Comité Olímpico | Manuel Silvério entende que Macau ainda não desistiu

O Chefe do Executivo disse ontem que Macau “compreende que, por não ser um país soberano, não poderá integrar” o Comité Olímpico Internacional. Manuel Silvério, antigo presidente do Instituto do Desporto, afirma que não se trata de uma desistência. E diz que o processo não deve ser suspenso

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]orria o ano de 1989 quando Macau escreveu uma carta de intenções a pedir para integrar o Comité Olímpico Internacional (COI), processo que continua pendente por não ser um país, apesar da mudança de estatutos da organização em 1997. Hong Kong faz parte do COI desde 1951.

Ontem, no âmbito de um encontro com Gou Zhongwen, director da Administração Geral do Desporto e presidente do Comité Olímpico da China, o Chefe do Executivo, Chui Sai On, disse que Macau “compreende que, por não ser um país soberano, não poderá integrar o Comité Internacional, apesar das alterações introduzidas nas regras do COI”.

Ao HM, Manuel Silvério, ex-presidente do Instituto do Desporto (ID) que acompanhou o processo de tentativa de adesão ao COI até 2008, ano em que se reformou, não está em causa uma desistência por parte da RAEM.

“Analiso esta declaração não como uma desistência, mas como uma grande esperança de ser a República Popular da China a apoiar, a levantar e a forçar o processo. Se não tiver vontade política, de certeza que o Chefe do Executivo sabe que não pode forçar, nem trabalhar nesse sentido.”

Manuel Silvério considera que, segundo a Lei Básica, Macau tem direito a pertencer ao COI, se colocar a designação “Macau, China”, “tal como o que aconteceu com Hong Kong”, apontou.

Apesar disso, o impasse persiste. “Todos os dirigentes do COI admitem que o pedido de Macau é diferente dos outros. Não devem castigar Macau por uma decisão tardia e adiada pelo próprio COI [sobre a mudança dos estatutos].”

Manuel Silvério diz não conseguir explicar porque é que este processo ainda não ficou concluído. “Não devo ser eu a responder a isso, e julgo que os actuais dirigentes do Comité Olímpico de Macau também não saberão responder ou nem têm coragem para responder.”

“Como pessoa ligada ao desporto e residente digo que, se Macau desistir, e se as pessoas pensarem em não levar para a frente essa luta, não estamos a fazer as coisas de acordo com a Lei Básica, não estamos a fazer as coisas como Hong Kong fez e somos nós próprios que estamos a recusar um direito que é nosso”, acrescentou.

As tais declarações

Manuel Silvério recorda o passado para ir buscar palavras de Chui Sai On, na Assembleia Legislativa, acerca da adesão da RAEM ao COI. “A única pessoa que disse, publicamente, e na Assembleia, foi o actual Chefe do Executivo, de que Macau não estaria interessado. Para mim ele está a tentar rectificar o que afirmou há uns anos.”

O ex-presidente do ID garante que a China sempre apoiou uma adesão de Macau ao COI. “Pelo que sei, a RPC e o Comité Olímpico da China sempre apoiaram esse desiderato de Macau. Nunca, nem formalmente nem informalmente, a China falou dos inconvenientes dessa afiliação. Nenhum dirigente, nem o actual nem os anteriores, mostraram que a China não quer que Macau participe.”

A adesão esteve prestes a ser uma realidade há dez anos, mas Manuel Silvério não adianta quais foram os entraves que evitaram que isso acontecesse. “Há uns anos, em 2007, faltava apenas um passo para Macau entrar no COI. Nessa altura, o presidente do COI visitou Macau e assistiu à abertura dos Jogos Asiáticos em Recinto Coberto.”

No encontro com Gou Zhongwen, Chui Sai On referiu ainda que o facto de Macau ser membro da direcção do Conselho Olímpico da Ásia (COA) permitiu “desenvolver as modalidades desportivas em alta competição, sendo também um enorme incentivo para os atletas locais”.

7 Mar 2017

Cartaz | Apresentado o programa do Festival de Artes de Macau

Macau está em ebulição com eventos culturais a preencher o calendário do público. Foi ontem apresentado o cartaz do 28.º Festival de Artes de Macau, que começa a 28 de Abril, e que encherá a cidade de espectáculos até 31 de Maio

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Festival de Artes de Macau (FAM) já mexe. Foi ontem apresentada a programação do evento que terá mais de 100 actividades, da música à dança contemporânea, passando por diversas variantes de teatro.

A edição deste ano tem um orçamento mais modesto: são 23 milhões de patacas. “Fizemos o planeamento mais cedo, alguns dos projectos são financiados pelo Governo e por isso pudemos reduzir o orçamento”, revelou Leung Hio Ming, presidente do Instituto Cultural (IC). O investimento no festival teve uma poupança de cerca de quatro milhões de patacas em relação ao ano passado. De acordo com Leung Hio Ming, tal redução de orçamento “não vai afectar a qualidade dos espectáculos”.

O tema transversal à programação do FAM é a “Heterotopia”, uma ideia baseada na heterogeneidade do espaço que se reflecte num caleidoscópio de textos, imagens, histórias e música.

O festival abre com o espectáculo “Play and Play: An Evening of Movement and Music”, que é uma reinterpretação de clássicos de Schubert e Ravel pela internacionalmente aclamada companhia de dança moderna norte-americana Bill T. Jones/Arnie Zane. A mesma companhia apresenta ainda a representação de “A letter to my nephew”. Escrito pelo coreógrafo Bill T. Jones, o espectáculo é baseado numa carta imaginada ao sobrinho enquanto este repousa numa cama de hospital. Esta história é contada através de misturas delirantes de música pop e canções de embalar que dão a paisagem ao bailado. Em ambos os espectáculos, a dança contemporânea é acompanhada por dois quartetos de cordas que emprestam som ao menu de movimentos aleatórios dos bailarinos.

Em cena

A encerrar o festival, o público terá um clássico do teatro russo: “A Gaivota”, de Anton Chekhov, encenado pela companhia islandesa Teatro da Cidade de Reiquejavique.

A celebrar os 110 do teatro chinês, o Teatro de Arte Popular de Shaanxi apresenta ao público de Macau uma produção realista do afamado clássico “Feudos nas Terras do Oeste”. A peça é um épico de guerra que retrata uma acérrima luta por território entre duas famílias, com um amor proibido pelo meio, um pouco ao estilo de Romeu e Julieta.

Ainda na área do teatro, destaque para a produção da local Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra, que levará a cena a peça “Canções de Migrantes”, que dará a conhecer memórias de migrantes locais. Este espectáculo aborda uma questão fulcral na história de Macau e é o primeiro de uma trilogia de espectáculos com direcção de Jenny Mok.

Fazendo uma incursão pela cultura portuguesa, o FAM deste ano conta com um bailado do emergente coreógrafo Marco da Silva Ferreira. O português traz a Macau os espectáculos “Hu(r)mano”, onde propõe uma aventura através da expressão corporal que representa a relação entre o indivíduo e a urbe. Neste espectáculo sobem ao palco quatro bailarinos, que interagem de forma a reflectir a realidade urbana moderna. Como já tinha sido tornado público, também o artista Vhils, Alexandre Farto, vai fazer parte do cartaz, com uma exposição que vai além das intervenções que, por norma, faz em espaços públicos.

Também dentro da dança moderna, o FAM propõe a ousada obra “Aneckxander: uma autobiografia trágica do corpo”, do coreógrafo Alexander Vantournhout. O espectáculo a solo equilibra-se entre a comédia e a tragédia, misturando acrobacia, linguagem corporal, num reexame da fisicalidade e do corpo humano.

Arte em família

O programa do FAM alarga-se numa multitude de espaços de imaginação artística com “palestras, masterclasses, workshops, conversas com artistas, sessões para estudantes, crítica artística e projecção de filmes”, revela Leung Hio Ming.

O espectáculo “Rusty Nails e outros heróis” é dirigido a um público de todas as idades. Fazendo uso de diferentes materiais e meios de expressão, a peça de teatro da companhia holandesa TAMTAM objektenteather apresenta uma história sem usar palavras. O espectáculo vive da interacção de objectos de dia-a-dia com a música, numa mistura que promete mergulhar o público num mundo de fantasia.

Durante a Mostra de Espectáculos ao Ar Livre, destaque para um musical infantil intitulado “Metamorfose sobre a noite estrelada, uma adaptação da Associação de Artes Pequena Montanha. A peça pensada para deslumbrar a pequenada é um teatro de marionetas onde contracenam uma lagarta e uma couve.

Com uma abordagem mais tradicionalista, a programação do FAM oferece aos público a possibilidade de assistir à ópera tradicional chinesa “A lenda da senhora general”. O espectáculo é interpretado pelo Grupo Juvenil de Ópera Cantonense dos Kaifong de Macau. Na mesma onda da ópera tradicional chinesa, chega-nos a adaptação abreviada do clássico “Senhora Anguo”, interpretada pela companhia de Teatro Nacional de Ópera de Pequim.

Variedade é uma das tónicas da edição 2017 do FAM. “Esta edição engloba 25 espectáculos e exposições de arte extraordinárias, aliados ainda a um programa de extensão que inclui, não só, produções de renome internacional, grandes obras do Interior da China e produções locais de alta qualidade”, explicou o presidente do IC na apresentação do programa.

Aos interessados que queiram beneficiar de um desconto de 30 por cento aconselha-se que estejam atentos. A partir de domingo, até dia 19 de Março, o público pode comprar bilhetes a preços reduzidos. E assim arranca mais um evento cultural de alto fôlego em Macau.


Dóci Papiáçam di Macau volta ao FAM

“Sórti na téra di tufám” é o título da peça que a companhia de teatro que usa o dialecto tradicional patuá como veículo traz aos palcos do Festival de Artes de Macau (FAM). A narrativa, entre a sorte e o azar, gira em torno de Bernardo, um afortunado azarado. A personagem ganha uma lotaria de Hong Kong, mas fica impedido de levantar o prémio por um tufão que o separa da riqueza.

Independentemente da catástrofe natural, o público pode contar com a habitual oportunidade para gargalhada oferecida pelo grupo de teatro. “Muito humor, muito sarcasmo e crítica social”, promete Miguel de Senna Fernandes, encenador e autor da peça. Num contexto de comédia, as peças do grupo de teatro apresentam o estilo de vida de Macau, numa postura de reflexão social em tom jocoso.

A peça estará patente, apenas, no FAM nos dias 19 e 20 de Maio no grande auditório do Centro Cultural de Macau. Isto “porque não há condições para outras alternativas, tudo o que seja fora do âmbito do festival implica aluguer de recinto, custos elevados”, diz o encenador.

Miguel de Senna Fernandes promete levar ao palco um espectáculo com as características a que o público está habituado. Como tal, há lugar também para a exibição dos habituais vídeos que a companhia apresenta, plenos de crítica social, “para entreter o pessoal”. Para o encenador, este ano estão reunidas as condições para as gargalhadas se espalharem pela plateia. Nesse capítulo, o encenador sabe que o público é o último juiz da qualidade da peça, do trabalho feito pela companhia, sendo que o riso é o reflexo honesto da receptividade ao espectáculo.

Para tornar a peça inteligível, uma vez que é interpretada numa língua pouco usada, o encenador revela que suavizou um bocado a língua. Neste caso, Senna Fernandes apoia-se na linguagem universal da comédia. “Usamos muita linguagem corporal e usamos as pausas para colmatar a falta de conhecimento do patuá”, releva. Mas não há razões para preocupações em falhar os punchlines, uma vez que a peça será, como é norma, legendada.

A presença do Grupo de Teatro Dóci Papiaçám di Macau é uma presença habitual no FAM. “A minha sina é escrever e encenar uma peça por ano, para o festival”, brinca Miguel de Senna Fernandes. Além de ser uma afirmação da cultura local, esta é uma questão de sobrevivência de uma língua em vias de extinção, mas que não desiste. A mensagem é: “Estamos aqui, estamos vivos e estamos a fazer pessoas rir”.

7 Mar 2017

Pequim | Reuniões magnas da China com olhos postos na liderança do PCC

É impossível dissociar um momento do outro. Este ano, lá para Outubro, o Partido Comunista Chinês vai tomar decisões importantes em relação aos futuros líderes do país. Em Pequim, arrancaram as reuniões magnas anuais. A atenção vai para os possíveis futuros membros do Comité Permanente do Politburo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] cenário é bem diferente de há uma década. Quando chegou o momento de se começar a definir a futura liderança da China, Xi Jinping e Li Keqiang estavam em clara situação de vantagem em relação aos restantes principais nomes da política do país. Agora, as pistas são poucas, numa altura em que o Presidente cumpre o último ano do primeiro mandato e há vários políticos do Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC) que se deverão retirar em breve, devido à idade.

Porém, é bastante possível que não surjam grandes novidades tanto na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, como na sessão da Assembleia Popular Nacional. Com o fim do mandato de Xi Jinping, ambos os eventos devem reflectir um balanço do que tem sido o consulado da actual direcção do partido.

O analista político Arnaldo Gonçalves prevê que os encontros de Pequim sejam “muito pouco virados para o futuro”. No fundo, não considera que as reuniões tragam “grande impacto”, indo pouco além do cumprimento de calendário. O especialista em política internacional antecipa que as directrizes para os próximos quatro ou cinco anos serão “decididas no congresso do Partido Comunista Chinês”.

José Carlos Matias também prevê pouco espaço para surpresas. “Normalmente, estas reuniões são bastante coreografadas. A Assembleia Popular Nacional valida aquilo que é previamente discutido nos órgãos do partido. É claro que existe algum espaço para debate, mas o essencial está previamente definido”, comenta o jornalista.

No fundo, estas duas reuniões podem ser o corolário do que tem sido a actual liderança chinesa. “Espera-se uma afirmação daquilo que é definido como o pensamento e a visão do líder Xi Jinping sobre o desenvolvimento nacional, sobre a concretização do projecto, do sonho chinês. Reflectindo aquilo que tem sido um processo de consolidação de poder do Presidente”, reflecte José Carlos Matias.

Menos partido, mais partido

O Outono vai ser decisivo para se perceber o que vai ser a China dentro de cinco anos. As reuniões magnas que, por estes dias, decorrem em Pequim deverão ficar marcadas pelo que acontecerá lá para Outubro. Por norma, os futuros líderes chineses são escolhidos entre os elementos do Comité Permanente do Politburo do PCC.

Há quem considere que a incógnita em torno da sucessão tem que ver com os esforços levados a cabo por Xi Jinping para acabar com facções e grupos dentro do partido. Citado pelo Channel NewsAsia, Tom Rafferty, o principal analista para a China da Economist Intelligence Unit, subscreve esta teoria e deixa um exemplo: “A Liga da Juventude Comunista costumava ter muito poder dentro do PCC, mas tem havido um esforço para, em certa medida, lhe cortarem as asas”. Foi a chamada ala jovem do PCC que avançou com o nome do antigo procurador da RAEM para Chefe do Executivo, tendo defendido, em 2009, que Ho Chio Meng seria o melhor sucessor de Edmund Ho.

Voltando a Pequim e a Tom Rafferty, o analista ressalva que o PCC continua a ser “uma estrutura gigantesca, onde existem as mais diversas opiniões e com facções activas”, pelo que mesmo agora “Xi Jinping não pode fazer tudo como deseja”. É por isso que todas as movimentações que acontecem por estes dias em Pequim, durante a sessão anual da Assembleia Popular Nacional, podem ter um especial significado.

Há vários nomes que têm sido avançados por observadores da política chinesa como candidatos ao grupo dos mais poderosos, o Comité Permanente do Politburo, a começar por Zhou Qiang, o presidente do Supremo Tribunal Popular da China. Da lista dos preferidos fazem também parte Wang Yang, um dos quatro vice-primeiros-ministros; Hu Chunhua, secretário do PCC na província de Guangdong; Sun Zhengcai, o líder do partido em Chongqing. Depois, há ainda Zhao Leji, responsável máximo pelo Departamento de Organização do PCC, e Wang Huning, que integra já o Politburo.

“Se Sun Zhengcai ou Hu Chunhua não integrarem o Comité Permanente do Politburo, não haverá nenhuma figura jovem o suficiente para assumir a liderança em 2022”, observa Tom Rafferty. “Poderemos assumir que se trata de um sinal de que Xi Jinping está a considerar seriamente a possibilidade de alargar o seu tempo de permanência no topo”.

Tamanho e poder

Alguns analistas especulam que o Comité Permanente do Politburo poderá ser reduzido, passando de sete para cinco elementos. As variações da dimensão do comité são importantes, na medida em que poderão influenciar qual a facção do partido que efectivamente detém a capacidade de decisão. Se houver uma diminuição, tal poderá ser sinónimo de consolidação do poder de Xi Jinping.

“Um Politburo mais pequeno é como um gabinete de guerra, que poderá tomar decisões de forma muito rápida. Se o processo de decisão for reduzido, podemos interpretar isso como um sinal de que Xi Jinping está a tornar-se ainda mais poderoso”, afirma o director do Lau China Institute do King’s College, Kerry Brown.

“Se continuar como está, é porque existe consenso e consistência. Se aumentar de tamanho, presumo que será um sinal de que existe necessidade de envolver mais pessoas com responsabilidade em determinadas áreas políticas”, acrescentou.

Tem existido ainda alguma especulação em torno da permanência de Wang Qishan, chefe do órgão de combate à corrupção, no Comité Permanente do Politburo, apesar de estar a atingir a idade da reforma. O limite para o exercício de altas funções políticas não está legislado – mas Deng Xiaoping deu origem a uma norma que tem vindo a ser respeitada.

“Parece-me que é, agora, uma hipótese mais consistente do que era no início do ano. Wang Qishan não representa uma ameaça política para Xi Jinping. É muito bem visto como economista, pelo que existe a possibilidade de vir a ser primeiro-ministro, com Li Keqiang a passar para a liderança da Assembleia Popular Nacional”, arrisca Kerry Brown.

No meio de tudo isto, existe ainda uma carta importante – fora do baralho, mas de grande relevância para o jogo – chamada Administração Trump. Os analistas acreditam que se os Estados Unidos avançarem com uma política agressiva em relação à China, as figuras mais conservadoras da política nacional ganharão força para conseguirem um lugar onde se tomam as decisões de alto nível.

