Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaNovo Macau | Scott Chiang abandona presidência da associação Scott Chiang vai deixar de ser presidente da Associação Novo Macau no próximo dia 9. Depois da saída de Jason Chao da direcção, Scott Chiang assume que existe “uma história complicada” e que a política é uma das razões para bater com a porta [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] a segunda baixa em pouco tempo na direcção da Associação Novo Macau (ANM). Scott Chiang, o actual presidente, deixa de exercer funções a partir do próximo dia 9 de Junho. Ao HM, o responsável não quis adiantar as razões para a saída, mas assegurou que não se trata de motivos pessoais. “É uma história complicada e não tenho razões pessoais, familiares ou de saúde para ter deixado a liderança da ANM. Há vários factores a ter em consideração e a política é uma delas, tal como a situação em Macau”, afirmou. Em comunicado, Scott Chiang garante que as suas razões de saída são diferentes das de Jason Chao, que resolveu abraçar um novo projecto cívico. “A ANM tem sido uma campeã na luta pela justiça, por entre outras causas, por um período maior do que aquele que pensámos ser possível. Não nos podemos esquecer, contudo, que internamente merecemos a mesma justiça”, apontou. Na visão do ainda presidente, “todos os caminhos vão dar a Roma, dizem alguns”. “Um processo legal poderá mostrar a diferença entre o estar certo e errado, dentro ou fora da lei, justo ou injusto. Afinal de contas, os fins não justificam os meios”, escreve. Apesar de não ter explicado se a sua saída tem ou não que ver com questões internas inerentes à própria associação, Scott Chiang revela alguns sinais no comunicado. “Ao contrário dos estragos materiais, as profundas feridas do meu coração podem não ter remédio. Uma decisão difícil é tomada e tem de ser concretizada. Estou convencido de que a minha decisão vai clarificar o caminho para a união da ANM, e para que siga em frente.” Scott Chiang defendeu ainda que a ANM já teve um papel mais preponderante no passado. “A ANM está mais ou menos na mesma, já esteve melhor nos últimos anos, com Jason Chao, Sulu Sou e comigo, e acredito que alcançámos alguma coisa. Isso é evidente, mas se é suficiente para Macau e para a situação actual, é outra coisa. Não estou cansado da ANM, não estou farto, não é nada disso”, frisou. Activismo mais difícil Tendo sido dirigente durante 12 anos, Scott Chiang acredita que ser activista nos dias de hoje é mais difícil. “Comparando a situação dos anos 80 e 90 em Macau com a fase actual, talvez as limitações não fossem tantas como as que enfrentamos hoje em dia, em 2017.” “Estes são tempos difíceis. A economia está numa boa fase, mas é mais difícil fazer activismo. A maneira como as pessoas pensam e a forma como está a sociedade não estão ao mesmo nível do crescimento económico, e temos de lutar por isso. O campo pró-democrata também tem espaço para melhoria”, acrescentou ainda. Sobre as eleições, Scott Chiang não quis comentar se já estão a ser preparadas listas com membros da ANM, mas referiu que a sociedade poderá esperar alguns anúncios nos próximos meses. No comunicado, deixou um apelo: “Espero que as próximas eleições possam beneficiar os cidadãos de Macau”.
Isabel Castro Manchete SociedadeAuditoria | Relatório critica coordenação e gestão de obras nas ruas Os trabalhos levados a cabo por quem tem a missão de coordenar as obras viárias são ineficazes, diz o Comissariado da Auditoria. Num relatório igualmente demolidor para o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, lamenta-se que as entidades públicas envolvidas façam o que bem entendem, sem terem em consideração a população [dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap]s trabalhos de coordenação e conciliação de obras levados a cabo pelo Grupo de Coordenação de Obras Viárias são ineficazes.” Sem rodeios, o Comissariado da Auditoria (CA) divulgou ontem o resultado de uma avaliação ao modo como são geridas as obras nas vias públicas de Macau. O relatório debruça-se sobre intervenções feitas em 2014 e 2105. O organismo aponta também, desde logo, “insuficiências nos procedimentos administrativos de apreciação e autorização das licenças de obras, e na forma como é conduzida a reunião semanal de coordenação do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM)”. Como se não bastasse, o CA entende que existem vários lapsos na fiscalização do andamento da execução das intervenções. “Nos últimos anos, tem havido queixas por parte dos cidadãos devido ao transtorno causado pelas frequentes obras viárias”, escreve o comissariado. Nos anos em questão, foram feitas 3458 obras que implicaram abertura de valas nas vias públicas. Do total, 94,19 por cento dos trabalhos foram efectuados por entidades privadas. A análise a estas quase 3500 obras permitiu retirar uma conclusão: o Grupo de Coordenação de Obras Viárias não é um órgão vinculativo, tendo apenas funções de coordenação e comunicação entre as partes envolvidas”. A auditoria explica que este grupo “não confirmou se houve ou não obras viárias, no mesmo local”, nos dois anos em análise. Além disso, não tem capacidade para garantir o cumprimento do calendário das intervenções feitas nas ruas. Assim sendo, “não é possível que consiga alcançar qualquer resultado útil, nem evitar a repetição de obras de abertura de valas, no mesmo local, no período de dois anos, por maior que seja o número de membros ou por maiores que sejam os recursos ao seu dispor”, aponta o comissariado liderado por Ho Veng On. Pedidos para obras feitas Quanto ao papel desempenhado pelo IACM, o CA detecta insuficiências no modo de operação do instituto. “Nas autorizações de licenças de obras, este organismo não foi capaz de definir claramente o que entende por ‘obras no mesmo local’.” A auditoria lamenta ainda que não tenham sido introduzidas as informações sobre as intervenções nas ruas no sistema criado para o efeito. A forma como o instituto lida com a matéria propicia “casos de repetição de obras, com a agravante de não ser cobrado o dobro das taxas de licenciamento, conforme estabelecido na lei”. O CA também não gostou do modo como as intervenções são antecipadamente coordenadas pelo IACM, dizendo que acaba por prevalecer “a vontade dos interessados”, e refere que “os mecanismos sancionatórios previstos na lei não foram adequadamente aproveitados”. Além disso, o instituto “não se certifica se as decisões tomadas em sede de reunião de coordenação foram ou não cumpridas”. Deste modo, alerta-se, “os actuais procedimentos de coordenação e conciliação de obras ficam aquém das expectativas do Governo e dos cidadãos, não obstante os recursos materiais e humanos despendidos”. O IACM é o responsável pela fiscalização do andamento da execução das obras. “Na realidade, tal não acontece”, afirma o Comissariado da Auditoria. Além de detectar falhas de gestão internas, o estudo permitiu descobriu que o instituto tem permitido a entrega dos pedidos de renovação de licença de obras após já estarem concluídas. “O mesmo é dizer que este organismo desistiu de ter controlo sobre estes pedidos.” Apesar de o valor cobrado pela renovação da licença de obras ser superior à taxa exigida aquando da apresentação do primeiro pedido, o CA tem dúvidas sobre a sua eficácia, pelo que propõe que se discuta esta questão. Os 36 casos de execução de obras fora do prazo analisados pelo comissariado revelaram atrasos que variavam entre os dois e os 72 dias, perfazendo um total de 1019 dias de incumprimento do prazo. Em 11 destes casos, não foram aplicadas sanções por causa do tempo excessivo. Ainda no que toca ao cumprimento dos prazos, o IACM não tem exigido a sua contagem formal e não procede à supervisão dos trabalhos de fiscalização, sublinha-se no relatório. “Verificou-se que os fiscais de obras inviabilizam a análise dos pedidos de suspensão de obras por parte do superior hierárquico, não sendo possível a este último tomar conhecimento e tratar de todos os casos de execução de obras fora do prazo.” Coisa rara O panorama que o Comissariado da Auditoria encontrou em matéria de coordenação de obras nas ruas leva o organismo a tecer duras considerações sobre os organismos e pessoas envolvidas. Recordando que, ao contrário do que acontecia até há bem pouco tempo, as intervenções nas ruas deixaram de ser pontuais, o CA defende que “a (quase) constante ocupação das vias públicas e o consequente transtorno (também ele, quase constante) do dia-a-dia da população, e a imprudência na forma como as obras são planeadas e executadas, são extremamente raras no mundo inteiro”. Isto faz com que se aconselhem as entidades públicas a “analisarem profundamente a situação actual”, para que se evite uma situação ainda pior. Embora não fosse o principal âmbito da auditoria, o trabalho levado a cabo permitiu constatar “lapsos na implementação de políticas e no cumprimento das atribuições das entidades públicas responsáveis”, ou seja, Grupo de Coordenação, constituído por várias entidades públicas, e IACM. “Por entre dúvidas e críticas dos cidadãos, as entidades públicas envolvidas nestes trabalhos continuam a agir como muito bem entendem e a defender que os seus procedimentos e métodos de trabalho são eficazes, destacando os pequenos sucessos e ignorando, no entanto, o alto preço pago, em termos de perda de qualidade de vida, pelos cidadãos”, anota o comissariado. “As entidades em causa não são capazes de enfrentar, de forma séria, a gravidade dos problemas causados pela repetição de obras viárias”, prossegue, “e muito menos são capazes de garantir, de forma séria, o cumprimento dos prazos das mesmas”. Não hesitando em atribuir a culpa à “falta de responsabilidade e empenho dos responsáveis”, o CA deixa algumas propostas para resolver o problema, começando pela “capacidade e determinação” de quem tem responsabilidade na matéria. Depois, sugere “uma reforma profunda dos procedimentos”, onde se incluem a colmatação de lacunas existentes, a actualização do regime em vigor e “o rigoroso cumprimento” da leis e normas existentes.
Isabel Castro Manchete SociedadeEstacionamento | Tarifas dos parquímetros sobem a partir de meados de Junho A Administração recorre ao argumento da antiguidade das taxas cobradas para justificar a subida dos preços cobrados pelos parquímetros. A partir de 17 de Junho, deixar o carro ou a mota na via pública vai ser mais caro, com valores semelhantes aos auto-silos. Pretende-se uma maior circulação de viaturas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] despacho do Chefe do Executivo sobre a matéria já foi publicado e vale a partir de meados de Junho. Há um novo tarifário para os parquímetros da cidade: consoante o tempo limite de estacionamento e o tipo de veículo, parar a viatura na via pública custará uma a duas patacas por hora para motas, três a dez patacas por hora para automóveis ligeiros e cinco a dez patacas por hora para automóveis pesados (ver tabela). Há alterações também no que diz respeito ao tempo de estacionamento permitido. Para as motas e os automóveis ligeiros, encurta-se uma hora, das actuais cinco para quatro. Para acompanhar esta modificação, está a ser feita uma substituição progressiva dos parquímetros. Os novos equipamentos, em cores vermelha, amarela, verde e cinzenta, conforme os diferentes tempos limite de estacionamento, aceitam o pagamento com MacauPass. Não dão recibo e a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) não revelou, em conferência de imprensa, quanto custa esta modificação. O responsável máximo pela DSAT mostrou-se confiante de que o novo tarifário não será alvo de contestação, notando que foi feita uma auscultação pública sobre a matéria. “Pretendemos um aumento gradual para que fosse recebido pelos residentes com mais facilidade. Durante 30 anos, o valor dos parquímetros não foi actualizado”, argumentou Lam Hin San. O director dos Assuntos de Tráfego diz ainda que, com os novos preços, será dada maior rotatividade ao uso dos parquímetros. As tarifas não vão mudar em simultâneo para todas as zonas do território: os lugares na freguesia da Sé são os primeiros a encarecer, logo a 17 do próximo mês. A 3 de Março, o tarifário estará em vigor em Macau, Taipa e Coloane. Autocarros lotados O responsável pela DSAT considera normais as alterações ao percurso do autocarro 25 que, até há algumas semanas, tinha a Praia de Hac Sa como uma das paragens terminais. Esta carreira atravessa a cidade de uma ponta à outra, passando por algumas das artérias mais movimentadas. É frequente que quem a queira apanhar, por exemplo na Rua do Campo, não consiga embarcar. Lam Hin San explicou que Seac Pai Van se está a tornar num centro de autocarros, podendo servir de ponto de transferência para outros autocarros, como o 16. Com esta mudança de viatura, de acordo com o director, o utente pode poupar 20 minutos no percurso. A carreira 25 é a terceira em termos de maior procura na rede inteira, sendo que neste pódio o ouro vai para o 33 e a prata para a carreira 3. Estes autocarros fazem 116 viagens diárias, mas com o aumento do volume de passageiros serão alargadas para 141. Numa altura em que se aproxima o fim das concessões às empresas que operam os autocarros em Macau, a 6 de Junho, o número de passageiros tem batido todos os recordes. Nos primeiros quatro meses de 2017, os utentes subiram sete por cento. Este ano já por duas vezes se ultrapassou o número recorde de passageiros diários verificado em 2016. Se a situação de crescimento se mantiver, o número de utentes a circular nos autocarros de Macau pode chegar este ano aos 217 milhões.
