Au Kam San, deputado: “As pessoas dizem ‘façam vocês por nós’”

A população de Macau percebe a importância da democracia, mas não se mexe para que o contexto político mude. É por isso que, justifica Au Kam San, não é fácil chegar a bom porto na causa que abraçou há várias décadas. Candidato às próximas legislativas, sabe apenas que vai concorrer ao lado de Ng Kuok Cheong, sem qualquer associação na retaguarda. Quanto à Novo Macau, já era. O deputado garante que não saiu em ruptura com Jason Chao. Mas não se habituou ao novo modelo de funcionamento da associação que fundou

 

Que balanço faz do trabalho desenvolvido na Associação do Desenvolvimento Comunitário de Macau (ADCM)?

A Associação do Desenvolvimento Comunitário de Macau não é uma associação política. Está focada nos trabalhos sobre o desenvolvimento comunitário. No entanto, é um facto que esses trabalhos requerem um alto grau de profissionalismo e vários participantes. A ADCM foi criada em 2015 mas, até agora, ainda não desempenha bem o seu papel, por ter falta do que é necessário. O conceito do desenvolvimento comunitário é prestar auxílio aos cidadãos em áreas diferentes e juntar pessoas para expressar as queixas. Acreditamos que o Governo vai compreender as necessidades e as expectativas dos cidadãos através da interacção; dessa forma pode reforçar a justiça e a transparência. Isso é uma das direcções da associação. Apesar disso, para atingir esses objectivos, é necessário profissionais de qualidade. Para já, temos falta de recursos humanos e, por isso, estamos numa fase de formação de mais talentos na área de desenvolvimento comunitário, através da organização de cursos. A ADCM já entrou em funcionamento há mais de um ano, mas não vejo ainda o fruto do nosso trabalho. Mas não estamos ansiosos, uma vez que achamos que os trabalhos na área do desenvolvimento comunitário não podem ser feitos em pouco tempo.

É com esta associação que se candidata às eleições este ano?

Não, não vou candidatar-me com esta associação. Esta associação não é uma associação política, algo que ficou bem definido no início. A associação só está focada no desenvolvimento comunitário. Quanto às eleições, eu e Ng Kuok Cheong vamos participar nas legislativas. Trabalhamos em conjunto há muitos anos e acreditamos que não precisamos de uma associação que nos lidere nas eleições. Na altura certa, vamos recolher assinaturas dos cidadãos e constituiremos uma comissão de candidatura, através da qual entregaremos uma lista para nos candidatarmos à Assembleia Legislativa (AL).

Que expectativas deposita nas eleições deste ano? A AL vai ter rostos novos?

É difícil prever se vai haver rostos novos na AL porque isso depende de escolha dos eleitores. Mas, pelo menos, do nosso ponto de vista, existem alguns factores novos nas eleições que aí vêm. Este ano, há mais 30 mil eleitores, metade dos quais são jovens com idade inferior a 25 anos. Nesse sentido, é possível que seja a primeira vez que essas pessoas vão votar. Caso haja novas formas de pensar entre esses jovens, a decisão deles pode influenciar muito o resultado das eleições. Esperamos que esses jovens tenham ideias e objectivos novos, e que fomentem a participação nas eleições, quer sejam eleitores ou candidatos. Nas últimas eleições, tivemos um resultado não muito satisfatório. Não estou a dizer que tivemos menos votos. Normalmente, os assentos dos deputados eleitos por via directa são divididos por três grupos políticos. A ala mais próxima de Pequim – a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) e os Kaifong –, ocupa basicamente cerca de um terço dos lugares na AL. O segundo grupo é mais independente e aberto, incluindo as associações sindicais independentes, bem como o grupo democrático. O outro é dos empresários, que geralmente têm relações com os casinos. Começaram a participar nas eleições em 1996 e, como investiram muitos recursos, conseguiram alguns assentos na AL. Digo que o resultado nas últimas eleições não foi satisfatório porque os empresários garantiram sete assentos na AL, de entre um total de 14. Conquistaram metade. Por isso, a proporção na AL tornou-se anormal. Este resultado também está ligado ao que se passava na altura, com a indústria de jogo a ganhar lucros significativos. As operadoras queriam também “jogar” as eleições. Este grupo tem uma característica: quanto mais investem, mais assentos obtêm. Nesse contexto, em 2013, para mim o resultado não foi satisfatório. Por isso, espero que este ano a proporção de grupos políticos na AL possa voltar ao normal, uma vez que, com a diminuição de receitas nos casinos, a situação é agora diferente. Acredito que as operadoras de jogo não vão investir tanto dinheiro como em 2013. É um facto que, actualmente, existem vários empresários na AL, quer entre os deputados eleitos por via indirecta, quer nos nomeados pelo Chefe do Executivo. Caso a maioria de deputados eleitos por sufrágio directo seja proveniente do empresariado, a AL vai estar sempre do lado dos capitalistas, o que não é bom, nem permite garantir um equilíbrio. Mesmo que eu não consiga continuar a ser deputado, espero que a AL tenha uma situação equilibrada entre as várias alas.

Jason Chao foi a principal razão por que saiu da Associação Novo Macau (ANM)?

A minha saída não teve nada que ver com uma pessoa em particular. Sou um dos fundadores da associação, conheço muito bem os princípios e objectivos da criação da ANM. Tentámos reunir o maior número possível de pessoas de associações independentes e oferecíamos-lhes apoio, de modo a alargar o poder do grupo independente. No entanto, depois houve uma mudança nessa tradição. Além disso, surgiu uma nova regra no jogo, à qual não me consegui habituar, e não quis continuar com esse ambiente. Por isso, acabei por sair da associação. Eu e Ng Kuok Cheong insistimos na ideia de que era preciso dar uma oportunidade aos jovens para que crescessem e conseguissem substituir-nos. Somos dos anos 50. Na ANM, existia um problema: havia poucas pessoas dos anos 70 e dos anos 80. Em 2009, apareceram jovens que queriam e tinham coragem para assumir essa grande responsabilidade, pelo que lhes demos a plataforma para que pudessem subir. A associação passou a ser liderada por esses jovens e nós já não estávamos na direcção. Quando os jovens assumiram a responsabilidade de liderar a ANM, é óbvio que o fizeram com a sua ideologia. Ou seja, em Macau, também há gente que critica Ng Kuok Cheong e Au Kam San porque, apesar de terem lutado pela democracia durante tantos anos, nada conseguiram. É verdade que isso depende do contexto político. Quanto à democracia em Macau, não temos apoios fortes para avançar nesse sentido. Mas tentámos criar cada vez mais condições para que fosse possível lutar pela democracia. Quando surgiu uma nova maneira e uma nova ideologia na ANM, achámos que isso seria bom, pelo que lhes demos uma oportunidade para que tentassem. No entanto, a ANM passou a estar contra as outras associações independentes. Não consegui habituar-me a essa nova regra e saí do jogo. Por isso, a minha saída não teve nada que ver com uma pessoa em particular. Além disso, como senti que já havia alguém capaz de assumir as minhas responsabilidades, achei que era a altura adequada para sair.

Carrie Lam foi eleita Chefe do Executivo em Hong Kong. Acredita que o processo democrático e as eleições por sufrágio universal na região vizinha vão ser mais difíceis?

Não é de agora. As eleições por sufrágio universal têm sido difíceis por duas razões. Em primeiro lugar, há muitos países e vários grupos de pessoas que escolhem Hong Kong como destino para “combater” à China. O Governo Central gosta de Hong Kong por ser uma cidade internacional, mas também entende que isso pode ser uma ameaça ao Governo Central. Na minha opinião, não causa qualquer ameaça à China. Nasci numa família de esquerda e fui membro de uma subunidade da FAOM, pelo que tenho bastantes conhecimentos sobre a ideologia da República Popular da China. Por isso, sei que quando a democracia em Hong Kong avança um pouco, a China vai monitorizar a situação e limitar o desenvolvimento da democracia. Esta é uma das razões. Depois, antigamente, o povo de Hong Kong pensava que bastava ter liberdade, não se preocupava com a democracia. Depois da transferência da soberania, o Reino Unido afastou-se do território e as pessoas começaram a lutar pela democracia. Em Macau, a maioria dos cidadãos compreende a importância de democracia mas, no que toca à luta, as pessoas dizem “façam vocês por nós”. Em Hong Kong, o povo tem poder: basta olhar para o Occupy Central que levou mais de 100 mil pessoas para a rua. No Conselho Legislativo de Hong Kong, a ala pró-democrática ocupa 60 por cento dos assentos e o grupo próximo do Governo Central tem 40 por cento. Caso o sufrágio universal seja uma realidade em Hong Kong, é possível que seja eleito um Chefe do Executivo sem proximidade política a Pequim. Aos olhos da China, seria um grande desastre. Por isso, é difícil haver democracia em Hong Kong. Quanto à eleição de Carrie Lam, é simples: vai consolidar o fruto do trabalho de C.Y. Leung. Porque é que C.Y. Leung foi nomeado vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês? Porque teve uma relação muito má com a sociedade, não pôde continuar a ser Chefe do Executivo. Mas, do ponto de vista da China, C.Y. Leung fez um bom trabalho, porque nos últimos cinco anos conseguiu destruir vários regimes em Hong Kong. Carrie Lam teve todo o apoio porque vai continuar o caminho de C.Y. Leung.

Acha que a subida ao poder de Carrie Lam pode trazer algum impacto na luta pelo sufrágio universal em Macau?

Não vejo qualquer impacto. Macau é um caso completamente diferente de Hong Kong. O Gabinete de Ligação do Governo Central não precisa de agir em Macau da mesma maneira. Na RAEM, há 400 membros da Comissão Eleitoral, sendo que 125 são do sector comercial, industrial e financeiro. E só me refiro a este sector. Como é que estes membros são eleitos? A Associação Comercial de Macau fecha a porta e faz uma reunião para determinar a lista. Tenho experiência de mais de 30 anos como professor. A Comissão Eleitoral tem cerca de 20 membros do sector da educação. Como é que essa gente foi eleita? Não sei. Quem são eles? Também não faço ideia. Mesmo que haja uma eleição, será feita dentro desse grupo de gente. Sendo assim, a Associação Comercial de Macau manda os membros da Comissão Eleitoral votar em determinado sentido. Por isso, a tomada de posse de Carrie Lam como Chefe do Executivo não vai ter qualquer influência em Macau.

11 Abr 2017

Jason Chao cria plataforma para receber queixas sobre eleições

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]ason Chao já esteve do outro lado da barricada como candidato às eleições para a Assembleia Legislativa, em 2013, pela Associação Novo Macau. Este ano o activista resolveu despir essa camisola e criar uma plataforma de recepção de queixas no âmbito das eleições.

O “Project Just Macau” vai funcionar na plataforma JustMacau.net e promete ser um receptor de queixas dos residentes sobre casos suspeitos de corrupção ou outro tipo de ilegalidades cometidas durante o processo de campanha eleitoral.

Jason Chao quer, assim, fazer um trabalho de monitorização das eleições semelhante ao que já é feito pela Comissão para os Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), apesar desta entidade “ter o poder legal para investigar e impor sanções”, defendeu ao HM. O JustMacau.net será apenas um website para garantir que as autoridades “estão a fazer o seu trabalho”.

“As eleições dos candidatos pelo via do sufrágio directo para a AL são a única forma de os cidadãos terem uma verdadeira posição sobre a política local”. Jason Chao convida todos os residentes que estejam interessados em construir uma Macau mais justa a usarem esta plataforma para serem os “guardiães da justiça nas próximas eleições”, aponta um comunicado ontem divulgado.

Jason Chao admite que “o número de cidadãos a participar não será aquele que estou à espera, mas estou sobretudo à procura de informação em termos de qualidade”.

Contra o anonimato

O activista explica que o novo website representa “um canal aberto e seguro para que todos possam submeter as suas informações e queixas”. “Apesar das autoridades terem canais oficiais para a utilização do público em caso de suspeita de actividades ilegais nas eleições, a falta de transparência na forma como essas queixas são tratadas faz com que a justiça no processo seja questionável”, pode ler-se.

Contudo, o mentor do JustMacau.net apela ao fim do anonimato na submissão das queixas. “Compreendemos que há o risco de represálias se as identidades forem reveladas. Contudo, o anonimato enfraquece, na maioria das vezes, a credibilidade da queixa. Por norma, o contacto com a fonte exige mais informações ou confirmações para que se possa constituir um caso sólido. Deixem sempre um canal [de contacto] após a submissão da queixa. De outra forma, o JustMacau.net pode não conseguir fazer as devidas acções de acompanhamento”.

Um elo de ligação

O website JustMacau.net não quer apenas constituir-se como uma plataforma de recolha de queixas, mas pretende também ser um meio de ligação entre os residentes e a CAEAL.

“Os residentes que confiarem no website podem submeter queixas às autoridades através da nossa plataforma. Todas as queixas entregues através do nosso website serão contadas e enviadas às autoridades, sendo mantido um registo público das mesmas”, explica o comunicado.

Para além disso, “os residentes podem entregar queixas às autoridades pela sua própria iniciativa e entregar-nos uma cópia para que fique publicamente registada”.

Para Jason Chao, o facto da plataforma JustMacau.net manter este sistema de registo, acessível a todos, constitui “uma chave de monitorização mesmo se as autoridades levarem os casos a sério”.

O activista considera que “enquanto a existência de actividades ilegais nas eleições são um ‘segredo aberto’, na maioria dos casos as autoridades falharam ao não atribuir responsabilidades aos candidatos sem escrúpulos, mas poderosos”.

11 Abr 2017

AL | Comissão quer rever processo de interpelações ao Governo

A Assembleia Legislativa está a recolher opiniões dos deputados sobre uma possível alteração ao Regimento e à forma como as interpelações são apresentadas ao Governo. Coutinho teme mais restrições. Ella Lei e Kwan Tsui Hang querem mudar a forma de emissão de voto

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados têm até ao próximo dia 18, terça-feira, para apresentarem as suas opiniões junto da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa (AL), presidida por Vong Hin Fai. O motivo? A “possibilidade de introduzir aperfeiçoamentos ao Regimento da AL”, ao nível do “processo de interpelação da acção governativa”.

José Pereira Coutinho confessou ao HM que teme mais restrições sobre o tempo de uso da palavra pelos deputados durante o debate. “Todas as vezes que a comissão solicita a nossa opinião não é para nos ajudar, mas sim para restringir o direito de expressão na AL”, disse o deputado ao HM.