Li Keqiang critica apelos pró-independência

O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, advertiu ontem que os apelos para a independência de Hong Kong “não vão levar a lugar nenhum”. Relativamente a Taiwan, Li Keqiang também advertiu que a China se opõe firmemente ao “separatismo”: “Vamos resolutamente contrariar e conter as actividades separatistas pela independência de Taiwan”.

“Nunca iremos tolerar qualquer actividade, sob qualquer forma ou nome, que tente separar Taiwan da mãe-pátria”, frisou Li Keqiang, sustentando que a China continuará a “defender o ‘Consenso de 1992’ como base política comum, a salvaguardar a soberania e a integridade territorial do país”, assim como manter a estabilidade dos dois lados do Estreito da Formosa.

O jornal de Hong Kong South China Morning Post destaca tratar-se de um gesto sem precedentes, dado que foi a primeira vez que a noção de “independência de Hong Kong” foi mencionada – e publicamente condenada – no relatório anual do Governo apresentado pelo primeiro-ministro chinês na abertura da sessão anual da Assembleia Popular Nacional (APN), constitucionalmente “o supremo órgão do poder de Estado”.

“Iremos continuar a agir em estrita conformidade com a Constituição da China e com as Leis Básicas das Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau, e iremos garantir que o princípio ‘Um País, dois sistemas’ é aplicado com firmeza sem ser deformado ou distorcido”, refere o relatório anual.

O discurso do primeiro-ministro chinês tem lugar precisamente três semanas antes das eleições, marcadas para o próximo dia 26, para escolher o chefe do Executivo de Hong Kong, eleito por um comité eleitoral formado por 1.200 membros, representativos de diferentes sectores da sociedade, que é dominado por elites ou interesses pró-Pequim.

Um ano agitado

No ano passado, surgiram na cena política da antiga colónia britânica novos partidos com aspirações independentistas, como o Demosisto, que defende a realização de um referendo sobre a “autodeterminação” e o futuro estatuto de Hong Kong após 2047.

Além disso, em Outubro, estalou uma controvérsia em Hong Kong, depois dos dois deputados pró-independência Sixtus Baggio Leung Chung-hang e Yau Wai-Ching se terem comprometido a servir a “nação de Hong Kong” e pronunciado “China” de forma considerada ofensiva, entre outras alterações ao discurso quando prestaram juramento no Conselho Legislativo (LegCo, parlamento).

Tal levou o Comité Permanente da APN da China a considerar que os dois deputados não podiam repetir o juramento do cargo e tomar posse, uma decisão que se antecipou à que era aguardada pelos tribunais da antiga colónia britânica.

A justiça de Hong Kong concordou depois com a rara interpretação de Pequim e os dois deputados perderam mais tarde os seus assentos no LegCo, depois de os juramentos terem sido considerados “inválidos”.

Em relação à Ilha Formosa, um novo foco de tensão surgiu após a vitória nas eleições presidenciais do ano passado da independentista Tsai Ing-wen, do Partido Democrata Progressista (PDP), que obteve 75,6 por cento dos votos. Tsai recusou aceitar o chamado ‘Consenso de 1992’, ao abrigo do qual ambas as partes reconhecem o princípio de “uma só China”, mas cada um dos lados faz a sua própria interpretação desse princípio.

6 Mar 2017

Trânsito | Tarifas dos parquímetros vão aumentar

Macau vai ter parquímetros e táxis mais caros. São as principais novidades que saíram da primeira sessão plenária deste ano do Conselho Consultivo do Trânsito

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á 30 anos que os parquímetros de Macau não são actualizados, de acordo com a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT). Como tal – e não obstante as alterações introduzidas recentemente, com máquinas que pedem mais moedas de pataca por hora –, as tarifas vão subir, faseadamente, nos próximos meses, relevou o responsável máximo pela DSAT, Lam Hin San, à saída da sessão do Conselho Consultivo do Trânsito (CCT).

A ideia dos serviços é chegar a uma paridade entre os preços de parqueamento praticados nos auto-silos e aqueles à superfície. De qualquer forma, os parquímetros vão continuar a não dar recibos aos automobilistas, violando, segundo já havia apurado o HM, o disposto no Artigo 776.º do Código Civil, que dispõe sobre o direito à quitação. Nesse sentido, Lam Hin San declarou que “quem precisar de recibo pode dirigir-se à companhia de parquímetros para o levantar”.

Uma coisa é certa, vai haver um aumento das tarifas. Para os veículos ligeiros que estacionem durante uma hora o preço a pagar será de três patacas, em vez de duas. Quem parquear durante duas horas terá de desembolsar seis patacas, em vez de quatro. Para os estacionamentos de cinco horas em zona de parquímetro, os automobilistas terão de gastar dez patacas. No que toca aos motociclos, também vão sofrer um aumento nos estacionamentos que durem mais de uma hora.

A implementação da medida será progressiva, mas entra em vigor já a partir de 1 de Abril, em fase experimental na Freguesia da Sé. Lam Hin San revelou que vai “divulgar o calendário concreto quando à actualização dos preços dos parquímetros” em breve. Mas comprometeu-se que as novas tarifas chegam ao território inteiro até 1 de Março de 2018.

Bandeirada em análise

A actualização das tarifas de parquímetros será implementada de forma faseada, tendo como objectivo o controlo do número de veículos. “Acreditamos que esta é a altura oportuna e o aumento também é adequado. Notamos que as pessoas têm por hábito estacionar nos auto-silos, portanto, esta subida de preços não irá causar impacto na população”, comentou o director.

Outro dos assuntos em cima da mesa foi o aumento das tarifas de táxis. O Governo encontra-se em discussão com as associações do sector em busca de um consenso na matéria. “No conselho recebemos muitas opiniões, contra e a favor. Vamos ouvir a população, o próprio sector e levar este assunto novamente ao Conselho Consultivo, mas ainda não temos uma decisão final”, relevou Lam Hin San.

O Executivo recebeu uma proposta das associações de motoristas de táxis, que não foi aceite e à qual respondeu. A proposta foi de um aumento da bandeirada de 17 para 19 patacas, assim como a introdução de taxas para passageiros que tomem táxis no Terminal de Pac On, assim como no Campus da Universidade de Macau. Os representantes dos taxistas não aceitaram estas propostas, pelo que as negociações prosseguem.

Lam Hin San revelou ainda que, entre Janeiro e Fevereiro deste ano, a DSAT concluiu cerca de 30 obras, estando ainda em curso perto de 50, sendo que as de maior dimensão devem arrancar em Março e Abril. Não foi, no entanto, revelado quais as obras maiores a arrancarem para já.

No que diz respeito às questões de sinalização, foi anunciado que será instalado um semáforo na Avenida da Amizade, e está em estudo a eliminação de uma passadeira no cruzamento entre a Avenida Horta e Costa e a Rua Pedro Coutinho de forma a melhorar a fluidez nessa artéria da cidade.

6 Mar 2017

Lai Chi Vun | Petição apela à protecção dos estaleiros

O filho de um antigo construtor de barcos da povoação de Lai Chi Vun arrancou com uma petição que pede a avaliação dos estaleiros, para que sejam considerados património. A ideia é evitar a destruição de um bem cultural

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá a circular uma petição para protecção dos estaleiros de Lai Chi Vun. A iniciativa é privada e partiu de Tam Chon Ip, filho de um ex-construtor de barcos naquela povoação.

O documento apela ao Governo para uma avaliação do valor histórico e cultural dos antigos estaleiros. “A entrega da petição pretende incentivar ao  início da avaliação de Lai Chi Vun enquanto património cultural imóvel e, desta forma, adiar as acções de demolição”, disse o responsável pela iniciativa ao HM.

Só na povoação de Lai Chi Vun e arredores foram reunidas cerca de 120 assinaturas, sendo que na península o documento ainda circula por várias mãos, não existindo, até ao momento, mais números concretos. A recolha de assinaturas será concluída no final desta semana, estando prevista a sua entrega junto do Instituto Cultural (IC).

De acordo com Tam Chon Ip, “é necessário que o IC cumpra as suas funções no que respeita à avaliação e preservação do património”.

A petição contextualiza a situação dos estaleiros de Lai Chi Vun e sublinha a importância histórica e cultural das instalações, agora em ruínas. “A povoação tem estado ligada ao desenvolvimento da indústria naval há mais de cem anos. Ao mesmo tempo, a história das vilas de pescadores do território é composta por Lai Chi Vun, Rua dos Navegantes e o centro de Coloane. É uma parte importante da cultura tradicional das ilhas de Macau”, lê-se no documento.

Tam Chon Ip, sublinha ainda que os espaços ocupados pelos estaleiros, “mais de dez, são um vestígio raro no mundo da indústria naval de madeira e contribuíram em muito para a construção de Macau”.

Olhares curiosos

Nos últimos tempos Lai Chi Vun tem vindo a atrair cada vez mais turismo, detendo, na visão de Tam Chon Ip, uma função pedagógica. “Nos últimos anos a povoação e os estaleiros atraíram grupos escolares locais e os turistas que os visitam são cada vez mais: tornou-se um lugar de educação e cultura”.

A demolição dos estaleiros representa, por isso, a destruição de um local com uma forte componente cultural, defende o autor da petição.

Ao IC, Tam Chon Ip pede que seja divulgada a data prevista para a demolição dos estaleiros, sendo que é dever do instituto remodelar as instalações. A petição solicita também a divulgação, por parte do Governo, das propostas que tem para aquela povoação e para os estaleiros.

“Pedimos que o Governo defina o planeamento futuro daquela zona, que dê a conhecer a proposta que tem, sendo que, deve sempre privilegiar a protecção de Lai Chi Vun.”

Sim às sugestões

A luta por um tratamento justo dos estaleiros e do património não se fica por aqui e “se o Governo não responder à solicitação, serão agendadas outras actividades”.

A reivindicação não deixa passar a legislação ao lado. O documento sublinha que “a Lei de Salvaguarda do Património Cultural dá aos cidadãos o direito de sugerirem os imóveis com valor importante a nível cultural e permite-lhes entregar essas sugestões [ao Governo]”.

Segundo o diploma, na altura de avaliar o património, há que ter em conta “a importância do bem imóvel como testemunho notável de vivências ou de factos históricos e a importância do bem imóvel do ponto de vista da investigação cultural, histórica, social ou científica”.

6 Mar 2017

Ponte do Delta | Au Kam San questiona custos para Macau

Contas são um mistério

O deputado Au Kam San pretende saber o valor total que Macau terá de suportar face às derrapagens orçamentais com a construção da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. E questiona o silêncio do Executivo sobre o assunto

[dropcap]A[/dropcap] nova ponte que vai ligar Hong Kong, Zhuhai e Macau deverá receber os primeiros veículos ainda este ano, tendo um orçamento superior a cem mil milhões de yuan. Porque o projecto foi sofrendo atrasos e derrapagens orçamentais, com Hong Kong a anunciar, recentemente, que as duas regiões administrativas especiais teriam de investir mais na obra, o deputado Au Kam San questionou o Governo sobre o valor da factura que será suportada pela RAEM.

Numa interpelação escrita, o deputado lembra que o orçamento inicial do projecto estava estimado em 38 mil milhões de yuan, sendo que 15,73 mil milhões seriam nanciados pelas três regiões onde a ponte vai ser construída. Por sua vez, os restantes 20 mil milhões de yuan “seriam pagos através do crédito bancário a ser contraído pelo consórcio do empreendimento”.

“De acordo com essa estrutura de nanciamento, Macau teria de assumir 1,980 mil milhões de yuan. Porém, com a contínua derrapagem orçamental que se tem veri cado nesse empreendimento, qual vai ser, a nal, o montante da des- pesa que Macau vai ter de assumir?”, questiona Au Kam San.

O deputado alerta ainda sobre o silêncio do Governo sobre esta matéria, defendendo que “o público tem vindo a ser iludido e completamente deixado às escuras”.

“Quando o membro do Governo responsável pela tutela desse projecto, Raimundo do Rosário, foi questionado sobre o assunto, apenas respondeu que o ‘Governo tem verba já cabimentada para a ponte sobre o Rio das Pérolas’e, quando questionado sobre se aquele montante seria su ciente, apenas a rmou ‘vamos ver à medida que andamos’, sem acres- centar mais nenhuma informação para o público”, lembra Au Kam San.

E AS LIGAÇÕES?

Para Au Kam San, há também muito para explicar sobre o custo das instalações físicas da ilha arti cial. O projecto é da responsabilidade do Governo local, tendo as obras sido entregues a empresas da China Continental.

Contudo, “não foram revelados por- menores quanto ao montante das despesas relativas a essa parte do empreendimento. Qual é o montante das despesas com essas obras? E quando é que as mesmas vão estar concluídas?”, inquiriu.

“O público tem vindo a ser iludido e completamente deixado às escuras.”

Au Kam San destaca ainda o facto de serem necessárias duas ligações para unir a futura ilha artificial aos novos aterros e também à península, além de serem “indispensáveis as infra-estruturas rodoviárias situadas na zona dos novos aterros, que estão relacionadas com essas duas ligações”.

Também para estes projectos o de- putado deseja saber detalhes. “Quando é que vai ser iniciada a construção dessas três ligações? E quando é que estará concluída? Qual é o orçamento para cada uma das referidas ligações?”, perguntou.

UM MILAGRE

Na interpelação escrita, o deputado de- fende também que “Macau tem passado ao lado da construção da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau”, pois “olhando para o que está a acontecer, até agora nada se mexeu”.
“Segundo o secretário Raimundo do Rosário, Macau vai tomar medidas necessárias para que a ponte seja aberta à circulação automóvel em finais do corrente ano. Mas ninguém acredita que, em dez meses, possa estar concluída a ligação do troço de Macau da ponte sobre o Rio das Pérolas, no qual se inclui o edifício da inspecção alfandegária de Macau.”

O deputado duvida ainda que “estejam prontos os canais aquáticos que estabelecem a ligação da ilha artificial à zona dos novos aterros e a conexão desta área com a península de Macau, bem como as obras de infra-estruturas desses dois canais localizados nos referidos novos aterros”.

Au Kam San questiona mesmo se “vai haver algum milagre” para que todos esses projectos sejam edificados a tempo e horas. Ainda assim, “até ao momento, a maior incógnita continua a ser o encargo da construção do troço de Macau da ponte sobre o Rio das Pérolas, e o montante da derrapagem orçamental e da despesa que Macau vai ter de assumir. E, além disso, ainda o montante das despesas com as infra-estruturas rodoviárias para a ligação entre essa ponte e a península de Macau”, rematou.

4 Mar 2017

Justiça | São Januário no banco dos réus

Relato de um parto acidentado

Os pais de uma criança nascida no São Januário moveram um processo por negligência médica contra a unidade hospitalar e a equipa que acompanhou o parto. Em causa estão alegadas más práticas médicas momentos antes do nascimento que originaram a paragem cardíaca do recém-nascido, que terão resultado em paralisia cerebral

[dropcap]E[/dropcap]ncontra-se em julgamento no Tribunal Administrativo um caso por erro e negligência médica num parto que resultou em paralisia cerebral profunda do bebé. O processo foi instaurado pela família em 2013 contra o Centro Hospitalar Conde de São Januário, o médico, Huang Yaobin, e a enfermeira, Vong Iok Lin. Os pais do menino, que hoje tem seis anos, reclamam uma indemnização superior a quatro milhões de patacas.

Tudo começou na madrugada do dia 1 de Novembro de 2010, por volta das cinco da manhã, quando rebentaram as águas à futura mãe. O casal apressou-se a seguir, esperançoso, para o hospital. A partir daí, tudo correu mal no nascimento do primeiro lho do casal. A grávida foi medicada com Citocitol, um fármaco que induz as contracções que preparam o feto para o parto natural. Neste momento, adianta salientar que a futura mãe teve uma gestação sem incidentes e entrou na unidade hospitalar com um bebé saudável. Mesmo depois de um dia inteiro com indução, não havia sinais de progresso no trabalho de parto, sem dilatação do colo do útero.

No dia 2 de Novembro continuou a ser dada medicação à parturiente, ainda sem resultados. Este tipo de fármaco provoca contracções que podem causar stress ao bebé. Como tal, entre as 12h e as 14h começam a registar-se alterações nos batimentos cardíacos do feto, alegadamente sem que a equipa médica tomasse conta da situação. A enfermeira que acompanhou a grávida administrou-lhe oxigénio. Esta situação, de acordo com Malcolm Griffiths, especialista inglês em obstetrícia que testemunhou ontem em tribunal, “indicia que alguém cou preocupado, apesar da medida não ter qualquer mérito médico”.

PARAGEM CARDÍACA

Algo não estava a correr bem. De acordo com a testemunha ouvida ontem no Tribunal Administrativo, à preocupação da enfermeira devia ter sido correspondida com uma reavaliação médica. Em vez disso, continuou-se com a medicação, até que tudo descambou. Às 15h34 deu-se a primeira bradicardia no feto, o que significa uma diminuição do ritmo cardíaco que, num bebé, reduz a circulação sanguínea. Malcolm Griffiths esclareceu que mais de 10 minutos desta situação são o suficiente para provocar danos irreversíveis no cérebro, por falta de irrigação de sangue. Os normais batimentos cardíacos de um feto estão entre os 110 e os 160 por minuto, sendo que abaixo dos 100 já há um esforço considerável para um bebé. Neste caso, os batimentos chegaram aos 60 por minuto.

Esta questão, de acordo com a testemunha, deveria ter alertado a enfermeira para a gravidade da situação. Nesta altura, foi reduzida a medicação de indução, mas a resposta deveria ter sido mais robusta, ou seja, parar totalmente a medicação, chamar o médico e começar a preparação para a cesariana. Porém, o bebé recuperou o ritmo cardíaco, “milagrosamente”, segundo a análise de Malcolm Griffiths.

Malcolm Griffiths esclareceu que mais de 10 minutos desta situação são o suficiente para provocar danos irreversíveis no cérebro

Segundo a testemunha ouvida pelo colectivo de juízes, se nesta altura tivesse sido chamado um médico, talvez hoje a criança não sofresse da paralisia profunda que a deixou completamente incapaci- tada para a vida.

