Viagem ao Ocidente (Parte 2)

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando regressei da peregrinação a Portugal, Espanha e França o meu trabalho sofreu alterações e Hong Kong estava ao rubro com a campanha eleitoral para o Conselho Legislativo. Nestas eleições, o lado que se opõe ao regime obteve dois terços dos assentos no Conselho e manteve o poder de veto nas votações sectorizadas. Em consequência desta votação, passou a haver mais lugares no Conselho Legislativo. Nestas eleições, os cidadãos de Hong Kong deram uma resposta clara às políticas de C.K. Leung, – governar através da acção – ao mesmo tempo que enviaram uma mensagem explícita ao Governo Central, ou seja, pedir a substituição do Chefe do Executivo e dar início à reforma constitucional. O Governo Central tem de confiar nos habitantes de Hong Kong e estes têm de confiar no Governo Central, de forma a evitar um agravamento das relações entre a China e Hong Kong.
Vivi a peregrinação a Fátima, Santiago e Lourdes como uma formação espiritual, nesta que foi uma viagem comemorativa do ano do “Jubileu da Misericórdia”, numa iniciativa da Diocese de Macau. A paz do Santuário de Fátima deu-me uma sensação de regresso a casa, em contraste com o ambiente frenético e barulhento que se vive na nossa cidade. De alguma forma fez-me regressar à Macau dos anos 60 e 70, como se tivesse recuperado algo há muito perdido, sentimento que não há dinheiro que compre. Infelizmente, Macau foi trocando aos poucos a sua paz e tranquilidade por dinheiro fácil.
Comparada com a jornada de 20 dias, ao longo de 800 Km, a viagem de três dias, e apenas 80, pelos Caminhos de Santiago, em Espanha, não foi nada por aí além. Mas, para os macaenses, que sempre têm vivido como ilhéus, esta viagem de três dias representou uma experiência inolvidável. Sob os cuidados do Padre Manuel Machado, a viagem decorreu sem sobressaltos, permitindo-nos experienciar o milagre da comunhão entre o Homem e a Natureza e redescobrir a pureza da fé ao percorrer os trilhos há muito calcorreados pelos antigos peregrinos. Ao fim da tarde, sentado perto da Catedral de Santiago, à espera do pôr do Sol, compreendi como podemos ser livres e senhores de nós próprios. Nesta altura, na Europa, os dias são mais longos e só jantámos por volta das 21h, numa cafetaria/snack-bar de uma estação de serviço. Tudo isto me fez lembrar do que havia antigamente em Macau e que agora não passa de uma recordação.
O ambiente que se vive em Lourdes, é muito diferente do que se vive em Fátima, embora os dois locais sejam Santuários construídos para celebrar as aparições de Nossa Senhora. Lourdes encontra-se num circuito muito turístico e recebe inúmeros crentes em busca de cura para os seus males. Os voluntários recebem os peregrinos, reúnem-nos e preparam-nos para as cerimónias rituais. Embora houvesse uma fonte inesgotável de água santa, era preciso esperar numa fila três horas para poder mergulhar no liquido sagrado. Apesar da grande concentração de pessoas na gruta da Nossa Senhora de Lourdes, as acções praticadas e toda a serenidade envolvente permitiam que nos encontrássemos connosco próprios.
A peregrinação de 20 dias chegou ao fim. Antes de viajar, estava preocupado com problemas de segurança que pudessem vir a ocorrer. Mas, depois do que vi, ouvi e experienciei, percebi que estava preocupado sem razão. Todas as pessoas que conheci eram amáveis e generosas. Apenas com três saudações, “Bom Dia, Hola Hola e Bonjour”, consegui conquistar a simpatia dos locais. Uma boa atitude e um comportamento apropriado, são as chaves para ganhar o respeito e a amizade dos outros.
Quando regressei a Macau, esperavam-me alterações no trabalho e na minha vida pessoal. Os resultados da eleição para o Conselho Legislativo de Hong Kong, que teve lugar este mês, exprimem uma transição de poder da antiga para a nova geração. Em Macau, as eleições para a Assembleia Legislativa acontecerão em Setembro de 2017, mas isso é um assunto que discutiremos mais tarde.

23 Set 2016

Viagem ao Ocidente (Parte I)

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á há muito tempo que não deixava o meu trabalho para trás e fazia uma viagem sozinho. Por isso, em Agosto inscrevi-me numa viagem organizada pela Diocese de Macau, uma peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, aos Caminhos de Santiago, em Espanha, e ao Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, em França. Depois disso ainda fiquei mais cinco dias, por minha conta, para não falar num dia adicional devido ao atraso no voo de regresso. Fiquei fora durante 20 dias, e compreendi que pode ser complicado estar ausente.
Antes do regresso de Macau à soberania chinesa, tive duas oportunidades de visitar Portugal, enquanto professor e a convite da organização da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Mas por diversas razões, acabei por não poder aproveitá-las. Por isso inscrevi-me de imediato para participar nesta iniciativa da Diocese de Macau, organizada aquando do “Jubileu da Misericórdia” e dirigida pelo Padre Manuel Machado, em Portugal.
Ao longo dos quatro mandatos do Chefe do Executivo de Macau, e da respectiva equipa, ficaram muitos problemas por resolver na cidade, que necessitam de resposta urgente. A morte da Directora-geral dos Serviços de Alfândega lançou uma sombra sobre o trabalho do Secretário para a Segurança. Até agora a “diversificação económica moderada” de Macau continua a ser apenas um slogan, a sua economia continua a depender em grande parte da indústria do jogo. Questões como a construção de um sistema de Metro Ligeiro, tráfico, transportes públicos e planeamento urbano têm atormentado Raimundo Arrais do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas. O caso da permuta de terrenos da Fábrica de Panchões (a investigação do Comissariado contra a Corrupção veio a revelar a confusão deixada após os dois mandatos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que será difícil de resolver e de esquecer). A revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa demonstra claramente como a Secretaria para a Administração e Justiça tem estado omissa. Por causa disso, o processo eleitoral de 2017 para a Assembleia Legislativa pode vir a transformar-se num ringue de boxe. Num contexto pobre, do ponto de vista de cultura política, as previsões para o futuro de Macau dificilmente serão optimistas. Quanto ao Secretário Alexis Tam, que muito se gabou dos seus “cinco anos gloriosos”, tornou-se actualmente alvo das críticas da população e dos funcionários públicos, apesar de ter dado uma impressão positiva no início do seu mandato. Enquanto isto, o reeleito Chefe do Executivo, Chui Sai On, continua a representar o papel do “tipo simpático”. As “linhas de acção governativa orientadas para o povo” tornaram-se a carta que está sempre disposto a jogar.
A minha curta viagem longe de Macau foi verdadeiramente uma escapadela ao aborrecimento que me trazem todos os problemas sociais desta cidade. Acabei por aproveitar este tempo de peregrinação para reflectir sobre a direcção a tomar no futuro. Apanhámos o ferry para Hong Kong e voámos pela Swissair até Zurique, de onde seguimos para Lisboa, a primeira etapa da peregrinação.
O check de segurança em Zurique deve ter sido bem feito, porque não precisámos de apresentar os documentos após levantar as malas no aeroporto de Lisboa. Como íamos para Fátima, almoçámos no Parque das Nações, que fica perto, e rumámos rapidamente ao nosso destino. Na verdade, o almoço foi bastante memorável. O Padre Manuel Machado tirou algum do seu tempo de férias para estar connosco, o que foi muito simpático da sua parte. Neste almoço foram servidos três pratos diferentes de bacalhau, acompanhados por vinhos tinto e branco, o que tornou encantador o início da nossa viagem.
No exterior do restaurante existe uma esplanada muito relaxante, mesmo à beira do rio que banha Lisboa, tão largo que mais parece o mar. Não havia muita gente e o tempo estava mais fresco e menos húmido que em Macau. O design do restaurante, de inspiração náutica, demonstra claramente que Lisboa é uma cidade costeira. Só estar ali, naquele cais, pode ser tão relaxante que nos esquecemos das nossas preocupações por algum tempo. Esta sensação transportou-me anos atrás, quando me sentava no cais da Praia Grande, sob a sombra das árvores, antes da reclamação dos terrenos da zona. Fiquei surpreendido por estas doces recordações de Macau dos anos 70 terem sido despertadas por Lisboa. Então, digam-me lá, ao longo destes anos Macau evoluiu ou regrediu?

2 Set 2016

Já não há estórias de encantar

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s três Feiras do Livro anuais que se realizam em Macau não têm um décimo da dimensão da Feira do Livro de Hong Kong. Há quem ache que hoje em dia as Feiras do Livro se limitam a ser locais de grande aparato para venda de livros em série, mas esse é apenas um dos aspectos da questão. As Feiras do Livro de Macau destinam-se apenas a vender livros e não possuem todo o envolvimento comercial que caracteriza a Feira de Hong Kong, na qual os visitantes podem, inclusivamente, actualizar-se sobre os mais recentes acontecimentos sociais. Não se vai à Feira do Livro de Hong Kong só para comprar livros.
Este ano, a Feira de Hong Kong não apresentou a selecção dos “autores do ano” porque, antes do mais, os “autores do ano” nomeados se recusaram a comparecer, e depois porque não havia autores nomeados, à altura. Estas duas razões não parecem ter relação entre si, mas na verdade existe uma relação causa-efeito entre ambas. Numa sociedade orientada para o negócio, como a de Hong Kong, é muito difícil fazer carreira como escritor e por isso existem poucos escritores famosos e intelectualmente competentes. Por outro lado, como os editores e livreiros procuram sobretudo obter lucro, expõem nas montras os livros mais recentes durante três meses consecutivos. É evidente que desta forma os livros são promovidos e vendem mais. Mas os jovens escritores desconhecidos têm muita dificuldade em divulgar o seu trabalho. Com a fraca promoção que recebem é complicado virem algum dia a fazer carreira. No pólo oposto temos os escritores sensacionalistas que dominam os meandros da promoção e publicidade, e são estes que acabam por ter sucesso. Com dados tão viciados será que ainda é possível encontrar verdadeiros escritores? Quando os editores e livreiros olham para a cultura com um negócio, é quase impossível ver surgir novos escritores e menos ainda escritores com um pensamento independente.

Salientemos de novo que, este ano não houve nomeações para “autores do ano” na Feira do Livro de Hong Kong, embora o tema escolhido tivesse sido a literatura “Wuxia”, romances de artes marciais, um género bastante popular entre os leitores nostálgicos de aventuras dos bons velhos tempos. E isto porque os laços genuínos de amizade e lealdade que se encontram nos romances “wuxia” já não são reconhecíveis pela sociedade actual. A feira deste ano, mais comercial do que nunca, também evidenciou algumas dissensões sociais, que se manifestaram através de diferentes chavões formados por uma combinação de um número reduzido de palavras chinesas (caracteres).
Cada palavra chinesa (caractere) tem a sua própria pronunciação, que faz parte da sua estrutura, e que é construída pela forma e pronunciação. Quando duas ou mais palavras (caracteres) são associadas para formar uma nova expressão (chavão) mantendo-se a pronunciação de cada uma das palavras simples (caractere), estamos perante uma invenção que não faz muito sentido em termos práticos. Estes chavões apenas revelam o actual estado das coisas em Hong Kong. Os livros e artigos repletos de chavões, proporcionam ao leitor uma emoção primária. Aqui vão alguns exemplos: Paz-Racional-Não-violência-Não-profanação, esquerdista, confrontações violentas, etc. O uso de chavões na escrita, juntamente com a venda de livros sobre a Revolução dos Guarda-Chuva, confrontações violentas e desobediência civil, demonstram os problemas com que se debate Hong Kong actualmente. Estes problemas não terminaram quando o Movimento Occupy Central foi neutralizado. Antes pelo contrário, foi-se afirmando uma gradual intensificação das contradições sociais. As eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong, agendadas para Setembro próximo, vão ser palco de confrontações políticas entre pessoas com diferentes pontos de vista. Existe uma série de problemas que só poderão ser resolvidos depois das eleições para a chefia do Executivo, a ter lugar em 2017.
A partir do momento em que as feiras do livro se comercializam, os estudantes passam a ter ao seu dispor uma grande quantidade de materiais de apoio escolar. Os jovens de Hong Kong recebem uma formação orientada para as “notas”, por isso pergunto-me qual vai ser o seu posicionamento em relação às questões sociais. Houve pessoas que se insurgiram contra os jovens que atiraram tijolos durante o levantamento nas ruas de Mongkok, no segundo dia do Ano Novo Chinês, mas poucos se interrogam sobre os motivos que os levaram ao motim. Embora não tenha encontrado respostas a estas questões durante a minha visita à Feira do Livro de Hong Kong, ganhei apesar de tudo mais algumas perspectivas. Ao contrário, as Feiras do Livro de Macau são muito monótonas, parece que não servem para nada. Serão estas feiras uma síntese da sociedade macaense?

