar rendimentos. Ao mesmo tempo, o sector do turismo tem uma elevada pegada climática e ambiental, exigindo um forte consumo de energia e combustível que coloca stress nos sistemas terrestres. O crescimento do turismo ao longo dos últimos anos pôs em risco a realização dos objectivos do Acordo de Paris. As emissões de gases com efeito de estufa relacionada com os transportes provenientes do turismo foram estimadas em 5 por cento de todas as emissões de origem humana e poderão recuperar drasticamente se a recuperação do sector não estiver alinhada com os objectivos climáticos. A riqueza global de tradições, cultura e diversidade estão entre as principais motivações para as viagens. O impacto da COVID-19 no turismo coloca mais pressão sobre a conservação do património no sector cultural, bem como sobre o tecido cultural e social das comunidades, particularmente os povos indígenas e grupos étnicos. Por exemplo, com o encerramento dos mercados de artesanato, produtos e outros bens, as receitas das mulheres indígenas têm sido particularmente afectadas. As organizações culturais também viram as suas receitas cair a pique. Durante a crise, 90 por cento dos países foram total ou parcialmente fechados como Património Mundial, e cerca de oitenta e cinco mil museus foram temporariamente encerrados. O turismo, um sector construído na interacção entre as pessoas, é um dos principais veículos para a promoção da cultura e para o avanço do diálogo e compreensão interculturais. À medida que as viagens recomeçam em algumas partes do mundo, a conectividade limitada e a fraca confiança dos consumidores, a evolução desconhecida da pandemia e o impacto da recessão económica apresentam desafios sem precedentes para o sector do turismo. Apoiar os milhões de meios de subsistência que dependem de um sector afectado por meses de inactividade, e construir uma experiência de viagem sustentável e responsável que seja segura para as comunidades de acolhimento, trabalhadores e viajantes são fundamentais para acelerar a recuperação. Esta crise é também uma oportunidade sem precedentes para transformar a relação do turismo com a natureza, o clima e a economia. É tempo de repensar o impacto do sector nos nossos recursos naturais e ecossistemas, com base no trabalho existente sobre o turismo sustentável; de examinar como interage com as nossas sociedades e outros sectores económicos; de o medir e gerir melhor; de assegurar uma distribuição justa dos seus benefícios e de fazer avançar a transição para uma economia turística neutra e resistente ao carbono. Uma resposta colectiva e coordenada de todos os intervenientes pode estimular a transformação do turismo, juntamente com pacotes de recuperação económica, e investimentos na economia verde. A crise COVID-19 é um momento crítico para alinhar o esforço de sustentar os meios de subsistência dependentes do turismo com os ODS e assegurar um futuro mais resiliente, inclusivo, neutro em carbono e eficiente em termos de recursos. O aproveitamento da inovação e digitalização, abraçando valores locais, e a criação de empregos decentes para todos, especialmente para os jovens, mulheres e grupos mais vulneráveis nas sociedades, poderia ser a frente e o centro da recuperação do turismo. Para tal, o sector precisa de avançar nos esforços para construir um novo modelo que promova parcerias, coloque as pessoas anfitriãs no centro do desenvolvimento, promova políticas baseadas em provas e investimentos e operações neutras em carbono. A ONU através da OMT propôs um guia para transformar o turismo e que necessita de abordar cinco áreas prioritárias sendo a primeira como gerir a crise e mitigar os impactos socioeconómicos sobre os meios de subsistência, particularmente sobre o emprego das mulheres e a segurança económica e para tal terão de ser implementadas soluções e respostas graduais e coordenadas para proteger os meios de subsistência, empregos, rendimentos e empresas; criar confiança através da segurança em todas as operações turísticas e reforçar as parcerias e a solidariedade para a recuperação socioeconómica, dando prioridade à inclusão e à redução das desigualdades. A segunda seria impulsionar a competitividade e construir a resiliência, apoiando o desenvolvimento de infraestruturas turísticas e serviços de qualidade em toda a cadeia de valor do turismo; facilitar os investimentos e construir um ambiente empresarial favorável para as MPME locais, diversificar produtos e mercados, e promover o turismo doméstico e regional sempre que possível. A terceira seria avançar a inovação e a digitalização do ecossistema turístico com pacotes de recuperação e futuros desenvolvimentos turísticos poderiam maximizar a utilização da tecnologia no ecossistema turístico, promover a digitalização para criar soluções inovadoras e investir em competências digitais, particularmente para trabalhadores temporariamente sem uma ocupação e para pessoas à procura de emprego. A quarta seria fomentar a sustentabilidade e o crescimento verde inclusivo sendo importante que o turismo mude para um sector resiliente, competitivo, eficiente em termos de recursos e neutro em termos de carbono, em conformidade com os objectivos e princípios do Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas e da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030. Os investimentos verdes para recuperação poderiam visar áreas protegidas, energias renováveis, edifícios inteligentes e a economia circular, entre outras oportunidades. O apoio financeiro e de ajuda dos governos às indústrias de alojamento, cruzeiros e aviação poderia também garantir a proibição de práticas poluidoras insustentáveis. A quinta área seria a coordenação e parcerias para transformar o turismo e alcançar os ODS sendo necessárias abordagens e alianças mais ágeis para se avançar para um futuro resiliente e objectivos globais. A Comissão de Crise Global do Turismo da OMT uniu o sector do turismo para formular uma resposta sectorial ao desafio sem precedentes da pandemia da COVID-19. Uma coordenação eficaz para planos e políticas de reabertura e recuperação poderia considerar colocar as pessoas em primeiro lugar, envolvendo governos, parceiros de desenvolvimento e instituições financeiras internacionais para um impacto significativo nas economias e meios de subsistência. É de lembrar que estão em risco cem a cento e vinte milhões de empregos no turismo directo; perda de mais de novecentos e dez mil milhões de dólares para 1,2 triliões de dólares em exportações provenientes do turismo – despesas dos visitantes internacionais; a perda de 1,5 por cento a 2,8 por cento do PIB global; a salvação para os países menos desenvolvidos (LDCs na sigla inglesa), países menos desenvolvidos (PMDs) e muitos países africanos em que o turismo representa mais de 30 por cento das exportações para a maioria dos SIDS e 80 por cento para alguns. O Secretário-Geral da ONU, António Guterres quando tomou posse a 1 de Janeiro de 2017, afirmou que é imperativo que reconstruamos o sector turístico. O turismo é um dos sectores económicos mais importantes do mundo. Emprega uma em cada dez pessoas na Terra e dá sustento a centenas de milhões de pessoas mais. Impulsiona as economias e permite que os países prosperem. Permite às pessoas experimentarem algumas das riquezas culturais e naturais do mundo e aproxima as pessoas umas das outras, destacando a nossa humanidade comum. De facto, poder-se-ia dizer que o turismo é em si mesmo uma das maravilhas do mundo. É por isso que tem sido tão doloroso ver como o turismo tem sido devastado pela pandemia da COVID-19. Nos primeiros cinco meses de 2020 no estudo da ONU de Agosto do mesmo ano, as chegadas de turistas internacionais diminuíram em mais de metade e perderam-se cerca de trezentos e vinte mil milhões de dólares em exportações do turismo. No total, cerca de cento e vinte milhões de empregos directos no turismo estão em risco. Muitos estão na economia informal ou em micro, pequenas e médias empresas, que empregam uma elevada proporção de mulheres e jovens. A crise é um grande choque para as economias desenvolvidas, mas para os países em desenvolvimento, é uma emergência, particularmente para muitos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e países africanos. Para as mulheres, comunidades rurais, povos indígenas e muitas outras populações historicamente marginalizadas, o turismo tem sido um veículo de integração, empoderamento e geração de rendimentos. O turismo é também um pilar fundamental para a conservação do património natural e cultural. A queda nas receitas tem levado a um aumento da caça furtiva e da destruição de habitats em áreas protegidas e em seu redor, e o encerramento de muitos “Sítios do Património Mundial” tem privado as comunidades de meios de subsistência vitais. A imperatividade da reconstrução do turismo tem de ser de uma forma segura, equitativa e amiga do clima. As emissões de gases com efeito de estufas relacionadas com os transportes poderão recuperar drasticamente se a recuperação não estiver alinhada com os objectivos climáticos. Apoiar os milhões de meios de subsistência que dependem do turismo significa construir uma experiência de viagem sustentável e responsável que seja segura para as comunidades de acolhimento, trabalhadores e viajantes. Para ajudar à recuperação, são identificáveis cinco áreas prioritárias sendo a primeira, mitigar os impactos socioeconómicos da crise. A segunda construir resiliência em toda a cadeia de valor do turismo. A terceira maximizar a utilização da tecnologia no sector do turismo. A quarta promover a sustentabilidade e o crescimento verde e a quinta, fomentar parcerias que permitam ao turismo continuar a apoiar os ODSs. É necessário que o turismo recupere a sua posição como fornecedor de empregos decentes, rendimentos estáveis e a protecção do nosso património cultural e natural. A mensagens-chave é de que a reconstrução do turismo é uma prioridade, mas o sector deve tornar-se mais sustentável e resiliente no futuro. O turismo continua a ser um dos sectores mais duramente atingidos pela pandemia do coronavírus e as perspectivas continuam a ser altamente incertas. A OCDE espera que o turismo internacional diminua cerca de 80 por cento em 2020. Os destinos que dependem fortemente do turismo internacional, de negócios e de eventos são particularmente difíceis, com muitas zonas costeiras, regionais e rurais a terem melhores resultados do que as cidades. As notícias encorajadoras sobre vacinas impulsionaram as esperanças de recuperação, mas os desafios permanecem, prevendo-se que o sector permaneça em modo de sobrevivência durante 2021. O turismo doméstico recomeçou e está a ajudar a mitigar o impacto sobre o emprego e as empresas em alguns destinos. Contudo, a recuperação real só será possível quando o turismo internacional regressar. Isto requer cooperação global e soluções baseadas em provas para que as restrições de viagem possam ser levantadas em segurança. A sobrevivência das empresas em todo o ecossistema turístico está em risco sem apoio contínuo do governo e embora os governos tenham tomado medidas impressionantes para amortecer o golpe no turismo, para minimizar a perda de empregos e para construir a recuperação em 2021 e mais além, é necessário fazer mais, e de uma forma mais coordenada. As principais prioridades políticas incluem, restabelecer a confiança dos viajantes; apoio às empresas de turismo para se adaptarem e sobreviverem; promover o turismo interno e apoiar o regresso seguro do turismo internacional; fornecer informação clara a viajantes e empresas, e limitar a incerteza (na medida do possível); medidas de resposta evolutivas para manter a capacidade no sector e colmatar as lacunas nos apoios; reforçar a cooperação dentro e entre países e construir um turismo mais resiliente e sustentável.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA insatisfação conjugal e os desafios do divórcio chinês Na China um inquérito indicou que cerca de 20 por cento das mulheres estão arrependidas por se terem casado. Os números da insatisfação têm aumentado ano após ano. Talvez um ano de pandemia tenha ajudado a esta tendência. Não houve ano mais exigente para as mães e esposas que andaram em malabarismos entre tarefas e trabalhos. Os valores de insatisfação, por sua vez, não se reflectem da mesma forma nos homens. Os homens parecem estar muito satisfeitos. A razão? Os desequilíbrios na divisão de tarefas conjugais está claramente a tender para um lado. A mulher chinesa moderna tem um emprego, ao mesmo tempo que cuida da casa, dos filhos e dos pais. Para um jovem chinês a pressão para se casar e ter filhos começa logo depois da universidade, quando até lá era “proibido” namorar. As políticas que estimulam a natalidade também estão orientadas para esta visão pró-casamento. O envelhecimento da população é cada vez mais óbvio. A necessidade de manter uma geração trabalhadora exige muito casamento, família e filhos. Agora – mudam-se os tempos e as vontades, e num contexto em que as mulheres têm cada vez mais espaço no tecido empresarial, a família e a procriação podem só ser mais uma tarefa para sobrecarregar a vida, e não um propósito de existência. Aliada a esta tendência para a insatisfação, os divórcios têm aumentado. O governo chinês, preocupado com estes números, implementou um período de reflexão obrigatório de 30 dias a quem queira divorciar-se. Implementado a 1 de Janeiro de 2021, imensos casais apressaram-se a divorciar para não serem apanhados por esta exigência. A ideia não é nova – parece que a Coreia do Sul já a tem implementada desde 2005, variando os períodos dependendo das localidades. A investigação em contexto coreano mostra que há casais que acabam por desistir do processo. As teorias que sustentam um período de reflexão obrigatório acreditam que as pessoas se precipitam a tomar decisões. Da mesma forma que as pessoas não devem ir ao supermercado com fome, porque vão comprar muito para além do que é suposto, as pessoas no calor da discussão não conseguem racionalizar o divórcio. O estado chega-se à frente na criação de condições para se acalmarem os ânimos. Se resulta em casamentos mais felizes, isso é que a investigação longitudinal poderá elucidar – mas não vi que existisse. Já sabemos que este é um estado que tende a meter-se nos assuntos da esfera privada, mas nem é muito consistente nesta intromissão. Se há um período de reflexão para o divórcio porque não existe um para o casamento? Não se tomam decisões sobre o casamento de cabeça apaixonada? O que estas leis estão a querer insinuar é que está tudo bem se te casares e tiveres filhos sem grande reflexão. O divórcio, esse que destrói a sagrada união matrimonial e familiar, tem que ser evitado, ou pelo menos, racionalizado. Principalmente se existem filhos envolvidos. Os teóricos a favor deste mecanismo frequentemente referem a sua preocupação pelo bem-estar dos filhos – e que filhos de casais divorciados são mais infelizes e têm mais problemas, etecetera. E períodos de reflexão para quem planeia ter filhos? Nestes tempos a ênfase no casamento talvez já não faça o mesmo sentido como antigamente. As pessoas vêem que há legitimidade para querer outras coisas. As preocupações sociais fazem pressão por uma visão do casamento, e da família, intacta e em prol do desenvolvimento. Talvez valha a pena reformular o paradigma. E se a preocupação for o bem-estar? O individual e o colectivo. Talvez, se não existir tanta pressão para casar, não existirão tantos divórcios. E se se trabalhar a igualdade de género? E se se permitir o casamento homossexual? E a adopção? E se se normalizar a terapia de casal? Tudo opções que podem ser bem mais eficazes na promoção do bem-estar e na promoção da família – que não tem que ser única nem prototípica. Talvez seja bem mais eficaz dar espaço para as várias constelações familiares surgirem. Todos têm a ganhar.