Sérgio de Almeida Correia VozesSobre a estabilidade da RAEM [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Ciência Política há várias formas de encarar o conceito de estabilidade. Para um autor como Bruce Russett, a medida da estabilidade é vista através do número médio de anos que os executivos permanecem em funções. Esta ideia tende a ser confundida com a de longevidade e, como sublinhou, Hurwitz, é falaciosa, pois pode levar a que qualquer mudança seja vista como sinal de instabilidade, o que muitas vezes não é verdade. Também a definição operacional do politólogo Jean Blondel tende a ligar a estabilidade à longevidade ou à duração dos governos. Outra visão é a que define a estabilidade por apelo ao conceito de legitimidade, e em que aquela é entendida não apenas como uma situação de ausência de fenómenos negativos, mas como a que goza de aceitação e apoio. Um outro autor, Claude Ake, considera a estabilidade como um padrão de ausência de mudanças ou alterações estruturais num quadro de continuidade. Para este autor, “there is political stability to the extent that members of society restrict themselves to the behavior patterns that fall within the limits imposed by political role expectations. Any act that deviates from these limits is an instance of political instability.” (A definition of Political Stability, 1975, Comparative Politics, Vol. 7, 2, 273). E logo a seguir escreve que “determinar a extensão da estabilidade política implica a identificação sistemática das regularidades e irregularidades do fluxo de trocas políticas” (tradução do signatário). A visão que aqui mais nos interessa é a que olha para o conceito de estabilidade política como um conceito multifacetado implicando a consideração de diversas variáveis, conceito que não se basta com uma simples medição quantitativa. Hurwitz sintetiza isto afirmando que existe um consenso básico sobre o que a estabilidade política significa e que isso quer dizer ausência de violência, longevidade governamental, ausência de mudanças estruturais, legitimidade e um processo de decisão efectivo (Contemporary Approaches to Political Stability, Comparative Politics, 1973, Vol. 5, 3). E sobre o que seja esta última variável, este autor remete para Eckstein, esclarecendo que o termo efectivo representa a acção política entendida no seu próprio sentido, como a “prossecução dos objectivos comuns ou em ajustamento de uma alteração de condições”. Ou seja, uma intervenção quando os objectivos não estejam a ser atingidos. Posto isto, verifica-se que o discurso político dos governantes da RAEM repete, invariavelmente e até à exaustão, a necessidade de manutenção da estabilidade, política e social, como garantes de altos níveis de crescimento económico. Não há dúvida que qualquer que seja a perspectiva que se adopte em matéria de estabilidade política, concluir-se-á que, seja pelo prisma da manutenção das condições estruturais de governo, da ausência de violência ou da longevidade dos executivos, a RAEM tem estabilidade política. Porém, admitindo que a estabilidade não é um objectivo em si mesmo, já que a estabilidade política só por si não fomenta desenvolvimento nem a prosperidade da comunidade, importa perceber se há estabilidade social. E se, havendo, há um processo de decisão efectivo, capaz de introduzir ajustamentos sempre que ocorra uma alteração de condições propiciadora da instabilidade, como é aquela que se está a viver pela incerteza da evolução económica e da “crise” das receitas do jogo. Quanto a estes pontos, é difícil aceitar que haja hoje estabilidade social na RAEM propiciadora do desenvolvimento económico e de mais prosperidade. Do mesmo modo, tenho sérias dúvidas que exista um poder de decisão efectivo, neste sentido de ser capaz de fazer os ajustamentos necessários. A estabilidade, se adoptarmos a posição de que se trata realmente de um conceito multifacetado, implica que também se preste atenção a estas duas variáveis. E também que se olhe para fora do restrito círculo do poder formal, executivo e legislativo, e se avalie no terreno se a estabilidade existe. Encurtando razões: é difícil aceitar que exista na RAEM estabilidade social propiciadora do desenvolvimento económico e de elevados padrões de vida, quando a sua sociedade vive permanentemente na incerteza. Incerteza quanto às suas condições de vida quotidianas e de projecção do futuro, digo eu. Porque é impossível planificar o futuro ou encontrar condições de estabilidade numa terra onde se impõe a particulares e a empresas um padrão de contratos de arrendamento que os obriga a mudar de casa ou de instalações de dois em dois anos. Ou, então, a sujeitarem-se a aumentos de renda que representam cinco a dez vezes o valor registado para a inflação no ano anterior. Como é impossível haver estabilidade para projectar o futuro quando um importador tem de andar sempre com o armazém às costas ou quando as suas importações estão dependentes dos cartéis locais e do valor das comissões pagas a intermediários de cada vez que fazem uma encomenda. E é evidente que nenhuma empresa tem estabilidade e um clima laboral favorável se a mão-de-obra de que precisa para funcionar e prestar um serviço de qualidade depende da impunidade das agências de emprego, da pressão exercida por estas e da incerteza de se conseguir contratar e manter o pessoal de que se necessita. Que estabilidade profissional e familiar pode ter um trabalhador deslocado que, fazendo falta à RAEM, para poder trabalhar tem de viver em condições miseráveis para sustentar agências que com todo o descaramento lhe pedem milhares de patacas para tratar das autorizações e licenças e que depois, durante meses e anos, vivem das comissões pagas pelos salários desses desgraçados? E tudo ainda se torna mais aberrante quando se convive com isto, quando as queixas são recorrentes e se vêem recém-chegados novos-ricos, esquecidos das suas origens, a manifestaram-se contra estrangeiros e por um maior proteccionismo numa terra que se quer moderna, civilizada e cosmopolita. Com este clima, natural será que haja quem duvide da capacidade de intervenção política sobre o eixo da decisão efectiva. Ao anúncio regular de novas medidas, de introdução de melhorias aqui e ali e, ultimamente, pedidos de desculpas pelos erros, pelas derrapagens financeiras e atrasos das obras, logo se aditam novas promessas sem que se vislumbre o cumprimento das anteriores, nem mudanças, também estas efectivas, na qualidade de vida e no tecido económico e social. A degradação das condições para se fazer turismo e circular em Macau é um exemplo. A actual insistência na diversificação só terá sentido se houver uma efectiva capacidade de intervenção do Executivo. Se por parte deste existir vontade de intervir em tempo útil para corrigir as muitas e actuais disfunções. Quanto mais adiada for essa acção, mais difícil será propiciar condições de diversificação económica e de estabilidade – social, profissional e empresarial – que cumpram com as expectativas de desenvolvimento e de qualidade de vida da população. A estabilidade sem frutos não serve para nada. A estabilidade de que a R.A.E.M. goza tem de servir para alguma coisa. Tem de servir para melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos, cimentar a autonomia e prosperar. E não para ir acomodando os recados de Beijing. O resto é conversa.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesVeículos Aéreos Não Pilotados (無人機) [dropcap style=’circle’]([/dropcap]O website “wikipedia.org” define Veículo Aéreo Não Pilotado (VAPN)) da seguinte forma: “Um VAPN, vulgarmente conhecido por drone e, também designado pela International Civil Aviation Organization (ICAO) por aparelho aéreo comandado à distância, é um aparelho voador sem um piloto a bordo”. O voo é controlado de forma autónoma quer por computadores a bordo, quer por controlo remoto de um piloto em terra ou a bordo de outro aparelho. A ICAO classifica os veículos aéreos não pilotados em duas categorias ao abrigo da Circular 328 AN/190: Aparelhos Voadores Autónomos – actualmente considerados não regulamentares devido a questões legais e de segurança Aparelhos Pilotados à Distância – sujeitos à regulamentação civil sob a alçada da ICAO e da Autoridade Aeronáutica Nacional em causa.” Possivelmente os VAPNs não serão muito comuns em Hong Kong nem em Macau, ao contrário do que acontece nos EUA. No passado dia 25 de Agosto, o jornal de Hong Kong “Sing Tao” publicou um artigo onde se referia que nos EUA, em Maryland, três homens tentaram usar um drone para introduzir substâncias ilegais na prisão de Cresaptown. O caso ocorreu cerca das 20h de 22 de Agosto último. Dois polícias descobriram dois homens do lado de fora da prisão. Estavam a usar um drone para tentar introduzir drogas, material pornográfico (販賣色情光碟) e outro tipo de mercadorias na prisão. Os polícias prenderam os dois homens e desmontaram o esquema dentro da prisão. Os homens foram acusados de tentativa de tráfico de droga, posse ilegal de armas, entre outras. No entanto este não é o primeiro caso do género nos EUA. A 5 de Agosto deste ano, o website de Hong Kong “apple.nextmedia” já tinha alertado para o facto destes drones, ouVANPs, estarem a ser usados para introduzir drogas e outros produtos na Instituição Correccional de Mansfield (uma prisão no Ohio, EUA). Este último caso deu-se por volta das 14.30h de 27 de Julho último. Um drone sobrevoou os portões da prisão e largou uma porção de material. Este material era destinado ao prisioneiro A, mas foi recolhido pelo prisioneiro B. Os tumultos desencadearam-se (暴动). Por fim 200 prisioneiros foram submetidos a inspecção de pessoas e bens . Foram encontradas drogas na posse de alguns deles. A partir destes dois casos, podemos antever que o uso destes drones para fins criminosos poderá vir a ser uma tendência a nível mundial. E porquê? Simplesmente porque no momento da ocorrência o criminoso está a controlar o drone afastado da cena do crime. A polícia pode impedir o drone de perpetrar o crime, mas terá dificuldade em prender o criminoso. A partir do momento em que este descobrir que a polícia interceptou o drone, pode fugir. A possibilidade de fuga dos criminosos aumenta. É por este motivo que estão desejosos de usar drones para introduzir drogas nas prisões. Possivelmente, no futuro, os drones poderão ser usados para cometer crimes mais graves, por exemplo, bombardear instalações governamentais, etc. Por vezes perguntamo-nos: a lei existia antes do crime, ou o crime já existia antes da lei? A resposta a estas perguntas pode-se encontrar a partir destas duas pequenas histórias. Nestes casos o crime surge antes da lei. De momento não existe uma lei adequada para regular o uso dos drones. E não existir uma lei é problemático para a nossa sociedade. No crime tradicional, por exemplo, assassínio, o criminoso usa uma faca para matar. O criminoso e arma estão juntos. Mas nestes casos que envolvem drones, a arma está longe do criminoso. Existe a possibilidade de o drone ser controlado por mais do que uma pessoa. Para evitar este género de crimes é necessário legislação adequada. De acordo com a tecnologia actual os VANPs podem ser produzidos a partir de dois processos diferentes, digital e analógico. Na produção digital, cada VAPN tem o seu próprio número de série. O número de série é o Bilhete de Identidade do VAPN. Os controladores remotos emparelham com cada um destes aparelhos. Presume-se que na produção, cada controlo é desenhado para apenas fazer funcionar num único aparelho. No entanto o ponto crítico pode ter sido ultrapassado. Se o criminoso for suficientemente inteligente pode produzir dois ou mais controlos. Estes vários controlos remotos podem todos emparelhar com o drone e fazê-lo funcionar e, portanto, vários controlos podem fazer funcionar um único VANP. O criminoso pode então distribuir vários controlos por várias pessoas e, se estas pessoas estiverem todas na cena do crime, é muito difícil para a polícia provar quem é que efectivamente cometeu o crime. Se a polícia não puder provar quem é o verdadeiro culpado o caso tem de ser encerrado. Se o VAPN for produzido de forma analógica é controlado por um comando de sinal análogo. O drone não terá número de série. Supondo que existem dois controlos remotos, X e Y, estarão ambos na mesma frequência eléctrica. X e Y são manipulados por John e Mary respectivamente. Se o sinal emitido pelo comando X for superior ao do comando Y, mesmo que Mary já estivesse primeiro a comandar o drone, John pode privá-la desse controlo, e passar a comandar ele próprio o drone. John pode parar o VANP, colocar droga lá dentro, e controlar o aparelho para introduzir droga na prisão. Como Mary tem o comando Y, e John tem o comando X, podem ambos controlar o drone desde que consigam emitir um sinal mais forte que o outro. Será muito difícil para a polícia afirmar se foi John ou Mary quem introduziu a droga na prisão. A situação pode ainda ser mais complicada do que o caso indicado. Hoje em dia a maior parte dos VANPs é controlada por sinais digitais e alguns são comandados directamente por telemóveis. Também não será fácil identificar os comandos dos drones nestes casos, já que em Hong Kong e em Macau, não existe registo telefónico obrigatório. Por isso pode ser usado um telefone não registado para controlar um drone. Podemos portanto concluir que será necessária uma legislação especial para impedir o uso dos drones em actividades criminosas, particularmente, em Hong Kong e em Macau. Estas duas cidades têm muitos edifícios altos e com imensas lojas. Uma das possibilidades passa pela instalação de uma câmara no drone e controlá-lo para sobrevoar as janelas das casas de banho e fotografar o interior. Praticar este tipo de crimes é fácil, mas para a polícia é difícil encontrar os culpados. Se isto se verificar então a nossa sociedade vai estar em apuros.
António Conceição Júnior Manchete VozesUMA VOZ ENTRE MUNDOS [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s redes sociais ajudam a estabelecer contactos com maior facilidade. Inadvertidamente, fui observando Joanne Kuai primeiro na TDM e depois nas redes sociais. Estabelecemos breve contacto. Quis saber se ela aceitaria uma breve entrevista, pois a sua ligação à comunidade portuguesa é grande e isso despertou em mim curiosidade. Mal sabia eu que Joanne nasceu no deserto do Gobi, na Região Autónoma de Ninxia Hui. Aos seis anos foi morar com a avé em Kunming, Yunnan e fez o ensino primário lá. Depois foi para Shenzhen até que foi para Beijing onde se formou em jornalismo de radiodifusão e documentários na Universidade de Comunicações da China. Durante o último ano da Universidade, ao abrigo de um programa de estágio de seis meses, resultante de uma parceria entre a sua Universidade e a TDM veio, veio para a TDM, no segundo semestre de 2010. Antes de regressar, a estação de Macau ofereceu-lhe emprego. Aceitou e regressou a Macau onde foi “âncora”durante três anos. Depois quis mudar de ares e ei-la como editora e jornalista do Macau Business Daily. Verdadeiramente, uma voz entre mundos. Joanne, visitou recentemente Portugal. Foi a primeira vez? Que sentimentos teve sobre as diferentes cidades (quais) em que esteve? E as pessoas? Foi a minha primeira visita a Portugal. Sou da China continental e tenho vindo a trabalhar em Macau há quase quatro anos. Antes disso, tinha uma ideia muito vaga sobre Portugal – a sua localização e alguma breve história aprendida na escola. Mas desde que eu trabalho em Macau e fiz um monte de amigos portugueses, eles têm-me dito constantemente o quão grande é o país apesar da crise econômica que trouxe alguns deles aqui. Falaram-me do clima agradável, do céu azul, dos dias de sol, praias, edifícios históricos, incríveis paisagens, óptima comida e pessoas amigáveis e acolhedoras. Comecei a ficar curiosa e impressionada com o quão orgulhoso os portugueses são do seu país e como pessoas de diferentes cidades contam histórias diferentes. Depois da minha viagem a Portugal, está tudo confirmado, já que este pequeno país – em termos de tamanho em comparação com a China – tem maravilhas intermináveis que me mantiveram sempre surpreendida. Cada cidade tem o seu charme único. A paisagem pode variar muito em pequena escala. Trinta minutos de carro de um lugar para outro pode levar a um mundo totalmente diferente. Em relação às pessoas, confirmei a cultura descontraída dos jortugueses que já experienciara com os meus amigos portugueses em Macau. Além disso, sinto que as pessoas tendem a saber como aproveitar a vida melhor, pelo menos melhor do que os chineses em geral. Existem muitos cafés, pastelarias, para as pessoas tomarem um café e comerem um à tarde, reunindo-se com os amigos ou simplesmente sentarem-se e relaxarem. O hábito de beber cerveja a partir da tarde é generalizado em todo o país. Também no tempo de verão, o sol só se põe apenas pelas de 21:00 horas. Isso finalmente clarificou o quebra-cabeças que eu tinha há anos por os meus amigos portugueses jantarem sempre tão tarde. Então, a vida noturna continua com muita diversão e gargalhadas. Também tive a honra de ser convidada para casa de amigos portugueses, onde fui recebida com todo o coração, certificando-se que eu tinha gostado do meu tempo lá. Quais as coisas que mais a tocaram? É realmente difícil escolher o momento “mais”, porque realmente gostei de toda a minha estadia em Portugal. Eu diria que a experiência de pára-quedas no Algarve foi definitivamente um ponto alto, e quando voando no céu olhando por cima da costa Algarvia, foi um momrnyo para além das palavras. Há um outro momento mágico que eu gostaria de compartilhar: cheguei ao Porto de comboio vinda de Coimbra, no período da tarde. No momento em que pisei o chão fora do combóio, vi essa luz amarela poética que brilha através das grandes janelas da Estação de São Bento, o nome da cidade “Porto” inscrito sob o relógio, alguns passos à frente passando um portão de tecto alto, e vi-me cercada por azulejos nas paredes, onde senti como se pudesse quase respirar o ar da história antiga. Saindo da estação, senti a fria, mas refrescante brisa, pássaros brancos que voam sobre o céu azul, edifícios históricos na minha frente, típicas ruas de paralelepípedos que me fizeran lembrar Macau – é claro que eu sei que Portugal é o original, mas a familiaridade deu-me uma sensação de calor – e ouvi música jazz ao vivo tocada ao virar da esquina. O momento era simplesmente mágico e eu até disse para mim mesma, não é nada difícil apaixonar-me pela cidade, o Porto. Como vê a arquitectura tradicional de Macau como o Largo do Senado ou o Bairro de S. Lázaro? Acho que o mais maravilhoso sobre os locais históricos de Macau é a sua singularidade, uma combinação orgânica, integrada e harmoniosa entre o Oriente e o Ocidente – que pode soar como um clichê, mas ao caminhar por uma igreja depara-se-nos, alguns passos à frente, um templo chinês. Não é uma cena que se possa encontrar pelo mundo. As arquitecturas em áreas bem preservadas são encantadoras. Ao contrário das que vi em Portugal, onde as artes de rua estão muito bem combinadas com locais históricos. A arquitectura histórica de Macau é ainda mais tradicional e preservada da maneira que é. Uma coisa que eu aprecio é que visitar esses locais em Macau é gratuito, enquanto que em Portugal existem locais históricos que cobram aos turistas dinheiro para visitar. Sente-se que os locais históricos de Macau como que fazem parte da vida dos seus moradores, pois estão muito ligados à cidade, como no próprio centro da cidade, ao contrário dos da China onde se tem de viajar horas para visitar um local histórico. Os vários eventos que acontecem nesses locais históricos são muito interessantes e atraentes e trazem vida a esses lugares, como os concertos na Fortaleza do Monte, Festas em São Lázaro e até mesmo as projecções em 3D nas ruínas de S.Paulo. Na sua perspectiva, o que faz a diferença em Macau, por comparação com a grande China? Como uma chinesa do continente, Macau, como Região Administrativa Especial, não tem uma posição especial para mim, psicologicamente. Cresci ouvindo uma canção dedicada à transmissão de soberania. Tem uma bela melodia, mas a letra diz que “Macau não é meu nome verdadeiro, por favor chame-me Ao Men”. Depois da minha primeira visita aqui como turista em 2005, Macau para mim foi uma cidade com uma história colonial que resulta num estilo de arquitectura diferente da maior parte da China Continental, uma estranha praia com areia que é realmente preta, e comida portuguesa e pastéis de nata. Engraçado o suficiente, eu fui ao Dumbo, assumindo que