Porém, isso não aconteceu. Às 15h59, o ritmo cardíaco do feto voltou a descer para níveis graves de bradicardia, onde se manteve até ao parto, às 16h16. Em resultado desta ocorrência, o bebé nasceu sem pulso, tendo sido reanimado sete minutos depois. Ou seja, es- teve 24 minutos sem oxigénio no
cérebro, algo que, alegadamente, resultou na paralisia cerebral pro- funda do recém-nascido.

CONTESTAÇÃO VIRAL

A contra-argumentação do São Januário, além de ter recorrido ao lugar-comum de que a paralisia cerebral pode ter várias causas, sustentou-se num vírus que a mãe terá contraído. Para ser mais concreto, o citomegalovírus. A hipótese foi afastada pelo especialista em obstetrícia e ginecologia chamado pelos autores do processo. Numa observação às análises realizadas à mãe, Malcolm Griffiths garantiu que esta estava imune ao vírus, provavelmente contraído durante a adolescência, afastando o argumento dos réus. Para o obstetra inglês, não se encontra aí a razão da paralisia cerebral profunda. De resto, os réus argúem que o parto correu com toda a normalidade, que foram seguidos à risca os procedimentos do hospital, não havendo nada a apontar à equipa médica envolvida no parto.

Porém, o resultado foi uma criança totalmente dependente que não se senta, não come sozinha, não anda, que usará fraldas a vida inteira e que apenas consegue comunicar com os olhos para dizer sim, ou não. Um menino sem qualquer tipo de autonomia.

De acordo com o que o HM apurou, o médico, Huang Yaobin, tem outro processo no mesmo tribunal também devido a um incidente que resultou em paralisia cerebral, felizmente, não tão profunda como este caso. É de salientar que depois deste segundo incidente, o clínico saiu do Conde de São Januário, estando agora a trabalhar no Kiang Wu.

O julgamento prossegue no Tribunal Administrativo.

4 Mar 2017

Margarida Saraiva: “É necessário avançar com coragem”

Margarida Saraiva dedica a vida e o tempo à arte. A fazer curadoria no Museu de Arte de Macau, tem a carreira marcada pela dedicação à investigação e à educação. Há três anos fundou a Babel, associação que se dedica à arte contemporânea numa vertente pedagógica, sem esquecer questões ambientais

[dropcap]O[/dropcap] seu nome tem estado, ultimamente, associado à curadoria. Como é que apareceu esta vertente no seu trabalho?
Estudei História de Arte e depois Museologia. Trabalhei muito tempo como investigadora, mas era um trabalho que acabou por ser tornar aborrecido por sentir que tinha pouco contacto com as pessoas. Foi então que comecei a trabalhar voluntariamente em educação e a fazer cursos de artes para crianças. A minha função dentro do Museu de Arte de Macau (MAM) passou a estar mais ligada à educação do que à investigação. Entretanto, decidi criar a Babel para fazer mais coisas e a curadoria acabou por se lhe seguir. Sou curadora das pinturas históricas e contemporâneas do MAM e, em Abril, vai ser inaugurada a primeira exposição com esta função.

O que podemos esperar desta exposição?
É um trabalho centrado na mulher. A exposição divide-se em dois momentos: um baseado em pinturas, aguarelas e gravuras históricas que vão até meados do séc. XX com agenda para Abril e, perto do final do ano, tem lugar um segundo momento que inclui obras feitas apenas por artistas mulheres de Macau. O primeiro momento dá uma visão do papel da mulher na sociedade e a forma como ela é apresentada ao mundo da história da arte. A história da arte reforça o papel que a mulher deve ter. Temos obras sobre os dez trabalhos da mulher na sociedade chinesa, o casamento, a mulher na publicidade e o seu papel na família. Temos também retratos a óleo de mulheres proeminentes na sociedade local. É uma visão alargada daquilo que existe na colecção do museu. Vamos incluir também cerâmicas e tentar que a exposição não se feche, tentei uma abordagem interdisciplinar. A colecção do Museu de Arte de Macau situa-se, de um certo ponto de vista, na con uência de duas tradições artísticas muito diferentes. Temos obras que são maioritariamente de tradição chinesa e outras de tradição ocidental. Juntar as duas coisas na mesma exposição não é fácil, mas penso que consegui encontrar o fio à meada.

Porquê o tema? Uma forma de intervenção?
É absolutamente evidente que o papel da mulher continua a ser subvalorizado na sociedade contemporânea local. Nessa perspectiva, vale a pena pensar acerca desse assunto, até para estimular a criação artística entre as mulheres.

Como é que vê o panorama dos museus e espaços de exposições em Macau?
Macau tem espaços óptimos. A ideia de que não os há é uma falsa questão. A arte, hoje em dia, não precisa de galerias da mesma forma que as instituições não precisam de ter um lugar físico. O que é necessário é criar conteúdos porque há muitas instituições com espaços sem nada e que estão cheias de equipamentos sem ser utilizados. O que realmente interessa é criar conteúdo de qualidade e, quem for capaz de o fazer, tem as portas abertas em todas as instituições. Há também a cidade inteira que pode ser uma galeria gigante e que é um espaço fantástico a precisar de arte em todo o lado.

“É absolutamente evidente que o papel da mulher continua a ser subvalorizado na sociedade contemporânea local.”

Onde estão os artistas para esses espaços?
Nenhuma cidade do mundo trabalha apenas com os artistas locais. É preciso criar sinergias e, nesse particular, os curadores podem dar uma ajuda: pôr as pessoas a trabalhar em conjunto. Colocar pessoas que sabem mais a comunicar com aquelas que possam ter menos oportunidades, os que têm mais conhecimento e menos capacidade económica com o inverso. É preciso fazer um caleidoscópio para que as coisas brilhem. Mas, para isso, é preciso fazer e querer. É necessário avançar com coragem, que é uma coisa que, por vezes, falta. Falta capacidade de visão, falta coragem na realização e falta capacidade de criar esse tal caleidoscópio.

É aí que se insere a Babel?
Gostava de trabalhar de uma forma interdisciplinar nas vertentes da arte contemporânea, da arquitectura e do ambiente com uma missão educativa, ou seja, com o objectivo de gerar oportunidades de aprendizagem reais, concretas, eficazes e, de alguma forma, inesquecíveis para jovens de Macau. O primeiro projecto que fizemos foi o “Influxos”. É uma ideia que envolve pessoas de Pequim, Macau e Portugal. É um projecto em movimento em que cada edição tem início em lugares diferentes. Juntamos estudantes da área do cinema e da arte contemporânea num processo criativo comum. Apresentamos aos alunos a forma como os artistas contemporâneos têm introduzido o cinema nas suas obras. Por exemplo, um filme pode ser concebido para ser projectado numa bola de gelo gigante que está permanentemente a derreter e, neste caso, a forma como vemos o filme, como o pensamos ou o escrevemos é diferente do que se aprende numa escola de cinema – e também não se aprende numa escola de artes onde as disciplinas ainda estão muito divididas. Com o “Influxos” queremos criar uma oportunidade que seja inesquecível, não só pelo facto de permitir aos alunos de várias partes do mundo trabalharem num projecto comum, mas também por promover uma abordagem mais experimental do que a que propõem, hoje em dia, as universidades. Foi um projecto muito bem-vindo pela parte do Instituto Cultural e, como tal, não tivemos dificuldade para que fosse financiado, porque vai ao encontro de toda uma política de promoção das indústrias culturais.

Como é que tem sido a adesão, especialmente dos estudantes do território?
Os alunos são, até agora, escolhidos pelas universidades e cabe às instituições decidirem o método de selecção. Estamos agora a pensar abrir, nas próximas edições, candidaturas independentes. Mantemos o modelo em que há uma participação fechada e, ao mesmo tempo, abrimos espaço a alunos que mostrem o portfólio para poderem ser seleccionados. O novo modelo tem a vantagem de abrir o leque de participações. O sucesso do projecto regista-se quando alunos de Macau descobrem que sabem pouco e que vale a pena investir em estudos em Pequim ou em Portugal. O confronto com a necessidade de mais conhecimento é muito importante para os alunos que nunca saíram do território.

O “New Visions” é outro projecto da Babel, mas com foco na divulgação.
As exposições em Macau são sempre colectivas. É evidente que, numa mostra colectiva, não se consegue ver a qualidade da obra de um artista. As exposições colectivas são muito boas porque mostram muita gente. Isto é óptimo para pôr nos relatórios que as instituições têm de fazer umas para as outras, para justificar gastos e preencher formulários. Dá muito jeito dizer que uma exposição teve 30 artistas, mas o que é que realmente as pessoas viram do trabalho de um criador ou o que é que o artista bene cia com a participação? Quisemos deliberadamente criar uma oportunidade dirigida a jovens artistas locais e trazer a este espaço pessoas que nunca tivessem tido oportunidade de fazer uma exposição individual.

“Há a cidade inteira que pode ser uma galeria gigante e que é um espaço fantástico a precisar de arte em todo o lado.”

Como é que se processa? Não se trata apenas de uma exposição.
Cobrimos todos os gastos de produção da exposição, o que também é uma coisa rara em Macau. As instituições normalmente têm espaços, gastam todo o dinheiro na sua manutenção e acabam por não ter meios para apoiar os artistas.

O resultado é que os artistas que quiserem expor têm onde fazê-lo, mas têm de pagar do seu bolso toda a produção da obra. Isto não acontece em mais nenhuma profissão. O objectivo, aqui, é ainda produzir um livro. Aqui não há produção de um discurso crítico sobre a arte e, como tal, as exposições são apenas acerca de pôr obras na parede. Não há o pensamento do porquê de estarem expostas, de como estabelecem um diálogo entre si, como se ligam ao que é produzido na China e como se articulam com o que se faz no mundo. A qualidade das obras depende de uma malha de referências em relação às quais se situam e que lhes permite produzir discurso crítico visual a um nível mais alargado. Foi neste sentido que quisemos fazer um catálogo que produza esse discurso crítico. É um livro com muito texto que nos permite, a longo prazo, escrever a história da arte contemporânea de Macau.

As preocupações da Babel associam a arte ao ambiente. Como é que se concretiza esta vertente?
Relativamente ao ambiente, acabámos de participar na produção do livro “Árvores e Grandes Arbustos de Macau”, de António Paula Saraiva. O lançamento está previsto para este mês. Trata-se de um livro técnico e é a mais completa compilação sobre as árvores de Macau, numa edição trilingue e com ilustração de artistas portuguesas. Os desenhos são feitos a lápis e aguarela. Originalmente, a intenção era a produção de 256 gravuras mas não houve orçamento para tanto. Já zemos uma exposição no Instituto Internacional, e os desenhos vão ser digitalizados e impressos em tela de modo a circularem pelas escolas de Macau. O objectivo é dar a conhecer os principais arbustos da cidade à população mais jovem. É uma forma de sensibilização para as questões ambientais. Macau é muito densamente povoado e construído, mas não conseguimos ver as árvores. Quando andávamos a fazer o livro era impossível fotografar as árvores inteiras. Há sempre muito ruído e as plantas estão cobertas de pó. Este foi o trabalho que abriu as hostes na área do ambiente.

“Não quero cá trazer um artista que depois se vá embora sem deixar rasto. É fundamental que os jovens locais possam trabalhar em conjunto com artistas que vêm de fora.”

Este ano tencionam criar uma instalação num espaço público em grande escala que conta com a participação de um arquitecto japonês. O que é que vai acontecer?
Na área da arquitectura temos o “Macau Arquitecture Promenade” (MAP) em que intervimos em espaços da cidade. É um projecto que não é tão linear quanto os anteriores. Enquanto o “Influxus” e o “New Visions” vão de encontro às linhas de acção governativa, o MAP vai mais à frente. Não é de nível. A edição de 2017 não está garantida. Temos o programa nalizado, mas ainda não temos orçamento suficiente para avançar. Contamos com a vinda de um artista japonês que resulta de uma parceria que a Babel tem com o Departamento de Arquitectura da Universidade de São José. Surgiu, desta forma, a possibilidade de trazer um arquitecto que trabalha com questões modulares no espaço público. Chama-se Kengo Kuma. Temos o arquitecto satisfeito com a ideia de cá estar e queremos também trabalhar com os alunos da universidade no desenvolvimento do design final da instalação. Não quero cá trazer um artista que depois se vá embora sem deixar rasto. É fundamental que os jovens locais possam trabalhar em conjunto com artistas que vêm de fora.

4 Mar 2017

Kim Jong-nam | Suspeitas acusadas de homicídio. Seul propõe suspensão de Pyongyang na ONU

 

Insistem que são inocentes, que foram enganadas, mas arriscam a pena de morte. Já há duas acusações formais em relação ao homicídio de Kim Jong-nam mas, para já, os mentores do ataque continuam a monte. Ou protegidos pelo regime de Kim Jong-un. O uso de uma arma química altamente mortífera deve ser entendido como um aviso, dizem os vizinhos do Sul e quem trabalha na defesa dos direitos humanos na Coreia do Norte

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s duas mulheres alegadamente envolvidas na morte de Kim Jong-nam foram ontem formalmente acusadas de homicídio. A indonésia Siti Aisyah, 25 anos, e a vietnamita Doan Thi Huong, de 28, foram presentes a tribunal em Sepang. Além das duas mulheres, foram acusados quatro homens de nacionalidade norte-coreana que se encontram em paradeiro desconhecido, depois de terem saído da Malásia em meados do mês passado.

As arguidas são acusadas de terem atacado Kim Jong-nam no Aeroporto Internacional de Kuala Lumpur, no dia 13 de Fevereiro, ao colocarem-lhe no rosto um gás tóxico asfixiante – o VX, um agente nervoso letal. Ao abrigo da legislação da Malásia, as duas jovens poderão ser condenadas à morte, por enforcamento, se forem consideradas culpadas. Não foi interposto qualquer recurso após a leitura da acusação.

Ambas disseram aos representantes diplomáticos dos seus países que foram pagas para participarem no que acreditaram ser uma brincadeira para um programa de televisão.

As agências internacionais de notícias relataram que o dispositivo policial nas imediações do tribunal era grande, com cerca de 200 agentes presentes. A polícia conduziu as mulheres algemadas para o tribunal. À saída, envergavam coletes à prova de bala, um reflexo da preocupação das autoridades malaias em relação à possibilidade de que outros envolvidos no crime queiram silenciar as arguidas.

Espera de mês e meio

Ainda antes do início da audiência, em declarações aos jornalistas, o advogado de Siti Aisyah, Gooi Soon Seng, mostrou-se preocupado com questões processuais prévias ao julgamento. Está marcada uma nova sessão no tribunal para 13 de Abril, altura em que a acusação vai pedir que as duas mulheres sejam julgadas em simultâneo, num só processo.

À porta do tribunal, o advogado de Doan Thi Hong afirmou aos jornalistas que a sua cliente lhe disse estar inocente. “Negou, negou tudo. Disse ‘sou inocente’”, relatou Selvam Shanmugam. “Claro que está obviamente muito nervosa porque arrisca a pena de morte.”

Ontem, as acusações contra Siti Aisyah foram lidas em primeiro lugar, seguindo-se o processo relativo a Doan Thi Huong. Há um homem norte-coreano detido, identificado pela polícia como sendo Ri Jong Chol, mas ainda não foi acusado de qualquer crime.

A polícia malaia deteve as duas mulheres nos dias que seguiram ao ataque. As imagens do circuito de segurança do aeroporto, que tiveram uma ampla divulgação pelos media, mostrava as arguidas a abordarem Kim Jong-nam, com uma delas a colocar-lhe um objecto sobre o rosto. O filho mais velho de Kim Jong-il, que se preparava para apanhar um voo com destino a Macau, morreu 20 minutos depois.

Em declarações feitas em Jacarta, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros manifestou a esperança de que Siti Aisyah possa ser julgada de forma justa. “Esperamos que o princípio da presunção da inocência seja respeitado. O advogado de defesa de Siti fará o seu melhor e desejamos que tenha um julgamento justo, em que sejam respeitados os seus direitos, e que não seja julgada pela opinião pública.”

Doan Thi Huong, a mulher vietnamita, foi detida 48 horas depois do homicídio no mesmo terminal do aeroporto onde Kim Jong-nam foi assassinado. Será a mulher que usava uma t-shirt branca com o acrónimo “LOL” estampado, e que foi captada pelas imagens do circuito de segurança enquanto esperava um táxi, já depois do ataque.

A suspeita indonésia, Siti Aisyah, foi apanhada no dia seguinte. A polícia explicou que, na prisão, teve ataques de vómitos, admitindo que se tratará de efeitos secundários da exposição ao VX. Os diplomatas indonésios que a visitaram depois disseram que se encontra bem.

Segundas intenções

Kim Jong-nam morreu vítima de uma das mais mortíferas armas químicas alguma vez criadas. O VX é muito mais potente do que o gás Sarin, usado na Síria em 2013 e no metro de Tóquio em 1995. Os especialistas dizem que umas gramas de VX são suficientes para causar a morte a muita gente. Existem fortes dúvidas sobre o modo de manuseamento do VX pelas arguidas, uma vez que, sem as devidas precauções, também elas teriam morrido.

De acordo com os serviços secretos sul-coreanos, a Coreia do Norte tem centenas de toneladas de armas químicas, incluindo VX, espalhadas por todo o país. Pyongyang nega que assim seja. Parece não haver dúvidas, entre os analistas, de que o regime de Kim Jong-un, o meio-irmão mais novo de Kim Jong-nam, é o responsável pelo que aconteceu.

“É impossível a uma associação criminosa vulgar obter VX, pelo que é uma prova de que o Estado norte-coreano está envolvido”, assinalou ao HM o activista e investigador japonês Ken Kato. O director da Human Rights in Asia vinca que “não há outro país, além da Coreia do Norte, com razões para matar Kim Jong-nam”.

A utilização deste tipo de químico levanta questões acerca dos verdadeiros motivos de Pyongyang num dos homicídios mais estranhos dos últimos anos. Há quem entenda que a escolha do VX teve que ver com a necessidade de os autores terem a certeza de que não haveria falhas. Outros analistas especulam que, ao matar um homem – aquele homem – num aeroporto internacional, a Coreia do Norte quis mostrar ao mundo o que é capaz de fazer com armas químicas, facilmente esquecidas pela comunidade internacional, que está preocupada com os avanços nucleares do regime.