Hoje Macau Manchete SociedadeTimor-Leste | Mário Carrascalão morre aos 80 anos de idade Mário Carrascalão, governador de Timor-Leste entre 1983 e 1992 e uma das mais importantes figuras da independência do país, faleceu aos 80 anos de idade, vítima de ataque cardíaco. A morte chegou um dia depois de ter recebido o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste das mãos de Taur Matan Ruak [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ário Carrascalão, que morreu na quinta-feira à noite em Díli, aos 80 anos, não suscitava avaliações consensuais entre os timorenses, mas trabalhou grande parte da vida pelos consensos, abrindo até a porta ao diálogo entre a resistência e os ocupantes indonésios. Ainda viveu um dia após ter-lhe sido concedida a mais alta condecoração do país, o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste, pelas mãos do ex-chefe de Estado, Taur Matan Ruak. As imagens da entrega da condecoração dominaram as redes sociais em Timor-Leste, onde se sucedem os comentários de pêsames de familiares, amigos, dirigentes timorenses e cidadãos comuns, que ensombraram os festejos do 15.º aniversário da restauração da independência, no sábado. Líderes timorenses recordaram a voz de denúncia sobre a situação no território, mesmo enquanto Governador nomeado por Jacarta (1982 a 1992), e o papel interventivo que permitiu a primeira abertura de Timor-Leste, levando muitos timorenses a estudar em universidades indonésias. “Salvou centenas de vidas, forçou a abertura de Timor-Leste ao mundo, conseguiu que milhares de jovens timorenses tivessem uma oportunidade única de se formarem. Mas talvez mais importante, conseguiu convencer o comando militar Indonésio em Timor-Leste a dialogar com Xanana”, escreveu em Outubro de 2015, o ex-Presidente José Ramos-Horta. Carrascalão, que nasceu em Venilale em 1937, dedicou, como muitos dos 11 seus irmãos, grande parte da vida à política timorense. Já depois da independência fundou o Partido Social Democrata timorense e chegou a ser vice-primeiro-ministro no IV Governo constitucional, liderado por Xanana Gusmão. Terceiro Governador nomeado pela Indonésia para Timor (de 18 de Setembro de 1983 a 18 de Setembro de 1992), recordou em entrevista à Lusa, em 2015, os encontros que manteve com Xanana Gusmão em Lariguto (1983) e Ariana (1990), abrindo a porta ao primeiro diálogo com a resistência. “Encontrei-me com ele enquanto comandante das FALINTIL [Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste]. Se se apresentasse como comandante da FRETILIN [Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente] eu não me sentaria à mesma mesa. Senti que ele, nessa altura, também me representava e a outros como eu. Quando conversava com Xanana Gusmão estava a conversar com alguém que era representante do braço armado do povo timorense, do qual a UDT [União Democrática Timorense] já fazia parte”, explicou. Carrascalão entrou tarde na escola e fez três anos num, sendo depois dos primeiros alunos do Liceu Dr. Francisco Machado, hoje uma das alas da Universidade Nacional Timor Lorosa’e. Terminou o 5º ano e, porque em Timor não havia na altura como continuar o ensino, foi até Lisboa terminar o secundário, no Liceu Camões. Foi dispensado do exame de aptidão e entrou directamente no Instituto Superior de Agronomia onde se formou em silvicultura, terminando o curso com 19,5 valores e uma tese que foi o primeiro estudo de sempre feito sobre o pinheiro manso português. Regressado a Timor-Leste, assumiu o cargo de chefe dos serviços de agricultura, funções que ocupava quando em 1974, juntamente com Domingos Oliveira, César Mouzinho, António Nascimento, Francisco Lopes da Cruz e Jacinto dos Reis, fundou a UDT. Depois do golpe Depois do golpe da UDT, do contra-golpe da FRETILIN e da curta guerra civil, Carrascalão refugiou-se em Atambua, seguindo depois para Jacarta. Ingressou na diplomacia indonésia em 1977. Numa longa entrevista à Lusa, em Novembro de 2015, Mário Carrascalão lembrou esse período, e considerou que a pressão sobre Suharto [Presidente da Indonésia entre 1967 e 1998] para abrir Timor-Leste e a postura neutra que manteve enquanto governador, permitindo manter o cargo e ajudar “muitos” timorenses, contribuíram para a independência do país. “Enquanto estive aqui como governador não se pode dizer que estive do lado dos independentes ou dos integracionistas. Tive que me manter sempre neutro porque se fosse nitidamente pró-independência já sabia de antemão que os indonésios me sacavam do lugar porque não permitiriam que actuasse contra eles”, afirmou. “Pensei mais no futuro. O mundo não podia continuar a ignorar o que se passava em Timor. Pedi a Suharto para abrir Timor. Max Stahl nunca teria entrado em Timor se eu não tivesse pedido ao Suharto para abrir o território”, disse. Um jogo de cintura foi possível porque conseguiu a confiança dos indonésios, que precisavam do governador para limpar a imagem dos antecessores, ferrenhos apoiantes da integração. “Criei uma imagem que favoreceu a Indonésia e o que eu pedia era aceite”, disse. Esta sua postura e o cargo que ocupava, não lhe mereceram louvores de todos e para muitos timorenses, como o próprio admitiu, era visto como traidor, colaborador do regime ocupante. “A minha acção aqui em Timor é interpretada de uma forma. Lá fora fui sempre visto como um traidor, um colaborador de Suharto. Para alguns convinha criar o inimigo fictício. Mas aqui em Timor era um dos daqui e tudo fazia para poder salvar este ou aquele e para ajudar”, disse Carrascalão sobre esse período. Mário Carrascalão afirmou que só mesmo na sua família sabiam o que estava a fazer e que os timorenses que estavam no país na altura reconheceram esse papel, ainda que nem todos “os lá de fora” pensem assim. “Inclusive na minha família havia pessoas que estavam reticentes, que pensaram duas vezes em utilizar o meu apelido para não ser confundidos com o Mário Carrascalão. Também houve disso”, admitiu. A cimeira falhada Macau chegou a cruzar-se na vida política de Mário Carrascalão algumas vezes. A primeira terá sido em 1975, quando o Governo português tentou realizar uma cimeira no território (intitulada Cimeira de Macau), em Junho. A ideia era encontrar uma solução para a independência de Timor-Leste, numa altura em que o processo português de descolonização caminhava a passos largos no ocidente. Carrascalão esteve presente em nome da UDT. De Portugal chegou o já falecido Almeida Santos, que era, à data, Ministro da Coordenação Interterritorial, bem como representantes da APODETI (Associação Popular Democrática Timorense). A FRETLIN não esteve representada na Cimeira de Macau. A cimeira acabaria por fracassar dada a existência de diversas forças políticas. Na entrevista concedida à agência Lusa, em 2015, Carrascalão admitiu que Portugal “jogava com um pau de dois bicos”, por negociava com os partidos timorenses e ao mesmo tempo com a Indonésia. O Governo português, teve, na visão do antigo dirigente, “encontros na Cimeira de Macau para tratar do processo de descolonização de Timor, mas ia negociando com os generais indonésios, nomeadamente com o general Ali Moertopo (responsável pelos serviços secretos), sob a forma de melhor integrar Timor na Indonésia”, recorda. “O próprio encontro na cimeira de Macau deu-se quando estava a decorrer em Hong Kong um encontro com uma delegação indonésia”, sublinha. Portugal “queria aliviar-se do fardo de Timor”, referiu ainda Mário Carrascalão. No final da década de 70, Carrascalão apadrinhou ainda um acordo de cooperação assinado entre a agência Lusa e a Antara, agência noticiosa da Indonésia. Ao HM, Gonçalo César de Sá, que à época era delegado regional da Lusa na Ásia, disse que, sem Mário Carrascalão, provavelmente não haveria acordo. “Nessa altura fui para Jacarta, ainda não havia relações diplomáticas [entre a Indonésia e Portugal], e nessa altura o Carrascalão teve importância neste processo, porque apoiou grandemente o facto de termos conseguido um acordo de cooperação antes mesmo de haver relações diplomáticas.” Gonçalo César de Sá não tem dúvidas de que “sem o apoio do Carrascalão não teríamos tido a coragem de avançar com esse acordo com a Antara. O papel do Mário foi importante, bem como o de Ramos-Horta.” Encontro com Monjardino João Severino, que foi jornalista em Macau durante os anos 80 e 90, recorda o facto de Mário Carrascalão, seu cunhado, ter tido um encontro com Carlos Monjardino, actual presidente da Fundação Oriente, quando este era número dois do Executivo local, em meados dos anos 80. “Se fosse vivo, o doutor Mário Soares poderia testemunhar os esforços que desenvolveu para a solução de independência de Timor-Leste através de Mário Carrascalão”, escreveu na sua página de Facebook. “Não é por acaso que na cerimónia de tomada de posse do novo Presidente da República de Timor-Leste, Francisco Guterres Lu Olo, as suas primeiras palavras foram de homenagem ao “grande patriota” Mário Carrascalão”, acrescentou. Ao HM, João Severino recordou ainda o facto de Carrascalão não se ter tornado jogador de futebol por um triz. “Tirou o curso de Silvicultura porque o pai não o deixou ser guarda-redes do Benfica. Era muito bom na baliza e seria de certeza um grande jogador do Benfica.” Para além disso, Mário Carrascalão “fez parte da mesma associação estudantil do Jorge Sampaio que contestou a ditadura”, lembrou o jornalista e ex-director do jornal Macau Hoje. As opiniões em relação ao falecido dirigente não são consensuais, pelo facto de ter sido governador nomeado pela Indonésia, apesar de ser lembrado como uma figura da independência. “O que me recordo é que ele sempre me dizia que tudo o que fosse feito em prol de Timor e da sua população ele apoiaria. E foi por isso que ele apoiou o projecto da Lusa, e era por isso que era governador”, rematou Gonçalo César de Sá. Em Abril de 1999, quando Timor-Leste ainda não era independente, milícias indonésias protagonizam um ataque à casa do seu filho Manuel Carrascalão, provocando a sua morte e a de dezenas de civis que estavam refugiados nessa habitação. A Indonésia só permitiria o fim da indexação de Timor-Leste em Outubro desse ano.
João Luz Manchete SociedadeDirector do Macau Jockey Club confiante na renovação de contrato Com o fim da concessão à vista, o director-executivo da empresa que gere o Macau Jockey Club mostra-se optimista quanto à revalidação da concessão do espaço. O contrato termina em Agosto deste ano e a empresa continua a acumular dívidas milionárias [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde 2005 que as corridas de cavalos têm dado prejuízo à empresa gerida por Thomas Li. Porém, o director-executivo do Macau Jockey Club, em declarações ao Jornal do Cidadão, afirma que a maioria dos assuntos essenciais à renovação do contrato foram abordadas com o Executivo, e acredita que o contrato vai ser renovado por mais dois anos. Thomas Li refere ainda ao Jornal do Cidadão que acredita que ainda há mercado para corridas de cavalos em Macau, apesar da situação financeira da empresa que dirige. Em 2015, o Macau Jockey Club vinha acumulando perdas anuais na casa dos 3,8 mil milhões de patacas. Os prejuízos continuam até aos dias de hoje e, no entanto, de acordo com Thomas Li as negociações parecem bem encaminhadas. Uma situação incompreensível para Albano Martins, presidente da Sociedade Protectora dos Animais de Macau (ANIMA). “Se olharmos para as contas do Jockey Club vamos verificar que aquela empresa está tecnicamente falida e insolvente”, comenta. Esta situação levou a que a ANIMA enviasse várias cartas ao Executivo a perguntar como era possível renovar a concessão a uma companhia nestas circunstâncias financeiras. Outra questão misteriosa, é saber porque é que a empresa pretende revalidar um contrato que lhe tem dado milhares de milhões de prejuízo. Neste capítulo é de salientar que de acordo com o Artigo 206.º Código Comercial, este volume de prejuízos acumulados face ao capital social deveria levar à dissolução da sociedade. Caso a situação se mantenha, a direcção pode ser penalizada com multas, chegando o Artigo 485.º inclusive a sancionar com pena de prisão. Jogo à distância O responsável do Macau Jockey Club acrescentou que pretende continuar a actividade de corrida de cavalos, sendo que tem no horizonte a remodelação das instalações caso a renovação da concessão avance. Algo que já havia prometido em renovações anteriores. Além disso, pretende construir um hotel na área do clube, que é terreno público. Para Albano Martins o grande objectivo “é desenvolver um projecto imobiliário”. Outro dos cavalos de batalha de Thomas Li é a possibilidade de os apostadores poderem jogar através de uma aplicação de telemóvel. Nesse capítulo o presidente da ANIMA duvida da “capacidade técnica da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos para fiscalizar e controlar as apostas através de telefone”. Outra situação dúbia poderá ser levantada com mais uma das ambições do director do Macau Jockey Club, que pretende que as corridas de cavalos sejam transmitidas pela televisão para a Coreia, o Japão e outros países. Em declarações ao Jornal do Cidadão, Thomas Li justifica esta expansão como uma forma de elevar o montante das apostas e melhorar a situação financeira da empresa. Esta é mais uma situação que foge ao controlo das autoridades de Macau, uma vez que não terão forma de controlar as casas de apostas que possam surgir nestes países e que usem as corridas realizadas na Taipa para apostas no exterior. Neste aspecto, importa salientar que as corridas já são transmitidas para Hong Kong e a China Interior. A concessão do Macau Jockey Club termina no próximo no dia 31 de Agosto.
Sofia Margarida Mota Entrevista Eventos MancheteAlexandre Farto aka Vhils, artista: “Gosto de trabalhar com as forças do caos” “Destroços” é a primeira exposição individual em Macau do artista português Alexandre Farto, conhecido como Vhils. A inauguração tem lugar no próximo dia 31 nas Oficinas Navais N.º1. Ao HM, Alexandre Farto falou do seu percurso entre artista marginal e referência internacional, e do que o move no seu trabalho [dropcap]A[/dropcap] intervenção urbana passou de arte marginal a arte com reconhecimento internacional. Concorda? Na sua opinião, como é que foi feito este trajecto, e o que motivou o crescente interesse e reconhecimento? Em certa medida, sim. Parte daquilo que começou como um movimento marginal, ilegal, evoluiu nos últimos anos para uma nova forma de arte pública, com reconhecimento institucional. Mas este é um fenómeno complexo e é preciso não desligar a coisa inteiramente do meio onde surgiu. Se, por um lado, temos esse crescente reconhecimento, ainda há muita gente a criar ilegalmente no espaço urbano, e essa vitalidade, que não podemos desligar da sua natureza marginal, é importante. Como qualquer outro fenómeno que nasceu das subculturas, seja em que área for, esta forma de arte surgiu das margens e, depois, a sua crescente popularidade fê-la ser absorvida pelo mainstream. O sistema sabe bem absorver aquilo que acha aproveitável, mesmo quando tem origem em movimentos anti-sistémicos. Este trajecto tem muito que ver com, por um lado, o amadurecimento desta geração dos últimos 20 ou 30 anos que cresceu com esta forma de arte, que gosta e segue o trabalho destes artistas e que, agora, começa a ter a oportunidade de os apoiar. Por outro lado, tem havido um reconhecimento institucional, sobretudo da parte das autarquias e governos locais que começam a vê-la como parte de uma solução, e não apenas como parte de um problema ligado à cidade e o modo como se vive a cidade. Há depois também todo um trabalho por parte de investigadores, curadores, galeristas e outros agentes ligados à dimensão institucional das artes que tem contribuído positivamente para este reconhecimento e valorização. No seu caso, como é que o Vhils saiu da marginalidade? Como foi a evolução estética e técnica no seu trabalho? Bom, o Vhils tem origem precisamente nesses tempos de marginalidade. Surgiu nesse meio, como produto desse mesmo meio. Primeiro no graffiti ilegal, uma prática que me permitiu expressar a rebeldia própria da adolescência e a liberdade de explorar a cidade e ocupar o meu lugar no espaço público, de mostrar que não era invisível como tantos outros. Teve muito que ver com a minha própria emancipação. No entanto, o graffiti funciona dentro de uma lógica de circulo fechado, sendo feito apenas para quem está dentro da comunidade. Apesar de não ter deixado de pintar, cheguei a uma certa altura em que comecei a reflectir sobre o que estava a fazer, o que queria fazer, e a consciencializar-me sobre o potencial de usar o mesmo espaço para comunicar com um público muito mais vasto. Comecei a explorar outras técnicas e a trabalhar com a cidade de outra forma. À medida que fui crescendo, comecei a desenvolver esta reflexão sobre a natureza da cidade contemporânea, o modo como vivemos neste espaço, o sistema que a sustém. A certa altura, entendi que as paredes que eu andava a pintar já tinham as suas histórias contidas nas suas camadas. Em Lisboa isto era visível, havia restos de murais da revolução que nos falavam dessa utopia, depois cartazes publicitários que nos falavam do boom do desenvolvimento e da integração no sistema capitalista, por cima disso veio o graffiti e depois as paredes foram sendo pintadas de novo pelas autarquias até levarem com mais graffiti, mais cartazes, e por aí adiante. O que entendi foi que as paredes vão ganhando camadas que captam todos esses registos, e que hoje em dia estas mudanças são tão velozes que parece difícil conseguirmos absorver tudo. Foi com base nessas observações que procurei começar a trabalhar com estas camadas que já lá estavam, em vez de estar a adicionar mais. Ao mesmo tempo fui-me juntando com outras pessoas com as quais partilhava o interesse de expor trabalho noutros ambientes, e começámos a organizar as nossas próprias exposições. A mais importante foi a Visual Street Performance (VSP) que teve uma edição anual entre 2005 e 2010. Comecei também a tentar mostrar trabalho em galerias. Da junção desses dois contextos conheci a galerista Vera Cortês que se interessou pelo meu trabalho e decidiu apoiar-me. Em 2006 tive a primeira exposição na sua galeria em Lisboa. Foi nessa altura que comecei a trabalhar com aglomerados de cartazes que retirava da rua e a explorar um processo de subtracção dos materiais. A ideia é anular parte destas camadas e expor a entranha, tornar visível aquilo que é invisível, expor a sua história através de processos destrutivos. Pouco depois comecei a fazer o mesmo com as paredes, e o trabalho que faço hoje partiu daí. Em 2007, mudei-me para Londres para estudar na universidade, o que acabou por ser uma fase muito importante para a internacionalização do meu trabalho. Em Londres fui convidado a trabalhar com a Lazarides Gallery e, depois disso, os convites foram-se sucedendo para desenvolver projectos em vários pontos do mundo. No entanto, não deixei de fazer coisas em Portugal, e depois de alguns anos senti que já não fazia sentido ver o país como periférico e podia perfeitamente trabalhar a partir de Lisboa para o mundo. Em 2012 voltei a Portugal, onde abri o meu estúdio. Entretanto tive um convite para fazer uma residência artística em Hong Kong e mudei-me para aqui em 2015. De forma a poder aproveitar o potencial da região abri um segundo estúdio e, desde então, tenho trabalhado entre Lisboa e Hong Kong. FOTO: Paulo Spranger/Global Imagens Em que é que o Vhils intervém e o que comunica com o público? A ideia é criar um diálogo com alguns elementos da realidade material, mas também imaterial, da cidade, desenvolvendo uma reflexão sobre a natureza das sociedades urbanas contemporâneas através da fricção e justaposição. Gosto de trabalhar com as forças do caos presentes na cidade, de as incorporar na obra, de revelar a essência das coisas que, simbolicamente, se encontra soterrada nas camadas que as compõem. Daí o recurso a processo destrutivos que, por um lado, têm origem na noção de vandalismo estético presente no graffiti, e, por outro, também espelham os ciclos de destruição e criação através dos quais a cidade opera o seu crescimento. O meu trabalho deve muito ao espaço urbano, bebe muito daquilo que ele oferece e produz, procurando desenvolver uma reflexão sobre a sua natureza e as suas características, assim como a relação que tem com aqueles que nele habitam. Depois estabelece uma ligação com aquilo que lhe dá forma no presente, questionando o modelo de desenvolvimento globalizante e o modo como este afecta a identidade de indivíduos, comunidades e culturas a um nível local. Tenta, acima de tudo, tornar visível o invisível, seja ao nível de materiais ou ao nível de pessoas e comunidades. Faz uma leitura de contrastes entre estes temas, assim como o impacto das mudanças em curso, sobre a destruição que cria e a criação que destrói. Para mim a arte só faz sentido quando faz uso da capacidade de sensibilizar e ajudar a promover a discussão. Mas eu prefiro ver o meu trabalho mais como uma reflexão crítica sobre vários tópicos que considero importantes do que propriamente uma forma de acção política. Que aspectos da actualidade merecem um alerta maior? Acho que há vários aspectos que estão relacionados. Têm origem na mesma questão, num processo desencadeado por este modelo de desenvolvimento que seguimos de forma irreflectida. Um modelo que tem trazido coisas positivas e negativas mas que, em última instância, é absolutamente insustentável a longo prazo. Preocupa-me sobretudo a assimetria entre mundos (entre aqueles que têm cada vez mais e aqueles que têm cada vez menos), assim como a erosão das identidades locais através da imposição de padrões uniformizantes. Creio que a arte serve para levantar questões, para ajudar a reflectir, para ajudar a chamar a atenção para situações importantes e inquietantes. Não tenho a presunção de achar que tenho todas as respostas ou soluções para estas questões. Acho que é importante reflectirmos em conjunto, trabalharmos em conjunto. A questão é haver vontade para tal. Num futuro, o que prevê que possam vir a ser os motes para o seu trabalho? Quais os “perigos” que devem ser reflectidos? É difícil projectar no futuro, mas creio que, entre outros, a cidade, o modo como opera, a crescente uniformização que o presente modelo de desenvolvimento global impõe, a erosão das especificidades culturais e identitárias locais, a crescente tensão entre o espaço urbano e o espaço rural, são temas que irei continuar a explorar nos próximos tempos. Porquê Vhils? Há alguma história por detrás do nome? O nome Vhils vem da altura em que pintava graffiti ilegal. É um nome que segue a mesma lógica de um pseudónimo, mas escolhido para ser escrito, difundido e desenvolvido esteticamente. Não tem significado nenhum, a sua escolha deve-se apenas à sequência de letras que me agradava, e permitia escrevê-lo e pintá-lo de forma rápida e segura. Quando comecei a apresentar trabalho em exposições já era conhecido como Vhils e decidi manter o seu uso junto com o meu nome verdadeiro. Disse em entrevista que antes de ser convidado pela Fundação de Arte de Hong Kong já era sua intenção passar uns tempos no Oriente. Porquê? O que via deste lado do mundo para querer vir até cá? Em 2012, fiz uma residência artística em Xangai e gostei muito da China. No ano seguinte vim a Hong Kong pela primeira vez trabalhar numa peça e numa exposição e também me senti bem aqui. Como disse, a natureza do meu trabalho é a realidade urbana. A escala da transformação, desenvolvimento e mudança que aqui está a acontecer não tem paralelo no presente, mesmo se a observarmos à volta do mundo. Por este motivo, é terreno fértil para me inspirar e reflectir. Depois do mural de Camilo Pessanha para o Consulado, tem agora a primeira exposição individual em Macau. Tem um significado especial? Sim, certamente. Macau é um entreposto de culturas, um território rico em encontros e desencontros com tudo o que isso trouxe de positivo e negativo ao longo dos séculos. É exactamente o tipo de sítio que eu gosto de explorar e trabalhar, com uma enorme riqueza de camadas que foi acumulando ao longo do tempo, e encontra-se também num processo de grande transformação e desenvolvimento. Tudo isto me fascina por vários e diferentes motivos. Obviamente que tem o acréscimo da ligação portuguesa que, caindo num lugar-comum, é aquele misto de familiaridade e exotismo que toca a quem vem do outro lado do mundo. Projectos na calha? Há muitos em curso. Entre aqueles que posso divulgar encontra-se outra exposição individual no CAFA Art Museum, em Pequim, que abre no final do mês de Junho.