era um restaurante Português muito bom, que mais tarde, desde os dias que tenho vindo a trabalhar aqui, nunca mais fui nem nunca ouvi que qualquer dos meus amigos portugueses o tenham frequentado. Além disso, apesar de serem ambas Regiões Administrativas Especiais, percebi o quão diferente Macau é de Hong Kong. Quando regressei em 2010, o gigantesco Grand Lisboa de forma estranha, já estava erguido no centro da cidade. O desenvolvimento do Cotai é definitivamente algo bastante singular como Macau é o único lugar na China onde o jogo é legal e o Cotai é basicamente dedicado a isso. Enquanto a cidade deveria ser muito avançada, como o turismo está crescendo e há muitos hotéis sofisticados, carros de luxo super e coisas assim, a vida quotidiana das pessoas está ainda bastante ligada aos velhos tempos. Para citar um exemplo, em 2010, não havia cinema UA no Galaxy, apesar do teatro da Torre de Macau. A primeira vez que fui ao Cineteatro Macau, onde se tem de comprar com antecedência o bilhete, a partir das 14:00 horas, quando se quer assistir ao filme, o número do assento é realmente escrito pelo funcionário, não há nenhum sistema de reservas on-line, os bilhetes impressos não existem. Isso apanhou-me de surpresa. Sem mencionar o Cinema Alegria, onde a equipa da bilheteria até nos orientá para comprar comida de rua em redor para se levar para o cinema, e de vez em quando há ópera cantonense, mas o projetor e sistema de som era surpreendentemente bom. Algumas partes da cidade dão-me a sensação de que estão congeladas no tempo. Desde que comecei a trabalhar aqui e passar os meus dias de folga vagueando pela cidade, mais “estranhos encontros” aconteceram e comecei a misturar-me melhor também. Gostaria apenas de me deixar perder nesta cidade e encontrar ao virar da esquina, uma tenda de comida interessante, ou uma loja de antiguidades, uma alfaiataria, o cheiro de medicina chinesa, ou frutos do mar secos, um café moderno, ou um bar escondido. O chamado caldeirão de cultura é atractivo. Vemos igrejas, templos, mesquitas para outras comunidades. Aqui, eu faço amigos vindos de toda a parte do mundo, as pessoas com culturas e religiões diferente vivem num ambiente harmonioso. Além disso, eu posso conversar com o casal de idosos que, em baixo de minha casa vende sumos e quando eu me esqueço de trazer dinheiro eles simplesmente me oferecem o sumo. Há momentos eu sinto o ‘Ren Qing Mei ” – solidariedade, toque humano – que as pessoas de Macau falam e de que tanto se orgulham, mas às vezes lamentam o seu desaparecimento. Também me espantei com tantas ofertas diferentes numa escala tão pequena: encontramos os óbvias extravagâncias dos casinos; as ruas estreitas de paralelepípedos da cidade estão povoadas por muitas lojas e lugares; o interior dos edifícios industriais estão cheios de surpresas de todos os tipos de atividades, como ginásios, casas de música ao vivo, galerias, padarias, etc; locais também históricos, incluindo o meu favorito Farol da Guia e a Penha; e um pouco para o sul, há a natureza, montanha, praia e mar, uma completa mudança de cenário. A cidade começa a crescer em mim. Às vezes sinto como se fosse a cidade no filme de animação de Hayao Miyazaki – Entrega de Kiki. Tendo dito isto, e apesar do ambiente descontraído e relativamente livre que temos aqui, a falta de eficiência da administração e aborrecimentos diários, tais como a poluição do ar e do insuportável trânsito, onde você sente como numa cidade tão pequena há tantas coisas que o governo poderia fazer, mas não faz, e isso perturba-me. Além disso, como trabalhadora não-residente aqui, especialmente sendo proveniente da China Continental, francamente, às vezes não posso deixar de me sentir excluída. Em primeiro lugar, não nos garante a residência. Não importa quanto tempo trabalhe aqui, não irei ser automaticamente admitida pelas autoridades e tenho de lidar com a burocracia do pedido do cartão azul, prolongamento período de autorização de trabalho, etc. Ouvimos consistentemente os legisladores que defendem o limite de importação de trabalho, e eu pergunto-me como pode uma cidade posicionar-se como internacional fazer isto, sobretudo tendo tantos projectos em desenvolvimento. Não estou a falar sobre o direito ao voto, ou a distribuição de rebuçados pelo governo. O pior caso acontece quando seus direitos básicos não são devidamente salvaguardados. Uma vez que a pessoa perde o seu emprego, tem de saír da cidade num período muito curto de tempo. Você pode ter o seu namorado ou namorada, casa recém-alugada, mas não tem a legalidade para ficar na cidade. Nem a liberdade de mudar de emprego pois o seu empregador pode simplesmente recusar e você terá que esperar pelo menos seis meses fora devido à política do governo. Como existem tantos riscos que impedem de me sentir à vontade ou sentir-me em casa, às vezes inclino-me a dizer a mim mesma para não me afeiçoar demais. Assim, há sempre este sentimento de ser uma estranha.
Isabel Castro VozesO outro país [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]os anos que antecederam a batida no fundo, ia a Portugal com muita regularidade. Houve uma altura em que a cada três meses apanhava um avião e Portugal deixava de ser, então, o país que lia nas notícias e ouvia ao telefone. Na comparação com aquilo que era no início do milénio, algum Portugal tornou-se esteticamente mais agradável, tecnologicamente mais evoluído, mais dinâmico na forma de estar. Algum Portugal parecia também mais feliz, apesar de já então se falar em crise. Mas depois veio a batida no fundo, com aquele som oco da chegada ao fim do poço que secou. Por coincidência, as viagens a Portugal diminuíram e voltaram ao ritmo quase anual – mas a crise a sério chegou até aqui com as vidas de quem emigrou por não ter outra solução. E com as notícias e com as vozes do outro lado do telefone. Nestes últimos anos, algum Portugal continuou esteticamente evoluído, mas mais triste e muito mais inseguro. O meu Portugal, aquele que mais me diz, esse ficou mais deserto, mais pobre de gente, com os velhos a desapareceram e os jovens também. É um Portugal em que a emigração se faz às dezenas de cada vez, um Portugal onde, quando chega a geada do Inverno, não se vê vivalma na rua. E os cemitérios se tornaram pequenos. Algum Portugal, antes da batida no fundo, sofreu uma modificação difícil de explicar, que se sente ao nível da epiderme, e houve alturas em que achei que poderia estar no bom caminho, não seria a única a pensar assim, o país parecia-se mais com aquela Europa que prometeram aos da minha geração. Mas Portugal não se educou. Importaram-se Bolonhas e fizeram-se mestres à força, putos com 22 anos que que coleccionam diplomas de gente grande e vivida, há mais miúdos com mais estudos e isso é um conveniente argumento político, mas Portugal não se educou. Apesar de esteticamente mais agradável e tecnologicamente mais evoluído, o país não se valorizou no que é importante. As crises favorecem sempre o umbiguismo e ajudam a enredos de novela. Portugal é um país em novelas constantes: as ficcionadas, as que dão de comer a argumentistas e a actores, e as reais, aquelas que não deviam ser novelas, que deviam ser apenas factos para digerir. Como Portugal não se educou e a estética de pouco vale se não houver dois dedos de testa, o país vive sofregamente da novela do momento. São assim as televisões com maiores audiências, são assim os jornais mais vendidos, feitos para as pessoas que gostam de novelas por pessoas que também gostam de novelas – ou, pelo menos, se sujeitam aos secundários papéis que lhes são entregues. Estive agora em Portugal e apanhei a novela dos refugiados, que veio interromper a saga das análises quase ininterruptas aos reforços dos plantéis para a nova temporada do campeonato de futebol. A novela televisiva dos refugiados começou por ser uma coisa que se passava lá na outra ponta da Europa para passar rapidamente a ser um drama nacional. Mas pelo meio houve Sócrates. Sócrates saiu da cela que ocupou estes últimos meses – qualquer jornalista português que se preze sabe o número exacto de dias, eu não – e foi viver para casa da ex-mulher, detido mas em casa, com direito a mais do que um quadrado com grades. O momento foi vivido com muito entusiasmo, uma novela local tem sempre muito mais interesse do que aquelas que vêm de fora, mesmo que essas se apresentem com crianças mortas em praias. Sócrates saiu e numa rua sem qualquer interesse plantaram-se jornalistas como quem planta árvores, gente sem nada para dizer que não se coibiu da triste figura da entrevista ao rapaz da pizza que, afinal, nada tinha de tonto e não foi ao número 33 entregar uma extra-queijo.[quote_box_right]A novela televisiva dos refugiados começou por ser uma coisa que se passava lá na outra ponta da Europa para passar rapidamente a ser um drama nacional. Mas pelo meio houve Sócrates[/quote_box_right] Mas, e ao contrário do que é hábito num país que vive de novelas, o drama dos refugiados não caiu no esquecimento do povo, apesar de momentaneamente atenuado com o regresso do antigo primeiro-ministro a Lisboa. Por curiosidade sociológica, não consigo deixar de ler, já aqui em Macau, os comentários que se multiplicam nas redes sociais sobre o que são ou deixam de ser os migrantes que fogem da Síria, sobre o que se deve fazer ou deixar de fazer a pais com filhos ao colo, terroristas em potência para muitos daqueles que, apesar de terem uma escolaridade bonita e politicamente convincente, sofrem de uma profunda falta de educação. São todos especialistas em geopolítica. Quem vive no mundo das novelas não se consegue preocupar com mais do que o episódio que acabou de ver, nutrindo natural curiosidade pelo que vai para o ar no dia seguinte. A condição de espectador é cómoda e comodista, não obriga a reflexão porque não se tem um papel no argumento, não se consegue mudar o rumo da história. O desfecho já foi pensado por outros que não aqueles que vivem no mundo das novelas. É assim na política e é assim na vida, nas coisas que aparecem à frente dos olhos de quem não quer perceber o que está a ver. A Europa vive hoje uma crise difícil, depois de outra crise difícil de que ainda não se livrou. Importa reflectir como começou esta nova crise, quem tem um papel directo nela, como pode ser resolvida. O acolhimento de quem foge da morte não é fácil, a integração muito menos. Não é assunto para ser desvalorizado nem para ser tratado como ficção. Aos portugueses em pânico por causa de potenciais terroristas com filhos ao colo resta desligarem a televisão, esquecerem a novela e lerem duas ou três coisas sobre os outros, os outros que vivem no mundo que não acaba na fronteira que já não existe com Espanha. A ignorância é atrevida e é dela que nascem os maiores medos. Depois há também os outros, os que contribuem para o que é esteticamente agradável e tem contornos de evolução. Mas nada tem real interesse – afinal, as eleições estão aí e há uma nova novela a começar.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesDe Berlim a olhar o mundo [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ste Verão, durante as férias, viajei até à Europa de Leste. Num período de oito dias passei por seis países pelo que só fiquei a conhecer um pouco mais de cada um deles. Na Europa em Agosto fazia tanto calor como em Macau, mas a humidade era inferior. Nas diversas cidades o ar era mais refrescante devido, não só, a uma traça urbana mais espaçosa, como também a factores naturais e emissões mais baixas dos sistemas de ar condicionado. A Europa de Leste esteve durante anos oculta por detrás da Cortina de Ferro. Mas após a queda do Muro de Berlim e, da integração progressiva de muitos dos seus países na União Europeia, o sistema social criado pelo comunismo tem vindo a diluir-se. Por outro lado que o sistema capitalista ainda não se instalou definitivamente. Estes países ainda conservam algo de genuíno. A economia não é tão florescente como a de Macau, mas a qualidade de vida não é inferior à nossa. O dinheiro nem sempre traz felicidade. O objectivo da minha viagem era descontrair, afastar-me das exigências da vida urbana e encontrar respostas a algumas das questões que me têm vindo a preocupar. Curiosamente, uma das pessoas que integrava o meu grupo de viagem era Gary Fan, membro da Assembleia Legislativa de Hong Kong e dos Pró-Democratas. Não pudemos deixar de falar sobre o desenvolvimento democrático de Hong Kong e de Macau, já que as nossas vidas são indissociáveis da democracia e da política. Por outro lado aproveitei a minha visita a Budapeste, na Hungria, para reflectir sobre a minha vida como católico já que o padre que me formou era húngaro. Combateu na Primeira Guerra Mundial, onde foi ferido, recebeu uma medalha de guerra e juntou-se à Sociedade Salesiana após a desmobilização. Ensinou-me a ser persistente e a ter Fé. Esta viagem, repleta de imaginário e de inspiração terminou com uma visita ao Muro de Berlim. Durante este período, soube pelos noticiários televisivos das explosões de produtos químicos em Tianjin e dos rebentamentos das bombas em Banguecoque. Embora estes dois acontecimentos não estivessem aparentemente relacionados, foram ambos causados por acções humanas.[quote_box_right]Não temos que esperar que o Muro de Berlim caia para perceber o horror da tirania e não podemos aguardar as desgraças alheias crendo que virá alguém para os salvar. Porque não darmos o nosso melhor enquanto ainda temos possibilidade, oportunidade e capacidade?[/quote_box_right] A Nova Zona Urbana Binhai, em Tianjin é um dos grandes projectos económicos da China. Estas tremendas explosões revelaram falhas de supervisão adequada, ao nível do governo local, bem como um abuso de poder da parte de quem pretende obter ganhos pessoais. Tiveram como resultado um grande sofrimento para as pessoas atingidas. Quanto aos rebentamentos das bombas em Erawan Shrine, Banguecoque, fica demonstrado que os ataques terroristas podem acontecer em qualquer parte. O que realmente interessa saber é se existe determinação para queimar os solos férteis que originam o terrorismo. Alguns incidentes, que nunca imaginaríamos possíveis de repente acontecem porque as questões que lhes estavam subjacentes foram durante muito tempo negligenciadas ou mesmo omitidas. A queda do Muro de Berlim é disto um exemplo. – No Muro de Berlim a olhar o Mundo. A súbita desvalorização do renmimbi na China. A taxa do governo de Macau sobre o Jogo que tem vindo a cair durante 15 meses consecutivos. Não me venham dizer que já não havia sinais da eminência destes acontecimentos! Não temos que esperar que o Muro de Berlim caia para perceber o horror da tirania e não podemos aguardar as desgraças alheias crendo que virá alguém para os salvar. Porque não darmos o nosso melhor enquanto ainda temos possibilidade, oportunidade e capacidade? Macau, Hong Kong e Taiwan têm diversos problemas para enfrentar e resolver. Agora que estou em Macau, e já não na Europa, tenho de participar no dia a dia e lutar pela Justiça sempre que possível.
Leocardo VozesEducação sexual (também é educação) [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Em Macau começou mais um ano lectivo, e apesar de se falar de quando em vez dessa possibilidade, voltamos a não ter uma disciplina de Educação Sexual na maior parte das escolas. Quer dizer, haver há, ou dirão alguns que sim, mas até estes sabem tão bem quanto eu que aquilo de que as escolas falam cinge-se ao aspecto fisiológico do sexo, e acho que cairiam o Carmo e Trindade locais caso alguém ousasse explicar aos pequenos que os adultos têm sexo porque “gostam”, e que o praticam em busca de gratificação, de prazer. Quem defende que a educação sexual é “uma responsabilidade das famílias” (um argumento “quick and easy” para quem é contra a E.S. nas escolas) sabe que nenhum pai ou mãe vai explicar ao seu educando que a razão porque se deitam juntos tem a ver com razões que se prendem com o deboche e com a luxúria. E qual é a criança que quer ouvir certos detalhes sórdidos da boca do pai ou da mãe, para quem tantas vezes olham como se um pacote de sementes e outro de adubo se tratassem? Verdade seja dita, quem se opõe a que a E.S. se inclua nos currículos é quem ainda pensa que os jovens vão sair dali a querer aplicar aquilo que aprenderam. Mas porque carga de água haviam eles de fazer com aquela disciplina o que não fazem com as restantes? Olhando para Macau e para as mentalidades vigentes, o sexo continua a ser visto quase como uma agressão, e nem vale a pena falar de igualdade entre géneros: os homens procuram sexo, as mulheres defendem-se, os primeiros são tidos como “predadores” , e as segundas precisam de representar o papel de “púdicas”, e para quem observa – os pais, lá está – nada como a abstinência total, que sempre mantém as coisas como estão, o que neste caso parece ser o ideal. Isto não se prende tanto com motivos de saúde, receio de doenças sexualmente transmissíveis, e nem os mais jovens têm em mente a possibilidade de uma gravidez na adolescência (ou a gravidez de todo) quando pensam em dar esse passo pela primeira vez: o problema ainda são “os outros”, o que vão dizer, o que vão pensar, e principalmente como vai ficar a família aos olhos da “sociedade”. Outra vez, isto tudo tomado com um grãozinho de sal, pois quem quiser optar pela devassidão, deboche e tudo aquilo a que há direito, que o faça pela calada. Por incrível que pareça, em Macau a interrupção voluntária da gravidez é crime, ninguém toca no assunto e nem se coloca a hipótese de se rever a lei. E para quê, se basta atravessar as Portas do Cerco e encontramos um mundo onde o aborto é visto como um mero método de planeamento familiar, chegando mesmo a ser encorajado? Se a isto não se chama “hipocrisia”, então não sei o que isso é. Aparentemente “estamos bem assim”, dirão alguns, para quem basta reprimir a sexualidade dos adolescentes, e quando chegar a hora, lá saberão como se “desenrascar”. É uma falácia muito comum esta, de conter as hormonas, mesmo que para isso seja necessário amarrar a caixa com uma corda, para que elas não saltem cá para fora e façam “estragos”. Sem uma ideia concreta do que deve ser o ensino da E.S. nas escolas, no âmbito da sua função da preparação dos jovens para a vida adulta, estamos entregues à bicharada. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, fazem-se campanhas de promoção da abstinência recorrendo a exemplos atrozes, comparando jovens sexualmente activos com “sapatilhas usadas” ou “pastilha elástica mastigada” – que raio de comparação, e que gente tão perversa. Aqui tivemos a nossa própria “colher de xarope” de pudor, com a Igreja de um lado, e as famílias do outro, sempre com a missão de “manter a face”, chamem-lhe o que quiserem, dignidade, honra ou pudor. No meio deste fogo cruzado estão as mulheres, que carregam consigo o ónus da virgindade na forma de uma membrana. Uma membrana, minha gente! Uma coisa esteticamente abominável! Uma mulher que não seja virgem não é necessariamente uma devassa, uma rameira, ou uma ninfomaníaca. Essa associação da virgindade com a pureza é típica das sociedades menos civilizadas, medievais, e tem servido de pretexto para justificar as maiores atrocidades no passado. Torna-se um fardo ainda mais pesado para a condição feminina se a primeira vez de uma mulher resultou de uma violação, ou foi indesejada. Um homem que se recuse a casar com uma mulher simplesmente porque já não é mais virgem, está parado na Idade Média, ou é cigano. Se por acaso se considera “conservador”, então que me desculpe, mas está a ser é parvinho. Quando gostamos de alguém, devemos aceitá-lo como é, e se os seus defeitos se resumirem a uma ou outra escolha infeliz em termos amorosos, o que importa? Quando nos batem à porta perguntamos “quem é”, e não “quem foi”. Por um instante apenas, pensemos no que é a Educação Sexual na sua vertente de “educação”, que é sempre um bem precioso, e olhemos para o “sexual” como um simples detalhe. Falemos de tudo nesse espaço de tempo reservado a esse efeito, porque não? De erecções, de penetrações, de orgasmos, de falos, de vulvas, tudo coisas que afinal existem, e são bem reais. Se pensamos que esta necessidade de aprender a orientar-se nos largos e floridos prados do desejo se resolve por si mesma, estamos a convidar todo o tipo de perigos, pois a ignorância nunca foi boa conselheira. O maior risco não é deixar os jovens saber mais do que devem, mas sim deixá-los indefesos perante outros menos bem intencionados que a Escola, e que “a sabem toda”. Ou pensam que sabem, o que pode ser ainda mais trágico. A reflectir.