5 Ago 2016

Corrupção, política e o caso da Fábrica de Panchões

[dropcap style=’circle’]O[/dropap]Comissariado contra a Corrupção (CCAC) apresentou recentemente o “Relatório de investigação sobre o caso da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long”. No relatório o Comissariado declarou que o acordo relativo à troca de terrenos entre o Governo e os proprietários da fábrica é inválido e que o “termo de compromisso” é uma violação da lei. O relatório provocou grande celeuma junto da população e o Secretário para os Transportes e Obras Públicas ordenou que a DSSOPT fizesse de imediato análise e seguimento detalhados da situação. De momento aguarda-se com grande expectativa a decisão do Chefe do Executivo sobre o assunto. Houve, no entanto, uma associação que já apelou ao Ministério Público para que as pessoas envolvidas no caso fossem investigadas.
O caso reporta-se a 2000 e a DSSOPT (Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes) teve conhecimento do “termo de compromisso” relativo à permuta de terrenos, em Janeiro de 2001. Em Março de 2002, o Governo da RAEM aprovou a divisão de terrenos. Em 2006, o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas autorizou a DSSOPT a assinar um acordo suplementar. Este processo envolveu ao longo dos anos funcionários do Governo altamente colocados, estando ainda em causa verbas que ascendem aos milhões de patacas. Do processo também constam grandes empresas e figuras de destaque com ligações ao Governo. Se estas figuras, funcionários e entidades vierem a ser investigados, este caso vai ser mais bombástico que o do célebre Ao Man Long! 1452324015046
Segundo a Lei de Murphy, “qualquer coisa que possa correr mal, vai correr mal”. Prestemos agora atenção ao cenário político no momento em que o relatório da CCAC foi emitido: o Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM passa por um processo de reestruturação, na China continental o combate à corrupção está na ordem do dia e, em Macau, é preciso não esquecer a iminência das eleições para a Assembleia Legislativa, marcadas para o próximo ano. Perante todos estes factores, o desenvolvimento do caso da permuta de terrenos é muito difícil de antever. É evidente, que o que se vier a apurar pode ter grande impacto em algumas das figuras que tencionam candidatar-se às próximas eleições.
De acordo com as declarações do deputado em funções, Fong Chi Keong, proferidas na sequência do seu discurso na Assembleia, o salário mensal dos deputados ronda as 70.000 patacas. Se compararmos esta verba com o investimento que alguns tiveram de fazer para se candidatarem à Assembleia em 2013, percebe-se que gastaram mais do que ganharam, o que nos leva a perguntar porque é que alguns querem ser deputados, mesmo perdendo dinheiro? Claro que quando alguns empresários, empreendedores, ou pessoas de grandes recursos em geral, se tornam deputados, o salário da Assembleia não tem qualquer importância. Mas porque que gastariam o seu preciosíssimo tempo nas sessões da Assembleia Legislativa, a não ser pelo seu elevado sentido de patriotismo e amor por Macau?
O relatório da CCAC demonstrou que nenhum dos actuais deputados se encontra na lista dos dignatários envolvidos no processo Iec Long. Mas, alguns dos representantes legislativos em funções tiveram o apoio financeiro de pessoas envolvidas. Por este motivo, assim que o relatório da CCAC se tornou público, alguns deputados começaram imediatamente a demarcar-se dos envolvidos no processo. Pelo contrário, outros deputados têm-se feito ouvir a favor da investigação, numa tentativa de erradicar da Assembleia quem só procura poder e ganhos pessoais. Dito de outra forma, a corrida eleitoral para as Legislativas de 2017 começou no momento em que a CCAC deu a conhecer o relatório sobre o processo Iec Long.
É possível que o caso caia no esquecimento dentro de um ano, é possível que sofra novos desenvolvimentos após a investidura do novo Director do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM. Para já, é também insondável de que forma irá o Chefe do Executivo de Macau lidar com os resultados do relatório. Estamos, portanto, perante muitas variáveis imprevisíveis no quadro das eleições de 2017 para a Assembleia Legislativa.

22 Jul 2016

Terras: lei nova, razões antigas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s concessões atribuídas a 14 lotes de terreno nas Zonas C e D do Lago Nam caducam ao cabo de 25 anos, mais precisamente em finais de Julho. A posse dos terrenos passa para o Governo da RAEM. Na sequência da decisão, as empresas detentoras das concessões agendaram uma audiência pública, que esteve marcada para Junho, mas que foi entretanto cancelada. A audiência foi reagendada para 5 de Julho (terça-feira) e rebaptizada de “Seminário sobre o impacto da Nova Lei de Terras nos investimentos, na economia e na sociedade macaenses”. Acrescente-se ainda que, o deputado Gabriel Tong Io Cheng, professor de Direito, apresentou uma moção na Assembleia Legislativa, onde exigia esclarecimentos sobre a Nova Lei de Terras, sem esperar que o Chefe do Executivo para tal tivesse dado permissão. A moção foi apresentada para figurar como adenda à Nova Lei de Terras. A fim de decidir se a moção de Tong está em conformidade com o Regimento da Assembleia Legislativa e com o poder da iniciativa legislativa dos deputados, estipulado na Lei Básica, o presidente da Assembleia Legislativa, Ho Iat Seng, enviou o documento para análise dos conselheiros jurídicos da Assembleia. A moção apresentada por Tong inclui uma particularidade, o prazo retroactivo, a contar a partir da data da entrada em vigor da Nova Lei de Terras. Expliquemos por outras palavras, os lotes de terrenos tomados pelo Governo da RAEM ao abrigo da lei durante esse prazo, por não terem sido aproveitados para construção no período designado para tal, podem ter as concessões renovadas. Este processo envolverá interesses financeiros na ordem de biliões de patacas e incontáveis processos legais. Se for avante, os esforços para solucionar os problemas levantados pelos terrenos desocupados terão sido feitos em vão.
De acordo com o parecer N.º 3/IV/2013 da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa sobre o Artigo No. 48 (Renovação de Concessões Provisórias) da Nova Lei de Terras, afirma-se “estabelecendo a comparação com a lei vigente, foi aditado este artigo, que prevê expressamente que, em princípio, as concessões provisórias não podem ser renovadas. No entanto, a concessão provisória pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto. …. O proponente esclareceu que, no sentido de dar cumprimento ao princípio de aproveitamento útil e efectivo dos terrenos, prevê-se que a não concessão provisória pode ser renovada. No entanto, há que ter em conta, na prática, surgem situações em que o concessionário é compensado com pequenas parcelas de terreno devido ao facto de o Governo ter ocupado, para arruamentos, parte dos seus terrenos de concessão definitiva em reaproveitamento, assim, definiram-se disposições excepcionais para os casos em que os terrenos de concessão provisória são anexados a terrenos de concessão definitiva e ambos estão a ser aproveitados em conjuntos. A Comissão manifestou o seu acordo em relação a esta intenção legislativa, todavia, durante a discussão, alguns deputados levantaram questões… segundo os esclarecimentos do proponente, o objectivo é a fiscalização intensiva sobre o aproveitamento dos terrenos concedidos, por isso, insiste se a concessão provisória não pode, em princípio, ser renovada. Excepção para a situação em que um terreno de concessão provisória seja anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto. No entanto, não vão ser considerados quaisquer outros casos excepcionais …. A Comissão manifestou o seu acordo em relação à explicação e às respectivas alterações introduzidas pelo proponente”.
Por este trecho os leitores podem entender facilmente os motivos que determinaram a criação da Nova Lei de Terras. O deputado Leonel Alves, que esteve presente no seminário de 5 de Julho (terça-feira) era membro da Comissão Permanente da Assembleia Legislativa e encarregue do exame na especialidade da Lei de Terras.
Em resposta à opinião expressa por alguns participantes no seminário de que “os deputados legislavam a favor do açambarcamento de terrenos”, Leonel Alves afirmou : “discordo totalmente desta opinião, até porque estive envolvido na elaboração da lei”. Se nos reportarmos à I Série. N.º IV – 108 do Diário da Assembleia Legislativa, encontramos os registos do exame na especialidade das diferentes propostas de lei, que decorreu na Assembleia Legislativa a 9, 12 e 13 de Setembro de 2013. Desde a página 73 à 82, constam em detalhe as discussões e as votações do exame na especialidade dos Artigos 41 a 63 da Lei de Terras. Nesta discussão os deputados Au Kam San, José Pereira Coutinho, Ng Kuok Cheong, Cheang Chi Keong, Chan Wai Chi, Tsui Wai Kwan and Mak Soi Kun manifestaram as suas opiniões. A discussão focou-se na alínea 1) do n.º 2 do artigo 55 (Dispensa de concurso público) e no Artigo 57 (Prémio). No entanto nenhum deputado apresentou qualquer reclamação sobre a Renovação de Concessões Provisórias. No final, o Presidente da Assembleia Legislativa presidiu à votação em separado destes dois artigos e à votação geral dos artigos 41 a 63. Os artigos foram todos aprovados na votação. Os deputados são apenas responsáveis pela elaboração das leis e não pelo “açambarcamento de terras”. O Governo da RAEM só toma posse de terrenos em cumprimento da lei não procede ao “açambarcamento de terras”.
Os factos falam por si. As razões que determinaram a elaboração da Nova Lei de Terras são muito claras. Já quanto aos motivos que levaram a que fosse apresentada a moção de esclarecimento sobre “a concessão provisória não poder ser renovada”, peço aos leitores que me elucidem, porque eu sozinho não chego lá.

8 Jul 2016

Lei demorada

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a antiga China existiam estes dois ditados, “é raro um homem viver até aos 70 anos” e “ter um idoso em casa é um tesouro raro”. Mas, com os avanços do sistema de saúde, a esperança de vida aumentou a ponto de já ser possível viver até aos 100 anos. No entanto, viver muito não é sinónimo de viver bem, sobretudo, quando o sistema de segurança social não providencia as necessidades dos idosos sem um fundo de poupança. Nesse caso, ficam desprotegidos no final da vida e podem facilmente tornar-se num encargo para a família. Em Macau, o Regime de Segurança Social garante uma pensão de sobrevivência, a quem tenha contribuído para o Fundo de Segurança Social. No entanto esta pensão não cobre de forma alguma todas as despesas. Nesse sentido, surgiu uma proposta para a criação de um Fundo de Previdência Central, para o qual descontarão empregados e empregadores. É certamente a resposta às necessidades da população.
Esta recomendação encontra-se descrita em detalhe na “Proposta de Consulta da Reforma do Sistema de Segurança Social e Protecção na Terceira Idade”, publicada em 2008. Mas, queremos salientar o facto do Governo da RAEM não ter implementado, ao longo de todos estes anos, o enunciado da proposta, preferindo esperar que o Conselho Permanente de Concertação Social concluísse a sua discussão, o que só veio a acontecer recentemente. Mas finalmente, a tão esperada proposta de lei do “Regime de Previdência Central não Obrigatório”, acabou por surgir. Sendo por natureza não obrigatório, implica, como é bom de ver, que as contribuições para o Fundo de Previdência Central não são obrigatórias. Caberá aos empregadores e empregados chegar a um acordo quanto às contribuições para este Fundo. Os conteúdos da proposta de lei definem regras específicas das quais ficará a depender a implementação de certas medidas. Estas regras estão particularmente explícitas na elaboração da reversão de direitos, e destinam-se a impedir desvios de fundos deste organismo.
Após aturada discussão no seio do Conselho Permanente de Concertação Social, a proposta, composta por 54 artigos, subiu à Assembleia Legislativa onde foi debatida durante dois dias. Foi finalmente aprovada por meio de uma votação na generalidade, com 25 votos a favor e 3 votos contra. Contudo, o resultado não reflectiu o ambiente de intenso debate que se prolongou por duas sessões, o que leva a concluir que todo este aparato faz parte do jogo político e tem como objectivo chamar a atenção do público em geral e dos eleitores em particular.
Durante os dois dias de discussão, que antecederam a votação na generalidade, vários oradores reclamaram para si o estatuto de representante da região socialmente mais desprotegida. Estes oradores não estavam satisfeitos com os conteúdos dos diferentes artigos da proposta de lei e apresentaram mais exigências. Os discursos foram repetitivos o que dificultou a tarefa do Presidente da Assembleia Legislativa. A proposta de lei acabou por ser aprovada na generalidade, o que significa que muito provavelmente só passará ao exame na especialidade no próximo ano. E mesmo que a proposta de lei seja aprovada nesta legislatura, terá ainda de esperar pela conclusão do processo eleitoral e pelo novo elenco legislativo. Este calendário de discussão permitiu que os actuais deputados tivessem desperdiçado muito tempo. O modelo que permite que uma proposta de lei possa esperar três anos até ser aprovada, originou que o Regime de Previdência Central não Obrigatório possa entrar em vigor apenas em 2020. Se os macaenses não tomarem outras medidas, a sua protecção básica na vida pós-aposentação não ficará salvaguardada.
A implementação do Fundo de Previdência Central é uma medida urgente para a população idosa de Macau, como prova a criação deste Fundo por muitas instituições locais. Desde a apresentação da “Proposta de Consulta da Reforma do Sistema de Segurança Social e Protecção na Terceira Idade”, em 2008, só agora o Governo da RAEM avançou com a lei de regulamentação do Regime de Previdência Central não Obrigatório, uma medida que peca por tardia. Se o Governo da RAEM quisesse verdadeiramente assegurar uma protecção adequada a todos os seus residentes, não teria levado três anos a apresentar a proposta a debate e, teria sim, usado esse período de tempo para analisar e aprender com a experiência das regiões vizinhas de modo a estabelecer para o Regime de Previdência Central Obrigatório o melhor modelo possível.