Para Coutinho, é importante mudar uma regra existente: quando o deputado intervém numa discussão sobre uma proposta de debate, não pode depois apresentar a sua declaração de voto. “Essa é uma das questões que, de facto, impede o bom desempenho dos deputados”, acrescentou o deputado.

Já Kwan Tsui Hang afirma que a forma de apresentação das emissões de voto tem de mudar. A deputada recorda o exemplo do voto de pesar pela morte de Mário Soares, uma proposta feita por José Pereira Coutinho, para explicar que não existe tempo suficiente para a preparação dos deputados.

“A decisão da proposta de emissão de voto é feita por um grupo de funcionários da AL e penso que esta não é a forma mais exigente para o fazer”, defendeu ao HM. “Muitas vezes só tomamos conhecimento de que temos de tomar uma decisão minutos antes do debate, quando estamos sentados na sala. Não sei porque é que o processo pode ser feito de maneira tão simples”, apontou ainda.

À data da votação, Kwan Tsui Hang acabaria por se abster de votar a favor ou contra do voto de pesar pela morte de Mário Soares.

“Os assuntos relacionados com a emissão de votos não deveriam ser tão simples. Não temos tempo para pensar, nem podemos ter uma discussão rigorosa. Em termos políticos temos de ter tempo para abordarmos a questão e para nos prepararmos, mas os deputados só têm alguns minutos para falar.”

Antecedência, precisa-se

Ella Lei, também eleita pela FAOM, disse que muitas vezes só teve conhecimento de que iria votar um pedido de emissão de votos em cima da hora do debate. “Não existem regras definidas para a distribuição do texto da proposta. Os proponentes só precisam de entregar o texto ao presidente da AL antes da sessão plenária, e depois o presidente distribui no início da reunião.”

“O processo de emissão de votos precisa das nossas votações, e é necessário termos tempo suficiente para pensar. Os textos deveriam ser entregues aos deputados com alguma antecedência para pensarmos sobre o assunto”, rematou Ella Lei. À data, a deputada também se absteve de votar na proposta de voto de pesar pela morte de Mário Soares.

O HM contactou ainda o deputado Ng Kuok Cheong, que não quis fazer qualquer comentário face à possibilidade de rever o Regimento da AL.

11 Abr 2017

Análise | Cimeira entre Trump e Xi Jinping marcada por ataque a base síria

O encontro entre os líderes das duas maiores economias mundiais tinha inúmeros assuntos quentes para discutir. No entanto, foi marcado pelo ataque a uma base aérea síria, em plena cimeira. Uma jogada ousada que ameaça ser repetida na Coreia do Norte, depois de Trump ter enviado um porta-aviões e navios de guerra para a península coreana

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ra esperado um encontro protocolar, que pusesse água na fervura no plano geopolítico e foi isso que transpareceu cá para fora. Poses amistosas e um discurso padronizado sem grande conteúdo. Porém, antes do jantar do primeiro dia de cimeira, Donald Trump deu luz verde para o bombardeamento de uma base aérea síria, reforçando a aura de imprevisibilidade do recém eleito Presidente e a força da posição americana no xadrez geopolítico global.

A muito antecipada reunião vinha sendo vista como uma oportunidade para o Presidente chinês demonstrar força, maturidade diplomática e reforçar o seu lugar como um poderoso líder mundial. Depois de terem sido lançados 59 mísseis Tomahawk sobre Shayrat, os pratos da balança penderam para o lado de Washington, sem que Pequim tivesse reagido oficialmente. No entanto, o assunto passou ao lado dos discursos no fim das conversações.

Dois dias depois da reunião, Donald Trump enviou para as águas da península coreana um porta-aviões e uma frota de navios de guerra.

Porém, no rescaldo da cimeira, os assuntos bélicos não foram tocados. “Fizemos tremendos progressos na relação com a China.” Esta foi a forma como o Presidente norte-americano caracterizou a cimeira de dois dias com Xi Jinping. Em contrapartida, de acordo com um comunicado no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros chineses, Xi Jinping terá dito a Trump que “existem mil razões para melhorar as relações entre a China e os Estados Unidos e nenhuma razão para as estragar”. Este tom conciliatório, assim como as fotos de circunstância que rodearam o encontro na Florida, parece estar a milhas de distância do discurso inflamatório que prometia incendiar o plano internacional durante a corrida à Casa Branca.

Trump, repetidas vezes, apelidou os chineses de serem os “campeões de manipulação cambial” e de violarem os Estados Unidos em matéria de comércio externo. Além disso, estendeu a mão ao poder político de Taiwan, quebrando uma tradição diplomática com décadas, criticou a militarização do Mar do Sul da China, assim como a falta de pulso forte a lidar com o regime da Coreia de Norte.

Bombas à sobremesa

Donald Trump, durante a campanha, apelidou inúmeras vezes a política externa norte-americana de previsível, logo votada ao insucesso. Apesar do ataque às forças de Bashar al-Assad poder representar um desastre a todos os níveis, a imprevisibilidade da nova política externa norte-americana será um problema difícil de deslindar para Xi Jinping. Principalmente, depois das repetidas ameaças de acção militar para travar o desenvolvimento do programa nuclear norte-coreano. Esta posição de Washington é uma mudança de paradigma em termos de política externa. Tradicionalmente, a imprevisibilidade é uma arma usada pelos países mais fracos, que tem sido afastada das grandes potências desde a Guerra Fria.

Outro aspecto a reter foi o timming do ataque, tendo em conta que o líder chinês se aproximava mais da posição de Moscovo do que de Washington na questão síria. É de salientar que Pequim tem rejeitado, consecutivamente, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU contra o regime sírio.

“O primeiro ataque norte-americano às forças de Assad deram credibilidade e poder negocial a Trump”, avançou ao The Guardian Paul Haenle, conselheiro das administrações Bush e Obama. A questão aqui é o que fazer com Kim Jong-un.

A China compra 90 por cento das exportações norte-coreanas, um factor que não agrada a Washington. Porém, Pequim tem usado esse ascendente comercial como um tampão que pretende prevenir uma vaga de refugiados norte-coreanos para o seu território e uma destabilização ainda maior de Pyongyang.

Nesse sentido, o Secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, lembrou que ambas as nações acordaram em refrear as ambições nucleares de Kim Jogn-un. Apesar de confirmar que “não houve nenhum pacote de medidas acordadas”, Tillerson adiantou que Washington pode agir sozinho, se a China se sentir constrangida a fazê-lo.

Do outro lado do tabuleiro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, diz que é necessário livrar a península coreana de material nuclear. Mas acrescentou ainda, à agência Xinhua, que se deve evitar intervenção militar contra Pyongyang.

Estas eram as posições até domingo, quando o presidente norte-americano enviou para as águas da península coreana um porta-aviões e uma frota de navios de guerra de forma a dar resposta à que considera ser a maior ameaça na região.

Guerra comercial

Durante a campanha Trump prometeu ser implacável com Pequim em termos comerciais. Sob o lema de trazer os empregos de volta a solo norte-americano, fez promessas de rotular, oficialmente, a China como manipuladores cambiais. No entanto, esta retórica parece ter acalmado para um tom mais reconciliador. Um dos indícios disso mesmo é a perda de força nos últimos tempos da ala mais isolacionista da Casa Branca, como o prova o afastamento de Stephen Bannon do Conselho de Segurança Nacional. Estas manobras parecem aproximar mais a administração Trump de uma posição mais tradicional republicana na abordagem ao comércio internacional. Daí podem advir boas notícias para Xi Jinping.

Numa altura em que Trump atravessa uma impopularidade histórica em termos estatísticos, terá de mostrar algo ao eleitoral operário, em particular do “Rust Belt” que lhe deu a eleição em bandeja enferrujada. Como tal, não é de estranhar que o líder chinês faça algumas concessões comerciais a Washington. Entre as ofertas discutidas estará o aumento de importação de gás natural líquido americano, produtos agrícolas e automóveis por parte de Pequim. Algo que não representará uma grande concessão por parte de Xi Jinping, enquanto Trump pode puxar dos galões perante o eleitorado norte-americano como exímio homem de negócios.

O líder chinês regressa a Pequim com a questão de Taiwan enterrada e algo para mostrar internamente no próximo Congresso do Partido Comunista Chinês de Outubro.   

No entanto, complexas questões comerciais não se resolvem em dois dias. “Normalmente, estas discussões, em especial entre os Estados Unidos da América e a China, desenrolam-se ao longo de múltiplos anos”, comentou o Secretário do Comércio norte-americano Wilbur Ross no final da cimeira. Nesse sentido, vão ser encetadas conversações multilaterais ao longo de 100 dias. Ross acrescentou que “é uma meta temporal ambiciosa, mas que representa uma enorme mudança nas relações entre a China e os Estados Unidos”. Para a administração Trump o grande objectivo será reduzir o superavit chinês na balança comercial.

Em declarações à agência Xinhua, Xi Jinping afirmou que “usará os novos canais de comunicação e cooperação estabelecidos para atingir objectivos concretos”. O Presidente chinês afirmou ainda que ficou a promessa de uma visita de Estado de Trump à China.

Questões territoriais

Taiwan parece ser um assunto arrumado nas relações sino-americanas, o que representa um bónus para Xi Jinping, depois de Trump voltar atrás e defender que não se opõe à política “Uma Só China”. Antes da cimeira e da demonstração de força da nova administração norte-americana, as mudanças de opinião de Trump em relação à Formosa tornaram-no num “tigre de papel” aos olhos de algumas facções das elites políticas chinesas.   

Uma questão que poderá ser mais difícil de contornar é a “alegada” militarização do Mar do Sul da China e os territórios em disputa com o Brunei, Filipinas, Malásia, Vietname e Taiwan, ou seja, uma autêntica embrulhada diplomática. Apesar de Pequim ter afastado a hipótese de fortificar as ilhas artificiais construídas nas concorridas águas territoriais, imagens de satélite mostraram sistemas antimísseis e baterias de armamento anti-aéreo.

Bonnie Glaser, directora do Projecto China Power, do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais em Washington, considera que “a relutância de Barack Obama em agir em termos bélicos encorajou a China estabelecer-se militarmente nos territórios disputados”.

A analista do think-thank norte-americano considera que esta posição de relativa liberdade por parte de Pequim pode mudar com a administração Trump.

Esta é uma das muitas questões que ficaram por resolver, algo que não é de estranhar numa reunião introdutória. As relações bilaterais entre as duas maiores potenciais económicas vão prosseguir, enquanto ambos os líderes enfrentam importantes desafios internos. Apesar da dureza de algumas palavras, as relações entre a China e os Estados Unidos parecem ter estabilizado. Vejamos se nenhuma tempestade de tweets lança pelos ares o trabalho diplomático conseguido, ou se não há intervenção militar na península coreana. Para já, em termos de geopolítica, a incerteza parece ser a única constante.

10 Abr 2017

Aperfeiçoamento contínuo | Nova fase do programa até 2019

A terceira fase do programa de desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo já foi anunciada, e vai durar até 2019. O montante de apoio para os cursos mantém-se nas seis mil patacas, estando previsto um gasto de 700 milhões com este projecto

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá aí a terceira fase do programa de desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo, que permite a todos os que são portadores do Bilhete de Identidade de Residente frequentarem cursos de formação nas mais variadas áreas, promovidos por associações locais ou universidades. Será ainda subsidiada a realização de exames de credenciação realizados fora de Macau que possuam “reconhecimento internacional”, tal como o IELTS e TOEFL, a título de exemplo.

O regulamento administrativo que legisla esta fase do projecto foi apresentado pelo Conselho Executivo e prevê a permanência do programa até ao ano de 2019. O subsídio para a frequência dos cursos continua a ser de seis mil patacas, sendo que o Governo planeia gastar um total de 700 milhões de patacas.

As candidaturas para a organização de cursos por parte das entidades interessadas terminam em Setembro. Da parte do Executivo, os objectivos principais desta edição passam pela “elevação das qualidades e competências individuais [dos residentes]”, o acompanhamento do “desenvolvimento diversificado da economia e das indústrias”, bem como levar à “criação de uma sociedade de aprendizagem”.

Na terceira fase deste programa, o Governo quis simplificar o processo de candidatura dos residentes. Caso um aluno esteja a frequentar cursos em instituições do ensino superior de Macau ou a fazer exames de credenciação em universidades estrangeiras, apenas terá de apresentar o comprovativo de pagamento das despesas efectuadas.

Questionado sobre a possível falta de verificação de frequência do curso por parte dos subsidiados, o responsável da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) explicou que a simplificação do processo, com menos documentos, apenas visa torná-lo “mais atractivo”. “Estaremos mais atentos para avaliar caso a caso. Se houver reincidência [de ilegalidades] estaremos atentos”, apontou.

Poucos crimes

Na conferência do Conselho Executivo foram ainda apresentados os dados estatísticos desde o arranque do programa de desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo. As acções de fiscalização resultaram na detecção de 2957 irregularidades. Apenas 11 casos foram alvo de investigação criminal, sendo que, na maioria dos casos (2466), foram feitas “recomendações orais” às instituições que realizam os cursos. Só 12 processos foram instaurados.

Quanto às formas de fiscalização, o método mais utilizado foi a realização de exames aleatórios (mais de 67 mil). A verificação de documentos surge em segundo lugar, bem como a vistoria “in loco” e visitas aos locais.

Entre 2014 e 2016, o plano foi utilizado sobretudo por pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 39 anos, ou seja, 41,8 por cento. Os beneficiados com este programa com mais de 60 anos representam apenas 9,1 por cento dos subsídios.

Quem pede apoio para frequentar os cursos gasta, por norma, todo o dinheiro atribuído: 32,9 por cento dos utilizadores gasta na totalidade as seis mil patacas, sendo que 20,4 por cento despende entre cinco a seis mil. Apenas 5,7 por cento gasta menos de mil patacas nos cursos que frequenta. A DSEJ dá hoje mais explicações sobre o programa.