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNova administração americana renuncia às patentes das vacinas No passado dia 5, o Governo dos Estados Unidos anunciou que vai renunciar às patentes das vacinas contra a COVID. A seguir a este anúncio, os preços da BioNTech, da Novavax e da Ocugen baixaram. A Representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, fez o comunicado, salientando que, com esta decisão, se pretende produzir vacinas seguras e eficazes que possam pôr fim à epidemia do novo coronavírus. Katherine Tai adiantou que o Governo vai continuar a reforçar a cooperação com o sector privado e com todos os potenciais parceiros, de forma a aumentar o fornecimentos de matérias primas necessárias e a produção das vacinas. Para além disto, a distribuição também vai acelerar. Os Estados Unidos tomaram esta decisão a pedido de vários países, liderados Índia e pela África do Sul, que repetidamente apelaram à Organização Mundial do Comércio para retirar provisoriamente os direitos de patente das vacinas. Os apoiantes acreditam que esta medida vai ajudar os países em desenvolvimento a aumentar a sua produção de vacinas. A decisão dos Estados Unidos representa um marco na cooperação global ao nível da vacinação. À medida que a vacinação vai acelerando nos Estados Unidos, o Governo começou a estar menos preocupado com a questão doméstica e a prestar mais atenção aos problemas que os outros países enfrentam, manifestando o desejo de os apoiar. Esta medida vai permitir que mais pessoas sejam vacinadas a nível global e vai fazer diminuir o fosso entre os países ricos e os países pobres. Vem também dar resposta ao pedido dos cientistas para que a população mundial seja vacinada o mais rapidamente possível, de forma a evitar o aparecimento de mais variantes do vírus resistentes a estas vacinas. Esta ameaça fez com que um número cada vez maior de pessoas passassem a apoiar a abolição dos direitos de patente. Os laboratórios e os países que se opõem a esta medida insistem que as patentes não são um obstáculo para a expansão da produção de vacinas, e avisam que a abolição do direito de patente pode desmotivar os cientistas a prosseguir com as investigações em situações futuras. Todos compreendemos que o acesso equitativo às vacinas levanta questões éticas e económicas. Partimos do princípio de que todos temos apenas uma vida e de que todos as vidas são igualmente importantes, sejamos ricos ou pobres, seja qual for a nossa nacionalidade. No entanto, este é apenas um princípio ideal, porque se vivermos num país rico vamos ser de certeza mais rapidamente vacinados. O aviso dos cientistas é muito claro. Os vírus sofrem mutações. As vacinas que temos hoje combatem as diversas mutações existentes, mas quem pode garantir que vão combater as futuras mutações? É vital criar imunidade global antes que surjam variantes para que não estamos preparados. Para isso é preciso proteger a saúde de todos. A investigação e desenvolvimento das vacinas tem naturalmente um custo. Os Laboratórios investem somas enormes. Sem este investimento e este esforço não haveria vacinas. Se as patentes forem abolidas, a indústria farmacêutica vai ser muito afectada. E em que pé ficará a investigação sobre novos medicamentos para tratar a COVID e a investigação sobre as novas variantes do vírus? Neste contexto, que futuro nos espera? Existem muitos apoiantes da decisão do Governo americano, mas a maior parte deles não está ligada à indústria farmacêutica. Se a indústria deixar de ser tão lucrativa pode começar a desinvestir na investigação. É difícil termos o melhor de dois mundos. Qual a melhor solução? Talvez o Governo dos EUA pudesse considar compensar financeiramente os Laboratórios pelas perdas sofridas com a abolição das patentes. Claro que esta opção iria ter muitos críticos, porque o dinheiro do Governo vem dos contribuintes, pelo que seriam estes a pagar os direitos de patente à indústria farmacêutica e, em última análise, estes direitos continuariam a existir. Outro método mais exequível seria o Governo através de negociações convencer a indústria farmacêutica a aceitar reduções dos direitos das patentes. No entanto, em quanto deveria consistir essa redução, qual a forma de redução e quando deveria ser feita, são questões de difícil resposta. Seriam certamente negociações complicadas. A abolição dos direitos de patente das vacinas representa uma decisão corajosa e difícil. É uma decisão que recebe o aplauso dos apoiantes do Governo e as críticas dos seus opositores. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA escravatura voltou Índia, Bangladesh, Nepal, Marrocos, Malásia, Afeganistão, Tailândia, Paquistão, China, Moldávia são alguns dos países onde existem máfias organizadas para o tráfico de mulheres e homens para trabalharem na agricultura em Portugal. Há muitos anos que assistimos á vergonhosa situação proporcionada pelas redes ilegais internacionais que trazem para Portugal milhares de pessoas que têm sido escravizadas e exploradas nos salários. No Alentejo vivem mais de vinte mil imigrantes em condições deploráveis. Alguns, em autênticas barracas ou tendas. Outros, são instalados pelos intermediários em casas sem condições nenhumas, como a inexistência de água canalizada. Há quartos que albergam seis seres humanos. Há garagens onde dormem em beliches doze imigrantes que vêm para a apanha da azeitona e amêndoa, nesta época. A situação varia com as estações do ano e aos escravos podem ser postos a trabalhar na colheita de uvas ou de tomates. As condições indignas em que vivem os imigrantes são uma vergonha para Portugal. Falámos com um grupo de imigrantes que nos transmitiu que os seus elementos recebem 400 euros por mês, pagam 150 para a renda da cama, gastam 100 euros em comida e o restante é para enviar para a família nos seus países. Na semana passada rebentou a vergonha porque foi descoberta em Odemira uma situação abaixo de todos os limites. Os imigrantes, especialmente as mulheres testaram positivo da covid-19 e residiam dentro de contentores onde fizeram um buraco para o ar poder entrar. E o mais vergonhoso é que se deslocou ao local o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e teve o desplante de anunciar que em primeiro lugar está a saúde pública e não a dos imigrantes, como se os imigrantes não fizessem parte da saúde pública nacional. Houve um advogado que incrivelmente foi proibido de entrar em Odemira por querer defender os direitos dos imigrantes. Do momento, o governo arranjou uma solução bem demonstrativa de que foi pior a emenda que o soneto. Então, há anos que ninguém se preocupou em construir habitações dignas para os contratados imigrantes e de repente decidiu-se alojar o grande número de imigrantes de Odemira num complexo turístico naturalmente contra a vontade dos proprietários que tinham gasto uma fortuna em preparar tudo para a próxima época de veraneio. Não, assim não se pode compreender como se governa este país. Os imigrantes são enganados no salário que lhes prometem e mais: nos seus países, antes de saírem, têm de pagar entre 10 e 20 mil euros. Uma loucura para gente tão pobre. Começa logo aí a exploração. Chegam a Portugal depois de lhes dizerem que irão ganhar entre 600 e 1000 euros, quando não lhes pagam mais de 400. As autoridades municipais, policiais e governamentais sabem desta situação há anos quando no Alentejo o lago Alqueva começou com o regadio de grandes propriedades. Os empresários destes imigrantes não estão isentos de culpas, eles é que pagam o salário miserável para um trabalho de sol a sol, eles é que têm os contactos com os intermediários mafiosos que transportam os imigrantes, eles é que sabem que nem água existe nas casas de banho das residências onde instalam os trabalhadores estrangeiros. Isto, é revoltante e terá de ter uma solução. Sabemos que a nossa agricultura necessita de mão-de-obra, mas que se contratem os imigrantes e que se lhes deem as mínimas condições de dignidade humana. Se eu estivesse a ocupar o cargo de ministro da agricultura tinha-me demitido de imediato assim que as televisões chegaram a Odemira e mostraram aquela miséria sob humana. Uma parte de país, mais no litoral, ficou atónita, não queria acreditar que num quarto dormissem seis pessoas, que nem água tivessem para se lavar ou cozinhar. Os debates televisivos sucederam-se ao longo da semana passada e até ao momento que vos escrevo esta crónica ainda não foi anunciada uma decisão oficial concreta que mude radicalmente a situação dos trabalhadores imigrantes. Portugal tem milhões de emigrantes espalhados pelos cinco continentes. Já imaginaram o que seria se um português chegasse ao Dubai e fosse metido num barracão de madeira sem água e com mais cinco companheiros? Já imaginaram o crédito negativo que era espalhado pelo mundo contra os árabes? E quem diz no Dubai podemos salientar outra qualquer cidade para onde vão portugueses trabalhar. Até em França já não existe o triste “bidonville”. O que é mais triste é que assistimos a toda e qualquer manifestação por isto e por aquilo. É o direito ao casamento do mesmo sexo, é a eutanásia, é o não uso de máscara higiénica, mas não vimos nenhuma manifestação ou protesto de um qualquer movimento ou associação dos direitos humanos a deslocarem-se para Odemira e fazerem ouvir a sua voz em defesa daqueles que realizam o trabalho que os portugueses não querem fazer… *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesFuturos que tresandam a passado Há ironias assim: instalou-se no planeta a pandemia de covid-19 pouco tempo depois de ter sido convidado a contribuir com um capítulo para um livro sobre turismo em áreas protegidas do Mediterrâneo na era do “overtourism” (“Mediterranean Protected Areas in the Era of Overtourism”, publicado pela Springer, para quem possa interessar). Ainda não tinha sequer começado quando fui confrontado com esse paradoxo de me propor escrever sobre “demasiado turismo” quando a actividade turística estava bloqueada (ou quase). A solução para o aparente imbróglio havia de ser simples: na realidade, as consequências problemáticas do “turismo a mais” ou do “turismo a menos” têm a mesma origem: o excesso de turismo nas economias locais e regionais. Na origem do convite estava um projecto relativamente longo a que dediquei alguns anos de investigação e que incluiu, entre outros tópicos mais ou menos relacionados, uma análise da relação entre os recursos naturais das regiões europeias e a sua dinâmica turística, quer em termos do número de visitantes, quer em termos do valor acrescentado gerado para as economias locais. Muito frequentemente a procura turística e a riqueza gerada nos destinos estão longe de ser a mesma coisa. Logo na recolha de informação tive a primeira surpresa, quando compilei os dados sobre a percentagem do território de cada região classificada como zona protegida no âmbito da rede europeia “Natura 2000”, que define regras e critérios comuns para todas as regiões da UE. Apercebi-me então da magnífica liderança das regiões mediterrâneas, sendo relativamente frequente encontrar mais de um terço do território sob a alegada protecção desta forma de classificação e certificação ambiental. Entre as mais de 200 regiões que observei, as que tinham mais de um quarto da sua área inscrita na Rede Natura eram quase todas portuguesas, espanholas, francesas, italianas ou gregas. Não tenho conhecimentos suficientes de biologia para afirmar se esta diferença se deve a efectivas diferenças na biodiversidade e na importância dos recursos naturais de cada região, se é o resultado do excesso de zelo legislativo que é frequentemente reconhecido nesta zona do Sul da Europa e que nos faz ser (re)conhecidos como “os bons alunos” da União Europeia, os pobrezinhos mas honrados europeus que traduzem com mais abnegação do que os legisladores as leis e normativas, mas que pouco ou nenhum poder temos para influenciar. Não me surpreenderia que assim fosse, mas nem era esse o meu assunto nem eu sou pessoa habilitada para o estudar com a seriedade que o tema merece. Também não é meu assunto avaliar se essa generosa integração de territórios na Rede Natura (entre um quarto e um terço, em geral, mas chegando a ultrapassar os 40%) contribui para uma certa forma de ordenar o território ainda muito enraizada em Portugal: um ordenamento que em grande medida não se faz pela afirmação de uma estratégia de utilização de espaços e recursos, mas pela sua negação e proibição: quer a reserva ecológica, quer a reserva agrícola existentes no nosso ordenamento territorial, para lhe chamar alguma coisa, têm funcionado mais como formas de limitar a expansão urbana e os processos de construção, do que como formas de planear, proteger e valorizar a natureza ou as práticas agrícolas. Um dos resultados é ter um território ordenado e regulamentado por excepções, abertas em nome de superiores interesses nacionais e outras figuras jurídicas de relevo, após longos e penosos processos jurídicos e administrativos, para que se possa eventualmente vir a permitir que se desenvolvam novas áreas habitacionais, de serviços ou turísticas em áreas onde supostamente se protegeria a agricultura ou a natureza. Um país excepcional, portanto, é o que resulta deste regime onde as excepções, claro está, só são possíveis para quem possa pagar os serviços de consultoria a assessoria necessários à navegação pelas turvíssimas águas dos nossos ordenamentos territorial e jurídico. E também um pasto muito fértil para os bois e os borregos das redes nacionais de corrupção. Nada disto vinha ao caso do tal projecto de investigação a que aludia, mais concentrado noutros e certamente mais singelos problemas, mas que ajudou a revelar que estes territórios de alto valor ecológico para a magnífica União Europeia, são também aéreas de intensa procura turística, destinos de viagem massificados e aparentemente inconciliáveis com a suposta vulnerabilidade dos ecossistemas que justificam tamanho zelo administrativo pela burocracia do país e da UE. Um zelo tonto e inconsequente, sabemos bem: afinal as nossas preciosidades ecológicas servem para que se instalem as multidões de nortes vários das Europas, gente com sede de sol, mar e cerveja, e que afinal gasta pouco – e essas foram também contas que fui fazendo quando estudei o assunto: apesar da evidente ligação directa entre territórios de alvo valor ecológico e pressão turística massificada, estas são também regiões onde o turismo gera pouco valor acrescentado: pouca riqueza se cria em comparação com o turismo que se faz noutras partes da Europa – e parte dela nem sequer fica no país, regressando a grandes empresas internacionais em circuitos mais ou menos lícitos e mais ou menos expostos à tributação e outras formalidades administrativas que paraísos diversos permitem iludir. Esse turismo a mais, que perturba quem vive nos destinos de férias, transforma valores culturais em mercadorias baratas de consumo imediato e destrói ecossistemas, é um problema para a Europa mediterrânica. A sua súbita interrupção, obrigando ao encerramento de empresas, lançando no desemprego milhares de pessoas e abrindo novos horizontes de incerteza é outro problema. Em todo o caso, os problemas relacionados com o “turismo a mais” ou com o “turismo a menos” são causas com a mesma origem estrutural: a excessiva dependência das estruturas económicas regionais de um sector turístico massificado, de exploração máxima do trabalho e dos recursos, de baixos preços e baixos salários. Uma estrutura económica pouco diversificada, onde normalmente faltam a inovação, o conhecimento ou a tecnologia. Se a pandemia de covid-19 obrigar a uma reorganização do turismo contemporâneo, mais adequada às preocupações com o esgotamento de recursos e das alterações climáticas, com mais restrições e menos abertura à mobilidade internacional, é o mercado que vai fazer essa regulação. E como se vai vendo nas poucas experiências internacionais de reabertura dos serviços turísticos, são os segmentos mais altos dos mercados turísticos (com empresas financeiramente mais preparadas para lidar com crises e consumidores com maior poder de compra) que estão a dar sinais mais claros de resiliência neste contexto de crise generalizada. Talvez seja o prenúncio de um regresso ao passado, em que o turismo internacional era privilégio de classe ainda mais pronunciado e o turismo doméstico a opção possível para os mais pobres. Não será boa notícia para o turismo no mediterrâneo, tal como o temos vindo a conhecer.
Carlos Morais José Editorial VozesAPOMAC | Duas décadas de serviço exemplar A Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC) fez ontem 20 anos. Foram duas décadas de serviço a gente que seriamente serviu esta cidade de Macau. Graças a esta associação, muitos tiveram garantida uma melhor velhice, um espaço de convívio e acolhimento, cuidados de saúde primários e, sobretudo, palavras de carinho e humanidade. É, sobretudo, disto que falamos quando nos referimos à APOMAC. Da capacidade de criar um espaço onde todos são bem-vindos, onde podem conviver, ser recebidos como família, fazer parte da vida social de Macau. Ali ninguém se sente a mais, ninguém se sente despojado de interesse. Todos contam, todos têm uma palavra a dizer e essa palavra tem peso, importância, significado. Bem sabemos como a sociedade actual pode ser cruel para os idosos, para os que deixaram de desempenhar um papel activo, apesar de terem sido eles a contribuir de forma decisiva para o bem-estar dos mais jovens. Estes não fazem ideia do que era o mundo antigo, muitas vezes não querem olhar para trás e, por isso, não são capazes de apreciar como os seus pais e avós tiveram de trabalhar e sofrer para que eles hoje desfrutem de regalias que antes, simplesmente, não existiam. A APOMAC, durante estes vinte anos da sua existência, foi capaz de criar uma casa e uma família coesa; foi capaz de acolher todos os que dela necessitaram e de os ajudar a enfrentar as agruras de um mundo em transformação demasiado rápida para ser entendido de forma real por muitos dos que o ajudaram a construir. Por outro lado, a APOMAC assumiu sempre ser uma associação de matriz portuguesa e, nesse sentido, abriu em todas as ocasiões os braços a quem tinha um domínio deficiente ou incompleto da língua chinesa, no sentido de os ajudar a enfrentar este novo Macau e permitir de modo suave e sincero a sua integração. Importa realçar o papel fundamental que nestes 20 anos tiveram Francisco Manhão e Jorge Fão, dois dos mais importantes obreiros desta associação. Foram horas e mais horas, dias e mais dias, semana após semana, ano após ano, dedicados a esta nobre causa, garantindo os meios financeiros e logísticos para a sua sobrevivência, entregando-se de corpo e alma ao trabalho de manterem viva e activa esta entidade para tantos fundamental. Foram sempre eles que deram a face pela APOMAC, que por ela trabalharam de forma exemplar e empenhada, além de outros que igualmente fazem parte de uma equipa dedicada ao serviço daqueles que serviram a cidade de Macau, em bons e em maus tempos. Portanto, parabéns! Se vinte anos não parece ser muito tempo, basta olhar para as realizações da APOMAC para perceber que o tempo nem sempre pode ser contado da mesma maneira. Tudo o que foi conseguido parece ter já raízes bem mais profundas, parece quase impossível de entender como foi conseguido em duas meras décadas. Por tudo isto, os nossos mais sinceros e merecidos parabéns!