Rui Flores VozesRefugiados na Europa: resposta mínima [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]União Europeia acaba de dar mais um espectáculo triste de falta de solidariedade. Com declarações pouco sérias sobre a crise dos refugiados, pronunciadas nas fronteiras leste da Europa, e com os motores da integração europeia aparentemente distraídos quanto ao tema – afinal, o Presidente Francês aproxima-se rapidamente de eleições e não quer dar pretextos para que Marine Le Pen suba ainda mais nas sondagens – uma resposta comum tem-se revelado impossível. Mas independentemente das iniciativas individuais de acolhimento por parte dos Estados-membros, o que esta onda de candidatos a refugiados tem mostrado é uma total incapacidade e uma desesperante falta de vontade política de a União lidar institucionalmente com o assunto. Essa inabilidade viu-se na primeira metade do ano quando a Comissão apresentou um plano para lidar com a vaga de candidatos a refugiados que previa o acolhimento de apenas 40 mil pessoas nos próximos dois anos. Ou seja, se o plano tivesse sido implementado como proposto, teriam sido autorizadas a entrar na Europa, a título excepcional, apenas 20 mil pessoas este ano. Nos últimos dias, têm entrado no território da Hungria mais de três mil pessoas por dia. O plano inicial desenhado pela Comissão Juncker foi depois aumentado por decisão dos Estados-membros. Acordou-se, no final de Junho, que o número de refugiados subiria para 60 mil – isto após uma reunião que durou a noite toda e que terá sido, segundo vários relatos, uma das cimeiras mais azedas da história recente da União Europeia, com vários chefes de governo, de dedo em riste, acusando-se mutuamente de insensibilidade social. Foi aberta uma porta para mais 20 mil pessoas oriundas especificamente da Síria e da Eritreia que ainda não estavam na Europa, tendo a Hungria e a Bulgária ficado de fora, devido a razões económico-sociais, como também o Reino Unido, por opção. [quote_box_left]Prevê-se nova maratona negocial. Não se acredita que a Comissão tenha aproveitado as férias de Verão para fazer um curso intensivo de mediação política. Receia-se, pois, que a crise política continue a fazer o seu curso no interior da União[/quote_box_left] Tudo mudou nos dois últimos meses. Por um lado, os políticos – como grande parte da população europeia empregada – foram de férias. E as imagens do aumento da vaga de refugiados pareciam notícias do além, pouco nítidas, pouco claras, pouco audíveis – como acontece com as notícias das desgraças que ocorrem no interior de África, e não são poucas, ou dos acidentes com fábricas na Índia ou na China em que morrem pessoas aos magotes. Não têm nada a ver connosco. Não nos afectam grandemente. É da natureza humana: se não nos afecta directamente, porque é que nos havemos de preocupar? Um pouco como o aquecimento global, não é assim? Quando os dirigentes políticos regressaram aos gabinetes e tinham sobre as suas secretárias os números de candidatos a refugiados que haviam entrado na Hungria e na Grécia enquanto estiveram a banhos, ficaram chocados. De acordo com os dados da Organização Internacional das Migrações (OIM), até 31 de Agosto, terão já entrado na Europa mais de 350 mil pessoas. E logo depois levaram com a fotografia, na primeiras páginas de vários jornais europeus, do cadáver de uma criança síria de três anos morta numa praia da Turquia, quando procurava, com o pai, a mãe e o irmão, de cinco, chegar de barco à Grécia. Foram pois compelidos a agir. A Comissão multiplicou por quatro o seu programa original e está disponível para convencer os Estados-membros a aceitarem 160 mil pessoas nos próximos dois anos. A Alemanha e a França são os Estados-membros que irão receber a maior fatia destes refugiados, aumentando também substancialmente a quota individual de cada um. Portugal, por exemplo, subiria a sua contribuição para o esforço de acolhimento de refugiados para 4775 pessoas, quando na proposta anterior previa apenas a integração de 1701. Esta crise, mas sobretudo a imagem da criança morta, Aylan Kurdi – e, de facto, há que considerar que há imagens de cadáveres e há outras imagens de cadáveres – parece ter agitado consciências adormecidas. Por outro lado, é interessante ver que durante semanas os media internacionais foram tratando as vagas de pessoas que fogem das guerras na Síria e no Iraque como “migrantes”, mas agora, finalmente, adoptaram o termo “refugiados”, mais consentâneo com a realidade. A diferença não é meramente semântica. O estatuto de refugiado permite, a quem o consegue obter, adquirir protecção social por parte do Estado de acolhimento, a qual está vedada ao mero imigrante, que procura num outro país uma oportunidade de trabalho e, potencialmente, melhores condições de vida. A reunião da próxima segunda-feira do Conselho de Ministros de Justiça e Assuntos Internos deverá discutir a proposta da Comissão. Os chefes de governo da República Checa, Eslováquia, Hungria e Polónia já anunciaram a sua oposição ao plano das quotas. Prevê-se, pois, nova maratona negocial. Até porque não se acredita que a Comissão tenha aproveitado as férias de Verão para fazer um curso intensivo de mediação política. Não será caso para espanto, por outro lado, se os ministros dos Estados-membros, seguindo o exemplo dos seus chefes de governo, aproveitem a reunião para voltarem a trocar insultos. Receia-se, em síntese, que a crise política continue a fazer o seu curso no interior da União.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesFixação Oral [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]a fixação oral chega a reflexão sobre o sexo oral. O termo, bastante auto-explicativo, sugere sexo com a boca. Há quem acredite (e isto aconteceu-me mesmo) que se trata de falar sobre sexo, ou mesmo, falar sobre o amor. Visões mais ingénuas e românticas à parte, sexo oral é daquelas práticas que já se tornaram comuns, aceites. A minha fantasia me dirá que em tempos antigos sexo oral, feminino ou masculino, não seria tão facilmente encontrado. Mas posso estar errada. Projectos futuros seriam de discutir sexo com a terceira idade, se o meu à vontade o permitisse. Esta oralidade amorosa (genital), no decorrer das descobertas sexuais, poderá constituir uma preocupação, um nervosismo especial entre as camadas mais jovens. Já é choque suficiente ter que se consciencializar pela exposição do orgão sexual ao outro, pior ainda será pensar que se tem que aproximar com uma intimidade tal e natural para chupar e lamber. Convenhamos que até então aquela área estava destinada ao regular xixi e à masturbação, ter que aproximar a boca, o nariz, os olhos ao órgão sexual do outro poderá ser potencialmente intimidador para ambos. Tanto quanto sei de broches, os homens (rapazes) não se acanham em pedi-los, que põe a menina numa posição difícil. Não que sejam obrigadas, mas sentem-se obrigadas. E isso tira todo e qualquer prazer que pudesse suscitar. Aliás, o prazer de presentear com sexo oral no rapaz provavelmente só virá quando este o deixar de pedir: são estes os depoimentos que me têm dado. Um estudo que se debruçou especialmente na temática do sexo oral entre os jovens adultos, veio também clarificar que sexo oral nas meninas vem em troca do sexo oral nos meninos, ou seja, faz-se um broche para receber um minete, com alguma sorte. A esperança é a aquela de que o sexo oral não seja necessariamente um castigo, ou uma troca de fretes alternadas. Claro que não. Adultos de sexualidade desenvolvida e desinibida já o incluem nas suas práticas sem pedir nada em troca. Um bom broche ou um bom minete é o apogeu do altruísmo sexual. Um sinal de dedicação ao outro, tanto que um outro estudo diz que sexo oral é mais comum em relacionamentos duradouros. Talvez essa história do falar ‘do amor’ não seja tão despropositada quanto isso. Agora, sexo oral é uma arte a ser desenvolvida e muito praticada. Porque se numa dança penetrativa pode-se ajeitar o que cada um gosta mais e lhes dá mais prazer, andar a explorar lá em baixo com a boca talvez seja mais desafiante. São muitos os mistérios que envolvem o caminho para o clímax oral. Nos homens talvez haja alguma facilidade, nas mulheres pode ser um pouquinho mais difícil. Não são missões impossíveis mas são missões que exigem dedicação e atenção. Atenção às necessidades, aos sinais, aos gemidos do outro. Até porque há toda uma coreografia de anca quando se aproxima da hora H. Até lá é um jogo de profundidade, de saliva e de algum jogo de mãos. A oferecer aos homens ainda há o adicional ‘teabag’ que a cultura popular televisiva ensinou ser uma sofisticada técnica de prazer oral aos testículos. Deixo à vossa imaginação. Sobre o orgasmo, a pornografia expõe as situações e as práticas que inquietam mentes: engolir ou não engolir. Não é das conversas mais comuns enquanto as amigas tomam o seu chazinho. No fundo não se percebe o que é normal ou facilmente aceite. És da vanguarda, da badalhoquice, da taradice, és prática. Ou simplesmente é muito amor para engolir tal quantidade calórica cromossómica. Como nem eu própria entendi a conotação que existe, pelo menos entre mulheres, com toda a segurança garanto que não é importante engolir ou não. Porque em boa verdade nenhum homem se sentiria em grande coragem de fazê-lo ele próprio, leia-se, engolir o seu próprio esperma. Para homens pode ser uma prova de amor ou uma prova de uma sensualidade pornográfica que virá em diversos níveis de insistência. Às mulheres insisto eu: se não há qualquer obrigatoriedade para o sexo, engolir está longe de ser um pré-requisito sexual. Faz-se o que se quer. Pornografismos à parte. Para os que têm dificuldades com altruísmo há sempre o número de uma perfeita harmonia e simetria. Sexo oral a rodos e para todos, ao mesmo tempo, sem discussões ou conflitos. Sessenta e nove de uma logística mais ou menos complicada, com resultados possíveis, democráticos.
Anabela Canas VozesFace de rosto [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão acabou. Outras vezes, podia dizer: inacabou. Mais definitivo talvez, nítido até. Tactear. Lentamente. De início com muito cuidado porque num dos cantos dói. E no outro falta. Branca, texturada. Cheia de vazio. As fibras com rasgos de brusquidão e uns miolinhos regulares do corte. Sem instrumentos mais do que as mãos. As duas. Simétricas e leves, levemente cegas, mesmo. Voltadas para baixo, primeiro que tudo. A rugosidade áspera. Fresca. Que nada passe daqui para lá. O contrário sim, procurar. Ou esperar. Depois unindo levemente os dedos. Revirando-a à procura da interrogação certa. Do que é exacto na impossível exactidão daquele momento. Circunvoluções invisíveis mas que encerram tudo o que pertence. Já. Tudo está sempre. Naquele canto uma palidez solar. Bem no meio que não se encontra, fugidio como as linhas a partir de um ponto qualquer e que param só onde já é tarde, às vezes. Recurvadas. Em formas feias. Erradas. A destruir. Como pensamentos inapagáveis. Nada metafísico nisto. Na lua sim e não. Só nunca acabou. Nunca terminou o desconhecimento e nunca se esgotou o medo. Do dia do não encontro. Dos dias dos não encontros. Que não tendo uma conta certa espreitam o erro da abordagem. Por vezes há que fingir enganar essas invisibilidades e começar pelo erro. Brutalmente mesmo. O olhar é socrático e reage por uma vez, arquitectando um argumento. E tudo rola a partir daí. Montanha acima, primeiro. Bem ou mal. Recomeçar. Muitas vezes recomeçar. E de novo. Sempre com o tacto nos olhos. Espiar o desconhecido que se infiltra. De onde veio e para que tende. Tudo por fazer. Tudo magicamente possível. Olhar um foco nítido sobre o vazio. Em cheio, ali. A vencer o medo. Inacabado. Inspirar o prazer do tacto. Devagar. Não. Nunca acabou o medo. Tactear lentamente. Com dedos leves, quase insensíveis. Uma linha, uma curva. Mandíbula humana. A textura áspera a recobrir a superfície lisa e quente estruturada por dentro. Cheia de desconhecido. Ou com as costas da mão. E depois a palma. De início sempre com o cuidado do não saber. Mesmo dos olhos que devolvem a carícia ou a interrogam. Tudo está ali. Onde magoar. Também. Onde se ilumina sem saber de onde. Quando. Como. As duas mãos. Em concha. Simétricas sobre a simetria. Por vezes encostada com força e a pender sobre uma só das mãos. Essas nada incorruptíveis. Maculadas de interrogações. A rede da textura mais complexa do que em qualquer brancura lisa ou rugosa. Logo ali atrás inacessível. Fortaleza exposta. A defender-se ferozmente. O que belo, transcende. Logo por isso. E em fuga. E ainda mais cheio de erro. De manchas ou invisíveis linhas. Enoveladas, centrípetas, quebradas, atadas em nós. Ou de marinheiro. Ou soltas e sem fim nos limites do horizonte. Desfiadas. Por vezes rectas quase cortantes. Não. Nunca se esgota o medo. Do dia, aquele dia do não encontro. Que é impossível de recomeçar. E poucas vezes a partir do erro. Dizer que inacabou seria uma forma curiosa de sugerir um fim do que não foi. Mas o medo. Há o interior. Fechado. Escuro sempre por comparação. (Falava do exterior à superfície. Mas também…). O resto a superfície. Cerrada também. E as questões a mais. Intrusas. Distraem sem benefício. Crescem, absorvem, sufocam. Tudo por saber. Magicamente impossível. Olhar desfocado. Entre cá e lá. Pelo temor. Sempre inacabado. A emoção do tacto. Muito devagar. Saber-lhe os movimentos antes de ensaiados a tinta. Mais ou menos. Depois. Como passos de dança que podem falhar por um pequeno deslize da respiração. E preferir o improviso ao esquema rígido e prévio. Centrar. Lembrar os gestos possíveis, mas não saber se serão desenhados. As mãos, outras mãos, e os olhos, outros olhos. No lugar de encontro. Ou desencontro. Ontem ou amanhã. Agora. Ou não afinal. Não era, e assim, nunca foi. A pele dos lábios irrepetível. E a densidade. Tudo. Abandonar o possível. Roupas. Concentrar. Esquecer. E as linhas entretecem por fim uma teia a fio negro fino. Outras brancas no branco, a indicar o sentido já. Urgente. A curvatura, a intensidade, o vazio, o cheio. Uma inércia boa. Ainda com desconhecido mas a desvendar-se já como um caminho a sair de um nevoeiro compacto. Também a partir daí é possível o afago, dos tons, de pequenas traquinices de emoção para iludir a confusão do real. Ou mecanizar ritmicamente um gesto, formular uma textura já não física mas fictícia. As formas a oferecer outras. A ganhar espaço para lá e para cá. Ilusões. As mãos já aí esquecidas de si. Os olhos também. Nada mais do que o filme a revelar-se a pouco e pouco. Encruzilhadas para parar e pausadamente reflectir o curso. E os gestos desencadeiam às vezes por fim um encadeado conhecido. Uma renda ponto por ponto. Linha branca, esta. Até ao segundo a seguir. Tudo o resto ainda por detrás de uma névoa de risco imprevisível. E dai uma inércia boa. Sem interrogações agora, mas sem certezas também. Ou o repouso esquecido de tudo. Nunca foi. Segundos, talvez. Tudo o resto talvez igual ao acima descrito. Não a face. Papel, fino e transparente ou folha espessa com duas faces. Só uma de rosto. A do desenho do rosto. Vice- versa. Virada, de novo as possibilidades infindas do branco. Já a face do rosto, de espessura maior, mais densa. Opaca. Como a do rosto do desenho, a que é impossível virar do outro lado. Detrás do rosto. A que não tem outro lado, aí o universo inteiro, redondo de escuridão. Caminhos infinitos do negro. Um mundo de trevas e luzes, convexo, pejado de sinais furtivos, equívocos. Sinais. E indizível. O rosto.