Distribuição de gases combustíveis com novas regras

O Conselho Executivo concluiu também a análise do regulamento administrativo relativo às redes de distribuição de gases combustíveis em baixa pressão. Estas regras visam responder ao melhoramento futuro da distribuição do gás natural, bem como à evolução das tecnologias e novas regras de segurança da distribuição de combustíveis. As medidas devem ser aplicadas nos gasodutos de transporte e em todas as redes de distribuição de gases combustíveis. O objectivo é “reforçar a segurança do transporte de gases combustíveis e das redes de conduta de distribuição”, para que o novo regulamento esteja de acordo com a restante legislação já em vigor.

10 Abr 2017

Lei de Terras | Governo vai ter em conta propostas dos deputados sobre Pearl Horizon

O Chefe do Executivo reuniu este sábado com 11 dos 19 deputados que assinaram a carta com novas propostas para resolver o problema do edifício Pearl Horizon. O governo garante que vai ter essas ideias em linha de conta na hora de tomar uma decisão, mas afirma esperar pela decisão do tribunal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados apresentaram soluções, o Governo trocou com eles opiniões “de forma honesta e aberta”, mas não há, para já, uma decisão concreta sobre o terreno onde deveria ter sido erguido o edifício habitacional Pearl Horizon.

Após um total de 19 deputados da Assembleia Legislativa (AL) terem assinado uma carta com propostas que não passam pela revisão da Lei de Terras, o Chefe do Executivo reuniu com 11  deles este sábado, juntamente com Sónia Chan, secretária para a Administração e Justiça, e Liu Dexue, director dos Serviços para os Assuntos de Justiça. Esteve também presente o vice-presidente da AL, Lam Heong Sang, bem como o porta-voz do grupo de assinantes, Ng Kuok Cheong.

Segundo um comunicado oficial, o Governo vai continuar à espera da decisão do tribunal, mas terá em conta as sugestões apresentadas. “A direcção a seguir, das várias propostas apresentadas pelos deputados, foi pensada e estudada de forma aprofundada. Alguns problemas e pontos de vista manifestados pelos deputados vão inspirar, de alguma forma, o Governo numa resolução futura”, disse Chui Sai On.

Contudo, o Chefe do Executivo afirmou que as propostas “não só abrangem muita complexidade como também há várias dificuldades que vão surgindo, [bem como] a existência de limitações legais”.

Já Sónia Chan referiu que existe “uma forte complexidade e várias dificuldades”, sendo que “as autoridades continuam empenhadas na procura de resoluções viáveis”.

Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, também presente no encontro, referiu que “as autoridades têm analisado os articulados por forma a permitir uma solução viável”. Ainda assim, “muitas das propostas deparam-se com diferentes graus de dificuldades e problemas”, sendo que muitas delas, aquando da sua implementação, poderão conter “limitações legais”.

Agir antes do tribunal

Em declarações ao HM, o deputado Ng Kuok Cheong explicou que os signatários da carta esperam que o Governo possa agir antes da decisão do tribunal sobre a concessão do terreno à Polytec.

“Neste momento o Governo está a considerar as nossas propostas. Depois deste encontro ficou mais claro que o Governo está consciente da necessidade de resolver este problema de acordo com a Lei de Terras. Mas está apenas à espera da decisão do tribunal, e por isso esperamos que possa mudar algo antes disso.”

Ng Kuok Cheong adiantou ainda que uma das propostas apresentada este sábado passa pela criação de um concurso público, por forma a concluir o edifício, cuja construção já foi suspensa.

“Pedimos para que haja uma actuação de acordo com o que está na Lei de Terras, e que possa ser feito um novo concurso público. Seria uma situação em que o Governo ficaria com o direito de manter o mesmo edifício e o projecto que já está em desenvolvimento. [Esse concurso público] teria ainda condições específicas para os novos promotores finalizarem o edifício e o acordo já feito com os investidores”, rematou Ng Kuok Cheong.

10 Abr 2017

Reportagem | Os rostos por detrás do investimento do Pearl Horizon

Afirmam que não são ricos. Uns são engenheiros e advogados, outros são reformados e comerciantes. Venderam o que tinham para comprarem uma casa melhor. Quem adquiriu apartamentos em regime de pré-venda no edifício Pearl Horizon, cujo terreno o Governo quer reaver, não sabe o que esperar do futuro

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cinco anos, o mercado imobiliário parecia promissor. Os empreendimentos no Cotai estavam a ser construídos a todo o vapor e comprar uma casa era visto como o investimento mais acertado a fazer. Na zona da Areia Preta, o edifício Pearl Horizon prometia casas de luxo com vista para a China.

Chan, que trabalha na produção de tofu, nem pensou duas vezes. Ele e a mulher decidiram que era altura de aplicar as poupanças de uma vida. “Quando decidi comprar o apartamento, pensava que o preço das casas ia aumentar continuamente e que o promotor [Polytec] tinha capacidade para fazer o projecto. Não sabia muito sobre a lei, e decidi vender a minha casa antiga para dar a entrada na nova casa”, contou ao HM.

O empréstimo foi pedido e autorizado. O sonho de ter um andar de luxo para si e para a sua família desfez-se alguns anos depois. “Agora tenho de pagar mais de 30 mil patacas por mês ao banco, nem sei quando é que acaba o meu empréstimo. Não tenho qualquer esperança”, assume.

Se os dias de Chan se tornaram agitados, as noites transformaram-se num pesadelo. “Acordo sempre de madrugada e não consigo dormir. Só resta um vazio, para mim tudo isto é como se fosse o fim do mundo.”

Dias hipertensos

Desde que o Governo decidiu reverter o terreno concessionado à Polytec, após ter terminado o prazo de 25 anos de concessão, que as noites dos que compraram as casas em regime de pré-venda se transformaram num pesadelo. Vários investidores que falaram com o HM têm um discurso semelhante: os comprimidos para dormir tornaram-se nos seus melhores aliados.

Sam começa a falar e mostra de imediato todo o arsenal de comprimidos que toma diariamente. As lágrimas caem-lhe do rosto. “Comecei a tomar isto há um ano. Vou à clínica por ter o tratamento gratuito, mas já me disseram que não conseguem curar as minhas doenças e querem passar-me para o Centro Hospitalar Conde de São Januário. Tenho hipertensão e problemas de coração.”

Esta reformada de 60 anos, com quatro filhos, pensou que poderia ter uma casa com as poupanças que conseguiu juntar, mais a ajuda dos filhos. “Agora perdi a casa que tinha e os meus filhos não me vão ajudar a pagar o empréstimo, porque têm de pagar a renda das casas onde vivem. Neste momento tenho uma mensalidade de 30 mil patacas.”

Actualmente, Sam vive com mais quatro pessoas numa casa. Dos quatro filhos, dois ainda estão a estudar. Um deles divorciou-se há pouco tempo e precisa de sustentar a filha.

“Somos vítimas”

A Lei de Terras entrou em vigor em 2013 e poucos adivinhavam o que iria suceder. O Governo e os deputados à Assembleia Legislativa (AL) aprovaram o diploma sem que tenha ficado escrito, preto no branco, o que iria o Executivo fazer no caso de ser o responsável pela falta de aproveitamento dos terrenos concessionados. Havia o passado Ao Man Long e os anos de inércia que se seguiram: quem trabalhava no sector queixava-se publicamente da incapacidade de decisão no seio das Obras Públicas. A apatia que se apoderou de quem tinha de dar andamento a plantas e projectos chegou a ser amplamente debatida na AL.

Nalguns terrenos que, nos últimos tempos, o Governo tentou recuperar, já estavam a decorrer construções, muitas poupanças já estavam a ser investidas, à espera das chaves que iriam mudar vidas.

Sonny é engenheiro e clarifica de imediato: “Nenhum de nós que está aqui é rico, não somos ricos”. Sobre o caso Pearl Horizon, Sonny lamenta que exista a ideia de que quem teve dinheiro para avançar para a aquisição das fracções tem hoje uma vida sem preocupações financeiras.

“Decidi comprar a casa para a minha filha, que ainda está na universidade. Nós é que somos as vítimas de tudo isto. Vendemos casas, pedimos dinheiro emprestado ao banco e muitos de nós ficaram na rua”, vinca. “Ainda estou a trabalhar, ganho cerca de 20 mil patacas por mês e vou precisar de pagar a educação da minha filha.”

Sonny afirma que este foi o caso que mais o fez sentir-se desiludido em relação ao Executivo. “O Governo não nos deu qualquer resposta e não toma uma decisão sobre o que vai fazer. Isso é lamentável. Respeitamos a lei para comprar esta casa, pedimos ajuda a um advogado, mas o Governo ainda vem dizer que temos de cumprir a lei. Não tem em consideração as necessidades das pessoas”, acusa.

Este engenheiro aponta o dedo também aos deputados. “Foi a Assembleia e o Governo que criaram esta lei e que a aprovaram, mas não tiveram em consideração o que poderia acontecer. Deviam ter pensado no futuro das pessoas. Sei que uma mulher morreu há cerca de três meses por causa disto, mas o Governo nunca teve essa percepção.”

Ir à confiança

No debate mais recente da AL, na semana passada, a Lei de Terras voltou a ser tema central de uma discussão que durou quase duas horas. Um pequeno grupo de investidores do Pearl Horizon foi ao hemiciclo em representação das 300 famílias que estão envolvidas no caso. Delia foi uma das pessoas que aplaudiu todas as intervenções dos deputados.

Filha de um casal que tem uma empresa de importação de roupas de grandes marcas do mundo da moda, Delia chegou a trabalhar no Reino Unido e não entende como é que a implementação de uma lei pode originar um problema desta natureza.

“Quando decidimos comprar um apartamento no Pearl Horizon sabíamos que a Polytec é uma empresa listada na bolsa de Hong Kong, e que já tinha construído vários empreendimentos em Macau. Eu própria vivo num prédio construído pela Polytec. Em 2011 foi feito o primeiro pagamento. Naquela altura todos queriam comprar uma casa e muitos estavam a investir”, recorda Delia.

“Em todo o mundo, quando se decide comprar uma casa, é o mesmo sistema. Seguem-se as regras, contrata-se um advogado. A minha família confiou no projecto e no sistema jurídico”, disse ainda.

Choi sabia que comprar uma casa quando o edifício ainda não está totalmente construído poderia ser um risco, tinha conhecimento de casos antigos. Ainda assim, avançou. Tudo apontava para um investimento com um final feliz.

“Sabíamos dos problemas que podiam acontecer com as fracções e perguntámos quando é que poderíamos ter a nossa casa. Quando nos confirmaram a data do início das obras, decidimos comprar. Não percebíamos nada de leis, mas pedimos ajuda a um advogado e o Governo recebeu os nossos impostos. Achámos que isso seria uma garantia”, notou o investidor.

Choi também chora quando conta todo este percurso, iniciado em 2014. “Perdemos a casa e o meu filho de 27 anos já não tem um sítio para morar. Contribuímos com o nosso dinheiro e as nossas reformas. A culpa não é nossa. Agora só podemos pedir ajuda ao Governo.”

Leong, já idosa, vivia num prédio de cinco andares e quis ter uma nova casa com elevador, para poupar as pernas. “Queria viver com os meus filhos num prédio com elevador. Vendi a minha casa e usei esse dinheiro para pagar a primeira tranche do empréstimo. Mas agora aconteceu isto e não sabíamos nada sobre a concessão de 25 anos.” A idosa não se lembra de história assim: “Nunca pensámos que o Governo iria reverter o terreno. Em Macau nunca aconteceram essas coisas”.

A reformada recorda que antes “havia o medo de que o promotor recebesse o dinheiro das pessoas sem acabar a construção do prédio”. Mas, observa Leong, com a Polytec aconteceu tudo de forma diferente.

“O promotor sempre quis construir o prédio e o Governo decidiu recuperar o terreno. O que vamos fazer com o dinheiro que já gastámos? Gastámos o dinheiro que juntámos toda a vida. Estou a falar com as mãos a tremer, comecei a ter problemas de coração”, disse.

Com o processo do Pearl Horizon ainda em tribunal, o Governo afirma nada poder fazer, embora as críticas não parem de chegar. No último debate na Assembleia, vários deputados falaram da falta de tecto de muitos, dos problemas de saúde que se acumulam, de pequenas tragédias que vão acontecendo. Os representantes do Governo disseram apenas que, até ao momento, nenhum pedido de apoio psicológico chegou ao Instituto de Acção Social. Mas do outro lado, a realidade é outra, sem que haja quaisquer perspectivas de futuro ou de recuperação do dinheiro investido. Muitos já deixaram de pagar os seus empréstimos aos bancos, desconhecendo-se a reacção da banca a este episódio que mudou a vida da sociedade e com impactos difíceis de calcular para a própria economia.

7 Abr 2017

Instituto Cultural | Alexis Tam garante fim das irregularidades detectadas pelo CCAC

Já deu instruções ao Instituto Cultural e alargou as directrizes a todos os serviços da tutela. Mas o relatório do Comissariado contra a Corrupção continua a fazer com que Alexis Tam se pronuncie. O secretário garante que o que estava mal já foi corrigido

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam reiterou ontem que o relatório de trabalho divulgado recentemente pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) merece todo o seu respeito, tendo assegurado que os serviços “procederam, de imediato, à devida rectificação, depois de tomarem conhecimento das opiniões do CCAC”.

O governante garantiu ter dado instruções a todos os serviços da tutela reiterando “o dever de seguir, no processo de recrutamento de pessoal, os princípios de justiça, igualdade e transparência, não sendo permitido o nepotismo ou situações injustas”, lê-se em nota à imprensa do Gabinete de Comunicação Socia. “Caso haja algum problema, este deve ser corrigido o mais rápido possível”, indicou ainda Alexis Tam aos vários serviços da pasta dos Assuntos Sociais e Cultura.

O secretário falava à margem da reunião anual da Comissão Conjunta de Trabalhos para Impulsionar a Construção de Macau num Centro Mundial de Turismo e Lazer. Instado a comentar a parte do relatório do CCAC referente à Direcção dos Serviços de Turismo (DST), explicou que “a DST assinou um contrato individual de trabalho com uma ex-chefia, após consultar o parecer da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, o qual obteve a respectiva concordância”. No entanto, mais tarde, o CCAC enviou, uma vez mais, uma recomendação à DST, que procedeu à rectificação e resolução do caso, de acordo com o conteúdo da recomendação feita.