Isabel Castro Entrevista MancheteMiguel de Senna Fernandes: “Apoiar a cultura macaense é algo muito vago” É dos momentos altos do Festival de Artes de Macau. O Centro Cultural enche-se para ver o teatro em patuá, o teatro que se ri da cidade e com a cidade. Miguel de Senna Fernandes, responsável pelo grupo, promete, para hoje e amanhã, a habitual boa disposição. À boleia do riso, os assuntos mais sérios: a falta de uma sede para os Dóci Papiaçám, o pouco apoio institucional e a inexistência de uma ideia oficial para a preservação da cultura macaense [dropcap]O[/dropcap] que é que se conta este ano em “Sórti na Téra di Tufám” (Sorte em Terra de Tufão)? Qual é o vosso objectivo desta vez? Não há objectivos especiais, a não ser fazer o público rir. Mas as peças prestam-se à sátira. Sim, há uma preocupação temática. Este ano temos um tufão como pano de fundo e o que é ter sorte num dia de tempestade. Imagine-se um azarado a quem acontecem as coisas mais mirabolantes possíveis, aquilo que não é provável acontecer a outras pessoas. Imagine-se que, na empresa onde trabalha, todos tiveram aumentos, mas ele não só não teve esse aumento, como ainda foi despedido. E calha-lhe um bilhete de lotaria que foi rejeitado por todos os outros. São 90 milhões, mas não pode reclamar o prémio. Não pode fazê-lo porque, em Macau, seria ilegal e, em segundo lugar, não pode ir para Hong Kong por causa do tufão. Portanto, estamos nesta jigajoga. Tem de esperar que o tufão passe para poder, mais tarde e com relativa segurança, ir a Hong Kong reclamar o seu prémio. Neste compasso de espera, ninguém acredita que o azarado possa ter tanta sorte e cobiçam o bilhete. Temos um plot à volta destas coisas. Há muitos azarados em Macau? Há muitas situações que se prestam à falta de sorte? É tudo muito relativo. A sorte de uns é o azar de outros. Mas vivemos numa cidade muito ditada pela sorte e pelo azar. Acontece tudo. Macau é uma cidade pacata, mas de contradições: aquilo que é bom para uns pode não o ser para outros. Nestes últimos dez anos, os Dóci Papiaçám têm vindo a abordar assuntos do burgo, sempre através de uma história. Com essa história desenvolvemos a nossa faceta crítica em relação ao que acontece em Macau. Todos nos lembramos que um tufão, no ano passado, causou algumas confusões na cidade. Achei que podia ser hilariante falar sobre isto. Não iríamos, naturalmente, falar das pessoas, mas sim das situações. E as situações são cómicas. À semelhança do que tem vindo a acontecer nos últimos anos, há actores improváveis? Há surpresas? A improbabilidade existe sempre – até eu sou improvável pelas circunstâncias de realizar um vídeo. Mas em relação aos actores, ao contrário do que aconteceu nas edições anteriores em que tem havido sempre uma estreia, este ano não há. No entanto, temos um regresso: a Ângela, que já representou connosco, a última vez em 2001, antes de partir para estudar em Inglaterra. Voltou no final do ano passado, tive conhecimento da sua vinda e enderecei-lhe o convite. É uma espécie de estreia nuns Dóci Papiaçám bem diferentes do que quando ela nos deixou. Quanto a outros aspectos, não há grandes improbabilidades. Mas os imprevistos vão sempre surgindo, todos os anos há coisas pelas quais não esperávamos e somos, muitas vezes, empurrados a fazer. Este ano não tem sido excepção. Como disse, em face da ausência do Sérgio Perez – a pessoa que me deixava absolutamente descansado, era o homem do vídeo que veio dar uma dimensão nova ao espectáculo –, coloquei em prática o mínimo que aprendi com ele. É um trabalho de aprendiz. Mas desta vez pudemos contar com o António Faria, um profissional de mão cheia, temos o Miguel Andrade na sonoplastia, o Miguel Khan, o André Ritchie. Tivemos pessoal de apoio suficiente para podermos pôr o vídeo a funcionar. Temos algumas surpresas – e como são surpresas, não vou desvendá-las. Acho que o espectáculo tem todas as condições para oferecer boa disposição para o fim-de-semana. Os Dóci Papiaçám continuam a debater-se com a falta de um espaço próprio. Sim. É daquelas coisas que fazem atravancar a concretização de ideias. Há já vários anos que andamos à volta desta questão. Claro que a gente não morre por causa disso, mas ter um local é sempre melhor. Se não estou em erro, é o quinto ano que utilizamos o espaço da Escola Portuguesa para os nossos ensaios. Mas as actividades dos Dóci Papiaçám não se podem resumir a ensaios, até porque os ensaios servem para determinado fim. Os Dóci Papiaçám querem andar mais, querem ir mais longe. Precisamos de formação técnica. Os actores não têm qualquer tipo de formação, são todos autodidactas. Eu também não tenho, é a custa da experiência acumulada nestes 24 anos. Acredito que se tivesse formação técnica, teria nos horizontes outras soluções para o espectáculo. Não que me queixe, gosto de todos os espectáculos que a gente faz, mas seguramente que os Dóci Papiaçám ficariam apetrechados de outra qualidade técnica. O mesmo acontece com os actores, que são todos amadores, mesmo aqueles que são mais experientes. Os papéis não variam muito justamente porque os actores têm as suas limitações técnicas. Se pudéssemos fazer alguma coisa a este respeito, teríamos outro tipo de opções. A cultura macaense não é a mais visível na cidade e os Dóci Papiaçám são das poucas manifestações regulares desta cultura. Compreende-se que num território onde o discurso político enaltece, com regularidade, a cultura macaense, o grupo não tenha uma sede? Ora aí está. Há vários anos, falámos não só com o antigo Chefe do Executivo, como com o actual, acerca da necessidade de obtermos um espaço. Compreendo alguma dificuldade, mas não é assim tanta. Os Dóci Papiaçám não querem um apartamento – precisam, do mínimo, de um sítio onde possam organizar ensaios. Mas não precisamos de um espaço muito grande. Dou um exemplo: o átrio da Escola Portuguesa, numa primeira fase, funciona como local de ensaios. Só depois, numa fase posterior, é que passamos para o ginásio. Não precisamos assim de tanto espaço. Mas falámos com os dois Chefes do Executivo, com o Instituto Cultural, e a resposta que nos dão é sempre de não compromisso. Essa postura de não compromisso é o mais típico aqui da terra. A gente vai esperando. Não é por causa disto que deixamos de fazer espectáculos. As pessoas que me conhecem sabem que eu posso esperar, mas vou fazendo o trabalho. E é isso que tem sido feito – a postura dos Dóci Papiaçám é essa. É uma questão de atitude. Esta postura de não compromisso do Governo detecta-se noutros aspectos que deveriam ser resolvidos de uma forma diferente? É na área cultural que se sente mais. O discurso é sempre o de apoio à cultura macaense, mas apoiar a cultura macaense é algo muito vago. O que é se apoia? A palavra “cultura” refere-se a algo imaterial. Quando falamos de cultura, referimo-nos a manifestações e isso é que é fundamental. Era necessário dotar as instituições, aquelas que desenvolvem actividades nesta área, com os instrumentos fundamentais para que essa cultura seja efectivamente defendida. O Governo apoia os Dóci Papiaçám? Claro que apoia, todos os anos assegura o nosso lugar no Festival de Artes de Macau, do Instituto Cultural, o que agradecemos e temos vindo a agradecer há mais de 20 anos, na altura ainda na Administração portuguesa. Mas não basta, não é assim: “Eu dou-te o orçamento para fazeres um espetáculo e já te estou a apoiar”. Claro que se não fosse esse dinheiro os Dóci Papiaçám não podiam existir enquanto grupo. Só que quando falamos em defender a cultura macaense não é só pagar: é preciso meios para que estas actividades possam ser efectivadas. Chego a compreender que o Governo possa ter as mãos atadas, porque a comunidade macaense não é a única em Macau. Há muitas outras comunidades, até entre a comunidade chinesa, pelo que percebo o problema que se coloca em relação ao que é politicamente correcto, a questão de dar a umas e não dar a outras. Também não gostaria de sentir um favorecimento do Governo. Mas a comunidade macaense, até do ponto de vista histórico, não é uma comunidade qualquer. Lá está. É importante que o Governo considere a perspectiva histórica. Não quero ser injusto: obviamente que o apoio que se dá à comunidade macaense tem que ver com o seu background histórico, os macaenses estiveram sempre em Macau e, durante toda a existência do território, contribuíram para a identidade muito própria desta cidade. No entanto, muitas vezes, na prática, existem falhas. Temos associações que estão a fazer o seu trabalho, que querem desenvolvê-lo e não têm orçamento para mais do que o mínimo. Há dinheiro para o funcionamento e para algumas actividades, uns passeios e alguns convívios, mas não existem projectos como devia haver. Há sempre uma postura reservada em relação à Associação dos Macaenses e isso leva-nos a várias leituras. Não choramos por isto: claro que lamentamos não podermos concretizar demasiados projectos, mas não choramos, nem fazemos birras. Não gosto de choramingar, governamo-nos bem com aquilo que temos. É assim que acontece na Associação dos Macaenses e na Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, onde sou dirigente, e foi sempre assim nos Dóci Papiaçám. Claro que gostaríamos de ter mais: quando vemos aquilo que a imprensa publicita sobre os valores que determinadas entidades obtêm, levamos as mãos à cabeça. Não vou obviamente julgar ninguém, as entidades a quem compete conceder e conferir esses subsídios melhor saberão das razões. Mas o certo é que as associações macaenses e todas as que estejam ligadas à língua portuguesa precisam de apoios. Voltando à questão inicial, àquilo que é defender a cultura macaense, devolvo a pergunta ao Governo. O que é ele quer? Como é que o Governo imagina o que é defender, ou pelo menos proteger, a cultura macaense? Gostaria que nos esclarecessem. Mas não vamos morrer, vamos fazendo o nosso trabalho e, no que toca aos Dóci Papiaçám, todos os anos vamos, pelo menos, fazer tudo para que o público ria.
João Luz Manchete SociedadeTransportes | Passados 11 anos, Macau tem novo terminal de ferries Depois de quase uma dúzia de anos do início da construção e de uma solução temporária que durou uma década, o Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa foi ontem inaugurado. Entra em funcionamento a 1 de Junho, dia em que encerra o terminal provisório. Custou 3,8 mil milhões de patacas [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de muitos imprevistos e complicações, obras que andaram para a frente e para trás, o Terminal Marítimo da Taipa foi inaugurado com toda a pompa e circunstância. O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, era um homem feliz no fim da cerimónia. Não era para mais, foi concluída no seu mandato uma obra que teimava em não ser terminada, mais de 11 anos depois do início da construção. Rosário não quer colher sozinho os louros da abertura. “Temos 3400 pessoas, eu sou só uma delas, portanto, o resultado é de todos”, dizia o governante minutos após a inauguração. Desde o início, o terminal custou aos cofres do Governo 3,8 mil milhões de patacas, seis vezes mais do que havia sido orçamentado à partida, facto que Raimundo do Rosário não considera alarmante. “Não sei se a derrapagem é muito grande, porque a obra é muito grande.” O espaço total é cerca de 200 mil metros quadrados, o suficiente para 25 campos de futebol. Além disso, o primeiro projecto previa oito docas de atracação para embarcações rápidas, número que após reavaliação se considerou insuficiente, acabando por ser alargado para 16. “Hoje temos este edifício, que é maior que o terminal de passageiros do aeroporto”, relativiza Rosário. Além das 16 docas mencionadas, o terminal tem mais três lugares para atracação multifuncionais, 127 canais de passagem fronteiriça, duas esteiras de recolha de bagagem, uma plataforma de aterragem com cinco heliportos e um parque de estacionamento com capacidade para mil veículos. Do provisório ao definitivo O Terminal Marítimo da Taipa estará aberto ao público 24 horas por dia, mantendo a mesma operacionalidade do terminal provisório numa primeira fase de funcionamento. Susana Wong, responsável máxima da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água, explicou que a nova infra-estrutura “responde ao aumento da procura de transporte marítimo resultante do desenvolvimento de Cotai e alivia a pressão sobre o Terminal Marítimo do Porto Exterior”. Neste capítulo é de salientar que, nos últimos cinco anos, passaram pelas fronteiras marítimas de Macau 120 milhões de pessoas. A nova infra-estrutura garantirá ligações a quatro destinos de Hong Kong (Sheung Wan, Kowloon, Tuen Mun e Aeroporto Internacional de Hong Kong), e a dois portos de Shenzhen (Fu Yong e She Kou), além de disponibilizar transporte aéreo através de helicópteros. Apesar da inauguração do edifício a estrear, tanto Raimundo do Rosário, como Susana Wong garantiram que o terminal de ferries de Macau é para manter. O novo terminal abre ao público em Junho depois de um processo moroso e com muitos problemas de estrutura. Não obstante as garantias dadas à tutela pela empresa de construção quanto à manutenção, o edifício tem revelado problemas de infiltrações, um facto que preocupa Raimundo do Rosário. “Esta obra teve várias peripécias, designadamente, esteve parada durante um período que não foi curto. É natural que tenha problemas, sempre reconheci isso, mas estamos cá para os resolver”, adianta o secretário. Posto de abastecimento Para já, o terminal provisório passa o testemunho de funcionamento ao novo edifício, numa “transferência pacífica”, nas palavras de Susana Wong. A expectativa da director da DSAMA é que, com as dimensões do novo terminal, se dê o aumento gradual do número de passageiros. Passam pelo terminal provisório cerca de 35 por cento do número de passageiros que entram e saem de Macau por via marítima. Com a entrada em funcionamento da nova infra-estrutura é expectável que esse “número suba para mais de 40 por cento”, projecta Susana Wong. Para já, continuam a operar as mesmas três empresas de transporte marítimo no novo terminal, mas se a procura a isso ditar, a responsável da DSAMA não afasta a hipótese de entrar uma nova empresa no transporte em causa. No lugar do terminal provisório, que será demolido após a entrada em funcionamento das novas instalações, será construído um posto de abastecimento para os ferries. Esta será a terceira fase do projecto do Terminal da Taipa, ainda sem um orçamento estabelecido. Chega assim ao fim uma infra-estrutura temporária que operou durante uma década, dando lugar a uma nova era de transporte marítimo.