A verdade está à solta, colhendo o que se semeia

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]urante a Dinastia Song do Sul da China, o imperador Gaozong e o seu chanceler Qin Hui conspiraram juntos para remover Yue Fei, o principal general militar na altura. Qin chegou mesmo a discutir os detalhes do plano em casa com a sua mulher. Fruto dessas discussões, o casal chegou a um consenso que “libertar o tigre para que este regressasse às montanhas viria a trazer uma série interminável de problemas no futuro”. Assim, a única alternativa viável era a morte de Yue Fei. Alegasse que, depois do falecimento de Qin Hui, este visitou a mulher durante um sonho para a informar que o seu complot havia sido exposto, o que a assustou de tal modo que chegou mesmo a causar a sua morte.
A verdade vem sempre ao de cima, mais tarde ou mais cedo. Mesmo quando todos se preocupam apenas com os seus próprios assuntos, não se pode assumir que a sociedade se encontra em paz. Se nós não nos interessarmos pelo local em que vivemos, este sítio acaba inevitavelmente por nos partir o coração. A quarta legislatura do Governo da RAEM encontra-se em funções há menos de um ano, mas mesmo assim os problemas sociais têm-se multiplicado, e com uma ferocidade tal que mais se assemelham a uma erupção vulcânica. O recente incidente envolvendo a troca de terrenos destinados à Fábrica de Panchões Iec Long, que se encontra agora sob a investigação do Comissariado Contra a Corrupção, é um dos muitos casos que preocupam as gentes de Macau.iec long
A troca de lotes verificada neste incidente foi realizada de acordo com todos os requerimentos legais durante o mandato de Ao Man Long como Secretário para as Obras Públicas e Transportes. A maior incongruência foi a troca de um lote pequeno por um bem maior, situação considerada fora do normal e isenta de qualquer razão ou lógica. Não nos podemos porém esquecer de uma situação semelhante que envolveu o empresário da construção civil Lam Wai. Na altura, ninguém levantou nenhuma objecção acerca do caso de Lam e todo o processo decorreu dentro da legalidade. Mas, quando Ao Man Long foi processado por aceitar subornos, a opinião pública, e em especialmente a deputada Kwan Tsui Hang, exigiram que o sucessor de Ao nas Obras Públicas investigasse as concessões de terras realizadas durante a era de Ao como Secretário para as Obras Públicas e Transportes, de forma a garantir que nenhum problema tivesse ficado por resolver. Mas, no final de contas, o sucessor de Ao pouco ou nada fez a este respeito, e o caso da Fábrica de Panchões Iec Long nem sequer fazia parte da lista de transacções sob investigação.
Lembro-me que, na altura, alguns deputados insistiram frequentemente para que o Governo divulgasse quanta permuta de terrenos havia sido autorizada, e que fornecesse esclarecimentos sobre o rumor de que parte dos cinco aterros do Plano Urbanístico teria de ser usada como compensação pelas permutas anteriores. Mas, como já é habitual, a resposta do Governo foi pouco esclarecedora. Apenas quando Raimundo do Rosário assumiu a pasta de Secretário para as Obras Públicas e Transportes é que as autoridades se dignaram a fornecer respostas mais detalhadas às perguntas colocadas pelos deputados em questão. Veio-se então a saber que, em relação à troca de terrenos relativa à Fábrica de Panchões Iec Long, esta permuta só podia ter ocorrido de acordo com os respectivos procedimentos legais. Mas, apenas por estar de acordo com a lei não significa necessariamente que a troca tenha sido justificada. Mas temos também que reconhecer que esta prática se encontra tão enraizada que acabou mesmo por se tornar numa característica distinta de negócios “à Macau”. Também no caso do terreno “Tou Fa Kón”, localizado perto do Mercado Vermelho, assim como no do projecto La Scala, situado em frente ao Aeroporto Internacional de Macau, os respectivos terrenos foram concedidos de uma forma legal. Mas isso não tira importância ou influência às várias partes interessadas que se movimentaram nos bastidores de todo este processo.