24 Jun 2016

Memórias de um povo

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]esde os incidentes da Praça Tiananmen, ocorridos a de 4 Junho de 1989, a data é sempre assinalada em Macau com a celebração de diversas homenagens. O Governo chinês tem um ponto de vista sobre este episódio, mas o povo tem rejeitado essa opinião. Para sarar as feridas e seguir em frente, em união, serão necessários alguns esforços e muito bom-senso.
O enquadramento de qualquer incidente em termos históricos é moldado social, política e culturalmente, e não só. Quando estes casos acontecem nenhuma das partes envolvidas pode escapar às responsabilidades. A compreensão da História da China moderna ajudará a determinar as causas das tragédias e a encontrar maneiras de evoluir. Este espírito de compreensão e de vontade de evolução deve estar presente nas homenagens prestadas em memória das vítimas. Mas debrucemo-nos sobre os principais acontecimentos que marcaram as últimas décadas e que fazem parte da nossa memória colectiva.
A China venceu a Segunda Guerra Sino-Japonesa em 1945, no entanto o povo chinês não viria a desfrutar de paz por muito tempo. Seguiu-se um período de quatro anos de guerra civil, entre o Partido Comunista e o Partido Nacionalista. Os Comunistas venceram e tomaram a China e os Nacionalistas retiraram-se para Taiwan. Hoje em dia já não se ouvem nas ruas de Taiwan gritos pela independência nem ataques à China continental e, não nos esqueçamos, a crise de 1958 terminou sem terem sido necessários acordos de cessar fogo ou conversações de paz. Mas Taiwan continua fiel ao lema “não à unificação, não à independência e não ao uso da força”. A China continua à procura de formas de resolver a questão de Taiwan, mas o que é importante reter é que tudo o que se passou na China, em Taiwan, em Hong Kong e em Macau serve para lembrar que, enquanto as pessoas permanecerem “adormecidas”, as tragédias podem voltar a acontecer.
O 28 de Fevereiro de 1947 em Taiwan, o Movimento Anti-direitista na China em 1957, A Revolução Cultural na China em 1966, o Motim 1-2-3 em Macau em 1966, as revoltas esquerdistas de Hong Kong em 1967 e o incidente de 4 de Junho de 1989, foram acontecimentos separados no tempo, mas politicamente relacionados.

Embora o Dr. Sun Yat-sen tenha afirmado que a política diz respeito a todos, constatamos que quem abraça esta carreira acaba por defender interesses de grupo ou, simplesmente, interesses individuais e esquece muitas vezes o bem comum. Se todos tivessem deposto as armas e virado costas aos conflitos, a China não se teria envolvido numa guerra civil e as dissidências que opuseram o Governo chinês ao povo não teriam terminado em derramamento de sangue. A História não pode ser dissimulada e servir como instrumento de ajuste de contas. A expressão “não podemos esquecer o passado, pois serve de lição para o futuro” sublinha a necessidade de olharmos para o que se fez de errado, aprendermos a perdoar e procurarmos o entendimento e a reconciliação.
Procurar a vingança pelos incidentes de 4 de Junho pode ser um acto político, mas não vai adiantar de nada às vítimas que nesse dia perderam a vida. Em 2016 celebra-se o 50º aniversário da Revolução Cultural e do Motim1-2-3 de Macau. Em vez de procurar retaliações, a China e Macau deverão analisar as causas destes acontecimentos e tentar evitar futuros conflitos e rupturas sociais.
“Não devemos deixar que o ódio habite as nossas mentes, é necessário substitui-lo por amor”, terá dito Jesus Cristo quando foi crucificado, e é também o significado do perdão na doutrina de Confúcio. Este é o caminho que a Humanidade deve seguir, com estas palavras sempre presentes no coração.

10 Jun 2016

Macau, que futuro?

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]sai Ing-wen, a primeira mulher Presidente de Taiwan, assumiu funções a 20 de Maio. No discurso de tomada de posse, não fez alusão ao “Consenso de 1992”, mas afirmou estar empenhada em manter a estabilidade no relacionamento entre a China e Taiwan. Na sua visita de três dias a Hong Kong, o Secretário-Geral do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, Zhang Dejiang, prestou declarações onde condenava vivamente os apelos à auto-determinação de Hong Kong, pedida por alguns para 2047, e à independência da China. Durante a visita a Pequim da delegação Sino-Australiana da Fundação de Hong-Kong Para o Intercâmbio Jurídico, o chefe da delegação, Lawrence Ma, citou as palavras do Vice-Secretário-Geral do Comité da Lei de Bases, “O Governo chinês usará a Lei, as armas e os canhões para lidar com a questão da independência de Hong Kong”. Até aqui vimos por alto as questões de Hong Kong e de Taiwan, e quanto a Macau?
Após o protesto de 15 de Maio em Macau, a calma voltou a instalar-se. A Fundação Macau mantém aparentemente a sua participação bienal de 100 milhões para a Universidade de Jinan, na China, e o Chefe do Executivo não tem qualquer intenção de se demitir por más práticas. Por outro lado, podemos quase de certeza descartar a hipótese de ver levada à discussão na Assembleia Legislativa a alocação desta verba, já que a maioria dos deputados foi escolhida por eleição indirecta e por indigitação. Com todas as exigências dos manifestantes a serem ignoradas, que futuro espera Macau?
A questão de Taiwan está associada à unificação da China. Por enquanto, o partido no poder na Republica da China, o Partido Democrata Progressista, mantém-se fiel ao seu princípio “Uma China”, e não se atreve a avançar com a ideia de Taiwan se tornar independente da China. Em Hong Kong, a discussão sobre a auto-determinação e sobre a independência é um tema de que se ocupam algumas pessoas, quando perscrutam o futuro da cidade. Se estas questões irão, ou não, passar a propostas concretas, tudo irá depender da evolução do relacionamento entre o Governo Central e o Governo da RAEHK. O poder de decisão mantém-se nas mãos do Governo Central. Mas se continuar a ignorar as opiniões dos cidadãos e insistir que Leung Chun Ying deve ser reeleito como Chefe do Executivo, então os esforços de Zhang Dejiang para que, durante a sua visita, fossem efectuados encontros com os membros do Campo Pró-Democrata, terão sido em vão. Se isto vier a acontecer, a dissensão social tornar-se-á ruptura social. Nessa altura, a situação será irrevogável, mesmo que se usem “armas e canhões”. Quanto às declarações de Lawrence Ma, da delegação Sino-Australiana da Fundação de Hong-Kong Para o Intercâmbio Jurídico, podemos afirmar que não é a primeira vez que ele se manifesta de forma irreflectida. Acresce ainda que alguns membros da delegação estiveram envolvidos em escândalos sexuais, que causaram tantos embaraços a Maria Tam Wai-Chu que esta acabou por se demitir da função de conselheira honorária da Fundação. Quanto a Macau, para além da situação vir a permanecer inalterável ao abrigo da política “Um País, Dois Sistemas”, estipulado pela Lei de Bases, não vimos até agora ser debatido o futuro de Macau depois de 2049. O facto desta discussão não vir a lume não quer dizer que os habitantes de Macau não estejam preocupados com o seu bem-estar e com o das gerações futuras. Começa a tornar-se necessário que as pessoas se preparem com antecedência.
Na verdade, o Governo Central tem seguido de perto a evolução dos acontecimentos em Hong Kong, Macau e Taiwan e recolhido o maior número de dados possível. No entanto, não reconhece a representatividade destas opiniões nem se dá ao trabalho de as estudar a fundo. Devido à concentração de decisões no Governo Central, existe falta de flexibilidade e ausência de distribuição de tarefas. Um excesso de confiança nos representantes de Hong Kong e Macau, torna inevitáveis os desvios políticos. A alocação da verba de 100 milhões feita pela Fundação de Macau à Universidade de Jinan, na China, para construção de instalações, é uma jogada politicamente correcta, mas é ao mesmo tempo uma violação grave dos seus estatutos e uma falta de respeito pela população de Macau. Se esta questão não for tratada correctamente, e o sentimento do Governo Central em relação ao que se passa na RAEM não se alterar, os desentendimentos e os conflitos podem degenerar em ruptura social.
Ambos os Governos partilham a responsabilidade de manter boas relações e de favorecer o desenvolvimento de Macau. Enquanto habitantes de Macau, como é que nos podemos alhear destas questões!?

27 Mai 2016

Estandarte da democracia

Depois de Au Kam San ter anunciado no início deste ano o seu afastamento da Associação de Novo Macau, as actividades da Associação passaram a ser matéria de interesse dos média em geral e de alguns jornalistas mais entusiastas em particular. Algumas das coberturas jornalísticas foram feitas por preocupação genuína com os destinos da Associação, outras com o intuito de confundir os leitores quanto à natureza deste grupo político e, ainda outras, apenas pelo desejo de verem a Associação de Novo Macau “ir por água abaixo”.
A estação televisiva de Macau chegou mesmo a dedicar tempo de antena para cobrir os conflitos internos da Associação de Novo Macau. O julgamento sobre o valor de alguém deverá basear-se no seu comportamento e nos seus desempenhos e não naquilo que diz. Uma revista macaense mensal publicou em destaque na edição de Abril uma série de artigos sob o título “Votos para a Assembleia Legislativa em 2017”, onde se falava da Associação de Novo Macau. De seguida vou apresentar a discussão de um destes artigos, na esperança de criar alguma mobilização para o processo eleitoral do próximo ano.
O primeiro destes artigos referia a demissão de Ronny Tong Ka-wah do Partido Cívico de Hong Kong e o seu subsequente afastamento do Conselho Legislativo, para criticar o abandono de Au Kam San da Associação de Novo Macau, considerando-o uma violação da ética política. Na declaração de demissão, Au Kam San mencionou que parte do seu salário de deputado da Assembleia Legislativa era dado à Associação, a qual usava uma percentagem deste dinheiro para financiar a organização recém-criada “Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau”. Aparentemente, Au não beneficiava em nada com estas disposições e afastou-se da Associação de Novo Macau (que o tinha nomeado para concorrer às eleições para a Assembleia Legislativa) sem ter previamente consultado a sua direcção, o que é obviamente injusto para a Associação. A ética política constrói-se a partir da conduta pública das pessoas que se envolvem politicamente. Quando o meu mandato como presidente da Associação de Novo Macau chegou ao fim, Jason, Chao e Sou Ka Hou sucederam-me no cargo. Por coincidência, estes dois jovens tinham sido os segundos candidatos do grupo “Associação de Novo Macau Democrática”, liderada por Au Kam San, na corrida para as Eleições da Assembleia Legislativa.
O artigo também recomendava aos jovens que “não se deixassem ficar à sombra das conquistas do passado” incentivando-os a criar o seu próprio caminho e a abrir mais perspectivas para as novas gerações. Quanto à estratégia a adoptar pela Associação de Novo Macau na corrida às eleições de 2017, o artigo sugeria que Ng Kuok Cheong (actual deputado) fosse o segundo candidato e que permitisse que um jovem com capacidade e talento político fosse o primeiro. É uma forma de deixar que o sénior lidere o júnior e também de tentar conquistar dois lugares na Assembleia. A viabilidade desta estratégia está, contudo, dependente da decisão da Associação de Novo Macau e da vontade de Ng Kuok Cheong. Mas inegavelmente, após anos de trabalho, está na altura da Associação de Novo Macau ajudar a passar o testemunho à geração mais nova. Como segundo candidato Ng Kuok Cheong tem menos hipóteses de obter um lugar do que se encabeçasse a lista. Mas se a Associação de Novo Macau usar como slogan “Novo Macau Democrática” e formar um grupo independente para concorrer às eleições, aumenta as possibilidades de obter dois lugares. De acordo com outros artigos desta série, uma das razões pela qual a Associação de Novo Macau perdeu um lugar, nas passadas eleições, ficou a dever-se ao facto a alguns dos eleitores que apoiam a Associação terem pensado que as duas equipas lideradas pelos deputados Au e Ng já tinham a vitória garantida e que os seus votos já não eram necessários.
Em 2017 a Associação de Novo Macau celebrará os seus 25 anos. O denominado “Estandarte da Democracia” de Macau conheceu obstáculos e desafios nestas duas décadas e meia. Para além do apoio dos seus membros, é importante que a Associação conquiste o reconhecimento e o apoio do público em geral. Posto isto, 2016 vai ser um ano de dificuldades e labuta para a Associação de Novo Macau, mas sem desafios não existem vitórias.