Depois, existe ainda a teoria de que Pyongyang não pretendia que o VX fosse descoberto, por não querer arriscar mais sanções impostas pelas Nações Unidas.

Ken Kato acredita que a Coreia do Norte entrou num “comportamento que demonstra a incapacidade de tomar decisões racionais”. Se assim não fosse, prossegue o activista, não teria entrado em conflito directo com a Malásia, um dos poucos aliados do regime. “Isto é extremamente perigoso para a comunidade internacional porque o Norte pode vender armas nucleares, químicas e biológicas a terroristas”, sublinha o activista, com vasto trabalho desenvolvido sobre o regime. “Não é um assunto que diga respeito à Malásia, mas sim ao mundo todo.”

O castigo

Os estados que assinaram a Convenção sobre Proibição de Armas Químicas podem invocar que existiu uma violação da legislação internacional no caso Kim Jong-nam. A Malásia faz parte deste pacto desde 1993 – que proíbe a produção, a transferência e a utilização deste tipo de armamento –, mas a Coreia do Norte não.

As autoridades policiais de Kuala Lumpur já deram indicações de que estão disponíveis para fazerem chegar os resultados da autópsia e das investigações às Nações Unidas. Resta agora saber se o Conselho de Segurança da ONU irá tratar o caso como altamente prioritário.

No limite, os estados que ratificaram a convenção podem invocar o pacto e tomar medidas colectivas em relação a Pyongyang que poderão mesmo resultar na suspensão dos direitos e privilégios da Coreia do Norte no âmbito das Nações Unidas. Seul defende este caminho: esta semana, numa convenção sobre desarmamento em Genebra, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul, Yun Byung-se, afirmou que a utilização de armas químicas é um aviso, pelo que a comunidade internacional deve agir. O diplomata entende que o regime de Kim Jong-un deve ficar temporariamente impedido de ocupar o assento que detém nas Nações Unidas.

“A comunidade internacional não está habituada a lidar com um país como a Coreia do Norte”, considera o japonês Ken Kato. “Devia perceber que o regime norte-coreano é uma associação criminosa. Deve ser tratado como tal e não como um país em desenvolvimento, em fase de aprendizagem das normas internacionais. De outro modo, o regime jamais mudará.”

 

 

 

 

Só Pyongyang pede o corpo

Membros do Governo da Malásia estiveram reunidos com uma delegação norte-coreana que chegou a Kuala Lumpur esta semana para um encontro de alto nível sobre a libertação do cidadão da Coreia do Norte que se encontra detido, bem como para a entrega do corpo de Kim Jong-nam.

O ministro da Saúde, Subramaniam Sathasivam, disse aos jornalistas que não esteve presente no encontro, mas adiantou que terá de ser tomada uma decisão acerca do que fazer com o corpo, uma vez que não apareceu qualquer parente próximo para identificar formalmente a vítima do ataque do passado dia 13.

A Coreia do Norte diz que o morto é um cidadão norte-coreano, mas nega que seja o meio-irmão do líder Kim Jong-un. Logo a seguir ao assassinato ter sido tornado público, o regime exigiu que o corpo lhe fosse entregue e tentou evitar a realização da autópsia.

A morte de Kim Jong-nam desencadeou o pior conflito diplomático entre Kuala Lumpur e Pyongyang de que há registo, com a Malásia a insistir que o corpo do homem assassinado no aeroporto internacional da capital só será entregue a um familiar próximo após exame de ADN. As agências internacionais de notícias ainda chegaram a dizer que o filho mais velho de Kim Jong-nam, Kim Han-sol, estava a partir de Macau para a Malásia, para resgatar o corpo do pai. Até à data, tal não se verificou.

2 Mar 2017

Obras | Trabalhadores da construção civil com salários em atraso

Um grupo de trabalhadores da construção civil da obra do Wynn Palace reclamam salários em atraso. Em causa estão dois meses, Setembro e Outubro, e um empurrar de responsabilidades de empresa para empresa

Com Vítor Ng

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]ntem de manhã, uma pequena comitiva de trabalhadores da construção civil manifestou-se perto do Wynn Palace a exigir o pagamento de salários em atraso. Apesar de serem apenas cinco, representaram 60 operários que reivindicam vencimentos devidos desde o ano passado. “Os salários de Julho e de Agosto foram pagos, mas o resto ainda não”, revelou Chao Tong Fong, gerente de uma empresa subempreiteira da obra.

Segundo o gerente, das várias vezes que exigiram o dinheiro devido à empreiteira geral, a resposta que obtiveram foi que ainda estavam a calcular o valor dos salários em atraso. O chefe e representante dos trabalhadores em protesto suspeita que poderá estar a ser alvo de fraude.

De acordo com Chao Tong Fong, normalmente e como está estabelecido no contrato, os vencimentos são pagos a cada 45 dias. Mas, passados estes meses todos, os trabalhadores ainda não receberam os salários referentes a Setembro e Outubro. Neste aspecto, é de salientar que a empresa subempreiteira terminou a sua tarefa a 23 de Outubro.

Num encontro entre o empreiteiro-geral da obra do Wynn Palace e os trabalhadores que reclamam salários, foi negociada a verba a pagar, com um resultado que foi insatisfatório para os trabalhadores em questão. “A companhia queria dar-nos apenas 1,820 milhão de patacas, adiantando que o resto do dinheiro não seria pago”, comentou o representante dos operários. De acordo com os trabalhadores, os salários em atraso ascendem aos 2,5 milhões de patacas.

Jogo do empurra

Apesar de não terem concordado com a sugestão da empresa, como os trabalhadores precisavam dos vencimentos, ainda para mais com o Ano Novo Chinês à porta, Chao Tong Fong aceitou em Dezembro o pagamento do montante que o empreiteiro-geral estava disposto a pagar. Ficou com a intenção de solicitar, mais tarde, o remanescente que considera ter a receber.

Até hoje, a situação mantém-se na mesma. Como resultado, o subempreiteiro diz que teve de pedir dinheiro emprestado a familiares para adiantar algumas verbas aos trabalhadores que ficaram em maiores dificuldades. No meio disto tudo, o gerente receia “ter de pagar os restantes salários”, no valor de 680 mil patacas. Chao Tong Fong teme que a sua empresa de construção civil não sobreviva a este prejuízo. Chegou mesmo a adiantar ao HM que, de momento, está sem trabalho e com dificuldades para garantir dinheiro para subsistir.

2 Mar 2017

João Palla, arquitecto: “Macau inspira brutalmente”

É inaugurada amanhã a exposição “Tracing * Liners”, de João Palla, na Casa Garden. Falámos com o arquitecto e multifacetado artista sobre a beleza de linhas pintadas no alcatrão, acerca de mosaicos urbanísticos, assim como da paradoxal relação entre os mimetismos e a autenticidade de Macau

[dropcap]D[/dropcap]e onde vem o nome desta exposição?
A exposição intitula-se “Tracing * Liners”. Baseia-se no ‘tracing’, que é o acto de delinear, o delineamento. São feitos pelos ‘liners’, os homens que fazem os traços nas estradas. De certa maneira, a exposição também é uma homenagem, um tributo, aos homens que fazem esse trabalho, que são bastante invisíveis na sociedade. Acabei por trabalhar com eles num sentido evolutivo, tudo começou com a observação da realidade das linhas que nos rodeiam. Uma pessoa todos os dias conduz e vê os traços contínuos, linhas amarelas, linhas brancas, por aí fora. Também no passeio há sinais que, ao mesmo tempo que nos guiam, também nos baralham. Uma pessoa vai ao aeroporto e também é bombardeado com sinalética, linhas no chão, não pode passar aqui, nem ali. Nos museus a mesma coisa, não se podem pisar as linhas porque se não fica-se demasiado próximo das pinturas. Alguém pensa nessas linhas, alguém as faz, comecei, simplesmente, a olhar para elas e achar que tinham qualidades gráficas e pictóricas muito especiais. Porque elas variam, se uma pessoa estiver na China elas são feitas de uma maneira, com um código próprio, mas se estiver em Macau elas são feitas com outra forma. Em Taiwan as linhas de proibição são desenhadas a vermelho, aqui são a amarelo. A tinta, em si, também tem muito que se lhe diga, precisa de ser aquecida a 300 graus para ser aplicada, tem cristais reflectores. Essas qualidades da tinta, e de quem a faz, interessaram-me muito e essa é a base da exposição.

Que suportes usou nesta exposição?
Uso a fotografia para registo, uso instalação na rua que, como não pôde ser transferida para a galeria, foi novamente fotografada. A fotografia volta com um sentido diferente, uma coisa é a observação do que lá está, outra coisa é o sentido de registo daquilo que foi feito. Depois há o trabalho que foi feito com os próprios homens que desenham as linhas, que se traduz em pintura e vídeo. São estes quatro veículos que foram usados para exprimir o conceito exposto, uns que ajudam à observação e outros que são de dispersão. 

Enquanto arquitecto, como vê a evolução de Macau?
Vivo cá há quatro anos e meio, estive cá nos anos 1980 e 1990. Sou, mais ou menos, daqui. Sou também, mais ou menos, dali. Em termos arquitectónicos e urbanísticos, não sendo demasiado saudosista, acho que muito do bom património arquitectónico de Macau acabou por ficar sucumbido. Aquilo que restou é uma arquitectura de cariz religioso, ou fortalezas, coisas mais institucionais. Da arquitectura civil pouco, ou nada, restou. Com a avalanche e o advento do betão dos anos 1970/1980, que ainda aconteceu nos anos 1990, a parte do património que era muito interessante, a escala da cidade, transformou-se por completo. Lamento, porque havia uma escala humana que hoje em dia não me parece tão sustentável e que tem implicações ao nível do clima e temperatura, dos ventos que acabam por não correr.

Mas nem tudo é mau.
Não, por outro lado Macau viu um desenvolvimento brutal que também tem lados positivos, que trouxe uma certa internacionalização ao território com pessoas com know-how. Pessoas que vêm de todo o mundo e que, neste momento, coexistem nesta terra, valorizam-na e têm iniciativas. Nesse sentido, acho que Macau melhorou. Mas se formos para os lados dos casinos, acho aquilo um absurdo. Não tanto a escala, mas a arquitectura que se fez, o mimetismo de coisas que já existiam, pastiches. Na minha escola de arquitectura nunca aprendemos a apreciar este tipo de atitude de projecto arquitectónico.

Como arquitecto europeu no Oriente, como é que coabita com as réplicas da Torre Eiffel ou, por exemplo, com a Doca dos Pescadores?
Não convivo muito bem, mas uma pessoa aprende a conviver. Mas, à partida, não é uma coisa com que esteja de acordo. Há aqui arquitectos e designers com criatividade suficiente que podiam ter tornado Macau numa cidade única, que já era, e não num sítio de repetições. Esse mimetismo, essa redundância é a tal ponto que julgo que os próprios chineses preferem ir aos sítios originais. Eles já têm poder de compra para ir às cidades originais, em vez de virem para aqui. Antes havia uma certa fantasia desses lugares, isso justificava-se, hoje em dia não se justifica de todo. Os chineses que podem não vão ao Venetian, vão a Veneza. Penso que as repetições são sítios que se vão esgotar e terão de ser reinventados mais tarde. Talvez tenham servido um propósito durante algum tempo.

Acha que Macau corre o risco de perder autenticidade, no meio desta mutação constante, ou isso é a sua própria identidade?
Uma das coisas que tem caracterizado Macau nas últimas décadas é a sua transformação rápida. A sua identidade depende disso, mas também das pessoas que cá moram. O que vemos hoje em dia é que Macau está a perder essa identidade também pelas pessoas que a habitam, não são só pessoas de cá.

Há um factor transitório na cidade.
Costuma-se dizer que Macau é um ‘melting pot’ de culturas. De facto, foi durante estes 500 anos, mas era a mistura da cultura portuguesa e da cultura chinesa, assim como de poucas outras que não tinham expressão. Hoje em dia há mais pessoas de várias nacionalidades que vivem em Macau. Mais tarde, ou mais cedo, também será interessante ver como as coisas se vão modificar, o poder de Macau se metamorfosear noutra coisa. Desse ponto de vista nada está perdido.

Tudo se transforma, uma espécie de Lei de Lasoivier urbanística.
O que está feito hoje não quer dizer que fique. Interessa-me muito ainda a questão do património vernacular, ou seja, tudo aquilo que as pessoas normais fazem pela sua própria cultura. Isso inclui os vendedores de rua, as farmácias antigas, as mercearias, a ourivesaria antiga já não existe, assim como o homem que fazia as sedas, o alfaiate. Este património pode ser engolido pelo fenómeno globalizante que está a acontecer um pouco por todo o mundo como, por exemplo, em Lisboa. Considero esse património a base da identificação e da autenticidade, esse valor diferente que Macau tem sente-se quando uma pessoa anda na rua e vê as pessoas que vendem maçãs. Esse aspecto está-se a perder, não está a ser cuidado, ninguém toma conta disso e isso é lamentável. Depois há as técnicas de construção tradicionais, algumas ainda se mantêm, como a construção em bambu que é um aspecto a valorizar, como é valorizado o fado. No fundo é um conhecimento empírico que vai de geração em geração. Se essas pessoas que sabem fazer hoje não passarem esse conhecimento, essa arte, também vai morrer. Trabalhei muito em bambu com os mestres carpinteiros, a fazer cenários para peças de teatro e instalações. Interessam-me estas artes antigas de como se fazem as coisas. Esta exposição, de alguma maneira, também está relacionada com isto. Qualquer dia também já não existem os homens que pintam as ruas, são substituídos por máquinas. Eles fazem aquilo manualmente, quase à unha, pintam delicadamente.

No meio disto tudo, Macau ainda é uma cidade que o inspira?
Inspira brutalmente, porque Macau é uma cidade onde há muitas actividades de rua, pessoas de passagem, onde ainda há muita tradição, muitas sobreposições. Além disso, é uma cidade muito fotogénica. Há sempre motivos para uma pessoa se inspirar aqui. Não preciso de ir a lado algum. Macau é uma terra suficientemente rica de sinais para extrair qualquer coisa, é uma cidade que inspirou, desde há muito tempo, artistas e acho que vai continuar a inspirar. Macau sempre teve muita diversidade. Vais à Praia Grande, que era a cidade onde viviam os portugueses, passas da cidade cristã para a cidade chinesa, onde é hoje em dia o Bazar e a Nossa Senhora do Amparo. Ainda hoje se consegue perceber pela textura da cidade, pelo desenho urbano, se vires o tamanho dos quarteirões, as ruazinhas em contraponto com as avenidas mais largas, isso é reflexo daquilo que já estava desenhado há muito tempo. Esse urbanismo é muito interessante, assim como o crescimento sempre evolutivo da cidade com os sucessivos aterros desde o século XVI até hoje, sempre em mosaico.

2 Mar 2017

Música | Êxitos intemporais em estreia local

São três os protagonistas do espectáculo “Three Phantoms” que está, já a partir de sexta-feira, no Parisien Theater. A ideia é interpretar alguns dos mais famosos temas do teatro musical de Nova Iorque e Londres

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] a estreia asiática da produção “Three Phantoms”, um teatro musical que traz ao palco do Parisien Theater canções dos mais conhecidos musicais interpretados na Brodway e na West End.

São muitas as participações na produção, mas o coração do espectáculo centra-se nos “Three Phantoms” que integram o inglês Earl Carpenter, o irlandês David Shannon e, da Escócia, Kieran Brown.

Os protagonistas têm em comum a participação no conhecido Fantasma da Ópera de Andrew Lloyd Wabber e apostam, agora, numa produção própria em parceria com a Ginger Boys.

A primeira vez na Ásia reúne muitas expectativas. “Estamos muito entusiasmados com esta estreia no continente asiático. Não é só um teatro musical e temos algumas surpresas para o público”, disseram ontem num encontro com a comunicação social.

Sem adiantarem o teor da surpresa, sublinharam que “o público pode esperar um repertório com temas dos mais relevantes espectáculos da Broadway de Nova Iorque e da West End londrina, em que os destaques vão para canções do Fantasma da Ópera, Cats, Saturday Nignt Fever e Les Mirerables.”

Da mostra apresentada ontem aos jornalistas, a promessa será cumprida entre oscilações entre momentos de calma e de frenesim.

Formato a nu

A compilação de peças conhecidas num só espectáculo podia ser arriscada, mas acabou por se tornar “uma ideia muito boa e tornar a apresentação mais relaxada”. Comparando, por exemplo, com o Fantasma da Ópera, a preferência dos protagonistas vai, sem dúvida para este. “Aqui temos oportunidade de cantar diferentes géneros musicais e, artisticamente, andamos entre extremos, o que torna o próprio teatro mais interessante. Não usamos máscaras ou maquilhagem e é tudo centrado na componente musical”, explicaram.

Se, por um lado, o formato actual é mais aliciante, por outro é um desafio para os intérpretes, por ser “mais íntimo e assustador, mostramo-nos mais do que se estivermos a interpretar uma personagem”, explica o trio.

O espectáculo conta ainda com uma componente coreográfica que, de acordo com “os fantasmas”, confere uma dinâmica diferente e mais apelativa. “Transforma o espectáculo numa viagem maravilhosa em que não há apenas pessoas paradas a cantar canções.”

Da chegada a Macau mencionam o contraste e a diferença que encontraram num território tão pequeno. “Macau tem tanta variedade de estilos, temos este local [Parisien], e temos a influência portuguesa e toda uma outra Macau na península”, remataram.