O Secretário Raimundo do Rosário chegou aliás a pedir ao Comissariado contra a Corrupção que abrisse um inquérito relativo à troca de terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long, o que acabou por ser uma medida muito inteligente. Por um lado, este dirigente evitou desta forma vir a ser considerado responsável pelos casos melindrosos que constituem o legado da antiga Administração. E, daí para a frente, todas as futuras decisões relativas à Fábrica de Panchões Iec Long teriam de ser aprovadas pelo Comissariado contra a Corrupção. Por outro lado, esta decisão vem também evitar que Raimundo se torne no alvo de ataques por parte do público caso se venha a verificar qualquer outro problema no que toca a concessões de terrenos, especialmente aquelas envolvendo lotes de grandes dimensões. Caso os nossos leitores estejam a par dos desenvolvimentos do caso da Fábrica de Panchões Iec Long, sabem certamente que o proprietário do terreno em questão, assim como os seus parceiros, mantém uma relação muito íntima com os círculos empresariais e políticos do território. Tanto Chui Sai On como Raimundo do Rosário são responsáveis de resolver ou gerir qualquer problema que tenha sido deixado pela Administração anterior. Podemos então afirmar que ambos estão agora a colher aquilo que semearam no passado. Mas, neste momento, seria talvez vantajoso perguntar a nós próprios, o que levou Macau a se tornar naquilo que é hoje? iec long
Será que o conceito de “um país, dois sistemas” falhou? Ou será então que as gentes de Macau são incapazes de gerir o território por si próprias? Na verdade, o princípio “um país, dois sistemas” acabou por dar a Macau, como também a Hong Kong e a Taiwan, um alto nível de tolerância política. Se os tumultos de 4 de Junho não tivessem ocorrido na China, a onde de reformas políticas que decorria no país não teria nunca terminado, e as situação política teria despoletado em algo verdadeiramente agradável.
Em Macau, por sua vez, não há falta de talentos, apenas uma escassez de talentos políticos que estejam dispostos a se dedicar à cidade por completo. Existem sim muitos que proclamam ser patrióticos e ainda que amam a RAEM, mas na realidade estão dispostos a roubar para proveito próprio ou então de forma a enriquecer as associações ou organizações a que pertencem. Mas Macau nunca teve falta de indivíduos interessados em representar as massas, nem tão pouco de organizações destinadas a supervisionar o desempenho do Governo. Todavia, estas associações são incompetentes e colocam ênfase na manutenção do status quo, ou da harmonia social, ao invés de exigir a responsabillização dos funcionários públicos. Assim, e com uma administração que carece de supervisão apropriada, a porta encontra-se aberta a todo o tipo de conduta desordeira. Outro problema que temos de superar é a necessidade que os nossos campeões da democracia sentem em ser foco das atenções, assumindo este problema um carácter de veneração semi-religiosa. Na verdade, estes indivíduos encontram-se tão divorciados da realidade que se julgam transformados numa espécie de ídolo, que porém existe apenas em nome. Além disso, recusam-se a partilhar o poder com outros, devido ao medo que têm de perder o seu status social, e parecem ser ignorantes da necessidade que todos nós temos em gerir adequadamente o tempo. Tudo isto culmina numa espécie de ecologia política caracterizada por pessoas que se dedicam a enriquecer através da política. Ao mesmo tempo, deparamo-nos com uma sociedade cada vez mais populista, em que a maioria dos seus cidadãos denota uma nítida falta de visão estratégica, além de uma marcada incapacidade em assumir uma conduta altruísta. Se as coisas se mantiverem assim, o que pode ser feito? Esta questão merece sem dúvida a nossa atenção.