22 Abr 2016

Lições de História

A famosa Batalha do Rio Fei marcou a história da China quando um exército de 800.000 soldados, de uma tribo do Norte, foi derrotado pelo exército do povo Han, de apenas 80.000 homens. Os Han ocupavam os territórios a sul do Rio Fei, fronteira entre as duas tribos. Como os homens do Norte não dispunham de veículos para atravessar o rio decidiram aceitar a sugestão do inimigo, ou seja, esperarem que estes o atravessassem e, na margem norte, travarem a batalha decisiva. O comandante do exército do Norte pretendia atacar os sulistas mal estes desembarcassem, apanhando-os desprevenidos. Contudo a este comandante faltava habilidade e capacidade para organizar, dar directrizes e comunicar de forma eficaz com um exército daquela dimensão. Por seu lado as forças sulistas tinham consciência da sua inferioridade numérica e da sua posição desfavorável, mas eram meticulosos e reuniram informação detalhada sobre todos os pontos fracos do inimigo. Assim que desembarcaram, os homens do Sul lançaram-se ao ataque e, dentro do campo adversário, fizeram correr o boato de que “O exército do Norte já tinha sido derrotado”. Este rumor causou o caos e desmoralizou os homens do Norte levando-os à derrota. O passado não volta, mas situações idênticas podem repetir-se muitos anos mais tarde. É o caso da “simulação de encerramento das escolas devido a chuvas torrenciais” ocorrida a 21 de Março. Esta história pode ser uma preciosa lição para o povo de Macau.
Estes exercícios de simulação são realizados há muitos anos sem qualquer tipo de problema. Mas com o passar do tempo as pessoas têm ficado menos atentas. Estava fora de questão que este exercício de simulação fosse anunciado pela TDM como um encerramento a sério. Depois de comunicados onde foram passadas informações incorrectas, foram posteriormente emitidos outros a corrigi-los. No entanto devido ao lapso de tempo entre as duas peças informativas, e ao mau tempo que se fazia sentir nesse dia, a correcção da notícia em vez de esclarecer a situação, ainda gerou mais confusão. Há alguns anos atrás, quando o avião da TransAsia Airways se despenhou em Taiwan, o piloto comunicou que estava a haver uma falha do motor e accionou o botão para o desligar de imediato. Infelizmente, pressionou o botão errado e provocou a queda do avião. O que conta, quando se lida com emergências, é a capacidade de dar prontamente a resposta adequada. As autoridades em Macau estão obviamente falhas dessa capacidade. O produtor e o editor da TDM deveriam ter sido responsabilizados por esta negligência. Embora a Direcção de Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) tenha actuado de acordo com os regulamentos, não revelou estar preparada para uma crise, nem ter capacidade para responder a uma emergência.
Este caso mostrou alguns problemas preocupantes, também evidenciados pela forma como o departamento responsável lidou com a desinformação nesta matéria. A TDM adiantou-se e veio apresentar um pedido de desculpas, afirmando que o pessoal envolvido seria responsabilizado. Entretanto a DSEJ prestou esclarecimentos através de uma conferência de imprensa. Quando surgiram mais questões sobre as responsabilidades, a DSEJ emitiu um comunicado de imprensa onde apresentava as suas desculpas, uma forma de pôr ponto final no assunto. Se o director da DSEJ tivesse apresentado as suas desculpas em primeira mão aos estudantes, aos pais e às escolas afectadas, poderiam ter sido entendidas pelo público como “desculpas de mau pagador”.
O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura também foi involuntariamente envolvido neste caso por ter confessado a sua desorientação “quando foi levar a filha à escola”. Estas afirmações levaram os média a proceder a umas investigações, porque se descobriu que em declarações anteriores tinha afirmado que as suas duas filhas estavam a estudar em Portugal. Acabou por se apurar ter afirmado publicamente noutra altura que a filha mais nova estava a estudar em Macau. Eu simpatizo com Alexis Tam, mas ele deveria ter tido sabido da notícia onde se dizia que as suas duas filhas estudavam em Portugal.
Os macaenses sempre prezaram a harmonia e a tolerância. Não dão grande importância ao que está certo e errado. Este “deixar andar” acabará por trazer problemas. A história do simulacro é uma lição para o povo de Macau, e para mim também!

8 Abr 2016

Livro interdito

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a altura em que este artigo for publicado o Congresso Nacional Popular e a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês terão terminado as suas cimeiras. No meu próximo artigo darei a minha opinião sobre o assunto. Para começar, vamos falar sobre a interdição de um livro.
Enquanto decorriam estas duas cimeiras, fui a uma livraria em Zhuhai. Um dos livros que comprei intitula-se “Abandonar o Regime Imperial” com o sub-título “Uma Retrospectiva da Dinastia Qing até à República”. A investigação deste período, desde a antiga Dinastia Qing até aos alvores da República, está actualmente em voga e publicam-se muitos livros sobre a matéria. O propósito deste livro, à semelhança dos que foram publicados para assinalar o 100º aniversário da Revolução Xinhai, o 200º aniversário da primeira Guerra Sino-Japonesa e o 70º aniversário da Guerra de Resistência do Povo Chinês, é comemorativo e introspectivo. Depois de ter regressado a Macau, fiquei a saber, através de um jornal de Hong Kong, que o livro tinha sido interditado e a sua venda nas livrarias tinha sido proibida. Mal podia acreditar que o livro tinha sido banido e interroguei-me se os média de Hong Kong não teriam lançado este boato. Para descobrir a verdade voltei a algumas livrarias de Zhuhai, onde tinha estado há três dias atrás. O livro já não estava nos escaparates. Mas porque é que teria sido banido?
“Abandonar o Regime Imperial” é na verdade uma compilação de artigos publicados pelo autor em diversas revistas e jornais chineses, ao longo de sete anos. O conteúdo do livro não releva qualquer assunto secreto, nem de alguma forma polémico, já que todos os artigos eram conhecidos. Conta a história da China desde a Revolução de Xinhai até à vitória na Guerra Sino-Japonesa, sem referir a Guerra Civil Chinesa (entre o Partido Comunista Chinês e o Partido Nacionalista). O conteúdo do livro não fere de forma alguma qualquer sensibilidade. Além disso, qualquer livro que seja publicado na China, tem de ser previamente submetido à aprovação do Gabinete para Administração da Imprensa e da Edição. E como o livro é distribuído por todo o País através das Livrarias Xinhua, nunca deveria ter sido classificado como “publicação interdita”. Então qual será a verdadeira razão por trás de tudo isto?
Por vezes a política assemelha-se a uma lufada de ar que não conseguimos agarrar. Se tivermos de avançar um motivo para esta interdição, poderia alvitrar que as situações descritas podem ser encaradas como uma sátira a situações actuais, por exemplo, referir a antiga Dinastia Qing para representar os nossos dias e referir Hong Xiuquan (líder chinês da Rebelião Taiping contra a Dinastia Qing) para representar Mao Tsé Tung. Mas mais uma vez não parece razão plausível para banir um livro constituído por uma compilação de artigos já anteriormente publicados. As minhas dúvidas acabaram por se esclarecer quando li uma publicação online, uma análise política sobre a luta política no seio do Partido Comunista Chinês. A interdição do livro poderia ser, eventualmente, uma forma de descrédito através de meios políticos. A interdição não é sustentável, mas a intenção é criar terror.
A minha especulação pode ser apenas hipotética. Mas num contexto de luta pelo poder tudo é possível. Por vezes é difícil distinguir entre o verdadeiro e o falso, só o tempo pode apurar a verdade dos factos.
Dentro de ano e meio, terão lugar as eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. Recentemente os candidatos potenciais iniciaram algumas acções, numa tentativa de obter as atenções do público, as suas palavras e actos destinam-se a colocá-los sob as luzes da ribalta. Existem candidatos que afirmam lutar pela democracia, outros empunham a bandeira da democracia, mas não estão focados no bem-estar social, sim em serem populistas. Em poucas palavras, apresentam diversas propostas para questões como a conservação das montanhas de Coloane, a construção do Edifício de Doenças Transmissíveis, a preservação, ou demolição, da fachada do Hotel Estoril, ou sobre a questão das crianças macaenses que vivem na China e o seu regresso às famílias. Para as pessoas que não estão familiarizadas com estas questões, por vezes é difícil distinguir os que estão verdadeiramente empenhados em encontrar soluções para estes problemas daqueles que só pretendem publicidade e ganhar votos.
Foi interditado um livro que não deveria ter sido. Os que falam sobre democracia podem acabar por ser apenas populistas. Os motivos que se escondem por trás de tudo isto podem ser muito mais interessantes do que nos faz crer a versão oficial.

1 Abr 2016

Lugar decisivo

Quando todos esperavam que o Partido Cívico de Hong Kong perdesse as eleições nos Novos Territórios de Leste, Alvin Yeung Ngok-kiu, candidato por este partido, conquistou um lugar na Assembleia com mais 10.000 votos do que o seu opositor Chow Ho-ding Holden, candidato da Aliança Democrática para a Melhoria e Progresso de Hong Kong. Chow Ho-ding Holden era visto antecipadamente como vencedor devido a uma série de factores que se conjugavam a seu favor. Os habitantes de Hong Kong e de Macau, atentos a esta luta política, não depositavam muitas esperanças na vitória de Alvin Yeung. Embora se acreditasse que o Campo Pró-democrata liderava no Distrito dos Novos Território de Leste, Alvin Yeung estava rodeado por inimigos nestas eleições, tendo de se confrontar com o único candidato apoiado pelas várias forças do Campo Pró-governamental e, sem perder de vista outros candidatos da sua área política. Os incidentes de Mongkok, que tiveram lugar na noite do Ano Novo Chinês, tornaram ainda mais complicado este processo eleitoral. Na sequência destes incidentes, alguns ex-membros do Conselho Legislativo, que inicialmente apoiavam Alvin Yeung, viram-se obrigados a retirar-lhe o seu apoio. Estas alterações dependentes das circunstâncias fizeram com que as pessoas se apercebessem do valor da moral na política. Com Alvin Yeung rodeado por uma série de factores desfavoráveis, foi importante que os eleitores de Hong Kong mantivessem um espírito crítico. Apesar da mobilização do Campo Pró-governamental e das divisões no seio do Campo Pró-democrata, o Partido Cívico conseguiu conquistar um lugar decisivo, mantendo assim um terço do número de assentos no Conselho Legislativo. Desta forma o Campo Pró-democrata mantém uma posição relativamente confortável nesta Assembleia.
A Associação de Novo Macau perdeu um assento nas anteriores eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. Algumas pessoas acharam que a perda de um lugar não faria grande diferença para a aprovação, ou rejeição, das leis. No entanto, passados dois anos, verificou-se que a Associação de Novo Macau sofreu cisões internas e os seus deputados não tiveram o desempenho esperado na Assembleia Legislativa. Numa votação recente, que se seguiu a um debate, não esteve presente nenhum deputado da Associação de Novo Macau. Os candidatos nomeados pelas associações que representam, são posteriormente eleitos para o cargo de deputados. Mas se essas associações deixarem de vigiar o desempenho dos seus candidatos eleitos, como é que os eleitores podem confiar que os seus interesses e opiniões continuam a ser eficazmente representados?
Como a política é um assunto que nos diz respeito a todos, os seus protagonistas deverão dar prioridade máxima ao bem-estar do povo e não aos seus interesses pessoais. Infelizmente, existem sempre muitos interesses envolvidos na política e se os seus representantes não tiverem a seriedade e a supervisão necessárias, é muito fácil deixarem-se levar gradualmente sem dar por isso. Ao mesmo tempo, quem defende interesses há muito instituídos fará de tudo para não os ver ameaçados, criando a divisão para reinar. Se não fosse a perspicácia dos eleitores, nestas eleições nos Novos Territórios de Leste, com a fraca popularidade de CY Leung Chun-ying, o lugar podia ter caído nas mãos do Campo Pró-governamental. Vendo que os legisladores do Campo Pró-democrata parecem não dar importância ao quadro geral aliando-se aos Pró-Regionalistas, com risco fazer Alvin Yeung perder votos, pergunto-me quem terá tido a brilhante ideia de uma estratégia tipo “acabarmos todos juntos e arruinados”.
A separação dos poderes faz com que haja controlo e equilíbrio e destina-se a impedir que nenhum dos três se sobreponha e possa cometer abusos impunemente. O poder executivo, quer em Hong Kong quer em Macau, assenta na estabilidade e numa liderança forte, ao passo que o poder legislativo não está à altura da sua função de árbitro das acções governativas, devido à sua composição e à sua estrutura. Portanto, quando os altos responsáveis da RAEM não são pessoas de grande integridade, podem facilmente deixa-se corromper. Desde que veio a lume o caso de Ao Man Long, ficou claro que se o Governo da RAEM, e a sociedade em geral, não se empenharem a fundo, casos semelhantes acontecerão futuramente.
Nas eleições nos Novos Territórios de Leste, o Campo Pró-democrata conseguiu conquistar um lugar, embora seja um mandato de curta duração. Em Setembro haverá eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong. Em face de muitas circunstâncias negativas, quer externas quer internas, os eleitores estão a tornar-se cada vez mais exigentes. A capacidade que o Campo Pró-democrata tiver para actuar de forma inovadora será a chave para obter o apoio da população. Porque em última análise são os eleitores que decidem. O lugar no Conselho Legislativo, em jogo nas eleições nos Novos Territórios de Leste, tem grande significado e se os pró-democratas o tivessem perdido teria tido graves consequências.