1 Mar 2017

PIB | Fitch prevê crescimento de 2,5 por cento do PIB de Macau

 

O Produto Interno Bruto a subir, o jogo em recuperação. Em 2017, o Cotai vai ter casinos novos, o que contribui para um cenário positivo. A Fitch acredita que, depois da pequena tempestade, regressou a bonança

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] agência de notação financeira Fitch prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) de Macau cresça 2,5 por cento em termos reais este ano, apoiado pelo crescimento das receitas do jogo, depois da contracção de 2,1 por cento em 2016.
“A economia de Macau está a começar a recuperar, com o PIB a expandir-se em 4,4 por cento em termos reais no terceiro trimestre de 2016 e sete por cento no quatro trimestre do ano passado. A grande contracção no primeiro semestre de 2016 deixou o crescimento real do PIB negativo em termos anuais, fixando-se em -2,1 por cento, mas a Fitch espera um crescimento de 2,5 por cento em 2017, apoiado pelas melhorias das receitas com a abertura de novos casinos”, refere o relatório divulgado esta semana.
“Os dados sugerem que os segmentos dos clientes VIP e do mercado de massas registaram um crescimento positivo no quarto trimestre de 2016, aumentando a probabilidade de recuperação este ano”, acrescenta.
No projecto de orçamento para 2017, o Executivo de Macau prevê que as receitas globais da Administração ascendam a 102,944 mil milhões de patacas, menos 0,29 por cento do que o previsto para 2016.
Dentro dessas receitas globais esperadas em 2017, 80 mil milhões de patacas (mais de 9,2 mil milhões de euros) correspondem a impostos directos, o que traduz um aumento de 0,77 por cento em relação ao estimado para este ano.
Para 2017, a Fitch prevê um excedente orçamental de cinco por cento do PIB, reflectindo as suas expectativas de um crescimento de aproximadamente seis por cento das receitas do sector do jogo.

Nota igual

A agência de notação mantém a sua avaliação de AA- à economia de Macau, com uma perspectiva estável, sustentando a sua avaliação no “quadro de políticas credíveis do território pelas finanças públicas e externas excepcionalmente fortes, que continuam a fortalecer-se apesar dos três anos consecutivos de contracção económica”.
Por outro lado, refere que “a classificação é limitada dada a elevada volatilidade do PIB, elevada concentração no sector do jogo e turismo pelo interior da China”, assim como a susceptibilidade de Macau “às mudanças no ambiente político mais amplo da China”.

 

1 Mar 2017

Autonomização do crime de branqueamento de capitais é consensual

O assunto levantou dúvidas, mas já estão resolvidas. A comissão da Assembleia Legislativa que está a estudar as alterações aos crimes de branqueamento de capitais e terrorismo concorda com o Governo. Em breve, a lavagem de dinheiro vai poder ser dissociada do crime que a precede

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa conta entrar em Abril na recta final da análise às alterações aos crimes de branqueamento de capitais e terrorismo. O diploma foi aprovado na generalidade em Novembro do ano passado, sendo que a principal parte do trabalho na especialidade está feita. Agora, as assessorias da AL e do Governo têm um mês para elaborarem um texto que vai servir de referência aos deputados na última fase da análise.

Ontem, Governo e deputados resolveram a questão que mais dúvidas suscitou à comissão. “Chegámos a um consenso que vai no sentido de autonomizar os crimes de branqueamento de capitais e crimes precedentes”, explicou Cheang Chi Keong, o presidente da comissão.

A legislação em vigor foi aprovada em 2006. “Na altura, os crimes precedentes não foram autonomizados. Mas, ao longo da execução da lei, verificou-se que a punição dos crimes precedentes dificulta o trabalho dos procedimentos judiciais”, contextualizou o deputado.

Cheang Chi Keong acrescentou que há vários países e territórios que optaram por esta separação entre lavagem de dinheiro e crimes precedentes. “Vai encurtar o tempo na conclusão do processo”, apontou. O presidente da comissão disse ainda que há processos em tribunal que não tiveram sucesso, porque “o dinheiro não tinha sido obtido cá, mas fora do território”. É por isso que se propõe a autonomização dos dois crimes, “para acabar com uma lacuna”.

As explicações do secretário

A reunião desta terça-feira contou com a presença de Lionel Leong, secretário para a Economia e Finanças, que falou com os deputados sobre a intenção destas mudanças na legislação. De acordo com Cheang Chi Keong, o governante sublinhou a importância da manutenção de um ambiente económico saudável. Além disso, as alterações vão ao encontro das normas fixadas pelas organizações internacionais.

“Nestes dez anos, a economia de Macau cresceu muito rapidamente, mas isso trouxe alguns riscos relativamente a aspectos como o branqueamento de capitais e o terrorismo”, continuou o deputado. “O Governo entende que há toda a necessidade de introduzir alterações a estas duas leis, para minimizar os riscos daí decorrentes.” O Executivo pretende ainda assegurar que Macau não entra nas listas negras da comunidade internacional por falta de legislação.

1 Mar 2017

Lai Chi Vun | As histórias de uma indústria que morreu

Na pequena povoação de Lai Chi Vun, em Coloane, vivem-se dias de incerteza. Os rumores são muitos e a única certeza é a de que os estaleiros não podem ser deitados abaixo de um momento para o outro. Com a primeira fase da demolição prestes a arrancar, os moradores questionam a ausência de concurso público para esse processo e garantem que, sem os estaleiros, Lai Chi Vun perde a sua alma

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara chegarmos ao lugar onde ainda cheira a mar é preciso descer umas escadas e andar no meio de casas construídas com folhas de zinco, onde os mais velhos descansam. Em Lai Chi Vun a história teima em manter-se viva através de velhas estruturas onde, outrora, foram construídas centenas de barcos por ano. Numa altura em que a primeira fase das demolições dos estaleiros de construção naval se prepara para arrancar, o HM foi conhecer as histórias de quem não quer apagar o passado. Há, pelo contrário, uma vontade de reconstruir um novo presente e futuro, com outras soluções.

Para Lei Kam Seng, não resta hoje mais nada para fazer a não ser garantir a segurança dos estaleiros. Vai a casa num instante para mostrar, orgulhoso, a licença, encadernada a vermelho, que obteve para trabalhar na área. Era um adolescente quando começou uma vida de trabalho árduo.

“Tenho 67 anos, mas ainda tenho o meu certificado. Já não se fazem licenças destas”, conta ao HM, enquanto mostra a sua juventude a preto e branco.

O estaleiro onde trabalhou tantos anos é um dos que será demolido pelo Governo, situado logo no inicio da rua. “Há mais de 20 anos que não construo barcos, trabalhei durante 40 nesta indústria. Quando era jovem eram tempos muito bons, agora é mais duro. Estava a trabalhar, toda a minha família estava ligada a este negócio. Éramos quatro filhos e, graças à indústria da construção de barcos, conseguimos aguentar-nos.”

Numa altura em que o jogo não dominava a economia, construir barcos era uma opção para muitas famílias. “Na altura esta era a indústria com melhor desenvolvimento. Quando era aprendiz, quando os barcos chegavam tínhamos de os pintar e reconstruir e pô-los de regresso ao mar. E podíamos fazer também barcos muito grandes. Só havia um casino nessa altura”, recorda Lei Kam Seng.

Na pequena povoação, a agitação do dia-a-dia era muita. “A povoação foi criada para a construção dos barcos de pesca e para trazer os barcos do mar para terra [para reparações]. Cortavam-se grandes pedaços de madeira que depois eram trazidos para aqui. No tempo em que fui patrão havia muita gente a trabalhar aqui, e havia sempre alguém a fazer comida para nós”, contou Lei Kam Seng.

João Pedro Ho, que mora uns metros mais à frente com a sua mulher, nunca construiu barcos mas, durante anos, esteve numa fábrica de materiais e produtos para este tipo de embarcações. Com oito ou nove anos lembra-se de ir com o pai para a vizinha aldeia de Ka-Ho, onde se faziam trabalhos de carpintaria. Desse tempo, só restam memórias.

“Fazia tudo o que era necessário para os barcos. Agora estou reformado. Quando deixou de haver trabalho, reformámo-nos. Antes vivia em Macau. Comecei com 14 anos, até que tudo isto acabou”, disse.

Durante a entrevista com o HM bebemos um chá verde enquanto olhamos para a frágil estrutura que permanece bem ao lado da sua casa. A mulher mostra-nos as cordas que eles próprios colocaram para segurar algumas estacas de madeira. “Há cerca de três ou quatro anos fiz queixa sobre a falta de segurança da estrutura, mas como ninguém se preocupou, decidimos colocar estas cordas como suporte.”

Apesar da insegurança, João Pedro Ho não quer deixar o cantinho de uma vida. A mulher acrescenta de imediato que uma operação recente à perna, feita em Hong Kong, não o vai permitir mudar-se para outro lugar.

“Disseram-nos para sair daqui, porque é perigoso [a demolição], mas se eu me mudar onde vou viver? Na rua? Não vou sair e vou ficar aqui a olhar para o que vão fazer. Vou prestar atenção.”

Demolição por convite

As notícias sobre o futuro da povoação e dos estaleiros chegam a Coloane a conta-gotas. Os jornais e as televisões ajudam a transmitir informações, mas muitos moradores assumem não fazer a mínima ideia do que se está a passar e do que está para vir.

“A povoação foi criada para a construção dos barcos de pesca e para trazer os barcos do mar para terra [para reparações]. Cortavam-se grandes pedaços de madeira que depois eram trazidos para aqui.”
LEI KAM SENG, ANTIGO CONSTRUTOR DE BARCOS

Um dia, João Pedro Ho viu responsáveis de vários departamentos do Governo, como da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e da Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA), a inspeccionarem o estaleiro ao lado da sua casa. Como tinha dúvidas, resolveu intervir.

“A maior parte das pessoas que vieram aqui não nos disse nada. Vinham aqui olhar para os estaleiros, então fui eu lá falar com eles. Não estão a ser transparentes. Naquele dia calhou eu estar aqui na rua e fui directamente falar com eles. Se não estivesse aqui a prestar atenção ninguém sabia o que se estava a passar”, explicou.

Foi aí que João Pedro Ho soube que as demolições serão feitas através de um convite a uma empresa e não por concurso público. “Eles estavam a ver como iriam demolir a estrutura, e aí eu perguntei: ‘Vai haver concurso público?’ Disseram-me que não, que iria ser por convite directo, porque são necessários pelo menos três meses para preparar um concurso público, e os trabalhos têm de ser feitos antes que chegue a época dos tufões. Disseram-me que o processo seria assim para garantir a nossa segurança.”

O HM tentou confirmar esta informação junto da DSAMA, bem como o nome da empresa que irá fazer a demolição, mas o organismo apenas referiu que todas as informações disponíveis constam nos comunicados de imprensa já divulgados, que não fazem nenhuma referência às informações pedidas.

João Pedro Ho tirou fotografias aos rostos, guardou recortes de jornais. As dúvidas são partilhadas pela esposa e pela vizinha, que entretanto se junta à conversa.

“É evidente que alguém vai fazer dinheiro com estas demolições. Se não fosse para fazer dinheiro, porque o fariam? Não há sequer concurso público para isto. Vai ser um construtor privado”, aponta.

Também o antigo construtor de barcos Lei Kam Seng tem as suas queixas, que não são apenas dirigidas ao Governo. “Há muitas pessoas na associação [Associação dos Construtores de Barcos de Macau-Coloane-Taipa], mas esta deveria ser mais activa.”

“A associação nunca falou connosco. Nunca foi feita uma consulta pública, nunca falaram com quem mora aqui. Não sabemos absolutamente nada. Vivemos aqui e continuamos a não saber nada”, acrescenta Lei Kam Seng.

Nos diversos comunicados emitidos, a DSAMA afirma que muitos dos estaleiros não foram mantidos pelos próprios construtores dos barcos, declaração rejeitada por Lei Kam Seng. “Isso não é verdade. Deveriam deixar as pessoas investir e dar diferentes utilizações aos espaços. Se o Governo permitisse às pessoas investirem, então as pessoas iriam fazê-lo.”

Este antigo construtor afirma que muitos dos que têm falado à comunicação social sobre este assunto já não fazem parte das primeiras gerações de construtores navais e que, por isso, não percebem a essência de Lai Chi Vun.

“Só há uma ou outra pessoa que originalmente fez parte desta indústria, mas todos os outros são só empresários que não compreendem este lugar.”

A China ganhou barcos

Para João Pedro Ho, não foi só o jogo que arrastou consigo todas as outras indústrias. Os estaleiros localizados em Zhuhai, China, começaram a fabricar mais barato e com menos burocracias.

“É uma pena que tudo isto tenha acabado. A partir de uma certa altura a China continuou com a sua indústria de construção de barcos. Não havia trabalho aqui, então muitos foram para a China para continuarem a sua carreira. Além de ser mais barato construir lá, o Governo de Macau manteve uma série de procedimentos que dificultavam a vinda dos barcos para aqui. Deixaram de aparecer, então não havia mais nada para fazer.”

“Queria trazer os estudantes aqui para tirarem fotos e preservarem esta memória. Porque depois já não haverá nada, serão apenas terrenos.”
KOU, PROFESSOR DE HISTÓRIA

João Pedro Ho sabe que, actualmente, há pelo menos um estaleiro em Zhuhai onde ainda se constroem juncos de madeira. “Continuam a construir barcos em Zhuhai e há uma lista de espera. O Governo de Macau não ajuda nesse aspecto e também começou a aparecer muita sujidade no rio, muita areia. Antes o Governo não deu apoio, e antes de tantas mudanças ao nível dos solos, com as obras, era fácil mover os barcos aqui nesta zona.”

O HM chegou a contactar uma das fábricas de construção de barcos na cidade chinesa, mas a promessa de retorno do contacto, com mais detalhes sobre a construção naval do lado de lá da fronteira, não chegou a concretizar-se.

Por estes dias muitos têm aproveitado para visitar o local para verem de perto algo que, em breve, já não deverá existir. Foi o caso de um professor de História, de apelido Kou, que levou a sua turma a conhecer o lugar onde um dia se construíram barcos de madeira.

“Este é um sítio com história e os estaleiros vão ser demolidos, então decidi vir aqui com os meus alunos”, contou ao HM, enquanto segurava um mapa que ele próprio fez da zona. “Queria trazer os estudantes aqui para tirarem fotos e preservarem esta memória. Porque depois já não haverá nada, serão apenas terrenos.”

Kou é mais uma voz que está contra a decisão da Administração. “Gostava que os estaleiros fossem preservados para as próximas gerações. O Governo desenvolveu Macau e a Taipa, então poderia garantir a preservação de Coloane para as próximas gerações, mantendo um espaço verde.”

João Pedro Ho não tem dúvidas. “Estas coisas devem ser mostradas às pessoas”. “A indústria de construção naval em Macau tem uma longa história, e se tudo for demolido vão destruir tudo e já não haverá mais nada”, frisa.

O HM quis confirmar com a DSAMA a data certa para o arranque das primeiras demolições mas, até ao fecho desta edição, não foi obtida uma resposta. O porta-voz dos moradores de Lai Chi Vun, David Marques, acredita que os trabalhos poderão começar entre hoje ou amanhã, mas ontem à noite nenhum sinal de demolição pairava sobre a povoação.

Lai Chi Vun | A história e as razões do fim da indústria

Muito antes de haver jogo e ópio, houve juncos de madeira e um intenso comércio de pescas interno e além-mar. Houve cordoarias que chegaram até à Almeida Ribeiro. Hoje só resta o estaleiro de Lai Chi Vun para contar um pedaço da história da indústria naval em Macau, mas tudo começou há vários séculos. Para o investigador Luís Sá Cunha, a construção naval e as pescas constituíram um ponto fulcral da sociedade e da economia do território.

“O jogo não faz parte do genoma de Macau, só a partir de certa altura. Em 2005 li uma notícia no jornal de que o último barco a ser construído nos estaleiros tinha sido lançado ao mar. Isso foi há pouco tempo! No final dos anos 90 estava tudo a funcionar”, contou ao HM.

Para o investigador, o aparecimento dos casinos está longe de ser a única razão a apontar para o fim da indústria. “Não se conseguiram adaptar às inovações tecnológicas, e aí a culpa foi dos estaleiros. Porque toda a tradição chinesa vive de memória e de tradição de pai para filho, ou de mestre para discípulo. Todas as técnicas e sabedoria eram baseadas na madeira.”

“Não estão a ser transparentes. Naquele dia calhou eu estar aqui na rua e fui directamente falar com eles. Se não estivesse aqui a prestar atenção ninguém sabia o que se estava a passar.”
JOÃO PEDRO HO, MORADOR

Luís Sá Cunha explica também que “a construção naval não tinha planos, era feita com uma grande improvisação”. “Poucos estaleiros conseguiram fazer a implementação dos motores nos barcos. Faziam tudo aqui e os motores eram montados em Hong Kong. Muitos estaleiros na Taipa e Coloane começaram a viver das reparações.”

Depois de um período áureo da indústria, a partir dos finais da década de 90 tudo começa a acabar. Nessa altura havia 19 estaleiros em Macau que faziam 94 barcos por ano, sendo que nas ilhas existiam 16 estaleiros [os que ainda persistem], que faziam 150 barcos por ano. “Um número notável”, considera Luís Sá Cunha.

Além do “conservadorismo” das técnicas, na zona de Lai Chi Vun começou a existir uma grande distância entre a terra e a água, o que dificultou o transporte e recolha de barcos.

Mas o fim do comércio ultramarino também trouxe a crise a Lai Chi Vun. “A partir de certa altura, depois da II Guerra, houve a cessação da emigração chinesa, e já não havia exportações para os chineses ultramarinos. Houve a concorrência do comércio de Cantão. O comércio de Hong Kong, a seguir à II Guerra Mundial, teve uma emergência enorme, e começaram também eles a fabricar barcos, mais modernos.”

Houve depois uma mudança da indústria para Zhuhai. “Os preços começaram a aumentar nesta zona e por isso é que foram todos para lá.”


Uma construção “misteriosa”

Os primeiros estaleiros começaram por aparecer na península e não nas ilhas, e já no século XVIII os mapas faziam essa referência. Os chamados “mandarins”, olheiros da China, chegaram a decretar que não se podia fazer barcos para estrangeiros. Ainda assim, “havia estaleiros que os mandarins não viam”.

Por essa razão, Luís Sá Cunha defende que a “construção naval em Macau é um bocado misteriosa”. “Não houve durante a história muitos registos escritos sobre isso, mas também havia uma certa clandestinidade dos estaleiros. Estes sempre tiveram um estatuto e uma consciência de grande autonomia.”

Isso acontecia pelo facto de os construtores navais dominarem uma técnica que, à época, era bastante desenvolvida. “Eram importantes, mas muitos dos serviços eram clandestinos.”