Experiência vs capacidade

Quanto ao caso da nomeação de duas chefias do Instituto Cultural, nomeação essa que não correspondia ao requisito legal que obriga a um mínimo de cinco anos de experiência profissional, Alexis Tam explicou que as duas pessoas em causa foram altamente recomendadas pelo ex-presidente do IC. Tinham “experiências valiosas na área e capacidade para o exercício das funções”, o que fez com o secretário tivesse respeitado a opinião dada. Atendendo aos reparos feitos pelo CCAC, “o Instituto Cultural já procedeu à devida rectificação”.

A rematar, o governante frisou estar “muito atento” à situação de eventuais irregularidades em cada caso. No entanto, sublinhou que, “apesar de haver falhas em alguns casos, não violam a lei”. Não obstante, garantiu ter já exigido aos dirigentes dos serviços que façam “um controlo mais rigoroso, reforçando os conhecimentos jurídicos, bem como intensificarem os trabalhos de gestão na área administrativa, pessoal e financeira, não sendo permitida a ocorrência de mais situações irregulares”.

7 Abr 2017

Turismo | Gabinete de Ligação sugere voos directos para o espaço lusófono

A representação de Pequim em Macau propôs ontem o investimento da RAEM em voos directos com os países de língua portuguesa. A ideia é usar a situação privilegiada do território para multidestinos turísticos. O Governo Central quer ainda estabelecer mecanismos de ajuda na criação de um produto turístico próprio

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau deve estudar a possibilidade de ter voos directos entre o território e os países de língua portuguesa. O recado foi deixado ontem pelo subdirector do Gabinete de Ligação do Governo Central, Yao Jian, na reunião anual de 2017 da comissão conjunta de trabalho para impulsionar a construção de Macau num centro mundial de turismo e lazer.

“Macau é uma plataforma importante entre a China e os países de língua portuguesa e, por isso, devem ser desenvolvidas actividades que envolvam o intercâmbio entre o Continente e estes países”, disse o responsável. Para o efeito, “deve estudar a possibilidade de explorar voos directos com os países de língua portuguesa, de modo a atrair mais visitantes destes países para o território e, ao mesmo tempo, dar oportunidade a estes turistas para que possam transitar para outros destinos na China”, explicou.

No final da reunião, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, não acrescentou qualquer informação acerca da vontade do Gabinete de Ligação, sendo que, garantiu, seria uma iniciativa acarinhada pela sua tutela. “É uma boa ideia, mas é necessária ainda uma análise. Não falámos dela durante a reunião, o que não significa que não a vamos desenvolver no futuro”, afirmou.

Acção conjunta

De acordo com Li Shihong, vice-presidente da Administração Nacional do Turismo da China, o Governo Central está disponível para ajudar nas políticas do território que tenham como fim a promoção de um turismo diversificado e “a criação de um produto internacional de grande procura”. “O desenvolvimento do território está no bom caminho e temos, em conjunto, de depositar confiança no Governo local e ajudar na colaboração com províncias chinesas”, sublinhou.

A ideia do responsável do turismo do Continente vai no sentido de fomentar tempos de estadia maiores no território e, em simultâneo, explorar o turismo para multidestinos. “O Governo Central já o faz e podemos associar Macau às políticas aplicadas a outras províncias chinesas.”

Por outro lado, Li Shihong considerou que é importante que as medidas a serem tomadas sejam práticas e concretizáveis. “Discutimos acerca das políticas em que podemos apoiar Macau na elevação da indústria turística, e como aprofundar os serviços e fiscalização numa cooperação integrada de todos os sectores”, disse.

A entrada facilitada no território também esteve em discussão na reunião de ontem. A ideia é que os turistas não tenham de pagar para entrar em Macau, prática que, segundo o Alexis Tam, tem sido desenvolvida à margem da lei. É fundamental, disse o secretário, “aumentar a fiscalização das actividades turísticas, sendo que a abertura da ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai é também uma grande oportunidade para o desenvolvimento da cooperação”.

De acordo com Li Shihong, o Governo Central está a estudar, com Fujian e Guandong, uma cooperação conjunta com o território.

No bom caminho

O secretário para os Assuntos Sociais e da Cultura não deixou de se mostrar particularmente entusiasmado com as iniciativas que a sua tutela tem desenvolvido. “Desde a celebração do acordo entre o Interior da China e Macau sobre a criação de uma comissão conjunta, em Junho de 2015, bem como a realização da reunião anual de trabalho desta comissão em Fevereiro do ano passado, o Governo e a China Continental aceleraram a cooperação. Tem sido aprofundado tanto o nível, como o conteúdo, no âmbito do turismo”, recordou.

Na prática, Alexis Tam refere alguns dos trabalhos que o Governo tem vindo a desenvolver em cooperação com o Continente, entre eles “a participação nas acções de promoção conjuntas para itinerários multidestinos, a implementação do projecto pioneiro de turismo individual com embarcações de recreio Macau-Zhongshan, o reforço de cooperação com a Administração do Turismo da Província de Guangdong e vários serviços turísticos de outras cidades da China na fiscalização da qualidade turística para assegurar o desenvolvimento saudável no mercado”.

Para o secretário, o turismo local atingiu uma fase de estabilidade. “Actualmente, a indústria turística de Macau encontra-se numa fase de desenvolvimento estável. Em 2016, mesmo havendo factores externos de instabilidade económica, o número de visitantes manteve-se em mais de 30 milhões, registando-se um ligeiro acréscimo em termos anuais”, afirmou.

De sublinhar, para o secretário, é a formalização, com o apoio do Ministério da Educação da China, da candidatura de Macau à Rede de Cidades Criativas da UNESCO, enquanto Cidade Gastronómica.

7 Abr 2017

Reportagem | Faltam psicólogos forenses em Macau

Há falta de psicólogos de justiça no território. A falha assume maior relevância quando chegam aos tribunais crimes de natureza sexual que envolvem menores. A Assembleia Legislativa está a rever o Código Penal, mas a qualidade da perícia local não parece ser uma preocupação

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau não tem, que se saiba, psicólogos forenses, uma especialidade da psicologia clínica que faz a ponte para a justiça e que pode ser um contributo da máxima importância para os casos que envolvem crimes de natureza sexual. A falha é detectada por vários operadores de Direito com quem o HM falou.

O retrato que aqui se faz acerca desta especialização profissional em Macau é o possível: ou não recebemos resposta a perguntas colocadas há mais de uma semana, ou as respostas são vagas.

Numa troca de emails sobre o assunto, a Associação de Psicólogos de Macau (APM) explica que há membros da organização que são chamados pelos tribunais para a realização de perícias, mas não faz qualquer referência às competências técnicas destes profissionais.

“A nossa associação tem membros que trabalham como psicoterapeutas que poderão ser convidados pelos tribunais como peritos”, diz a presidente da APM, Cintia Chan. “Também temos associados que trabalham em departamentos jurídicos que providenciam serviços de aconselhamento aos funcionários da frente.”

Questionada acerca da formação específica destes psicoterapeutas, a responsável pela associação não se pronuncia. “Tanto quanto sei, há dois psicólogos na Polícia Judiciária (PJ) no campo das investigações criminais, mas nenhum deles é membro da APM”, indica apenas.

O HM tentou, junto da PJ, perceber se estes psicólogos, mencionados por Cintia Chan, têm algum tipo de preparação na matéria, mas a Judiciária não respondeu à pergunta que lhe tinha sido colocada: tem esta polícia psicólogos de justiça? No esclarecimento enviado, diz-se apenas que “na situação de caso envolvendo menor, a PJ faz a devida informação à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude ou ao Instituto de Acção Social”.

No site da PJ são especificadas as áreas de trabalho da Divisão de Peritagem de Ciências Forenses, sendo que fica de fora a psicologia. O departamento trabalha em bioquímica, toxicologia, físico-química, balística e documentoscopia. Não há qualquer outra indicação no portal que deixe pistas sobre a presença de especialistas em psicologia forense no seio da Judiciária.

Fazer as vezes

Também os Serviços de Saúde não responderam a tempo da publicação deste texto, pelo que fica por saber com toda a certeza se, entre os profissionais do Centro Hospitalar Conde de São Januário, existem psicólogos forenses ou psicólogos de justiça (definição mais abrangente que inclui não só a avaliação, mas também o acompanhamento posterior). Pelo que o HM conseguiu apurar, não há ninguém com este tipo de formação. No São Januário, existem apenas psicólogos clínicos e há, foi-nos garantido por fonte conhecedora da matéria, psiquiatras que fazem perícia forense. Fica a ressalva da falta de uma confirmação oficial.

O Instituto de Acção Social (IAS) tem um serviço específico de apoio aos tribunais mas, pela resposta que foi dada ao HM, não parece também haver aqui psicólogos forenses, a pergunta específica que tinha sido endereçada e que não foi respondida de forma directa. Por email, fomos informados de que existem no IAS psicólogos “nas áreas da justiça, aconselhamento clínico e educação, e também assistentes sociais com estudos em justiça criminal, etc.”.

Mas, a talhe de foice, o instituto explica que “os relatórios de investigação social que o IAS fornece ao Ministério Público (MP) e aos juízes são redigidos pelos assistentes sociais ou especialistas em aconselhamento”. Esses relatórios, continua, “estão focados principalmente na explicação das relações familiares, apoio social, circunstâncias profissionais ou académicas, situação financeira, etc., das pessoas envolvidas nos casos apresentados”. Não se percebe qual o contributo destes relatórios em termos processuais.

Dada a vagueza da resposta em relação à especialização dos profissionais, perguntámos quantos psicólogos de justiça trabalham no IAS, mas a resposta não chegou a tempo.

Tínhamos ainda questionado o IAS em relação ao papel que desempenha no que toca à perícia em tribunal, na avaliação de arguidos e de alegadas vítimas, em casos relacionados com crimes de natureza sexual. Pela réplica obtida, o instituto presta este serviço apenas no âmbito da reinserção social.

“De acordo com o Código Penal (CP) e com o Código de Processo Penal de Macau (CPP), o Departamento de Reinserção Social sob a administração do IAS é responsável pela implementação de medidas não tutelares e providencia relatórios de contexto social em relação a transgressores, precedentes ao julgamento, em resposta a pedidos dos tribunais e do MP.” O organismo especifica que estes “relatórios de contexto social” podem dizer respeito a reclusos que cumprem pena pelos mais variados tipos de delitos, incluindo crimes de natureza criminal.

Na resposta por escrito, especifica-se ainda que a preparação deste relatórios pode envolver “toda a equipa de profissionais e diferentes inventários”, elencando em seguida uma série de testes usados na avaliação da personalidade de transgressores.

Queixas sem crime

De acordo com o Código de Processo Penal de Macau, “a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”. É no âmbito da perícia que adquirem particular relevância o trabalho e as competências do psicólogo forense.

À semelhança do que aconteceu em Portugal há um par de anos, o Governo decidiu recentemente rever o Código Penal, que data de 1996, em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais. As alterações, que estão a ser alvo de análise em sede de especialidade na Assembleia Legislativa (AL), têm entre os objectivos principais o reforço da protecção de menores. Entre os artigos do CP que sairão reforçados está o abuso sexual de crianças: de acordo com dados fornecidos ao HM pela Polícia Judiciária, só em 2016 foram investigados 11 casos deste tipo de delito, mais de um terço das ocorrências verificadas nos últimos cinco anos (ver texto nestas páginas).

Se foram manifestadas preocupações em relação a crimes como a importunação sexual – a ser introduzido pela nova lei –, com alguns sectores a mostrarem-se preocupados com a possibilidade de falsas acusações poderem levar à condenação de inocentes, certo é que, tanto quanto o HM conseguiu apurar, não foi até agora discutida, no seio da comissão da AL, a qualidade da perícia. Por outras palavras, a lei será em breve reforçada, mas o funcionamento efectivo do sistema não é, aparentemente, uma preocupação de quem legisla.

O abuso sexual de crianças é um dos crimes em que a perícia pode dar um contributo significativo para a decisão tomada por um juiz. Acontece, com alguma frequência, as queixas darem em coisa nenhuma. Os números de Portugal são demonstrativos: em 2014, por exemplo, foram acompanhados mais de 73 mil processos de alegados abusos sexuais de menores por familiares, mas 37.422 foram arquivados.

Não é de todo invulgar que, neste tipo de crime, não existam provas físicas de que tenha sido efectivamente cometido. Os exames médicos não apontam para a existência do delito e não há testemunhas oculares. É neste contexto que a avaliação de um psicólogo forense tem um peso significativo. A perícia evita que, em tribunal, haja uma inversão do ónus da prova e que o arguido tenha de demonstrar a inocência, quando deve ser a acusação a provar a culpa.

O cirurgião certo

Ricardo Barroso, professor universitário em Portugal, é especialista em psicologia clínica e forense, tendo como principal área de investigação o estudo das características e especificidades de agressores, com particular foco em casos de natureza sexual. É ele que nos ajuda a perceber a importância da especialização neste campo da psicologia.

Quando em questão está a palavra da alegada vítima contra o alegado agressor, a participação do perito “é crucial”. “Não cabe ao psicólogo dizer se aquela pessoa é culpada ou não”, acautela. “No fundo, o psicólogo forense é um braço direito, um dos elementos técnicos de apoio à decisão do juiz. O pedido do juiz é, por norma, no sentido de se perceber se o discurso é compatível com os factos.” Ao psicólogo compete averiguar, “através de um conjunto de técnicas e de estratégias”, se o discurso da vítima, por exemplo, “é compatível com os factos da circunstância de abuso sexual”. Por outras palavras, o psicólogo forense ou de justiça averigua sobre a veracidade dos factos.

Esta averiguação é feita com recurso a entrevistas especializadas, “não pode ser uma entrevista qualquer, tem de ser focada”. No caso de abusos sexuais de crianças, exemplo utilizado por Ricardo Barroso, o processo começa com uma entrevista aos pais, sendo que, utilizando “um conjunto de estratégias muito específicas”, é avaliado também “o ajustamento global da criança”. “Há também uma avaliação dos sintomas e das dinâmicas que possam acontecer, uma avaliação do apoio familiar, uma avaliação do risco, se for esse o caso, e o que fazer”, continua o especialista.

“O protocolo dos casos de abuso sexual é muito específico. Para se chegar à conclusão de que o discurso da vítima é compatível com a circunstância ou com factos relacionados com abuso sexual, é necessária uma análise muito grande de um conjunto de informações”, vinca Ricardo Barroso.

Em Portugal, existe um protocolo para a avaliação feita pelos psicólogos chamados a apoiar o sistema judicial. O investigador afirma que se consegue, “com alguma facilidade, diferenciar se o discurso é compatível com a verdade”.