28 Ago 2015

Macau ao estilo grego

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]té ao presente momento, o novo Governo da RAEM tem vindo a desempenhar as suas funções há já mais de oito meses. Porém, mais e mais defeitos têm vindo a ser identificados, devido a “deficiência genética ou mesmo fraco acompanhamento médico após o parto”. Visto tratar-se de uma administração que não necessita de prestar contas a ninguém, as políticas por si formuladas continuam, tal como no passado, a dar prioridade ao sector empresarial, ao mesmo tempo que inundam a sociedade com um populismo desmedido, especialmente impulsionado por certos políticos da chamada oposição democrática. Tendo tudo isto em consideração, pode-se então afirmar que, até agora, o Governo “tem colhido aquilo que semeou”.

Devido ao fracasso das tentativas de transformação estrutural da economia depois da transferência de poderes, os dirigentes da RAEM têm-se encontrado na necessidade de depender das receitas provenientes da liberalização da indústria do jogo, assim como da política de vistos individuais para visitantes oriundos do continente. Aliado a isto, o enorme crescimento da economia chinesa derivado por uma série de reformas domésticas tem ajudado a indústria do jogo de Macau a cimentar a sua posição como um dos mais conhecidos destinos a nível mundial para entusiastas dos jogos de fortuna e azar.

Ao mesmo tempo, o território tem-se tornado num dos principais centros para transferências de capital e nem sempre dirigido a indivíduos de renome. Todo este dinheiro, proveniente da China, mas de origem duvidosa, tem dinamizado a economia local, reflectindo-se principalmente no mercado imobiliário, que tem gozado de um crescimento espectacular. Mesmo estando cientes da aberração constituída pela nossa estrutura económica, que carece de uma lógica funcional, o Governo não tem permanecido vigilante nem tão pouco tomado precauções para tudo isto, optando em vez disso por se orgulhar dos lucros fáceis até agora conseguidos.

Entretanto, e não obstante todos os sectores da administração terem vindo a registar cada vez mais despesas ou, por assim dizer, necessitarem de orçamentos cada vez mais avultados, vários mega-projectos estruturais têm sido iniciados um após o outro, apesar de cada um deles conseguir sempre ultrapassar as projecções orçamentais, assim como a esperada data de conclusão das obras.

Cria-se assim a impressão de que alguns funcionários públicos não são responsáveis pelas suas próprias acções, acabando assim estes por desperdiçar o dinheiro dos contribuintes, além de outros recursos comunitários. Na superfície, Macau está em alta, embriagado pelas receitas do jogo, mas sempre dependente da boa fortuna dos vários casinos que operam na região especial. Mas se viermos a encontrar uma situação em que as receitas obtidas através do imposto cobrado sobre o jogo, como poderia então a RAEM sobreviver nesse cenário?

Após a transição de soberania, o número de funcionários públicos empregados pela RAEM cresceu significativamente, tendo estes gozado igualmente de sucessivos aumentos salariais derivados das crescentes reservas financeiras oriundas do imposto sobre o jogo. Mas, com o passar do tempo, a administração viu-se forçada a realizar ajustes nos contratos estabelecidos com estes funcionários. Assim, primeiro procederam a mudanças no “Regime das Carreiras dos Dirigentes e Chefias dos Serviços Públicos”, passando de seguida a analisar todos os funcionários públicos, agrupados nas respectivas diferentes categorias a que pertencem.

Há dois anos atrás, o salário dos titulares de cargos políticos foi reajustado, enquanto que os benefícios e os salários dos funcionários públicos foram recebendo aumentos anuais e tudo isto acabou por se materializar numa enorme despesa para os cofres públicos.

Mas até com o grande público os nossos governantes têm sido generosos, atribuindo a todos os residentes uma ajuda pecuniária anual, assim como implementando uma série de subsídios e revendo em baixa os impostos taxados sobre a população. Isto faz com que os cidadãos esqueçam os seus problemas, no mínimo uma vez ao ano quando os cheques pecuniários são distribuídos pela população, e contribui para uma falsa ilusão de prosperidade eterna. Mas, na realidade, o Governo pouco ou nada faz para melhorar a situação e toda a conversa sobre a diversificação da economia não passa de nada mais do que conversa.

As preocupações imediatas dos nossos dirigentes recaem invariavelmente sobre o mercado imobiliário, onde muitos funcionários públicos e os seus amigos, ou abastados homens de negócios, esperam receber lucros avultados como consequência dos seus investimentos nesta área. Porém, a grande maioria da população não beneficia da mesma maneira e, na verdade, acaba mesmo por ser prejudicada pelas rendas elevadas assim como os preços exorbitantes das casas.