A partir da década 60 do século XIX os estaleiros começam a desaparecer da península e a ir para as ilhas, devido aos planos de urbanização do governador Ferreira do Amaral. “Criou-se uma zona de epidemias, porque as aldeias não tinham qualquer higiene, as casas eram improvisadas, e as pessoas viviam em barcos que estavam sempre encostados uns aos outros. Albergava também ilegais e piratas, porque a polícia não ia lá. [Até que] entraram em vigor as novas políticas de urbanização de Macau, a partir dos anos 60 do século XIX até ao final do século.”

Permaneceram as estâncias de madeira e alguns estaleiros na península, e quando Ferreira do Amaral mandou construir uma fortaleza e levar a polícia para Coloane, “os estaleiros começam a ser desviados” para as ilhas.

Anos 30, época dourada

Luís Sá Cunha não consegue apontar uma data concreta sobre o arranque da indústria de Lai Chi Vun, que já tinha alguns habitantes e piratas. Na década de 30 do século XX, começa a “época áurea” da indústria. “Dá-se um grande surto da construção naval em Taipa e Coloane, e um desenvolvimento da principal indústria extractiva de Macau, que era a pesca.”

As emigrações dos chineses para países como a Austrália ou Estados Unidos dinamizaram o comércio e as exportações. “O peixe fresco não era o produto mais procurado, mas sim o peixe seco e as conservas.”

Em 1937, “dá-se algo ainda mais importante, que dá mais força a Taipa e Coloane: passam a fazer-se ligações diárias de barcos a motor a óleo, e instala-se o telefone”. É então que, segundo o investigador, as ilhas se tornam ponto atractivo de turismo para as famílias de Macau.

Nos anos 60, a península voltou a ter estaleiros junto à zona do Patane, “com melhores condições”, tendo chegado a existir um total de 40, fora dez cordoarias que se espalhavam pelas ruas.

Preservar é preciso

Para Luís Sá Cunha, a preservação dos estaleiros é importante para lembrar que, um dia, Macau teve uma vida socioeconómica intimamente ligada ao mar, que se traduz até pela toponímia das ruas. O investigador defende que poderia “haver um estaleiro a construir miniaturas que as pessoas poderiam comprar”.

“E porque não estar lá a construir um barco, um junco pequeno, para andar nas águas com os turistas? Havia a necessidade de juntar isto tudo, a toponímia, fazer um percurso marítimo, um itinerário, com todos estes elementos e explicações”, conclui.

1 Mar 2017

Perspectiva | Reunião entre Donald Trump e Xi Jinping à vista

Os avanços e recuos nas relações entre Estados Unidos e China vão conhecer um novo episódio: o encontro, frente-a-frente, entre os dois líderes. Desde as primárias republicanas, Trump tem abalado a estabilidade diplomática entre as duas potências. Os líderes devem encontrar-se em Julho, à margem da cimeira do G20 de Hamburgo

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]isualize este número: 1,12 biliões de dólares. Damos uma ajuda, são 12 zeros. Esta é a soma no pano de fundo das relações sino-americanas. Trata-se da dúvida soberana norte-americana que Pequim detém, isto depois de vender grande parte desses títulos de dívida para fortalecer o yuan em tempo de desaceleração do crescimento económico. Os dados são da Secretaria do Tesouro, demonstrando que a China já não é a maior detentora de dívida americana, tendo sido ultrapassada pelo Japão.

Esta pedra no sapato de Washington é um dos factores que deve ser tido em conta com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. O homem que quer renegociar tudo, para que a América volte a ser grande, não tem parado de falar na China desde as primárias republicanas, quase sempre de forma pouco diplomática e descuidada. Pois bem, avista-se um encontro com Xi Jinping à margem da próxima cimeira do G20, a realizar-se em Hamburgo no próximo mês de Julho, de acordo com fontes citadas pelo South China Morning Post.

Ao longo dos anos, Pequim tem financiado Washington com somas exorbitantes de dinheiro, naquilo que poderá ser o maior elefante na sala do mundo da economia política mundial. Usando outra analogia elefantina, quando Donald Trump entra na loja de porcelana da geopolítica, começa a partir a loiça toda. Nomeadamente, pondo em causa a política “uma só China”, no que diz respeito a Taiwan, mas também acusando Pequim de manipulação de moeda. Aliás, há dias, o magnata nova-iorquino rotulou os chineses de “campeões mundiais de manipulação cambial”, em declarações prestadas à Reuters. Esta alegação surge depois da Administração norte-americana ter tentando apaziguar as relações entre as duas maiores potenciais económicas mundiais. Em mais uma demonstração de incoerência, é de salientar que, escassas horas antes, o novo Secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, afirmara que a Casa Branca não tinha planos para rotular a China como um país que manipula moeda.

Frente-a-frente

Também na questão de Taiwan, Trump voltou atrás na aproximação à histórica pedra no sapato da diplomacia chinesa. Depois de colocar em causa a política “uma só China” múltiplas vezes, numa chamada com Xi Jinping, o Presidente norte-americano inverteu marcha e garantiu continuar a política seguida por Washington na questão formosina. Na sequência da chamada, o Presidente chinês terá dito que “os dois países estão totalmente aptos a tornarem-se bons parceiros”, de acordo com a agência Xinhua.

A maior constância de Donald Trump tem sido a inconstância. Nesse aspecto, torna-se urgente uma reunião entre os dois líderes, sem tweets incendiários pelo meio. “Pequim tem mantido contactos com a equipa de Trump sobre a possibilidade de uma reunião bilateral e Washington tem expressado opiniões semelhantes”, revela fonte citada pelo South China Morning Post.

No entanto, a incerteza é um dos traços da administração Trump, que tem revelado grande cepticismo, mesmo algum desdém, em relação a reuniões multinacionais. O isolacionismo tem sido uma imagem de marca da permanente campanha da nova Administração, profundamente marcada pela presença próxima de Steve Bannon.

O vice-presidente do Instituto de Relações Internacionais Chinesas, Yuan Peng, afirmou ao South China Morning Post que um encontro entre os líderes é essencial para mudar o tom e o rumo da relação entre Pequim e Washington. O analista disse mesmo “tratar-se de uma urgência para que os países possam trabalhar no futuro próximo”.

Do outro lado do espectro, James Woolsey, antigo director da CIA e ex-conselheiro de Trump em matérias de segurança nacional, aponta o mesmo caminho, dando a ideia de que quanto mais cedo a reunião acontecer, melhor. “A chave é não deixar a retórica azedar as relações entre os dois países, para se começar a trabalhar de imediato”, comentou ao matutino de Hong Kong. É de salientar que Woolsey se demitiu por discordar das declarações do Presidente acerca dos serviços secretos norte-americanos.

Visita a Washington

Trump tem reiterado a ideia de que nos negócios é importante a relação pessoal, o confronto cara a cara. Tal como no reino animal, quando dois machos alfa se encontram o embate pode resultar em cooperação ou sangue. Nesse sentido, Gal Luft, director do americano Instituto de Análise à Segurança Global, uma organização norte-americana, afirma que é fundamental os líderes “estabelecerem ligações pessoais, conhecerem-se”. O analista acrescenta que a “química pessoal que emergirá, ou não, poderá ditar a relação entre os dois países”.

A coincidir com o 45.º aniversário da histórica visita de Richard Nixon à China, que marcou a normalização das relações diplomáticas entre os dois países, Pequim enviou o seu diplomata n.º 1, Yang Jiechi, a Washington.

O conselheiro de Estado chinês estará hoje em reuniões com as contrapartes norte-americanas, diz um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Xinhua. De acordo com uma fonte ligada ao Partido Comunista Chinês (PCC), citada pela agência oficial, o assunto no topo da agenda será a discussão da altura para a primeira reunião entre os dois presidentes. Outro dos pontos na ordem de trabalhos será a situação na Coreia do Norte. Neste aspecto, as dúvidas também se mantêm, uma vez que o Presidente norte-americano repetiu, várias vezes, que usaria a questão de Taiwan para renegociar a posição chinesa em relação a Pyongyang.

No caso de Donald Trump seguir a via do isolacionismo e não comparecer em Hamburgo, uma hipótese bem possível para o encontro com Xi Jinping é a próxima reunião da APEC, a cimeira de Cooperação Económica da Ásia-Pacífico, a realizar-se no Vietname. Também é possível que a visita de Yang Jiechi resulte num encontro fora de reuniões multinacionais.

Aperto de mão

Para Xi Jinping, uma reunião com Donald Trump em Julho reveste-se de um significado especial, uma vez que o líder chinês tem razões para sentir alguma ansiedade em estabilizar as relações entre as duas potências antes da reunião do congresso do PCC, em Outono. A normalização das relações com Washington é um trunfo que o actual líder chinês, por certo, gostaria de levar para o encontro em Pequim que definirá a liderança chinesa.

Entretanto, já se especula sobre o que dirá nas entrelinhas o primeiro aperto de mão entre Trump e Xi Jinping. Depois do excesso de análise do cumprimento do magnata nova-iorquino ao primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e ao primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, já muito se especula sobre as conclusões a tirar na forma como Xi Jinping saudará Trump.

Apesar dos apertos de mão vigorosos do Presidente norte-americano, no plano geopolítico vingam as questões económicas, militares e diplomáticas. Neste capítulo, Pequim tem tido a tarefa ingrata de tentar chegar à comunicação com uma Administração que responde de forma inconsistente e errática em matérias demasiado sensíveis.

Para o vice-presidente do Instituto de Relações Internacionais Chinesas, Yuan Peng, a pior incerteza é não saber com quem contactar em Washington e como, atendendo a que Donald Trump tem demonstrado pouco interesse em usar os típicos canais diplomáticos. “E se acontece algo, uma urgência, quem contactamos?”, interroga-se Yuan Peng. A questão ganha outra dimensão com o uso descuidado de Donald Trump das redes sociais, onde não se coíbe de improvisar sobre matérias sensíveis sem qualquer apoio de consultores, nomeadamente, enquanto assiste a programas da Fox News.

Até a reunião se realizar, tudo pode acontecer, com o mundo em suspenso, aguardando as cenas dos próximos capítulos.

28 Fev 2017

Jason Chao | Activista promete fiscalizar processo eleitoral

O vice-presidente da Associação Novo Macau, Jason Chao, agora demissionário, tem na manga um novo projecto. A implementação de um sistema de monitorização que garanta a transparência das eleições é a nova meta. Entra em acção a partir de Abril

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]ason Chao está de saída da Associação Novo Macau (ANM), não por divergências com o organismo, mas porque pretende implementar um projecto de monitorização eleitoral. A informação foi dada ontem, num encontro com a comunicação social, em que o vice-presidente demissionário da ANM fez saber que se trata de “um novo projecto independente e será lançado em Abril”.

A ideia resulta de uma reflexão acerca da sociedade civil do território. “O que observei da experiência do meu trabalho anterior é que a sociedade civil de Macau não tem uma boa infra-estrutura, ao contrário de Hong Kong que, ao nível civil, é uma sociedade muito enérgica”, afirmou.

Para já, Jason Chao avança sozinho na fiscalização das eleições e não adianta nomes com quem pretenda fazer parcerias. “Espero formar uma equipa, mas para já avanço apenas comigo. Não estou a trabalhar com ninguém ainda, mas espero ter pessoas a colaborar neste projecto”, referiu.

Na calha está a “fiscalização” de todo o processo eleitoral que inclui várias acções. Referindo-se à participação nas actividades ligadas às campanhas, o objectivo é “ter pessoas que participem e que a elas tenham acesso”. O intuito é tornar pública toda a informação recolhida e, em caso de recusa na obtenção, o facto também será comunicado. Por outro lado, este tipo de plataforma não existe no território e não é função que se possa pedir a ninguém “porque o empenho e intervenção na sociedade civil tem de ser feito de forma voluntária.”

Jason Chao lembra as legislativas de 2013, em que participou, para dizer que “presenciou situações de abuso de poder e de censura para com a Novo Macau”. O activista local sentiu que não tinha qualquer tipo de apoio e pretende, com o novo projecto, ter uma palavra a dizer de forma independente.

Os pormenores, no entanto, são ainda desconhecidos, sendo que “toda a informação será divulgada no momento certo”. Jason Chao explicou ainda que não será uma plataforma semelhante à da vizinha Hong Kong, a Thunderbolt, promovida por um dos cofundadores do movimento de desobediência civil “Occupy Central”, Benny Tai Yiu-ting. Para Jason Chao, o importante é monitorizar as eleições e não fazer “engenharia da eleição”.

Adeus definitivo

O ainda dirigente associativo não pensa voltar a fazer parte de uma associação de cariz político. “É improvável que regresse”, afirmou. As razões, apontou, são de foro pessoal e têm que ver com a sua personalidade e condição de saúde recentemente diagnosticada. “Há sete meses fui a um psiquiatra em Hong Kong e fui diagnosticado com síndroma de Asperger, uma subcategoria do espectro do autismo”, disse.

Jason Chao admite que a síndrome interfere no contacto com outras pessoas e, “no processo de eleições em Macau, as interacções pessoais com os residentes são muito importantes”. O activista não se sente apto a integrar este tipo de actividades, pelo que prefere trabalhar de forma independente e longe dos holofotes da política. “Gosto de trabalhar para a excelência e para a implementação de novas ideias, por isso, desta vez, dado que a Novo Macau tem tido cada vez mais interessados em se associar, parece-me uma boa altura para escolher um papel que melhor se encaixe em mim”.


O rei que vá à luta

A Associação Novo Macau (ANM) vai continuar com o trabalho que tem vindo a desenvolver e mantém os objectivos, sendo que, com a saída de Jason Chao, vão registar-se mudanças no que respeita à aproximação dos problemas diários da população. “Claro que temos uma agenda partilhada com as ideias do Jason Chao, mas com algumas pequenas alterações”, afirmou o vice-presidente Scott Chiang.

Para ilustrar o caminho que a entidade pretende seguir, Scott Chiang refere as áreas de interesse do membro demissionário e a sua aplicação aos “novos” objectivos. “Jason Chao tem uma forte ligação aos direitos humanos e à liberdade individual, que são temas sem popularidade em Macau. Haverá algumas alterações a este nível. Não vamos deixar estes assuntos, mas pretendemos chegar a um maior número de pessoas e partilhar dos mesmos interesses”.

A ideia é continuar a lutar por uma sistema democrático mas de forma a intervir na vida da população. “Temos lutado pela democracia, mas a maioria dos residentes tem outro tipo de problemas que lhes afectam o quotidiano. O que temos de fazer é juntar os vários pontos: temos um mau sistema que leva a más políticas que, por sua vez, levam aos problemas de tráfego”, exemplificou.

Scott Chiang não adianta nomes para concorrer às próximas eleições dando a entender que o papel poderá caber ao presidente Sulu Sou. “O rei tem de montar o seu cavalo e ir para a batalha”, disse.

28 Fev 2017

Internet | Comissariado da Auditoria aponta falhas no serviço WiFI GO

É um serviço que entra na lógica da ‘cidade inteligente’, mas que é problemático. O Governo gastou, pelo menos, 160 milhões de patacas no sistema de banda larga sem fios. O Comissariado da Auditoria analisou o WiFi GO e não gostou do que viu. Há serviços pagos que não foram sequer instalados

[dropcap style≠’circle’]“H[/dropcap]á problemas no que respeita aos trabalhos de planeamento, à fiscalização dos serviços de operação, à instalação de pontos de acesso sem fios e das respectivas liquidações.” O resumo é feito pelo Comissariado da Auditoria (CA), que ontem divulgou um relatório sobre o sistema de banda larga sem fios, o WiFi GO.

O serviço começou a ser instalado em 2010, com o objectivo de disponibilizar a cidadãos e turistas acesso gratuito à Internet. O sistema tem vindo a ser instalado de forma faseada em espaços do Governo, em instalações públicas, nos principais postos fronteiriços e em pontos turísticos. De acordo com o CA, que realizou a auditoria entre Janeiro e Maio de 2016, o Executivo gastou, até Março do ano passado, 160 milhões de patacas. Este dinheiro foi investido na instalação da rede, nos serviços de operação e no pagamento de despesas relacionadas com os circuitos alugados.

Com o estudo, o Comissariado da Auditoria pretendia avaliar a qualidade do serviço. Desde logo chegou à conclusão de que o carácter “vago e abrangente” dos “objectivos gerais e específicos” do planeamento do WiFi GO fez com que “não existisse uma direcção concreta quanto à sua execução, podendo ter conduzido à instalação arbitrária e até indiscriminada de pontos de acesso”. O sistema era uma das apostas da Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações (DSRT), entretanto extinta.

“Dadas estas circunstâncias, será difícil determinar, com certeza, em que momento é que os objectivos propostos pela DSRT foram alcançados”, indica o relatório do CA, que não encontrou fundamentos para a selecção da maior parte dos pontos de acesso ao serviço.

A auditoria avaliou também o sistema de fiscalização adoptado pela DSRT, que se revelou “imperfeito e insuficiente, pois não era capaz de assegurar a qualidade do serviço WiFi GO”.

Dos 183 pontos de acesso escolhidos pelo comissariado, 30 tinham uma qualidade de ligação “insatisfatória”. Os pontos de acesso ao ar livre obtiveram uma taxa de aprovação de 48,6 por cento nos testes de ligação e de velocidade. Em termos gerais, foram aprovados 66,6 por cento dos pontos testados. “Porém, a qualidade da ligação é pouca satisfatória, constituindo um desperdício do erário público”, considera o CA. Em vez de se dar a ideia de que se está numa cidade internacional, o serviço “afecta a experiência dos turistas, deixando-os com uma percepção negativa em relação à imagem de Macau”.

Problemas com a lei

Os problemas não terminam aqui. De acordo com a auditoria, em seis das oito fases de instalação do WiFi GO, o número de dispositivos instalados foi inferior ao previsto nos contratos. O Governo gastou mais 422 mil patacas do que era suposto, uma vez que as 25 obras em questão, que não chegaram a ser realizadas, foram pagas pela DSRT.