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesHong Kong sã assi [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á duas semanas atrás decidi mandar umas bocas sobre o universalmente aceite estatuto de “internacional” de Hong Kong e de Singapura. Pelo que ora decidi dar alguma continuidade ao tema, transferindo contudo a conversa para uma outra área e focando as atenções apenas em Hong Kong. Todavia, antes de mais, caríssimo leitor, deixo aqui um esclarecimento: sou um grande admirador de Hong Kong, cidade onde também cresci, tantos que foram os fins-de-semana ali passados desde a minha infância. Aliás, ainda hoje visito Hong Kong assiduamente, tanto por motivos de lazer como de trabalho. Por outro lado, também não escondo que a minha forma de estar na vida é, de certa forma, influenciada pela cultura pop de Hong Kong já que durante a minha infância e adolescência segui religiosamente os programas de televisão e os filmes da vizinha ex-colónia. Isto tudo apenas para dizer que gosto genuinamente de Hong Kong. Esclarecimento feito, vamos ao que interessa. E o caríssimo leitor, que é atento e perspicaz, sabe certamente que quando se começa um discurso da forma como comecei, logo a seguir vem um “mas” e parte-se para a violência. Sempre houve um certo mal-estar entre Macau e Hong Kong. Não sei ao certo nem como nem quando terá surgido, mas provavelmente com o próprio estabelecimento da vizinha ex-colónia no século XIX e com a sua progressiva ascendência como interposto comercial no Sul da China, ao mesmo tempo que Macau progressivamente perdia a sua importância. Não se pode falar em rivalidade entre Macau e Hong Kong: são duas cidades com perfis completamente diferentes que desempenham funções distintas, pelo que não competem sequer no mesmo campeonato ou modalidade. Mas o que é certo é que Hong Kong cresceu e tornou-se na metrópole que é hoje. Ganhou o estatuto que ganhou, sendo uma das principais praças financeiras mundiais e um centro de serviços de referência internacional. E, com isso, a malta de Hong Kong passou a olhar para Macau – e não só Macau – como algo inferior. Existe, por isso, uma certa arrogância por parte de Hong Kong que, naturalmente, Macau não aceita. Muito menos nós, maquistas de gema, que somos tão orgulhosos da nossa cidade e das nossas origens. O meu avô Lourenço, no seu tempo um brilhante jogador de hóquei em campo, nunca escondeu o especial prazer que lhe dava derrotar Hong Kong nos jogos do Interport. Jogava de forma agressiva e tinha uma stickada forte. E a bola de hóquei em campo é dura como pedra. O guarda-redes daquela selecção tinha medo dele.[quote_box_right]“Sempre que alguém lhe disser “em Hong Kong fazemos assim”, responda “olha, em Macau, fazemos assado. É por isso que somos melhores que Hong Kong.”[/quote_box_right] A verdade é que às vezes a malta de Hong Kong merece. Infelizmente existem sempre uns espertinhos da vizinha RAEHK que pensam que são os melhores do mundo e por vezes têm a mania que tudo e todos – incluindo Macau – devem fazer as coisas à maneira deles. Porque tudo o que seja diferente de Hong Kong é para eles estranho e, portanto – ponto principal – errado. Ora, ao longo dos meus 13 anos de vida profissional aqui em Macau, tive o privilégio de trabalhar com excelentes profissionais – e repito: excelentes profissionais – de Hong Kong com quem mantive magníficas relações de trabalho. E de amizade até. No entanto, quando sinto que estão a pisar o risco, devolvo-lhes sem cerimónias a dose de mau feitio maquista que acho que merecem, tipo stickada forte do meu avô, deixando-os chulados com um sabor amargo na boca. Estou-me a lembrar de um episódio muito interessante que foi assim: numa sessão de abertura de propostas de um concurso público presidida por mim, um dos concorrentes era uma empresa de Hong Kong – e uma grande empresa até – que apresentou uma proposta com deficiências formais, não cumprindo o estipulado no Programa de Concurso. A proposta não foi admitida, pelo que os representantes desse concorrente reclamaram imediatamente. E com aquela arrogância. Os argumentos deles? “Em Hong Kong é assim que fazemos e nunca tivemos problemas!” Estavam a pedi-las, certo? A minha resposta, sem esconder desprezo, foi assim: “Desculpe, mas de acordo com os parágrafos X, Y e Z deste Programa de Concurso, está estipulado que o concorrente tem de fazer assim, assado e cozido, e vocês não o fizeram. Não sei como as coisas funcionam em Hong Kong, mas aqui em Macau a vossa proposta não pode ser aceite. Em Macau vigora a lei!” (*) Os restantes concorrentes de Macau riram-se e trocaram olhares de cumplicidade comigo. Não escondo que esse episódio me deu imenso prazer. Pelo que, de vez em quando, e como entretanto comecei a ganhar cabelos brancos e a senioridade profissional já me permite fazer determinadas coisas, até me dou ao luxo de lançar ataques preventivos à malta de Hong Kong, mesmo na ausência de qualquer tipo de provocação. Pelo que, caríssimo leitor, tenho aqui umas boas para partilhar consigo e não me importo que as utilize sempre que lhe apeteça dar umas bengaladas à malta de Hong Kong. E a piada da coisa é que têm como base a mesma arrogância à la Hong Kong, só que virada contra eles próprios: Saúde “Sabe, costumava ir a Hong Kong para consultas médicas, mas deixei de ir depois de todos os recentes medical blunders. Só no ano passado houve em Hong Kong sete casos de objectos cirúrgicos esquecidos dentro do corpo dos pacientes após cirurgia. Prefiro ir a Bangkok, o Bumrungrad é espectacular e tem médicos ingleses. De onde vêm os vossos médicos? São locais, certo?” Água com chumbo “No outro dia estive em Hong Kong, lavei os dentes com a água da torneira e pimba, fiquei logo com uma diarreia. Agora, em Hong Kong, só lavo os dentes com água engarrafada.” Construções ilegais “Em Macau somos muito rigorosos e construções ilegais não são permitidas. Em Hong Kong não existem leis que regulam isso, certo? O Henry Tang e o próprio CY Leung admitiram ter obras ilegais em casa, não foi?”. Grande Prémio “Então vocês falharam a candidatura à Formula E? Eles quiseram vir para Macau, mas rejeitámos. Mas afinal porquê querem vocês copiar Macau? Venham ver o nosso Grande Prémio, já vamos na 62ª edição. E temos carros de competição de verdade, não são eléctricos.” Passaporte “Nunca consegui perceber essa treta do British National Overseas passport. Nós não temos nada disso. Aliás, ouvi dizer que vocês quando vão à Inglaterra com um passaporte desses, têm de fazer fila para o balcão All Other Nationalities. Que nacionalidade é essa, afinal?” Fins-de-semana “Macau está-se a tornar demasiado stressante e fast-track. Por isso, nos fins-de-semana, gosto de ir a Hong Kong: mais espaço, menos gente, pessoal mais amigável, boas refeições a preços acessíveis. É tudo mais lento e laid-back. Consigo relaxar.” Dinheiro “Nunca percebi por que razão as cores das vossas notas não seguem correctamente as nossas: as vermelhas devem ser de 10, e não de 100; as roxas devem ser de 20, e não de 10; as castanhas devem ser de 50, e não de 500. A única que acertaram foi a de 1000. What were you thinking?” Bandeira “Ah e tal, Occupy Central… Mas afinal por que razão a vossa bandeira é vermelha?” E uma que dá para tudo Sempre que alguém lhe disser “em Hong Kong fazemos assim”, responda “olha, em Macau, fazemos assado. É por isso que somos melhores que Hong Kong.” Brincadeiras à parte, a verdade é que Hong Kong é uma cidade magnífica e desenvolveu a sua própria identidade cultural, pelo que em muitos aspectos é, ou então julga-se, auto-suficiente. No entanto, é vítima do seu próprio sucesso, pois em muita coisa vive para o seu próprio umbigo. E depois pretende ser uma espécie de cidade-estado, tipo Singapura – mesmo sabendo que isso nunca vai acontecer. Hong Kong tem por isso de deixar essa atitude arrogante, olhar à volta, abrir-se e preparar uma estratégia a longo prazo para se manter competitiva. O mundo mudou e o campeonato já não é o mesmo, sobretudo dada a ascensão de algumas cidades chinesas. No entanto, parece que ainda não acordaram para a vida e continuam iludidos: num artigo recente do South China Morning Post, foi noticiado que cerca de 90% dos cidadãos de Hong Kong abaixo dos 30 anos é trilingue. E esse facto foi registado como sinal de uma sociedade competitiva, preparada para os desafios do século XIX. Sendo que, contudo, essas três línguas são afinal o inglês, o cantonense e o mandarim… Nenhuma delas verdadeiramente estrangeira para Hong Kong, convenhamos. Não se ponham a pau, não. Correm o risco de ser ultrapassados e esquecidos. E no dia em que isso acontecer não lhes vai valer de nada fazer birras e protestar com o argumento “em Hong Kong fazemos assim”. Ninguém vai dar ouvidos. Eu avisei. Sorrindo Sempre Não há Sorriso Sempre porque já escrevi muito. Mou ah, nám tem. Sorrindo sempre. (*) “Em HK vigora a lei (HK kong fat lot ga)” era uma expressão muito utilizada em Hong Kong nos anos 80 e motivo de orgulho dos cidadãos daquela cidade.
Hoje Macau VozesCarta Aberta | Sindicato dos Trabalhadores Consulares e Das Missões Diplomáticas [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]pós a sua recente deslocação a Macau, Rosa Teixeira Ribeiro, Secretária-Geral do STCDE (Sindicato dos Trabalhadores Consulares e Das Missões Diplomáticas de Portugal no Estrangeiro) rejeita formalmente as acusações formuladas pelo Sr. José Pereira Coutinho, candidato a membro permanente do CPP pelo círculo China, Macau e Hong Kong. “Maçãs podres” é um termo altamente difamatório para quem, em condições cada vez mais degradadas, assegura um serviço reconhecido de elevada qualidade. Os funcionários do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong-Kong têm-se revelado trabalhadores incansáveis, com grande capacidade de adaptação e de inovação, recebendo os utentes de forma isenta e sem discriminação, contrariamente ao afirmado pelo candidato. A sua prestação de trabalho tem-se caracterizado pelo profissionalismo, imparcialidade, brio e dedicação. Rosa Teixeira Ribeiro deplora que o candidato não tenha optado por unir todos os interessados em torno de um projecto comum em defesa dos interesses e objectivos de todos os nacionais portugueses, tendo preferido designar bodes expiatórios que nem sequer se podem defender directamente e pessoalmente. Mas a verdade vem sempre acima, pois não é por acaso que o Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong-Kong, graças ao trabalho dos seus funcionários operacionais, administrativos, técnicos e diplomáticos, é um posto reconhecido pela sua capacidade de trabalho e de adaptação, na vanguarda e totalmente investido na sua missão de representação de Portugal e defesa dos seus cidadãos. Por prova disto, os trabalhadores estarão a postos no dia 6 de Setembro de 2015, para receber todos os eleitores que se deslocarão ao Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong-Kong, incluindo quem tão pouco respeito lhes manifestou. Rosa Teixeira Ribeiro, Secretária-Geral do STCDE (Sindicato dos Trabalhadores Consulares e Das Missões Diplomáticas de Portugal no Estrangeiro)
Leocardo VozesHINDI LUBOS [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] manifestação organizada no último domingo por uma associação de empregadores dos serviços domésticos, em parceria com a Associação Geral das Mulheres de Macau teve uma adesão que ficou “aquém das expectativas”. Dos alegadamente mil inscritos na parada participaram apenas pouco mais de uma centena – e é assim que anda a coerência por estas bandas: à dízima do seu valor facial. Pode ser que as centenas de ausentes sejam pessoas que caíram em si, chegando finalmente à conclusão de que se iam expor a um ridículo: qual a intenção em protestar por um serviço, que sabendo de antemão no que consiste e de que contornos se rodeia, continuam a considerar “indispensável”? No entanto dos que levaram a petição ao Palácio do Governo houve quem até dissesse algo de interessante, aliás, num mundo melhor, esta manifestação faria todo o sentido. Permitam-me um pequeno exercício, não do contraditório, mas do que tenta olhar a situação do outro ponto de vista, em vez de se apressar a chamá-lo de “xenófobo”, e outros impropérios. Com os melhores cumprimentos, aqui vai ela. Concordo que uma empregada doméstica ou outra mão-de-obra não-residente venha para Macau para esse efeito, e não com um visto de turista para depois andar à procura de um “sponsor”. Parece-me a todos os títulos legítimo que alguém queira saber do passado de uma pessoa que vai colocar na sua casa, ora sozinha, ora tomando conta de crianças ou idosos do seu agregado familiar. Todas estas causas e mais algumas outras referidas por estes pobres tansos têm a sua razão de ser, ninguém duvida disso, ou duvida? O problema aqui não é tanto “o quê”, mas “quem”; são as mesmas pessoas que criaram este estado de coisas que vêm agora fazer barulho. Foi a negociata das agências, os recrutadores ilegais, o emprego em “part-time” (que é ilegal para os TNR, recorde-se) e todas essas “escapadelas” que levaram a um ponto em que é tolerado contratar alguém de quem nada se sabe para fazer um trabalho para o qual pode nem estar habilitado. Da nossa parte, da comunidade portuguesa, continuamos nesse “tilt” de olhar para tudo como se nos estivessem a fazer o mesmo – isto pelo que li e ouvi por aí a este respeito. Mais uma vez, nem todos os filipinos são “de Manila”, e alguns deles preferem este “passar mal” de que aqui desfrutam de quando em vez, do que ao “dolci far niente” que os aguarda no país de origem, com a diferença deste “far niente” não ser nada “dolci”. A “gente bonita” vai logo buscar a escala dos “direitos humanos” para medir a coisa, quando muitas vezes nem sabe que o primeiro colchão onde muitos filipinos dormem na sua vida encontram aqui em Macau, no apartamento que dividem com mais sete ou oito deles. As “condições mínimas de higiene”, de que alguém famosamente rotulou o facto de ter que se tomar banho de pé, nada são atendendo ao facto de que existe água quente, algo que no interior das Filipinas “é um luxo”, assim como ter telefone residencial, em vez precisar de andar centenas de metros até ao único entreposto na aldeia com comunicação para o exterior. É verdade que em comparação a muitos de nós, que não dispensam duas idas de férias a Portugal por ano (em muitos casos para ostentar), as filipinas e as indonésias “vivem mal”, e que merecem todo o nosso apoio e solidariedade. Mas atenção, que aceitar que se torçam as regras não é dar carta branca à anarquia total, e se este problema “não é nosso”, um pouco de moderação na hora de cometer certos julgamentos é recomendada. Até porque muita da precariedade em que alguns destes TNR se encontram é igualmente culpa nossa, senão digam lá: quem é que passou a ter as filipinas e indonésias como mais do que apenas “empregadas domésticas”? A consciência, esse depósito de entulho que por lá foi ficando esquecido… PS: O título do artigo significa qualquer coisa como “Não é bem assim”, em filipino.