Olavo Rasquinho VozesA defesa do ambiente e os primeiros 100 dias do governo de Joe Biden É já um lugar-comum afirmar que as alterações climáticas têm vindo a afetar o nosso planeta, o que se reflete na subida da temperatura média do ar e dos oceanos, no aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos, nomeadamente ondas de calor, secas, inundações, cheias e tempestades. Em apoio desta interpretação, a última época dos furacões no Atlântico Norte foi a mais ativa de sempre desde que há registos, tendo ocorrido trinta ciclones tropicais aos quais foram atribuídos nomes próprios (tempestades tropicais e furacões). O número foi de tal modo elevado em 2020, cerca do triplo da média anual, que os 21 nomes da lista se esgotaram, o que fez com que se tivesse de recorrer a letras do alfabeto grego, o que só havia acontecido, desde que há registos, em 2005. São também atribuídos às alterações climáticas o comprovado degelo de grande parte das calotas polares e a diminuição de caudal de muitos glaciares. Como consequência deste degelo, a subida do nível médio do mar tem vindo a aumentar. Para este aumento também contribui a diminuição da área coberta pelo gelo marítimo, na medida em que passa a haver menos reflexão da radiação solar e, consequentemente, maior aquecimento da água, e mais evaporação. O vapor de água transporta energia sob a forma de calor latente de evaporação que, por sua vez, é libertada para atmosfera, aquando da condensação, o que contribui para a formação e intensificação de tempestades. Partindo do princípio de que as alterações climáticas têm como causa principal a injeção na atmosfera de milhares de milhões de toneladas de gases de efeito de estufa (GEE), com especial ênfase para o dióxido de carbono, os meios científicos têm vindo a realçar que, para evitar um desastre climático, é necessário que se atinja o mais breve possível a neutralidade carbónica, ou seja, quando for nulo o balanço entre a quantidade de dióxido de carbono injetado na atmosfera e a quantidade desse gás que dela se retira, num determinado período. Para se conseguir a tão almejada neutralidade carbónica, há que diminuir drasticamente as fontes de GEE e aumentar a eficácia dos sumidouros. As fontes são essencialmente as atividades antropogénicas relacionadas com a utilização de combustíveis fósseis, nomeadamente os transportes, a produção de aço, cimento e alumínio. Quanto aos sumidouros, há a realçar as florestas, os oceanos e o solo. O grande problema é que, enquanto as fontes têm vindo a aumentar, os sumidouros têm diminuído de eficácia. A área coberta por florestas tem vindo a diminuir, devido a incêndios e desflorestação, e o aumento da temperatura dos oceanos faz com que diminua a sua capacidade de absorver o dióxido de carbono. Para se poder atingir a neutralidade carbónica em 2050, os governos têm de tomar medidas adequadas em termos de legislação e promover a investigação científica e a inovação tecnológica. Em relação a estas duas últimas, a iniciativa privada terá também um forte papel a desempenhar. Alguns governos têm vindo a tomar medidas nesse sentido. Também o Conselho e o Parlamento da União Europeia (UE), chegaram recentemente (em 20 de abril de 2021) a um acordo político provisório visando legislação que leve à neutralidade carbónica da UE em 2050. Se se continuar a injetar GEE ao ritmo atual, ou em maiores quantidades, não se conseguirá travar o a subida da temperatura para valores inferiores a 2º Celsius, de preferência inferiores a 1,5º C, em relação aos valores da era pré-industrial, conforme preconizado pelo Acordo de Paris. Para que tal possa ser alcançado até ao fim do século XXI, é essencial atingir a neutralidade carbónica por volta de 2050. Caso contrário, a temperatura continuará a aumentar para valores que, segundo o IPCC, poderão atingir 3º C ou mais, no final do século. Trata-se de uma tarefa gigantesca, na medida em que não só não se dispõe atualmente da tecnologia necessária para esse efeito, mas também há que ultrapassar os preconceitos de alguns governantes e os poderosos lóbis negacionistas das alterações climáticas. A derrota de Trump nas últimas eleições presidenciais e a rapidez com que Joe Biden (há quem lhe chame Speedy Joe) tem vindo a reverter as decisões do seu antecessor no sentido de os EUA voltarem ao multilateralismo e à política de defesa da sustentabilidade do planeta, faz com que os americanos venham, muito provavelmente, a conquistar o lugar de líderes mundiais no combate às alterações climáticas. Os avanços nesta área foram enormes nos primeiros cem dias de governo do novo presidente dos EUA, tendo sido as seguintes as principais medidas: regresso ao Acordo de Paris; cancelamento da construção do oleoduto de Keystone XL; substituição de cientistas negacionistas nomeados por Trump em lugares chave da NOAA; compromisso de redução, até 2030, das emissões de dióxido de carbono de 50 a 52% até 2030, em relação aos níveis de 2005; início do processo de restabelecimento dos regulamentos revogados durante a presidência de Trump; realização da Cimeira de Líderes sobre o Clima, iniciada simbolicamente no dia 22 de abril, Dia da Terra, em que participaram 40 governantes, incluindo chefes dos governos dos países mais poluidores e de alguns países mais vulneráveis. A cimeira consistiu essencialmente em depoimentos dos governantes, em que assumiram compromissos de os respetivos países virem a reduzir as emissões de GEE. Participaram também ativistas e representantes de organizações empenhadas na defesa da sustentabilidade do nosso planeta. No que se refere ao oleoduto Keystone XL, com a extensão prevista de cerca de 1.900 km, o Presidente Obama, considerando que os riscos eram muito superiores aos benefícios, já havia rejeitado, em 2015, a autorização para a sua construção. Trump, no entanto, em 2017, revogou a decisão de Obama e assinou uma licença para que a empresa TransCanada iniciasse os trabalhos, o que motivou grandes manifestações populares contra tal medida. Agora foi a vez de Joe Biden, no seu primeiro dia como presidente, cancelar a autorização de Trump para continuar as obras dessa polémica infraestrutura. Seria conveniente que, caso seja eleito um presidente republicano em 2024, esse processo esteja definitivamente encerrado e não se volte a revogar a revogação da construção do oleoduto. São as seguintes algumas das promessas de reduções de emissões de GEE anunciadas na cimeira: Canadá: 40-45% até 2030 (em relação a 2005) EUA: 50-52% até 2030 (em relação a 2005) Japão: 46-50% até 2030 (em relação a 2005) Reino Unido: 78% até 2035 (em relação a 1990) União Europeia: 55% até 2030 (em relação a 1990) No início da intervenção do primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, um problema técnico impediu que se ouvisse a sua voz, o que foi interpretado por alguns observadores como sendo uma metáfora da sua atitude pouco entusiasta em relação aos objetivos da cimeira. A Austrália é um dos maiores exportadores mundiais de carvão, utilizado pelos importadores na produção de aço e de eletricidade. Alguns dos seus maiores clientes, nomeadamente a Coreia do Sul e o Japão, estão a diminuir significativamente a utilização deste mineral e, de futuro, a China também seguirá esse caminho. Uma das declarações mais importantes desta cimeira consistiu do anúncio de Xi Jinping de que a China limitaria estritamente o aumento do consumo do carvão nos próximos cinco anos e o reduziria gradualmente nos cinco anos seguintes. Causaram surpresa as declarações do presidente Jair Bolsonaro, que é internacionalmente conhecido como negacionista confesso das alterações climáticas, admirador de Trump, e mentor do aligeiramento das ações de monitorização da desflorestação da Amazónia e da alteração das regras de proteção do ambiente. Quem não visse que era ele a falar, atribuiria o seu discurso a qualquer entusiasta do combate às alterações climáticas. Tratou-se de uma cimeira em que os participantes não se encararam olhos nos olhos e, portanto, muito menos eficiente do que as que são levadas a cabo presencialmente. Apesar de haverem já muitas críticas, principalmente nos EUA, pelo facto de Biden não ter convidado um único cientista, este encontro virtual pode ser considerado um passo importante para a preparação da COP26, a realizar em Glasgow em novembro de 2021, na medida em que pode ser um contributo para que os líderes políticos mundiais se consciencializem da necessidade de assumirem compromissos, por escrito, relativamente às metas a cumprir no sentido de se concretizar a neutralidade carbónica o mais rapidamente possível, preferencialmente antes de 2050. *Meteorologista
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs alterações climáticas e a Covid-19 são crises globais “The ongoing COVID-19 pandemic has killed hundreds of thousands of people and infected millions while also devastating the world economy. The consequences of the pandemic, however, go much further: they threaten the fabric of national and international politics around the world.” Hal Brands and Francis J. Gavin COVID-19 and World Order: The Future of Conflict, Competition, and Cooperation A Covid-19 e as alterações climáticas são uma ameaça para as pessoas forçadas a fugir e para os apátridas em todo o mundo. Para combater as alterações climáticas, o mundo deve aprender com a pandemia da Covid-19 e agir com urgência, sob pena de consequências mortais e de longa exposição para as pessoas que têm de escapar das suas casas no que aos refugiados concerne e que são os mais expostos e vulneráveis. O custo mais elevado será não fazer nada. Os países têm de agir em conjunto. Uma resposta unilateral simplesmente não pode ser eficaz. O mundo deve proteger os mais frágeis, mas também envolvê-los na procura de soluções. Se queremos resolver o problema das alterações climáticas, temos de colocar os mais desprotegidos no centro. O Chade e outros países do Sahel são afectados por uma das crises de migração forçada de crescimento mais rápido, e estão desproporcionadamente expostos aos efeitos negativos das alterações climáticas e das catástrofes ambientais, tais como a alteração dos padrões de pluviosidade que contribuem para inundações e secas. Os mais vulneráveis do mundo sofrem alguns dos piores efeitos das alterações climáticas. O aumento da temperatura pode elevar a insegurança alimentar, hídrica e terrestre, ao mesmo tempo que prejudica os serviços necessários para a saúde, subsistência, estabilidade e a sobrevivência. Invariavelmente, os mais afectados incluem os idosos, mulheres, crianças, deficientes e os povos indígenas. A última década tem sido a mais quente de que há registo. Em 2019, quase dois mil cataclismos se deram, a maioria deles relacionadas com o tempo, e que obrigaram vinte e cinco milhões de pessoas a abandonar as suas casas. As alterações climáticas têm continuado a acelerar à medida que o mundo luta contra a pandemia da Covid-19. Não existem vacinas, máscaras e não se podem fechar as fronteiras às alterações climáticas e daí que teremos de agir e considerar todas as soluções oferecidas pela ciência e pelo conhecimento tradicional para salvar as pessoas e o nosso planeta. A “Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR na sigla inglesa) ” nomeou um Conselheiro Especial em Acção Climática para orientar e definir a resposta para melhorar a resistência das pessoas forçadas a fugir dos riscos climáticos e reforçar a preparação e a resiliência em situações de catástrofe. Criado em 2007, o papel do Alto-comissário é permitir a troca de opiniões entre refugiados, governos, sociedade civil, sector privado, académicos e organizações internacionais sobre os desafios emergentes em matéria de protecção humanitária. As cinco sessões digitais de 2021 concentram-se no impacto da Covid-19 sobre as pessoas forçadas a fugir e os apátridas. As medidas tomadas para mitigar a pandemia da Covid-19 têm consequências significativas para a protecção, saúde, bem-estar sócio-económico e resiliência das pessoas deslocadas à força e apátridas e das suas comunidades de acolhimento. Também afectaram as oportunidades de identificar soluções em alguns casos e decisões adiadas em outros. As acções que os Estados e outros actores tomam, poderiam moldar o que será a protecção internacional em futuras pandemias. Os esforços devem incluir uma visão no reforço das bases de protecção e na construção da resiliência, recorrendo ao regime internacional de protecção de refugiados, incluindo a Convenção sobre Refugiados de 1951; os princípios de protecção, partilha de responsabilidades e inclusão no “Pacto Global sobre Refugiados (GCR na sigla inglesa)”; e as promessas relevantes feitas no “Fórum Global de Refugiados (GRF)”, em Dezembro de 2019. A luta global contra a pandemia colocou desafios para a instituição do asilo. Em alguns casos, desencadeou medidas regressivas, e as fronteiras foram encerradas por motivos de saúde pública. Noutros casos, abordagens inovadoras permitiram o funcionamento contínuo dos sistemas de asilo, através, por exemplo, da renovação automática ou remota da documentação para os requerentes de asilo, do registo e entrevistas à distância, do tratamento acelerado dos casos de asilo, e de rastreios e quarentenas sanitárias à chegada. Tais disposições permitem aos Estados continuar a admitir aqueles que necessitam de protecção internacional, ao mesmo tempo que protegem a saúde dos seus nacionais. O “Grupo de Apoio à Capacidade de Asilo” estabelecido no GCR poderia ajudar a identificar e apoiar tais adaptações. O surto da Covid-19 também aumentou as vulnerabilidades de indivíduos com necessidades específicas de protecção, tais como indivíduos em risco acrescido de violência sexual e de género (SGBV na sigla inglesa), mulheres e raparigas, bem como homens e rapazes em situações vulneráveis, e pessoas idosas, com deficiências, ou que se encontram em detenção. No contexto da Covid-19, o Secretário-Geral das Nações Unidas, afirmou que as pessoas e os seus direitos precisam de estar na frente e no centro da resposta, um princípio que é central para o GCR. Isto requer a avaliação das necessidades e o desenvolvimento de respostas através de uma perspectiva de idade, género e diversidade, para garantir que ninguém fique para trás. Em reconhecimento desta situação, alguns actores tomaram medidas como a libertação de indivíduos de detenção como imigrantes e a disponibilização de acesso móvel para apoiar os sobreviventes do SGBV. A pandemia está a testar a resiliência dos refugiados e das suas comunidades de acolhimento e tem consequências de grande alcance. O acesso aos serviços de saúde e educação é limitado. Muitas pessoas estão a perder os seus meios de subsistência, resultando num aumento da pobreza e levando algumas pessoas deslocadas que eram auto-suficientes a tornarem-se dependentes da ajuda. De acordo com o princípio de inclusão do GCR, muitos Estados e outros actores têm tentado tratar o impacto através de abordagens inclusivas à construção de resiliência, tanto na resposta de emergência como a médio e longo prazo. Alguns dos principais países de acolhimento de refugiados estão a incluir pessoas deslocadas à força nas respostas nacionais de emergência para construir a sua resiliência, conter a propagação da infecção, responder a crises sanitárias, e mitigar o impacto sócio-económico na comunidade em geral. Outros países e doadores têm apoiado estes esforços com contribuições financeiras, materiais, e técnicas em demonstração de solidariedade e partilha de encargos. De acordo com a abordagem de governança multipartite e de parceria estabelecida no GCR, actores-chave na linha da frente da resposta, tais como cidades, organizações lideradas por refugiados, actores religiosos, e “organizações não-governamentais (ONG)”, estão a tomar medidas inovadoras para reforçar a capacidade das comunidades para enfrentarem as crises. Por exemplo, muitos estão a envolver refugiados que são profissionais de saúde para apoiar os sistemas nacionais de saúde e para criar redes para ajudar os membros mais vulneráveis da comunidade. Tendo em vista mitigar alguns dos efeitos sócio-económicos a longo prazo sobre a resiliência, os actores do desenvolvimento, o sector privado, os doadores e as organizações internacionais estão a trabalhar com os países de acolhimento para determinar a melhor forma de assegurar que os sistemas nacionais podem abranger e preparar-se para o futuro. Alguns estão a considerar medidas imediatas para enfrentar o impacto nas pessoas deslocadas à força e apátridas e nas suas comunidades de acolhimento, e outros estão a considerar como apoiar a construção de sistemas nacionais inclusivos de saúde, educação, e protecção social em preparação para futuras emergências. A pandemia da Covid-19 não impediu as pessoas de fugirem à guerra e à perseguição. Assegurar a protecção através da salvaguarda do acesso ao asilo e do reforço e adaptação dos sistemas de asilo continua a ser uma responsabilidade internacional crítica e que salva vidas, juntamente com a abordagem das necessidades específicas de protecção e a construção de resiliência face à pandemia. As abordagens novas e inovadoras desenvolvidas face à actual pandemia podem informar o pensamento em termos de como responder, mitigar, e preparar para os desafios de protecção e soluções, tanto agora como no futuro. A origem da Covid-19, tal como outras doenças infecciosas, são interacções entre os seres humanos e os animais selvagens. Interacções que aumentaram nas últimas décadas e que também falam de uma crise ambiental contínua As alterações climáticas e a pandemia da Covid-19 são ambas crises globais que ameaçam a viabilidade da economia e a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Segundo a “Organização Mundial de Saúde (OMS) ”, o aquecimento global devido à emissão excessiva dos chamados gases de estufa que alteram o clima, provoca a morte de cerca de cento e cinquenta mil pessoas por ano, um número ao qual, serão acrescentadas mais duzentas e cinquenta mil pessoas por ano a partir de 2030. Algumas destas mortes são devidas a eventos climáticos extremos, tais como inundações, incêndios, ciclones ou ondas de calor semelhantes à de 2003, quando a Europa registou um aumento de 70 por cento na mortalidade. Mas as alterações climáticas também afectam muitos dos factores sociais e económicos dos quais depende a protecção da saúde, tais como a qualidade do ar e da água e a biodiversidade, ou seja, a variedade de animais, plantas, fungos e microrganismos que compõem o nosso planeta. Ao fazê-lo, pode alterar as cadeias de transmissão de doenças infecciosas, incluindo doenças virais, tais como a Covid-19. As