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaHabitação Económica | Secretário promete reacção às recomendações do CCAC Raimundo do Rosário promete seguir as sugestões do Comissariado contra a Corrupção, que deu razão aos moradores de fracções económicas que corriam o risco de perder os apartamentos. O secretário para os Transportes e Obras Públicas não deu, no entanto, um calendário para a revisão da lei de habitação económica [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas promete seguir as recomendações do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) relativas ao caso das fracções económicas cujos promitentes-compradores estavam em risco de ficar sem as habitações. As pessoas em causa já vivem nas casas, mas o Instituto de Habitação (IH) considerou que, como as condições de candidatura mudaram enquanto esperavam pela assinatura da escritura, não devem ficar com os apartamentos. O CCAC deu razão aos queixosos. “Vamos seguir, de certeza, de acordo com as recomendações do CCAC para resolver a questão”, disse ontem Raimundo do Rosário, à margem da inauguração do Terminal Marítimo da Taipa. “Na parte final do comunicado faz-se uma sugestão para se rever a lei de habitação económica. Faremos isso, iniciaremos o processo legislativo com a brevidade que for possível”, acrescentou o secretário, sem adiantar uma data precisa para a apresentação de um novo diploma à Assembleia Legislativa. O deputado José Pereira Coutinho foi um dos membros do hemiciclo que apoiou a apresentação das queixas ao CCAC, encabeçadas pela deputada Ella Lei. Em declarações ao HM, Pereira Coutinho considera a reacção do CCAC “positiva”. “Só no nosso gabinete de atendimento aos cidadãos foi apresentada uma dezena de queixas. Esta situação demonstra que existem muitos serviços que não sabem aplicar as leis no âmbito das suas competências”, apontou. Órgão para queixas O deputado considera que é necessário criar em Macau um órgão oficial que receba queixas dos cidadãos relacionadas com o mau funcionamento dos serviços públicos, tal como já existe em Hong Kong, o Office of the Ombudsman. “O nosso gabinete tem recebido queixas relacionadas com os direitos e interesses legalmente protegidos, em que os serviços públicos, por maldade ou má formação de alguns dirigentes, indeferem ou rejeitam os pedidos de forma propositada”, apontou. Na visão do deputado, isso faz com que os cidadãos tenham de recorrer a tribunal. Contudo, acabam por desistir “face aos milhares de patacas que têm de desembolsar com os honorários dos advogados, o que manifestamente não compensa”. Escrituras que demoram Em declarações ao jornal Ou Mun, a deputada Ella Lei referiu que a postura do IH “é inaceitável”, tendo alertado para que os departamentos públicos tomem decisões de acordo com as leis em vigor. Ella Lei lembra que, segundo o resultado da investigação do CCAC, a actual lei de habitação económica não obriga a que os cônjuges dos candidatos façam parte do agregado familiar, se o matrimónio foi contraído após a candidatura. Comprovativos de rendimentos ou propriedades dos cônjuges são tidos em conta apenas na fase da candidatura e não na fase da celebração das escrituras, lembrou. A deputada explicou também que há muitas famílias que perdem muito dinheiro com consultas junto de advogados. Há ainda o facto de o IH demorar muito tempo a assinar a escritura com os promitentes-compradores de fracções económicas. Caso esse processo demorasse entre um a dois anos, não teria havido qualquer problema, defendeu ainda. Ella Lei falou de casos em que a assinatura das escrituras chegou a demorar dez anos. Por isso, “é injusto” da parte do IH questionar o alargamento do agregado familiar.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJorge Neto Valente, empresário e candidato às legislativas: “A lei de não residentes é muito arcaica” Jorge Neto Valente tem o mesmo nome do pai, mas seguiu um rumo diferente. Empresário ligado a várias associações, como a Associação dos Jovens Macaenses, Jorge Valente vai enveredar pela política como número dois da lista de Melinda Chan. Em entrevista, defende uma mudança profunda no sector empresarial e na contratação ao exterior, uma aposta no português e uma subida dos salários dos médicos [dropcap]E[/dropcap]sta semana foi noticiado que vai integrar a lista candidata às eleições, encabeçada por Melinda Chan. Por que decidiu aceitar este desafio? Há várias razões. Quem decidir candidatar-se à Assembleia Legislativa (AL) pode direccionar o rumo que entender melhor. Na AL, neste momento, há uma falha em termos de escolha e vou acrescentar um equilíbrio que não existe. Refere-se ao número de deputados eleitos pela via directa? Há uma falha na representatividade da população. No meu caso e no de Melinda Chan, falamos da eleição pela via directa. Tenho alguns pontos em comum com Melinda Chan, sobretudo na parte das Pequenas e Médias Empresas (PME) e da classe média. Trago alguns pontos que Melinda Chan já está a tratar, mas que posso abordar de uma maneira mais forte, que é a representação dos jovens, dos funcionários públicos, dos funcionários aposentados. Da parte macaense e portuguesa. Todas as associações das quais faço parte têm três pontos em comum: ou porque é a juventude, a ligação luso-chinesa, e isso engloba a plataforma de Macau e também a ligação a Portugal, e ainda as PME, onde engloba as startups. Tenho três empresas que são startups. Além da questão da representatividade na Assembleia, que outras falhas pode apontar? Há outra componente que é a forma de atingir os objectivos. Uma é através da representatividade, outra é termos um fim para chegar lá. Há diferentes deputados e diferentes maneiras de fazer a mesma coisa. Não falando de forma específica, neste momento na AL não há muita representatividade de jovens, dos deputados que defendem os interesses luso-chineses. Vê-se pela falha na educação, porque apenas ao fim de 15 anos, e é uma geração, se lembraram que, afinal, é importante o português. Mas recomeçar uma coisa é difícil, porque só daqui a 15 anos é vem outra geração que fala português e chinês. Ninguém se lembrou de defender essa componente de Macau, que é muito importante, não só para representar a parte macaense e portuguesa, mas há 500 anos de história que se esqueceram. Quem é bilingue tem vantagens competitivas para ir para os países de língua portuguesa. Se não fosse o primeiro-ministro chinês [Li Keqiang], que veio a Macau e que lembrou as pessoas que o português é importante, hoje em dia continuávamos na mesma. Tenho vindo a fazer esse trabalho, mas de um ponto de vista mais local, porque estou ligado a várias associações. Já tínhamos falado deste ponto com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, há cerca de cinco anos. A sua candidatura pretende responder a um vazio no hemiciclo, que é a representação da comunidade macaense. O que tem falhado para que uma comunidade tão importante não esteja mais representada? Houve um esquecimento quando foi a transição. Ninguém se lembrou que era importante. Ainda bem que neste momento existem dois deputados, mas a verdade é que um deputado não pode apenas representar uma pequena comunidade. Ser macaense apenas faz que a pessoa tenha uma perspectiva diferente. Na parte que toca aos deputados macaenses e portugueses, é a forma de trabalho diferente. Sou mais novo e sou de outra geração. Daquilo que se vê na AL, acho que devemos ir sempre pela diplomacia e pela via do diálogo antes de começarmos a bater em todos e a criticar. No caso do secretário para os Transportes e Obras Públicas, não acho que se possa pedir logo que ele se demita. Há outras formas de trabalhar. Serei mais apto a encontrar compromissos através do diálogo. Falemos da acção governativa. Que análise faz ao trabalho da tutela da Economia e Finanças? O Governo tem muito dinheiro, é mais fácil governar quando se tem muito dinheiro. Mas também tem de ser bem gasto. Fala-se na diversificação económica há bastante tempo, os resultados não são satisfatórios, e é preciso haver mais diversificação, com resultados. Não chega incentivar jovens e empresários a começarem as suas empresas se depois eles falharem. Vemos muito os restaurantes a abrir e a fechar, e alguns com o subsídio do Governo acabam por fechar, porque não tinham um negócio sustentável. É preciso criar um ambiente onde as PME possam competir. É preciso ir além da política do subsídio? Criar competitividade? Sim. O que é que uma empresa precisa? Precisa de capital, pessoal e de uma ideia. Se os custos são altos, é preciso mais capital. Se a mão-de-obra não é qualificada, é preciso contratar mais pessoas para fazerem o mesmo trabalho, que são mais caras. Temos um ambiente que não favorece as PME e ninguém que não seja da área do jogo. Tem sido muito debatida a questão dos trabalhadores não residentes. Defende uma flexibilização nessa área? Defendo uma reforma. Temos uma lei de trabalhadores não residentes que é muito arcaica. Temos trabalhadores não residentes qualificados e não qualificados. A quota dos não qualificados claramente foi feita para a construção civil e os restaurantes. E depois as quotas para os qualificados não foram feitas para uma sociedade digital como é a do século XXI. Uma pessoa que seja boa no seu trabalho, e que venha de fora, arranja emprego em Macau. Em Macau precisamos de três a seis meses para ver aprovada a quota dessa pessoa e, em 20 dias, essa pessoa vai dizer que arranjou um emprego melhor, a ganhar mais. Quando voltei de Inglaterra, fiquei com a ideia de que as leis tinham parado nos anos 80. Não houve uma actualização. O Governo não tem interesse em fazer isso? Ou é a classe empresarial que faz o seu lobby para que essa mudança não aconteça? Não. O sector empresarial também não gosta do que tem agora. Quando se fala de flexibilidade, o problema é que temos talvez um sistema base que não está a funcionar. Mudando pequenas partes nada vai mudar. Tem de ser uma reforma quase total. Se calhar não houve ainda um plano que agrade a todos, além de que é preciso coragem para mudar em algo que toca a todos. Acredita na diversificação económica? Que tecido económico teremos daqui a cinco ou dez anos? Acredito, mas tendo como base a indústria dos casinos. Uma coisa não invalida a outra. Dá-nos jeito os casinos, porque não pagamos muitos impostos. Há muita coisa que se pode fazer. Podemos optar por negócios com países de língua portuguesa para a China, mas não só. A partir daí, quando essa plataforma estiver sólida, podemo-nos expandir para todos os países de “Uma Faixa, Uma Rota”. Conseguimos ser competitivos para responder a isso? Depende. Por que não? Há tantos territórios pequenos que conseguem fazer muito mais. Hong Kong é um caso, como centro financeiro é muito importante. Macau pode fazer muitos negócios com os países de língua portuguesa, numa primeira fase, e depois expandir. Acredito também nos locais, mas o que é preciso para criar um ambiente competitivo? Uma boa educação e isso passa não só pelo ensino das duas línguas, mais o inglês, mas também por investir mais na educação, começando pelo início. No ensino superior, poderiam ser criadas mais bolsas para cursos mais necessários, na área do comércio ou línguas. Ainda há muito por fazer: nos últimos 16 anos, muita coisa continuou como antes, embora quase tudo tenha mudado. A maneira de governar não mudou, as leis não mudaram. Por isso é que há muita coisa que fazemos no dia-a-dia em Macau que é incompatível com o resto do mundo. O ensino superior de Macau poderia melhorar e desenvolver-se ainda mais? Macau tem um bom ensino superior na área do Direito, mas depois nunca vai ter um curso para médicos. Não concorda então com a criação de uma Faculdade de Medicina. Não. Porque uma faculdade de Medicina precisa de ter um hospital universitário também. E não temos. Vamos criar turmas para médicos e, ao fim de poucos anos, Macau vai estar sobrelotado de médicos. O que vamos fazer com os restantes recém-formados? Temos de olhar para o tamanho de Macau. O que resta é saber como encaminhar os jovens para tirarem Medicina lá fora, e incentivá-los a voltar. Falta ainda outra componente: não temos doentes suficientes, casos raros para serem analisados. Além disso, não temos ainda o novo hospital concluído. O actual secretário herdou essa batata quente. Mas tenho visto que os Serviços de Saúde (SS) melhoraram. Nos últimos três anos, talvez. Eu tinha um ramo de saúde nos negócios [foi sócio da Malo Clinic], de onde saí há um ano e meio. À medida que os SS melhoram, as pessoas vão menos para o privado. Mais pessoas são atendidas, melhorou a eficácia interna dos hospitais e centros de saúde. Da parte dos prestadores de saúde privados há a ideia de que o Governo não devia fazer mais, porque tira o negócio. Mas acho que o Governo deveria fazer mais, tem é de melhorar a qualidade. O Governo tem tentado abrir vagas para especialistas, mas acho que nem todas foram preenchidas, e por alguma razão é. Aí voltamos à questão da classificação dos médicos como funcionários públicos. O mundo lá fora evoluiu, e qualquer médico de fora olha para os salários de Macau e pensa “eu ganho melhor noutro sítio”. Aí também é precisa uma reforma do sistema. Quando estava na área da saúde, verificávamos que era difícil contratar médicos de fora. O seu pai foi deputado há muitos anos. Isso influenciou a sua decisão? Sentiu que tinha de continuar algum legado? Comparar-me com o meu pai é injusto porque ele já fez tanto, e de uma maneira tão boa, que se fosse um professor a dar nota, ele levava cem por cento. Eu se calhar só consigo 50 por cento, e já fico contente. O mundo mudou e gostaria de fazer tanto como ele. Aceitei juntar-me à Melinda, e quis fazê-lo porque estou a ver que Macau está a encaminhar-se para um rumo que, se calhar, não é o melhor. E nós podemos fazer a diferença. Vamos tentar.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadePetição | Moradores de Coloane contra fim do autocarro 25 Um grupo de moradores, representado pelo deputado Leong Veng Chai e Mónica Tang, entregou ontem uma petição na sede do Governo contra o fim do autocarro 25. Moradores e trabalhadores afirmam que a decisão traz transtornos no dia-a-dia [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] zona de Hac-Sá, em Coloane, vai deixar de receber o autocarro número 25 vindo directamente das Portas do Cerco. Ontem, o deputado Leong Veng Chai entregou, na sede do Governo, uma petição assinada por moradores e pessoas que trabalham no local, juntamente com Mónica Tang, representante dos que moram nessa zona. Mónica Tang explicou as razões para a entrega da petição ao Chefe do Executivo, que conta com cerca de 600 assinaturas de moradores, sem esquecer as cerca de 150 assinaturas de trabalhadores do Galaxy. “Hac-Sá é um local de refúgio da cidade e uma zona de lazer, deveriam aumentar mais o número de autocarros e não eliminá-los”, apontou. “Há pessoas que vivem na zona norte e trabalham naquela área, e levam muito tempo a chegar ao local de trabalho. Espero que o Chefe do Executivo oiça as nossas preocupações, para que possamos ter uma melhor qualidade de vida”, acrescentou Mónica Tang. Além das queixas dos que trabalham e vivem nesta zona da ilha de Coloane, Mónica Tang assegura que os turistas também lamentaram as dificuldades em apanhar um autocarro. “Recebemos algumas queixas dos turistas, pois não sabem como devem trocar de autocarro para se dirigirem àquela zona. Noto uma redução de autocarros”, apontou a responsável. Sem pré-aviso Mónica Tang esteve ontem na sede do Governo na qualidade de representante dos moradores da zona de Coloane, embora seja também um nome integrante da lista Nova Esperança, que será candidata às eleições deste ano. A responsável não quis fazer declarações sobre este assunto, tendo lembrado apenas que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego não fez qualquer pré-aviso sobre o fim do autocarro 25. “Não recebemos nenhuma comunicação sobre o cancelamento do autocarro 25. Isto não só perturba os moradores, mas também os guardas ou as empregadas domésticas. Normalmente demoram cerca de 45 minutos ao local de destino e agora vão demorar duas horas”, apontou. O grupo fez-se acompanhar por cartazes em chinês e em português. Neles liam-se frases como “O Governo não consultou as opiniões dos cidadãos” ou “Devolvam-nos a paragem de autocarro número 25 até à praia de Hac-Sá, em Coloane”. Mónica Tang quis trazer cartazes na língua de Camões por existirem vários moradores portugueses na zona. “Há alguns residentes em Coloane que são portugueses, a maioria usa os autocarros para se dirigir aos serviços públicos, e por isso preparei cartazes em português. Não estamos a solicitar muito, só estamos a pedir um melhor transporte público, com mais facilidades”, rematou.