Tânia dos Santos SexanálisePré-acto [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]reparativos são mais ou menos necessários dependendo da personalidade de quem os pratica. Há quem queira ser espontâneo ou há quem tente preparar ao ínfimo pormenor tudo o que vai acontecer. Isto sou eu a pensar na generalidade, para quem gosta de viajar, organizar um jantar ou nas nossas rotineiras vivências. O que se faz com preparativos para sexo? Preparações logísticas, mentais e físicas contribuem para a performance e à sua optimização. Poderia pensar em lingerie da mais alta qualidade, uns acessórios excitantes daquelas lojas que não têm direito a montra. Há diferentes níveis de criatividade que mostram todo o potencial apimentador do sexo, que vai de organização kinky até a uma lubrificação bem feita, para a coisa correr bem. Para mulheres se prepararem para sexo, convém existir alguma dica de que a coisa vai acontecer. Para as mais preocupadas, depilação e lingerie são questões importantes a serem consideradas. Para as menos preocupadas, talvez não seja necessário, mas sei lá, convém haver um preservativo à mão. Pois que a ânsia para o sexo faz o tico e o teco aumentarem a sua actividade fantasiosa. Pois que de fantasias se vive o prazer, e a lubrificação também agradece. Sexo não é penetração vaginal, única e exclusivamente. Se a sua definição é vista como tal, talvez que daí se justifique o uso do sexo anal para evitar a sua tão assustadora e possível disrupção (talvez nunca entenderam que ‘sexo’ está em sexo anal…). Se se concentrarem em fantasias, naquelas imagens mentais que nos assolam dia e noite em dias mais sexualmente necessitados, o que se vê: corpos, toques, apertos e entradas e saídas (digitais, orais, genitais). Um saudável salpicar de tudo. Chegamos então à fantástica conclusão que sexo na sua definição redutora não satisfaz os apetites de todos quando tentamos teórica e empiricamente percebê-la. Que isto tem que ver com preparativos e, em especial, preliminares? Pois que os preliminares deveriam ser menos pre, tornando-se parte do processo, do acto, da concepção. Sem este q.b. de preparação mental e física, o pinar pouco se via. Os preliminares são popularmente entendidos como aquele tempo necessário antes de sexo que se estende por mais tempo por vontade das mulheres e por menos tempo por vontade dos homens, com a importante função biológica de lubrificação. Há um estudo que vem mostrar que, na verdade, o tempo que se deseja para os tais preliminares é o mesmo, tanto para homens como para mulheres (tenho que agradecer a referência académica ao blog da Leonor – prontoadespir.me – com textos sobre sexo de uma audácia e descomplicação sem igual). Escandaloso pensar que há mulheres que cortam os seus preliminares porque acham que ele não quer, e homens que são levados no embalo do que acreditam ser vontade dela, e não reclamam por mais! Mais preliminares para estas mesas, por favor! O estudo também mostra que as expectativas são entendidas através de estereótipos sexuais que temos do parceiro, que têm pouca consideração das necessidades individuais, e mais – das do casal e da sua dinâmica. Não querendo cair em clichés, vou cair: senhores e senhoras, é preciso comunicar. Comunicar verbal ou não verbalmente se querem continuar no amasso, se o querem apressar. Whatever. Claramente que existem situações onde longos preliminares (não estou a gostar nada desta palavra, é do sufixo, mas à falta de melhor…) não fazem sentido. Pensem naquela rapidinha antes de ir trabalhar, por exemplo. Enaltecendo a funcionalidade dos liminares (não resulta) que pode ser mais ou menos propositada, o foreplay (gosto mais) traz não só o desenrolar de um desejo inusitado e descontrolado, mas faz uso da imaginação do prazer. Vai do uso da pele (referido anteriormente) à criatividade dos jogos genitais e zonas erógenas que com classe e eficácia são estimuladas. Reparem que me referi a classe, porque destes automatismos esperam-se a ausência… de classe. Usar os mamilos como sintonizadores de rádio à espera de um interruptor de vontade sexual, não impressiona. Nada contra estimular mamilos per se, mas há que não ficar por aí. Há desespero por encontrar uma fórmula milagrosa de excitação que por vezes é confundida com o estimular um mamilo, ora o direito, ora o esquerdo e dedilhar o clitóris, à vez – no sentido dos ponteiros do relógio. A ocasional lambidela no pescoço, o afogar orelhas em saliva, já lhes conhecemos as manhas. De interesse o prazer e uma optimização lubrificadora (de ambas as partes), uma fórmula infalível talvez seja uma procura desnecessária. Mas que não vá desencorajar o explorar, as explorações sexuais.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPoucas condenações nos tribunais [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o sábado passado, o jornal “South China Morning Post” publicou uma peça crítica sobre a relativa baixa taxa de condenações verificada na “Magistrates Court” de Hong Kong, que não passa dos 50%, segundo dados oficiais. Ou, posto de outra maneira, a acusação ora ganha, ora perde um caso. Em Hong Kong, a “Magistrates Court” representa o tribunal de justiça mais baixo daquele território, equivalente ao Tribunal de Primeira Instância da RAEM. A taxa de condenações mencionada no primeiro parágrafo deste artigo refere-se à quantidade de vezes que um arguido trazido a tribunal foi considerado culpado. Pode-se então dizer também que o Governo de Hong Kong apenas ganhou metade dos casos considerados neste tribunal, visto serem estes os responsáveis pela acusação. O departamento responsável por assuntos legais em Hong Kong opera debaixo do título “Department of Justice” (DoJ), sendo dirigido pelo “Secretary for Justice”. Acaba na verdade por ser o equivalente ao Ministério Público da Região Administrativa Especial de Macau, apesar de na RAEHK o departamento encarregue da acusação constituir um sub-departamento do DoJ, sendo este chefiado por Grenville Cross, que ocupa o cargo de “Director of Public Prosecution” (DPP), conhecido também como o número dois do Departamento de Justiça daquele território. Pois foi então este dirigente que se encarregou da autoria do artigo agora por nós analisado. Duas razões específicas podem ser apontadas como as causas da baixa taxa de condenações descrita por Grenville. A primeira deve-se aos advogados recentemente licenciados, pois recentemente mais e mais casos têm vindo a ser defendidos por indivíduos recém-formados, o que pode pôr em causa os padrões de qualidade da acusação. Todavia, o Secretário para a Justiça da RAEHK manifestou uma opinião diferente, pois segundo este responsável, uma das mais importantes funções do Department of Justice é exactamente treinar novos advogados. O segundo factor apontado por Grenville tem a ver com a saída de procuradores públicos da Magistrates Court. O procurador público é o responsável pela acusação dos processos levados a julgamento neste tribunais, que normalmente requer a contratação de 102 pessoas para esta posição. Porém, o Governo da RAEHK parou de contratar novos procuradores em 2008, havendo agora apenas 80 indivíduos encarregues desta função. Assim, a sua carga laboral é naturalmente muito maior do que a normalmente antecipada. Mas será justo apontar os advogados recém-formados como a principal causa da má prestação da acusação da Magistrates Court? Este argumento não é fácil de comprovar, mas podemos talvez tecer algumas considerações através da análise do ambiente de ensino de Hong Kong. Hoje em dia, os estudantes da RAEHK têm de investir quatro anos para completar um bacharelato numa universidade local. Depois de completarem este primeiro curso de direito, são então obrigados a frequentar o “Postgraduate Certificate in Laws”, com a duração de um ano. Só depois de completar com sucesso estes dois programas é que os candidatos se encontram aptos para os estágios profissionais, ou treino prático. Um aluno que acabe o ensino secundário na casa dos 18 anos, tem ainda de estudar mais seis ou sete anos para se qualificar como advogado em Hong Kong, estando nessa altura com cerca de 24 ou 25 anos. Assim, temos de considerar se estes advogados recém-formados, apesar de legalmente qualificados, dispõem ou não da maturidade suficiente para gerir um caso de natureza criminal? A lei criminal lida com o crime, e o crime é praticado por um criminoso. Mas é normal encontrar delinquentes que sabem violar a lei sem porém ficarem sujeitos a nenhuma responsabilidade criminal, ou então sem deixar nenhum indício. Em contrapartida, e na maioria dos casos, um indivíduo com 24 ou 25 anos não está ainda casado, nem tão pouco acumulou nenhuma experiência profissional. Existe então uma grande probabilidade que este jovem advogado não saiba pensar como um criminoso, que se especializa em violar a lei. Mas, se tal for verdade, torna-se então muito difícil para este advogado conseguir ganhar um caso em tribunal. Nos Estados Unidos, por sua vez, as universidades não oferecem nenhum curso de direito. Assim, uma pessoa tem primeiro de completar um curso universitário para depois poder estudar direito naquilo que são conhecidas como “Law Schools”. Mas, esse mesmo indivíduo, depois de completar primeiro um bacharelato e a seguir enveredar pelo estudo de direito numa instituição académica apropriada, só acaba a sua preparação académica na casa dos 30 anos. Podemos então assumir que seja dotado de mais maturidade do que os seus colegas de Hong Kong, mesmo que igualmente não esteja ainda casado nem tenha acumulado nenhuma experiência profissional. A experiência de vida de um advogado é essencial para o guiar na interrogação de um arguido ou testemunha durante um julgamento. Ao mesmo tempo, serve para o auxiliar quando necessitar de se pôr na pele de um criminoso para explorar possíveis falhas do sistema. Esta é aliás a principal razão pela qual os alunos interessados em seguir direito ou medicina nos Estados Unidos são obrigados a completar primeiro um outro curso qualquer, sendo assim o curso de direito ou medicina a sua segunda habilitação universitária. Vamos agora então analisar a segunda causa indicada por Grenville – a falta de procuradores públicos. Em Hong Kong, este cargo não é ocupado por advogados. Os candidatos a este cargo têm primeiro que completar outras funções nos tribunais por longos períodos, e só são considerados para o cargo aqueles indivíduos que se distingam por um desempenho exemplar. Assim, apenas alguém com uma vasta experiência legal é que pode vir a assumir a posição de procurador público. Ao mesmo tempo, isto implica que já seja mais velho, assim como que já disponha de muita experiência de vida. Assim, não é normal ver um procurador público perder um caso em tribunal, pois toda esta experiência é vital para o ajudar a pensar como um criminoso. Ainda assim, e como já mencionamos anteriormente, é vital que o Governo da RAEHK prepare novos advogados através da experiência adquirida em tribunal, ou seja, facilitando-lhes mais casos para levar a julgamento. Esta é sem dúvida uma boa prática, pois se estes recém-formados não conseguirem casos para representar nos tribunais, não vão nunca poder aprofundar os seus conhecimentos jurídicos, nem tão pouco avançar nas suas carreiras. Assim, mesmo que um jovem advogado perca um caso em tribunal, isto representa uma oportunidade para enriquecer a sociedade. Isto é um custo necessário para a sociedade de Hong Kong poder preparar a nova geração de advogados. Podemos então considerar que a função das autoridades da RAEHK é exactamente balançar a necessidade de obter uma maior taxa de condenações na Magistrates Court com o desejo de oferecer mais oportunidades aos advogados recém-formados. Talvez seja vantajoso para o Governo da RAEM considerar implementar algumas das medidas utilizadas em Hong Kong – para assim oferecer aos advogados locais mais oportunidades de aprofundar os seus conhecimentos. Esta pode mesmo ser uma das melhores maneiras para melhorar a qualidade dos advogados na RAEM. O direito é um assunto prático. Não podemos aprender assuntos jurídicos exclusivamente através dos livros de ensino, mas temos sim que aplicar esses conceitos na vida real. Quanto mais praticarmos, mais vamos saber. É por isso que a máxima “a prática leva à perfeição” é sempre verdade no que concerne à lei.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no DesertoA verdade está à solta, colhendo o que se semeia [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]urante a Dinastia Song do Sul da China, o imperador Gaozong e o seu chanceler Qin Hui conspiraram juntos para remover Yue Fei, o principal general militar na altura. Qin chegou mesmo a discutir os detalhes do plano em casa com a sua mulher. Fruto dessas discussões, o casal chegou a um consenso que “libertar o tigre para que este regressasse às montanhas viria a trazer uma série interminável de problemas no futuro”. Assim, a única alternativa viável era a morte de Yue Fei. Alegasse que, depois do falecimento de Qin Hui, este visitou a mulher durante um sonho para a informar que o seu complot havia sido exposto, o que a assustou de tal modo que chegou mesmo a causar a sua morte. A verdade vem sempre ao de cima, mais tarde ou mais cedo. Mesmo quando todos se preocupam apenas com os seus próprios assuntos, não se pode assumir que a sociedade se encontra em paz. Se nós não nos interessarmos pelo local em que vivemos, este sítio acaba inevitavelmente por nos partir o coração. A quarta legislatura do Governo da RAEM encontra-se em funções há menos de um ano, mas mesmo assim os problemas sociais têm-se multiplicado, e com uma ferocidade tal que mais se assemelham a uma erupção vulcânica. O recente incidente envolvendo a troca de terrenos destinados à Fábrica de Panchões Iec Long, que se encontra agora sob a investigação do Comissariado Contra a Corrupção, é um dos muitos casos que preocupam as gentes de Macau. A troca de lotes verificada neste incidente foi realizada de acordo com todos os requerimentos legais durante o mandato de Ao Man Long como Secretário para as Obras Públicas e Transportes. A maior incongruência foi a troca de um lote pequeno por um bem maior, situação considerada fora do normal e isenta de qualquer razão ou lógica. Não nos podemos porém esquecer de uma situação semelhante que envolveu o empresário da construção civil Lam Wai. Na altura, ninguém levantou nenhuma objecção acerca do caso de Lam e todo o processo decorreu dentro da legalidade. Mas, quando Ao Man Long foi processado por aceitar subornos, a opinião pública, e em especialmente a deputada Kwan Tsui Hang, exigiram que o sucessor de Ao nas Obras Públicas investigasse as concessões de terras realizadas durante a era de Ao como Secretário para as Obras Públicas e Transportes, de forma a garantir que nenhum problema tivesse ficado por resolver. Mas, no final de contas, o sucessor de Ao pouco ou nada fez a este respeito, e o caso da Fábrica de Panchões Iec Long nem sequer fazia parte da lista de transacções sob investigação. Lembro-me que, na altura, alguns deputados insistiram frequentemente para que o Governo divulgasse quanta permuta de terrenos havia sido autorizada, e que fornecesse esclarecimentos sobre o rumor de que parte dos cinco aterros do Plano Urbanístico teria de ser usada como compensação pelas permutas anteriores. Mas, como já é habitual, a resposta do Governo foi pouco esclarecedora. Apenas quando Raimundo do Rosário assumiu a pasta de Secretário para as Obras Públicas e Transportes é que as autoridades se dignaram a fornecer respostas mais detalhadas às perguntas colocadas pelos deputados em questão. Veio-se então a saber que, em relação à troca de terrenos relativa à Fábrica de Panchões Iec Long, esta permuta só podia ter ocorrido de acordo com os respectivos procedimentos legais. Mas, apenas por estar de acordo com a lei não significa necessariamente que a troca tenha sido justificada. Mas temos também que reconhecer que esta prática se encontra tão enraizada que acabou mesmo por se tornar numa característica distinta de negócios “à Macau”. Também no caso do terreno “Tou Fa Kón”, localizado perto do Mercado Vermelho, assim como no do projecto La Scala, situado em frente ao Aeroporto Internacional de Macau, os respectivos terrenos foram concedidos de uma forma legal. Mas isso não tira importância ou influência às várias partes interessadas que se movimentaram nos bastidores de todo este processo. O Secretário Raimundo do Rosário chegou aliás a pedir ao Comissariado contra a Corrupção que abrisse um inquérito relativo à troca de terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long, o que acabou por ser uma medida muito inteligente. Por um lado, este dirigente evitou desta forma vir a ser considerado responsável pelos casos melindrosos que constituem o legado da antiga Administração. E, daí para a frente, todas as futuras decisões relativas à Fábrica de Panchões Iec Long teriam de ser aprovadas pelo Comissariado contra a Corrupção. Por outro lado, esta decisão vem também evitar que Raimundo se torne no alvo de ataques por parte do público caso se venha a verificar qualquer outro problema no que toca a concessões de terrenos, especialmente aquelas envolvendo lotes de grandes dimensões. Caso os nossos leitores estejam a par dos desenvolvimentos do caso da Fábrica de Panchões Iec Long, sabem certamente que o proprietário do terreno em questão, assim como os seus parceiros, mantém uma relação muito íntima com os círculos empresariais e políticos do território. Tanto Chui Sai On como Raimundo do Rosário são responsáveis de resolver ou gerir qualquer problema que tenha sido deixado pela Administração anterior. Podemos então afirmar que ambos estão agora a colher aquilo que semearam no passado. Mas, neste momento, seria talvez vantajoso perguntar a nós próprios, o que levou Macau a se tornar naquilo que é hoje? Será que o conceito de “um país, dois sistemas” falhou? Ou será então que as gentes de Macau são incapazes de gerir o território por si próprias? Na verdade, o princípio “um país, dois sistemas” acabou por dar a Macau, como também a Hong Kong e a Taiwan, um alto nível de tolerância política. Se os tumultos de 4 de Junho não tivessem ocorrido na China, a onde de reformas políticas que decorria no país não teria nunca terminado, e as situação política teria despoletado em algo verdadeiramente agradável. Em Macau, por sua vez, não há falta de talentos, apenas uma escassez de talentos políticos que estejam dispostos a se dedicar à cidade por completo. Existem sim muitos que proclamam ser patrióticos e ainda que amam a RAEM, mas na realidade estão dispostos a roubar para proveito próprio ou então de forma a enriquecer as associações ou organizações a que pertencem. Mas Macau nunca teve falta de indivíduos interessados em representar as massas, nem tão pouco de organizações destinadas a supervisionar o desempenho do Governo. Todavia, estas associações são incompetentes e colocam ênfase na manutenção do status quo, ou da harmonia social, ao invés de exigir a responsabillização dos funcionários públicos. Assim, e com uma administração que carece de supervisão apropriada, a porta encontra-se aberta a todo o tipo de conduta desordeira. Outro problema que temos de superar é a necessidade que os nossos campeões da democracia sentem em ser foco das atenções, assumindo este problema um carácter de veneração semi-religiosa. Na verdade, estes indivíduos encontram-se tão divorciados da realidade que se julgam transformados numa espécie de ídolo, que porém existe apenas em nome. Além disso, recusam-se a partilhar o poder com outros, devido ao medo que têm de perder o seu status social, e parecem ser ignorantes da necessidade que todos nós temos em gerir adequadamente o tempo. Tudo isto culmina numa espécie de ecologia política caracterizada por pessoas que se dedicam a enriquecer através da política. Ao mesmo tempo, deparamo-nos com uma sociedade cada vez mais populista, em que a maioria dos seus cidadãos denota uma nítida falta de visão estratégica, além de uma marcada incapacidade em assumir uma conduta altruísta. Se as coisas se mantiverem assim, o que pode ser feito? Esta questão merece sem dúvida a nossa atenção.