A Ordem dos Psicólogos Portugueses avançou com a especialização dos profissionais que dela fazem parte. A psicologia de justiça é considerada uma “especialidade avançada”. Ricardo Barroso explica por que razão existe esta diferenciação profissional: “Estamos a pegar nos casos mais sensíveis, que têm de ser tratados com pinças”.

Uma analogia com a medicina ajuda a perceber a especificidade da tarefa: nem todos os cirurgiões estão habilitados para intervir em determinadas áreas do corpo humano. Com os psicólogos, a situação é semelhante. “A área forense é muito específica, com muitos contornos, com influências de várias ordens – pessoal, social, cultural e legal.”

O professor universitário recorre, de novo, aos casos de abusos sexuais, realçando que “é uma intervenção muito especializada”, pelo que “nem todos os psicólogos devem pegar neste tipo de casos”. No caso de psicólogos com pouca experiência, “é preferível que encaminhem os casos para colegas mais especializados”. Não é uma área em que se aconselhe “experimentar caminhos e hipóteses”.

Nas realidades portuguesa, europeia e norte-americana, aquelas que Ricardo Barroso melhor conhece, a especialização na área forense faz-se depois de uma formação de base em psicologia. Depois, a “especificidade” das questões que são suscitadas aos psicólogos leva à necessidade de uma “especialização pormenorizada”. “No contexto português, cada vez mais as pessoas vão entrando para uma especialização ao nível do doutoramento”, refere. Dentro da psicologia de justiça, é cada vez mais comum haver ainda quem se especialize em vítimas e quem aposte no estudo de agressores, apesar de ser “importante perceber a dinâmica dos dois”. Em suma, “é desejável que haja uma especialização”, aconselha Ricardo Barroso.

O que diz uma avaliação

Os psicólogos forenses fazem diferentes tipos de avaliação, consoante aquilo que está em causa. Tal como em Portugal, também o Código de Processo Penal de Macau dispõe especificamente em relação à perícia sobre a personalidade, uma área em que estes especialistas são chamados a intervir. A perícia “pode relevar nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção”, lê-se no CPP.

Trata-se de um tipo de estudo que é feito em adultos e, por norma, em adultos agressores, decifra Ricardo Barroso. “É pedida no sentido de perceber como é que aquele indivíduo funciona no quotidiano. É uma análise tripartida: como é que funciona consigo próprio, como é que funciona com os outros e como é que vê o relacionamento com o mundo, a percepção do seu contexto social.”

O especialista explica qual a razão de a perícia sobre a personalidade ser feita apenas em adultos. “Não existe, nas crianças e nos adolescentes, a estruturação da personalidade”, observa. “A personalidade é um padrão de funcionamento relativamente estável. Não é avaliada a personalidade das crianças ou dos adolescentes porque não há este padrão estável.” Para se chegar à verdade com as crianças, é preciso ir por outros caminhos.

Quando em causa estão crianças com mais de 12 anos, não existem, à partida, obstáculos a que sejam ouvidas em tribunal; nos casos em que ainda não perfizeram esta idade, podem ser ouvidas pelos juízes, mas é do entendimento dos juristas que é necessário ponderar bem acerca do contributo que poderão dar para o caso. É preciso saber se têm “capacidade e dever de testemunhar”, um conceito previsto no CPP de Macau.

A perícia forense para a avaliação da capacidade e dever de testemunhar é pedida no caso em que se duvida das competências cognitivas da pessoa em causa, explica Ricardo Barroso, ou então com crianças mais novas. “Aquilo que se pede é saber se há a noção, naquela criança, de um conjunto de conceitos básicos, o que é fundamental para se perceber a veracidade das alegações.”

Nestas avaliações, o especialista tenta perceber “a fase em que a criança se encontra, se percebe conceitos básicos, como ‘quem, quando, onde, quantas vezes’”. É levada a cabo “uma análise do ponto de vista cognitivo-desenvolvimental”. “Este trabalho faz-se a partir de entrevistas, às vezes até de desenhos, pede-se para contar determinada circunstância, se percebe a sequência. Se ela tiver estas competências cognitivas, tem de contar uma história – a história do abuso – e essa história tem de fazer sentido”, acrescenta o investigador. Ricardo Barroso sublinha que as crianças mais pequenas não relatam “uma história com princípio, meio e fim”, ou seja, há que ir juntando as peças. “Pouco a pouco, vai contar essa história.”

A promessa

Quando em causa estão crimes que envolvem crianças, as avaliações feitas por psicólogos forenses às alegadas vítimas não se fazem numa única entrevista. “Normalmente, são seis sessões demoradas. Este protocolo de avaliação, normalmente, contempla entre seis e oito consultas”, acrescenta o especialista.

O processo de avaliação “envolve avaliar outras pessoas e ter informações de outros avaliadores que não só a criança”. São feitas entrevistas aos pais e a outros cuidadores, e contactos com pessoas que directa ou indirectamente tenham conhecimento do caso, como os professores. “Muitas vezes são os próprios professores que detectam algo estranho na escola e que fazem a denúncia”, contextualiza Ricardo Barroso. “Duvido que, em uma ou duas sessões com a criança, o resultado da avaliação seja muito concreto. Da minha experiência parece-me impossível.”

Depois, há ainda o processo de adaptação das crianças ao psicólogo. “As crianças não passam directamente do colo da mãe para o colo do psicólogo, há uma transição. Às vezes pode pedir-se à mãe para vir connosco, entra na sala, enquanto brincamos e conversamos sobre um conjunto de assuntos.” O especialista diz que, na presença dos progenitores, não se toca no motivo que levou a que o processo de avaliação fosse desencadeado. Quando a criança já está mais preparada, “a mãe sai e a criança fica com o psicólogo ou os psicólogos”. É então que se fala do crime, “quando as crianças estão sozinhas”.

Em Macau, desconhece-se que tipo de protocolo é aplicado e quem é que o utilizará. Questionado pelo HM sobre a falta de peritos nesta área, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura – que tem na sua tutela serviços que contribuem para o sistema de justiça – deixa uma garantia. “Se se constatar que não há, em Macau, determinadas especialidades e se os serviços respectivos nos comunicarem essa necessidade, o Governo, por certo, encontrará soluções”, diz Alexis Tam.

 

 

 

 

Abuso sexual de crianças aumenta

A Polícia Judiciária investigou, nos últimos cinco anos, 199 casos de crimes de natureza sexual. A violação é o delito mais comum: de 2012 a 2016, chegaram à PJ queixas sobre 88 casos. De acordo com as estatísticas fornecidas, segue-se a coacção sexual, com 42 ocorrências. Depois, está o abuso sexual de crianças, com 29 casos contabilizados, sendo que 11 dizem respeito ao ano passado.

6 Abr 2017

Informações fiscais | Portugal e Macau ainda não assinaram acordo

Portugal e Macau ainda não chegaram a acordo sobre a troca de informações fiscais, medida que tem de começar a funcionar a partir de 1 de Julho deste ano. A legislação sobre essa matéria já deu entrada na Assembleia Legislativa, mas ainda não foi agendada a data para votação na generalidade

 

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma semana depois de Macau ter anunciado a intenção de começar a trocar informações fiscais com Portugal a partir do dia 1 de Julho, o Governo português disse ontem que a matéria “não é urgente” e ainda não há uma data para o acordo.

“O que nos informaram é que havia empenho da região de Macau no processo relativo às trocas de informações no âmbito da norma comum da OCDE. Também nos foi dito que não tinham sido concluídos os procedimentos do lado de Macau, portanto a República Portuguesa reafirmou a sua disponibilidade para o fazer”, disse aos jornalistas em Macau o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade.

“Não é uma questão para nós de muita urgência e, portanto, continuamos disponíveis para assinar, para chegar a um acordo”, acrescentou.

Fernando Rocha Andrade esteve ontem em Macau em visita oficial, depois de ter assinado um acordo bilateral de troca de informações fiscais com Hong Kong. A 28 de Março, o Conselho Executivo apresentou uma proposta de lei sobre o regime jurídico de troca de informações, sendo que o diploma deu há dias entrada na Assembleia Legislativa. Ainda assim, não está ainda agendado o debate para a sua votação na generalidade.

O objectivo é o alinhamento com um padrão acordado pelos membros do G20 e União Europeia, que além da actual troca de informações fiscais a pedido, inclua trocas automáticas e espontâneas. A norma internacional obriga a que o sistema comece a funcionar em 2018, pelo que é necessário Macau começar a recolher informações antes, a 1 de Julho.

Ontem Fernando Rocha Andrade esclareceu que “a data, tal como outras questões, depende naturalmente do acordo que vier a ser assinado”.

“Do nosso ponto de vista – aliás vamos este ano começar a trocar dados com outras jurisdições – não há nenhum obstáculo em relação a este início”, afirmou.

Nacionalidade “não é relevante”

Sobre o acordo em negociação, Fernando Rocha Andrade disse que “o facto de ter nacionalidade portuguesa não é relevante”, e que “o que importa é a residência e origem dos rendimentos”.

“Quem vive e trabalha em Macau não está sujeito ao IRS português (…) Portanto, Portugal não receberá informação financeira relativamente às pessoas que vivem e trabalham em Macau”, disse.

O secretário de Estado deu o exemplo no caso dos portugueses residentes na região chinesa: “Macau recebe informação financeira de Portugal relativamente às contas financeiras em Portugal, e Portugal recebe informação relativamente aos seus residentes, àqueles que residam em Portugal e tenham contas financeiras em Macau”. A agência Lusa questionou as autoridades de Macau mas não obteve uma resposta em tempo útil.

Rocha Andrade esteve ontem reunido com representantes do Banco Nacional Ultramarino. Segundo um comunicado, o encontro serviu para ser feita uma “breve apresentação do banco”, numa mera “visita de cortesia”.

6 Abr 2017

CCAC concluiu menos investigações. ONU voltou a sugerir lei contra tráfico de influências

O CCAC apresentou ontem o seu relatório anual. Os números indicam que menos casos foram investigados e o próprio organismo admite ter deixado na gaveta uma lei sugerida pela ONU: contra o tráfico de influências

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção sugeriu que a RAEM deveria criminalizar o tráfico de influências, através da criação de uma lei sobre o assunto. Isto em 2013. Mas o Governo nunca chegou a legislar sobre a matéria. Na última avaliação feita a Macau pela convenção, em Junho e Novembro do ano passado, voltou a ser sugerida a criação desse crime.

Estando as coisas neste ponto, segundo o relatório de actividades do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), publicado ontem, é sugerido que “a RAEM deve adoptar uma série de medidas no sentido de fortalecer e consolidar a eficácia do funcionamento dos mecanismos anti-corrupção”, tais como a criação de “um novo crime independente para punir os indivíduos que negoceiem com recurso ao tráfico de influências”.

Em 2016, o CCAC assumiu não ter ainda legislado o crime de tráfico de influências por não existir uma obrigatoriedade, em termos internacionais, para o fazer, apesar de, em 2013, nas vésperas da última avaliação da ONU, ter chegado a existir uma proposta de lei preparada, que nunca avançou.

Este documento deverá continuar silencioso na gaveta, tendo em conta a resposta contida no mais recente relatório de actividades do organismo. “O CCAC irá proceder à análise das sugestões e opiniões em causa, e tomará as mesmas como referência, no sentido de procura de melhoramento dos regimes”, lê-se.

Na reunião ocorrida em Viena, Áustria, foi ainda sugerido que “seja adoptado um regime jurídico específico da protecção das vítimas e testemunhas” em casos de corrupção. Aos olhos da ONU, o CCAC deveria adoptar também “um sistema de recolha de dados que permita o levantamento do sigilo bancário em determinados casos”. As recomendações falam ainda da necessidade de alargar o “âmbito da responsabilidade criminal das pessoas colectivas”.

Mais serviços públicos envolvidos

No que toca a números, segundo o relatório, o ano passado o CCAC recebeu um total de 910 queixas, sendo que 252 casos tiveram natureza criminal e 658 casos natureza administrativa. O problema é que foram concluídas apenas 182 investigações, um decréscimo de 29 por cento face aos 256 casos registados em 2015. Uma das investigações concluídas foi a que envolveu Ho Chio Meng, antigo procurador da RAEM, que actualmente responde em tribunal pela suspeita da prática de mais de 1500 crimes de corrupção e abuso de poder.

O CCAC fala de uma maior diversidade de serviços públicos envolvidos nas investigações, sendo que os casos de índole criminal “referiram-se, na sua maioria, a crimes praticados por trabalhadores da Função Pública”.

“Em comparação com o ano passado, em que um grande número dos trabalhadores envolvidos pertenciam a corpos disciplinares com funções militarizadas, em 2016 os serviços públicos são mais abrangentes, envolvendo serviços públicos de diferentes áreas”, descreve o CCAC, dando como exemplo o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, Serviços de Saúde, Instituto da Habitação (IH), Instituto de Acção Social e Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água.

Como exemplo, o CCAC fala do caso de um casal de trabalhadores do IH e do gabinete do procurador do Ministério Público que já tinha um apartamento em Zhuhai mas que não o declarou na hora de se candidatar a uma casa do Governo. São ainda relatados casos de fraude para a obtenção de subsídios do Governo, não só por parte das empresas mas também dos próprios trabalhadores.

No geral, “destacaram-se os crimes de corrupção na área da adjudicação de obras, bens e serviços da Administração Pública envolvendo situações de conluio entre os suspeitos e pessoas alheias aos serviços que tiraram proveito de lacunas em regimes jurídicos e mecanismos de fiscalização. Esta situação deve merecer grande atenção do Governo e dos seus serviços públicos”, conclui o CCAC.


Pelo recrutamento “imparcial”

No seu relatório de actividades, o CCAC destaca as falhas existentes ao nível do recrutamento dos funcionários públicos, através de concurso público. “O júri não revelou total compreensão das disposições legais, e não apreciou rigorosamente as condições de candidatura dos candidatos, o que fez com que surgissem vícios processuais nos concursos públicos, e pôs em causa a imparcialidade dos procedimentos de recrutamento”. “O CCAC espera que todos os serviços recrutadores responsáveis pela realização da avaliação das competências profissionais possam executar o seu trabalho de acordo com a lei, e realizar as acções de recrutamento de forma aberta, imparcial e justa”, alerta ainda.