Esta falta de visão e procura de lucros imediatos acaba mesmo por se reflectir por toda a sociedade, pois as acções indevidas dos nossos governantes acabaram por imprimir na população uma atitude que espera “receber da vindima sem sequer semear”, chegando estes a exigir sempre mais e mais subsídios e outras regalias da parte do Governo. Mesmo quando estes subsídios são colocados à disposição, verifica-se então uma corrida louca para a obtenção de um lugar na lista de candidatos. O interesse pessoal e o egoísmo reinam em Macau, chegando mesmo a fazer hoje em dia parte dos atributos dos residentes locais.

Quando as receitas do jogo sofrerem uma descida acentuada, vamos certamente encontrar ressentimento por parte da população local, que através das suas lamentações vai acabar por obrigar o Governo a apresentar uma série de medidas de contenção de custos, em virtude de não haver nenhuma outra solução.

No caso da Grécia, o seu Governo implementou um bom sistema de segurança social de modo a garantir o voto dos seus apoiantes, mas esta situação criou um défice estatal que só pode ser remediado através da obtenção de empréstimos da União Europeia. Ao mesmo tempo, os políticos gregos realizaram um referendo para enganar os eleitores e exercer pressão sobre os outros estados da comunidade europeia. Mas mesmo assim os seus líderes foram obrigados a implementar uma série de medidas de modo a reduzir as despesas do Estado, o que constitui na verdade um pré-requisito para a obtenção do crédito europeu. O que fariam então os nossos governantes se a RAEM se encontrasse igualmente numa situação de falta de reservas financeiras?

A maior parte dos visitantes que se dirigem aos casinos locais são oriundos da China continental, enquanto que os jogadores que frequentam os “quartos VIP” são, na maior parte, abastados homens de negócios do mesmo país. Estes usam todo o tipo de medidas para ganhar dinheiro no seu país de origem, acabando depois por investir as suas poupanças através do território de Macau. Se porventura a China não estivesse a viver a maior campanha anti-corrupção da sua história ou se não tivessem sido implementadas sérias medidas para impedir a transacção de capitais através dos cartões da China UnionPay, ou ainda se a conjectura mundial não tivesse mudado quando Xi Jinping assumiu o poder, acreditamos os cofres da RAEM ainda poderiam estar cheios de receitas obtidas através do imposto sobre o jogo.

Porém, a China sentiu a necessidade de combater a corrupção de forma a garantir a sobrevivência do Partido Comunista assim como do próprio estado. Conseguiriam então estes homens de negócios, mas também bons patriotas que amam Macau, mudar as políticas implementadas pelo Governo Central?

Pela conquista do dinheiro, existem aqueles que contemplariam até perturbar a segurança nacional ou a saúde dos funcionários da indústria do jogo e até o futuro desenvolvimento da RAEM. Se pesquisarmos o paradeiro dos descendentes desses mesmos indivíduos, quantos deles estarão ainda a residir em Macau?

De forma a garantir o seu futuro, Macau tem de evitar embarcar pelo caminho seguido pela Grécia. E, durante este período de redireccionamento, uma pequena minoria de pessoas com interesses investidos poderia sem dúvida vir a sofrer, assim como poderiam ficar tristes aqueles habituados “a colher sem sequer semear”. Mas se a população do território não se livrar do vício que a prende a este ambiente económico, que mais se assemelha a uma droga, não poderão deter a clareza intelectual necessária para poder virar uma nova página. Apesar de a Grécia ser um país conhecido pela sua mitologia, nenhum dos seus cidadãos actuais pode viver uma vida relaxada como aquela gozada pelos deuses gregos, nem tão pouco o podem Macau e as suas gentes.