Leocardo VozesVÁ-SE LÁ ENTENDER… [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] falta de uma “silly season” a que fiz referência na semana passada neste espaço veio parir mais um monstro. Numa iniciativa que deverá ter tudo de original à escala global, os “patrões” vão sair à rua a protestar contra os “empregados”, ou neste caso “empregadas” – em Macau os empregadores marcaram para este domingo uma manifestação contra as suas empregadas domésticas. Não é engano, e penso que nada ficou perdido na tradução: centenas de pessoas vão protestar contra outras que colocaram a trabalhar na sua casa de forma completamente voluntária. Não sei que “slogans” e outras palavras de ordem se vão escutar nessa tal manifestação, mas suspeito que não será “não me limpem a casa”, ou “deixem os meus filhos esquecidos no infantário”, isso é que era. Este é mais um daqueles casos em que se exige “que alguém faça alguma coisa”. Quem e o quê, isso já não é problema deles, que já fizeram o que lhes competia, que é protestar. A parte do “deitar abaixo” está feita, agora que “alguém” se encarregue de fazer o resto. Esta iniciativa, que só pode ser catalogada de “absurda”, partiu de uma tal Associação de Empregadores dos Serviços Domésticos, e tem como mote um caso isolado, onde uma ajudante familiar de origem vietnamita terá maltratado uma criança pequena, que tinha a seu cargo. O bom senso diz-nos que este é um caso de polícia, e generalizar seria cair no ridículo – deviam todas as mulheres deixar os seus maridos com o pretexto de um caso de violência doméstica, por exemplo? Mas o bom senso não é para aqui chamado, e é por demais evidente que existirão outras razões que não essa para que tanta gente prestar-se a esta triste figura, que nem de “hipocrisia” se pode classificar, de tão surrealista que é. O que vai dizer um patrão que participe desta arruada à sua empregada? “Olha, no Domingo vou-te rogar mil pragas, mas isso não quer dizer que na segunda tens folga, estás a ouvir? Quero-te aqui às oito em ponto, como costume. Ah sim, é verdade: VOLTA PARA O TEU PAÍS, DESGRAÇADA!”.[quote_box_left]Não sei que “slogans” e outras palavras de ordem se vão escutar nessa tal manifestação, mas suspeito que não será “não me limpem a casa”, ou “deixem os meus filhos esquecidos no infantário”, isso é que era. Este é mais um daqueles casos em que se exige “que alguém faça alguma coisa”. Quem e o quê, isso já não é problema deles[/quote_box_left] Nós, comunidade portuguesa, sempre na linha da frente do sentimento humanista na sua vertente “respeita os mais fracos e os oprimidos, ou levas na tromba”, fomos os primeiros a manifestar indignação por isto, que não fica muito atrás daqueles exemplos horrendos de que a História é fértil, desde cristãos a judeus, passando por ciganos, pretos, mulheres no Islão, etc, etc, etc. Não nos fica mal indignarmo-nos, não senhora, até porque não custa nada: é só falar, ou escrever, agitar o punho, chamar “selvagens” a estes, “racistas” e “xenófobos” aos outros, e lá ficamos de consciência tranquila. Deve ser a mesma coisa que sentem os participantes da manifestação do próximo domingo, no fundo: não gostam das empregadas, não as querem cá, mas não podem passar sem elas. No fundo funciona um pouco como um acto de auto-flagelação, um processo em que se expiam os pecados, os seus, e os dos outros, e vão ficar ali a marrar na parede até que alguém repare e diga “Epá, afinal sempre é verdade, vocês estão mesmo MUITO chateados. Há coisas, como estas e muitas outras, que nunca vamos entender, pois não são para serem entendidas por nós. É a “cosadeles”, que é como a “cosanostra”, mas só que “é deles”. Aqui em Macau, onde não existe um “SOS racismo” e afins (e ainda bem, livra!), convivem no mesmo espaço vários nacionalidades e etnias, as coisas são estruturadas desta forma, há os que são de cá, e os que vêm de fora, e isto percebe-se a olho nu. Um filipino que tenha nascido em Macau, filho de pais filipinos, mas que tenha estatuto de residente, e como tal os mesmos deveres e direitos da família Chan, Leong ou Wong, não se livra de ouvir um “volta mas é para a tua terra”, na eventualidade de “pisar a cauda” a um outro residente como ele, mas que à vista desarmada não se dá conta desse facto – e nem precisa, para quê? Afinal quantos de nós também já não se deu a dizer cobras e lagartos de um grupo de milhões, apenas porque dois ou três destes nos tramaram numa ou noutra circunstância? Se quiserem um exemplo, basta recordar que 1500 milhões de pessoas em todo o mundo, um quarto da humanidade, professa a religião muçulmana – serão todos eles “gajos de quem só queremos distância”? Não concordo que os chineses em geral sejam racistas, ou que alguma vez tenham sido. São etnocêntricos, isso sim, e para eles existe a China e os chineses, e depois o resto do mundo, que é habitado pelos “estrangeiros”. Mesmo que alguém tenha nascido na China, mas com outra ancestralidade, aos olhos dos chineses nunca será um deles, e o mesmo se aplica aos mestiços, ou alguém que não tenha uma linhagem familiar completamente chinesa. Contudo não os vejo deixar de interagir com os tais “estrangeiros”, e como censurar? Eles são assim, tal como os seus pais já eram, e os pais destes, e não sabem ser outra. É muito despeito, na minha humilde opinião, querer aplicar as valências adquiridas pela nossa culturização a quem nasceu, cresceu e vive num mundo completamente à parte do nosso, e onde o valor da vida humana tem outra cotação. Achamos graça aos aspectos mais exóticos desta cultura, mas não percebemos nem queremos aceitar o reverso da medalha. E vá-se lá entender porquê…
Rui Flores VozesDa impunidade política na Guiné-Bissau [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] nova crise política na Guiné-Bissau faz levantar dúvidas, uma vez mais, sobre a adequação do quadro jurídico-constitucional em vigor no país com a realidade sócio-política guineense. Esta é uma questão que tem sido levantada em tempos de confrontação política ou na sequência de mais um golpe de Estado. Desta vez, a crise colocou o Presidente da República eleito pelo PAIGC, José Mário Vaz, contra o líder do PAIGC e primeiro-ministro demitido, Domingos Simões Pereira, e a nomeação de um governo de iniciativa presidencial, chefiado por Baciro Djá, ex-ministro da Presidência do Conselho de Ministros que se incompatibilizou com o antigo secretário-executivo da CPLP. Tudo por alegada corrupção e incompetência do executivo. As crises político-securitárias têm-se repetido na Guiné-Bissau como em poucos outros países da África Ocidental. A história regista o facto de que, desde as primeiras eleições multipartidárias em 1994, não houve nenhuma legislatura que chegasse ao fim nem um Presidente da República que completasse o seu mandato. As razões para que isso tenha acontecido e continue a acontecer, 31 anos depois do primeiro acto eleitoral e 42 anos após a independência, são várias e têm sido apontadas nos últimos anos pelos mais diversos comentadores. As consequências directas são os golpes de Estado e os assassínios, mas o analfabetismo, o tribalismo, a incapacidade de diálogo entre os vários protagonistas políticos são alguns dos problemas que os diversos analistas têm identificado como causas estruturantes da instabilidade permanente que tem marcado a Guiné-Bissau pós-colonial. Uma das principais questões que enquadram o problema da recorrente instabilidade da Guiné-Bissau foi salientada pelo ex-representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas no país, José Ramos-Horta, quando há dias, nas páginas do Público, apontou o dedo a um dos mais recentes legados lusos, a influência jurídico-constitucional: “A crise resulta de uma Constituição que foi cozinhada em Portugal, sem qualquer consideração à realidade social da Guiné-Bissau, mas encomendada e absorvida na Guiné-Bissau, logo a seguir ao derrube do Presidente Amílcar Cabral. A partir desse primeiro golpe nunca mais conheceu paz.” Antevendo as dificuldades que poderiam existir entre o poder presidencial e o executivo, Ramos-Horta, diz o próprio, procurou deixar um conselho ao Presidente Vaz, quando deixou a chefia da missão da ONU na Guiné-Bissau: “Esse modelo Constitucional não desculpa tudo. A crise tem a sua génese no Palácio Presidencial, num Presidente que, mau grado as prerrogativas ou limitações dos seus poderes, devia acima de tudo ser o mediador, homem de diálogo, fazedor de consensos. Foi o que aconselhei o Sr. Presidente José Mário Vaz a ser: o homem do diálogo, o apaziguador. Obviamente ele não ouviu. Ou ouviu mas sucumbiu a tentação e resvalou pelo mesmo trilho muito perigoso por onde passou outros Presidentes de triste memória.”[quote_box_right]O reconhecimento da diferença e das especificidades sócio-culturais de países como a Guiné-Bissau deve ser o primeiro passo para se encontrar uma estrutura jurídico-política que permita a estabilidade, elemento essencial do desenvolvimento.[/quote_box_right] Político experiente, Ramos-Horta sabe do que fala quando refere que o modelo jurídico-constitucional guineense não se adapta à cultura sócio-política do país. Afinal, a Guiné-Bissau, como Timor-Leste mais de duas décadas depois, adoptou um sistema político inspirado no modelo semipresidencialista português. Tanto num caso como no outro, assessores portugueses estiveram por detrás das propostas que haveriam de ser consagradas em lei. A lógica do Presidente-mediador, apagador de fogos, proponente de compromissos é uma marca do sistema presidencialista. Uma marca que tem estado ausente da Guiné-Bissau de Vaz, como esteve ausente em Timor-Leste, em 2006, quatro anos depois da independência, quando Xanana Gusmão era o Presidente e o país, dividido entre dois grupos étnicos, esteve à beira de uma guerra civil. A questão constitucional está há muito identificada. Foi um dos problemas elencados, por exemplo, durante as duas dezenas de conferências organizadas pela Assembleia Nacional Popular, com o apoio do então Presidente da República, Malam Bacai Sanhá, “Caminho para a Consolidação da Paz e Desenvolvimento”, que procurou fazer o diagnóstico das principais causas de conflitos na Guiné-Bissau e avançou propostas para a sua resolução. Nesse documento, os que sugeriam a introdução do presidencialismo – o modelo em vigor nos vizinhos continentais da Guiné-Bissau, quer anglófilos quer francófonos – faziam-no “como forma de evitar conflitos de competências entre os titulares dos órgãos de soberania”. A principal fonte de problemas identificada, no entanto, foi outra: uma certa cultura de impunidade, que propiciou assassínios políticos, a descredibilização do Estado, o tráfico de droga. O reconhecimento da diferença e das especificidades sócio-culturais de países como a Guiné-Bissau deve ser o primeiro passo para se encontrar uma estrutura jurídico-política que permita a estabilidade, elemento essencial do desenvolvimento. No que ao impasse constitucional diz respeito, muitos não querem ver o problema. Parte da elite guineense foi formada em Portugal e não quer sequer abrir a porta à discussão, aparentando ser imune às lições da história, que nos mostram que, também no processo de consolidação democrática de Portugal, a tensão entre o poder presidencial e o poder executivo foi motivo de instabilidade. Outros aproveitam o actual quadro para dar razão aos que proclamam que existe uma espécie de poder à africana que tem alergia ao Estado de Direito e aos direitos das minorias, em que o Presidente usa o seu poder absolutamente numa lógica de total sobreposição da pessoa do Presidente ao Estado, na qual a concepção republicana do Estado está ausente. Ao optar por isolar Simões Pereira, um político reputado – que congregou o apoio da chamada “comunidade internacional”, de quem recebeu a promessa, há apenas cinco meses, da doação de mil milhões de euros de ajuda ao desenvolvimento – vai no caminho de perpetuar a instabilidade. As pequenas conquistas do último ano, tão celebradas pelos guineenses quer na sua terra quer na diáspora, vão ser todas postas em causa. Afinal, foi só agora, nos últimos meses, que Bissau, pela primeira vez em muitos, muitos anos, passou a ter electricidade 24 horas por dia. Vaz está no lado errado da história.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA cultura de tolerância zero [dropcap styte=’circle]A[/dropcap] luta contra a corrupção é o terceiro desafio que os países devem enfrentar. A democracia é uma experiência compartilhada por centenas de milhões de pessoas e não se reduz ao acto de votar, consistindo no debate público que decorre antes e depois das eleições, no qual os cidadãos vão aprendendo uns com os outros. É pelas características desta aprendizagem que reside a diferença fundamental entre democracia e autocracia. Num governo autoritário aqueles que aprendem são uns quantos e que têm acesso aos problemas públicos. A experiência do poder está interditada à maioria e, quando o sistema se abre subitamente, a população irrompe sem saber do que se trata. Ainda que, um governo autoritário apresente a aparente vantagem de poder tomar decisões mais eficazes a curto prazo, o que nunca conseguirá é preparar a maioria dos cidadãos que pretensamente governa a tomarem um dia as suas próprias decisões. O sistema democrático, por seu lado, requer maior tempo para realizar as transformações desejadas, mas quando chegam, são sólidas porque resultaram de uma aprendizagem colectiva. Se sob o impulso do consenso público fosse empreendido amanhã o combate contra a corrupção, os frutos seriam duradouros. Se, pelo contrário, um messiânico general tomasse o poder num país, e pendurasse segundo o seu arbitrário critério, uma dúzia de pessoas numa praça, a corrupção continuaria estruturalmente instalada no sistema, com a agravante da falta de controlo. O longo processo de aprendizagem que é a experiência democrática tem etapas sucessivas e cada uma delas representa um desafio que a comunidade no seu conjunto deve resolver. Existem duas estações nesse percurso que é o de aprender a respeitar as instituições e a recusar o populismo em matéria económica. A “Cimeira de Brisbane” do G-20, que se realizou a 15 e 16 de Novembro de 2014, na qual os líderes mundiais reafirmaram o compromisso que fizeram em 2010, de fazer face aos efeitos negativos da corrupção sobre o crescimento económico, comércio e desenvolvimento. Estiveram de acordo em tomar medidas sobre o suborno público e a transparência no sector privado, integridade e cooperação internacional na luta contra a corrupção. A corrupção, no final de 2014, continuava a ser uma importante ameaça ao crescimento global e à estabilidade financeira, destruindo a confiança dos cidadãos, rompendo o estado de direito, distorcendo a concorrência, impedindo os investimentos transfronteiriços e o comércio, e distorcendo a atribuição de recursos. O G-20, como grupo das maiores economias do mundo, mantém o seu compromisso de reduzir a incidência da corrupção e a construção de uma cultura mundial da intolerância à corrupção. A “Grant Thornton”, multinacional consultora de negócios a nível mundial, representada em cento e trinta países, realizou um estudo sobre o Brasil e a Índia, economias- chave do grupo G-20 que não são alheias às práticas corruptas, no sentido de entender como podem as empresas crescer eticamente num ambiente onde a corrupção é moeda corrente. A “Percepção da Corrupção” da “Transparency International” revela o índice de 2014 de países sobre o nível de corrupção no sector público, em que a qualificação zero é considerada de altamente corrupto e a de 100 corresponde a muito limpo. O Brasil teve um índice de 43, Rússia 27, Índia 38, China 36 e África do Sul 44. O índice reflecte a percepção da corrupção e é exacto se for vinculado à facilidade de fazer negócios. O proprietário de uma pequena, média, grande empresa ou de uma multinacional, debate-se com a complexidade para iniciar a actividade na Índia, por exemplo, sendo um verdadeiro desafio, cada fase do processo, pela existência de obstáculos burocráticos, havendo o pedido para a realização de pagamentos ilegais, ou dinheiro a ser oferecido para ocupar uma posição melhor na longa lista de espera de pedidos que aguardam decisão. O Brasil, nos últimos anos tem vindo a confrontar-se com vários escândalos de corrupção de grandes dimensões, como o “Mensalão”, “Petrolão” e “Operação Lava Jato” que envolvem quer os trabalhadores públicos, como os do sector privado, não tendo o índice de percepção da corrupção no Brasil, no entanto, sofrido alteração. A discrepância entre a realidade e a percepção deve-se principalmente ao facto dos cidadãos se habituarem a esse tipo de situação e crerem que sempre existiu. O impacto dos casos mediáticos sobretudo, no crescimento económico, dá-se por se criar um custo adicional para a realização de negócios, não existindo a garantia nunca de que um pagamento que configura o crime de corrupção produzirá o resultado desejado, aumentando os custos enormemente, sem qualquer benefício, sendo de extrema gravidade nos grandes contratos governamentais.[quote_box_left]A corrupção, no final de 2014, continuava a ser uma importante ameaça ao crescimento global e à estabilidade financeira, destruindo a confiança dos cidadãos, rompendo o estado de direito, distorcendo a concorrência, impedindo os investimentos transfronteiriços e o comércio, e distorcendo a atribuição de recursos[/quote_box_left] Os custos não são legítimos por força da legislação do local, conduzindo a uma economia paralela de pagamentos na sombra. Um estudo recente da OCDE mostra que o PIB da Índia aumentaria significativamente, se todos esses pagamentos ilícitos fossem carreados para a economia real. O Brasil vive o momento mais oportuno da sua história para debater sobre o cancro da corrupção. O país está no meio da investigação do maior escândalo de corrupção de que há memória e que envolve a Petrobras, a empresa estatal de petróleo e várias outras empresas. A investigação pode levar à falência de muitas empresas e travar grandes projectos de infra-estrutura, o que implicaria o despedimento de milhares de trabalhadores. O escândalo causa prejuízo significativo à reputação da economia brasileira e aumenta o risco da realização de negócios no país, bem como afecta as empresas que tentam entrar no mercado pela primeira vez, ou que conquistaram um segmento de mercado e tentam alargar. As empresas brasileiras que não têm nenhuma operação no estrangeiro é muito possível que considerem esta situação como um custo normal da realização de negócios. As empresas indianas que realizam operações no estrangeiro, em geral, nos Estados Unidos e na Europa, estão sujeitos às estritas normas desses países, tal como as multinacionais estrangeiras que investem na Índia. As empresas não se podem dar ao luxo de serem condescendentes porque teriam de se expor a uma possível prática de infracções graves e serem punidas com sanções de milhares de milhões de dólares, pena de prisão e inclusive perder os clientes. As empresas não só poderiam perder os contratos com o governo, no qual não estão interessadas, porque os riscos são maiores que os benefícios. O novo governo da Índia chegou ao poder em 2014, e a percepção sobre a realidade levou-o a tomar medidas para travar a corrupção transnacional e institucional, mas tem um longo caminho por percorrer. A Índia é um país muito descentralizado pelos seus trinta estados e cada um tem um peso significativo, e nem sempre estão em sintonia com o que ocorre no centro, mas o governo central enviou a mensagem clara de concentração no crescimento e governança, e implementação de e-governo, em particular, o que significa que não tem de interagir com os trabalhadores públicos, onde a incidência da corrupção é mais alta. O governo brasileiro aprovou a legislação contra o branqueamento de capitais, no inicio de 2014, tendo as acusações quadruplicado. O acordo social na luta contra a corrupção está a crescer, mas existe um longo caminho por transitar, sobretudo devido à aceitação da cultura da corrupção, o que torna a situação mais difícil de mudar. A introdução de legislação contra a corrupção pela primeira vez na história brasileira, faz que as empresas tenham medo, acrescido do facto de personalidades proeminentes terem sido detidas, pelo que o Brasil se encontra numa situação melhor no combate à corrupção. A comunidade empresarial tem um papel importante e pode exigir maior transparência nos negócios de Estado. As empresas devem adoptar em todo o mundo a regra do acordo de integridade que a “Transparency International” criou há muitos anos. Se uma empresa estiver em fase de negociação pré-contratual com um Serviço do governo ou uma empresa estatal, as duas partes devem assinar um acordo de integridade e comprometerem-se a não incorrer em práticas corruptas durante a vida do contrato, devendo concordar na inclusão de um monitor independente que assegure o cumprimento das cláusulas do acordo de integridade. As empresas no Brasil, por exemplo, estão obrigados a investir mais nas mudanças no suporte lógico para se adaptarem aos requisitos do sistema de informação do Serviço de Impostos Internos, que vigiarão as conversas entre clientes, fornecedores e autoridades tributárias. Existe uma melhoria na formação dos funcionários públicos brasileiros na luta contra a corrupção e cumprimento da lei. A comunidade empresarial internacional está a fazer um esforço para terem boas práticas no que respeita à luta contra a corrupção. Se os dirigentes empresariais não forem obrigados a fazer face a práticas de corrupção as perspectivas de crescimento dos negócios serão maiores e os riscos menores.