Mais casos no privado

O relatório de actividades do CCAC dá ainda conta da ocorrência de mais casos de corrupção no sector privado. “Verificou-se um aumento de casos relacionados com o sector privado e uma maior consciência sobre o direito de queixa referente a crimes de corrupção por parte das entidades privadas.” A maioria das situações está relacionada com a gestão dos edifícios habitacionais. “Verificaram-se algumas queixas relacionadas com o conselho de administração dos prédios e empresas de gestão dos mesmos, destacando-se a existência de conflitos complexos entre as empresas de gestão dos prédios, os proprietários e o conselho de administração do prédio. Tal resulta na verificação de que o regime jurídico sobre a gestão predial necessita de um aperfeiçoamento urgente”, aponta o CCAC.

6 Abr 2017

Jason Chao, activista: “Os jovens de Macau são muito mimados”

Entra em funcionamento no domingo o projecto Just Macau, a plataforma de Jason Chao para monitorizar as eleições deste ano. Em entrevista ao HM, o ex-presidente da Associação Novo Macau explica por que é mais activista do que político, conta o que esteve na origem da ruptura com Au Kam San e deixa críticas a Ng Kuok Cheong, que é candidato às legislativas, mas não pela organização liderada por Scott Chiang. Faz ainda um retrato da comunidade local, uma sociedade que gostaria que fosse diferente

Deixou a Associação Novo Macau (ANM) na semana passada. Depois de 11 anos, qual é a sensação que fica?

Não posso negar que a ANM foi uma parte importante da minha vida. Gostei muito do período em que trabalhei para a associação. Mas, depois de uma cautelosa ponderação sobre as necessidades de Macau, percebi que, se continuasse a ser um dos líderes da ANM, iria sentir alguns constrangimentos. A ANM é uma organização política e vai ter membros a concorrer às eleições legislativas. A sociedade de Macau é muito rica, precisa de diversidade e de mais pessoas a desempenharem diferentes papéis. As legislativas são este ano e vou desempenhar um papel na monitorização destas eleições. Em actos eleitorais anteriores, ninguém desempenhou este papel.

Várias pessoas ficaram surpreendidas com a sua saída.

Alguns académicos e analistas tiveram dificuldade em acreditar na minha decisão, ficaram, de algum modo, surpreendidos. Sei que muitas pessoas foram apanhadas de surpresa. Mas isso também me surpreende: fiquei surpreendido com o facto de as pessoas terem ficado surpreendidas. A razão tem que ver com o modo como se vê o mundo. Quanto maior é o horizonte, maior é a capacidade de perceber as opções. As pessoas de Macau terão, talvez, horizontes pequenos, ao pensarem que se se luta por algo e se se entregam petições, é porque o objectivo é ser eleito deputado ou ter outro tipo de envolvimento no sistema político. É uma forma de pensar muito conservadora. A sociedade local deve começar a ter uma visão mais global. Em Hong Kong, em tantos outros sítios, uma democracia que funciona bem precisa de muitos sectores a trabalharem em conjunto. Os políticos são uma parte do sistema; precisamos de representantes eleitos, mas também precisamos de uma sociedade civil com grupos que possam monitorizar o Governo e os políticos.

A surpresa com que a notícia foi recebida terá que ver com o facto de as pessoas pensarem que é um político. Podemos dizer que é, acima de tudo, um activista?

Noutras situações, defini-me como activista. É difícil encontrar uma definição concisa para o termo ‘político’, em cantonês a palavra carrega uma conotação negativa. Mas sempre me posicionei como activista. Há quatro anos, quando me candidatei à Assembleia Legislativa (AL), disse nas entrevistas aos media que mantinha a minha posição. O modo como me candidatei teve como objectivo apresentar aos cidadãos a minha plataforma. Se os cidadãos entendessem que eu merecia um assento na AL para implementar o meu programa político, deveriam então eleger-me.

O que não aconteceu.

Não aconteceu. Essa lógica, essa ideia, não funcionou em Macau. O eleitorado de Macau é mais conservador, continua a valorizar a imagem dos candidatos e as relações interpessoais. Sei que há pessoas mais capazes na ANM que devem candidatar-se às legislativas. Eu devo usar as minhas forças e não as minhas fraquezas no meu compromisso com a coisa pública. Embora alguns possam lamentar a minha saída, e acharem que estou a desistir de tudo, isso não é verdade. O único objectivo da minha participação nas actividades da ANM foi fazer de Macau um local melhor, um local mais em consonância com as práticas internacionais. Continuo no mesmo caminho. Ser eleito ou não nunca foi a principal meta, mas sim um meio. Tivemos muitas discussões na ANM por causa desta questão. Havia uma confusão entre objectivos e meios. O objectivo dos activistas ou dos membros da ANM deve ser propor ideias políticas; tentar um assento na AL é apenas um meio e não um fim. Não devemos confundir isto. Até académicos ficaram surpreendidos com a minha decisão – diria que seguiram a forma de pensar dos cidadãos comuns de Macau. Mas eu não sou um residente de Macau comum, sou marginalizado, não estou no ‘mainstream’. Se assumem que o meu objectivo no envolvimento com os assuntos públicos é conquistar um assento na AL, terão provavelmente feito assunções erradas acerca do meu carácter.

Tem muitos anos de trabalho na ANM e contribuiu, de forma significativa, para mudanças profundas na associação. Até aparecer, Au Kam San e Ng Kuok Cheong eram a Novo Macau. Chegou com novas ideias e uma forma de estar diferente. O que é que aconteceu com Au Kam San?

É uma questão muito interessante. Em termos gerais, posso dizer que quanto mais se trabalha em conjunto, mais diferenças se descobrem. As diferenças atingiram um ponto em que já não havia forma de construir uma ponte entre o fosso. Decidiu deixar a associação porque não tinha qualquer influência na direcção da ANM. Houve vários pontos de viragem desde que assumi a presidência. Acho que o primeiro momento teve que ver com a proposta para a chamada reforma política, o “+2+2+100” [em 2012]. Naquela altura, os líderes mais jovens da ANM entendiam que era preciso criticar também o campo tradicional – as organizações que iriam beneficiar com a proposta. Já Au Kam San e Ng Kuok Cheong insistiram que se devia criticar apenas o Governo por não estar a fazer uma consulta pública imparcial. Mas nós sabíamos que, nesse aspecto, havia uma cooperação entre o campo tradicional e o Executivo. Era inútil criticar apenas o Governo e não incluir também aqueles que fazem a opinião pública. Foi então que começámos a ficar divididos. O segundo ponto de viragem teve que ver com os direitos LGTB. Ng Kuok Cheong e Au Kam San têm tendência para serem muito conservadores. Mas, para minha surpresa, apesar de Ng Kuok Cheong ser católico, Au Kam San é ainda mais conservador. Não havia forma de contornar esta diferença. A divisão começou a aumentar de tal modo que não havia forma de a resolver. Não foi minha intenção – a minha função era lançar acções externas à ANM, lutar por direitos na sociedade. Criar conflitos internos não é a minha forma de trabalhar, mas aconteceu. Quando há pessoas que nos atacam dentro das estruturas, tem de se dar resposta. No início, não respondi bem mas, quando Sulu Sou foi eleito, tentaram tirar-me dos cargos que ocupava. Os membros mais novos tiveram de dar as mãos para se defenderem dos ataques irrazoáveis. Defendemos não só as nossas posições, mas também as nossas ideias e o modo como fazemos as coisas.

E Ng Kuok Cheong? Não abandonou a Novo Macau, mas já não é tão próximo quanto era.

Sim. É uma pessoa muito interessante. Numa fase inicial, disse-nos que queria manter uma boa relação com Au Kam San, pelo que iria ter o seu gabinete de deputado juntamente com ele, mas continuaria a participar nas reuniões da ANM e responder à direcção da associação. No entanto, na semana passada, mesmo antes de deixar a ANM, recebi uma mensagem oficial da direcção. Ng Kuok Cheong tinha dito aos jornalistas que a sua candidatura este ano estava dependente do seu estado de saúde, disse que ia ver “como Deus decidia”. Duas semanas antes, contou a um dos membros da associação que o médico lhe tinha dito que estava bem, dando a entender que iria recandidatar-se. Os líderes da ANM abordaram-no e perguntaram-lhe se se juntava à Novo Macau. Disse que não, que queria candidatar-se em conjunto com Au Kam San.

Ng Kuok Cheong e Au Kam San são parceiros políticos há muitos anos.

O argumento que usou não tem qualquer lógica. Disse que, de modo a poder usar o mesmo gabinete de Au Kam San, não iria utilizar os recursos da Novo Macau para tentar a reeleição.

Mas não é compreensível, atendendo à relação que ambos mantêm?

Do ponto de vista político, percebemos o que estava a acontecer. Na minha perspectiva, foi um argumento tonto. Será que não poderia ter arranjado uma desculpa melhor?

Para esta falta de entendimento entre os mais velhos e os mais novos, não poderá ter contribuído o facto de haver um choque geracional? Não houve uma geração pelo meio para fazer a ponte.

Concordo plenamente. É interessante a justificação para este fenómeno. Há várias explicações para esta falha de 20 anos. Uma delas é a absorção, pela Função Pública, de intelectuais e das elites na década de 1990. Quando a ANM começou, atraiu intelectuais e profissionais de diferentes áreas para se tornarem membros. Mas, mais cedo ou mais tarde, essas pessoas deixaram de ter uma participação nas actividades da associação. Gradualmente, passaram a fazer parte da Administração. Au Kam San e Ng Kuok Cheong eram as duas pessoas que representavam a ANM nas eleições e no Leal Senado. Compreendo perfeitamente que a sociedade civil seja fraca. Não existem programas de formação política para fazer com que os membros jovens das associações possam suceder aos mais velhos. Numa associação fraca como a ANM, somos nós que levamos o nosso conhecimento e capacidades para contribuirmos para a organização e para a sociedade, em vez de aderirmos e recebermos formação. Depende da nossa motivação para nos envolvermos com assuntos públicos e do quão preparados estamos. Quando lidamos com questões jurídicas, somos nós que vamos ver as leis. Claro que também temos consultores, mas a dependência em relação a estes apoios é reduzida pela nossa preparação. Mas estamos a mudar: antes de sair da ANM, fizemos workshops e seminários para os nossos voluntários.

Onze anos depois, a sociedade de Macau é diferente.

A sociedade de Macau transformou-se, mas se vai ou não na direcção certa já é outra questão. Vemos que as pessoas da nossa idade tiveram esta experiência do boom económico e muitas oportunidades relacionadas com a economia. A maioria dos meus colegas de liceu casou e comprou um apartamento, algo com que não sonham sequer pessoas desta geração que vivem noutras regiões. Os jovens da nossa geração são como os de Hong Kong no início dos anos 1980. Estamos a beneficiar do boom económico e, de forma bastante tradicional, os jovens de Macau têm tendência para prestar mais atenção às obrigações familiares: casarem, criarem os filhos, organizarem uma família. A ideia de que as pessoas de Macau adoram estabilidade está bastante entranhada no ADN dos residentes. A maioria dos pais encoraja os filhos a arranjar um emprego na Administração. Em Hong Kong, o ambiente encoraja a competição, o autodesenvolvimento, negócios que permitam ganhar muito dinheiro. É esta a mentalidade de Hong Kong, que não me parece que se aplique em Macau. Os jovens daqui querem encontrar um emprego que seja suficiente estável e que dure toda a vida.

Os jovens de Macau têm medo da competição?

Não digo apenas medo – não são capazes de competir. Os jovens de Macau são muito mimados! Temos oportunidades em demasia.

É por isso que temos este ambiente de discriminação em relação às pessoas que vêm de fora e que se vê até na AL, com deputadas jovens como Song Pek Kei e Ella Lei?

Diria que é apenas um dos factores. A residência de Macau é um sistema muito fechado. Não é aberto à migração, como em Hong Kong. Os detentores de ‘bluecard’, mesmo que trabalhem aqui durante muitos anos, não são considerados cidadãos de Macau. Além disso, a sociedade de Macau é muito conservadora.

Há imigrantes do Sudeste Asiático que estão cá há mais de 20 anos, sem qualquer apoio social. O acesso à saúde custa o dobro do preço para os residentes, a escola para os filhos também. Isto é uma sociedade justa?

Estamos a tocar no ponto essencial. A justiça e o primado da lei não são os valores principais da sociedade de Macau. São defendidos por uma mão cheia de intelectuais e jornalistas, não é algo que seja uma preocupação da maioria da população de etnia chinesa. É um facto. Publiquei uma análise sobre esta situação e diria que o único valor real das pessoas de Macau é o interesse colectivo. Os políticos têm de trabalhar para esse interesse colectivo para serem reconhecidos.

Que tipo de interesse colectivo?

Dou um exemplo: as oportunidades de emprego ou o proteccionismo na obtenção de trabalho. É um interesse colectivo.

O que espera, em termos gerais, das eleições deste ano?

É difícil dizer. Há um aumento do eleitorado jovem, mas vamos ver se aparecem para votar. Como estou à frente de um sistema de monitorização e como pretendo geri-lo de forma imparcial, não devo pronunciar-me sobre candidatos. Mas o resultado da eleição directa será uma representação da sabedoria colectiva dos residentes de Macau. Se virmos serem eleitas pessoas de quem não gostamos ou que achamos que não merecem estar na AL, não devemos culpar os candidatos, mas sim quem votou neles. Vamos ver o que vai acontecer.

Tem uma equipa?

Vou ser director deste projecto. Vou liderar uma mão cheia de voluntários que vão ajudar-me a recolher informação. Para ser imparcial, tenho de manter distância em relação a outros grupos.

Não é uma tarefa fácil manter essa imparcialidade quando em causa está a ANM.

Sei que há especulações em torno disso, mas vamos ver. É difícil convencer quem quer que seja fazendo apenas promessas, mas o meu trabalho vai demonstrar a minha imparcialidade.

5 Abr 2017

Lei de Terras | Chefe do Executivo apoia decisão do presidente da AL

Chui Sai On reagiu num comunicado à rejeição da proposta do deputado Gabriel Tong, que propôs uma nova interpretação da Lei de Terras. José Pereira Coutinho considera “inútil” a audição que está a ser feita às gravações das reuniões que analisaram o diploma na especialidade

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo “apoia” o despacho do presidente da Assembleia Legislativa (AL), do passado dia 10 de Março, em que Ho Iat Seng “rejeita liminarmente” a proposta apresentada por Gabriel Tong sobre a norma interpretativa que o deputado gostaria que fosse feita a um dos artigos da Lei de Terras.