alterações climáticas estão a impulsionar a transmissão da Covid-19? A Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard nos Estados Unidos afirma que não existem provas directas de que as alterações climáticas estão a afectar a propagação da Covid-19, mas sabem que as alterações climáticas alteram a forma como nos relacionamos com outras espécies na Terra. O cerne da questão é precisamente este, porque sabemos que a Covid-19 tinha uma origem zoonótica (de animais), precisamente de uma estirpe típica de morcegos, embora ainda não seja claro se existiam animais intermediários na transmissão do vírus, quantos e quais eram exactamente. Assim, na base da Covid-19, bem como de outras pandemias globais incluindo o Ébola, por exemplo, existem interacções com espécies animais selvagens. Interacções que aumentaram nas últimas décadas devido à actividade humana, tanto directamente como através de actividades como a desflorestação, que ocorre principalmente para fins agrícolas, ou mineração como indirectamente, como no caso das migrações de animais devido ao aumento das temperaturas na Terra. Mas como as interacções aumentaram, também se elevou o risco de os humanos entrarem em contacto com novos agentes patogénicos e doenças que anteriormente só envolviam outras espécies animais, tal como no caso da Covid-19. Existe alguma ligação entre a poluição e a Covid-19? Há vários estudos que mostram a existência de uma ligação entre a poluição atmosférica, tanto causa como consequência das alterações climáticas com as taxas de infecção e mortalidade relacionadas com a Covid-19, como é recordado em um estudo de Janeiro de 2021 encomendado pelo Parlamento Europeu, e ainda que se trate de uma doença relativamente recente, os dados disponíveis sejam ainda parciais e também complicados pelas medidas de bloqueio introduzidas a nível mundial, que tiveram repercussões no nível global de poluição. Em termos gerais, a relação entre poluição atmosférica e doenças respiratórias e crónicas (como a diabetes) está bem estabelecida e também sabemos que as pessoas que sofrem destas doenças estão entre as mais vulneráveis à Covid-19. Mais controversa é a questão da propagação do vírus. As regiões mais poluídas são também uma das mais afectadas pela Covid-19, pois as partículas atmosféricas não favorecem a difusão do vírus no ar. Quanto ao descongelamento do “permafrost” e o futuro das doenças infecciosas, é certo que as alterações climáticas criaram condições mais favoráveis para a propagação de algumas doenças infecciosas, tais como as transmitidas por mosquitos (malária e dengue). Os riscos não são fáceis de prever e podem também variar em função das mudanças de temperatura e níveis de precipitação, condições que afectam o aparecimento de agentes patogénicos, bem como as interacções entre humanos e animais. Outra questão é o descongelamento do “permafrost”, a camada de solo permanentemente congelada, devido ao aumento da temperatura global que poderia resultar na libertação de vírus e bactérias antigas que têm estado adormecidos durante milénios, começando com o Círculo Árctico, onde as temperaturas estão a subir cerca de três vezes mais depressa do que no resto do mundo.
André Namora Ai Portugal VozesSócrates anda a rir à gargalhada O antigo ministro socialista João Cravinho concedeu uma entrevista à SIC que deu muito que falar durante toda a semana passada. Cravinho denunciou que o seu projecto contra a corrupção foi liminar e acintosamente rejeitado pelo então primeiro-ministro José Sócrates. Cravinho, um homem sério, deixou no ar que nada do que propunha convinha ao chefe do Executivo. E, realmente, viu-se que a corrupção tem reinado no seio dos socialistas, e não só. No entanto, podemos concluir que Sócrates ao fazer as suas caminhadas pela manhã na Ericeira vai a rir-se às gargalhadas. Porquê? Porque o ex-governante tinha umas ideias megalómanas para umas obras públicas a nível nacional, mas como levou o país à bancarrota, nunca as chegaria a levar a efeito. Pensou numa linha TGV que ligasse Lisboa a Elvas para que os passageiros chegassem a Madrid e outra linha de alta velocidade entre o Porto e Vigo. Pensou que o país devia ter uma rede ferroviária que cobrisse todo o interior, apesar de em contra-senso autorizar a construção de uma barragem que destruiu a bela linha do Tua. Pensou que era importantíssimo construir uma terceira ponte sobre o rio Tejo, em Lisboa, inclusive ainda se começaram as obras em Marvila. Pensou que Sines deveria ser o grande porto de Portugal a fim de escoar as mercadorias a partir de ali, via ferroviária, para toda a Europa. Sócrates pensou essencialmente nas linhas ferroviárias tão necessárias ao país, depois de lhe terem provado que as exageradas auto-estradas andavam vazias com portagens caríssimas. Mas, Sócrates ocupou os seus tempos pela Venezuela, Angola e Líbia e assim perdeu a oportunidade de executar algo de positivo. O dinheiro falava mais alto. Mas, por que razão ri às gargalhadas? Pela simples razão de que agora apareceu um “Messias” que se desloca de Maserati e é ministro das Infra-estruturas. E o que é que esse mais bloquista que socialista, de nome Pedro Nuno Santos pretende? Anunciou em voz bem alta que o país irá ter uma cobertura total ferroviária. Bem, as linhas férreas e as estações, algumas autênticas obras de arte de azulejos, estão completamente destruídas e em ruínas. Se o pretendente Pedro Nuno Santos a secretário-geral do PS quer comboios por todo o Portugal, que pelo menos, não compre a porcaria de carruagens velhas que adquiriu recentemente a Espanha e que no próximo Verão já vai devolver oito. O homem é um sonhador. Também anunciou uma terceira ponte no Tejo, em Lisboa. Deve ser resultado da velocidade do Maserati. Pedro Santos é um arrogante, no Ministério são poucos os funcionários que o levam a sério. Mas tem poder. O primeiro-ministro tem alguma simpatia por ele. O problema é a última decisão entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina para o cargo de líder do Partido Socialista. Medina tem feito obra em Lisboa. E do Pedro Nuno Santos nada se viu a não ser a bancarrota na TAP e com a situação futura da empresa quase a cair em saco roto. Os comboios são efectivamente necessários com urgência no interior do país. A maioria da população rural não tem meios financeiros para táxis e as carreiras de autocarros deslocam-se de terra em terra quando o rei faz anos. A rede ferroviária é, sem dúvida, uma necessidade atroz, mas quantos anos irá levar à efectivação do projecto que o ministro anunciou? Não acreditamos que seja uma realidade em menos de dez anos. E o ministro será governante este tempo todo? Não o creio, até porque uma grande parte dos socialistas não nutre qualquer simpatia pelo socialista que se desloca de Maserati ou outras “bombas”. Sócrates vai continuar a enganar todo o pagode com aquela história de nunca ter sido corrupto, mas vive à grande e à francesa na Ericeira e às gargalhadas com o que Pedro Nuno Santos vai aldrabando o país. Ou então, é da mesma escola de Sócrates, com uma excepção é que Sócrates sempre preferiu um motorista e um Mercedes. Tudo “oferecido” pelo seu amigo Carlos Santos Silva. Uma fonte dos Comboios de Portugal (CP) transmitiu-nos que o ministro Pedro Nuno Santos não faz a mínima ideia de quantos milhares de milhões são necessários para que Portugal tenha uma cobertura ferroviária digna desse nome. Que não faz a mínima ideia das centenas de empresários que estarão envolvidos num projecto dessa natureza e que, obviamente, sabem que as coisas só se conseguem com os tais depósitos em offshores. A mesma fonte da CP transmitiu-nos que basta olharmos para a “pobreza” das linhas importantíssimas de Lisboa-Cascais e Lisboa-Sintra, para se concluir por onde é que os governantes já há muito deviam ter começado. Na verdade, um político para ser sério tem de o demonstrar e não pode praticar a política á base da demagogia e do sonho fácil. Se nos dias de hoje fosse feito um inquérito à população sobre quantos anos pensa que Portugal terá uma cobertura total ferroviária, a maioria responderia “mais de vinte anos”… *Texto escrito com a antiga grafia
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDistribuição de excedentes O grande destaque da semana foi dado à intervenção do Chefe do Executivo no hemiciclo. Ho Iat Seng manifestou a intenção de implementar em 2022 um sistema de distribuição de excedentes fiscais. O projecto demonstra que o Governo está confiante no futuro de Macau. É a prova de que as finanças estão de boa saúde, as receitas são boas e por isso existe excedente. Na situação actual, estas declarações são o equivalente a uma injecção de ânimo na sociedade. Toda a gestão financeira tem de ter em consideração as receitas e as despesas. A principal fonte de receita do Governo de Macau é, desde há muito, a indústria do jogo, ocupando os outros rendimentos uma pequena parcela do bolo total. A epidemia afectou profundamente esta indústria e as receitas do Governo caíram drasticamente. É preocupante o Governo depender financeiramente da taxação sobre um único sector. Se a situação não se modificar, podem ocorrer problemas graves. A única solução é a aposta na diversificação. Para aumentar o rendimento é necessário trabalhar e investir. Como Macau possui um pequeno território e uma vasta população, ainda não reune as condições para investir no sector secundário. Nos anos anteriores, as taxas provenientes da indústria do jogo trouxeram enormes excedentes ao Governo da RAEM. Aplicar as verbas excedentárias em investimentos será a forma ideal de obter rendimentos adicionais. E qual será o melhor investimento? Esta é uma pergunta complicada, com múltiplas respostas. Alguns países investem na construção fora de portas, o que é uma ideia a considerar. Desde que o risco não seja muito elevado, a gestão seja bem feita, o rendimento estável, existem condições para um investimento lucrativo. Se existirem diversas fontes de rendimento, as receitas do Governo de Macau serão estáveis. Esta é a pré-condição para vir a equacionar as despesas. A regulação das despesas do Governo é feita a partir do Artigo 105 da Lei Básica. O Governo deve gerir as contas consoante as suas possibilidades, esforçando-se por equilibrar a balança financeira e evitar os déficits. Perante a hipótese da criação de um sistema de distribuição de excendentes, presume-se que as receitas do Governo sejam superiores às despesas. A distribuição de excedentes representa uma contribuição secundária ao nível da segurança social, permitindo que os residentes partilhem os frutos do desenvolvimento económico. Para além disso, reforça entre os residentes o sentimento de pertença a Macau. É possível que o Governo esteja a considerar transferir todas as verbas excedentárias para um Fundo único, para facilitar a sua gestão. A Segurança Social estaria alocada a este Fundo. Desta forma garantia-se que as verbas necessárias para alimentar este sector estariam garantidas e deixava de criar pressão financeira no orçamento do Executivo. Ou seja, se as verbas no Fundo baixarem, os benefícios sociais diminuem; se aumentarem, os benefícios acompanharão a tendência. Qual a melhor forma de distribuir excedentes? Esta questão prende-se com o futuro do desenvolvimento de Macau. Desde a reunificação que o Governo da cidade tem feito vários planos nesta área, mas o foco deve ser dado à resolução dos problemas da habitação e da segurança na reforma. Os chineses têm um mote “viver e trabalhar em paz com alegria”. Resolver os problemas da habitação significa garantir casa a todos os residentes. Isto é “viver e trabalhar em paz com alegria”. Resolver os problemas da reforma é outro exemplo de “viver e trabalhar em paz com alegria “. Desta forma, o Fundo criado a partir dos excedentes orçamentais poderia ser alocado a empréstimos para aquisição de habitação. Esta medida facilitaria a compra de casa, mas também permitiria que o Governo tivesse um certo controlo sobre o mercado imobiliário. Quando os preços disparassem, suspendia o acesso ao crédito e quando baixassem alargava-o. Hoje em dia, em Macau, a pensão de reforma é de 3.740 patacas mensais. Esta quantia não garante minimamente as necessidades dos pensionistas. É importante que a pensão de reforma seja aumentada. Além disso, como o Governo não tem tido excedentes financeiros nos últimos dois anos, não tem alocado verbas ao Fundo Previdência Central não obrigatório, o que tem afectado as pessoas a partir dos 65 anos. Neste contexto, o Governo deveria considerar o reforço das “verbas da velhice” para beneficiar os idosos. No entanto, a condição para receber a pensão de reforma é viver em Macau. Se este requisito não for preenchido, as pessoas não recebem a pensão. Se futuramente o Governo decidir alterar esta lei, vai naturalmente beneficiar quem tiver residência na China continental. Desde que os residentes de Macau possam “viver e trabalhar em paz com alegria”, a sociedade será naturalmente estável, condição para que haja mais possibilidades de garantir o desenvolvimento de Macau. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesQuando as eleições são uma trama Desde que o Governo da RAE de Hong Kong submeteu à aprovação do Conselho Legislativo a “Improving Electoral System (Consolidated Amendments) Bill 2021”, (Emendas à Lei para Melhoramento do Sistema Eleitoral, 2021), altura em que a maior parte dos deputados democratas se demitiu, as eleições para o Parlamento de Hong Kong, agendadas para o próximo mês de Dezembro, tornaram-se num jogo para os que detêm o poder. As decisões sobre quem se vai candidatar e quem vai ganhar já foram tomadas de antemão. De acordo com a “Improving Electoral System (Consolidated Amendments) Bill 2021”, os lugares do Comité Eleitoral que deveriam ser ocupados por membros do Conselho Distrital, vão ser agora tomados por representantes do Comité da Área da Ilha de Hong Kong, de Kowloon e dos Novos Territórios, do Comité Local de Prevenção de Crimes e do Comité Local de Segurança Contra Incêndios. O número de eleitores elegíveis vindos de sectores profissionais (segundo sector) baixa acentuadamente de quase 204.000, para cerca de 3.800. A Hong Kong Social Workers’ General Union (União de Sindicatos dos Trabalhadores de Hong Kong), bem como a Hong Kong Professional Teachers’ Union (Sindicato Profissional dos Professores de Hong Kong), ligados ao campo pró-democrata, foram surpreendentemente retirados da lista das organizações elegíveis. No que respeita à lista das organizações recentemente integradas no universo eleitoral, podemos afirmar que parece uma boda de núpcias. Estão todas interligadas, à semelhança de uma grande família. Com estas novas disposições, o Conselho Legislativo, para além de se tornar na casa de seguidores acríticos, corre o risco de ser uma lixeira devido a todo o “lixo leal” que virá a conter. Para embelezar a cena política e a própria imagem de Hong Kong, o Conselho Legislativo vai precisar de algumas “jarras com flores democratas”, para fins decorativos. Os democratas radicais estão à partida excluídos das eleições e os democratas de longa data provavelmente não terão interesse em participar neste jogo de “pequenos círculos”. Apenas aqueles que se auto-intitulam de “democratas moderados”, os que se movem nas águas da “terceira via”, terão hipótese de se vir a tornar nas tais “jarras decorativas”. Depois de ter visto Tik Chi-yuen, o presidente da “Third Side” (Terceira Via), ser entrevistado por Ming Pao das Daily News of Hong Kong, a de 7 Abril e pelo apresentador do programa de televisão “On the Record”, produzido pela Television Broadcasts Limited (TVB) a 19 de Abril, acredito cada vez mais que certas pessoas são capazes de fazer o que for necessário, independentemente de tudo, de forma a continuarem a manter-se à tona de água. Quem pretender concorrer às eleições para o Conselho Legislativo tem de assegurar pelo menos duas nomeações de cada um dos cinco sectores que constituem o Comité Eleitoral. A seguir, têm de se submeter à avaliação dos três corpos relevantes (o Supervisor do Processo Eleitoral, o Comité de Análise de Elegibilidade e o Comité para a Salvaguarda da Segurança Nacional) que serão responsáveis pela validação da elegibilidade dos candidatos. Só depois da validação, estão em condições de concorrer às eleições. Os candidatos têm de passar por muitas provas difíceis, especialmente para obter o apoio de diferentes sectores políticos, o que é sem dúvida uma tarefa árdua. Com tais procedimentos eleitorais, os democratas não se deverão candidatar, porque a alma (do povo) não se ajoelha, nem mesmo em prol dos bons salários auferidos pelos membros do Conselho Legislativo. Comparadas com este proesso, as Eleições para a Assembleia Legislativa de Macau, a realizar a 12 de Setembro, vão ser muito mais empolgantes. Como Macau não optou por “Melhorar o Sistema Eleitoral”, a proporção de deputados eleitos por sufrágio directo, por sufrágio indirecto e por nomeação, permanece inalterada. No entanto, o princípio “Macau governado por patriotas” há muito que foi posto em prática. A distribuição dos recursos e o controlo social estão inteiramente nas mãos de que detém o poder. Desde há muito anos que a Democracia não passa de um ornamento na Assembleia Legislativa. Tornou-se claro a partir do momento em que as nove propostas de realização de um debate sobre questões de interesse público, apresentadas separadamente por sete deputados, forma rejeitadas pelas deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa. Emboras os deputados da Assembleia Legislativa eleitos por sufrágio directo possam apenas desempenhar um papel menor, a sedução e as honras do cargo, aliadas a uma generosa remuneração, e vários benefícios potenciais, fazem com que muitos membros de organizações persigam desesperadamente esta posição. Ainda existe algum tempo, até à data limite (15 de Junho) para que as associações políticas, que pretendem participar nas eleições por sufrágio directo, se possam apresentar à Comissão de Candidatura. Algumas destas associações já começaram a fazer a lista de nomes que integram a sua candidatura. O decurso destes preparativos pode vir a originar factos para além do que é possível imaginar e a rivalidade pode vir a ser intensa. A manipulação política decorrente deste processo está completamente orientada para certos fins, e toda a trama envolvente é bem mais empolgante do que a série “House of Cards”. Existe um ditado chinês que afirma “o ouro puro é temperado pelo fogo incandescente”. A trama nas eleições legislativas expõe o lado negro da natureza humana. É tempo de os cidadãos acenderem as luzes e afastarem a escuridão!