11 Mar 2016

Intenções duvidosas

Um acontecimento político ocasional não consegue verdadeiramente congregar os partidos e associações que o integram, já que cada grupo tende a desconfiar das intenções dos restantes. Quanto mais significativas forem as alterações registadas na cena politica, maior tendência terão os partidos para “dançar conforme a música”, num jogo óbvio de namoro ao poder. Toda a gente sabe que os factos históricos têm sido, desde sempre, intencionalmente distorcidos. A História contada pelos vencedores é sempre manipulada a seu favor, não deixando lugar à existência de outras interpretações. O Poder teme que a mais pequena centelha possa causar um incêndio. Quem persistir em defender os seus ideais, e não quiser colaborar com a “situação”, acaba por ser empurrado para fora do barco até porque, hoje em dia, o patriotismo já foi “privatizado”. Vivemos uma era sem monarquias absolutas, mas também vivemos o período mais autocrático de sempre. É, no entanto, hora de despertar as consciências, hora de agir e lutar por uma democracia que tanto tem custado a conquistar.
Ninguém até agora abdicou facilmente do Poder, porque o Poder implica dinheiro, estatuto, influência e o mais variado tipo de regalias. Qualquer coisa que lembra “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell, está a tomar forma por esse mundo fora, em nome dos mais variados “ismos”. As pessoas assemelham-se cada vez mais aos pais do protagonista do filme de animação japonês “Spirited Away”, que se empanturravam até não poder mais, ao ponto de parecerem porcos prontos para a matança. Os que estão agarrados ao poder, ou os que ignoram totalmente o sofrimento de quem vive abaixo da linha da pobreza, todos os dias recebem louvores na imprensa. Ninguém está interessado em perceber as causas da pobreza sistemática e das dificuldades permanentes de tantos milhões de seres humanos, quando está a sondar o mercado para comprar um apartamento.
É muito mais fácil deixar ao abandono lotes de terreno do que construir, até porque a erva daninha está baratíssima se comparamos com as despesas de uma família normal.
Quando a pressão exercida pela lava na crosta da Terra não pára de aumentar, os vulcões sofrem erupções e os terramotos acontecem. Quando os edifícios construídos com materiais deficitários se cruzam com um terramoto, caem inevitavelmente. Se queremos evitar as tragédias, temos de eliminar os riscos. Infelizmente, existem precedentes históricos que nos mostram ser habitual culpar as vítimas pelas consequências das calamidades.
A seguir ao grande incêndio de Roma, Nero não criou uma Comissão de Inquérito Independente e declarou que os cristãos tinham sido os responsáveis. Na “Noite dos Cristais” do Reich (Reichskristallnacht) em Munique, os judeus foram as vítimas. O mais certo é também não ter sido criada nenhuma Comissão de Inquérito para apurar a identidade dos culpados.
Sobre os confrontos entre a polícia e os manifestantes, ocorridos no primeiro dia do Ano Novo Chinês em Hong Kong, os noticiários oficiais declararam que nenhum dos vendedores ambulantes tinha sido formalmente acusado. Antes pelo contrário, os detidos encontram-se entre o grupo de pessoas que se mobilizaram via internet para apoiar a causa dos vendedores ambulantes e organizaram este suposto “motim”. Afirmar que os Serviços de Informação da Polícia não conseguiram ser eficazes e reunir material relevante sobre esta “mobilização de massas”, seria um insulto à competência da Polícia e ao bom senso dos cidadãos. Em 2015, na altura do movimento “Occupy Central”, todos os participantes foram identificados e listados. Podem sofrer restrições se quiserem visitar a China continental ou apenas dar um salto a Macau. É natural que, como quase meio milhão de habitantes de Hong Kong protestou contra a implementação de leis criadas a partir do Artigo 23 da Lei de Bases de Hong Kong, a China continental tenha passado a prestar particular atenção às questões políticas da região e que esteja muito bem informada sobre os movimentos de oposição em Hong Kong. O Governo Central poderá saber mais sobre estes movimentos do que os seus próprios membros.
Em qualquer jogo de xadrez, seja chinês ou ocidental, as peças mais numerosas são os peões. Existe um ditado chinês que reza o seguinte: “o soldado que atravessou o rio não tem forma de voltar atrás”. Os agentes da polícia que cumpriram as ordens dos seus superiores, são obviamente seres humanos com sentimentos, como qualquer outro cidadão, manifestante ou agitador. É, portanto, indispensável que, quer a vida, quer os direitos, de todas as pessoas sejam respeitados.
Um certo intelectual de Hong Kong escreveu uma história sobre formigas. Umas eram vermelhas e outras pretas e, por causa de terem sido instigadas, envolveram-se numa grande luta. Embora os seres humanos sejam superiores às formigas, não conseguiram impedir que se disparasse o primeiro tiro em Sarajevo, que conduziu à I Guerra Mundial. Será esta a tragédia da Humanidade, ou antes um destino urdido por esquemas e intrigas que tecemos uns contra os outros?

26 Fev 2016

Uma palavra aos mais jovens

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m certo jovem regressou a Macau depois de ter terminado os estudos em Taiwan. Como pretendia iniciar actividades de cariz social, pediu-me que o recebesse para escutar a minha opinião sobre o assunto. Fico sempre feliz por poder aconselhar e apoiar jovens estudiosos e empenhados em intervir socialmente. Numa pequena cidade como Macau, com mais de 500.000 habitantes, as relações interpessoais são de certo modo complexas, especialmente quando se trata de falar sobre os interesses de cada um, pode haver lugar a mal-entendidos. É por isso necessário que nos preparemos mentalmente, caso contrário podemos provocar o efeito contrário do desejado.
Quando recebi este jovem, a primeira pergunta que lhe coloquei foi “o que é que o leva a desejar envolver-se socialmente?” Respondeu-me que desejava alargar os seus conhecimentos para estar mais bem preparado para o futuro. Penso que esta é a resposta correcta, basta recordarmos a palavras do Dr. Sun Yat-sen, quando aconselhava os jovens a “envolverem-se em projectos grandiosos em vez de apenas ambicionarem a cargos oficiais”. Era uma forma de admoestação, ao alertar os jovens para não se deixarem fascinar por cargos superiores, muito bem pagos, esquecendo as intenções originais, que seriam servir o povo.
A este jovem lembrei a quatro metas ontológicas definidas por Zhang Zai, um estudioso chinês da Dinastia Song, a serem alcançadas por todos os intelectuais. A formação superior deverá “levar as pessoas a agirem de forma benevolente, para mostrar ao cidadão comum um caminho a seguir e provocar a sua admiração, respeitar e desenvolver os ensinamentos dos mestres ancestrais (ex. Confúcio e Mêncio), e lançar as bases para que as gerações seguintes desfrutem de uma paz duradoura”. Em Setembro de 2006, quando o ex-Primeiro Ministro Wen Jiabao visitou a Europa, durante uma entrevista citou estas palavras de Zhang.
É sempre mais fácil falar sobre ideais do que realizá-los. As dificuldades que se encontram neste percurso não serão tanto motivadas por razões de ordem externa, mas mais por razões de ordem interna, trata-se sobretudo de vontade pessoal e perseverança. Quando alguém decide participar socialmente, quer seja a nível do serviço público quer seja a nível de uma organização privada, quanto maior for o seu envolvimento, mais elevada a sua posição e mais importante a natureza do seu trabalho, tanto maior será a pressão com que terá de lidar e, igualmente, maiores serão as tentações com que se irá deparar. Se não possuir grande fé nas suas convicções, pode facilmente deixar-se ir ao sabor da corrente e os seus ideais verem-se consumidos pela “feira das vaidades” do dia-a-dia. Mesmo a faca mais afiada acabará por ficar romba se “pensar” que não precisa dos cuidados do amolador.
Quem quiser envolver-se social e politicamente terá de estar em alerta constante. É importantíssimo que se atenha à sua fé e às suas virtudes. Quando pessoas talentosas, mas sem qualidades morais, sobem ao Poder provocam mais danos que benefícios. Assim, as virtudes são um pré-requisito para o trabalho social e político. São sem dúvida de louvar todos os jovens que pretendam dedicar-se a um trabalho em prol do bem comum.
Mas antes de se envolverem, devem estar muito bem preparados, para saberem lidar eficazmente com desafios e adversidades futuras.
As palavras de Zhang têm servido de orientação aos intelectuais chineses ao longo de milhares de anos. Sob estes ensinamentos, dispõem-se a sacrificar-se pelo bem comum. Não procuram ganhos pessoais, colocam sempre o bem-estar do povo em primeiro lugar. Esta atitude incorpora os princípios de lealdade e tolerância da doutrina de Confúcio, e os princípios do amor universal e do “caminho” defendidos por Mêncio.
Como nos últimos tempos a cena política macaense tem estado confrontada com diversas questões problemáticas, os jovens devem tentar ser observadores destas situações, analisá-las e aprender com elas, já que depois de “entrarmos na montanha” deixamos de conseguir ver a montanha como ela é.

19 Fev 2016

Macau e as eleições de Taiwan

[dropcap=’circle’]O[/dropcap] Kuomintang sofreu uma derrota devastadora no decurso das últimas eleições em Taiwan. Muitas associações macaenses enviaram representantes para observar estas eleições, de certo modo para fazerem um “estágio” de preparação às eleições para a Assembleia Legislativa, que terão lugar em Macau em 2017.
O relatório sobre o processo eleitoral de 2013 não fazia menção a quaisquer medidas substanciais de luta contra o suborno eleitoral, ou qualquer proposta no sentido de aumentar o número mandatos à Assembleia Legislativa, dependentes do voto directo. É por isso razoável afirmarmos que, nas próximas eleições de 2017, iremos assistir a uma luta entre, por um lado, o poder financeiro e o poder das influências e, por outro, a democracia e a liberdade. Não sabemos se em 2017, irá haver, ou não, alterações nos 14 lugares eleitos por sufrágio directo, mas estas eleições em Taiwan podem dar-nos boas pistas nesse sentido.
Em primeiro lugar há que considerar que a democracia não é uma dádiva dos Céus. A partir do momento em que os partidos políticos deixaram de estar banidos em Taiwan, o Partido Democrata Progressista (Democratic Progressive Party – DPP) organizou diversas sublevações, durante as quais foi sistematicamente derrotado. No entanto o enérgico DPP continuou a lutar contra ventos e marés, pelo que viu a sua perseverança e determinação serem recompensadas com a vitória nestas últimas eleições.

Franklin J. Schaffner, The Best Man
Franklin J. Schaffner, The Best Man
Em Macau, os mandatos da Assembleia Legislativa, resultantes do voto directo, são vistos como meros “ornamentos da democracia”, o que é definitivamente um conceito errado, a menos que os deputados eleitos desta forma queiram apenas ser “decorativos”. É necessário um esforço efectivo para aumentar o número de mandatos por voto directo, em vez de se fazer disso um slogan e nada mais. É evidente que não será quem está no poder, ou aqueles que têm os seus interesses há muito estabelecidos, que irão tomar a iniciativa de se “destronarem”. Portanto, vai ser necessária a participação activa da população para se conseguir aumentar o número de mandatos por eleição directa.
O centenário Kuomintang foi derrotado nas eleições de Taiwan porque se recusou a evoluir. A sua doutrina está fora da realidade e não acompanhou as aspirações da população. Tentou apenas agarrar-se ao poder e acabou por ser abandonado pelo povo. Estas eleições registaram uma participação bastante inferior às anteriores, menos 1 milhão de eleitores. O DPP obteve 6 milhões e 890 mil votos, com uma diferença de apenas 800 mil votos em relação ao segundo partido mais votado. De qualquer forma o Kuomintang registou uma perda drástica de votos, ao passo que o Primeiro Partido do Povo (People First Party), liderado por James Soong Chu-yu, aumentou a sua votação em comparação com as eleições anteriores. [quote_box_right]“Posso desde já antever que, para as eleições de 2017, irão ser colocados como cabeça de lista muitos candidatos jovens, ao passo que os deputados mais seniores, à semelhança do que fez o Partido Cívico de Hong Kong, aparecerão em segundo lugar”[/quote_box_right] Dito por outras palavras, alguns apoiantes do Kuomintang abstiveram-se e outros votaram no Primeiro Partido do Povo. Este fenómeno atípico pode talvez justificar-se pela substituição, pouco antes das eleições, do candidato presidencial do Kuomintang, conduzindo a um arrefecimento do entusiasmo dos apoiantes. Os políticos devem ser pessoas de confiança e os partidos devem ter coragem para saber aceitar as derrotas. Uma preocupação excessiva com os ganhos e com as perdas pessoais acaba sempre por ser prejudicial.
Embora actualmente a economia de Macau ainda seja sustentável, foi aberto caminho, durante o período de grande crescimento económico, ao aparecimento de muitas contradições sociais. Alguns deputados da Assembleia Legislativa estão a envelhecer, ou, pelo menos, os seus pontos de vista estão a ficar ultrapassados. A sua imagem também não ficou, em geral, favorecida com as transmissões em directo dos debates parlamentares. Antes pelo contrário, o público ficou a conhecê-los melhor através destas transmissões, e terá ficado na dúvida sobre se voltará a depositar-lhes a sua confiança. De certa forma, esta situação criou condições favoráveis para novos candidatos que se queiram aventurar em 2017.
Em Taiwan, o Partido do Novo Poder (“New Power Party”), oriundo do “Movimento Estudantil Sunflower”, elegeu cinco deputados, tornando-se o terceiro maior partido. O sucesso obtido pelo Partido do Novo Poder, formado por gente nova, pode ser inspirador para os jovens activistas macaenses que têm vindo a protestar contra a Proposta de Lei –  “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções”. Ao longo dos últimos anos, todas as associações de Macau estão empenhadas em apostar na formação de equipas jovens e de jovens lideres, preparando-os para virem a ocupar lugares de destaque nas futuras eleições para a Assembleia Legislativa.
Posso desde já antever que, para as eleições de 2017, irão ser colocados como cabeça de lista muitos candidatos jovens, ao passo que os deputados mais seniores, à semelhança do que fez o Partido Cívico de Hong Kong, aparecerão em segundo lugar. Este processo facilita a entrada dos jovens na Assembleia Legislativa permitindo uma renovação.
Só quando as pessoas estão dispostas a retirar-se, podem dar oportunidade aos mais novos. Foi o que fez Emily Lau em Hong Kong. Resolveu não se voltar a candidatar.