O apoio de Chui Sai On a Ho Iat Seng foi manifestado numa nota à imprensa enviada pelo gabinete do porta-voz do Governo. No mesmo comunicado, recorda-se que, de acordo com a Lei Básica, a apresentação de projectos de lei por deputados à AL que envolvam políticas do Governo deve obter consentimento prévio e escrito do Chefe do Executivo.

De frisar que Gabriel Tong, também director da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, é um dos sete deputados nomeados pelo Chefe do Executivo.

Ouvir gravações é “inútil”

Ainda este mês ficará concluído o processo de audição das gravações das reuniões da comissão permanente onde foi analisada, na especialidade, a proposta relativa à Lei de Terras. Para o deputado José Pereira Coutinho, “é inútil ouvir as gravações”, disse ao HM.

“É apenas uma forma de, por um lado, satisfazer uma parte da sociedade a fim de resolver o problema do Pearl Horizon, e por outro lado dar seguimento ao que o presidente da Assembleia Popular Nacional (APN) da República Popular da China disse, aquando do encontro com os deputados da APN.”

“[O presidente da APN disse que] dois dos principais problemas que Macau enfrenta, e que o Governo deveria resolver, têm a ver com os terrenos e com os transportes. Os terrenos e os transportes são matéria crucial e têm criado enormes problemas para a população. O presidente da AL, ao decidir pela audição das gravações, deu seguimento à proposta do presidente da APN, de que Macau tem de resolver os problemas por si próprio”, acrescentou Coutinho.

Para o deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) , a posição de Ho Iat Seng foi apenas no sentido de “dar seguimento ao que tem sido feito, porque ouvir as gravações é inútil”, volta a frisar. “Mesmo que tivessem dado razão a alguns deputados, esta lei nunca deveria ser alterada, porque a proposta é do Governo.”

Coutinho continua confiante na reunião que será agendada com o Chefe do Executivo, conforme noticiou o HM esta semana. “Os problemas dos terrenos têm de ser resolvidos de acordo com a Lei de Terras, que não é para mexer, e tem de se encontrar uma solução, que é aquela que tínhamos proposto há mais de um ano, que o terreno deve ser alvo de concurso público e o Governo, no caderno de encargos, deve proteger os investidores”, rematou o deputado.

5 Abr 2017

Impostos | Conselheiros pedem rápida devolução a reformados da CGA

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, realiza hoje uma visita oficial ao território. O encontro com o Conselho das Comunidades Portuguesas vai servir para pedir uma maior celeridade na devolução dos impostos cobrados aos aposentados por engano

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] hoje que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Portugal, Fernando Rocha Andrade, realiza uma visita oficial a Macau, com uma agenda preenchida. À tarde o governante encontra-se com os membros do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) do círculo China, Macau e Hong Kong. Ao HM, José Pereira Coutinho, um dos conselheiros, explica que será debatida a necessidade de uma maior rapidez de devolução dos impostos cobrados por engano aos reformados da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

“Temos recebido no nosso gabinete vários casos que, por diversas razões, são imputados, por lapso, aos aposentados de Macau. Normalmente o prazo de devolução [do imposto], injustamente debitado, leva quase um ano. Gostaríamos que houvesse uma maior celeridade no processamento dos descontos que, por engano, tenham sido feitos”, explicou.

Para José Pereira Coutinho, “ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação, os aposentados de Macau não devem pagar impostos”. “Muitas vezes a CGA, devido ao sistema, [tem feito cobranças por lapso]”, acrescentou o conselheiro, adiantando, contudo, que os casos têm vindo a diminuir.

“[A situação] tem melhorado e nos últimos tempos não temos recebido queixas dos aposentados de ter sido cobrado IRS [imposto sobre rendimentos] sobre os seus recibos de vencimento. Mas gostaríamos de manter este canal de comunicação”, disse ainda.

Em relação à transferência de informações fiscais das contas bancárias dos portugueses aqui residentes para Portugal, o CCP não vai fazer qualquer intervenção. “Não temos pedidos desta natureza”, argumentou Coutinho.

Sem preocupações

A agenda da tarde de hoje será ainda marcada por uma reunião com o Banco Nacional Ultramarino (BNU), onde deverá ser debatida a troca de informações fiscais. Na manhã de hoje, Rocha Andrade vai também reunir-se com Wilson Vong, director-executivo da Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM).

É já a partir do dia 1 de Julho que Macau começará a trocar dados fiscais com Portugal, que incluem informações relativas às contas bancárias dos portugueses.

A medida surge no âmbito da proposta de lei sobre o regime jurídico da troca de informações, já apresentada pelo Conselho Executivo, que pretende alinhar-se com os padrões acordados pelos membros do G20 e da União Europeia. Isto significa que, para além das informações fiscais que já são feitas a pedido, passa a incluir-se uma partilha de informações de forma automática e espontânea.

Em declarações à Rádio Macau, Rocha Andrade optou por tranquilizar a comunidade portuguesa aqui residente sobre essa matéria.

“Quem vive em Macau ou tem os seus rendimentos gerados em Macau tem o seu imposto regulado pela lei de Macau. Não é pela lei portuguesa”, apontou. “Se Macau entender, no futuro, haver este tipo de cooperação administrativa, quem reside e trabalha em Macau deve encarar isso com absoluta tranquilidade. Nada tem que ver com os impostos que paga, que são devidos a Macau”, acrescentou.

O secretário de Estado para os Assuntos Fiscais almoça hoje com representantes da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa no Clube Militar. À hora do jantar, Rocha Andrade estará presente num evento oferecido pelo consulado-geral de Portugal em Macau.

Antes da chegada a Macau, Rocha Andrade passou por Hong Kong, onde assinou um acordo com o Executivo da região vizinha, também ao nível da troca das informações fiscais.

“Exprime um momento vasto na OCDE, no sentido de haver troca de informações entre administrações fiscais. Permite que, no formato que define a OCDE, seja trocada informação relativa aos saldos de contas detidos pelos residentes de cada um dos estados num outro estado. Faz parte de uma estratégia da OCDE e Portugal adere porque esta troca de informações permite regras de transparência financeira, controlo de branqueamentos de capitais, financiamento de criminalidade e também de evasão fiscal”, disse à Rádio Macau.

5 Abr 2017

Celina Veiga de Oliveira, historiadora: “Aqui ainda se respira um aroma português”

Viveu quase 20 anos em Macau e, quando regressou a Portugal, Celina Veiga de Oliveira levou o Oriente consigo. A historiadora guiou o HM por três séculos do “ténue equilíbrio” das relações sino-portuguesas, que culminam nos dias de hoje. Traz na bagagem um livro sobre uma figura histórica de Macau, intitulado “Carlos D’Assumpção – Um Homem de Valor”, que apresenta no Albergue SCM no próximo sábado

[dropcap]P[/dropcap]rivou de perto com Carlos D’Assumpção. Descobriu alguma coisa nova sobre o homem durante a pesquisa para o livro?
Esta pesquisa já foi feita há muito tempo. Conheci muito bem o Dr. Assumpção, ele morreu em 1992, eu cheguei cá em 1980 e nesse período de 12 anos ele era, sem dúvida alguma, a figura mais prestigiada de Macau. Era presidente da Assembleia Legislativa. Era um senhor, ao estilo daqueles conservadores britânicos, sempre muito bem vestido. Uma pessoa muito elegante fisicamente e também de cabeça. Era um cavalheiro. Quando cá cheguei, fui professora de liceu e dei aulas ao João, o seu filho, uma pessoa pela qual tenho um afecto especial. A Dr.ª Nini Assumpção, a sua mulher, foi médica das minhas filhas desde pequeninas, isso também nos aproximou um bocado. Conheci o Dr. com alguma proximidade, frequentava a casa dele, fui a muitos jantares. Ele, normalmente, jantava tarde e gostava muito de estar rodeado de amigos. Era um grande conversador, com muito sentido de humor, apesar de ser uma figura muito respeitada. Como todos lhe tinham muito respeito, nem toda a gente pôde aperceber-se dessa faceta bem-humorada que tinha. Era uma característica da sua personalidade e uma prova da sua inteligência.

Como é que Carlos Assumpção, um político conservador, viveu a década de 60 com a revolução cultural em plena ebulição aqui tão perto?
Os anos 60 em Macau foram de grande turbulência. Quando foi o 1,2,3, o Dr. Assumpção ainda era novo e foi um terramoto político muito grande. Os ecos da Revolução Cultural chinesa sentiram-se cá. O Governador Nobre de Carvalho, coitado, tinha acabado de chegar, e quando uma pessoa chega a Macau é muito difícil apreender logo toda esta diversidade de ideias. O Dr. Assumpção participou nas negociações mas teve de as abandonar, porque tinha uma posição de firmeza e, provavelmente, devem ter considerado essa postura perigosa. Era necessário uma pessoa mais consensual. No entanto, o consenso, que é uma característica da personalidade do Dr. Assumpção, depois veio a manifestar-se toda a vida, até ao fim. Ele foi uma pessoa que serviu sempre de mediador entre as duas comunidades.

Como explica não ter havido nessa altura, e noutras, derrame de sangue?
Isto nunca foi uma colónia, a situação de Macau e Hong Kong têm um processo histórico diferente. Há uma frase, que talvez não consiga citar bem, de Franco Nogueira que diz que isto é uma espécie de condomínio. Macau sempre foi uma coisa especial, desde a altura em que cá chegámos, no século XVI. Nunca tivemos plena soberania, era sempre partilhada, houve sempre um equilíbrio ténue com alguma capacidade diplomática. O século XVIII talvez tivesse sido o período mais frágil do poder político português. Isto porque a China atravessou um período forte, com os três grandes imperadores chineses do século XVIII. Aqui havia dois pontos de poder. O poder dos mandarins de Cantão e o poder imperial, e muitas vezes esses poderes não eram, propriamente, coincidentes.

Mas houve forma de ir equilibrando os pratos da balança.
Tivemos sempre uns diplomatas fantásticos, os jesuítas. Muitas vezes quando Macau tinha proximidade mais directa com Pequim, isso não era muito bem visto pelos mandarins. Esta proximidade de Pequim em relação a Macau, por vezes, entrava em conflito com os interesses de Cantão. Ao contrário, se tínhamos ligações mais estreitas com Cantão, esvaziava-se um bocadinho a nossa proximidade ao Império. O século XVIII foi difícil porque sentiu-se muito o poder mandarínico, através de legislação e restrição do comércio. O porto de Macau só podia ter um contingente de 25 barcos, se algum de estragasse e fosse necessário um novo, tinha de ficar com o registo do antigo. Era tudo muito controlado.

Entretanto, o cenário muda de figura.
O século XIX foi diferente. Por razões conjunturais, que não têm propriamente que ver com Macau, os portugueses puderam assumir um certo controlo. Houve a Guerra do Ópio, que acabou com a derrota humilhante da China e que culminou com a cessão de Hong Kong aos britânicos. Certo é que os portugueses aqui de Macau, por estarem perto de uma ilha ocupada por europeus, sentiram algum conforto. Em caso de necessidade podiam pedir protecção. Nessa conjuntura, era preciso que Macau ficasse munido de certas condições que Hong Kong tinha, para não desaparecer completamente. Então, D. Maria II implantou o porto franco de Macau, à semelhança do porto franco de Hong Kong, e as mercadorias podiam circular. Hong Kong sugou muita da energia económica de Macau, tivemos de mudar alguma coisa. Depois veio para cá o Governador Ferreira do Amaral que resolveu aplicar o domínio, a soberania portuguesa aqui em Macau, e pagou caro por isso, tendo sido assassinado. Isso fez, outra vez, tremer a posição de Macau. Mas continuámos cá, a presença portuguesa nunca teve interrupções. Este ano é o aniversário do primeiro Tratado entre Portugal e a China sobre a situação de Macau, que legitimava uma soberania limitada. O Tratado de 1887 trouxe uma alteração do estatuto político, que nos deu um bocadinho de alívio, apesar de continuarem os problemas quanto delimitações de Macau.

Entretanto, chega o século XX, a turbulência política e as guerras.
O século XX foi a afirmação do Partido Comunista Chinês, mas houve sempre aqui na parte sul, sobretudo em Cantão, uma afirmação nacionalista. Os próprios jornais de Cantão falavam sempre que os estrangeiros de Macau deviam sair, que isto era território chinês. Apesar do Tratado, Macau ficou sempre a ser um foco de conflito e reivindicação.

Como é possível, em plena Revolução Cultural, a China permitir um território ocupado por um país com um regime fascista?
Para já porque não lhes interessava, na altura, criar outro foco de conflito. Eles são muito pragmáticos. Mas havia algo sempre latente, subliminar. Mas o pragmatismo chinês também vem de uma noção de tempo diferente. Nós, ocidentais, temos a noção de tempo diferente de um chinês, somos muito impacientes. A questão de Macau teria de ser resolvida de acordo com o tempo e o modo que eles definissem. A Revolução Cultural, claro, tinha de ter ondas de choque aqui. Nessa altura, isto tremeu de facto. Mas depois, com alguma cedência da parte do poder português, a coisa, de certa forma, apaziguou-se. Mas as pessoas lúcidas daquela altura tinham a certeza de que a isto teria de ter um estatuto diferente num futuro próximo. Era inevitável e seria irreversível.

Em 1999 regressa a Portugal. Presumo que se lembre bem do momento da partida?
Lembro-me perfeitamente. Trabalhei tanto naqueles últimos tempos que tinha alguma vontade de regressar a Portugal, estava um bocadinho cansada de tanto trabalho. Mas em termos emocionais foi terrível. Tive de pensar: “Tens de pôr em prática alguma lucidez oriental, vive o dia de hoje, não penses muito no que vai ser amanhã, não penses muito que tens de te ir embora e procura esconder a emoção, procura amuralhar a emoção”. Preparei-me durante meses para que nos últimos momentos a minha emoção, o meu coração, estivesse preservado de emoções, porque tinha receio da minha reacção. Preparei-me psicologicamente para esse momento. Procurei vivê-lo, sempre muito desperta, mas sem interferência emocional, que depois veio em Portugal. Lembro-me de dizer, há muitos anos, que nunca mais poderia ser só de um sítio. O nosso coração fica dividido e tem de dar afecto a Macau, mesmo depois de regressar a Portugal.