Isabel Castro Manchete SociedadeHabitação económica | CCAC dá razão a promitentes-compradores O Comissariado contra a Corrupção considera que o Instituto da Habitação não pode reaver os apartamentos dos compradores de habitação económica que, entre a candidatura e a celebração da escritura, deixaram de reunir as condições exigidas para a atribuição de uma fracção do Governo. A situação não é ideal, mas tirar a chave é ilegal [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á 218 promitentes-compradores que vão poder ficar com as habitações económicas que lhes foram atribuídas pelo Instituto da Habitação (IH), fracções que estavam em risco de perder, apesar de morarem nelas. O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) deu razão às 28 queixas que recebeu – 27 apresentadas por lesados e uma do escritório da deputada Ella Lei. Em causa está a mudança de condições dos candidatos que, no longo período em que estiveram à espera para comprarem uma habitação pública, contraíram matrimónio. Há 183 casos em que os cônjuges dos candidatos à habitação económica possuem habitação própria em Macau. Noutras situações, os rendimentos auferidos pelo agregado familiar deixaram de respeitar os limites impostos pelas regras para a atribuição de habitação económica. Em comunicado, o CCAC diz entender o que esteve na origem da decisão do IH em relação a estes promitentes-compradores, mas não encontra base legal no gesto do instituto. O comissariado liderado por André Cheong recomenda uma alteração legislativa para que a situação seja corrigida e os recursos públicos sejam atribuídos a quem deles mais precisa. “Se o candidato contrair matrimónio durante a fase de espera pela aquisição de uma fracção de habitação económica e o cônjuge que tenha habitação própria não fizer parte do agregado familiar, isso afecta certamente a distribuição razoável das habitações públicas”, concede o CCAC. “Mas a resolução deste problema não pode depender apenas de um parecer jurídico e de uma directiva administrativa, devendo proceder-se à alteração das disposições respectivas previstas na actual lei da habitação económica.” O comissariado aconselha a que se façam estas alterações “em tempo útil”, para que “os recursos da habitação pública sejam aproveitados de forma justa, razoável e eficiente”. Primeiro sim, depois não Para o CCAC, a decisão do IH não só viola a lei da habitação económica, como também se opõe ao previsto nas instruções que foram inicialmente disponibilizadas aos candidatos à aquisição de fracções de habitação económica. Os promitentes-compradores em questão manifestaram o interesse em adquirir uma fracção do Governo em 2003 e 2005, tendo sido admitidos na lista de espera. Os apartamentos foram atribuídos por volta de 2012 e, mal foram celebrados os contratos-promessa, houve quem tivesse mudado para as novas casas. Em Abril e Maio do ano passado, os queixosos receberam um ofício do IH em que o instituto pediu a entrega de informações actualizadas sobre os agregados familiares, entre elas o estado civil, para que se pudesse então celebrar a escritura pública de compra e venda. “Como os queixosos contraíram matrimónio no período de espera, preencheram a ‘Declaração para cônjuges que não façam parte do agregado familiar’ disponibilizada pelo IH, solicitando assim que os respectivos cônjuges não passassem a ser considerados elementos dos seus agregados familiares”, relata o CCAC. Entre Março e Abril deste ano, os queixosos receberam um ofício do IH, sendo notificados de que, nos termos da lei da habitação económica, estes pedidos em relação aos cônjuges tinham sido indeferidos. A situação causou preocupação na sociedade, aponta o comissariado. “Muitos dos interessados ficaram preocupados [com a possibilidade de] as fracções de habitação económica que lhes foram atribuídas serem recuperadas, e algumas figuras públicas, tais como alguns deputados à Assembleia Legislativa, têm estado também atentos ao caso.” Em Abril passado, o Chefe do Executivo afirmou que, sem prejuízo do cumprimento da lei da habitação económica, o Governo “iria rever, de forma objectiva e justa, a legalidade e a razoabilidade das decisões administrativas” do serviço público em questão, “de modo a proteger os direitos e interesses legítimos dos cidadãos”. Cinco dias depois, um despacho do secretário para as Obras Públicas e Transportes declarou sem efeito os ofícios enviados pelo IH aos promitentes-compradores de habitação económica que se arriscavam a ficar sem as casas. Por outro lado, Raimundo do Rosário exigiu que fosse dada “plena colaboração na investigação do CCAC sobre o caso”. Respeitar os direitos O imbróglio em torno destas habitações económicas teve na origem uma “mudança de ponto de vista jurídico” do Instituto de Habitação. Em Outubro de 2011, o IH emitiu uma instrução interna precisamente em relação aos candidatos que viessem a contrair matrimónio. Neste documento indicava-se que a qualificação para aquisição de fracções de habitação económica não seria posta em causa caso fosse adoptado o regime da separação de bens ou o regime da participação nos adquiridos, sendo que os candidatos teriam de fazer uma declaração para que o cônjuge não fizesse parte do agregado familiar. “Até ao início de 2017, o IH prestava esclarecimentos e geria estas questões de acordo com aquela instrução interna”, diz o CCAC. Porque surgiram problemas relacionados com cônjuges de candidatos que possuíam habitação, o IH solicitou aos seus juristas que fizessem um estudo sobre a matéria. Num parecer de Fevereiro deste ano, foi emitido o parecer, que determinou que “se consideram elementos do agregado familiar, nos termos definidos na lei da habitação económica, todos aqueles que tenham relação familiar e vivam em comunhão com o candidato”. Assim sendo, a declaração que o instituto pedia aos candidatos não podia ser preenchida. Na avaliação feita pelo CCAC, o órgão defende que o agregado familiar se define “apenas a partir da qualificação da candidatura à aquisição da fracção de habitação económica, não estabelecendo a obrigatoriedade de que, sempre que as pessoas vivam em comunhão devido à sua relação familiar, tenham de fazer parte do agregado familiar”. O comissariado lembra ainda que, aquando da elaboração da actual lei da habitação económica, na versão inicial da então proposta apresentada à Assembleia Legislativa (AL), o Governo da RAEM sugeriu que, sendo residente da RAEM, o cônjuge do candidato à aquisição de fracção de habitação económica teria de fazer parte da lista do respectivo agregado familiar. “Mas, depois de uma discussão com a AL, esta solução foi eliminada e a versão final da lei aprovada.” A rematar, e como recado ao IH, o CCAC considera que “os serviços públicos, no exercício das suas funções, devem lidar atempadamente com os problemas eventualmente lesivos do interesse público, cumprir a lei e fazê-lo dentro da esfera das suas próprias atribuições”. Além disso, “a prossecução do interesse público tem como pressupostos o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
Victor Ng Entrevista MancheteKou Meng Pok, candidato às eleições legislativas: “O Pearl Horizon é uma armadilha” Não fosse a confusão em torno do empreendimento da Polytec e Kou Meng Pok jamais pensaria em tentar ser deputado. O presidente da União dos Proprietários do Pearl Horizon candidata-se ao sufrágio de Setembro para defender os interesses das pessoas que ficaram sem as casas que compraram. Se o caso mudar de figura, poderá desistir É candidato às eleições legislativas deste ano. Como é que surgiu esta possibilidade? Os membros da nossa união já tinham começado a falar da possibilidade de eu me candidatar no ano passado. Na altura, não tínhamos um plano concreto sobre como lutar pelas fracções do Pearl Horizon. Já era o nosso objectivo, mas não sabíamos como concretizá-lo, além das manifestações e reuniões que organizámos, bem como a constituição de uma associação. Tínhamos várias ideias, entre elas a possibilidade de uma candidatura à Assembleia Legislativa (AL). Não tenho experiência nesta área. Se conseguir ser eleito, vou ter de dedicar muito tempo a esse trabalho. Em que momento é que a decisão foi tomada? A 31 de Março, caiu por terra a nossa esperança de que fosse explicada a intenção legislativa do Governo. No final do ano passado, surgiu a possibilidade de podermos ouvir [o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas] Lau Si Io, o que acabou por não acontecer. Estávamos à espera que dissesse que, com a entrada em vigor da nova Lei de Terras, caso surgissem problemas, podia abrir-se uma porta para se resolver o assunto. O período de apreciação e aprovação da lei foi muito curto. O Governo fez com que a lei fosse aprovada rapidamente, o que se calhar foi uma armadilha para que os deputados assinassem a proposta. É óbvio que quem está envolvido no assunto precisa de resolvê-lo. Com a implementação da lei, os proprietários foram afectados. Se a nova Lei de Terras tivesse entrado em vigor dois anos mais tarde, o edifício ficaria basicamente construído. Não estamos aqui a julgar se a implementação da nova lei de terras é incorrecta, mas tem impacto para nós. Pensávamos que, depois de uma explicação sobre a intenção legislativa, o Governo e a AL iriam avançar com uma solução para o caso do Pearl Horizon. Macau é uma cidade onde houve uma transferência de administração, está num período de transição, ou seja, as pessoas têm de ter em consideração o que vem do passado. A sociedade tem ignorado este aspecto. Os processos do retorno de Hong Kong e de Macau são casos únicos, é algo que nunca tinha acontecido. Como o Governo português esteve aqui tantos anos, a sociedade tem de prestar atenção à herança histórica e à questão dos terrenos antigos, como é o caso do Pearl Horizon. Em relação à minha candidatura, depois de termos perdido a esperança de ouvirmos uma explicação sobre a intenção legislativa, decidimos tentar entrar na AL, para lutarmos pelo que nos falta. Temos todos o mesmo objectivo e os membros da união querem que seja eu a candidatar-me. Não tenho um interesse pessoal mas, atendendo às solicitações dos membros, vou fazer o meu maior esforço. Vivo em Macau há mais de 30 anos. De facto, tenho muitas ideias em relação a esta sociedade. A lista para as eleições já está definida? Ainda não temos uma lista confirmada. Acredita que vai conseguir ser eleito? Como disse na manifestação do 1.o de Maio, se nos unirmos, temos mais de três mil famílias e não será difícil conseguir um assento na AL. A questão mais importante é a união. Se tivermos só mil ou dois mil apoiantes, não podemos fazer nada. Se isso acontecer, demonstra que as pessoas não querem saber. Além da questão do Pearl Horizon, que outros assuntos quer discutir na AL? O direito à propriedade privada deve ser respeitado e protegido. Isto é importante, uma sociedade não é só composta por pessoas da classe baixa, mas também das classes média e alta. Não se deve ignorar a classe média. Há muitos funcionários públicos que também adquiriram fracções do Pearl Horizon, mas não têm coragem de falar. Não sei se é por causa do Governo ou se acham que estão numa posição delicada. Por isso, temos sido nós a lutar pelos seus direitos. Se não estivermos aqui, essas pessoas vão ter de enfrentar uma situação muito difícil, porque não podem dizer nada. Fui contactado por vários funcionários públicos que compraram casas no Pearl Horizon. Quem imaginaria que isto pudesse acontecer? O caso do Pearl Horizon é realmente uma armadilha. Não faço ideia se há um grupo das pessoas que decide do destino dos terrenos não aproveitados. Nós consideramos que esta sociedade é muito obscura, não sabemos o que podemos fazer. Em 2011, comprámos fracções de um edifício em construção e, em 2013, a nova Lei de Terras foi implementada. O Governo não deve tratar de todas as questões da mesma forma, sem ter em conta as situações especiais. Por isso, se conseguir entrar na AL, quer discutir principalmente questões relacionadas com a propriedade… A protecção do direito à propriedade privada e respeitar o que vem do passado. Digo sempre que a vida de uma pessoa tem muito que ver com a procura de um companheiro e de uma casa. Não há nada mais importante do que isto. Não estou a desvalorizar aqueles que acabam por se candidatar a uma habitação pública, mas todos nós temos uma cabeça, duas mãos e dois pés. Por que razão consigo comprar uma ou duas fracções, enquanto outros não conseguem? A sociedade não me oferece condições especiais, que me beneficiem. As pessoas precisam de rever o que fizeram. Porque é que decidiu investir no Pearl Horizon? Tinha confiança no grupo Polytec, que está em operações há mais de 30 anos e que construiu vários empreendimentos. O apartamento onde moro actualmente, no Villa de Mer, também foi da responsabilidade da Polytec. Também comprei esta fracção quando estava ainda em construção. Tenho quatro filhos. Sou da província de Fujian. Por uma questão de tradição, cuidamos do futuro dos nossos descendentes, ou seja, queremos deixar-lhes algo ou comprar-lhes uma casa. Por isso, decidi comprar um apartamento no Pearl Horizon. Posso dizer-lhe que muitos compradores do Pearl Horizon são chineses de Fujian. A casa em que investi é grande e fica numa excelente localização. Há pessoas que dizem que comprámos casas para especular, mas isto é um investimento. A lei permite que seja feito. Sente que o caso do Pearl Horizon teve consequências ao nível psicológico? Tenho o apoio da minha família. Sou o presidente da união. Todos acham que isto não é nada razoável, porque investimentos o nosso dinheiro, agimos de forma legal e cumprimos os procedimentos, mas não temos as nossas casas. É isso que causa o nosso descontentamento. O Governo precisa de assumir a responsabilidade, em vez de fazer contas aos custos e aos benefícios. Os compradores encontram-se numa situação muito complicada. Aqueles que têm de pagar uma prestação mensal sentem-se irritados porque não sabem se é adequado continuarem a fazer os pagamentos ao banco. A Lei de Terras teve consequências que são uma tragédia para a sociedade. Que análise faz ao desempenho do Governo nos últimos anos? O Governo representa as pessoas de Macau? O Governo não fez os esclarecimentos que devia em torno da nova Lei de Terras. A maioria das pessoas de Macau não está muito atenta à política, o que é uma situação diferente da que se vive em Hong Kong. Quando se fala em reaver terrenos que estão nas mãos dos ricos, toda a gente concorda. Mas as pessoas não sabem o que é que realmente está a acontecer. E o Governo não fez os devidos esclarecimentos. Quando acontece algo desagradável, as pessoas começam logo a queixar-se. Antes das manifestações, já dizíamos que o Governo não desempenhava bem a sua função: além de não assumir responsabilidades, é tudo muito confuso. Tem apoios financeiros para a sua candidatura à AL? Vamos realizar em breve uma actividade de angariação junto dos proprietários. Não vamos usar os recursos financeiros da nossa união. Por isso, vamos pedir ajuda aos amigos e proprietários, que têm uma atitude muito positiva em relação à minha candidatura. Defende a implementação do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo? Compreendo que o território é um local onde se aplica o princípio “Um país, dois sistemas”. Acho que a noção “um país” deve servir como base e depois há aquilo que fazemos dentro do território. Como sou um cidadão de Macau, apoio a ideia. Mas, em primeiro lugar, não é adequado desafiar os poderes do Governo Central. Não tenho experiência de política, por isso falo à vontade. Temos de amar o país e o território, fazendo aumentar a qualidade de vida dos cidadãos e o seu grau de felicidade. As pessoas podem não ser felizes mesmo que ganhem 50 mil patacas por mês. Antigamente, quando ganhavam só três mil patacas, sentiam-se felizes, porque a vida era simples e confortável, sem grande stress e competição. Sobre o modo como elegemos os membros do Governo, a decisão deve representar a maioria das pessoas. Mas agora o território tem problemas ligados à habitação e aos transportes, o trânsito é muito mau e o metro ligeiro está ainda por desenvolver. Em termos de construção da habitação pública, o Governo precisa de ter um planeamento e garantir mais instalações para os residentes. O Governo precisa de analisar a situação de Macau, por exemplo, se são mesmo necessários tantos shuttle bus dos casinos. No protesto do 1.o de Maio, falou-se da possibilidade de realizar uma conferência de imprensa em Taiwan e em Pequim sobre o caso Pearl Horizon. É uma ideia de alguns membros da união e já existe há muito tempo. Entre os compradores muitos deles são de Taiwan, do interior da China, de Singapura e de Hong Kong. Mas não queria que fosse essa a política, embora o incidente passe a ser cada vez mais político. Tinha de controlar a situação e pensava que não precisávamos de ir nesse sentido para resolver o assunto. E começa agora a sentir essa necessidade? São as pessoas que pensam que existe essa necessidade, não sou eu que defendo a ideia. Mas não estou propriamente contra. Antigamente não concordava nada com essa possibilidade. Uma conferência de imprensa no interior da China poderá ser então o caminho? Tem-se falado numa petição dirigida a Pequim. Actualmente, em Pequim há uma entidade que recebe queixas de pessoas com dificuldades. Assim podemos pedir ajuda ao Governo Central, uma vez que não tivemos nenhuma solução do Governo de Macau. Se não fosse o caso Pearl Horizon seria candidato à Assembleia? Não. E não era capaz de imaginar que este incidente ia avançar até este ponto, ter estas consequências. Vamos imaginar que, de repente, é encontrada uma solução para o problema. Continuará a ser candidato? Tenho de fazer um esclarecimento: esta candidatura não partiu de uma ideia minha. São os membros da união que querem que eu me candidate. Tudo o que fazemos é decidido depois de realizadas reuniões e as decisões são tomadas com base nos votos da maioria das pessoas. Se o caso for resolvido em pouco tempo, é claro que será um resultado muito satisfatório. Sendo assim, se os membros entenderem que a candidatura não faz sentido, vou deixar de ser candidato. Se eles insistirem – para, por exemplo, fiscalizar os trabalhos das obras e gestão na zona no futuro –, continuarei a ser candidato. Foi divulgado um vídeo nas redes sociais que mostra alegadamente pessoas a receberem dinheiro para participarem nas manifestações do 1.o de Maio. É verdade? Não, não pagámos para ter mais participantes na manifestação. Em todas as manifestações que organizámos, nada é obrigatório. Por exemplo, se os participantes quiserem sair mais cedo, não há qualquer problema. Nunca pagámos aos participantes.