Trata-se de uma situação “desrazoável e desfavorável” para a Administração, sublinha o CA, que explica o que esteve na origem deste desfasamento entre serviços pagos e recebidos: os contratos fixavam um preço total e não incluíam cláusulas de revisão. O problema passou despercebido durante anos porque a DSRT não fez qualquer menção nos documentos de liquidação. “Só depois de ter sido apontado pelo CA, durante a auditoria, é que a DSRT introduziu pela primeira vez num novo contrato de aquisição, uma cláusula de revisão do preço”, lê-se ainda no relatório.

A DSRT defendeu-se dizendo que algumas das obras previstas para certos locais não foram realizadas de acordo com os planos iniciais, tendo sido transferidas para outros locais. O CA consultou os projectos de execução mas, como não mencionavam o valor previsto, “qualquer ponderação objectiva dos preços das obras se tornaria difícil”.

O comissariado acrescenta que “é de estranhar o facto de a DSRT transferir as obras de instalação para outros locais não previstos no contrato sem ter tido a devida autorização escrita”. Perante este cenário, “obviamente que a DSRT não agiu de acordo com a lei”.

Pensar no futuro

Quanto às sugestões, o CA sugeriu que a DSRT – que, entretanto, se juntou aos Correios – deve efectuar um estudo que tenha em conta o desenvolvimento global de Macau, definindo de forma exacta “os efeitos concretos e os objectivos que se pretendem alcançar com o serviço WiFi GO”.

Além de uma boa selecção dos pontos de acesso, recomenda-se a definição de mecanismos que garantam a eficácia económica do serviço e a criação de um regime de fiscalização que permita assegurar a qualidade do sistema.

O comissariado deixa ainda conselhos sobre o modo como devem ser firmados os contratos entre serviços públicos e fornecedores de serviços: “É necessário definir com maior detalhe possível o conteúdo das prestações estipuladas no contrato, bem como a forma de cálculo do preço”. Em situações de incerteza, a Administração deve evitar fixar um preço total, optando por uma forma de cálculo que “permita assegurar que o pagamento seja efectuado de acordo com os bens e/ou serviços efectivamente recebidos ou prestados”, sugere o CA.

Em suma, “o papel a exercer pelo WiFi GO não é claro”, sendo que “não está nitidamente definido quais são os principais beneficiários deste serviço: se os cidadãos, se os turistas”. A auditoria permitiu concluir que “as situações verificadas levaram a que, apesar do avultado investimento público neste serviço ao longo dos anos, os resultados concretos alcançados ficassem aquém das expectativas”, resultado para o qual contribuem os problemas técnicos, nomeadamente no acesso à Internet e na instabilidade do sinal de wi-fi.

Não esquecendo que o serviço gera “críticas entre cidadãos e turistas”, o Comissariado da Auditoria frisa que, pelo facto de os problemas nunca terem sido “adequadamente resolvidos”, um serviço pensado para beneficiar a população acabou por ser “inútil”, afectando a confiança do público “também em relação a outros projectos do Governo”.

Por fim, recomenda-se que se tenha uma perspectiva conjuntural do sistema WiFi GO, atendendo a que tanto o sector privado, como alguns serviços públicos disponibilizam também eles gratuitamente o serviço de wi-fi.

28 Fev 2017

Armazém do Boi | Workshop e exposição para reflectir Macau

Gil Mac regressa a Macau para um woprkshop no Armazém do Boi em que os participantes são convidados a trabalhar em logótipos que representem a cidade. O espaço é de criação e reflexão para que, no final, resulte uma exposição em caixas de cartão que comuniquem o território

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma semana para a criação de logótipos em caixas de cartão capazes de reflectir a cidade, é a proposta do workshop Macau™ que vai ter lugar no Armazém do Boi. Gil Mac é o responsável pelo evento.

A participação do artista marca a presença portuguesa na programação de 2017 do Armazém e resultou do open call “Seed in Spring” promovido pela entidade local.

A cidade não é nova para Gil Mac e a ideia, neste regresso, é pensar Macau e o branding do lugar.  “A primeira vez que estive em Macau foi em 2007 com a Teatro do Frio para apresentar um espectáculo a solo no festival Fringe e apaixonei-me pela cidade. Voltei em 2014 com o colectivo (DEMO) para o mesmo festival com o projecto ‘UWAGA!’. Estivemos no Armazém do Boi várias semanas com uma oficina de arte urbana e tipografia”, recorda.

Foi aí que conheceu e se surpreendeu com a criação artística “made in Macau”. “Conheci uma nova geração de artistas muito criativa, com espírito crítico e “politicamente” envolvidos. Fizemos várias intervenções no espaço público e o resultado foi muito interessante”, aponta Gil Mac.

O evento, que vai ter lugar entre 12 e 19 de Março, tem como mote “a riqueza histórica e multicultural do território e a sua contemporaneidade identitária tendo em conta as particularidades”.

Para Gil Mac, o território é detentor de características que se concretizam nos fluxos de turismo e de consumo, na globalização e na mudança dos espaços públicos e privados, e estes serão alguns dos temas em análise.O Macau™ aparece ainda na sequência do trabalho  que, o também designer gráfico, tem vindo a desenvolver dentro do projecto pessoal “whatever ™”.

Comunicar a urbe

As premissas que fundamentam o evento são as necessidades da cidade e as suas representações. No entanto, não se trata de um resultado de intervenção em espaço público mas sim expositivo e com uma linguagem associada à publicidade através do uso do branding, com os olhos postos na síntese que é o logótipo.

A ideia passa ainda por “fazer a desconstrução da comunicação das marcas que se encontram na cidade e a forma como se comunicam.”

O objectivo inicial seria a realização de um workshop durante uma semana, mas na ausência de espaço disponível o programa foi reorientado. O evento será feito em vários momentos. Numa primeira fase, é realizado um briefing, a 12 de Março, com os participantes e onde são dadas as premissas. Segue-se uma semana de trabalho. “Este tempo é um momento em que as pessoas vão olhar para a cidade, reflectir no que ela diz e trabalhar em esboços, fotografias e ideias, para que no fim-de-semana seguinte, num terceiro momento, se faça uma síntese dos logos que foram criados no período anterior e seja criado um objecto gráfico a preto e branco”.

A materialização é feita em caixas de cartão porque, afirma, “são objectos que normalmente têm em si informação acerca dos produtos que transportam e, muitas vezes, esta informação é também um logótipo”.

Para Gil Mac, “o mais importante é a experiência” sendo que a discussão dos diferentes pontos de vista e opiniões sobre a cidade culminarão em trabalhos “mais ricos”.

“No cerne do evento está a reflexão do que é que é Macau neste momento”, afirma. Os participantes vão procurar, de uma forma criativa, comunicar com a cidade, e, ao olhá-la com outros olhos, encontrar nela características que possam ser representadas graficamente. “[Os participantes] serão encorajados a ver a cidade de outra forma nas suas múltiplas facetas: na arquitectura, nos símbolos e dinâmicas”.

O curto período de tempo do workshop também representa um desafio, considera, na medida em que  permite desenvolver capacidades de trabalho sob pressão.

Gil Mac é um artista multifacetado. Conimbricense, nasceu em 1975. Estudou artes gráficas, fotografia e multimédia e teve formação adicional em tipografia. Paralelamente, desenvolve projectos associados ao teatro e à música experimental. Admirador de Camilo Pessanha tem vindo a desenvolver o projecto “Inscrição” que deu o mote, no ano passado, à performance  ORACULO”, no Festival Rota das Letras. Camilo Pessanha regressa à edição deste ano, desta feita com a performance Hydra & Orpheu e o projecto DEMO. A ideia é mostrar a influência do poeta local na geração de escritores modernistas portugueses em que se inclui Fernando Pessoa. 

27 Fev 2017

Migração | Artista de origem tibetana barrado à entrada de Macau

O pintor de origem tibetana Tashi Norbu foi impedido de entrar no território no passado sábado. Era um regresso a Macau para participar numa iniciativa de uma galeria local. O cidadão belga diz que não lhe foi dada qualquer justificação, mas admite não ser visto com bons olhos em Pequim

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] notícia é avançada pela entidade que convidou o artista, em nota à imprensa: o pintor Tashi Norbu foi impedido de entrar em Macau no passado sábado, quando se preparava para participar num evento promovido pela Galeria iAOHiN Amber. O artista vinha ao território para uma performance ao vivo, mas teve de dar meia volta e regressar a Hong Kong.

“Planeava mostrar a minha arte, a linguagem e as técnicas que estudei durante toda a minha vida”, disse Tashi Norbu ao telefone, citado pelo comunicado. “É triste que tenha sido impedido de apresentar o meu trabalho em Macau”, lamenta.

Tashi Norbu é cidadão belga e vive na Holanda. Em Abril de 2016, o pintor esteve na RAEM para uma mostra também promovida pela Galeria iAOHiN. “A minha exposição do ano passado em Macau foi muito bem-sucedida e foi por isso que a iAOHiN me voltou a convidar, desta vez para a inauguração da nova galeria. Ia pintar um ‘galo de fogo’, o símbolo deste ano novo lunar, que está também presente no calendário tibetano”, explicou o artista plástico.

“Quero apenas fazer a minha arte, e as únicas mensagens que quero passar com os meus quadros são o amor e a bondade”, garante o pintor de origem tibetana. Tashi Norbu destaca ainda que viajou um pouco por todo o mundo, foi já convidado por uma “diversidade de países com culturas diferentes”, sendo que “esperava que esse fosse o caso de Macau”. O pintor já tinha passado, no entanto, por uma situação semelhante na Polónia.

Organização desiludida

De acordo com a galeria, apesar de, no ano passado, o artista plástico ter conseguido entrar no território, tanto à chegada, como na partida esteve retido durante uma hora pelos Serviços de Migração – uma situação que não se verificou em Hong Kong, onde atravessou a fronteira sem qualquer problema. Desta feita, as autoridades não apresentaram qualquer justificação para negarem a entrada, mas Tashi Norbu admite que pode ser considerado “um pintor controverso” por Pequim.

A entidade organizadora do evento especula que a obra do artista “poderá ser banida na China por retratar monges tibetanos e cenas espirituais com o Dalai Lama e tibetanos no exílio”. Acresce o facto de Tashi Norbu ter vendido a um coleccionador de Hong Kong um quadro chamado “O Guarda-chuva Precioso”. Trata-se de uma referência aos protestos de 2014 na antiga colónia britânica, “com um guarda-chuva amarelo no meio de monges a voar e, entre eles, uma freira católica”.

Na mesma nota à imprensa, o responsável pela galeria, Simon Lam, diz-se “desiludido com a atitude das autoridades”, por considerarem “a arte uma ameaça e impedirem algo que não era mais do que uma performance artística”. O responsável considera que “isto não é o que Macau deveria estar a fazer, a censura é simplesmente algo que está errado, e não há justificação possível, uma vez que Tashi Norbu teve autorização para estar em Hong Kong na semana passada, sem qualquer problema”.

27 Fev 2017

Novo Macau | Analistas comentam saída de Jason Chao

Apanhou desprevenidos os observadores da política local, que não acreditam, no entanto, num mero regresso à vida civil do demissionário vice-presidente da Associação Novo Macau. Éric Sautedé não afasta a possibilidade de, um dia destes, Jason Chao voltar em força. E surpreender quem agora bate palmas

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] visto como sendo o homem que revolucionou a Associação Novo Macau (ANM), movimento político pelo qual foram eleitos Au Kam San e Ng Kuok Cheong. É tido como um jovem incómodo, um activista sem papas na língua que, por não estar de acordo com os mais velhos, contribuiu para a fragmentação da principal associação pró-sufragista do território.

Na semana passada, Jason Chao anunciou que está de saída da ANM. Na despedida, garantiu que não houve desentendimentos com a actual direcção e deu a entender que tem novos planos ligados ao trabalho junto da sociedade civil. Chao deixa o organismo a pouco mais de meio ano das eleições legislativas. “Estou um pouco surpreendido com a saída de Jason Chao”, admite Eilo Yu, professor da Universidade de Macau.

No comunicado que publicou no Facebook, o ainda vice-presidente da Novo Macau mostra-se desiludido com o facto de serem cada vez menos aqueles que estão dispostos a dar a cara pelos ideais democráticos. Eilo Yu tem uma leitura diferente sobre a matéria. “Em termos de tamanho, não me parece que o campo pró-democrata esteja a ficar menor. Nestes últimos anos, passámos a ter mais jovens e grupos independentes a assumirem uma posição sobre questões públicas”, sublinha ao HM.

Teoria da fragmentação

“Talvez o desencanto de Jason Chao tenha quer ver com o facto de o campo pró-democrata não estar a crescer em paralelo ou em proporção à economia de Macau”, acrescenta. Para o politólogo, “a oposição encontra-se mais fragmentada do que unida”.

Eilo Yu recorda que, quando o deputado Au Kam San e outros elementos da Novo Macau saíram da ANM e passaram a integrar a Iniciativa de Desenvolvimento da Comunidade de Macau, “as forças pró-democracia separaram-se”. “Têm o seu posicionamento e estratégia, têm também, por vezes, opiniões diferentes, o que poderá contribuir para a frustração de Chao”, afirma.

Surpreendido com a saída ficou também o académico Éric Sautedé, uma vez que esperava que o vice-presidente da ANM se candidatasse às eleições legislativas deste ano. “Não conheço ninguém em Macau que não tenha ficado surpreendido. É um jovem político muito sofisticado e desafiador e, apesar de os resultados que obteve em 2013 não terem, certamente, ido ao encontro das suas expectativas, deu a entender que se iria de novo candidatar”, refere o analista, que vê em Jason Chao “um lutador”.

Éric Sautedé não tem a certeza de que o jovem político esteja desiludido com o rumo dos acontecimentos dentro e fora da Novo Macau, mas não tem dúvidas de que existe frustração, “especialmente porque ele é amplamente reconhecido como um firme defensor dos valores democráticos e da reforma em Macau, e infelizmente isto não se traduziu no resultado que legitimamente aspirava” nas últimas eleições.

De fora, mas perto

Ainda sobre Jason Chao, o politólogo francês traça um retrato do vice-presidente da ANM para tentar perceber qual o passo que se segue. “Baseia-se em princípios, é um idealista, e desafia o campo conservador e iliberal ao utilizar, em simultâneo, abstracções e actos surpreendentes, algo que homens como Fong Chi Keong ou Chan Chak Mo devem ter verdadeira dificuldade em alcançar”, atira.

Sautedé recorda ainda que Jason Chao é uma pessoa que suscita opiniões muito diferentes, atendendo ao forte envolvimento no movimento de direitos LGBT em Macau, que “continua a ser uma comunidade muito tradicional”. “Ele assumiu ser homossexual, ansioso por acabar com todas as formas de discriminação na sociedade.”

O académico acredita que a saída anunciada para o final do próximo mês “é estratégica, deverá ter algo em mente, mais no lado do trabalho junto da sociedade civil, que poderá ser complementar ao papel mais institucional da Novo Macau”.

Eilo Yu concorda com esta perspectiva, ao destacar que “Jason Chao deu a entender que irá criar uma nova organização para a continuação da sua actividade, pelo que poderá cooperar com a Novo Macau nalgumas situações”.

Não obstante, o professor da Universidade de Macau adivinha tempos difíceis para a ANM. “Em termos psicológicos, a saída de Chao por certo trará pressão, a curto prazo, à Novo Macau. Nestes últimos anos, Scott Chiang e Sulu Sou têm estado muito activos na vida política de Macau. Acredito que continuarão o que têm estado a fazer”, diz. Mas perderam oficialmente um companheiro de luta.

Em termos gerais, continua Eilo Yu, “a saída de Chao vai fragmentar ainda mais o campo pró-democrata e reflecte que este continua a ser virado para a elite”. Para o analista, a pró-democracia em Macau “não tem capacidade de união e de acomodação da elite e das massas, que têm diferentes opiniões dentro de uma organização”. O fenómeno não é exclusivo de Macau: “Essa é a natureza das forças pró-democratas em várias regiões, como acontece em Hong Kong”.

Esperar pela surpresa

Já Éric Sautedé entende que a Novo Macau é “como uma família”. “Aqueles que se regozijaram demasiado depressa com o facto de Jason Chao ter passado aos bastidores poderão, muito bem, ter uma surpresa quando chegar a hora”, diz.

O politólogo lembra que, “desde que se juntou à ANM, em meados dos anos 2000, Jason Chao esteve sempre à frente de todas as batalhas democráticas em Macau, e mais ainda depois de, em 2010, se ter tornado presidente da única força política da oposição, quando tinha apenas 24 anos”. Ou seja, não será agora que vai atirar a toalha ao chão.

“Infelizmente, em Macau, o sistema eleitoral é totalmente selado e as eleições são ganhas com um apoio comunitário muito grande – Fujian, Jiangmen ou Chaozhou, é escolher – e com muito dinheiro gasto em jantares, entretenimento e sorteios, durante todo o ano e ao longo de todo o mandato”, lamenta Sautedé. “Quando se defendem ideias não é preciso sujar as mãos, luta-se contra o sistema naquilo em que é discutível”, acrescenta. Jason Chao deixa a ANM, mas não deixará as lides políticas do território.

27 Fev 2017

Tráfego | Parquímetros de Macau infringem normas do Código Civil

Os parquímetros que estão a ser colocados nas ruas de Macau não dão recibo aos utentes. A situação não é nova – o Governo está a consentir que se prolongue uma situação que é ilegal. Os Serviços para os Assuntos de Tráfego alegam que se poupa papel. A lei é violada em nome do ambiente

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão parquímetros para mais de 11 mil lugares e têm de estar instalados até ao final de Abril do próximo ano. A empresa a quem foi concessionado o serviço de parquímetros está a substituir, de forma gradual, os equipamentos nas vias públicas mas, à semelhança do que acontecia já com as velhas máquinas, os novos dispositivos não dão recibo ao utente, em troco do dinheiro depositado.
Para quem sabe de leis, está-se perante uma ilegalidade, que o Governo não nega. A Administração defende-se, porém, com preocupações ambientalistas: a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) diz que, com a inexistência de recibos, poupa-se papel.
A lei é clara no que diz respeito aos direitos dos consumidores na aquisição de bens e serviços. O Artigo 776.º do Código Civil, que dispõe sobre o direito à quitação, diz que “quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado”. O mesmo artigo diz ainda que “o autor do cumprimento pode recusar prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento”. Por outras palavras, um condutor poderá recusar-se a pagar se não tiver a certeza de que vai receber um comprovativo de que fez o pagamento.