15 Ago 2015

A corrupção eleitoral é um crime que faz com que os candidatos errados sejam eleitos

[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ecentemente, os tribunais locais pronunciaram dois membros de uma associação que concorreu na quinta sessão eleitoral para a Assembleia Legislativa como culpados do crime de corrupção eleitoral, tendo para o efeito recebido sentenças de 18 e de 15 meses de prisão. Mas mesmo assim, várias pessoas manifestaram o seu desagrado com esta decisão, defendendo que esta sentença não vai conseguir mudar os resultados eleitorais já obtidos nem tão pouco deve conseguir dissuadir a própria tradição de corrupção eleitoral.

Mesmo atendendo ao facto de esta decisão judicial não ter poder para reverter os resultados do acto eleitoral em questão, conforme está estipulado na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa agora em vigor, não nos devemos esquecer que pode contudo servir de aviso para aqueles que aceitam receber ordens de outros em troca de recompensas materiais. No mínimo esta história serve para demonstrar que de facto se verificaram casos de fraude eleitoral durante o processo eleitoral para a quinta constituição da AL, sendo no entanto necessário realçar que os dados agora comprovados em tribunal representam apenas a ponta do icebergue. De forma a garantir que tal não volte a acontecer no futuro mas também que as próximas eleições decorram de uma forma justa e equitativa, o Governo da RAEM deve rever a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa e colmatar as eventuais lacunas que esta revelar. Ao mesmo tempo, o Comissariado Contra a Corrupção assim como a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa devem igualmente trabalhar de uma forma pro-activa para impedir que qualquer indivíduo se aproveite de possíveis falhas de rigor legislativas para assim se dedicar ao crime de fraude eleitoral. Isto deve ser feito o mais rápido possível de forma a prevenir que membros do público façam uso de associações para transferir favores ou outros benefícios a terceiras partes, sendo este um dos truques utilizados no passado para comprar votos, não obstante ser realizado de forma dissimulada. Além disso, a decisão do Tribunal vem informar o público que aqueles que se dedicam à compra de votos, quer através da oferta ou aceitação de subornos, estão de facto a quebrar a lei, constituindo este acto um crime que deve ser punido de acordo com a lei. E, mesmo que a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa não seja capaz de anular os resultados das eleições em causa, conforme acima mencionado, esta pode contudo acarretar consequências graves para os candidatos eleitos. As leis são sempre justas e correctas. Quem quiser acusar qualquer um dos candidatos da prática de corrupção eleitoral, tem invariavelmente de apresentar provas para corroborar essa mesma acusação. E, quando ficar provado que os membros de uma qualquer associação com candidatos eleitos para a AL cometeram de facto corrupção eleitoral, o caso assume contornos semelhantes ao que se verifica quando um empreiteiro contrata imigrantes ilegais para uma das muitas obras locais. Pois mesmo quando este se encontra numa situação de falta de mão-de-obra, o mesmo não pode deixar de ser responsável pela contratação ilegal de trabalhadores empreendida pelos seus subempreiteiros, nem que seja devido a uma obrigação moral. Da mesma forma, quando uma associação pratica corrupção eleitoral para conseguir a eleição dos seus candidatos, todas as outras associações são injustamente prejudicadas.

Já no que diz respeito aos candidatos eleitos, e de acordo com a premissa de que todos são inocentes até serem provados culpados, estes não são considerados como culpados de corrupção a não ser que existam fortes provas para o mesmo, e da mesma forma o seu estatuto de candidato eleito permanece válido e não deve ser desacreditado. Existem porém casos em que os membros de uma qualquer associação local utilizam o seu próprio dinheiro para proceder à compra de eleitores, mas estes casos devem contudo ser encarados de uma maneira diferente. Não nos podemos esquecer que o factor crucial para o sucesso de uma candidatura à Assembleia Legislativa é a escolha dos eleitores. Durante o acto de 2013, todas as assembleias de voto foram supervisionadas por fiscais de modo a garantir o cumprimento das normas. Mas que táctica foi então utilizada para garantir que certos eleitores votassem nos candidatos especificados por aqueles que procederam à compra de votos? Foi por esta mesma razão que eu decidi dedicar todos os meus esforços nos anos transactos ao fortalecimento da consciência cívica da população de Macau, ao mesmo tempo que procuro encorajar aqueles que considero serem não só incorruptíveis mas também como dispostos a servir a RAEM, a se candidatarem para a AL nas próximas eleições. Tenciono desta forma contribuir para que as gentes de Macau desenvolvam um novo respeito pelo processo eleitoral, ao mesmo tempo que se fortalece a tradição democrática na RAEM.