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaAL | Responsabilização dos funcionários públicos avança este ano Até ao final do ano, o regime de responsabilização de funcionários públicos vai conhecer desenvolvimentos. A informação foi dada pela secretária para Administração e Justiça, Sónia Chan, no debate de ontem proposto pelo deputado Leong Veng Chai, na sequência das contratações ilegais do Instituto Cultural [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] regime de responsabilização dos funcionários públicos vai mesmo avançar e até ao final deste ano. A ideia foi deixada ontem pela secretária para Administração e Justiça, Sónia Chan, no debate proposto pelo deputado Leong Veng Chai sobre a contratação ilegal de trabalhadores da função pública. “O Governo, através da articulação com os diversos regimes, vai proceder a uma indexação para que se concretize o regime de responsabilização que vai ser lançado a partir do final do corrente ano”, disse a secretária. Foi a resposta dada às queixas de vários deputados que apelaram à necessidade de responsabilizar os trabalhadores da função pública que cometem ilegalidades. Em causa estiveram as várias dezenas de contratações ilegais feitas pelo Instituto Cultural (IC), divulgadas recentemente pelo Comissariado contra a corrupção (CCAC). “Se se apurar que um serviço público é responsável pelo não cumprimento da lei é necessário que seja responsabilizado”, referiu Ng Kuok Cheong. O deputado acrescentou ainda “que este tipo de casos acontecem porque há um problema de gestão e porque não há um mecanismo de responsabilização”. Já o deputado Zheng Anting apontou a má imagem deixada pelo próprio Executivo ao não imputar responsabilidades pelas ilegalidades cometidas nos seus serviços. “Para a população parece que ninguém precisa de assumir qualquer responsabilidade e ser investigado”, referiu. Por outro lado, um sistema em que não há culpas e que infringe a lei levanta outras dúvidas, nomeadamente “se existiu ou não corrupção”. Ella Lei considerou que “não há um regime de responsabilização política, sendo que os serviços apenas dizem que aceitam as recomendações do CCAC, mas não fazem mais nada”. Fiscalizar é para os outros Uma maior fiscalização feita especialmente pelo Governo foi também ontem discutida no hemiciclo e, para os deputados, é óbvio que cabe ao Executivo ter noção dos seus procedimentos e não depender de organismos externos que os investiguem. Ng Kuok Cheong considera que uma boa gestão dos recursos públicos faz parte das funções do Governo. “Não basta depender de uma fiscalização e investigação por parte de uma entidade fora do seu âmbito. O que está em falta é uma boa gestão e uma investigação profunda”, afirmou. “O Governo não pode depender das auditorias do CCAC. Não deve ser assim. A secretária tem a responsabilidade de assumir a tarefa de fiscalização. Como é que o Governo vai fazer?”, questionou o deputado Mak Soi Kun, salientando que a identificação de ilegalidades tem de resultar de um processo de fiscalização interno. No entanto, Sónia Chan não admite que essa seja uma competência da sua tutela. A secretária considera antes que a função dos serviços é a cooperação com as entidades competentes que têm a seu cargo os processos de investigação. “Não somos uma entidade de fiscalização ou de pesquisa”, disse. “O funcionamento dos departamentos do Governo e as infracções cabem ao CCAC e ao Comissariado da Auditoria.” Queixas do vizinho do lado Para ajudar na detecção de irregularidades contratuais no seio da função pública, a deputada Ella Lei sugeriu que fosse implementado um mecanismo de queixas. O objectivo é possibilitar a quem está no terreno, aos próprios funcionários, a denúncia de casos que considerem ilegais. “Não há um mecanismo para apresentação de queixas. Há que ter um mecanismo adequado para que os funcionários as façam, porque são situações que afectam os seus direitos”, disse. Sónia Chan garantiu que haverá novidades a este respeito, a partir de Julho. “No segundo semestre vai ser divulgado o calendário da implementação de um mecanismo de queixas e, caso haja alguma recomendação disciplinar, vai ser instaurado um processo”, afirmou. A secretária sublinhou ainda que o Governo, “no futuro, vai criar uma via para que os trabalhadores possam resolver os litígios com os serviços públicos e, para isso, vai recorrer a uma terceira entidade”. Quanto ao regime de aquisição de bens e serviços, na base das contratações irregulares por parte do IC, Sónia Chan disse que há mais casos idênticos, “mais de dez”.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeNova edição do Festival Internacional de Cinema vai ter director estrangeiro A estreia ficou marcada pela saída polémica de Marco Müller e por salas com muitos lugares por preencher. Mas o Turismo acredita que faz falta a Macau um festival internacional de cinema e quem trabalha na indústria concorda. Vem aí a segunda edição do Festival de Cinema. O director vem de fora Com agência Lusa [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] segunda edição do Festival de Cinema de Macau está prevista para Dezembro e vai ter “um director internacional”, cujo nome deverá ser anunciado no próximo mês, afirmou ontem a directora dos Serviços de Turismo. “Estamos quase a completar [o processo]. Só posso dizer que é uma pessoa internacional, tem muitos anos de cinema (…) Ainda não assinámos o contrato. Se calhar, em Junho, estamos em posição de anunciar”, disse Helena de Senna Fernandes, em declarações aos jornalistas à margem da abertura da 11.ª edição da feira Global Gaming Expo Asia (G2E Asia), que anualmente junta empresas e especialistas do jogo de todo o mundo. A segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau vai decorrer entre 8 e 14 de Dezembro, este ano com a duração de sete dias, mais um do que no ano passado, adiantou. O italiano Marco Müller, que esteve à frente de festivais de cinema como o de Veneza, Roma ou Locarno, tinha sido escolhido no início do ano passado para dirigir a primeira edição do festival, mas um mês antes do arranque do certame, em Novembro, demitiu-se, invocando divergência de opiniões. A directora dos Serviços de Turismo e presidente da comissão organizadora, Helena de Senna Fernandes, assumiu então a função de directora substituta do festival. Mais público Na reacção às declarações de Helena de Senna Fernandes, o realizador Ivo Ferreira não deixa de ficar entusiasmado. “A expectativa que tenho, ainda sem saber pormenores, é que seja, na continuidade da edição anterior, um festival de qualidade”, disse ao HM. O realizador espera que, com a iniciativa, seja dado a conhecer a Macau o melhor do cinema com filmes que se destaquem pela sua qualidade. “Só assim é que este festival pode vir a estar no mapa do mundo.” Ivo Ferreira acredita que seja este o objectivo do projecto local e que “numa segunda edição sejam afinadas algumas questões”. O realizador exemplifica com a dinâmica capaz de levar o público a participar mais nas sessões. Ivo Ferreira não deixa de achar natural que, num primeiro certame, existam lacunas na organização, até porque “os festivais ganham maturidade e reconhecimento passados alguns anos, visto terem de ganhar tempo e corpo”. Essencial é, de facto, a manutenção de padrões de qualidade e para isso, considera, deve promover a cinematografia de autor em que o alvo seja a diferenciação. “Este festival tem, na minha opinião, uma componente de cruzamento entre o Oriente e o Ocidente, o que me parece uma tendência natural”, aponta. Já Tracy Choi – vencedora do prémio do público no ano passado com a sua primeira longe metragem, “Sisterhood” – considera que esta é uma iniciativa que atrai efectivamente a atenção para o cinema local. Com a confirmação da realização da segunda edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, a realizadora espera que seja uma oportunidade de continuar a investir na divulgação dos filmes feitos no território, ao mesmo tempo que “dá oportunidade aos locais de trocarem experiências com outros profissionais do cinema, vindos de várias partes do mundo”. A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, em 2016, foi organizada pela Direcção dos Serviços de Turismo de Macau e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau. O filme português “São Jorge”, sobre um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver, conquistou os prémios de melhor realizador (Marco Martins) e melhor actor (Nuno Lopes). A primeira edição do festival teve um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões foram assegurados pelos Serviços de Turismo.
Sofia Margarida Mota Entrevista MancheteSophie Lei, presidente do International Ladies’ Club of Macau: “Em 35 anos sentimo-nos muito orgulhosas” Sophie Lei é a presidente do International Ladies’ Club of Macau, uma entidade que se dedica sobretudo a ajudar os que mais precisam. Ao HM, a responsável falou da actividade do clube e da sua importância para a sociedade Como é que entrou em contacto com o International Ladies’ Club of Macau (ILCM)? Conheci o clube em 1989 quando fui convidada para um dos seus eventos. Foi a primeira vez que também me juntei a um evento promovido por uma entidade deste género. Foi muito interessante, foi um almoço no Jockey Club e toda a gente usava um chapéu, com um estilo muito ocidental com o qual nunca tinha estado em contacto. Mais tarde, em 2016, fui patrocinadora e acabei por ir ao baile de caridade anual que o clube promove. Achei que a forma de angariar fundos era interessante e que tinha um fim louvável: ajudar os mais necessitados. O que é para si o ILCM? É uma associação em que todas as mulheres interessadas se podem juntar, quer sejam estrangeiras ou locais. Temos membros de muitas nacionalidades. Qualquer pessoa que viva em Macau pode juntar-se a nós, partilhar da nossa amizade e, ao mesmo tempo, conhecer pessoas de diferentes sectores. Por outro lado, e não menos importante, é um espaço em que as pessoas podem ajudar quem precisa. Trabalham com muitas instituições de ajuda social no território e dirigidas a vários públicos. Qual é a área que considera que mais precisa de ajuda? O mais importante são as acções junto das crianças. Não só aquelas que vivem em orfanatos, mas também aquelas que sofrem de dificuldades de aprendizagem e que vêm de famílias desagregadas. Penso que precisam de mais apoio educativo porque também fazem parte do futuro do território. Temos de apostar em programas que lhes sejam dirigidos e, essencialmente, promover actividades educativas no período depois do horário escolar. Por outro lado, queremos, por exemplo, ter uma forma de dar formação a empregadas que cuidam de idosos. Uma empregada do Sudeste Asiático não saberá como cuidar de uma idosa chinesa. Neste sentido, pretendemos dar formação de como cozinhar e tratar de acordo com a cultura. Quando falamos de necessitados, muitas vezes não estamos a falar de pobreza. Muitas pessoas precisam de dinheiro, de facto, para comer e ter uma vida decente, mas muitas vezes as pessoas também precisam de companhia, de cuidados. É tudo uma questão de amor. Se, com os nossos recursos, pudermos colmatar as necessidades – financeiras, emocionais e sociais –, tanto melhor. Para isso, penso que precisamos de mais membros porque neste momento somos cerca de 200 e, em Macau, o número conta muito, principalmente para os possíveis patrocinadores. O que têm feito neste sentido? Temos dedicado muita da nossa ajuda às pessoas com deficiências. Trazemos, por exemplo, músico terapeutas de Hong Kong. Estamos também sempre prontos a ajudar as escolas que nos pedem apoio neste sentido. Uma outra faixa da população que é importante e que necessita de um apoio cada vez maior é a dos idosos. Há lares em Macau, mas os seus serviços não são suficientes. Basta também que levantem a mão a pedir ajuda para que os ajudemos. Nós não vamos ao encontro das instituições, mas estamos disponíveis para que venham pedir-nos apoio. Às vezes, as pessoas pensam que podem ajudar sozinhas, mas isso é complicado porque vão tentar fazê-lo em alturas em que pode não ser necessário. Meses depois, por exemplo, já o é, e é bom que exista uma estrutura como a nossa que está sempre de portas abertas. Tentamos gerir os fundos consoante as necessidades. Por exemplo, no Inverno, quando está frio, as pessoas vão precisar de mais agasalhos. Se temos para dar, guardamos para essa altura. Tratamos desta logística dedicada às necessidades do momento. Quando ajudamos na renda de espaços, não o fazemos de uma vez, mas sim faseadamente, porque assim temos também a certeza de que os donativos são utilizados devidamente. Como é que conseguem os donativos e os patrocinadores? A maior parte dos donativos que recebemos deriva do nosso maior evento anual que é o baile de caridade. Com a iniciativa angariamos mais de 70 por cento dos fundos anuais que conseguimos. Temos também eventos mais pequenos de angariação, como jantares e alguns projectos especiais. Mas o baile é a nossa maior tradição. Todos os anos tem lugar entre Abril e Maio, e é onde nos encontramos com os nossos parceiros corporativos e com os patrocinadores. Apelamos também a todos os membros que se juntem à iniciativa e que venham com amigos e família. As inscrições no baile acabam por cobrir o custo do evento, por isso acabamos por ganhar donativos noutras vertentes: através das ofertas dos patrocinadores, de doações de serviços e de bens, estes últimos que entram em leilões que depois organizamos, e fazemos também rifas com prémios. Todo o dinheiro que angariam vai para programas de caridade? Sim, 100 por cento das verbas são dirigidas ao apoio das instituições com as quais trabalhamos. Nestes 35 anos de existência, sentimo-nos muito orgulhosas. Nunca tivemos de pagar a funcionários porque todo o trabalho que fazemos no clube é voluntário. Não pagamos renda e pagamos as nossas despesas, quando nos encontramos, do nosso bolso. Depois temos também um bom contributo com as quotas que são de 500 patacas anuais, que podemos usar para as nossas actividades enquanto clube e que aplicamos em eventos nossos. Qual foi a sua motivação para se tornar presidente do clube? Foi muito natural. Recordo que o que mais gostei quando fui as primeiras vezes ao clube foi a forma como os membros se mostravam tão entusiasmadas com as actividades que faziam. Depois pensei, sou nascida em Macau, falo cantonês, inglês e percebo um pouco de português. Tenho amigos estrangeiros, chineses e portugueses. Foi quando me ofereci para ajudar. Depois foi natural, acabei por ser vice-presidente e, depois disso, presidente. Estou muito orgulhosa por ser a primeira mulher chinesa neste papel e gostava que mais locais se juntassem ao clube. Apesar de se chamar “International”, é em Macau; por isso, quem quer que esteja em Macau e possa comunicar em inglês é bem-vindo. Gostava de motivar mais mulheres locais a juntarem-se ao clube. Desta forma, penso, acabariam por fazer amigos provenientes de todo o mundo e, ao partilhar tempo com pessoas de vários lugares, podiam também percebê-las melhor, bem como às suas culturas. As pessoas pensam, muitas vezes, que é somente uma associação de caridade, mas é também amizade. Nasceu em 1982 e, nessa altura, não havia muitos estrangeiros em Macau. Quando a fundadora Brenda veio de Hong Kong para Macau, notou que quem cá estava, oriundo de fora, estava muito só. Começou a sair com umas amigas e, passado algum tempo, pensaram que podiam fazer mais. Começaram a visitar orfanatos e a população mais idosa e foi assim que o clube começou. Ajudar os outros apareceu como uma espécie de equilíbrio. Tinham uma vida boa, achavam que a deviam à sociedade e, de alguma forma, quiseram retribuir. É um clube social com um espírito comunitário. É um clube também sobre a amizade, principalmente para aquelas mulheres que vêm do estrangeiro. Chegam com o marido e com a família, sentem-se perdidas e precisam de se integrar. Esta também é uma boa plataforma para recomeçar uma vida em Macau sem se sentirem sozinhas. Como é o convívio entre mulheres de tantas culturas tão diferentes? Bem, por sermos mulheres, às vezes é um problema, mas acabamos sempre por resolver as situações. É a vida. O que interessa é que, no fim, todas saibamos que somos boas pessoas, com bom coração. As culturas acabam também por não ser um obstáculo. Por vezes, durante as nossas reuniões, temos discussões. Somos mulheres independentes, de várias culturas, mas estamos também sempre juntas pelas nossas causas e sabemos disso. As pessoas olham muitas vezes para este tipo de clubes como estando longe da realidade e não têm noção do trabalho comunitário que fazem. O que acha disto? Este é um clube aberto a todas as mulheres e é uma das três associações de mulheres mais antigas de Macau. Por vezes, o próprio nome gera alguma confissão ao remeter para o conceito de senhora. Mas o nome ‘senhora’ é só um nome bonito para mulheres. O termo mulher é mais prático e quando falamos de senhora parece que perde o valor. Todas estas mulheres que integram o clube já tiveram, por exemplo, uma vida como profissionais de alguma área. Muitas foram professoras, enfermeiras e mesmo engenheiras que sempre trabalharam até chegarem a Macau. Depois desistiram de tudo para acompanhar os maridos e a família. Com a vinda, precisavam de tempo para tomar conta das crianças. Não é só uma senhora, estamos a falar de mulheres trabalhadoras e úteis até virem para Macau. Uma vez no território, tiveram de ter outras prioridades, tiveram de se dedicar mais à família, especialmente aquelas com filhos pequenos. Se tinham possibilidade financeira, escolheram ficar com as crianças, principalmente num ambiente estranho e novo como é Macau quando se chega. No entanto, resolveram também ocupar o tempo com trabalho social. É pena que o termo “Ladies’ Club” seja tantas vezes mal-entendido, e que leve as pessoas a pensarem que este grupo de mulheres não faz nada e que só se quer divertir. Não é verdade.