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAo léu [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] finais de Agosto fica a saudade de um Verão de aroma costeiro-rural ou a frustração de quem não pôde ficar de papo para o ar. Sofrendo de uma ou de outra, neste hemisfério norte é impossível não ficar indiferente à quantidade de pele em exposição, seja na praia ou no calor urbano, as indumentárias são as que favorecem o pessoal. Ainda para mais Verão rima com tesão. Há qualquer coisa no ar, nas peles bronzeadas que já passaram pelos pólens da primavera, manchas de sal e o cheiro a protector solar que suscita toda uma outra percepção do corpo e eventualmente, do sexo. Há uma liberdade hippie que se apodera dos mamilos mais tímidos e das pernas de todos os feitios. O entendimento do corpo nu, que é tendencialmente sexual, da exposição e do voyeurismo se alimenta nesta estação tão sexy. Contudo, estes nichos de libertação corporal são raramente a norma, porque da exposição à afronta não vai muito. Disto sabem as mulheres que viajam um pouquinho (ou muito). O corpo da mulher, de beleza mais do que reconhecida, transporta a política que a pele à mostra exige, até às formas que as sustêm. Ninguém fica indiferente às ditaduras do corpo e às culturas (paranóias) individuais e colectivas de ideais inatingíveis. Que seja um rabo gigantesco ou umas pernas palito, pele moreníssima ou de brancura leitosa, mamas grandes ou para quem prefira pequenas. A diversidade que deveria ser tomada como um parque de diversões – a descoberta do corpo novo! – tem o peso e a preocupação das normas de beleza em vigor. Experimentem passar uns três minutos (mais do que isso é tortura) a olhar para as capas de revistas ditas ‘femininas’ que tentam auxiliar as mulheres por esse mundo fora na sua prática de identidade de género. Do ridículo ao castrador se sentem as sugestões que perpetuam pura estupidez que muita revolta provoca. ‘O que os homens gostam’. Puff. Com os homens, as inseguranças são outras. Queria encontrar paranóias anedóticas das inseguranças do corpo, mas com pouco sucesso. Parece que a preocupação se deita na performance sexual e no medo de ficar nu só com meias. Não acho absolutamente terrível tal imagem mental, mas para os que se preocupam: é tirar as meias assim que se tirar as calças. Garantias de não ficar preso no ‘sock gap’. Mas no Verão talvez não seja tão problemático, talvez usem chinelos e sandálias mais regularmente. Sabemos também que os homens são percebidos como mais visuais que as mulheres, ou seja, dependem mais do estímulo visual para pô-lo para cima e as mulheres menos, para ficarem molhadas. A evolução explica o fenómeno pela necessidade das mulheres copularem, não com genes bonitos, mas com os indivíduos mais capazes de assegurar a protecção no complicado processo que é criar filhos (no tempo em que o sexo era só para isso). Os homens, por seu lado, na futilidade evolutiva, procuram meninas de carga genética invejável, para ter a certeza que a linhagem continua. Se hoje isto faz sentido, deixo ao vosso critério. Mas que não é fácil viver com o fantasma da futilidade e superficialidade quando se quer ter uma relação sexual saudável, não é. A praia para estes lados ocidentais, de uma forma terapêutica, corta com qualquer pudor que os corpos que menos se assemelham a cartazes publicitários possam ter. Há um orgulho especial entre homens e mulheres de todas as idades, na celulite, no peito mais ou menos caído, numas barrigas mais ou menos cheias de cerveja. De uma beleza natural, de um desenvolvimento natural, torna-se num alívio saber que HÁ diferenças, lindas de morrer. Todo o orgulho transportado neste veículo potenciador de orgasmos influencia toda a e qualquer actividade sexual. Porque o sexo precisa de uma entrega total, da sensualidade feminina ao vigor masculino, pela sua dinâmica e comunicação. Nesta minha reflexão semanal, onde todos e todas exibiam tudo o que de melhor tinham, pensei no sexo, no seu corpo, e nas suas limitações físicas, mas que de pouca realidade são encaradas. Pensa-se no pénis e no clitóris – sim, partes extremamente importantes – mas que se possa estender para todo e qualquer pormenor do corpo, com mais ou menos interesse. Pés, pulsos, joelhos, cocuruto, de homens e mulheres. Pensem nos vossos corpos como templos eternos de prazer onde esse órgão enorme, a pele, se aproveita de toda e qualquer carícia que haja para oferecer. Sim, os homens têm um tecido adiposo mais grosso e talvez não se arrepiem tanto como as mulheres o fazem. Mas também gostam de festinhas. Festinhas, lambidelas, apalpões. Com os nervos da performance do casal igualmente, pessoas atacam única e exclusivamente as zonas erógenas nesse momento tão crucial pré-coito – os preliminares. Não totalmente errado, mas aborrecido. Aproveitem o calor e desfrutem (quiçá com umas rapidinhas ou lentinhas ao ar livre). Mais preliminares em breve.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHackers contra Ashley [dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ecentemente, ou mais exactamente no dia 20 de Agosto, o periódico “South China Morning Post” de Hong Kong publicou uma peça relativa ao website “Ashley Madison”, propriedade da companhia “Avid Life Media”. De acordo com a “wikipedia”, este site tornou-se famoso pois “Ashley Madison, apesar de sedeado no Canadá, fornece um serviço online de procura de parceiros sexuais em todo o mundo, assim como a possibilidade de promoção individual através desta rede social, mas destinado a pessoas que estão ou casadas ou que se encontram envolvidas numa relação séria. O slogan utilizado pela empresa chega mesmo a recomendar ‘A vida é curta, desfrute de uma infidelidade’. Até Julho de 2015, o site registava mais de 37 milhões de utilizadores, apesar de na Ásia, só se encontrar disponível para residentes de Hong Kong, Israel, Japão, Filipinas, Taiwan, Coreia do Sul e Índia. Além disso, a “wikipedia” acrescenta ainda que “no dia 15 de Julho de 2015, o site foi atacado por uma equipa de hackers, ou piratas cibernéticos, que se auto-denomina ‘The Impact Team’. Estes indivíduos afirmaram ter roubado a informação pessoal dos utilizadores deste site, e ameaçaram divulgar esta informação, onde se pode encontrar o nome verdadeiro dos utilizadores, caso o site não fosse imediatamente encerrado. Devido à política do site de não apagar a informação pessoal dos utilizadores, incluindo o nome verdadeiro, moradas, detalhes bancários e historial de busca, muitos dos utilizadores recearam vir a ser humilhados em público. No dia 22 de Julho, e conforme havia sido anunciado, os primeiros nomes de utilizadores foram divulgado, ficando prometido divulgar o resto da informação no dia 18 de Agosto.” O que fica por esclarecer é, o que levou este grupo a atacar o site “Ashley Madison”? A resposta pode talvez ser obtida através da análise de posts colocados em “menclub.hk”, que se julgam ser da autoria do mesmo colectivo. Aqui podia-se ler “a Avid Life Media (ALM) não cumpriu a promessa de encerrar tanto o Ashley Madison como o ‘Established Men’ (outro site do género que se especializa em ajudar jovens mulheres a encontrar homens já estabelecidos na vida). Já explicamos o fraude, a mentira e a estupidez da ALM e de todos os seus membros. Agora todos vão poder saber quem estes são na realidade.” Será possível que algum dos vossos contactos íntimos esteja incluído neste grupo? Não nos podemos esquecer que este site é fraudulento, pois milhares dos seus perfis de mulheres são fictícios. De acordo com processos legais contra si erguidos, podemos concluir que de 90% a 95% dos seus utilizadores são do sexo masculino. O mais provável é que quem tiver se inscrito neste site julgava tratar-se da maior base de dados a nível mundial destinada a facilitar o adultério, porém tal situação não deve sequer ter sido alguma vez realidade. Os comentários dos hackers acrescentavam ainda “você está aqui inscrito? Foi a ALM que vos deixou mal e que vos enganou. Levem-nos a tribunal e peçam uma compensação financeira. Depois sigam com as vossas vidas. Que esta experiência vos sirva de lição. Agora podem se sentir envergonhados, mas hão de superar este obstáculo.” Devido à recusa em encerrar o “Ashley Madison”, um total de 9.7 GB de dados pessoais de clientes foram tornados públicos. Só de Hong Kong registaram-se no site 10 mil clientes individuais, tendo alguns destes fornecido o seu email profissional para contacto. E, através destes endereços electrónicos, podemos depreender que muitos trabalham na função pública e no departamento de educação, encontrando-se inclusive entre estes um repórter de uma das maiores cadeias televisivas do território. Este ataque informático originou muitos comentários por parte dos cibernautas locais, tendo muitos deles optado por gozar com a situação. Um dizia, por exemplo, “que o caso Ashley Madison é uma excelente forma de me relembrar para usar o nome do meu sogro sempre que me inscrevo num site através da internet”. Outro notava que “hoje, os advogados de divórcio, os floristas e os proprietários de joalharias devem ter ganho a lotaria”, visto serem estas as opções normalmente disponíveis para aqueles que são acusados de adultério. Ou “se receberem flores hoje mas esta data não coincidir nem com a sua data de nascimento nem com a data em que conheceram o seu amante, é melhor telefonarem para os vossos advogados”. E, se uns admitiam a impossibilidade de traírem as suas mulheres com “eu não preciso do site da Ashley Madison, pois já disponho do Netflix” (um site de filmes), outros afirmavam talvez já ter ouvido falar do site, “este Ashley Madison é um sítio para descobrir nomes de bebés, certo? No mínimo, era isso que a minha mulher dizia quando estava grávida com a minha filha Tinder” (outro site para conhecer pessoas) ou “temos que contratar os tipos da Ashley Madison para nos ajudar a encontrar ISIS”. Mas não vamos nos deixar levar apenas pelo cómico da situação, pois o caso “Ashley Madison” merece algumas sérias considerações.[quote_box_left]Esperamos no mínimo que o caso “Ashley Madison” nos ajude a compreender que, caso alguém seja apanhado a trair o seu marido ou mulher, a sua vida será certamente prejudicada e não enriquecida, como promovia o site com o seu já famoso slogan[/quote_box_left] Primeiro, não nos podemos esquecer que o “Ashley Madison” serve de plataforma para que pessoas casadas possam trair os seus conjugues. Como os conceitos de lei e de moralidade variam de região para região, o negócio deste site pode porventura estar a quebrar a lei em alguns destes locais, ou no mínimo a lei moral. Em Hong Kong, por exemplo, o Governo concedeu uma licença de operação ao “Ashley Madison” em 2013, mas em Singapura, a Media Development Authority anunciou em 2014 não autorizar este serviço na cidade-estado, tendo em conta que o mesmo promovia o adultério e ia contra os valores familiares tradicionais. As consequências de quebrar a lei são diferentes daquelas a que estão sujeitas os que quebram os ideais morais. Aqueles que quebrarem a lei estão sujeitos a sentenças obrigatórias como penalidade, podendo mesmo vir a enfrentar tempo de prisão, mas a violação dos ideais morais acarreta apenas a crítica da população, podendo nestes casos os arguidos ser obrigados a contrair o divórcio, por exemplo. Em segundo lugar, os responsáveis por este ataque cibernético violaram com certeza a lei criminal ou no mínimo as leis que regem o ciberespaço, pois acederam aos dados pessoais dos utilizadores. Ao mesmo tempo, violaram o direito à privacidade destes utilizadores, pois os seus dados pessoais foram feitos acessíveis a toda a população. Mas podemos sempre defender que estes hackers pretendiam combater este apelo à infidelidade como forma de evitar o divórcio de muitos casais e assim manter essas famílias intactas, certo? Nesse caso, será que tinham razão ao decidir atacar este site? Em terceiro lugar, como os hackers tornaram público o número imenso de perfis de mulheres que eram fictícios, será que estes devem ser acusados de ter quebrado a lei ou então aplaudidos por defender os interesses do consumidor? Tendo em conta todas estas considerações, o que acham então os nossos leitores? Este ataque foi benéfico para a sociedade ou, pelo contrário, foi meramente um acto de vandalismo que deve ser punido de acordo com a lei? Esperamos no mínimo que o caso “Ashley Madison” nos ajude a compreender que, caso alguém seja apanhado a trair o seu marido ou mulher, a sua vida será certamente prejudicada e não enriquecida, como promovia o site com o seu já famoso slogan.
Rui Flores VozesISIS e a falência do modelo das liberdades e prosperidade [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]final, o que é o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS, na sigla inglesa)? Como é que se explica que, em pleno Século XXI, uma organização terrorista que se transformou numa entidade política que administra um território com acesso a recursos estratégicos como o petróleo, recorra a práticas tão violentas como a decapitação? Que apelo é que tem esta entidade que leva alguns milhares de pessoas a deixarem a sua vida pequeno-burguesa nos subúrbios de Paris e de Londres, para ir combater ao lado dos insurgentes? Dito de outra forma, em que estado se encontra a sociedade “ocidental” para que alguns de nós deixem tudo para trás – família, irmãos, pais, nalguns casos, mulheres e maridos – para se juntarem a um grupo de criminosos? Antes de analisar as condições que permitiram o florescimento do Estado Islâmico, duas notas sobre a forma como a chamada “comunidade internacional” tem lidado com esta ameaça. O ISIS continua a controlar um vasto território entre a Síria e o Iraque devido, em parte, à incapacidade dos serviços de informação em avaliarem com rigor a ameaça que poderia constituir para as potências mundiais um movimento que se construiu no terror, na brutalidade exibicionista, sobretudo em relação às mulheres e a minorias étnicas e religiosas, e que procura na internacionalização a sua principal fonte de crescimento. As posições públicas do presidente norte-americano sobre o ISIS são um bom exemplo de como os principais líderes ocidentais não conseguiram identificar atempadamente o que se estava a passar no Médio Oriente, nem o “caldo de cultura” que permitiria à organização crescer. No mesmo mês em que o ISIS conquistou a cidade de Faluja, no Iraque, em Janeiro do ano passado, Obama minimizou o movimento comparando-o a uma equipa de basquetebol júnior do campeonato universitário norte-americano. Após ter afirmado que a melhor estratégia para combater organizações terroristas não seria a invasão de países terceiros e de ter autorizado a formação de movimentos rebeldes moderados na Síria, Obama acabou, mais tarde, por dar luz verde a ataques aéreos a alvos estratégicos do ISIS. Pelo meio, quatro americanos foram mortos pelo Estado Islâmico. Enquanto a administração norte-americana ziguezagueava sobre a resposta a dar, o ISIS foi consolidando posições e tornou-se numa plataforma de acolhimento de ocidentais, em parte devido a uma poderosa máquina propagandística que divulga eficazmente na internet os seus apelos e ideias. O investigador indiano Pankaj Mishra, autor, entre outros, do livro “From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of Asia” (2013), vê na capacidade do Estado Islâmico em atrair ocidentais uma nova expressão da falência do modelo ocidental de organização político-económica. Nas páginas do britânico The Guardian, Mishra escreveu recentemente um ensaio em que detalha que o ISIS explora para a sua vantagem o facto de muitos de nós vermos o mundo a preto e branco. Um aproveitamento que muitos fizeram no passado e muitos outros fazem no presente: basta ver e ouvir políticos em campanha eleitoral. Um mundo de uma aflitiva pobreza narrativa, que se resume a nós e eles. A nós contra eles. Esse mundo mostra que a perspectiva da prosperidade e da liberdade para todos – uma ambição das democracias liberais ocidentais, construção que os Estados Unidos da América e a Europa ousaram exportar para a Ásia e África, assente num conjunto de liberdades e numa organização económica capitalista – não passa de uma promessa inalcançável. De certa forma, é a própria construção europeia que está afectada. Afinal, a União tem sido construída na premissa da paz e da prosperidade. O que é facto é que as diferenças socioeconómicas são profundas, não apenas entre os diversos Estados, mas sobretudo no interior dos Estados. E a integração das minorias não tem sido totalmente eficaz.[quote_box_right]A promessa de paz e prosperidade associada às democracias liberais parece já não convencer todos. A prosperidade tem tido os seus revezes. E a disparidade de rendimentos e das condições sociais não tem diminuído, sobretudo após anos de crise económico-financeira[/quote_box_right] Cada vez mais pessoas sentem que existe uma enorme diferença entre as promessas de liberdade e prosperidade e a incapacidade das estruturas político-administrativas, de que fazem parte, em as concretizar. Como se um certo modelo se tivesse esgotado. A promessa de paz e prosperidade associada às democracias liberais parece já não convencer todos. A prosperidade tem tido os seus revezes. E a disparidade de rendimentos e das condições sociais não tem diminuído, sobretudo após anos de crise económico-financeira. O que leva muitos de nós a pensarem “O que faço eu aqui?”, e a terem dúvidas sobre a capacidade de subirem a escada social. Este é, em traços muito gerais, o universo de recrutamento do Estado Islâmico. A sua capacidade de recrutamento é considerável no mundo árabe, naturalmente. Segundo as estimativas conhecidas, no seu todo, 17 mil pessoas – sobretudo jovens –, oriundas de 90 países, terão viajado para a Síria e Iraque para combater. Da Tunísia, onde a Primavera Árabe começou (e que ambicionava a construção de um novo Estado, mais igualitário, mais justo, mais tolerante), terá partido o maior contingente. Um recente inquérito online do canal árabe da Al-Jazeera recolheu 81 por cento de votos favoráveis sobre a relevância da acção do Estado Islâmico. Essa capacidade de recrutamento é menor no mundo ocidental, mas segundo alguns cálculos, 3400 pessoas deixaram as liberdades e a prosperidade do Ocidente para se voluntariarem no Estado Islâmico. Embora estes números indiciem uma certa crise de um modelo incapaz de enquadrar e motivar todos, há um quadro de valores morais que subsiste e que ainda é a referência para a grande maioria. Até quando persistirá?