29 Jan 2016

Depois do Esplendor

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4 de Janeiro, a bolsa chinesa registou uma quebra de tal forma acentuada que nos pode fazer temer um eventual colapso económico. Ao mesmo tempo em Macau, as receitas do jogo têm vindo a cair consecutivamente ao longo dos últimos 19 meses. Embora ainda gerem quantias suficientes para cobrir as despesas do Governo, existem indícios que demonstram que a Idade de Ouro da indústria do jogo em Macau está a chegar ao fim. Esta situação não tem qualquer relação com os incidentes provocados em Hong Kong pelo movimento “Occupy Central”, foi sim desencadeada pela situação económica que se vive actualmente na China
O excesso da capacidade produtiva da China deu origem a um aumento do preço do trabalho, ao mesmo tempo que o encerramento de muitos projectos de construção provocou enormes desperdícios de investimento. O crescimento “anormal” da economia chinesa, aliado à natureza especulativa do mercado imobiliário e às políticas monetárias, colocou em perigo uma “bolha” de mercado há muito existente. Os especialistas em economia terão de encontram formas de impedir que a “bolha” rebente e que a economia chinesa entre em recessão, à semelhança do que aconteceu no Japão há 20 anos atrás. E como as bolhas acabam por rebentar, mais cedo ou mais tarde, a melhor solução é impedir que se criem.
Já que Macau não foi capaz de transformar a sua estrutura económica em 2000, as taxas aplicadas à indústria do jogo tornaram-se a principal fonte de receita do Governo. Na sequência do fim do monopólio da indústria do jogo, e do grande florescimento financeiro, os turistas da China continental têm vindo a alimentar das mais diversas formas a economia de Macau. Para lidar com a inflação o Governo da RAEM implementou o Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico, que ainda agravou a situação. À medida que as “bolhas” económicas de Macau aumentavam, e em face das medidas restritivas implementadas pelas políticas anti-corrupção na China, a quantidade de turistas continentais diminuiu drasticamente. Assim, a economia macaense decai dia após dia e as “bolhas” económicas acabarão por rebentar.
Em face desta situação preocupante, o Chefe do Executivo, Chui Sai On, afirmou explicitamente, durante a sua visita a Pequim, que o Governo da RAEM está a começar a estudar formas de diversificação moderada e de intensificação da economia de Macau e irá apresentar essas propostas por escrito ao Governo Central. Esta iniciativa não foi sugerida pelo Governo Central, é de facto a primeira vez, desde a transferência de soberania, que o Governo da RAEM avança com propostas para a melhoria da situação da região. Vejamos se estas propostas podem conduzir Macau ao bom caminho após o fim da “bolha” económica. Embora esta “bolha” económica seja moldada por factores externos, também foi influenciada pelas políticas erradas do Governo da RAEM. Quando Macau regressou à soberania chinesa, há 16 anos, o Governo Central escolheu os seus representantes no seio das famílias locais mais abastadas, os quais trabalhavam de perto, na administração de Macau, com associações tradicionais e com grandes capitalistas. Estabeleceram como principal prioridade a manutenção da estabilidade, objectivo que foi alcançado. No entanto, o excesso de estabilidade abriu campo à monopolização do poder, que por seu lado resultou em corrupção. Após o disparar da economia de Macau, a corrupção instalou-se inevitavelmente. Estas “bolhas” políticas não podem encobrir a instabilidade social nem as diversas crises geradas dentro destes micro-sistemas. Os dois relatórios. publicados recentemente, sobre a análise do sistema eleitoral, não conseguiram apontar caminhos para melhorar as políticas cada vez mais fechadas e corruptas que se praticam em Macau.
Para que uma sociedade desfrute de estabilidade a sua economia deve registar um crescimento saudável e a sua política administrativa terá de ser transparente e livre de corrupção. Só com a implementação de medidas eficazes, se pode impedir o abuso de poder e o desrespeito da Lei por parte dos políticos, tornar possível o aparecimento de competição e de mecanismos de avaliação, cruciais para a afirmação de competências e do reforço da supervisão da actuação do Governo, de forma a impedir a corrupção. As “bolhas” políticas e económicas são igualmente destrutivas e devem ser ultrapassadas. É necessário tomar medidas e estar preparado para o que está para vir.

18 Jan 2016

Domingo em cheio

[dropcap style=’circle]P[/dropcap]ara celebrar o 16º aniversário da transferência de soberania de Macau, que teve lugar a 20 de Dezembro, o governo da RAEM organizou as comemorações habituais e ainda, durante a tarde, um concerto no Estádio de Macau. No entanto, nem o ambiente festivo nem a música conseguiram abafar os gritos de protesto dos manifestantes. Seis grupos locais desceram à rua para demonstrar a sua insatisfação com a actuação do governo. Além disso, as pessoas que tinham comprado antecipadamente os apartamentos do edifício “Pearl Horizon”, que se encontra ainda em fase de construção, também se manifestaram, já que a empresa responsável não foi capaz de cumprir a construção dentro dos prazos legais e o governo, de acordo com a lei, fez questão em reclamar os terrenos destinados ao edifício. Os movimentos sociais, liderados pelos diferentes grupos e lutando por diferentes causas, chamaram a atenção quer do governo da RAEM quer do governo Central. Algumas pessoas chegaram a designar este aniversário como um “Domingo em Cheio” para manifestações.
O grupo de manifestantes com maior impacto foi, sem dúvida, o dos compradores dos apartamentos do “Pearl Horizon”. Mais de 1000 pessoas bloquearam a rua e confrontaram-se com os agentes policiais, que fizeram o que estava ao seu alcance para controlar a situação, tomando apenas as medidas necessárias para fazer face aos ataques às forças da autoridade. O trânsito foi seriamente perturbado e algumas pessoas cometeram actos menos próprios contra os media. Finalmente os manifestantes dispersaram de forma pacífica.
O caso do edifício “Pearl Horizon” deu origem a preocupações e debates ao longo das últimas semanas. Acredito que a maior parte das pessoas tem uma opinião sobre este assunto. Os compradores dos apartamentos acusam o construtor por não ter cumprido os prazos. O governo, pelo seu lado, reclamou os terrenos ao abrigo da Lei de Terras, para impedir que venham a acontecer mais casos semelhantes. A questão do edifício “Pearl Horizon” poderia abrir um precedente. Se o princípio orientador da Lei de Terras não for respeitado, os valiosos terrenos da RAEM podem ficar indefinidamente desaproveitados por construtores que aleguem o pretexto da “reserva de terrenos”.
Macau é uma sociedade que pretende ser um estado de direito. Como os construtores já deram início ao processo legal, o assunto será resolvido nesse âmbito. Quanto aos compradores dos apartamentos do “Pearl Horizon”, terão de ser pacientes e esperar por uma decisão.
No dia do aniversário, ocorreram confrontos na zona que circunda a Rua da Pérola Oriental. O Jardim do Mercado Municipal de Iao Hon foi também palco para protestos de outros grupos. Destes últimos, destacam-se, a Associação de Novo Macau (organizador de longa data das manifestações que têm vindo a assinalar o Dia da Transferência de Soberania) e, a recém-formada, Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau. Muitas pessoas, inclusive oriundas da China continental, querem saber se estas duas organizações são antagónicas ou se se complementam e contrabalançam o movimento!
Pelo meu lado não estou preocupado com a possibilidade de conflito já que, quer o presidente, quer o vice-presidente, da Assembleia Geral da Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau, são candidatos à Assembleia Legislativa pela Associação de Novo Macau. Os membros destas duas associações conhecem-se uns aos outros. Mesmo que possam ter pontos de vista diferentes, não deixam de partilhar os mesmos princípios democráticos e defender a sua implementação em Macau. Podem até aperfeiçoar-se mutuamente. De facto, no encerramento da manifestação, o presidente da Associação de Novo Macau, Chiang Meng Hin, foi convidado para proferir um discurso pela Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau, ao passo que o deputado Ng Kuok Cheong falou durante o encontro da Associação de Novo Macau, a convite de Chiang. Por fim, as duas associações derem início aos protestos, lado a lado e de forma pacífica.
Só me senti desapontado por estas duas associações não terem sido capazes de combater a fraca participação popular nas manifestações. A ausência de participação massiva pode, eventualmente, ser explicada pelo mau tempo que se fez sentir nesse dia, ou pelo facto de os cidadãos terem perdido o interesse em se manifestarem contra o governo. Seja qual for o motivo, o “Domingo em Cheio” foi um símbolo do muito que há a fazer para melhor a actuação do governo. “A procura de mudanças através de reformas políticas e a concretização de um verdadeiro sufrágio universal” terão de ser objectivos para o aperfeiçoamento da administração governamental.

4 Jan 2016

Regresso à soberania chinesa

[dropcap style=’circle’]“F[/dropcap]im ao Conluio entre Empresários e Governo. Queremos o Sufrágio Universal”. Este é o slogan que traduz o propósito da manifestação promovida pela Associação de Novo Macau, a realizar no próximo dia 20. A escolha deste tema deve-se à necessidade da realização de eleições directas, através do sufrágio universal, sem as quais não haverá possibilidade de ultrapassar a estagnação política que se vive actualmente em Macau. Encorajada pela eleição de jovens para os Concelhos Distritais de Hong, Kong, a Associação de Novo Macau pretende incentivar a participação de um maior número jovens, e de cidadãos em geral, nas próximas eleições. O seu objectivo é incentivar a população a utilizar o seu voto e a participar na construção do futuro de Macau, em vez de deixar essa decisão nas mãos de um pequeno circulo que tem controlado os destinos da cidade. Uma outra Associação, recentemente formada, deverá também organizar uma manifestação, igualmente agendada para o dia 20. Prevê-se, pois, que nesse dia, o número de manifestantes aumente significativamente. Para além disso, o caso do Grupo Dore e a questão da “Declaração de Caducidade do lote P para o Edifício “Pearl Horizon” irão, de alguma forma, fazer com que mais pessoas se juntem aos protestos. É ainda de considerar que depois do “Desfile por Macau, Cidade Latina”, que teve lugar no passado dia 6, seja muito provável que a participação nas demonstrações seja ainda maior.
Quem olhar para a situação que se vive actualmente em Macau, compreenderá que vai ser necessário travar uma luta difícil para conquistar o direito ao sufrágio universal. No entanto, o Governo Central poderia, em função do Artigo 23º da Lei Básica (relativo à defesa da segurança do Estado) permitir o sufrágio universal em Macau e dar um exemplo a Hong Kong, mas Macau ainda está muito longe do que deveria ser um verdadeiro regresso à soberania chinesa.
A democracia não se efectiva apenas através de eleições directas, uma pessoa, um voto. O sufrágio universal é só um dos elementos que constroem uma democracia. Tomemos a Assembleia Legislativa de Macau como exemplo. Registaram-se casos de suborno durante as eleições. Embora o governo da RAEM pretenda rever a “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa”, e esteja a fazer esforços para acabar com casos de corrupção, se a população não tiver uma maior consciência cívica e não se acabar com a velha prática de troca de favores entre associações, os méritos do sufrágio universal não se vão fazer sentir em pleno. Em resumo, para além de lutar pelo direito ao sufrágio universal, é necessário lutar para que haja um aumento de consciência cívica, sem o qual, o sufrágio universal corre o risco de se tornar uma manipulação e um jogo de interesses.

Por outro lado, para realizar o projecto “Macau governado pelas suas gentes com ampla autonomia”, os macaenses têm de desenvolver a sua identidade local, sem perder de vista a sua identidade nacional. A identidade local consiste no reconhecimento das características únicas de Macau, da sua história e das suas especificidades culturais.
Quanto ao futuro dos aspectos regionais, é importante que se pense devidamente o relacionamento entre Macau e a China continental, de forma a evitar mal-entendidos desnecessários. Macau não possui recursos naturais e tem sido desde sempre uma cidade de imigrantes. Antes da reintegração, muitas pessoas, vindas da China continental, imigraram para Macau durante o período das reformas.
Se pensarmos no número de imigrantes que chegam regularmente da China, já depois da reintegração, e na quantidade de profissionais contratados, também oriundos da China, facilmente veremos que uma grande parte da população de Macau nasceu na China continental. Macau está, em muitos aspectos, a tornar-se mais “chinês” e as suas características mais autênticas vão desaparecendo aos poucos.
Se esta situação se mantiver, Macau acabará por ser apenas mais um, dos muitos, municípios da China, em detrimento do seu progresso como centro urbano e democrático. Este cenário será desfavorável, quer para a China quer para Macau. E como a “regionalização” pode criar um estigma, o desenvolvimento democrático de Macau será prejudicado se a cidade não souber comunicar devidamente com a China e ajudar a eliminar desconfianças mútuas. Se isto não for feito, o acto eleitoral pode tornar-se um gesto rotineiro sem qualquer significado.
Macau tem de concretizar o projecto “Macau governado pelas suas gentes com ampla autonomia”, se não quiser ser um fardo para o Governo Central. Mas, para que este projecto se torne realidade, vai ser necessário conjugar os esforços da sociedade em geral e, acima de tudo, realizar o sufrágio universal, um dos passos essenciais para o verdadeiro regresso de Macau à soberania chinesa.

18 Dez 2015

Voto Decisivo em Hong Kong

[dropcap=’circle’]O[/dropcap] processo eleitoral para o Conselho Distrital de Hong Kong chegou ao fim. No dia seguinte consegui comprar num quiosque de Macau o jornal “Wen Wei Po”, de Hong Kong, que é sempre difícil de encontrar. Em destaque, na primeira página, podia ler-se: “Corrente Pró-Governamental Vence Eleições”. De acordo com esta análise, a coligação formada pela Aliança Democrática Para o Melhoramento e Progresso de Hong Kong, a Federação de Associações de Comércio de Hong Kong, o Novo Partido do Povo e diversas associações orientadas pela doutrina “Amar a China e Amar Hong Kong”, tinha acabado de conquistar 300, dos 431 assentos do Conselho Distrital. Este número representa 70% dos lugares do Conselho, permitindo às forças pró-governamentais manter o controlo em 18 Distritos.
Mas, segundo a leitura do jornal “Apple Daily”, as forças pró-governamentais apenas tinham conquistado 298 assentos, mantendo a maioria, mas com menos 13 lugares que nas eleições anteriores. Os resultados da primeira eleição local, directa, após a Revolução dos Chapéus de Chuva, mostrou claramente que a nova geração de pró-democratas foi a grande vencedora. Os pró-democratas conseguiram passar o testemunho à nova geração através do voto sagrado do povo de Hong Kong. Albert Ho Chun-Yan e Frederick Fung Kin-kee não foram reeleitos, pondo assim um ponto final a essa era. O que ficou desse período virá a ser demonstrado pela forma como a nova geração do Conselho Distrital trabalhar os seus objectivos.
A eleição para o Conselho Distrital gerou uma luta entre as forças pró-democráticas e as forças pró-governamentais. Para as eleições do próximo ano, para o Conselho Legislativo, a questão que agora se coloca é saber se os pró-democratas irão, ou não, manter o terço de lugares, que possuem de momento. A eleição para o Conselho Distrital serviu apenas para medir forças entre os dois campos políticos. Os resultados mostraram que a geração mais velha dos pró-democratas deve aceitar ser substituída pela geração mais jovem, que conseguiu tirar proveito dos efeitos a longo prazo da Revolução dos Chapéus de Chuva e, que conquistou, com sucesso, o seu lugar na cena política. O destaque que o jornal “Wen Wei Po” deu à vitória das forças pró-governamentais, também parece ser uma forma de sossegar o Governo Central.