Mas para que isto se torne numa realidade, vai ser necessário não só melhorar a qualidade dos próprios eleitores como ainda rever e melhorar as leis que supervisionam todo este acto eleitoral. Na minha opinião, o Governo da RAEM tem de tornar público o relatório final que lhe foi submetido pela Comissão de Assuntos Eleitorais da AL, referente este às eleições legislativas de 2013, para que a população em geral possa compreender os problemas que temos de resolver. Assim sendo, qualquer futura revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa deve obedecer a uma análise analítica com vista a colmatar as lacunas aí contidas, especialmente no que diz respeito a um eventual cancelamento do próprio acto eleitoral.

Por fim, teremos de melhorar a educação cívica dos nossos cidadãos para que estes compreendam que, nas lides políticas, nada se colhe gratuitamente. Cada processo eleitoral acarreta os seus riscos específicos, mas como as penas para os infractores não são severas, muitos candidatos acabam por cair na tentação de quebrar a lei de modo a garantir a sua eleição. Mas, se estes mesmos indivíduos conseguirem na realidade conquistar o lugar e chegar ao cargo de legisladores, que futuro nos espera então? Em Macau, é comum ouvir as gentes do território compararem a AL a uma “assembleia de lixo” (em cantonense), mas será que algum destes dissuasores chegou a perder tempo para reflectir no que é necessário para impedir que esse lixo consiga entrar na Assembleia?

31 Jul 2015

Facções democráticas modernas e conservadoras

[dropcap type=”circle”]A[/dropcap]Associação do Novo Macau vai organizar um jantar de recolha de fundos no dia 11 de Julho, altura em que celebra o seu 23º aniversário. Como é normal neste tipo de eventos, todas as receitas obtidas nessa noite, uma vez subtraída a quantia necessária para cobrir as despesas de produção do evento, vão ser aplicadas num fundo para apoiar o desenvolvimento futuro da Novo Macau. Um amigo meu chegou mesmo a ligar-me para descobrir se já havia organizado este tipo de eventos no passado, mas no meu caso, esta será a primeira vez.

Para dizer a verdade, a Associação do Novo Macau já organizou jantares para recolha de fundos no passado, mas sempre na altura antecedendo as eleições para a Assembleia Legislativa. Em 2012, por exemplo, quando o Novo Macau celebrou o seu 20º aniversário, eu mesmo sugeri que se marcasse a ocasião com um jantar celebrativo, mas nessa altura ninguém apoiou a  ideia.

Já em 2015, os novo líderes da Associação propuseram mais uma vez este género de iniciativa, mas desta vez com data e local previamente estabelecido. Desta vez a ideia mereceu o apoio da maioria dos nossos membros, o que me faz feliz tendo em conta que nos últimos anos tivemos de enfrentar inúmeras dificuldades.

Para além de terem de aguentar as críticas debilitantes que nos são dirigidas, os nossos apoiantes têm se mostrado preocupados com os persistentes rumores acerca da nossa falta de coesão e ainda sobre os nossos conflitos internos. Entendo assim que a melhor resposta que posso dar a estas questões é mesmo a minha comparência no banquete que está agendado para o mês de Julho. Devo fazer notar aos nossos leitores que dentro da Associação existem facções democráticas modernas e conservadoras, o que aliás considero ser um fenómeno natural no desenvolvimento normal de qualquer organização. Até em Hong Kong, encontramos hoje duas frentes dentro do Campo Pró-Democracia da RAEHK. Enquanto que uma promove “a paz e a lógica ao mesmo tempo que recusa a violência e o obsceno”, a outra apela aos seus apoiantes para “ousarem lutar”. Podemos assim observar que, em Hong Kong, os diferentes grupos políticos são bem definidos e distintos uns dos outros, enquanto que em Macau se agrupam todos “dentro de um só barco”.