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDeixar o Sexo Transcendente A capacidade de nos “absorvemos” pode ser bastante benéfica para o sexo. A absorção é uma característica individual que nos faz mais sensíveis às sensações do corpo, de tal forma que pode levar a uma experiência de transcendência. Diz um estudo que esta capacidade nas mulheres resulta em desejo sexual maior e nos homens, um aumento da sua atividade sexual. Há pessoas que têm uma maior tendência para a absorção do que as outras, afectando, de alguma forma, a sua sexualidade. Para além disso, outra investigação tem sido desenvolvida em torno da capacidade para a transcendência durante a atividade sexual. O orgasmo é o seu facilitador. Características de personalidade à parte, o orgasmo parece suscitar um estado alterado de consciência. Investigadores convidaram participantes a masturbarem-se sob olhar da ressonância magnética para perceber o que é que acontecia ao cérebro. Os resultados parecem confirmar o que muita gente parece descrever da sua experiência– o orgasmo como um estado de perda de controlo momentâneo. A ideia do sexo transcendente pode parecer mística demais, mas ajuda a explicar muito do inexplicável do sexo. Até experiências de sinestesia têm sido documentadas. Pessoas que vêem cores durante o sexo e o orgasmo, transformando a experiência muito para além da mundana. Mas, claro, nesta relação tão íntima do sexo com o transcendente está também a dificuldade das pessoas se conectarem com esta ligação: por várias razões. A primeira talvez seja a admiração contemporânea por tudo o que é cerebral. As pessoas precisam de racionalizar e de ter controlo para terem sucesso na vida. E isso reflecte-se no sexo também. Controla-se tudo para garantir a melhor experiência sexual. É preciso isto aquilo, aqueloutro, é preciso ter xis posições, inovar, ser kinky, todos precisam de ter um orgasmo, se não mais do que um, e pronto. A perfeição, supostamente, consegue-se com planeamento, pesquisa e preparação. Nada contra, nem o objetivo é advogar que o sexo deve ser “espontâneo” – outro mito urbano. A questão é: será que no meio desse planeamento, é possível desligar o cérebro controlador e falante para desfrutar do momento? A segunda é que esta capacidade de “deixar ir” é especialmente difícil quando estamos acompanhados. Quando se baixam as guardas, coisas podem acontecer para além do nosso controlo e isso mostra vulnerabilidade. A vulnerabilidade é assustadora, até a do orgasmo, com as suas cores psicadélicas, ruídos inesperados, caras de prazer não-planeadas. As pessoas são povoadas por ideias de si próprios e dos outros que torna difícil não querer controlar certas coisas. As mulheres tendem a escrutinar mais a sua existência enquanto ser sexual do que os homens, apesar de eles não estarem livres de pressões sociais. Expectativas de magreza, de beleza, de como o corpo assim e assado deve ser apresentado, expectativas de vulvas com lábios simétricos e não muito evidentes, pêlos arrancados. Um apelo ao sexo transcendente é um apelo ao sexo que não será incomodado pelas representações e expectativas do que o sexo deveria ser. Agora que se aproxima o verão, voltamos à carga com as obsessões pelas dietas e ginásios. Parece ainda não haver espaço para os corpos existirem como são e para a sexualidade ser vivida como se quer. A liberdade sexual ainda é um conceito demasiado utópico, ainda que se discuta o sexo de forma mais aberta na esfera pública. As amarras criadas por pressões sociais continuam a actuar sem dó nem piedade. Ainda é necessário um esforço individual e colectivo para que o sexo seja qualquer coisa de extraordinário – ao ponto da transcendência.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDescansa em paz Foi finalmente feita justiça à memória de George Floyd, o negro do Minnesota, morto pela polícia. O agente Derek Chauvin foi considerado culpado das três acusações que sobre ele pendiam. A sentença só será conhecida em Junho, mas acredita-se que será condenado a pelo menos dez anos de prisão. No passado dia 20, o júri pronunciou o seu veredicto. Derek Chauvin pressionou o joelho contra o pescoço George Floyd durante 9 minutos e 29 segundos. Floyd repetiu por várias vezes que não conseguia respirar. O agente ignorou-o e, como é sabido, acabou por morrer. O caso desencadeou manifestações de protesto a nível global. As pessoas protestaram contra o uso de violência excessiva e contra a discriminação racial nos Estados Unidos. Nas alegações finais, a defesa declarou que a acusação não tinha conseguido provar de forma irrefutável que este tinha sido um caso de homicídio, e sublinhou que Derek Chauvin agiu de acordo com a lei. Em resposta, a acusação alegou que o réu deveria ter usado de bom senso e agido de acordo com a situação que se lhe apresentava. A vítima não constituia uma ameaça e não tentou fugir. Chauvin não tinha qualquer necessidade de usar de excesso de força. Como o incidente ocorreu há mais de um ano e foi amplamente divulgado pela comunicação social, o juiz recomendou ao júri que no momento da decisão, não deveriam ser tomados em linha de conta factores sociais, nem qualquer tipo ideias pré-concebidas, mas apenas os factos relatados em tribunal. Os factos e as provas são a base de todos os julgamentos. Enquanto todos os funcionários do Tribunal aguardavam calmamente a decisão do júri, o Presidente Joe Biden quebrou o silêncio e declarou publicamente que as provas apresentadas são sólidas e que espera que os jurados tomem a decisão certa. Estas afirmações como Chefe Supremo dos Estados Unidos, são preocupantes se tivermos em conta a sentença que vai ser anunciada. Se o agente receber uma pena pesada, possivelmente não haverá manifestações de desagrado; mas se receber uma pena leve serão esperadas com toda a certeza manifestações em massa. Para evitar desacatos, Biden convocou a família de G. Floyd dizendo-lhes que, fosse qual fosse a sentença, esperava que conseguissem manter a paz. Biden também disse à família que iria rezar por eles e que partilhava da sua angústia e ansiedade. O Presidente disse à filha de seis anos de George Floyd: “O teu pai mudou o mundo.” Dez horas após o júri se ter retirado da sala de audiências, ficou a saber que Chauvin tinha sido condenado pela acusação de homícidio invonluntário de segundo grau, pela acusação de homícídio voluntário de segundo grau e pela acusação de homicídio voluntário de terceiro grau. O juiz Peter Cahill declarou que o réu vai ouvir a sentença dentro de oito semanas. Como a pena máxima para homicídio voluntário de segundo grau é de 40 anos, para homicídio involuntário de segundo grau é de 10 anos e para homicídio voluntário de terceiro grau é de 25 anos, mesmo que o tribunal decida por uma sentença não acumulativa, no minímo Derek será condenado a 10 anos de prisão. Logo após o júri ter pronunciado o veredicto, Ben Crump, o advogado de acusação, fez um comunicado onde sublinhou que a família de G. Floyd tinha conhecido simultaneamente a dor e a justiça ao longo de um julgamento dramático. Declarou ainda que a decisão do Tribunal não vai afectar apenas o Minnesota, mas também os Estados Unidos e o mundo inteiro. Este processo têm tido um tremendo impacto. Multidões reuniram-se num acto de homenagem à memória de George Floyd, junto ao Tribunal e no local onde foi assassinado, gritando as palavras de ordem “Black lives matter”. Posteriormente, Biden fez também um comunicado na sequência do veredicto do júri. Afirmou que a decisão é um passo no caminho certo. Estamos perante um homicídio à luz do dia. Já existiram muitos casos semelhantes nos Estados Unidos. Este julgamento permitiu que o país avançasse no campo da justiça e espera-se que traga grandes mudanças. Biden acredita que este veredicto encerra uma mensagem sobre a necessidade de reformas na actuação das forças de autoridade. Neste caso estão indiciados mais três agentes, por conivência no crime de homicídio. Vão começar a ser julgados em Agosto. Como está documentado em vídeo que não intervieram para impedir a actuação criminosa de Chauvin, a possibilidade de virem também a ser condenados é alta. A morte de George Floyd ocorreu claramente por uso excessivo de força por parte de Chauvin. Foi causado pelo racismo, desigualdade e discriminação que grassam nos Estados Unidos. Se este incidente vai marcar o início de uma nova era ainda é uma questão em aberto. Para além de Chauvin, estão indiciados mais três agentes. Uma das formas de prevenir comportamentos irregulares por parte dos agentes é o trabalho de equipa. Mas, neste caso, todos os elementos da equipa tiveram a mesma attitude, donde se depreende que estes comportamentos são encarados como “normais” pela polícia. Em vez de afirmar que este caso vai marcar o início de reformas nas forças da ordem, é melhor perguntarmos que medidas eficazes vão ser tomadas pelo Governo dos Estados Unidos para mudar a cultura subjacente à actuação da polícia. Se esta cultura não mudar, mais mortes como a de George vão continuar a acontecer todos os dias. Depois da condenação de Chauvin, esperamos que a família vá gradualmente sarando a sua ferida e que o seu espírito de George descanse em paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesOs ricos querem roubar a bola Há séculos que se discute a luta de classes. É a luta entre os ricos e os pobres. Parece algo de natural, mas não o é e tem havido ao longo dos anos muitas mulheres e homens que têm lutado e perdido a vida pela causa do combate à discriminação entre os seres humanos. Então, não é que na semana passada não se falou em outra coisa do que em futebol? O pontapé na bola entrou na discussão internacional precisamente por causa dos mais ricos quererem atirar para o caixote do lixo os pobres do futebol. Os ricos, como esse mafioso espanhol Florentino Pérez, que tem enriquecido mais à custa da presidência do Real Madrid, está a apadrinhar uma Superliga com apenas dez clubes ricos. Os dirigentes da UEFA já ameaçaram com a expulsão desses clubes que querem fazer parte da Superliga, da actual Taça dos Campeões. E aqui o FC Porto, Benfica e Sporting poderiam ter a oportunidade de regressar a disputar a Taça dos Campeões. Os mesmos dirigentes ameaçaram que os jogadores que tomem parte na Superliga não poderão integrar as selecções nacionais dos seus países. A discussão tem sido feia e a maioria dos clubes rejeita frontalmente que os donos disto tudo no futebol europeu levem para a frente a criação da referida Superliga. A verdade, é que os ricos do futebol querem ainda ficar mais ricos. O balde de água fria que caiu sobre as hostes do futebol, de governos europeus e de federações provocou logo a maior rejeição. O seleccionador português Fernando Santos e o treinador do Sporting, Ruben Amorim, criticaram severamente a ideia, e com eles de imediato os responsáveis dos clubes ingleses e italianos, excepto os da Juventus. O presidente da La Liga de Espanha, Javier Tebas, colocou logo o dedo na ferida acusando Florentino Pérez de ”andar equivocado há algum tempo, agora vejo-o perdido. Creio que é um grande empresário da construção civil, mas um desastre como presidente do Real Madrid”, disse Javier Tebas. Igualmente os presidentes da FIFA e da UEFA tomaram posição contra a ideia da Superliga sublinhando que os clubes que participarem nessa competição sofrerão consequências. Os comentadores televisivos são unânimes em adiantar que se trata de um acto de ganância por dinheiro e como nas sociedades dos humanos, no futebol os ricos querem é ser sempre ainda mais ricos. A ideia da superliga está suspensa porque só o Real Madrid e o Barcelona é que abraçaram o projecto de Florentino Pérez. Os promotores da ideia dizem que vão repensar o projecto. Apesar do abandono dos clubes ingleses, forçados a tal decisão devido á pressão exercida pelos adeptos, tudo indica que a “bomba” será um fiasco sem pernas para andar. Os promotores da ideia já vieram dizer que “dadas as circunstâncias, vamos reconsiderar os passos a dar para remodelar o projecto”. Desconfio que ficará para as calendas. Ninguém nos dias de hoje do mundo de futebol, onde são os pequenos e pobres clubes que dinamizam a modalidade irão permitir que os Ricardos Salgados do futebol consigam levar avante um projecto ignóbil. O Manchester City, que está em primeiro lugar na liga inglesa, a caminho de ser campeão, foi o primeiro dos clubes ingleses a oficializar a saída da Superliga, seguindo-se os graúdos Arsenal, Liverpool, Manchester United, Chelsea e Tottenham. Na Itália verificou-se a saída do AC Milan e do Inter de Milão. A Juventus está a pensar. Resumindo, o fiasco está patente e só o Real Madrid e o Barcelona é que estão ao lado do empreiteiro Florentino Pérez. O absurdo deverá ir por água abaixo, até porque muitos clubes já manifestaram a sua rejeição a qualquer transmissão televisiva dessa possível Superliga. Os muito ricos do futebol pensavam que eram favas contadas e que o baú dos milhões estava atrás da porta. Enganaram-se porque, felizmente, as maiorias ainda têm uma palavra a dizer. Fernando Santos é um homem do futebol há muitos anos e quando ele referiu que não pode ser a ganância pelo dinheiro a reinar no futebol, sabia o que estava a dizer e para bem do futebol esta ideia absurda de uma Superliga deve ir por água abaixo numa das muitas catastróficas inundações que assolam presentemente o nosso globo.