MARY POPPINS, Julie Andrews, 1964
MARY POPPINS, Julie Andrews, 1964

De forma grosseira, podemos considerar que, para estas eleições, existiram quarto tipos de voto: 1 – As forças pró-governamentais beneficiaram da sua relação de proximidade com o governo. Usaram os recursos a longo-prazo, que tinham disponíveis, para conquistar o apoio dos eleitores, possibilitando mobilizar os seus apoiantes, sem qualquer monitorização interna. 2) o voto das pessoas mais velhas, que beneficiaram de transporte organizado até às secções de voto. Por este motivo, as forças pró-governamentais obtêm muitos apoiantes entre a população mais idosa e conquistam a esmagadora maioria dos seus votos. Os preparativos e a mobilização de eleitores, descritos nestes dois pontos, são muito semelhantes ao que se passa em Macau. As diferenças encontram-se na terceira categoria: desde que Hong Kong foi reintegrado na China, muitos imigrantes, residentes em Hong Kong, passaram a poder votar, desde que vivessem na cidade há mais de sete anos. A sua decisão de voto é muitas vezes influenciada pelos seus conterrâneos e, é frequente votarem segundo as orientações que recebem. Nestas eleições para o Conselho Distrital, estes novos eleitores alteraram efectivamente os resultados esperados. Quanto aos jovens, que se recensearam a seguir à Revolução dos Chapéus de Chuva, sentem o desejo de reformar a sociedade através de uma participação activa nos movimentos sociais. Neste caso, votar faz parte do seu comprometimento cívico. No que diz respeito aos novos eleitores, as forças pró-governamentais e as pró-democráticas, registaram um empate. O quarto tipo de voto é o dos eleitores conscientes, e é crucial para determinar quem ganha a eleição para o Conselho Distrital. Muitos destes eleitores, que estavam recenseados, mas que nunca tinham votado, votaram agora nestas eleições. Quiseram usar o seu voto para eleger pessoas integras e capazes e. recusaram-se a continuar passivos. Quanto aos eleitores que votam sempre, o seu voto expressou-se no sentido da mudança, das reformas, ajudando a ingressar no Conselho Distrital aqueles que verdadeiramente desejam servir a comunidade. Fico muito satisfeito por verificar o despertar da consciência cívica em Hong Kong, que trará oportunidades de desenvolvimento e vitalidade ao futuro de Hong Kong.
E em Macau, haverá hipótese de mudança? A partir da atitude que se observa no governo da RAEM e, analisando os conteúdos dos debates, que decorrem na Assembleia Legislativa, sobre o desenvolvimento do sistema político, não parece provável que vão ocorrer quaisquer mudanças. Mas para tornar realidade o conceito de “Macau governado pelas suas gentes”, o empenho tem de partir da população. Se não quiserem saber e, não lutarem para que haja mudanças, vão acabar a chorarem o seu fado!

4 Dez 2015

Questões pessoais e interesse geral

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a quarta-feira, 17 de Novembro, o Chefe do Executivo, Chui Sai On, apresentou o Relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o ano financeiro de 2016, na Assembleia Legislativa. O projecto anual de repartição de riqueza e os aumentos salariais, foram as duas questões eleitas para apresentação. O governo da RAEM só poderá lidar com estas questões investindo financeiramente. O debate da acção governativa, que se seguiu à apresentação do Relatório e à sessão de Perguntas e Respostas, foi apenas um pró-forma político. Os cidadãos de Macau não irão retirar qualquer benefício, se a colaboração entre o Governo da Região e a Assembleia Legislativa se mantiver nestes moldes.
Desde a integração de Macau, os sucessivos governos da RAEM têm-se revelado incapazes de resolver os problemas de forma eficaz. O fracasso na reestruturação económica tem sido compensado pela desmonopolização da indústria do jogo. A política de vistos individuais da China e a afluência de investimento estrangeiro, à procura de lucros rápidos, são os factores que têm tornado próspera a economia de Macau, especialmente a indústria imobiliária.
Mas quando o Presidente Xi Jinping subiu ao poder e implementou a sua política anti-corrupção, as receitas do jogo na RAEM decresceram durante 17 meses consecutivos. O encerramento de salas de jogo VIP continuou, ao passo que, recentemente, a actual situação económica deu azo ao aparecimento de vários incidentes, por trás dos quais, se escondem questões relacionadas com dinheiro.
Os mais graves foram, sem dúvida, o do Grupo Dore e a morte súbita de Lai Man Wa, directora-geral dos Serviços de Alfândega de Macau, que provocaram graves constrangimentos ao Governo, quer ao nível da sociedade civil, quer ao nível do Governo Central.
O Gabinete do Chefe do Executivo entregou uma mensagem de homenagem à Directora-geral Lai Man Wa, através do Chefe do Executivo, Chui Sai On, onde lhe prestava largos elogios e a considerava “uma distinta personalidade da RAEM, íntegra e cumpridora leal dos seus deveres, sempre desempenhou as suas funções com dedicação e seriedade, demonstrando qualidade e eficácia na sua actuação profissional e excelente capacidade de liderança”.
É muito difícil de aceitar que, uma pessoa tão respeitada, se tenha suicidado, deixando para trás a família, as suas responsabilidades profissionais e o lugar que sempre amou.
As questões pessoais e o interesse geral estão estritamente ligados. Funcionária chave, designada pelo Governo Central como responsável pelos Serviços de Alfândega de Macau, a directora-geral Lai Man Wa morreu, sem que existissem quaisquer sinais prévios que apontassem para um possível suicídio. É necessário proceder a uma investigação profunda deste caso, deslindar o caso de uma ponta à outra, descobrir a verdadeira causa da sua morte e, fazer chegar essa informação ao Governo Central e à comunidade local. Só desta forma poderá a directora-geral descansar em paz e poderão os vivos ficar tranquilos.
A nossa vida é frágil e não há forma de compensar a sua perda. Quando vivemos num lugar como Macau, devemos preocuparmo-nos com o interesse geral a longo prazo, em vez que nos concentrarmos nos interesses pessoais. Mas quando os problemas de fundo não podem ser resolvidos, tudo o que é superficial deixa de fazer sentido.
O Grande Prémio anual atrai toda a gente, quer turistas, quer macaenses, por ser uma corrida competitiva. Mas quantos cidadãos estarão interessados em passar algum tempo a assistir ao debate anual do Relatório das Linhas de Acção Governativa, que tem lugar na Assembleia Legislativa? Afinal de contas, será que a política é uma questão pessoal, ou será um assunto que interessa a todos? Os macaenses não podem, pura e simplesmente, ficar a assistir e absterem-se de agir!

20 Nov 2015

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA | Balanço a Meio dos Mandatos

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Assembleia Legislativa retomou os trabalhos a semana passada. Nos próximos dois anos, até ao final dos actuais mandatos, é possível que os deputados discutam com maior entusiasmo os assuntos que venham a ser debatidos na Assembleia. Antes das eleições para a Assembleia Legislativa, em Setembro de 2013, a comunidade encontrava-se surpreendentemente serena e não existia, na altura, nenhuma controvérsia assinalável. O clima eleitoral que se viveu também não foi particularmente acalorado, já que os partidos aceitaram reduzir os temas controversos em debate. Durante as eleições a maioria das formações políticas lançou diversos slogans populistas e fez imensas promessas ao nível de um maior bem-estar social. O Festival do Meio do Outono desse ano foi especialmente jovial, com ofertas de presentes e distribuição de refeições. A população estava feliz. aproveitando as benesses que lhe eram oferecidas. Por outro lado, o Conselho Eleitoral e o Comissariado Contra a Corrupção não tinham muito em que se ocupar.

Cerca de duas semanas após a eleição, a Sociedade de Transportes Públicos Reolian anunciou a cessação de actividade. Este facto, juntamente com a proposta de Lei, –  “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções” causou grande preocupação na comunidade. Dois anos depois, a imagem da Assembleia como “figura decorativa” permaneceu inalterável, com uma Oposição mais ou menos alinhada com o Governo. Ou pelo menos, desenvolvendo um tipo de acção pouco clara que nunca afecta quem está no poder. Na semana de abertura dos trabalhos da Assembleia Legislativa, a proposta de debate da Lei da Habitação Económica foi votada. Os deputados da oposição fizeram declaração de voto, ao passo que os deputados que apoiavam a proposta não a fizeram. Quererá isto dizer que votar a favor é apenas uma jogada regulamentar que dispensa qualquer sustentação? 61115P22T1
Nos últimos dois anos, o descontentamento público tem vindo a aumentar e os deputados dificilmente conseguem cumprir as promessas que fizeram durante a campanha eleitoral. No que diz respeito ao projecto de “todas as pessoas passarem a ser accionistas da indústria do jogo”, não houve desenvolvimentos assinaláveis. Não se registaram avanços democráticos e a Assembleia tornou-se cada vez mais esvaziada de poder, no seguimento da revisão do Regimento da Assembleia Legislativa. À medida que a activação das audições se torna mais rigorosa, a Assembleia Legislativa encontra-se cada vez mais no papel de “figura decorativa”. Volvidos dois anos, os cidadãos de Macau devem estar conscientes da importância do seu voto. Devem ponderar seriamente nas palavras e nos actos dos candidatos à Assembleia Legislativa, de forma a eleger deputados verdadeiramente empenhados em servir a comunidade e, não apenas, em fazerem-se eleger. Se os eleitores votarem sem grande critério, como tem sido habitual, o resultado das eleições, que se efectuarão daqui a dois anos, será o mesmo das edições anteriores. Desta forma o desempenho da Assembleia Legislativa não terá mais qualidade, já que os deputados eleitos também não a terão.
Como a proposta de reforma constitucional para 2017 não foi aprovada em Hong Kong, o desenvolvimento constitucional fica congelado. Da mesma forma em Macau, quer os parâmetros constitucionais, quer a metodologia para a composição da Assembleia Legislativa não terão qualquer hipótese de sofrer alterações a curto prazo. Segundo a actual metodologia para a composição da Assembleia Legislativa, os deputados eleitos por sufrágio directo estarão sempre em desvantagem. No entanto, isto não quer dizer que sejam totalmente impotentes, porque as suas lutas na Assembleia Legislativa também existem cá fora.
A proporção de deputados eleitos por sufrágio directo em 2013 é semelhante à actual. Como os deputados eleitos pela Associação Novo Macau trabalham em conjunto com esta Associação, os temas em discussão na Assembleia Legislativa resultam, frequentemente, em acções sociais com resultados positivos. Na medida em que estes deputados têm apoio e reconhecimento públicos, a frente maioritária da Assembleia Legislativa não ousa usar o voto para decidir sobre todas as matérias. Contudo, desde a altura em que surgiram problemas internos na Associação Novo Macau, o equilíbrio de poder na Assembleia Legislativa foi minorizado. Não importa que os deputados da oposição gostem ou não de ser classificados como “oposição fiel”, o que é um facto é que a actual situação faz jus ao nome. Em Julho de 2009, o jornal Southern Metropolis Daily, publicou uma entrevista a dois deputados da Associação Novo Macau. Na entrevista os deputados declararam expressamente a vontade desta formação política em assumir o papel de oposição na Assembleia Legislativa.
Não existe esperança para Macau, a menos que se abrace o caminho da reforma constitucional, aumentando os assentos dos deputados eleitos por sufrágio directo e, também, promovendo e ajudando a melhorar, a consciência cívica da população. Os pontos acima referidos influenciam-se e potencializam-se mutuamente. Em primeiro lugar, será possível, para as eleições de 2019 à Assembleia Legislativa, lutar para obter mais de 50% de lugares ocupados por deputados eleitos por sufrágio directo, com a condição de que o actual número de assentos não seja alterado? Em segundo lugar também é crucial a revisão da Legislação Eleitoral da Assembleia Legislativa e a implementação de medidas eficazes para combater a corrupção durante o processo eleitoral. Por último, é importante encorajar mais pessoas a candidatar-se às eleições directas, porque “juntos somos mais fortes”. Actualmente, pessoas vindas de diversos sectores estão a organizar-se em conjunto tendo em vista as próximas eleições. De entre estas, algumas concorrem às eleições na sequência das suas carreiras, ou por ser esse o seu sonho, ao passo que outras o fazem para salvaguardar os seus interesses pessoais. Seja como for, o processo eleitoral vai ser seguramente “distractivo”!