Eu tenho o privilégio de ser um dos membros fundadores da Associação Novo Macau quando esta foi criada em 1992. Na altura, a principal motivação para esta iniciativa era assistir Ng Kuok Cheong na sua candidatura para as eleições da Assembleia Legislativa, que iam ter lugar nesse mesmo ano. Assim, Ng concorreu com uma lista apelidada de Associação do Novo Macau Democrático, e acabou mesmo por assegurar um assento na AL. Uma vez decorrido o acto eleitoral, a Associação deixou de ser uma simples plataforma de angariação de votos e assumiu um papel de supervisão e fiscalização. Para o efeito, Ng desviou uma parte do seu salário de deputado para cobrir as despesas de operação do Novo Macau.

Aliás, esta prática foi igualmente adoptada por Au Kam San quando o mesmo foi eleito deputado da Assembleia Legislativa através do suporte da Associação. Quando em 2009 se formou a quarta AL, foi decidido atribuir um subsídio equivalente a 65% do salário dos deputados para que estes pudessem arrendar um escritório e contratar um assistente pessoal. Para receber esta ajuda, o deputado só precisava de declarar o montante que pagava mensalmente em rendas, assim como o salário mensal da pessoa que preenche a função de assistente. Quando esta medida foi implementada, eu acumulava a posição de deputado com a de presidente da Comissão Executiva do Novo Macau, por isso propôs que se mantivesse a já tradicional medida de usar parte do salário do deputado por nós eleito para pagar as despesas da Associação. Já em relação ao subsídio que eu, Ng e Au tínhamos direito de receber, o montante total que requisitamos da AL foi estabelecido pela própria Associação, de modo a que sua operação ficasse garantida. Além disso, foram criadas contas suplementares de modo a preencher os pré-requisitos necessários para que cada um dos deputados pudesse gozar desta mesma regalia. Escolhemos proceder desta maneira de modo a evitar qualquer repercussão desfavorável caso cada deputado ficasse encarregado de gerir este montante a seu bel-prazer, ao mesmo tempo que desejávamos ter uma gestão adequada e correcta das finanças, sabendo nós de antemão que dinheiro e poder conseguem corromper qualquer indivíduo.

No que diz respeito às eleições para a AL de 2013, o Novo Macau concorreu com três listas diferentes, mas conseguiu obter apenas dois lugares. Há muitas razões que levaram a este insucesso e à consequente perda de um dos prévios três assentos, mas não tenciono discutir essa questão neste artigo. Basta dizer que no dia 15 de Outubro de 2013, eu já não exercia as funções de deputado da Assembleia Legislativa. Ao mesmo tempo, decidi abandonar a minha posição na Comissão Executiva da Associação, de modo a dar oportunidade a outros mas também para reflectir sobre a nossa posição naquele momento. Durante a Assembleia Geral do Novo Macau que teve lugar em 2014, ofereci-me como voluntário para fornecer relatórios sobre o trabalho empreendido pelos nossos deputados (eu, Ng e Au) antes e durante o ano de 2013, de acordo com o papel de supervisão que a Associação agora assumia. Decidi também nessa altura não me candidatar para nenhuma das posições de liderança quando esses lugares foram alvo de uma nova eleição. Na verdade, o número dois da lista de Au para as eleições da AL de 2013 foi eleito o novo presidente da Comissão Executiva, e assim previa-se que não houvesse qualquer problema em garantir a cooperação entre os novos e os velhos líderes da Associação. E, mesmo que alguma divergência viesse a se manifestar, certamente que isso não seria mais do que pontos de vista díspares e também diferente estilos de gestão praticados pelos diferentes membros.

O rumo do desenvolvimento não costuma estar dependente das boas intenções de um indivíduo. Mas, no mínimo, não se deveria divergir nem tão pouco abandonar os ideias originais pelo caminho. O jantar comemorativo para a celebração do 23º aniversário da Associação representa uma boa oportunidade para as novas e as velhas facções democráticas do Novo Macau se juntarem à mesa e confraternizarem, ao mesmo tempo que serve de teste para a prática da democracia.

22 Jun 2015