João Romão VozesBola ao centro Anunciada com pompa e inevitável soberba, a superliga do futebol europeu parece ter morrido antes de nascer: um torneio onde o pedigree iria definir o acesso, com alegados precedentes históricos a determinar direitos futuros e participação garantida para os membros fundadores, auto-consagrados como os mais prestigiados do planeta futebolístico, já detentores das maiores riquezas mas à procura de uma apropriação ainda maior dos benefícios globais que o espetáculo da bola vai gerando, entre bilhetes para os estádios, direitos televisivos, mercadorias promocionais, subscrição de canais digitais ou outras formas de rentabilizar marcas de notório sucesso e visibilidade. Não é nova, evidentemente, esta tentativa de transformar em rendas garantidas benefícios que teriam que ser disputados em arenas – ou mercados – com alguma concorrência, ainda que altamente desequilibrada: esta é, na realidade, uma característica marcante do capitalismo tardio que nos tocou viver, já com escassos recursos e mercados por explorar e oportunidades de lucro insuficientes para a avidez dos mais agiotas do planeta. Escasseiam também progressos tecnológicos susceptíveis de transformar empresas em figuras singulares e inimitáveis, criadoras dos seus próprios monopólios, e por isso dos seus rendimentos rentistas, apesar de tudo conseguidos à custa de inteligência e criatividade. Podemos olhar para o primeiro caso – o do esgotamento das oportunidades de exploração intensiva de recursos, como Marx antecipou: a inevitável tendência para a descida da taxa de lucro que havia de matar o capitalismo. Ou podemos olhar para a segunda hipótese, a do esgotamento das possibilidades de inovação, tal como Shumpeter definiu: a burocratização de uma economia que apenas se reproduz, incapaz de gerar novas rupturas e desequilíbrios criativos. Olhemos por um ou por outro prisma, as consequências são semelhantes: é notória nas últimas duas décadas a concentração do capital em enormes empresas transnacionais, com sucessivas fusões e aquisições, mais ou menos hostis, nos mais diversos sectores de actividade, concentrando o poder económico e político em cada vez menos entidades ou pessoas e naturalmente diminuindo a tal concorrência que devia ser apanágio dos mercados livres das economias contemporâneas. Outro exemplo é o da privatização sucessiva de serviços públicos ou de sectores estratégicos das economias, incluindo transportes, energia, educação, saúde, habitação, enfim a mercantilização de tudo o que é essencial à vida humana. Transformando a prestação de serviços públicos em monopólios privados parasitários criam-se novos rendimentos rentistas que dispensam a concorrência e consolidam a concentração da riqueza de quem já a tem à custa da vulnerabilidade e das necessidades básicas da maioria da população. Um exemplo flagrante desta violência económica, social e política é o das vacinas que supostamente irão neutralizar a maior pandemia que jamais afectou a humanidade: com patentes que privaram os benefícios da sua comercialização, resolvem um problema de saúde enriquecendo ainda mais um reduzido número de empresas com ampla hegemonia no mercado global de saúde, neste caso a operar em quase-monopólio, com uma procura global francamente superior à capacidade de oferta e um poder quase absoluto para decidir preços e margens de lucros: cá estamos para pagar o que for preciso, por interpostos governos, para que nos livrem do terrível vírus. Tem sido assim com o resto da saúde, naturalmente: já é pequeno o papel do estado na apropriação do conhecimento e no controle dos processos de produção, ainda que continue a ser um agente essencial à educação, formação, investigação e desenvolvimento científico, neste como noutros sectores essenciais à vida humana. A criação da tal superliga de futebol europeu inscreve-se com facilidade nesta lógica predatória de aceleração e intensificação dos processos de dominação e controle de mercados: um torneio que dispensa boa parte da competição, como outros monopólios dispensam a concorrência económica: até poderia haver umas vagas para quem tivesse méritos devidamente comprovados, mas estariam reservados para a eternidade os lugares ocupados pelos clubes fundadores, essa auto-denominada aristocracia do futebol europeu, com direitos históricos adquiridos por inerência que ultrapassam quaisquer outras veleidades da meritocracia – e da tal competição, que supostamente seria o essencial destes torneios alegadamente desportivos. De resto, na agenda dos agiotas estava também a limitação dos salários e do valor das transferências dos jogadores, aproveitando os super-poderes patronais que a ausência de concorrência consagra na sua plenitude. Não correu bem, no entanto: levantaram-se muitas vozes com determinação suficiente para neutralizar o processo, pelo menos por enquanto: grandes clubes da Alemanha e da França não acederam ao convite, clubes médios com legítimas aspirações à elite protestaram desde o primeiro momento, praticamente todas as instituições reguladoras do futebol europeu, e mesmo os adeptos de alguns clubes supostamente beneficiados vieram rapidamente para a rua gritar. O recuo dos clubes ingleses parece ter neutralizado esta intentona monopolística, a que se seguiram também clubes ingleses e espanhóis. Se a concentração do poder futebolístico continuar, será por outras vias, que não a da imposição administrativa de torneios exclusivos e fechados à competição. De resto, não é a primeira vez que no futebol se nota uma rejeição das tendências contemporâneas do capitalismo tardio que infelizmente não se observa noutros domínios das nossas economias e sociedades: já há alguns anos, também foram grandes os entraves à liberdade de transferência de jogadores, quando já a globalização dos mercados e a liberdade de circulação de pessoas e capitais se expandiam pelo planeta em sucessivos acordos comerciais, económicos e políticos. Na altura, um jogador chamado Bosman havia de se tornar ponta de lança de progressos legislativos que haviam de trazer ao futebol os processos de liberalização condizentes com os do resto da economia. Veremos num futuro próximo em que resultam estas intenções de criação de uma superliga de privilegiados. Não se nota grande coisa noutros domínios da economia, da sociedade ou da política, mas quando toca ao futebol, ainda se levantam as vozes contra o liberalismo vigente. Antes isso. Bola ao centro!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global não é ficção científica (continuação) Os estudantes devem ser sensibilizados para os danos que o consumo de carne causa ao ambiente e para as consequências que teriam de enfrentar com as alterações climáticas. As lições também devem tocar em questões de poluição ambiental. O estabelecimento de uma obrigação de reflorestação a nível nacional com incentivos. Para cada árvore cortada, pelo menos três devem ser replantadas. Aumentariam as penas por fogo posto, reforçariam a vigilância dos incêndios florestais com todos os meios tecnológicos possíveis, e dotariam a força de intervenção de combate a incêndios de mais meios e pessoal. Seriam dados incentivos aos municípios e particulares para replantar árvores em todas as áreas não cultivadas e para os municípios, províncias e regiões, a obrigação de replantar pelo menos três árvores por cada árvore cortada por qualquer razão. O imposto sobre produtos, proporcional à libertação de CO2 na atmosfera que esse produto específico envolve, seria um instrumento formidável para combater as alterações climáticas. O aumento do preço dos produtos poluentes reduziria a procura dos mesmos, e as receitas desta tributação poderiam ser reinvestidas directamente em incentivos. Poder voar para destinos turísticos mesmo a várias horas de distância por algumas dezenas de euros é uma coisa maravilhosa, mas não temos dinheiro, senão acabaremos como a cigarra que não se preocupava com a chegada do Inverno e só pensava em cantar. Temos de fazer sacrifícios como a formiga se quisermos ter um futuro. Chegámos ao absurdo de que se pode gastar muito menos para fazer uma viagem de duas horas de avião do que de comboio. Deveria ser o contrário, porque os comboios poluem muito menos. Uma taxa de carbono ajudaria a restabelecer o equilíbrio. Também os navios de cruzeiro poluem de uma forma assustadora, queimando fuelóleo pesado, mais barato, mas muito mau para a poluição devido ao teor muito elevado de enxofre. O consumo também é muito elevado. Um navio de cruzeiro queima em média cerca de dez toneladas de fuelóleo por hora! Numa semana de cruzeiro, considerando pelo menos cem horas de navegação, seriam mil toneladas, ou seja, um milhão de quilogramas! O Imposto do Carbono afectaria cada produto e quando um produto é composto por muitas partes e componentes o preço final aumentaria de acordo com a soma da pegada ecológica negativa dos componentes. Também no sector alimentar, o Imposto do Carbono voltaria a pôr em jogo produtos locais, penalizados pela concorrência global e pelo mercado comum. É absurdo consumir produtos que vêm do outro lado do mundo com um custo muito elevado em termos de emissões de CO2, quando os podemos produzir ou cultivá-los em casa. Outro produto com um elevado impacto ambiental é a água mineral. As garrafas de água mineral emitem a mesma quantidade de CO2 que uma central eléctrica alimentada a carvão de tamanho médio. Como é muito pesado, de pouco valor e de grande consumo diário, temos de o obter nas zonas mais próximas possíveis ou pagar muito mais caro. Isto significa que aqueles que podem e querem gastar mais optando por águas distantes financiarão pelo menos os incentivos para reduzir o CO2. Outra questão muito importante para o clima é o transporte. Admitindo que a energia deve vir de fontes renováveis, caso contrário seria útil apenas para a poluição local mas não para o CO2, daria ainda mais incentivos aos veículos eléctricos a fim de facilitar a sua aquisição e baixar os seus custos com a produção em massa. Actualmente, os carros eléctricos ainda são demasiado caros para a distribuição em massa. Ao mesmo tempo, seria necessário investir na distribuição generalizada dos pontos de carregamento. Deveriam ser reduzidos definitivamente os preços de todos os meios de transporte públicos, que não podem ser deixados nas mãos de particulares, sendo um serviço público. Como é o caso em vários países nórdicos, a bicicleta deve tornar-se um lugar-comum. Deve ser usado todos os dias, para fazer recados e pequenas compras, mas também para ir trabalhar. Se o fizerem no norte da Europa, onde as condições meteorológicas são piores, imaginem se não o pudermos fazer nos países de sol. Assim, incentivos para a compra de bicicletas, ciclovias em todos os lugares onde são realmente necessárias e não apenas para diversão, aplicações para distribuir incentivos de utilização, partilha de bicicletas nas cidades, mesmo as mais pequenas. Mesmo aqueles que caminham devem ser recompensados e incentivados. Existem aplicações para telemóveis com esta função. Os autocarros, eléctricos e táxis devem ser gradualmente substituídos por propulsão eléctrica utilizando metano ou, melhor ainda, hidrogénio. Os caminhos-de-ferro devem ser muito mais utilizados tanto para o transporte de passageiros como de mercadorias, baixando os preços e, para o transporte de mercadorias, criando infra-estruturas intermodais. Os custos incorridos para aumentar a eficiência energética dos edifícios pagam-se a si próprios ao longo do tempo. O maior problema para a maioria das pessoas é que não têm dinheiro suficiente e não podem permitir-se actualizações de eficiência energética. O Estado deveria intervir, não só com benefícios fiscais, mas também com financiamento a juros zero, o que resolveria este problema. A poupança de energia, bem como a redução de emissões, é vantajosa tanto para o cidadão como para o Estado porque, além de poupar dinheiro, limita a dependência de outros países e afecta positivamente a balança comercial. A optimização da eficiência energética do equipamento eléctrico e electrónico deve também ser fortemente encorajada. Substituir as caldeiras antigas que, se tiverem mais de quinze anos, necessitam de grandes quantidades de electricidade para aquecer. Podem ser obtidas poupanças de electricidade até um terço em comparação com caldeiras mais antigas, o que tem um efeito significativo nas contas de electricidade e nas emissões. Substituir as lâmpadas antigas por lâmpadas LED: as lâmpadas de halogéneo e os projectores que temos não são certamente campeões de poupança. As novas lâmpadas LED são muito mais eficientes e reduzem drasticamente o consumo de electricidade. Não só isso, a sua duração média de vida é superior às lâmpadas tradicionais, e para a maioria dos modelos deve atingir dez anos. Sempre que possível, instalar painéis solares térmicos. No sistema tradicional de distribuição de electricidade, mais de 50 por cento da energia é perdida no caminho o que é uma percentagem enorme. A electricidade deve ser produzida localmente, principalmente através da exploração de fontes naturais tais como o sol, o vento e a água. Estas fontes de energia deveriam, portanto, ser mais incentivadas e as fontes poluentes deveriam ser tributadas. Mais uma vez, as receitas da tributação devem ser canalizadas directamente para incentivos às energias renováveis, à investigação e ao financiamento de instalações, especialmente para a energia fotovoltaica até 3 kWp. Os geradores eólicos não são os melhores para a paisagem e também criam alguns pequenos problemas para as aves e o ruído nas proximidades, mas face a uma possível extinção em massa, escolhendo áreas pouco habitadas e paisagens de pouco significado mas ventosas, estes problemas são de importância secundária e dever-se-ia investir fortemente neste tipo de produção de energia renovável. Sempre que possível, a produção de energia de biomassa deve ser estabelecida perto de locais onde existam quantidades de biomassa. O método Beccs (Bio-energia com captura e armazenamento de carbono) deve ser utilizado em grandes áreas agrícolas, mas pouco exploradas ou não cultivadas. Baseia-se no cultivo de plantas capazes de fixar muito carbono e depois utilizá-las como combustível para obter electricidade. Seria um sistema de custo relativamente baixo que poderia remover até cinco mil milhões de toneladas de CO2 do ar por ano. Outra fonte alternativa poderia ser representada pelos biocombustíveis obtidos a partir do processamento de cereais, madeira, gordura ou com a parte não comestível das plantas, que têm a vantagem de reduzir até 90 por cento das emissões de CO2 em comparação com a gasolina e não “matar à fome o mundo” como o bioetanol, que em vez disso provém do processamento de cereais, acusado de desviar quantidades significativas da produção agrícola de milho e outros cereais para a alimentação e, portanto, de ser responsável pelo aumento dos preços dos alimentos nos últimos anos. A recolha diferenciada deve ser alargada a todos os municípios dos países porque cada quilograma de material reciclado poupa dezenas de quilogramas de dióxido de carbono libertado para a atmosfera. Também a percentagem de material recolhido separadamente deve aumentar para todos os municípios e atingir pelo menos 80 por cento. Actualmente, não são muitos os municípios que o conseguem. A recuperação de objectos usados, bem como a reciclagem, para além de reduzir as emissões de CO2, também cria empregos e uma economia ecológica. A fim de reutilizar é necessário educar a população para esta prática e encorajar as associações que lidam com ela. Seria necessário convencer as pessoas, com publicidade direccionada, a comprar menos. Por vezes não nos damos conta de que estamos a comprar objectos do quotidiano que são abandonados no esquecimento ou pior, descartados, quando se trata de comida. A produção de uma camisola de lã tem o mesmo impacto de CO2 que um mês de aquecimento da nossa casa, uma T-shirt é equivalente a dois ou três dias de energia. Se todos comprássemos menos artigos, haveria menos produção e com ela menos CO2 desperdiçado. A utilização de cimento, que tem um impacto significativo nas emissões, bem como a retirada de espaço às áreas verdes que absorvem CO2, deve ser reduzida ao mínimo absoluto, dando prioridade à recuperação e valorização dos edifícios existentes. Temos demasiados edifícios abandonados ou não utilizados que estragam a paisagem. Quando não for possível prescindir dele, deve ser utilizado “betão verde”. A produção de cimento é uma das maiores fontes de emissões de CO2. Assim, a redução da pegada ecológica deste material de construção poderia ser alcançada através da adopção do “betão verde”, que é produzido a partir de resíduos industriais, reduzindo assim a extracção de matérias-primas. A sua fórmula prevê, além disso, a utilização de silicatos de magnésio, capazes de absorver grandes quantidades de CO2 durante as fases de arrefecimento e instalação.