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesPara um conceito de “internacional” [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m navegação inconsequente no Facebook deparei-me com o seguinte artigo, que mereceu milhares de likes e resmas de comentários: “Benefits of Being Bilingual”. E a minha primeira reacção foi: mas, o quê, então ainda existem pessoas que não falam mais do que uma língua?.. Não me entenda mal, caríssimo leitor, não se trata de arrogância da minha parte. É claro que essas pessoas ainda existem, sobretudo as que pertencem a uma geração mais antiga. E não há nada de errado aqui, pese embora a minha avó ter 90 anos e ser bilingue. O que me levou a ter aquela reacção foi o facto de (1) o artigo ser escrito por uma jovem universitária, (2) o visível e assumido entusiasmo e show-off pelo facto de ser bilingue, como se fosse algo do outro mundo, e (3) a autora do artigo ser norte-americana. Uma das experiências mais ricas da minha vida foi o meu 4º ano da faculdade que foi em Nápoles, em conjunto com cinco colegas do Porto, ao abrigo de uma bolsa do programa Erasmus da União Europeia. Foi um ano de (alguma) absorção académica e (muito) convívio com colegas universitários dos vários cantos da Europa. E, naturalmente, também com colegas locais, já que a nossa língua veicular era o italiano. Muitas são as histórias desses tempos que, infelizmente, não podem ser aqui contadas. Não obstante, o que merece a pena ser aqui contado é que nós, portugueses em Nápoles, ganhámos rapidamente a fama de ser os que mais línguas estrangeiras falavam. E junto de toda a gente: na faculdade, junto dos professores e dos alunos; na noite, junto da comunidade dos bolseiros Erasmus onde se contavam espanhóis, alemães, austríacos e gregos, entre outros. Por incrível que possa parecer, na faculdade os professores e alunos com quem tivemos contacto dominavam apenas uma língua: o italiano. Pelo que, quando vieram a saber que nós, portugueses, falávamos também inglês e algum francês – tendo-lhes até explicado que em Portugal era normalíssimo, já que no nosso sistema de ensino são duas as línguas estrangeiras – ficaram pasmados pois, em conjunto com o italiano, isto fazia de nós trilingues (e quadrilingue no meu caso, com o chinês). Mas será que isso acontece pelo facto de nós, portugueses, termos mais inclinação para línguas? Não. Fundamentalmente, existem aqui, para mim, dois factores que devem ser analisados. Em primeiro lugar, há que perceber que Portugal é um país pequeno, com uma população de 10 milhões de habitantes. O nosso mercado doméstico tem pouco peso, pelo que em muitos aspectos consumimos e dependemos do que vem de fora. Na faculdade, por exemplo, habituei-me a estudar com livros em francês, espanhol ou inglês, pois era vulgar não existir versão em português das obras dos grandes mestres. Aliás, que me lembre, os poucos livros em português que tive na faculdade eram na verdade traduções de português do Brasil. Este sim, um país com um grande mercado. Em segundo lugar, talvez pelo facto de sermos originários de um pequeno país, somos humildes e temos um comportamento que se calhar os outros povos nem sempre têm: raramente adoptamos a atitude do “és tu que tens de me compreender”, pois funcionamos ao contrário, “sou eu que tenho de te compreender”. Ora, que língua fala o português quando está em Espanha? Fala portunhol, certo? E o espanhol em Portugal, tem a mesma atitude? Não, não tem. Pelo que, em Nápoles, éramos seis portugueses em Itália e procurámos falar italiano desde o início e sem complexos. Muito improvisámos no começo, tipo portunhol, já que nenhum de nós tinha tido aulas de italiano, ao contrário dos alemães ou espanhóis, enfim, mais bem preparados e organizados que nós. Mas isso nunca nos impediu de avançarmos sem medos, não fossemos nós, portugueses, os campeões no campo da improvisação. Estou-me a lembrar de um amigo meu que disse uma vez “quarta-fieri” no lugar de “mercoledí”. Foi uma risota total. Há também a história de andarmos na faculdade à procura do “gabineti di relazioni internazionali” e, seguindo as informações de um funcionário que nos indicou o caminho, fomos parar a umas casas de banho. Ora, em italiano correcto o que procurávamos era o “ufizzio dei rapporti internazionali”. Pois “gabinetto” em italiano significa casa de banho… Demos as nossas cabeçadas, é verdade. Mas em pouco tempo tornámo-nos verdadeiramente fluentes em italiano e perfeitamente integrados no meio. Não sei se o Mourinho passou pelo mesmo. O que sei é que duas semanas após a sua chegada a Itália como treinador do Inter, surpreendeu tudo e todos quando se expressou fluentemente em italiano na sua primeira conferência de imprensa. Em contrapartida, Fabio Capello, na qualidade de treinador da selecção nacional inglesa de futebol, sempre se demonstrou incapaz de se expressar em inglês nas conferências de imprensa, explicando caricatamente aos jornalistas ingleses as suas opções e tácticas futebolísticas em italiano, dando origem a um cenário hilariante no mínimo. Coitadinho. Há que compreender que, em Itália, tudo funciona em italiano. Um dia, os meus amigos italianos convidaram-me a ir ao cinema para assistir a um filme chamado “Il Miglio Verde”. Pensava que se tratava de uma produção local. Qual quê. Era na verdade o “The Green Mile”, um filme americano. E foi tudo dobrado: pela primeira vez na minha vida vi Tom Hanks a falar italiano. Incrível. Posteriormente, foi-me explicado que em Itália a dobragem é em si uma arte reconhecida e a voz em italiano de determinada estrela de Hollywood é sempre interpretada pelo mesmo artista. E esse artista é, em seu pleno direito, uma estrela em Itália – porque é a voz “oficial” daquela estrela de Hollywood. Ou seja, se fosse assistir ao “Foresta Gump”, iria ouvir a mesma voz em italiano da boca do Tom Hanks. Surreal, não? A verdade é que é assim em muitas partes do mundo. Ouvi histórias semelhantes dos meus amigos espanhóis. Aliás, todos nós já ouvimos falar do “Juanito Andante” nos bares espanhóis e dos grupos musicais “Las Pedras Rolantes” ou “Las Chicas Piri-piri”, certo? (*) No entanto, como nós, portugueses, temos a sorte de vir de um pequeno país com pouca importância no palco internacional, e dada também a humildade acima explicada, habituámo-nos a não poder contar com a nossa língua para muita coisa. Pelo que falamos também as línguas dos outros. (**) Porque muitos desses outros estão habituados a ter um comportamento diferente que se define por uma certa arrogância na imposição da sua língua como critério universal a seguir. Tornam-se então extremamente redutores e, em particular, no que concerne aos ilustres de língua materna inglesa, tendem a camuflar a coisa toda com um conceito de “internacional” globalmente estabelecido o qual, para mim e até certo ponto, não passa de uma grande treta. Não há dúvidas de que o inglês é a língua comum mais vulgar quando indivíduos de línguas maternas diferentes têm de interagir entre si. Contudo, estou farto de pessoas que me vêm dizer que no passado recente Macau se transformou numa cidade “internacional”. E depois há também as escolas “internacionais”. Ora, esse conceito de “internacional”, quer me parecer, prende-se unicamente com o uso da língua inglesa e nada mais. Por essa razão, para esses ilustres monoglotas, Hong Kong e Singapura são cidades “internacionais”. Assim, para provocar, vou até ignorar o facto de Hong Kong e Singapura serem praças financeiras internacionais e deixar aqui escrito que muitos consideram essas cidades “internacionais” pelo simples e superficial facto de o inglês ser uma língua comum nesses territórios, do domínio de todos. Pelo que, o gwailou que não fala outra língua senão o inglês, integra-se bem nessas cidades que, por conseguinte, são por ele classificadas como “internacionais”. Em contrapartida, como em Macau nem todos falam inglês – e mais, alguns nativos até falam uma língua estranha que se chama português e que ninguém consegue mesmo entender para que serve – essa cidade já não é “internacional”. Talvez daí, por isso, todo o fogo-de-artifício da autora do “Benefits of Being Bilingual”. Pois no universo fechado e simultaneamente “internacional” da autora, falar mais do que uma língua é algo de transcendental e motivo de celebração flamejante no Facebook. Caríssimo leitor, seja justo e diga-me aqui, entre nós, em português e com sinceridade: afinal, no meio disto tudo, quem é que é o verdadeiro “internacional”? Vou lançar um foguete. Sorrindo Sempre Em tempos dediquei um artigo às caricatas e absurdas situações que tenho de enfrentar pelo facto de o meu nome não bater certo com a minha cara. A saga continua, mas agora trata-se do meu filho que, com apenas 4 anos, já atura o que o papá atura. Interacção entre um funcionário de um hotel na cidade “internacional” de Hong Kong, o meu filho e eu: – Hello little boy! What’s your name? – Diogo. – Diego? – No! Diogo! – Should be Diego, right? – Well, Diego is Spanish and Diogo is Portuguese. (devolvi simpaticamente) – Oh, I see… And what made you give him a Portuguese name? (com ar de engraçadinho e sorriso cínico) – Because we are fu**ing portuguese. (dito em segredo, a 32 cm do ilustre e com os olhos nos olhos) Sorrindo sempre. (*) The Rolling Stones e Spice Girls. (**) No entanto, o português em Macau não fala chinês. Por motivos particulares que vou deixar para outro artigo.
Isabel Castro VozesAs meninas más vêm de fora [dropcap= ‘circle’]E[/dropcap]u gostava de ter uma revista, daquelas que as pessoas lêem e guardam até deixarem de ter espaço em casa. Também gostava de ter um jornal. Uma revista e um jornal. E uma rádio, que sem rádio não vivo. Gostava de ter estas coisas que são o meio em que trabalho porque gosto de projectos, de ver os projectos a assumirem contornos, a ganharem conteúdo, a tornarem-se mais do que projectos. Mas eu não tenho nem uma revista, nem um jornal, nem uma rádio. Acontece assim. O patronato não é para todos, é só mesmo para alguns, e estas coisas dos projectos têm muito que se lhe diga, a começar pelo capital. Os jornais e as revistas precisam de gente que os faça, as pessoas que fazem os jornais e as revistas precisam de salário para viver, e isto de ser empresário não é para todos. Apesar de, em Macau, os requisitos serem outros. As regras do jogo aqui são diferentes. Acho imensa piada ao discurso de quem, tendo um negócio aberto, luta contra os direitos mais básicos dos trabalhadores por causa do impacto que essas pequenas regalias terão na folha de Excel no final do ano. Têm a tenda aberta, mas são contra uma licença de maternidade digna desse nome e opõe-se à criação de uma licença de paternidade. Fazem um chinfrim de cada vez que se fala na revisão da lei das relações de trabalho – pior, mandam os seus na Assembleia Legislativa dizer em voz alta que é preciso mudar a legislação, para que o patronato seja verdadeiramente protegido. Não que as preocupações do patronato me passem ao lado, apesar da minha falta de vocação para mandar: é inegável que as empresas de pequena e média dimensões têm sofrido com os aumentos das rendas, com o aumento dos custos, com o aumento de quase tudo o que faz mal ao bolso de quem tem a porta aberta. Quem anda à chuva corre sempre o risco de se molhar. Tenho uma notícia: a vida também ficou mais cara para quem trabalha por conta de outrem. E tenho ainda outra notícia: há quem queira muito ter o seu negócio e não o possa fazer. Eu não tenho a minha revista. Nem o meu jornal. Nem a minha rádio. Escrevo e falo nos dos outros. É uma chatice? Não. É a vida. Em Macau existe uma certa mania da perseguição aos trabalhadores, vinda de alguns sectores que não consigo classificar – até porque existe, cada vez mais, uma certa promiscuidade social a alguns níveis. Esta mania da perseguição aplica-se aos trabalhadores locais, em questões como aquelas que já aqui escrevi, e também – ou sobretudo – aos trabalhadores que chegam de fora. Esta semana, os jornais contaram-nos que a União dos Empregadores Domésticos de Macau – cuja existência desconhecia e cujo trabalho continuo a desconhecer – vai fazer uma manifestação contra as empregadas domésticas. Na origem deste invulgar protesto está um caso complicado: um bebé de dois meses terá sido maltratado por uma empregada doméstica que, à data em que este artigo é publicado, é inocente. O julgamento ainda não aconteceu. Os patrões das empregadas domésticas vão, portanto, sair à rua para se manifestarem contra as pessoas a quem deram trabalho. Seria mais ou menos a mesma coisa que eu sair para a rua a gritar contra a redacção da minha hipotética revista. Pelo que me foi dado a conhecer, esta união de gente preocupada com as pessoas que mete em casa considera que deve haver legislação especial para as empregadas domésticas. E uma lista negra das meninas más. São a favor de uma diminuição dos direitos, algo que não consigo sequer imaginar: como toda a gente sabe, os direitos das empregadas domésticas são quase nenhuns e os que existem são frequentemente violados. Há histórias de empregadas internas a dormir com cães. Há histórias de empregadas domésticas que são obrigadas a devolver parte do salário que lhes é depositado, a forma esperta que os patrões encontraram de contornarem a obrigatoriedade do depósito bancário. Há histórias de empregadas domésticas que não descansam as horas suficientes que constam da lei. E há outras histórias, piores ainda. Às empregadas domésticas nem sequer é dado o direito de mudarem de patrão se estiverem descontentes. Se saírem à rua contra os patrões, podem começar a fazer as malas e a preparar o passaporte, se estiverem na posse dele. A história do bebé maltratado é trágica, como todas as histórias de maus-tratos, principalmente aos mais indefesos. Levam-nos sempre ao umbilical pensamento de que podíamos ser nós as vítimas da situação. Mas sobre esta história ainda há muito para perceber e não compete a ninguém que não a um colectivo de juízes julgar quem tem de ser julgado. Quem não quer correr riscos ou sabe que não os pode correr, não corre. A gente unida contra as empregadas domésticas tem bom remédio: recambia quem contratou e dedica-se a esfregar sanitas, lavar-estender-e-passar a roupa a ferro, fazer as camas, aspirar, lavar a frota automóvel da família, fazer o almoço e o jantar, ir buscar as crianças à escola, dar banho às crianças e ao cão, ir passear o cão, ir passear as crianças, aturar a birra das oito da manhã do mais novo, tão queridinho e tão chatinho, aturar a birra das oito da noite do mais velho, tão bonitinho e tão parvinho, pôr as crianças a dormir e lavar a louça do jantar, que esta noite houve convidados e é tudo a quadruplicar. A vida é assim: até para se ser patrão é preciso ter jeito. Pena que os desta terra nem mandar saibam que, para se mandar com resultados, é preciso saber, antes de mais, o que significa o respeito.
Arnaldo Gonçalves VozesO imbróglio de Calais [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egundo relata o diário ‘Le Figaro’ os ministros do Interior da França, Bernard Cazeneuve e da Inglaterra, Theresa May, deverão assinar esta semana um novo acordo de cooperação bilateral visando responder à crise humanitária no porto de Calais, decorrente do afluxo de centenas de migrantes africanos que procuram chegar à Grã-Bretanha. Nos termos do acordo, revelado nas suas linhas gerais, visa-se conjugar esforços na ‘luta contra as redes criminosas de passadores, traficantes de pessoas e emigração clandestina’. O acordo prevê o reforço do dispositivo humanitário existente no local (centro de acolhimento Jules-Ferry) em articulação com autarcas locais e associações humanitárias. O centro providencia socorro de primeira necessidade aos migrantes que intentam chegar a solo britânico por ferry ou através do túnel do Canal da Mancha. Neste momento, centenas de migrantes vivem no centro de acolhimento que lhes oferece duche e uma refeição diário apesar das difíceis condições de acolhimento. Um reforço do contingente policial e das vedações no cais de embarque foi já feito mas os peritos duvidam que as medidas tomadas resolvam o problema que apresenta uma dupla dimensão: humanitária e de segurança. A Europa não tem logrado encontrar uma resposta conjunta e sustentável para a onda de emigrantes no seu litoral os quais em Julho passado atingiam as 107 000 pessoas (o triplo de há um ano) segundo a agência europeia Frontex. Talvez em nenhum outro ponto se acentue o fracasso das políticas comuns como na política de justiça e assuntos internos. Aquilo que ficou chamado como o terceiro pilar da União Económica e Monetária do Tratado de Maastricht. Ela previa a concertação de esforços comuns no capítulo do terrorismo, da imigração clandestina, da política de asilo, do tráfico de drogas, da delinquência internacional, das alfândegas e da cooperação judicial. Vinte anos depois de ter sido equacionada os resultados são confrangedores. As razões para esta implosão são várias. Desde logo o irrealismo da política; segundo, a falta de liderança numa vertente essencial à segurança interna e externa da União Europeia; terceiro, a questão da identidade europeia. Irrealismo da política porque os conceptores do modelo de cooperação reforçada imaginaram que com a dotação dos Fundos Estruturais e a canalização de substanciais ajudas humanitárias aos países donde prov(inham)(êm) esses emigrantes o problema ficaria solucionado na origem. Como? Criando-se postos de trabalhos e programas de assistência aos grupos sociais que buscam emigrar a qualquer custo. No período de 2000 a 2005, cerca de 440 000 pessoas emigraram de África para solo europeu. Em 2007, a BBC noticiava que segundo dados fornecidos da Organização Internacional de Migrações cerca de 4.6 milhões de emigrantes africanos viviam na Europa. Segundo o Instituto para a Política de Migração, um think-tank baseado em Washington, esse número deveria ser, pelo contrário, de 7 a 8 milhões de pessoas. Em 2014, a operação de protecção das costas marítimas europeias chamada ‘Operação Triton procurou, sem sucesso, impedir a chegada de vagas de emigrantes à ilha de Lampedusa, ilha italiana situada entre a Europa e África. No ano transacto cerca de 170 000 pessoas aportaram a Itália por via marítima, sendo originárias da Líbia, da Síria, do Corno de África e da África Ocidental. O balanço da política europeia de emigração é calamitoso. Não só os postos de trabalho nos países africanos não foram criados como os fundos de assistência desapareceram nos interstícios das agências governamentais e das cliques que governam esses países africanos. Por outro lado as redes criminosas de passadores de migrantes cresceram, em exponencial, interligando-se a organizações criminosas que operam em solo europeu como a Comorra italiana, a Mafia Corsa, os gangs do Magrebe francês e os ‘French Black’, este último gang formado por imigrantes da África subsaariana e das Caraíbas que controlam o tráfico de haxixe e cocaína em Paris. A questão do controlo da emigração e do acolhimento de refugiados foi sempre uma questão da exclusiva soberania nacional. As autoridades nacionais nunca largaram mão do poder de abrirem ou restringirem o acesso aos estrangeiros, consoante as necessidades de mão-de-obra não especializada, das empresas. Países de forte emigração de África como a França, a Espanha ou a Itália, habitualmente favoráveis à emigração, viram-se a braços com crises humanitárias quando os novos emigrantes preferiram organizar-se em guettos do que integrarem-se nos bairros, ao lado das comunidades metropolitanas. E se atitudes de xenofobia ou racismo podem explicar, em parte, os fenómenos de marginalização, não pode ser menosprezada uma opção calculada pela marginalidade e pelos grupos criminosos que operam em grandes cidades europeias. Naturalmente há a questão humanitária e todos nós somos sensíveis às imagens que nos chegam pelas televisões, de barcos afundados com centenas de pessoas amontoadas, entre as quais mulheres e crianças, bem pelos que por fortuna conseguem sobreviver. Mas a Europa não tem capacidade para receber todos os que querem chegar às suas costas e viver nas suas sociedades. O problema é multifacetado. É um problema de segurança; é um problema de solidariedade para quem padece; mas é também um problema da Europa que queremos nos tornar. Multiracial, seguramente, mas em que todos tenham o seu papel e sintam que estão na pátria que ajudam todos dias a construir. Foi esse o segredo da integração de outras vagas de emigração em séculos passados. Precisamos por isso de gente com outro discernimento a solucionar estes problemas. A Comissão Barroso nunca teve gente, nesta área, com perfil adequado. Franco Fratinni e Jacques Barrot foram opções de circunstância, empurrados pela política interna dos seus países. As iniciativas do Presidente do actual Conselho Europeu, Donald Tusk, em matéria de uma Agenda Europeia de Migração, dão sinais interessantes para um maior entrosamento comum neste domínio.