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeSão Januário | Pedidas mais horas para médicos recém-formados A recém-eleita direcção do Conselho Médico do Centro Hospitalar Conde de São Januário defende que os clínicos recém-formados devem trabalhar 45 horas semanais, em vez das actuais 36. A falta de especialistas a isso obriga, afirma Fernando Gomes [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de 200 médicos, num universo de 350, elegeram na última sexta-feira a nova direcção do Conselho Médico do Centro Hospitalar Conde de São Januário, um órgão consultivo que serve de ponte entre os médicos e a direcção do hospital público. A única lista candidata, constituída pelo médico Fernando Gomes, juntamente com Mok Tin Seak e Choi Nim (que preside ao Conselho), foi eleita por uma larga maioria de médicos, contou Fernando Gomes ao HM. No cumprimento do quarto mandato, o Conselho Médico quer que os especialistas recém-formados no São Januário possam ver-lhes atribuído um horário mais alargado, previsto por lei. “O que mais preocupa é o horário de trabalho dos colegas recém-formados. Muitos colegas têm um regime de horário de trabalho que é de internato permanente, e de momento está menos atribuído”, adiantou Fernando Gomes, que fala da necessidade de cobrir o vazio deixado pela falta de especialistas. “Muitos dos especialistas recém-formados não têm ainda o regime de trabalho das 45 horas, de disponibilidade permanente, e ainda trabalham as 36 horas [semanais]. Atendendo à grande falta de médicos especialistas, é de aprovar e atribuir esse horário das 45 horas urgentemente”, acrescentou o médico. Poucas promoções Fernando Gomes volta ainda a exigir a revisão do actual regime das carreiras dos médicos e de auxiliares de saúde, considerando que a falta de promoções afasta as possibilidades de contratação por parte dos Serviços de Saúde (SS). Já em 2010 o médico considerava ser necessário mexer na lei. “Nessa altura achávamos que não iria repor uma série de benefícios em termos de promoção e, de facto, agora ainda se nota isso. O problema que se coloca é a contratação de profissionais ao exterior, que é difícil, se não impossível”, frisou. No seio da comunidade médica do São Januário, há ainda quem defenda que “os contratos, ou a sua renovação, deveriam ter uma alínea respeitante à promoção, por exemplo”. “Os contratos não contemplam isso”, sublinhou. Fernando Gomes acredita que não é sequer fácil contratar médicos da China Continental sem que sejam garantidas as devidas regalias. “Quando vêm médicos da China, já são colegas oriundos de hospitais do interior do país, de cidades onde não há hospitais de vanguarda”, apontou. “Falamos [da necessidade] de colegas experientes. É fácil contratar médicos recém-formados e médicos no fim da carreira. Não se pede um médico com mais de 60 anos que trabalhe ao mesmo ritmo de um médico com 40. Há um desgaste natural”, disse também o membro do Conselho Médico, que alerta ainda para o facto de a falta de especialistas condicionar a formação dos médicos em regime de internato. “Não temos propriamente falta de médicos, porque temos muitos em formação, mas temos sim falta de especialistas. O especialista desempenha duas funções, não só na parte clínica, mas também na parte formativa. Os colegas internos têm de ser formados. Se uma pessoa tiver o seu horário sobrecarregado, é difícil ter um acompanhamento eficiente dos colegas que estão em formação. Os médicos não são robots”, concluiu.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeJogo | Advogado questiona subconcessões e critica postura do Executivo O advogado Sérgio de Almeida Correia disse ontem num debate sobre o jogo que as três subconcessões do sector são ilegais. O Governo, aponta, “tem ignorado” a questão. O jurista defendeu o estabelecimento de seis concessões em 2020 [dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] actual regime das subconcessões põe em causa os interesses de Macau” e acarreta “potenciais conflitos de interesses e práticas corruptas”. Quem o diz é o advogado Sérgio Almeida Correia, que participou ontem numa conferência sobre jogo, intitulada “IV Annual Review of Macau Gaming Law”, na Fundação Rui Cunha (FRC). A iniciativa é promovida pela Universidade de Macau e conta anualmente com a presença de vários oradores. Para o advogado, a existência de três subconcessões (Venetian, MGM e Melco Crown) “não tem uma base legal”. “Não podemos encontrar a palavra subconcessão na lei e não podemos presumir que algo está escrito quando, na verdade, não está”, disse durante a sessão. “Se a ideia era ter mais do que três operadoras de jogo, isso deveria constar na lei, o que não é o caso”, acrescentou. Dessa forma, Sérgio Almeida Correia defendeu o estabelecimento de seis concessões de jogo quando terminarem os actuais contratos de concessão (em meados de 2020). Para o advogado, esta medida iria de encontro à política anti-corrupção. Foto: Fundação Rui Cunha “É importante olhar para a realidade bizarra das subconcessionárias e o interesse do Governo em não continuar com as subconcessões nos moldes que existem actualmente. O Governo deve rever o actual regime e, se necessário, estender o número de concessões, mantendo seis concessões”, referiu. O advogado deu ainda mais exemplos do que considera ser uma “aberração legal”. “Não há uma base legal para as subconcessões e o Governo tem ignorado isto”, acusou. “A lei diz que o fim da concessão não implica o fim da subconcessão. Esta é uma aberração legal e deveria ser corrigida assim que possível, para que a situação não se repita. É um problema técnico que, assim que corrigido, não deverá trazer problemas de maior para o sector”, explicou. Reversões em 2020? Na visão de Sérgio Almeida Correia, o Executivo não tem qualquer controlo sobre as operações entre concessionárias e subconcessionárias. “O Governo é marginalizado nesta negociação e não tem ganhos com os lucros das operações das subconcessões, não controla os termos dessas operações. Isso penaliza os interesses da RAEM, porque há falta de transparência”, disse. Na sua apresentação, Sérgio de Almeida Correia abordou ainda a questão da possível reversão dos bens, no fim das concessões, para o Governo. “No caso da extinção das concessões, tanto concessionárias como subconcessionárias vão enfrentar uma expropriação legal e devem preparar-se para isso, tendo em conta as devidas indemnizações”, apontou. “Não sabemos o que o Governo vai decidir, mas deve ser claro que ninguém pode ter garantias de que as concessões vão continuar no futuro com base no actual modelo”, disse ainda o advogado. Proibição do fumo é única nas jurisdições com casinos O advogado Francisco Gaivão abordou na palestra a questão do consumo de tabaco nos casinos. Em declarações ao HM, o advogado referiu que “a opção de Macau é susceptível de alguma crítica e reflexão”. “O Governo centra a discussão nas salas de fumo, mas inicialmente disse que nem isso iria ser permitido. Isso seria um perfeito disparate, a coisa mais absurda do mundo. Seria um tiro nos dois pés”, apontou Francisco Gaivão. Apesar de o Governo ter optado por manter as salas de fumo, afastando o fumo das salas VIP, faz do caso de Macau único. “Esta decisão radical não tem paralelo em mais outra parte do mundo”, defendeu. “Fica tudo como estava, mas o Governo vai proibir que se possa estar sentado numa sala VIP a fumar. Imperou o mínimo de bom senso, pois vão ser permitidas essas salas, mas vai ser proibido fumar nas salas VIP, o que é um erro. Singapura, por exemplo, que tem uma jurisdição extremamente protectora dos direitos das pessoas, tem casinos e têm áreas para fumadores”, concluiu Francisco Gaivão. Texto corrigido às 18h38
João Luz Entrevista MancheteMaria de Deus Manso, investigadora: “A expansão [dos Descobrimentos] foi essencialmente cultural” Os Descobrimentos levaram Portugal pelo mundo e o mundo de regresso a Portugal, mas também colocaram todas as culturas por onde fomos passando em contacto. O império levou Macau ao Brasil, Goa a Luanda, Lisboa a Hoi An. A professora Maria de Deus Manso faz-nos uma visita guiada pela confluência cultural que se originou na expansão lusa além-mar, em particular através da influência da Companhia de Jesus nos territórios ultramarinos Qual a importância dos jesuítas na expansão do Império Português? A Companhia de Jesus, desde a sua fundação, foi uma ordem fundamental para consolidar todo o processo de expansão e colonização portuguesa. Era uma instituição que trabalhava ao lado da Coroa. No século XVI, o Rei e a Igreja, principalmente a Companhia de Jesus, uniram-se para consolidar esse projecto. É uma ordem do período moderno, surge já com a preparação e os objectivos de partir para missão não só a nível ultramarino, como também na própria Europa. Mas no império ultramarino foi onde eles mais se destacaram. Uma das características da ordem é a mobilidade permanente, podem começar em Macau, mas partir daqui para outras áreas do império. Assim como de outras áreas para Macau. Eles não vêm, ficam e morrem aqui. Tiveram muita importância na fixação de Portugal em Macau. Foram fundamentais para a estruturação da colonização e a presença portuguesa no Oriente. Uma coisa era Macau e a sua presença aqui. Uma vez que a presença portuguesa era consentida, não tinham dificuldade em se instalarem. Outra coisa era irem até Pequim. Havia uma rejeição relativamente aos europeus, era extremamente difícil fixarem-se. A Companhia de Jesus tem a característica da adaptação; sabendo eles da dificuldade que tinham na conversão da China, optaram por se adaptarem. A missionação era extremamente difícil, passava sobretudo pelo ensino, pelos conhecimentos que tinham de matemática e astronomia. Perante isto, conseguem instalar-se na Corte, são aceites não só pelos conhecimentos, como também porque em termos visuais adaptam-se àquilo que eram os costumes e as tradições locais. Isto fez deles uma ordem com grande sucesso. Se pensarmos em termos de expansão, havia a questão do padroado português, ou seja, a Coroa portuguesa ao conquistar tinha como obrigação missionar esses mesmos espaços. A adaptação parece uma boa cartada política por parte dos jesuítas. Claro, é óbvio. Se as autoridades portuguesas ali estiverem eles tinham facilidade em impor tanto a língua, a doutrina, como até as tradições. Embora nunca haja uma pureza, digamos assim, daquilo que se pretende que seja as sociedades. Isto é, a cultura portuguesa irá alterar-se quando chega a qualquer local, irá absorver elementos de outras culturas. Aquilo a que hoje chamamos de mestiçagem, que não é apenas biológica, é também cultural, religiosa, etc.. Mas em regiões onde não há uma conquista com poder político instituído, não há quem proteja a Igreja, eles tinham de contar com as suas próprias capacidades. Isso passaria pela própria adaptação às culturas em que se inseriam. Nas suas visitas frequentes a Macau, que vestígios vê da Companhia de Jesus pelas ruas? A cultura que hoje vemos em Macau é a de uma sociedade mista, onde há confluência de muitas culturas e uma delas é a portuguesa. Não só a língua ainda permanece, mas também a religião. O catolicismo instalou-se aqui e isso dita, certamente, tradições e comportamentos que fazem com que se crie uma identidade que separa esses convertidos ao Cristianismo da restante população. Ainda que nas primeiras gerações não fossem convertidos de fé, isto é, não estavam suficientemente preparadas para o exercício do Cristianismo, à medida que vão aceitando e convivendo com locais da Companhia, vão aprendendo a língua e a doutrina também. Essa diferença vai separar. Vemos a separação e certamente a cultura em muitas componentes, desde a maneira de vestir, à culinária, à arrumação da casa. Que exemplos destaca da adaptação dos jesuítas aos costumes locais? A questão do vestuário. Se eles aparecessem vestidos de jesuítas, todos negros, eram facilmente identificados. Não é que estivesse na cabeça das pessoas a pertença a determinada ordem, mas aquela pessoa era alguém estranho às suas culturas, era um ocidental. Regra geral havia sempre a rejeição face ao outro, de ambas as partes. Se eles não fossem aceites, não fossem inseridos nas comunidades, como é que conseguiam estabelecer um diálogo, um contacto? Era uma forma algo diplomática de agir. A adaptação, neste sentido, é uma sobrevivência, a única forma que têm de ser aceites, algo que passa pelo vestuário e a alimentação, por exemplo. O choque cultural não era apenas pela fé, pela religião em si, mas pelas consequências que o Cristianismo e a conversão poderiam trazer às populações. Um cristão podia assumir uma identidade diferente, comportamentos diferentes e até afastar-se da sociedade onde estava inserido. As autoridades locais também não gostavam disso. Os cristãos assumiam alguma importância social porque, como sabemos, nalgumas sociedades a mobilidade praticamente não existia, como vemos por exemplo na Índia com o sistema de castas. Mas com o Cristianismo essa mobilidade poderia acontecer. Isso trouxe alguma desestruturação às sociedades onde as missões se estabeleceram. Houve uma reacção também à praxis do Cristianismo, isso torna-se notório se pensarmos numa sociedade poligâmica onde a religião se tenha instalado. Isso faz com que muitas das vezes tivesse havido perseguição e hostilidade face aos cristãos, em consequência dos comportamentos impostos às sociedades. O que entende por circularidade cultural? Durante muito tempo pensou-se que tudo isto estava separado, ou se ia para o Atlântico, ou se ia para o Índico; apesar de tudo ser navegável, entendia-se que as coisas estavam estanques. Isto é, não havia comunicação entre um império vastíssimo, uma rede. Temos, de facto, uma presença oficial, mas depois temos uma presença privada que se espalha, que ultrapassa em muito aquilo que entendemos como o dito império oficial. Há uma circulação. Os missionários não se fixam e vivem uma vida inteira numa única região. Eles circulam, assim como os mercadores, até os próprios escravos que transportam também uma cultura. Não só absorvem a cultura onde se vão inserir, como eles próprios transmitem a sua cultura. Fala-se pouco da escravatura asiática, que não teve a mesma dimensão da africana, mas houve também. Essa circulação transporta pessoas, mas transporta também uma cultura. Passa pelo saber, pela língua e religião, mas também plantas, sedas, materiais de decoração, como as lacas, por exemplo. O que se sente de Macau, por exemplo, no Brasil? Há dois locais no Estado da Bahia, afastados da capital Salvador, onde a influência também chegou. A 120 quilómetros de Salvador – hoje não é longe mas no século XVII era longínquo –, situa-se Cachoeira e o Seminário de Belém, que foi construído pelos jesuítas. Aí encontramos elementos orientais. Na chamada, agora, Igreja do Carmo em Cachoeira temos cinco Cristos chineses. Sabemos que o Porto de Salvador era importantíssimo, tinha uma grande ligação com Goa e Macau, daí não ser estranho encontrarmos os enormes cristos chineses, assim como um grande armário oriental. Como é que isto foi lá parar? Quem foram os artistas que fizeram estes Cristos e este armário? Também no Seminário de Belém o tecto da sacristia está todo decorado com motivos e flores orientais. Isto são dois elementos bem visíveis de como a arte e os artistas circulavam. Se os Cristos têm aspecto chinês não terão sido, certamente, cristãos europeus a terem feito estas peças. Também temos marfins orientais que circulavam por estas regiões. Temos também toda a fauna e flora que vai daqui para lá, que hoje é tida como brasileira. Por exemplo, o coqueiro veio da Índia. O chá veio do Oriente e ganhou muita importância. A expansão não foi só militar, não foi só económica e política, ela foi, essencialmente, cultural. À luz dos seus estudos, o que encontra nestas ruas sempre que vem a Macau? Encontro a História e Portugal. Gostaria de encontrar mais a língua portuguesa, de facto as ruas estão escritas em português, mas lamento muito que na Universidade de Macau o português não tenha sido opção. Acho que houve algum descuido relativamente à língua. Mas, nalgumas zonas de Macau, não digo nas zonas dos casinos, sinto que estou em ruas que são, efectivamente, portuguesas. Não só pelas igrejas, mas também pela calçada portuguesa, o azulejo, a Misericórdia, que era uma instituição portuguesa e que acompanhou todo o processo expansionista português. O que tem de especial a portugalidade que deixa tantas marcas por onde foi passando? As missões jesuítas não ficavam apenas onde estava a presença portuguesa. Levam a cultura e a língua a outras partes do globo. Se formos ao Vietname encontramos presença portuguesa, assim como Malaca, Timor e por aí fora. O projecto imperial teve uma faceta muito violenta porque impôs a cultura, que muitas vezes não foi aceite pacificamente, mas que resultou de uma conquista, ou de outros interesses económicos das autoridades locais. Se pensássemos apenas no projecto territorial, com conquista militar, com uma estrutura política similar à que tínhamos em Portugal, tudo com o objectivo apenas de fazer comércio, sem mais nenhuns contactos, não teria cá ficado o português, nem a religião, nem a arquitectura, etc.. Essa presença é, efectivamente visível em Macau.
Hoje Macau Manchete PolíticaRecrutamento | Chui Sai On diz estar “triste” com processo do Instituto Cultural Momentos antes de partir para Pequim, onde participou no Fórum “Uma Faixa, Uma Rota”, Chui Sai On disse “estar triste” com o caso no Instituto Cultural, que levou à abertura de um processo disciplinar. O Chefe do Executivo referiu ainda estar atento ao mercado imobiliário [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] caso do recrutamento ilegal no Instituto Cultural (IC), revelado pelo relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), deixou o Chefe do Executivo “triste”. Foi o que disse Chui Sai On, segundo a Rádio Macau, momentos antes de embarcar para Pequim, onde chefiou a delegação da RAEM participante no Fórum “Uma Faixa, Uma Rota”. “Estou muito triste. Nós temos de ter a responsabilidade de fazer bem. O facto de um serviço ter feito isso ao longo de tantos anos sem ninguém descobrir deve levar a que sejam feitas algumas mudanças. É preciso identificar onde surgiu o problema. O Governo também tem de assumir a responsabilidade e vou falar com o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, para ver como é que podemos evitar que haja mais serviços com este problema”, disse Chui Sai On no Aeroporto Internacional de Macau. Citado por um comunicado oficial, o Chefe do Executivo adiantou ainda que o relatório elaborado pelo IC vai ser encaminhado para o CCAC “para efeitos de análise”, tendo referido ainda que “o caso deve ser revisto, já que houve um longo desconhecimento dos problemas existentes”. Atento ao imobiliário Questionado sobre a recente medida adoptada pelo Executivo para travar a especulação imobiliária, relacionada com a queda dos rácios bancários, Chui Sai On explicou que a deliberação foi decidida em conjunto com o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, “após um longo período de fiscalização”. O Chefe do Executivo disse aos jornalistas que “mais de 90 por cento das transacções do mercado imobiliário foram feitas com capital local”, sendo que “há mais residentes locais que adquirem mais do que uma casa”. Para Chui Sai On, uma redução dos rácios bancários “é importante do ponto de vista da segurança financeira e do desenvolvimento saudável do mercado imobiliário local”. O Chefe do Executivo promete “estar atento ao referido mercado, no sentido de recolher opiniões e de as analisar adequadamente”. Sobre as novas normas de utilização dos capacetes por parte de condutores de motociclos, Chui Sai On garantiu que as opiniões enviadas pelas associações à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego “serão cuidadosamente analisadas”. O Chefe do Executivo defendeu que as novas normas visam garantir a segurança dos condutores, sendo que a primeira fase da execução do regulamento “dá ênfase ao apelo e não à multa”. Chui Sai On “espera através de campanhas de sensibilização, coordenar com a população, no sentido de salvaguardar a segurança dos cidadãos”, conclui o comunicado.