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNovo plano de apoio A 12 de Abril o Governo de Macau lançou as novas normas de apoio ao consumo através do cartão electrónico. As novas medidas baseiam-se no modelo de 2020. Cada residente permanente e não permanente vai ter direito a um total de oito mil patacas: cinco mil de montante inicial e três mil para descontos imediatos. Embora o limite diário continua a ser de 300 patacas diárias, devido à possibilidade dos descontos imediatos, na prática os residentes beneficiam de um valor diário de 400 patacas. Os residentes precisam de se registar junto da Autoridade Monetária para poderem beneficiar deste novo plano. Como das 400 patacas diárias, 75 por cento é retirado do montante inicial e 25 por cento dos descontos imediatos, após as 5.000 patacas do montante inicial terem sido gastas, terão sido consumidas apenas 1.666,66 patacas do valor alocado aos descontados imediatos. Desta forma vão sobrar 1.333,33 patacas da verba respeitante a esta última alínea. Como é que se vai gerir o montante remanescente? De forma simples, recarregando o cartão com mais 4.000 patacas referentes ao montante inicial, de forma a poder usar o que sobrou em descontos imediatos. Estas 4.000 patacas não vão estar sujeitas a um limite diário. Assumindo que todos os residentes irão receber as 4.000 patacas adicionais, somando às primeiras 8.000 (5.000 em montante inicial e 3.000 em descontos imediatos), o mercado irá absorver 12.000 patacas por cada residente. Num universo de 735.800 residentes, o mercado vai ser injectado, devido a estes apoios, com o montante de 8.829 biliões. As PMEs e os residentes são os beneficiários deste novo plano. Para o comércio que se dedica à venda de artigos mais caros, como joalharias e lojas de electrodomésticos, estas medidas não farão grande diferença. Mais de 90 por cento das empresas de Macau são PME´s, e 40 por cento dos trabalhadores da cidade labora nestas empresas e é provável que venha a usufruir deste novo plano. Depois destas novas medidas terem sido anunciadas, os comerciantes começaram a pensar na melhor forma de rentabilizarem o apoio. Alguns restaurantes criaram o “menú de 400 patacas”. Algumas lojas estipularam alternativas de acordo com o novo plano e estão dispostas a fazer mais descontos. A margem de lucro diminui, mas as vendas aumentam. Esta abordagem demonstra às pessoas que os preços não estão a aumentar devido aos apoios, e que se pode facultar aos consumidores mais bens e serviços, facilitando, ao mesmo tempo, o equilíbrio entre os lucros e os gastos. Independentemente da opinião de cada um, sempre que repararmos que uma loja aumenta os preços, devemos reportar a quem de direito para garantir que todas estão a negociar de forma razoável. O Governo também deverá levar a cabo inspecções a título preventivo. Este novo plano recebeu boas críticas por várias razões. Em primeiro lugar, porque, embora tenha uma parcela de fundos iniciais e outra de descontos imediatos, funciona automaticamente e não requer cálculos, ao contrário do plano antigo que implicava uma série deles. Em segundo lugar, o novo plano é semelhante ao de 2020, e por isso é de mais fácil compreensão. Além disso, as instituições financeiras de Macau continuam a oferecer descontos nos pagamentos electrónicos. Estes descontos podem ser adicionados aos que são facultados pelo plano de apoio e os residentes podem usufruir de mais benefícios. Em terceiro lugar, para os idosos a nova modalidade é muito mais fácil de usar. Os cartões de consumo são práticos e menos sujeitos a erros. Os mais idosos preferem-nos. Por último, o montante inicial permite que as pessoas tenham um acréscimo de dinheiro para as suas despesas. Pelo método antigo, as pessoas tinham tantos mais descontos quanto mais consumissem, o problema era que quem não tinha dinheiro para compras também não podia beneficiar dos descontos. Este era o principal motivo das críticas ao plano anterior. Está ainda em estudo se os trabalhadores não residentes e os estudantes estrangeiros, podem vir a beneficiar dos descontos em cartão. Além disso, actividades como os transportes, não estão incluídas no novo plano. Existe ainda lugar para a optimização destas medidas. Afectadas pela pandemia, as receitas fiscais do Governo caíram a pique. A capacidade de equilibrar as receitas e as despesas num período de déficit vai pôr o Executivo à prova. Antes de Macau conseguir recuperar a sua economia, estes planos de apoio terão de continuar a existir para estabilizar o emprego e ajudar a manter as empresas. A alteração do plano a que agora assistimos, resultou da capacidade do Governo de escutar as opiniões da população. É um bom princípio que se deve conservar para continuar a melhorar o plano de futuro. De momento, o Governo deve apostar na melhoria de uma rede Wi-Fi para servir a população de Macau. Os residentes também devem permanecer na cidade e consumir tanto quanto possível. Se consumirmos localmente, sairemos da recessão económica mais rapidamente. Outra questão; os subsídios para a electricidade e a água estão a chegar ao fim. Este tipo de subsídios é muito importante para as famílias mais pobres. Será que o Governo vai continuar a subsidiar os gastos de água e electricidade? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesOs guardiões da informação Quando um assaltante se aproxima de um transeunte com uma faca, se não houver agentes à vista, o que fazer? Devemos chamar a polícia, fugir, gritar alto e bom som ou resistir? Se nada for feito, em breve haverá outra vítima. O que aconteceu recentemente com os jornalistas portugueses da Teledifusão de Macau (TDM) fez soar o alarme junto dos seus conterrâneos e colegas de profissão. Se as pessoas ignorarem os acontecimentos e não expressarem as suas opiniões, os comportamentos anormais passam a ser a regra. O que acontece na sociedade requer a atenção e a participação de todos, porque a indiferença é muitas vezes a causa de tragédias sociais. A Peking University Press publicou a versão chinesa do livro “Elementos do Jornalismo”, uma obra sobre jornalismo e comunicação. O livro salienta que “o principal propósito do jornalismo é fornecer aos cidadãos a informação de que precisam para ser livres e autónomos”, e não espalhar e promover o patriotismo, porque a promoção do patriotismo é tarefa do departamento de propaganda. O livro assinala dez princípios do jornalismo, sendo o primeiro: “fidelidade à verdade” e “fidelidade aos cidadãos”, porque a verdade é mais importante do que a mentira, e porque a lealdade ao povo pode ajudar a criar uma boa gestão governamental. Falar sobre tudo é correcto, mas apoiar todas as medidas tem o mesmo efeito que retirar os travões e a buzina do carro, o que seria desastroso para os outros condutores e para os peões. Quer o Governo da RAEM quer a TDM emitiram comunicados a propósito da demissão dos jornalistas portugueses, onde mencionavam o Artigo 28 da Lei Básica de Macau, e salientavam os direitos e deveres fundamentais dos residentes da RAEM. E agora, quem é que vai ter a última palavra sobre liberdade de imprensa, o Governo da RAEM, os responsáveis pelos orgãos de comunicação social ou o chefe que actua nos bastidores? Não é líquido que venha a ser o mais forte a ditar as regras. Tudo neste mundo deve ter por base a razão. Estou em crer que os vários jornalistas portugueses que se demitiram da TDM não seriam novatos no ofício. Se assim não fosse, a TDM não teria escolhido funcionários séniores para os substituir. Os seus conhecimentos dos Estatutos da TDM não deveriam ser menores do que os de qualquer membro da nova Comissão Executiva da TDM. O problema pode ter sido uma questão de interpretação do papel que lhes foi destinado e dos propósitos a atingir. Num jogo de futebol, o tamanho e a localização da baliza são sempre os mesmos. Se estas variáveis mudassem, os jogadores não iam aguentar. Houve um experiente jornalista de Macau que escrevia bons artigos, mas que via muitas vezes as partes mais relevantes das suas peças cortadas pelo editor. As muitas pessoas que o liam acreditavam que tudo corria pelo melhor, mas os artigos perdiam autenticidade e deixavam de ser leais para com os cidadãos. Para repôr a verdade, o jornalista postou as partes censuradas no seu Facebook. Desta forma, não transgredia as normas do seu local de trabalho, mas permitia que as pessoas pudessem ler os artigos na integra. De facto, enquanto há vida há esperança. Quem são os guardiões do jornalismo? Será um Governo competente, que sabe que os orgãos de comunicação social são a melhor forma de monitorizar o desempenho dos Executivos? Será alguém que dirige uma agência noticiosa, que sabe como respeitar a liberdade de imprensa, ao invés de louvar sistematicamente quem detém o poder? Serão os jornalistas que trabalham no terreno e que acima de tudo honram a sua profissão? Ou serão os cidadãos que acreditam que dos jornalistas se espera um determinado número de direitos e de deveres? Quando um assaltante esfaqueia um transeunte, como é que é possível que as testemunhas se deixem ficar quietas e assistam em silêncio ao crime?
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global não é ficção científica “It is worse, much worse, than you think. If your anxiety about global warming is dominated by fears of sea-level rise, you are barely scratching the surface of what terrors are possible.” David Wallace-Wells The Uninhabitable Earth: Life After Warming A Carta da Terra é um dos documentos fundamentais no combate ao aquecimento global. A Carta da Terra é o produto de uma década de diálogo global e transcultural sobre objectivos e valores comuns. O projecto da Carta da Terra começou no quadro das Nações Unidas, mas foi continuado e complementado por uma iniciativa da sociedade civil. A Carta da Terra foi finalizada e depois lançada como uma “Carta” em 2000 pela Comissão da Carta da Terra, um organismo internacional independente. A elaboração da Carta da Terra envolveu o processo mais participativo alguma vez associado à criação de uma declaração internacional. Este processo é o principal recurso para a sua legitimidade como um quadro ético central. A legitimidade do documento foi ainda mais reforçada pelo apoio de mais de quatro mil e oitocentas organizações, que incluem muitos governos e organismos internacionais. A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica no século XXI. A Carta visa inspirar em todos os povos um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade partilhada para o bem-estar de toda a família humana, da grande comunidade da vida e das gerações futuras. A Carta é uma visão de esperança e um apelo à acção. A Carta da Terra preocupa-se principalmente com a transição para formas sustentáveis de vida e desenvolvimento humano sustentável. A Carta reconhece que os objectivos de protecção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento económico equitativo, respeito pelos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis. Consequentemente, o documento fornece um ponto de referência integral e abrangente para orientar a transição para um futuro sustentável. O preâmbulo é muito claro e sucinto ao afirmar que estamos num ponto de viragem crítico na história do planeta, numa altura em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, o futuro comporta tanto grandes perigos como grandes oportunidades. Para avançarmos, devemos reconhecer que, no meio de uma tão magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos unir-nos para construir uma sociedade global sustentável baseada no respeito pela natureza, direitos humanos universais, justiça económica e uma cultura de paz. Para tal, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos a nossa responsabilidade uns para com os outros, para com a grande comunidade da vida, e para com as gerações futuras. A humanidade é parte de um grande universo em evolução. A Terra, a nossa casa, está viva e é o lar de uma comunidade viva única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura desafiante e incerta, mas a Terra proporcionou as condições essenciais para a evolução da vida. A resiliência da comunidade de seres vivos e o bem-estar da humanidade dependem da preservação da saúde da biosfera, com todos os seus sistemas ecológicos, rica diversidade vegetal e animal, solo fértil, e ar e água limpos. O ambiente global, com os seus recursos finitos, é uma preocupação comum de todos os povos. Proteger a vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um compromisso sagrado. A situação global mostra que os sistemas dominantes de produção e consumo estão a causar devastação ambiental, esgotamento de recursos e extinção maciça de espécies vivas. Comunidades inteiras estão a ser destruídas. Os benefícios do desenvolvimento não estão equitativamente distribuídos e o fosso entre ricos e pobres está a aumentar. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos são generalizados e causam grande sofrimento. O aumento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológicos e sociais. Os próprios alicerces da segurança global estão ameaçados. Estas tendências são perigosas, mas não inevitáveis. Os desafios futuros tem por base a nossa escolha, pois ou criamos uma aliança global para proteger a Terra e cuidar uns dos outros, ou corremos o risco de destruição, a nossa e a da diversidade da vida. Precisamos de mudanças radicais nos nossos valores, instituições e estilos de vida. Temos de perceber que, uma vez satisfeitas as necessidades básicas, o desenvolvimento humano tem sobretudo a ver com ser mais, não ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia para proporcionar a todos, e para reduzir o nosso impacto sobre o ambiente. A emergência de uma sociedade civil global está a criar novas oportunidades para a construção de um mundo humano e democrático. Os nossos desafios ambientais, económicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções que os abranjam a todos. Deve existir uma responsabilidade universal para alcançar estas aspirações, temos de resolver viver com um sentido de responsabilidade universal, mais em era de COVID-19, identificando-nos com toda a comunidade terrestre, bem como com as nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de diferentes países e de um único mundo, no qual as dimensões locais e globais estão ligadas. Cada um de nós tem a nossa quota-parte de responsabilidade pelo bem-estar presente e futuro da família humana e do mundo maior dos seres vivos. O espírito de solidariedade e parentesco humano com todas as formas de vida é reforçado quando vivemos com um profundo respeito pelo mistério do ser, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade sobre o lugar dos seres humanos na natureza. Precisamos urgentemente de uma visão partilhada de valores fundamentais que proporcionem uma base ética para a comunidade mundial emergente. Portanto, unidos na esperança, os princípios interdependentes são fundamentais para um modo de vida sustentável como padrão comum pelo qual a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais deve ser orientada e avaliada. Como nunca antes na história, o nosso destino comum obriga-nos a procurar um novo começo. Esta renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, devemos comprometer-nos a adoptar e promover os valores e objectivos da Carta. Isto requer uma transformação do coração e da mente, um sentido renovado de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar imaginativamente a visão de um modo de vida sustentável a nível local, regional, nacional e global. A nossa diversidade cultural é um património precioso e diferentes culturas encontrarão caminhos específicos e diferentes para realizar esta visão. Precisamos de aprofundar e alargar o diálogo global que gerou a Carta da Terra, porque temos muito a aprender com o trabalho conjunto numa busca comum de verdade e sabedoria. A vida envolve frequentemente tensões entre valores importantes. Tal pode significar escolhas difíceis. Contudo, devemos encontrar formas de harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objectivos a curto prazo com objectivos a longo prazo. Cada indivíduo, família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes, ciências, religiões, instituições educacionais, meios de comunicação, empresas, organizações não-governamentais e governos são todos chamados a fornecer uma liderança criativa. A acção conjunta do governo, da sociedade civil e das empresas é essencial para uma governação eficaz. A fim de construir uma comunidade global sustentável, os Estados do mundo devem renovar o seu compromisso com a ONU, cumprir as suas obrigações ao abrigo dos acordos internacionais