6 Nov 2015

A culpa foi da fotografia

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á algum tempo criei com os meus alunos um grupo de chat no Wei Xin (uma aplicação grátis para mensagens de voz) onde fiquei conhecido por “Tofu Man”. A culpa desta alcunha pode ser atribuída a uma fotografia, onde apareço como meu carro e que publiquei no chat. Os alunos deram-me este nome por causa de uma personagem, dono de uma loja de tofu, do filme “Initial D” (sobre carros de corrida).
Tirei esta fotografia à porta de uma garagem, no bairro Ilha Verde, com o carro que tinha há vários anos como se fosse um com velho camarada. O mecânico tinha-me dito que o carro estava tão velho que o problema já não tinha arranjo e que o melhor era mandá-lo para a sucata. Por isso tirei a fotografia antes de me desfazer dele. Os carros são bastante diferentes das pessoas, na medida em que as pessoas têm sentimentos e os carros são apenas objectos. Na verdade as pessoas nem deveriam nutrir grandes sentimentos por objectos. Mas de facto, às vezes, as pessoas são mais insensíveis que os objectos e estes são realmente fiéis aos seus donos.
O carro era um Volkswagen em segunda mão, que já tinha sete ou oito anos quando o comprei. Grande parte dos Volkswagen fabricados nesta altura tiveram de ser remodelados devido a problemas na caixa de velocidade ou no sistema de ar condicionado. O meu carro não foi excepção e, as despesas que tive com arranjos ao longo dos anos, foram superiores ao que paguei para o comprar. As peças avariadas foram substituídas por outras retiradas de carros antigos. O mecânico tinha-me avisado para não comprar um carro europeu porque não são desenhados para o mercado asiático e a reparação das peças é muito cara. Com mais de 10 anos o meu velho Volkswagen começou a perder potência. Sempre que o conduzia tinha de ter muito cuidado, porque como andava tão devagar podia provocar acidentes no meio do trânsito. No entanto a condução era muito segura e sempre que tinha um problema com alguma peça dava sempre sinal. O chassi sólido transmitia uma sensação de calma e segurança. Não se recusava a sair mesmo que houvesse uma tempestade e acatava sempre as ordens do dono. Parava no meio da estrada para dar protecção à motorizada que tivesse caído à sua frente. Um carro consegue estas coisas, mas as pessoas nem sempre o conseguem. As pessoas, muitas vezes, dizem abertamente apoiar determinadas estratégias, mas na verdade, de forma encapotada, opõem-se à sua implementação. E em períodos de dificuldade é comum abandonarem-nos. De certa forma os carros são mais fiáveis do que as pessoas. Herbie_car
O caso mais inesquecível que se deu com o meu Volkswagen foi precisamente há dois anos quando estava para ser enviado para a sucata. Foi a 15 de Outubro de 2013, no último dia em que exerci funções como deputado na Assembleia Legislativa. No mês que se seguiu após ter tomado conhecimento que não iria ser reeleito, continuava a apresentar-me no Gabinete de Deputados às sextas-feiras à noite. Embora só trabalhasse como professor a meio tempo, ofereci a este Gabinete metade do meu salário de Outubro como deputado e submeti interpelações escritas nesta qualidade. A minha última interpelação foi submetida a 15 de Outubro. Depois de ter cessado as minhas funções de deputado, não compareci à reunião habitual da Associação de Novo Macau que teve precisamente lugar na noite de 15 de Outubro. Pedi a uma pessoa para entregar a minha carta de demissão na Associação (pedia a exoneração do Comité Permanente) e fui dar uma volta de carro com a minha família à zona dos Novos Aterros do Porto Exterior. Quando o carro já estava estacionado no segundo andar do parque de estacionamento, fez um som como se se tivesse partido qualquer coisa e vi que o chão estava coberto por um líquido vermelho e branco. O depósito de água tinha-se partido. Liguei de imediato para o mecânico que, depois de o examinar, me disse que tinha de ser levado para a oficina. Vi o meu carro ser levado, um carro que tinha estado comigo durante tantos anos e que me tinha sempre sido leal. Ao início tinha intenção de o mandar arranjar independentemente dos custos. Mas o mecânico avisou-me que o depósito de água estava seriamente danificado. Como o carro era bastante antigo, mesmo que se substituísse por um depósito novo, não podia garantir que o problema não se voltasse a repetir. Levando em consideração quer a minha segurança quer a dos outros, acabei por concordar em enviá-lo para a sucata. A fotografia publicada no Weixin foi a última que tirei com o meu carro. Como não ganho muito dinheiro com o meu trabalho a meio tempo como professor, comprei um carro em segunda mão, com mais de 10 anos, para substituir o meu Volkswagen e que ainda hoje conservo.
Pensei escrever uma história sobre o meu Volkswagen, mas depois achei que não era apropriado falar sobre os meus assuntos pessoais. Mais tarde li, num jornal mensal, uma entrevista a dois membros da Associação de Novo Macau. Na entrevista Ng Kuok Cheong afirmava “a luta pode ser uma forma de energia” ao passo que Cheang Meng Him declarava, “as lutas na Associação são uma perda de tempo”. Estes comentários fizeram-me lembrar as palavras de Mao Zedong, “da luta com a Natureza retiramos imenso prazer ; da luta com a terra retiramos imenso prazer; da luta com as pessoas retiramos imenso prazer”.

23 Out 2015

Perturbações nas margens do Lago Nam Van

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]pesar do progressivo declínio das receitas do Jogo que se tem verificado, acredita-se que o governo da RAEM ainda possa continuar a viver desta actividade enquanto o saldo fiscal for positivo. Este período irá desafiar as capacidades das autoridades governamentais de Macau e pôr à prova o seu patriotismo.
Será que este ano vai haver aumento nos salários dos funcionários públicos? Se esta questão se colocasse ao nível do sector privado, a resposta seria: se a empresa está a enfrentar dificuldades é uma sorte não haver despedimentos colectivos! Os aumentos de salários estão dependentes da capacidade financeira das empresas. Mas efectivamente a posição das associações representativas do funcionalismo público é sempre a defesa dos aumentos salariais. E quanto ao Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico, será que vai continuar? Se a questão de divisão da riqueza se colocar no seio de uma família, compreende-se facilmente que se os rendimentos dos pais diminuírem a mesada dos filhos terá de baixar! Mas na realidade as organizações laborais exigem a manutenção do Plano. É compreensível que seja bom para os trabalhadores haver aumentos salariais todos os anos e que as crianças não se importem de receber mesadas maiores. Mas se nos colocarmos na perspectiva do governo, a que fontes iremos buscar os financiamentos? De momento esta situação faz-me lembrar um velho ditado chinês: é fácil dividir a riqueza, difícil é dividir as dificuldades.
Por falar em dividir dificuldades, algo de novo se passa nas forças da cena política “Liberal e Aberta” de Macau. Em primeiro lugar, a Associação para o Desenvolvimento Comunitário de Macau foi fundada oficialmente e o seu núcleo é formado por membros veteranos e ex-membros da Associação Novo Macau. Em segundo lugar, o presidente da Associação Novo Macau, Sou Ka Hou, saiu do gabinete para prosseguir os seus estudos em Taiwan. O vice-presidente Scott Chiang interrompeu os estudos por um ano e foi eleito para substituir Sou Ka Hou. Estas duas associações passaram a actuar desta forma em Setembro de 2015. A reestruturação foi atribuída a reeorganizações individuais. Mas na realidade representa uma preparação para as eleições para a Assembleia Legislativa, agendada para 2017.
Quando associações pró-governamentais se candidatam à eleição para a Assembleia Legislativa têm, frequentemente, apoio financeiro do governo. E por mais que muitas delas tenham prestado um serviço púbico válido, este apoio reforça a sua imagem junto da comunidade. Na medida em que a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM não foi revista, o facto de um líder de uma destas associações se candidatar à eleição para a Assembleia Legislativa continua a provocar controvérsia sobre a imparcialidade e a justiça. De facto, estas organizações pró-governamentais têm vindo a organizar as sua campanhas para a corrida à Assembleia Legislativa de forma “invisível” já há muito tempo. Comparadas com estas associações e com os grupos políticos apoiados nos bastidores por interesses ligados ao jogo, as forças da cena política “Liberal e Aberta” estão em desvantagem na corrida para a eleição à Assembleia Legislativa. A Associação de Novo Macau está limitada a nível de recursos e também por estratégias que adoptou no passado, e não tem um apoio sólido da comunidade. Na eleição para a Assembleia Legislativa de 2013, a Associação obteve menos votos do que em anos anteriores. Este facto foi um sinal de alerta. Embora este retrocesso pudesse ter sido transformado numa motivação para o aperfeiçoamento, após as mudanças na liderança da Associação em 2014, os problemas de longa data continuaram por resolver e os seus membros mais “seniores” decidiram organizar uma nova frente de serviço comunitário já que não conseguiam colaborar com os novos líderes.
A evolução destas associações segue um padrão, que leva à sua continuação ou à sua dissolução. A Associação de Novo Macau evoluiu de um grupo politico único para dois grupos. Se olharmos pelo lado negativo pudemos ver uma divisão de poder, mas pelo lado positivo observamos um crescimento em separado. De facto a Associação ganhou mais poder por ter dois grupos no seu seio!
Ultimamente ocorreram alterações individuais na Associação de Novo Macau. Ainda é cedo para afirmar se estas mudanças serão pontuais ou se se transformarão numa força com capacidade de conduzir Macau a mudanças políticas efectivas. Com Sou Ka Hou, o antigo presidente da Associação de Novo Macau, prosseguindo os seus estudos em Taiwan e, observando a forma serena como Scott Chiang, o substituto de Sou, agiu durante a entrevista que deu ao canal português de TV da TDM, leva-nos a crer que a nova geração da Associação de Novo Macau amadureceu depois de passar por algumas provas e atribulações. É possível que tenham algumas hipóteses de ganhar a eleição para a Assembleia Legislativa, agendada para daqui a dois anos.
Não é necessariamente mau as receitas do jogo caírem.

28 Set 2015

De Berlim a olhar o mundo

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ste Verão, durante as férias, viajei até à Europa de Leste. Num período de oito dias passei por seis países pelo que só fiquei a conhecer um pouco mais de cada um deles. Na Europa em Agosto fazia tanto calor como em Macau, mas a humidade era inferior. Nas diversas cidades o ar era mais refrescante devido, não só, a uma traça urbana mais espaçosa, como também a factores naturais e emissões mais baixas dos sistemas de ar condicionado.  
A Europa de Leste esteve durante anos oculta por detrás da Cortina de Ferro. Mas após a queda do Muro de Berlim e, da integração progressiva de muitos dos seus países na União Europeia, o sistema social criado pelo comunismo tem vindo a diluir-se. Por outro lado que o sistema capitalista ainda não se instalou definitivamente. Estes países ainda conservam algo de genuíno. A economia não é tão florescente como a de Macau, mas a qualidade de vida não é inferior à nossa. O dinheiro nem sempre traz felicidade.
O objectivo da minha viagem era descontrair, afastar-me das exigências da vida urbana e encontrar respostas a algumas das questões que me têm vindo a preocupar. Curiosamente, uma das pessoas que integrava o meu grupo de viagem era Gary Fan, membro da Assembleia Legislativa de Hong Kong e dos Pró-Democratas. Não pudemos deixar de falar sobre o desenvolvimento democrático de Hong Kong e de Macau, já que as nossas vidas são indissociáveis da democracia e da política. Por outro lado aproveitei a minha visita a Budapeste, na Hungria, para reflectir sobre a minha vida como católico já que o padre que me formou era húngaro. Combateu na Primeira Guerra Mundial, onde foi ferido, recebeu uma medalha de guerra e juntou-se à Sociedade Salesiana após a desmobilização. Ensinou-me a ser persistente e a ter Fé.

Esta viagem, repleta de imaginário e de inspiração terminou com uma visita ao Muro de Berlim. Durante este período, soube pelos noticiários televisivos das explosões de produtos químicos em Tianjin e dos rebentamentos das bombas em Banguecoque. Embora estes dois acontecimentos não estivessem aparentemente relacionados, foram ambos causados por acções humanas.[quote_box_right]Não temos que esperar que o Muro de Berlim caia para perceber o horror da tirania e não podemos aguardar as desgraças alheias crendo que virá alguém para os salvar. Porque não darmos o nosso melhor enquanto ainda temos possibilidade, oportunidade e capacidade?[/quote_box_right] A Nova Zona Urbana Binhai, em Tianjin é um dos grandes projectos económicos da China. Estas tremendas explosões revelaram falhas de supervisão adequada, ao nível do governo local, bem como um abuso de poder da parte de quem pretende obter ganhos pessoais. Tiveram como resultado um grande sofrimento para as pessoas atingidas. Quanto aos rebentamentos das bombas em Erawan Shrine, Banguecoque, fica demonstrado que os ataques terroristas podem acontecer em qualquer parte. O que realmente interessa saber é se existe determinação para queimar os solos férteis que originam o terrorismo.
Alguns incidentes, que nunca imaginaríamos possíveis de repente acontecem porque as questões que lhes estavam subjacentes foram durante muito tempo negligenciadas ou mesmo omitidas. A queda do Muro de Berlim é disto um exemplo. – No Muro de Berlim a olhar o Mundo. A súbita desvalorização do renmimbi na China. A taxa do governo de Macau sobre o Jogo que tem vindo a cair durante 15 meses consecutivos. Não me venham dizer que já não havia sinais da eminência destes acontecimentos! Não temos que esperar que o Muro de Berlim caia para perceber o horror da tirania e não podemos aguardar as desgraças alheias crendo que virá alguém para os salvar. Porque não darmos o nosso melhor enquanto ainda temos possibilidade, oportunidade e capacidade?
Macau, Hong Kong e Taiwan têm diversos problemas para enfrentar e resolver. Agora que estou em Macau, e já não na Europa, tenho de participar no dia a dia e lutar pela Justiça sempre que possível.

11 Set 2015