Amigos do ambiente

Confrontado com o que diz o Código Civil e com mais algumas questões sobre a matéria, o gabinete do secretário para os Transportes e Obras Públicas delegou as respostas na DSAT, que fez os seus esclarecimentos por escrito. “Os novos parquímetros que foram introduzidos em Macau são iguais aos que foram adoptados em outras regiões, tal como em Hong Kong”, começam por esclarecer os serviços. “Durante a utilização dos parquímetros, o utente, após ter efectuado o devido pagamento, poderá visualizar no ecrã o sistema de cobrança, ou seja, o utilizador toma conhecimento de quanto tempo poderá estar estacionado, no respectivo lugar do parquímetro, consoante o valor que colocou.”
Cada novo parquímetro serve vários veículos em simultâneo, estando os números dos lugares pintados no chão. O utente dirige-se à máquina, pressiona F1 para português, selecciona o número onde tem o carro estacionado e faz o pagamento, que pode ser em moedas ou com o MacauPass.
“Este sistema, adoptado pelo Governo de Macau, alimenta a política de protecção ambiental, com a diminuição clara do uso do papel”, defende a DSAT, sem fazer referência directa ao Artigo 776.º do Código Civil. Os Assuntos de Tráfego aditam que, “ao recorrer ao pagamento por cartão-porta moedas electrónico, o utente pode, caso considere necessário, requerer à entidade exploradora da emissão do respectivo cartão, uma consulta dos seus movimentos e obter informações relativamente ao pagamento do parquímetro”. Ou seja, quem precisar de fazer prova do dinheiro que gastou ao estacionar nas ruas de Macau terá de dirigir-se à MacauPass. E quem tiver feito o pagamento com moedas? A DSAT nada diz sobre o assunto, presumindo-se assim que, para quem usou patacas em vez do cartão, não há forma de obtenção do comprovativo de pagamento.

Ilegalidade problemática

O advogado Sérgio de Almeida Correia não tem dúvidas: “O facto de existirem parquímetros em Macau que obrigam as pessoas a colocarem moedas para o estacionamento, não lhes sendo dado o comprovativo, é uma ilegalidade”. Trata-se de uma ilegalidade porque “viola aquilo que está previsto no Código Civil, designadamente o Artigo 776.º” – que confere a qualquer cidadão o direito a ter um documento de quitação dos pagamentos que efectua”, sendo que “traz outros problemas e inconvenientes”, observa.
“Não me é possível ficar com um documento que me diga a que horas é que estacionei e até que horas é que tenho direito a lá ter o carro. Se for autuado por um polícia cinco minutos antes do termo do prazo, não tenho maneira de fazer prova de que, à hora a que o meu carro foi autuado, ainda estava a cumprir com as regras”, aponta o advogado.
Mas há outros problemas além da contestação de multas. “Por outro lado, em relação a algumas entidades, é necessário fazer prova da apresentação do recibo para efeito de reembolso de despesas, para apresentação, por exemplo, junto dos Serviços de Finanças.”
Sérgio de Almeida Correia chama ainda a atenção para as pessoas que utilizam os seus carros ao serviço de empresas. “Têm direito a serem reembolsadas das despesas que efectuaram, mas qualquer entidade patronal precisa do recibo para poder fazer o pagamento. Se há uma saída de dinheiro de uma empresa, tem de estar suportada nalguma coisa.” Ora, um trabalhador que gaste por dia quatro patacas em estacionamento, por usar o carro ao serviço do local onde trabalha, chega ao final do ano com menos 1000 patacas no bolso.

“Péssimo princípio”

O advogado considera que se trata de um “péssimo princípio da Administração de Macau proceder à instalação de parquímetros sem que seja possível fazer prova do pagamento, sem que seja emitido o respectivo recibo”. Sérgio de Almeida Correia não hesita em dizer que se trata “de uma coisa inconcebível num sistema de direito, num território onde existem leis, onde as pessoas têm direitos e têm obrigações”. As obrigações não são só para os cidadãos, nota o jurista. “Também se aplicam no sentido da região relativamente aos cidadãos. O cidadão cumpre as suas obrigações, pelo que também espera que a região cumpra os seus deveres.”
Quanto ao argumento da DSAT em relação à inexistência de recibos – as preocupações em relação ao consumo de papel –, Sérgio de Almeida Correia entende que se está perante um objectivo a ser perseguido mas, no caso em análise, “o cumprimento da lei impõe-se relativamente à preocupação ambiental”.
“Além de mais”, vinca o jurista, “essa preocupação ambiental só faria sentido se fosse estendida também a outras áreas”. No que toca directamente à acção da DSAT, “não existe essa preocupação ambiental relativamente à emissão de gases de escape por parte dos táxis ou por parte dos autocarros que estão ao serviço dos casinos, porque basta circular atrás deles nas subidas para se verificar a quantidade de fumo que é libertada”.
Ainda a propósito do consumo de papel, mas noutra tutela, Sérgio de Almeida Correia lamenta que “essa preocupação ambiental não exista relativamente aos tribunais e que se continue a impor aos advogados a apresentação de duplicados em papel de todos os articulados que apresentam”. O advogado dá uma ideia do volume em questão: “Se estivermos a falar de acções com 20 ou 30 partes, em processos em que cada articulado pode ter 40 ou 50 páginas, é ver a quantidade de papel que é necessária e o impacto ambiental que isso representa”. O jurista não compreende por que não se informatizam os serviços, “como se faz nos países civilizados”. Portugal é, “há mais de uma dezena de anos”, um bom exemplo.
Voltando ao argumento da DSAT, Sérgio de Almeida Correia diz que lhe parece “forçado”. Poupança por poupança, e uma vez que não se corrigiu a situação ilegal que já se verificava, deixavam-se estar os velhos parquímetros. “Estavam a funcionar, cumpriam a sua função. Até por aí, parece-me que há um desperdício.”

Sem outras soluções

Pelos números fornecidos pela DSAT ao HM, até Janeiro deste ano, “a disponibilidade de lugares de estacionamento de parquímetros em Macau era de 11.332”. Nos últimos anos, estes equipamentos proliferaram no território, sendo difícil encontrar um local de estacionamento na via pública que não seja pago, “até em Coloane, junto aos trilhos”, aponta Sérgio de Almeida Correia.
Ainda segundo as explicações dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, compete à Sociedade de Administração de Parques Foieng a instalação e a gestão de lugares de estacionamento no território. “De acordo com o contrato celebrado, depois do concurso público, de prestação de serviços de exploração, a mesma deve proceder à substituição do respectivo sistema de cobrança, até a 30 de Abril de 2018, assumindo os encargos resultantes de toda a instalação.”
Em muitas cidades com problemas de estacionamento, dilema com que Macau se depara, são instalados parquímetros que permitem aos utentes, sobretudo nas zonas residenciais, pagarem de véspera as primeiras horas do dia seguinte, para evitarem ser multados se saírem de casa mais tarde. O HM quis saber se esta hipótese tinha sido estudada para o território.
“Para já não existe a possibilidade do tipo de pagamento mencionado”, responde a DSAT. “Mais se informa que, durante o período das 22h às 9h do dia seguinte o estacionamento é grátis”, acrescenta. “Elevar a rotatividade de estacionamento permite impedir a ocupação permanente e abusiva dos lugares de parquímetros, respeitando o Artigo 21.º do Regulamento do Serviço Público de Parques de Estacionamento, que afirma não ser permitida ‘a sobrealimentação do parquímetro ou de outro sistema de cobrança, nem de estacionamento para além do período máximo permitido’”, citam os Serviços para os Assuntos de Tráfego, sem esclarecerem se a ideia da criação de zonas residenciais chegou a ser pensada.
De resto, este sistema de antecipação do pagamento jamais poderá ser implementado com os parquímetros novos que estão a ser instalados em Macau. Chama-se “pay and display” e é amplamente utilizado em Portugal, assim como no Reino Unido, entre outras jurisdições. Os utentes fazem o pagamento com moedas ou cartões electrónicos e, em troca, é dado um recibo que colocam num local visível do veículo. À semelhança dos equipamentos novos do território, também estas máquinas servem para vários lugares de estacionamento em simultâneo, sendo que, para os concessionários do serviço, têm uma mais-valia em relação às de Macau, ao evitarem que os condutores tirem partido do dinheiro que sobrou do carro que esteve estacionado antes. Para os utentes, há também vantagens: além do pagamento por antecipação, não é preciso andar à procura do lugar de estacionamento pintado no chão. E dão recibo.

27 Fev 2017

Correntes D’Escrita | Macau em estreia

“A Sombra do Mar” de Armando Silva Carvalho foi o vencedor do prémio literário Casino da Póvoa no festival Correntes D’Escrita. O anuncio foi feito na quarta-feira numa cerimónia que contou com a presença do Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e a referência à estreia da literatura de Macau no certame

[dropcap]O[/dropcap] escritor Armando Silva Carvalho venceu o prémio literário Casino da Póvoa deste ano com a obra “A Sombra do Mar”, anunciou a organização do encontro de escritores de expressão ibérica Correntes D’Escrita.

De acordo com a acta do júri, “A Sombra do Mar” foi a obra escolhida “pela força imagética da sua escrita e pela tensão conseguida entre ironia e melancolia”.

O júri refere ainda que a nomeação deste livro “resultou da demorada análise e discussão deste e de outros livros finalistas”, tendo sido esta opção deliberada “por maioria”.

Entre as obras finalistas, “particular atenção mereceram” também “Bisonte”, de Daniel Jonas, e “O Fruto da Gramática”, de Nuno Júdice.

““[O festival] continua a alargar o âmbito geográfico, incluindo autores de Macau e da Venezuela.”
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa

Na declaração de voto é dito ainda que “A Sombra do Mar” é uma obra que “traz um conjunto de poemas formando um corpo orgânico de grande unidade estilística e temática, no qual as alusões ao mar e à água constituem um ‘leitmotiv’ que percorre todo o livro em sucessivas variações: água ‘criteriosa e diária’, água ‘arrepiada’ e ‘águas sobreviventes’”.

Entre os finalistas do prémio, no valor de 20 mil euros, estavam também “Outro Ulisses regressa a casa”, do actual ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, “Animais Feridos”, de António Carlos Cortez, “Auto-retratos”, de Paulo José Miranda, “Persianas”, de Miguel-Manso, e “Vem à Quinta-Feira”, de Filipa Leal.

O júri foi constituído por Almeida Faria, Ana Gabriela Macedo, Carlos Quiroga, Inês Pedrosa e Isaque Ferreira.

O prémio literário Papelaria Locus 2017 foi atribuído a “Simplesmente Parecidos”, de Juliana da Silva Barbosa, que concorreu com o pseudónimo de Miura Yigurashi; o prémio Literário Fundação Dr. Luís Rainha a “No Silêncio das Marés”, de Helena Luísa Miranda Coentro; e o primeiro prémio Conto Infantil Ilustrado a “Uma Limpeza Necessária”, do 4.º A da Escola Básica José Manuel Durão Barroso, de Armamar.

O Correntes d’Escritas prolonga-se até amanhã, na Póvoa de Varzim, com uma sessão agendada para segunda-feira no Instituto Cervantes, em Lisboa, reunindo dezenas de escritores em conferências, exposições e sessões em escolas.

Prata da casa

“A Póvoa é um sítio mítico da literatura portuguesa. É onde nasceu Eça de Queirós, e por onde passaram Raul Brandão e muitos outros.”
Carlos Morais José, escritor

A cerimónia em foi feito a anúncio do vencedor contou com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, que destacou não só a importância da leitura e do trabalho feito com as escolas, como ainda a presença de Macau que, este ano e pela primeira vez, está representado com o “Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja”, de Carlos Morais José. O evento é “não só apenas uma festa dos portugueses e lusófonos, convida também escritores de expressão ibérica”, destacou, acrescentando que esta iniciativa “funciona como porta de entrada da literatura do mundo em Portugal” e que este continuou ainda a “alargar o âmbito geográfico, incluindo autores de Macau e da Venezuela”.

Para Carlos Morais José, este é um festival de referência e não podia ser feito noutro local. “A Póvoa é um sítio mítico da literatura portuguesa. É onde nasceu Eça de Queirós, e por onde passaram Raul Brandão e muitos outros”, referiu o autor ao HM, salientando que, “sendo uma terra junto ao mar, é um sítio magnífico para reactivar a tradição literária que a terra tem”.

O destaque do evento vai, de acordo com o autor que se encontra na Póvoa para participar numa mesa redonda, para “as conversas que se vão tendo e para a boa organização do festival, que corre normalmente e bem”.

Relativamente à presença da literatura feita em Macau, o trabalho a fazer ainda é muito. “Como não temos uma máquina de marketing, tudo isto depende da boa vontade do editor, Rogério Beltrão Coelho. No entanto, e comparando com outras literaturas presentes, obviamente que ainda não temos muita visibilidade e também não sou um autor consagrado”.

24 Fev 2017

Construção | Governo ainda não publicou legislação sobre seguro

A deputada Kwan Tsui Hang alerta para a ausência de regulação do seguro, no âmbito do regime de qualificações nos domínios da construção urbana e do urbanismo, que entrou em vigor em 2015. O seguro é necessário para a inscrição e a renovação de licenças
Kwan Tsui Hang

[dropcap]O[/dropcap] Governo ainda não implementou o regulamento administrativo relativo ao seguro de responsabilidade civil no âmbito do regime de qualificações nos domínios da construção urbana e do urbanismo. O aviso é feito pela deputada Kwan Tsui Hang, numa interpelação escrita entregue ao Governo.

“O regime das qualificações nos domínios da construção urbana e do urbanismo entrou em vigor em 2015 mas, até agora, ainda não foi publicado o seu respectivo regulamento administrativo complementar que regula a matéria do seguro, e já passou mais de um ano.”

A deputada pretende, portanto, saber qual o calendário do Governo sobre esta matéria. “Quando é que o regulamento administrativo complementar respeitante à parte do seguro de responsabilidade civil do regime vai ser publicado?”, questiona.

A lei em questão abrange o registo e acreditação para a obtenção de licenças profissionais por parte de engenheiros, arquitectos, urbanistas ou arquitectos paisagistas, bem como da sua qualificação para a assinatura de projectos.

Por forma a aceitar novas inscrições ou a sua renovação, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes esclarece no seu website que “os requerentes devem possuir um seguro de responsabilidade civil válido e eficaz, que cubra os eventuais danos resultantes do exercício das funções de elaboração de projectos, direcção ou fiscalização de obras, nos termos a definir por regulamento administrativo complementar”. Tal seguro está, portanto, dependente da criação do diploma.

O regime determina ainda que “empresários comerciais e pessoas singulares que possuam ao seu serviço, pelo menos, um técnico inscrito”, devem ter este seguro por forma a garantirem a sua inscrição na DSSOPT.

À pressa

Quando é implementada uma nova lei, podem existir algumas matérias que são reguladas por regulamentos administrativos complementares. A deputada Kwan Tsui Hang, ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), defende que os prazos não estão a ser cumpridos. Além do exemplo do seguro no âmbito do regime de acreditação dos profissionais de construção civil, há mais casos.

“O Governo não está a enfrentar a questão a sério.”
Kwan Tsui Hang, deputada

Falando do regime do erro médico, que entra em vigor no próximo dia 26, mas cujos regulamentos administrativos relativos ao seguro, comissão de perícia e comissão de mediação entraram em vigor esta semana, a deputada recorda que “não é a primeira vez que um regulamento administrativo complementar é publicado, à pressa, antes da entrada em vigor da respectiva lei”. Houve mesmo “situações em que o diploma complementar só foi publicado após a entrada em vigor da respectiva lei”.

No caso da lei da segurança alimentar, implementada em Outubro de 2013, “apenas se publicou, antes da sua entrada em vigor, o regulamento administrativo sobre os limites máximos dos resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos, e os outros critérios relacionados com a segurança alimentar só foram publicados em 2014 e 2016”.

As falhas de coordenação

Para Kwan Tsui Hang, é evidente que “não se consegue que sejam publicados ao mesmo tempo, ou até antes, da entrada em vigor da respectiva lei”, sendo que “o Governo não está a enfrentar a questão a sério”.

Em termos práticos, “isto não só afecta a aplicação da respectiva lei, mas também os sujeitos que lhe estão relacionados”. “Mais: isso demonstra que há falhas no mecanismo de coordenação na estipulação das leis”, acrescenta.

A deputada da FAOM pretende saber se o Executivo “tem em conta todo o plano e os passos de coordenação da redacção de uma lei e dos seus respectivos diplomas complementares”.

Kwan Tsui Hang deseja ainda saber se existe responsabilização em caso de atrasos. “Como é que o Governo coordena a estipulação dos diplomas dos serviços públicos e quais os prazos para a sua finalização? Exige-se alguma responsabilização nesta matéria, quando isso não é cumprido?”, questiona.


Ausência de seguro “põe Governo numa grande fragilidade”

O arquitecto Rui Leão, também membro do Conselho do Planeamento Urbanístico, considera ao HM que a ausência da legislação sobre o seguro de responsabilidade civil acarreta uma série de consequências, desde logo porque “cria vários problemas ao nível da responsabilidade e acautelamento dos profissionais”. Além disso, “põe o Governo numa situação de grande fragilidade, através das obras públicas, mas também os donos das obras privadas”. “Também acaba por criar fragilidades ao nível contratual”, acrescenta.
Rui Leão assume que só fez o seu seguro quando trabalhou para empresas internacionais no território. “Na quase totalidade não existem seguros [no sector]. As empresas de Macau não fazem seguros profissionais, talvez porque não haja um enquadramento que as proteja. Aí é um risco com um cálculo complicado. Tem de haver uma obrigatoriedade, uma vez que haja a regulação, para as empresas permitirem que os profissionais possam ter esses pacotes de seguro. Acho que [os profissionais] não deveriam poder escolher se fazem ou não, se operam em Macau têm de ter [o seguro]”, conclui.

24 Fev 2017