existentes, e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com instrumentos internacionalmente vinculativos em matéria de ambiente e desenvolvimento. Que a nossa era seja recordada pelo despertar de uma nova reverência pela vida, pela determinação em alcançar a sustentabilidade, pela aceleração da luta pela justiça e pela paz, e pela celebração alegre da vida. Esta “lista de fazer” é uma lista não exaustiva das coisas mais urgentes e importantes que se devem fazer para combater as alterações climáticas, se estivesse na pele de um decisor político. Nem todas podem ser implementadas, ou em qualquer caso para algumas delas teremos de fazer compromissos, ou teremos de diluí-las com o tempo, mas temos de agir em todas as frentes e a nível global se quisermos realmente reduzir o efeito de estufa. Estamos num camião carregado ao máximo numa estrada de montanha e estamos perante uma descida que está a tornar-se cada vez mais íngreme. Se não travarmos imediata e decisivamente, a velocidade irá aumentar a cada segundo. A dada altura, será tal que não seremos capazes de a impedir. Os travões podem sobreaquecer e parar de funcionar. Iremos para o abismo na primeira esquina. Em primeiro lugar, uma vez que já estão em vigor e foram longamente discutidos, devem ser tomadas todas as medidas possíveis a nível internacional para assegurar que os acordos sobre alterações climáticas celebrados sejam efectivamente implementados por todos os Estados, introduzindo sanções severas para aqueles que não o fizerem. Os Estados que se retiram dos acordos também devem ser penalizados. Devemos esforçar-nos por conseguir que o maior número possível de Estados adopte as medidas estabelecidas, o que tornaria muito mais fácil alcançar os objectivos do Acordo Climático de Paris. Só conseguiremos combater eficazmente o aquecimento global, é porque todos os Estados fizerem o seu melhor. Como diz o famoso ditado, uma andorinha não faz a primavera. A pecuária intensiva, devido à libertação tanto de metano como de CO2 e à desflorestação que serve para criar áreas adicionais de cultivo para o sustento dos animais de criação, contribui significativamente para o efeito de estufa. A redução do consumo de carne e consequentemente a agricultura intensiva pode ser feita imediatamente e não tem custos intrínsecos. O único custo seria o de apoiar os trabalhadores e empresas da indústria da carne na transição de uma agricultura intensiva para um tipo de agricultura que tenha menos impacto no ambiente. A transição deve ser gradual, de modo a não penalizar demasiado o sector. Começaria por aplicar a taxa de carbono. O preço da carne subiria, reduzindo assim a procura. Ao mesmo tempo, a fim de sensibilizar os cidadãos, publicar-se-iam anúncios governamentais em todos os meios de comunicação social para reduzir o consumo, tanto para proteger o ambiente como a nossa saúde. Para além dos anúncios, introduziriam emissões em horário nobre nas redes mais populares com debates e conferências sobre o tema com especialistas que não estão envolvidos com os lobbies industriais. Nas escolas, seria introduzida a Educação Alimentar e Ambiental como disciplina didáctica. Haveria uma grande necessidade, não só de educar os jovens para uma dieta saudável, dada a tendência significativa de aumento do número de pessoas obesas e doenças relacionadas, mas também de instilar nas suas mentes a não descartar qualquer tipo de desperdício, como infelizmente muitos fazem. (continua)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSofagate: o Jogo das cadeiras diplomático O mais recente “Sofagate” revelou algumas dinâmicas da política e do género no panorama internacional. Quando os líderes da Europa foram visitar o Presidente da Turquia confrontaram-se com um protocolo que se tornou viral nas redes sociais. O presidente não pareceu ter cadeiras suficientes para o número de convidados. Os homens prontamente sentaram-se nas cadeiras, a única mulher ficou em pé, de braços a questionar, “hmm”? O gesto disse tudo. O desconforto poderá ter sido espoletado pela crescente tensão entre a Europa e a Turquia. Alguns discordam desta visão tão simplista. Há quem ache que tenha sido um gesto propositado de desrespeito contra uma mulher no poder. Não é fácil identificar a raiz do problema, o que é certo é que a esfera pública ruminou sobre o assunto. A recente retirada da Turquia da Convenção de Istambul pode ser sintomática desta re-definição de valores e prioridades. A Convenção de Istambul foi redigida e assinada por vários países em 2012 para garantir que a violência contra as mulheres é legalmente penalizada. Mas a Turquia, uma das primeiras a assinar, saiu da convenção em 2021. A razão apresentada foi da linguagem inclusiva que normaliza os casais do mesmo sexo como protegidos pelos mesmos direitos. A preocupação com um possível “atentado contra os valores tradicionais” foi a justificação dada pelo governo Turco para sair do acordo que garantia os direitos das mulheres que lá vivem. Entretanto, coincidência, ou não, as mulheres na Turquia andam a morrer todos os dias, vítimas de violência dos seus namorados e ex-namorados. Um problema que parece não ter a atenção que precisa- Um movimento nas redes sociais – que esteve muito em voga há uns tempos – motivava as mulheres a fotografarem as suas fotos a preto e branco. Da mesma forma como as fotografias das mulheres que desapareceram aparecem nos jornais da Turquia, todos os dias. Depois acontecem estes incidentes diplomáticos que nos deixam com a pulga atrás da orelha. Será que foi uma coincidência e falta de organização muito tristes? Ou será que foi uma demonstração flagrante do quanto se está a retroceder na proteção de direitos humanos? Houve ali outras dinâmicas interessantes. A culpa pode não ser só da Turquia que só tinha duas cadeiras disponíveis para três pessoas. Os olhos ficaram postos no outro homem, o presidente do Conselho Europeu, que se sentou na única cadeira disponível num ápice. Se calhar achou que estavam a brincar ao jogo das cadeiras, onde o triunfo é dos mais rápidos que conseguem um assento. Diz o presidente do Conselho Europeu que agora não dorme com remorsos, já que ninguém tem poupado críticas à sua inacção. A posteriori percebeu a sua falta de sensibilidade. No momento, pareceu completamente a leste dos assuntos que importam verdadeiramente: o de não apoiar, de forma nenhuma, uma diplomacia potencialmente sexista. A preocupação da Turquia estagnar o desenvolvimento de direitos humanos básicos, é real e preocupante. Por isso é que os olhos estão postos neles: os media e as redes sociais têm estado atentos às injustiças que se têm normalizado naquele país. Mas uma outra lição importante nestas questões de género é que é preciso entender as pessoas como agentes activos. Importante também é responsabilizar todos os que estão à volta para a forma como, inadvertidamente, podem estar a contribuir para um sistema medieval de desigualdade de género, em prol de protocolos ou conformismos desnecessários. A tendência de apontar dedos a culpados e de simplificar o que é complexo, deixa por analisar a forma como até aqueles que se dizem pelos valores humanos, ainda assim, não promovem a solidariedade necessária para que situações destas deixem de existir. Só assim é que se deixa a parvoíce de um jogo de cadeiras.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHoras extraordinárias Macau foi afectado pela epidemia do novo coronavírus e, com muito menos turistas, a economia tem-se ressentido bastante. As pessoas podem considerar-se felizes quando têm trabalho. Mas também há quem faça horas extraordinárias. Este trabalho suplementar deve ser compensado com dinheiro ou com dias de descanso? No passado dia 8, a Assembleia Legislativa de Macau debateu a “Alteração à Lei do Orçamento para 2020”, tendo sido analisadas questões relevantes. Entre elas, a compensação das horas extraordinárias realizadas pelos trabalhadores do Parlamento. Entre Janeiro e Maio de 2020, os funcionários da Assembleia foram pagos pelas horas extraordinárias. Devido às restrições trazidas pela pandemia estes pagamentos foram suspensos depois do mês de Maio. Mas em Novembro a situação voltou a alterar-se. As horas extraordinárias voltaram a ser pagas. Para além disso, devido ao excedente orçamental, os funcionários podem escolher entre receber essas horas em dinheiro ou em tempo de descanso. Actualmente, as directrizes encorajam os funcionários a realizarem o seu trabalho no horário normal, de forma a fazerem o menor número de horas extraordinárias possível. Entre os deputados as opiniões dividem-se quanto à forma de compensar as horas extraordinárias. Deverão ser pagas em dinheiro ou em tempo de descanso? Muitos acreditam que só a compensação financeira é motivadora. Estes deputados defendem que o controlo orçamental não deve afectar os trabalhadores. A carga de trabalho na Assembleia Legislativa é cada vez maior. Como o quadro de pessoal não é alargado, os funcionários precisam de trabalhar mais horas. Sem compensação monetária a motivação diminui. Na sessão de dia 8, chegou-se à conclusão que a Assembleia compreende a aspiração dos trabalhadores de verem pagas as horas que trabalham a mais, e que serão feitos os possíveis para a satisfazer se houver excedente orçamental. Devido a esta epidemia que já grassa há mais de um ano, muitas pessoas perderam o trabalho e outros viram o seu horário de trabalho reduzido. Se houver redução de horário vai haver redução de salário. As concentrações de trabalhadores afectados pela pandemia à porta da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais reflectem o impacto desta situação. Hoje em dia não é fácil ter um trabalho estável. As horas extraordinárias permitem que os trabalhadores tenham um pagamento suplementar. Não só aumentam o rendimento, como aumentam a sensação de segurança. Claro que há sempre pessoas que não querem fazer horas extraordinárias. Evitar contactos directos é uma forma de reduzir a possibilidade de ser infectado. Ir para casa após o período normal de trabalho desfrutar do ambiente familiar, é uma boa forma de vida. Como parte do Governo da RAEM, as conclusões da Assembleia Legislativa reflectem a vontade de vir a pagar aos seus funcionários as horas que trabalharem para além do horário normal. A carga de trabalho no Parlamento tem vindo a aumentar. Sob as actuais directrizes governamentais, é natural que o quadro de pessoal não tenha sido alargado, mas é inevitável que venham a ser pagas as horas extraordinárias efectuadas pelos trabalhadores. As compensações pagas pelo empregador pelo trabalho dos funcionários são um reflexo do cumprimento de um dever. Os trabalhadores estão dispostos a fazer horas extraordinárias, desde que devidamente compensados, e o empregador compreende a necessidade de os compensar. Os dois lados compreendem-se entre si, o que é verdadeiramente raro. Para já, não vai ser fácil recuperar a economia de Macau. O desemprego e os cortes salariais vão continuar por algum tempo. A decisão da Assembleia Legislativa foi boa para os seus funcionários, mas também foi um exemplo para a sociedade de Macau. Esperemos que, à semelhança da Assembleia Legislativa, outros empregadores possam compensar financeiramente os funcionários que trabalham horas a mais. Desta forma, todos saem a ganhar. Quando a epidemia acabar, as condições sociais vão melhorar, a economia vai recuperar e haverá mais emprego. Esperamos que o futuro nos traga dias melhores. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA Justiça tem de ser branca Os juízes vestem de preto, os advogados aparecem de toga preta, os procuradores estão de preto e até os escrivães estão em tribunal com uma capa preta nos ombros. Todos têm de passar a vestir de branco, que é a cor do luto chinês. Portugal assistiu ao caso mais triste da história da Justiça na democracia que já tem 40 anos: a actividade de José Sócrates. Como agente técnico iniciou-se na Covilhã a levar projectos à Câmara Municipal, cujas obras ainda hoje são uma vergonha. Assistimos a uma esponja gigante nas mãos de um juiz chamado Ivo Rosa que arrasou e desvirtuou todas as acusações contra o ex-primeiro-ministro. Todos os portugueses sabem que vão pagar por mais de 30 anos as Parcerias Públicas e Privadas (PPP) que José Sócrates aprovou. Como é possível termos uma justiça em que um juiz de uma incompetência a toda a prova arroga-se ao desplante de brincar com o trabalho de dezenas de funcionários do Ministério Público? Afinal, para que serve o Ministério Público? Todos os portugueses viram o que aconteceu entre Sócrates e o seu amigo Carlos Santos Silva e o juiz veio dizer que não houve nenhuma corrupção, aliás, afirmou que num caso Sócrates tinha sido corrompido mas que esse caso já prescreveu. Eram férias no luxo, eram casas luxuosas no centro de Lisboa, eram financiamentos para amantes, era dinheiro para a compra de um palacete em Paris, era dinheiro para um monte no Alentejo para a ex-mulher, eram as viagens à Venezuela onde Sócrates e Hugo Chávez tornaram-se íntimos sob a batuta da empresa Lena que iria construir um porto e milhares de habitações, eram os encontros com Lula da Silva e vimos o que aconteceu com a Vivo/Oi, eram as ligações a Ricardo Salgado, era a escandalosa versão que tivemos da Portugal Telecom com a união a Henrique Granadeiro e a Zeinal Bava, era a TVI que tinha de ser comprada para ficar ao seu serviço ou colocar a Manuela Moura Guedes na rua e todos os jornalistas críticos da actuação de um primeiro-ministro que autorizou que o criminoso Kadhafi montasse uma tenda de campismo gigante no interior do Forte histórico de São Julião da Barra, era o servilismo do Grupo Global que tinha o Diário Notícias, a TSF e outras publicações que sob a batuta de um criado de Sócrates apresentava uma informação simplesmente defensiva do chefe do Executivo, era a criação pela empresa Lena do diário “i” apenas para defender a política socratina, era a Octafarma que era a única a fornecer o sangue ao Estado e que depois até deu emprego ao ex-primeiro-ministro, eram os depósitos de milhões na Suíça, em Macau e em várias offshores. Assistimos a um juiz a afirmar que é algo de normal um amigo emprestar dinheiro. Aeroporto novo, TGV, terceira ponte sobre o rio Tejo em Lisboa, milhões de euros que saíram da Caixa Geral de Depósitos para Vale de Lobo eram imitações do Freeport e Face Oculta, mas não, estamos todos enganados. José Sócrates é seriíssimo, nunca entrou em cambalacho nenhum, nunca mandou construir uma autoestrada desnecessária. Nunca deu ordens ao seu condutor privado para levar ou ir buscar envelopes cheios de dinheiro. Tudo mentira, tudo não passa de uma falsidade do Ministério Público, nunca houve corrupção no reinado de Sócrates. O juiz Ivo Rosa para não ser alvo de um processo disciplinar por incompetência, lá decidiu que Sócrates terá de ser julgado por branqueamento de capitais e falsificação de documento. Coisa pouca, para um santinho que até uma das amantes vinha todos os meses da Suíça buscar dinheiro a Lisboa, porque o amigo Carlos Silva é que suportava. Ah grande juiz, não sabemos o que lhe irá acontecer depois de o Ministério Público requerer para o Tribunal da Relação, onde, felizmente, ainda estão juízes muito sérios e competentes. A opinião pública portuguesa ficou atónita. Perguntou-se para que serviram sete anos de investigação de centenas de casos, milhares de escutas telefónicas, para no fim um juiz debitar durante quatro horas tudo o contrário do que o Ministério Público andou a elaborar. E a procuradora-geral da República o que dirá de uma cena destas tão triste? Foi evidente ao longo de todo o discurso do juiz Ivo Rosa que ele quis prestar contas contra o colega Carlos Alexandre e contra o Ministério Público. O juiz Ivo Rosa chegou ao ponto de dizer que havia muito, mesmo muito dinheiro à disposição de Sócrates e acabou por arquivar qualquer acusação de corrupção. Com este Marquês-Sócrates o povo perdeu ainda mais a confiança na Justiça. O pobre continuará a dizer que a justiça é só para si, que os ricos nunca serão incriminados. A vergonha maior foi termos assistido que existiu uma manobra por parte da defesa dos arguidos para conseguirem chegar à prescrição dos crimes indicados. Na semana passada informámos em primeira mão que o actual primeiro-ministro António Costa poderá ser candidato a Presidente da República. Pois, que pense bem em tudo conseguir para ser eleito, porque José Sócrates nunca será condenado e apenas sonha em chegar ao cargo de Chefe de Estado. É que em Portugal até os porcos voam… Na Justiça não pode haver estados de alma, não pode haver vinganças por parte dos magistrados intervenientes. Isto é muito feio e, por isso, a Justiça tem de deixar de ser preta, mas sim pintada de branco, como o luto chinês. *Texto escrito com a antiga grafia