João Luz Manchete SociedadeCrime | Número de toxicodependentes diminuiu em 2016 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] consumo de estupefacientes em Macau é um crime que, aliás, foi agravado na última revisão à lei. Os serviços acreditam que desta forma estão a ajudar quem tem problemas com drogas, encarando a pena de prisão como uma oportunidade para desintoxicação Durante a primeira sessão plenária deste ano da Comissão de Luta contra a Droga (CLD), foi anunciado o decréscimo dos consumidores de estupefacientes em 2016. No ano passado, os serviços registaram um número total de 548 toxicodependentes, dos quais 6,2 por cento eram jovens. Este número representou um decréscimo de 55,3 por cento quando comparado com o período homólogo de 2015. Hoi Va Pou, chefe do departamento de Prevenção e Tratamento da Dependência do Jogo e da Droga, acredita que esta diminuição se “deve ao trabalho de prevenção realizado na comunidade e em locais como as escolas”. A droga mais usada foi a metanfetamina, mais conhecida por “ice”, representando 35,4 por cento dos consumidores de estupefacientes. É de realçar que a percentagem de pessoas que consome “ice” tem vindo a subir. Outro dos dados avançados por Hoi Va Pou foi o local mais usado para os consumos punidos por lei. Mais de 70 por cento dos toxicodependentes consumiu drogas de forma oculta, seja em sua casa, na casa de amigos ou em quartos de hotel. No ano passado, em média, cada toxicodependente gastou em droga 7330 patacas, um valor que representa um acréscimo de 11,8 por cento em relação a 2015. Consumo criminal Actualmente, o consumo de drogas em Macau é um crime, contrariando a tendência registada entre os países mais desenvolvidos, que passaram a tratar o problema da toxicodependência como uma doença, os toxicodependentes como doentes e não criminosos. Isso não acontece por cá; aliás, a revisão legal do início deste ano agravou a pena para os consumidores. Quando questionada sobre se Macau devia seguir esta tendência de mudança de paradigma no tratamento do problema da droga, Hoi Va Pou foi peremptória. “Em Macau, o consumo de drogas é um crime, aumentámos a pena de prisão e esperamos que através da alteração da lei possamos ajudar estas pessoas.” A chefe do departamento lembrou ainda que o regime legal prevê a pena suspensa para quem avance para processo de desintoxicação. Outro dos assuntos revelados à margem da reunião da CLD foi a realização em Macau do Dia Internacional Contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas, que acontecerá entre Junho e Agosto deste ano. Outro dos eventos em destaque foi a Conferência Nacional sobre a Prevenção e Tratamento da Toxicodependência de 2017, que se realiza em Outubro em Hong Kong, que contará com os vogais da comissão. Com a meta de reduzir o consumo de droga, os serviços revelaram que pretendem reforçar as acções de sensibilização, assim como recorrer às equipas de intervenção comunitária para jovens em instituições particulares. Noutro capítulo, a CLD apresentou aos seus membros o conteúdo da última sessão das comissões de estupefacientes das Nações Unidas, onde foram apresentados dez novos tipos de substâncias sujeitas a controlo internacional, assim como dois tipos de precursores de drogas. A comissão quer incluir estes novos estupefacientes na lista de substâncias proibidas.
Andreia Sofia Silva Desporto MancheteBenfica | Tetracampeonato celebrou-se em Macau A quarta vitória consecutiva no campeonato português de futebol pelo Sport Lisboa e Benfica celebrou-se este fim-de-semana em Macau. Santos Pinto, proprietário do restaurante O Santos, vai realizar o habitual jantar da celebração, já a pensar no pentacampeonato. “Ainda tenho espaço para mais cachecóis”, assegura [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Macau não há uma rotunda com o nome do Marquês de Pombal, mas a festa pela celebração da quarta vitória consecutiva do Sport Lisboa e Benfica (SLB) em mais um campeonato nacional de futebol não deixou de se fazer em vários locais. O bar Roadhouse foi um dos espaços que juntou muitos adeptos, que festejaram pela noite dentro. Santos Pinto, proprietário do restaurante O Santos, não foi para a rua, mas festejou a vitória do clube do seu coração em casa, com a filha. “A minha filha pediu-me para ver o jogo em casa com ela, e foi aí que festejei. E ela aproveitou para ver o resto do festival [da Eurovisão], mas eu já não tive forças para festejar. Foi fantástico”, contou ao HM. O Benfica conquistou no sábado o 36.º título de campeão nacional de futebol da sua história, o quarto consecutivo, ao vencer na recepção ao Vitória de Guimarães, por 5-0, em jogo da 33.ª e penúltima jornada da I Liga, contabilizando 81 pontos, mais oito do que o FC Porto, que contava no sábado com menos um jogo. Santos Pinto assume ter ficado “super feliz”, mas estava com receio de que algo pudesse não correr bem durante os 90 minutos de jogo. “Estava sempre com aquela dúvida, se tudo corria bem ou não, mas graças a Deus correu bem. Estava muito confiante. Gosto muito do Rui Vitória, o presidente nem se fala, e gosto muito da equipa que o Benfica tem.” O deputado José Pereira Coutinho foi outro dos adeptos que acompanhou a vitória do clube lisboeta à distância. “Fiquei muito contente. Sou adepto do clube desde que o meu pai me levou ao Estádio da Luz, em 1964”, lembrou Coutinho, que frisou ainda o facto da vitória benfiquista se ter feito na mesma altura da ida do Papa Francisco a Portugal e da vitória de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão. “Agora só falta o [José] Mourinho ganhar a Liga Europa ao Ajax”, brincou. Jantar a caminho Santos Pinto já tem tudo pensado para a habitual celebração na Rua do Cunha, só falta acertar a data com a direcção do Benfica de Macau, encabeçada por Duarte Alves. Até ao fecho da edição, não foi possível obter uma reacção do dirigente local. “Vou avisar toda a malta benfiquista de Macau para nos juntarmos na Rua do Cunha para festejar o nosso tetracampeonato. Espero mais pessoas [em relação ao ano passado”, apontou Santos Pinto. “De certeza que não vai faltar muito tempo. Já falei com o Benfica de Macau, para ver qual é o calendário deles, para ver se nos conseguimos juntar todos. Os tetracampeões de cá e de lá”, disse. Mesmo na Taipa, o espírito sentido nas ruas de Lisboa, no passado sábado, vai manter-se. “Aqui a praça do Marquês de Pombal na Rua do Cunha vai estar cheia de gente, vai ser uma invasão benfiquista.” Santos Pinto já está a contar com a chamada dobradinha, ou seja, que o Benfica vença também a Taça de Portugal. E até conta com mais um ano de campeonato ganho. “Estou à espera, sem dúvida. Perdemos com o Guimarães a final da taça, mas este ano espero bem que não. Vamos ganhar este ano a dobradinha. Estamos a caminho do penta. Dizem-me que não tenho mais espaço para guardar cachecóis, mas ainda tenho”, ironizou. Vitória de todos O presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, alargou a todos os adeptos encarnados a responsabilidade pela conquista do tetracampeonato de futebol, realçando a ambição de continuar a fazer história. “Dizem que eu sou o pai do ‘tetra’, mas o pai do ‘tetra’ é o Benfica, somos todos nós. Agradeço-vos profundamente por todo o apoio que nos deram, aos jogadores, aos treinadores, a toda a estrutura profissional do Benfica, pela oportunidade que nos deram de estarmos hoje aqui”, afirmou Luís Filipe Vieira, na praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, citado pela agência Lusa. Dirigindo-se aos milhares de adeptos benfiquistas reunidos neste ponto central da capital portuguesa, o líder do emblema das ‘águias’ reconheceu a satisfação e apontou ao futuro. “Estamos todos felizes, hoje fizemos história, mas queremos continuar a fazer história. Todos juntos vamos sempre conseguir concretizar os nossos sonhos e os nossos objectivos. Viva o Benfica!”, rematou Vieira. Já o treinador do clube, Rui Vitória, considerou que os seus jogadores fizeram uma história que ninguém esquecerá. Vitória falou que o Benfica está “a viver um momento único”. “Foram 10 meses de trabalho árduo, com estes grandes jogadores. Foram nove meses em primeiro lugar, foi uma luta constante para termos este ‘tetra’. Hoje estou orgulhoso, satisfeito, realizado, por uma vitória que jamais esqueceremos. Sintam o privilégio de viver esta história”, disse. O treinador ‘encarnado’ lembrou outras gerações de “enormes jogadores” que ficaram pelo tricampeonato. “O ‘tetra’ fica com esta equipa e fica connosco, que temos a possibilidade de viver esta história. Nunca mais nos vamos esquecer desta noite, deste momento. Podemos contar a netos, filhos. É único no Benfica e nós fomos os primeiros”, afirmou. Rui Vitória terminou dando “parabéns aos jogadores, a todos os que directamente trabalharam” com a equipa do Benfica e “a todos vós que encheram o estádio” todas as jornadas.
Hoje Macau MancheteSalvador Sobral – “Amar Pelos Dois” “Amar Pelos Dois” Se um dia alguém perguntar por mim Diz que vivi para te amar Antes de ti, só existi Cansado e sem nada para dar Meu bem, ouve as minhas preces Peço que regresses, que me voltes a querer Eu sei que não se ama sozinho Talvez devagarinho possas voltar a aprender Meu bem, ouve as minhas preces Peço que regresses, que me voltes a querer Eu sei que não se ama sozinho Talvez devagarinho possas voltar a aprender Se o teu coração não quiser ceder Não sentir paixão, não quiser sofrer Sem fazer planos do que virá depois O meu coração pode amar pelos dois Salvador Sobral
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteTeté Alhinho, cantora: “Nós nascemos com a música” A cantora de Cabo Verde Teté Alhinho sobe hoje ao palco do Teatro D. Pedro V para dar a conhecer o seu último disco, “Mornas ao Piano”. Pela primeira vez no território, a convite da Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana, fala ao HM da sua relação com a música e com a terra que lhe deu o ritmo e o sentir [dropcap]O[/dropcap] seu site de apresentação começa com “Nasci ao som das ilhas e delas herdei o ritmo e o sentir”. O que é nascer ao som das ilhas, como são o seu ritmo e o seu sentir? O ritmo das ilhas não é o mesmo do continente. Temos mar por todos os lados. Os sons são muito diferentes, até porque só esta presença de mar também o é. O vento também vem com diferentes sons. Vem, ora de um lado, ora do outro. Claro que é uma forma também metafórica para situar o lugar onde nasci e, talvez, porque é que sou como sou. Os ilhéus também têm um ritmo especial de vida, e dão uma forma diferente de ser a Cabo Verde, que tem uma forma de sentir muito peculiar. De sentir a música, por exemplo, porque é um país muito musical. Que particularidade é essa? Porque somo ilhéus, temos sempre uma necessidade de partida, de procurar o mar. Temos esse instinto, o de ir e depois voltar. É o mar que nos leva e é o mar que nos traz. Também somos, penso, mais abertos e receptivos a muita coisa. O mar também nos traz muita gente de diferentes latitudes. Sou da Ilha de S. Vicente, cujo Porto Grande trouxe sempre muitas pessoas de várias nacionalidades. Uns ficam, outros não, e isso cria uma certa abertura de mente que acho que o cabo-verdiano tem. Não é uma mentalidade local, fechada, é aberta ao novo, mas também muito ciente do que é seu. Por outro lado, e falando da musicalidade local, nós nascemos com a música. É a mãe que canta, é a empregada que canta, é a dança que aparece desde o colo da mãe. Eu cresci assim: com uma mãe que gostava de cantar. O meu pai também gostava muito de música e tínhamos uma aparelhagem em casa. No Mindelo sempre houve a presença constante da música. Não tinha por onde fugir. Tivemos também um piano em casa e era a nossa diversão lá em casa. Ao falar de Cabo Verde é quase impossível não nos remetermos para a morna. Vamos ter um concerto de mornas ao piano. O que é para si a morna de Cabo Verde? É a expressão geral e comum de todo o cabo-verdiano. O barlavento tem os seus ritmos e o sotavento tem outros. A morna fez-se sempre mais em S. Vicente e Boa Vista. A morna, penso, foi a forma que encontrámos para traduzir a nossa nostalgia provocada pela distância. O cabo-verdiano sempre emigrou e com isso nasce a saudade: com as partidas, as tristezas, as perdas e o amor, claro. Já dizia o Baltazar Lopes que acelerando a morna chegava-se à coladeira. A coladeira acabou por ser um ritmo que veio tirar um pouco da melancolia associada à morna. É um ritmo que começa já a tratar de outras coisas, como o quotidiano, a crítica social e um pouco de sátira. Costumo dizer que a morna é um sentir comum cabo-verdiano. Como é que aparece o piano associado à morna? Normalmente a morna é associada à guitarra porque se trata de um instrumento barato. Mas a morna também se tocava ao piano em Cabo Verde. Se recuarmos no tempo, encontramos grupos que usavam o piano. Em S. Vicente, em particular na Rua de Lisboa, havia o Café Royal que tinha um piano. Todos os que tocavam piano paravam ali e era um instrumento que se ouvia sempre, até porque Mindelo era muito pequenino. Este disco acabou por ser uma coisa natural. O piano para mim sempre existiu na música de Cabo Verde. Não com a mesma expressão da viola, a que chamamos violão, mas sempre existiu. Daí este projecto “Mornas ao Piano”. A sua carreira também passou por um projecto dedicado a crianças com o disco “O Menino das Ilhas”. Como é que apareceu esta vertente? Eu adormecia os meus filhos a cantar. Ao cantar ia compondo alguns temas para crianças e ia guardando essas canções. Quando regresso a Cabo Verde em 1991, não havia nada para crianças. Temos um cancioneiro que é herdado e não é, realmente, nacional. Há algumas canções, mas dirigidas mais para a dança infantil. Pensei que fazia falta um trabalho para os mais novos e eu tinha três filhos pequenos. Foi assim que um dia me levantei e disse: vou gravar um disco para crianças. A partir desse dia, o disco nasceu. É um trabalho de que gosto muito também porque está muito ligado aos meus filhos. Também trabalhou com a sua filha Sara. Neste disco a Sara trabalhou comigo em três temas. Depois continuámos a colaborar. Sempre a vi como uma miúda muito entoada desde pequena e sempre tentei estimulá-la para a música. Fizemos um disco depois que se chama “Gerações” por ter esse sonho, o da filha que seguisse a música e que pudesse fazer aquilo que eu não tinha conseguido. Nascemos em épocas diferentes. Ela podia ter feito, por exemplo, uma carreira para crianças. Mas acabou por ir estudar para as Canárias e escolheu outras prioridades. Que música é que ouve e a inspira? Ouço música quando tenho tempo. Gosto de ouvir de tudo um pouco. Gosto muito de ouvir Bana e da Cesária. Gosto dos artistas mais modernos, mais jovens. Gosto da música instrumental cabo-verdiana. Quando tenho tempo levanto-me e ponho música, alguma que também possa dançar um bocadinho. Gosto especialmente da Cátia Guerreiro e do Jorge Palma. Ofereceram-me uns CDs do Sérgio Godinho que oiço para o descobrir. O Sérgio tem de ser descoberto. Depois também gosto muito da Ella Fitzgerald. Gosto de música. O que é cantar para si? Tem sido diferentes coisas em diferentes momentos. Em pequenina comecei a dançar. Depois o cantar começou a estar associado à minha casa, aos meus irmãos, ao piano que tínhamos, à alegria. Aliás, cantar é sempre uma alegria e canto mais quando me sinto bem. Depois foi o despertar, a partir dos oito anos. Foi um descobrir-me para a música, para o facto de conseguir e saber cantar. Era sempre uma coisa muito boa. Com o 25 de Abril, o cantar foi uma forma de eu também participar no movimento pró-independência. Tinha cerca de 17 anos nessa altura e era o cantar de músicas de protesto e luta. Foi a minha contribuição para o processo de independência e de reivindicação dos direitos do nosso país. Depois fui para Cuba e cantar era já um processo e manifestação cultural daquilo que era Cabo Verde. Passei pelo México e vou para Portugal já com três filhos. Cantar foi então para mim um escape muito grande. Tive três filhos em três anos e meio, o que fez com que tivesse vivido muitos anos seguidos entre casa, fraldas e comida. Sou também licenciada em Educação Física e ia trabalhar, aliás precisava de o fazer. Mas começava a precisar de mim porque, no meio disto tudo, eu tinha desaparecido. Essa necessidade de mim acordou-me. Tinha de fazer alguma coisa e decidi gravar um disco. Vesti-me, nunca me vou esquecer, com uma saia azul, uma blusa branca e uns sapatos azuis da tia Alice, meti-me a caminho e fui aos Olivais ver o Péricles Duarte. Ele aceitou, foi ver as músicas que tinha, falou com o Paulino Vieira, começámos a ensaiar e foi assim que nasceu o “Mares do Sul”, nos estúdios da Valentim de Carvalho. É um disco pelo qual eu tenho um grande apreço porque representa um marco. Foi tornar a ganhar um pouco o meu espaço que estava todo tomado pela família, que era a minha prioridade. Nunca deixei de fazer música a partir desse momento. Agora, a música é essencialmente comunicação. É o resultado de tudo o que vivi. É o poder expressar o que sinto. É a consolidação de todo este crescer. É o partilhar as minhas composições, o meu sentir e aquilo que a própria música representa. A música consegue o que nada mais consegue, consegue ser universal. Acho que cria uma confluência de sentimentos e uma união. Muita gente diz-me que não entende as palavras, mas que sente o que ouve. Acho que a música é capaz de ir muito longe. A música limpa. Acredito que a arte em geral – e a música em particular – é a grande esperança da Humanidade. Por outro lado, é um retorno de tudo o que tenho feito na vida. Não digo que seja tardia, mas é antes o resultado das minhas escolhas e é também o que me resta para preencher o que ainda tenho para viver. Também me provoca encontros com outras pessoas e com outros lugares. A música permite-me ter boas memórias.