Por que regressou a Portugal?
Tinha lá as minhas filhas e alguns problemas familiares para resolver. Não sei se foi boa opção. Estou em Portugal mas, sem querer exagerar ou ser piegas, não há um dia que não pense em Macau. Sou membro da Sociedade de Geografia de Macau, que está dividida em comissões, e eu sou vice-presidente da comissão asiática. Estou sempre com o pezinho no Oriente, sempre. Durante 13 anos, tive uma editora, a Tágide, e os temas fulcrais, a linha editorial que prevaleceu, era sempre o Oriente.

No sentido inverso, como é regressar a Macau?
Regressar é sempre uma emoção. Chego e aqui e fico espantada com as coisas novas que apareceram. Havia ali na Doca dos Pescadores uma espécie de um vulcão, até achava aquilo um bocado feio. Já lá não está. Noto que aquela parte junto ao mar está em completa e em contínua actividade, com mais terrenos conquistados ao mar. A primeira vez que regressei a Macau foi em 2000, poucos meses depois ter partido. Nessa altura, senti um ambiente um bocadinho estranho, embora os meus amigos chineses me tivessem acolhido muito bem. Mas, por exemplo, ao ver a fachada do Leal Senado fiquei triste por não ver o escudo português, mas temos de compreender. O que é que podemos fazer? Não podemos estar a chorar sobre as pedras da calçada, porque isto era natural.

Sente que a mudança foi assim tão grande?
Houve muita coisa que a RAEM preservou. Apesar de ter mudado a ordem da toponímia mantiveram os mesmos nomes, assim como a calçada portuguesa. Aqui ainda se respira um certo aroma português. No entanto, estamos a aproximar-nos de 2049. De acordo com a Lei Básica, a língua portuguesa é uma das línguas oficiais. Neste capítulo, a realidade não é assim tão forte como aquilo que está no papel. Esperemos que o bom senso prevaleça. O povo chinês e o poder político que vem de Pequim têm mostrado bom senso e respeito. É complicado o português sobreviver, mas vamos ver, enquanto estiverem cá portugueses, jovens que queiram cá ficar, isso é muito bom. É uma maneira de se continuar a falar a língua de Camões em Macau. Isso é que é bom, gente nova!

Aproveitou para matar saudades de Macau?
Tive oportunidade de ir passear com amigos, alguns que nunca tinham cá estado, pela Macau que eu gosto. Sem nostalgia, também gosto de movimento. Mas aquela Macau romântica, em que ainda há partes da velha muralha que dividia a cidade cristã. Fartei-me de andar e foi uma tarde muito boa. Andámos pelos becos e ruínas dessa Macau, que ainda é a do nosso tempo. Está cá e tem um lugar muito privilegiado no coração dos portugueses.

3 Abr 2017

Lei de Terras | Deputados querem reunir com Chefe do Executivo

Duas dezenas de deputados querem reunir com o Chefe do Executivo a fim de encontrar uma solução para os problemas levantados com a Lei de Terras. Esta sexta-feira será assinado um documento com sugestões que não passam pela criação de normas interpretativas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Assembleia Legislativa (AL) promete não ficar de braços cruzados no que à Lei de Terras diz respeito. Rejeitada a proposta do deputado Gabriel Tong, (ver página 4), um grupo de vinte deputados prepara-se para subscrever esta sexta-feira uma carta para agendar um encontro com o Chefe do Executivo, Chui Sai On.

O HM sabe que 13 deputados estiveram reunidos no passado sábado com o intuito de chegarem a uma solução, onde se incluem nomes como o de Kwan Tsui Hang e o vice-presidente da AL, Lam Heong Sang, em nome da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM). Au Kam San e Ng Kuok Cheong, bem como Chan Meng Kam e os seus parceiros de bancada, Si Ka Lon e Song Pek Kei, são também  subscritores da carta. Incluem-se ainda José Pereira Coutinho e o seu número dois, Leong Veng Chai, bem como os deputados que representam a União Geral das Associações de Moradores (kaifong), Ho Ion Sang e Wong Kit Cheng. O deputado Gabriel Tong, autor da proposta de interpretação já rejeitada, também deverá subscrever a carta.

Segundo disse José Pereira Coutinho ao HM, “os deputados subscritores não têm nenhuma intenção de avançar com normas interpretativas”. “A nova Lei de Terras não será mexida”, acrescentou.

“Pela primeira vez houve um consenso geral entre os deputados para se encontrar uma solução para resolver este imbróglio. Há que arranjar uma solução e ver até que ponto se pode, ao abrigo da legislação vigente, sem mexer na estrutura da Lei de Terras, definir uma solução para uma situação que consideramos dramática para a vida de muitas famílias”, disse ainda José Pereira Coutinho.

Já o deputado Au Kam San considerou que o Governo não pode continuar a adiar o caso. “O conteúdo da carta visa encontrar soluções para o caso Pearl Horizon. Por este caso envolver grandes benefícios públicos, esperamos que o Chefe do Executivo possa ter em conta a possibilidade de o resolver.”

Concurso público?

José Pereira Coutinho volta a apontar uma solução que já tinha apresentado no último plenário da AL, na semana passada. “A solução pode passar pela realização de um concurso público para o terreno em causa, e estabelecer condições ao nível do caderno de encargos.”

No debate de quinta-feira, Coutinho apontou uma ideia nova. “Será que é possível submeter uma proposta a concurso público do terreno, e inserir cláusulas para proteger os investidores? O Governo pode elaborar uma proposta para atingir este objectivo? Não sei se é viável ou não.”

Au Kam San alerta apenas para a urgência do caso. “O Governo disse que vai assegurar os benefícios dos pequenos investidores, mas não apresentou nenhuma medida concreta que mostre o que vai ser feito em prol dos que foram prejudicados”, apontou.

O HM chegou ainda à fala com o deputado Leonel Alves, que declarou não ter conhecimento desta iniciativa, pelo facto de não se encontrar no território. Foram ainda feitas várias tentativas para contactar outros deputados subscritores da carta a entregar a Chui Sai On, mas até ao fecho desta edição não foi possível.

3 Abr 2017

Lai Chi Vun | Área dos antigos estaleiros navais com novo plano

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]ai Chi Vun vai ter um novo plano. A promessa foi deixada pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas, que não tem ainda uma data para que o projecto esteja concluído. O governante diz que o processo não é incompatível com o procedimento de classificação do local

A zona dos antigos estaleiros navais da ilha de Coloane, em Macau, será alvo de um novo plano, após os anteriores terem ficado na gaveta por razões que desconhecidas, revelou o secretário para os Transportes e Obras Públicas.

“A razão pela qual vamos iniciar um novo plano é precisamente porque nenhum dos estudos anteriores chegou até ao fim, ou seja, nenhum obteve aprovação final”, disse Raimundo do Rosário aos jornalistas, no final de um plenário dedicado a interpelações orais dos deputados, incluindo uma versando sobre os antigos estaleiros navais de Lai Chi Vun, na ilha de Coloane.

O secretário afirmou, porém, desconhecer por que razão os planos anteriormente delineados para a zona ficaram na gaveta. O novo plano “vai ser coordenado pelas Obras Públicas, terá a colaboração da DSAMA [Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água] e terá a colaboração de outros”, sendo que todos os serviços interessados vão ser chamados a participar, “a emitir parecer nesse plano”.

“Olhemos para o futuro”, realçou Raimundo do Rosário, indicando que o novo plano irá definir designadamente o que se pode ou não fazer e qual é a vocação daquela zona, sendo que, segundo explicou, “até pode haver vocações diferentes para áreas diferentes”.

Actualmente, não há uma data concreta para a apresentação do plano. “Está a decorrer, neste momento, aquele processo administrativo de adjudicação”, que prevê a consulta a três entidades, afirmou.

“Só depois de escolher uma determinada entidade é que sabemos a proposta que essa entidade apresentou, as fases [e] a duração” de cada uma, explicou, detalhando que há ainda um período para o Governo aprovar cada etapa antes de se avançar com a seguinte.

À entidade a que for adjudicado o novo plano vão ser facultados “todos os estudos” que estiverem disponíveis na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e na DSAMA, complementou.

Uma questão de ajuste

Raimundo do Rosário esclareceu também que o novo plano não interfere com a abertura de procedimento para decidir se os antigos estaleiros navais na ilha de Coloane serão classificados como património cultural, anunciada no início da semana. “Acho que as duas coisas podem andar ao mesmo tempo – depois ajusta-se”, afirmou Raimundo do Rosário.

O Instituto Cultural (IC) anunciou, na semana passada, a abertura do procedimento de classificação dos estaleiros, definindo que, com esse gesto, ficam suspensas quaisquer intervenções na zona, sejam construções ou demolições.

No início do mês passado, dois estaleiros de Lai Chi Vun foram demolidos por razões de segurança, o que levou à apresentação de três petições a exigir a classificação daquele conjunto de estruturas na vila de Coloane.

Esse procedimento, que implica também uma consulta pública, não deve demorar mais de um ano, segundo o IC.

3 Abr 2017

Carlos Martins, secretário de Estado do Ambiente: “O empenho da China é a melhor memória que levo”

O secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, marcou ontem presença no Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau. A visita incluiu uma reunião com Raimundo do Rosário e ficou a possibilidade de colaboração futura. Ao HM, Carlos Martins falou das necessidades locais, do ambiente em Portugal e do empenho chinês na matéria

 

Do que constou a reunião que teve com o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário? Vai existir colaboração na área do ambiente entre Macau e Portugal?

Ficou no ar a possibilidade de virmos a estudar um protocolo que permita, naquilo que são as autoridades do ambiente nacionais, cooperar na área da educação ambiental, na capacitação de recursos humanos e na cooperação com empresas portuguesas. Foram identificados ainda os pontos fortes da região e as áreas em que pode necessitar, a curto prazo, de mais colaboração. Estiveram também presentes representantes das empresas que trabalham no sector e que, com certeza, tomaram boa nota do que pode vir a constituir uma oportunidade para o futuro. De relevante, ficou uma vontade recíproca de podermos vir a fazer um memorando que leve a um reforço da colaboração.

Que áreas foram identificadas como estando a precisar de uma intervenção mais rápida?

As questões relacionadas com transportes, a área dos resíduos e a qualidade do ar.

O que é que se pode fazer, em colaboração, na melhoria da qualidade do ar?

As fontes que influenciam a poluição do ar podem estar no próprio território e, como tal, a solução vem de dentro. Mas, como sabemos, a qualidade do ar está associada a um meio que recebe inputs que, muitas vezes, estão além das fronteiras físicas e territoriais e, desse ponto de vista, o controlo da qualidade torna-se mais difícil. Uma das questões que me pareceram mais problemáticas e consensuais está relacionada com a situação crítica associada ao excesso de veículos. É necessário um melhor controlo das emissões produzidas. Em Portugal também estamos nesse processo, sobretudo nos veículos de duas rodas, e já temos um histórico alargado. Do ponto de vista da indústria, não estamos num território que a tenha e, se esse risco acontecer, vem de fora. Temos experiência na monitorização da qualidade do ar, pelo que poderíamos vir a cooperar e a acompanhar a situação, bem como dar algumas competências na matéria. 

Esteve sempre associado à área da água. Como é que vê a situação de tratamento de águas em Macau?

Temos duas dimensões na água do território. Uma pareceu-me estar relativamente bem resolvida e está relacionada com os serviços públicos de abastecimento de água. Entra na esfera de manutenção e gestão de uma rede que já existe, e que agora terá mais procura do que teve no passado, fruto da maior densidade populacional que se tem vindo a registar, mas que parece ter uma tendência para a estabilidade. Neste domínio, em que Portugal também tem competências, não antecipo uma grande oportunidade porque estará a funcionar num quadro normal de estabilidade. No que respeita às águas residuais, temos experiência e know-how. Em Macau, a população tem aumentado, mas as estações de tratamento de águas residuais já têm alguns anos de operação, o que pode vir a determinar a sua modernização a médio ou curto prazo. É um território que, dado o desenvolvimento urbano que tem registado, deve ter maiores exigências com instalações deste tipo e ter uma especial atenção a questões de cheiros, à eficiência do tratamento da parte líquida e das próprias lamas que decorrem no processo. Temos muitas bandeiras azuis que resultam do mérito de gerirmos bem estas infra-estruturas. Há também casos em Portugal em que tivemos de modernizar estações importantes de tratamento de água com elas em funcionamento. São obras de uma grande complexidade no planeamento, às vezes mais do que fazer uma obra de raiz. Também neste sentido podemos dar o nosso contributo. Há uma outra dimensão da água que diz respeito aos recursos hídricos. Temos algumas situações que são referências internacionais, como o programa de despoluição do estuário do Tejo e a despoluição do rio Trancão, que era considerado o mais sujo da Europa. Em Macau, não haverá situações tão dramáticas quanto aquelas que tivemos de enfrentar com a limpeza do rio Trancão. De qualquer maneira, podemos partilhar as nossas metodologias. Neste momento, temos monitorização quer das massas de água, quer dos fundos do estuário, que fazemos em colaboração com as universidades e podemos pôr ao serviço da região, se for entendido que pode ser útil.

Há abertura por parte do território?

Fiquei com a ideia de que há uma grande abertura e interesse em podermos vir a concretizar o memorando e, à medida que as questões apareçam e sejam interessantes para as partes, podermos avançar.

Portugal está no sétimo lugar do ranking dos países no bom caminho na implementação de medidas coniventes com o Acordo de Paris. É uma boa posição?

Mais do que bom, é muito bom. Em termos internacionais, Portugal representa uma percentagem muito reduzida, mas é bom saber que estamos a fazer bem aquilo que são as nossas responsabilidades no âmbito do Acordo de Paris. O facto de termos feito uma grande aposta dentro do uso das energias renováveis também nos coloca no patamar da excelência. Em 2016, tivemos quatro dias e meio em que Portugal foi auto-suficiente à custa de energias renováveis. A aposta para os próximos anos está muito focada no melhor aproveitamento de um bem que temos: o sol. Temos muito sol, muitos dias por ano. Estamos a apostar na energia solar combinada com a renovação urbana. O Governo determinou que, para reanimar alguns sectores de actividade económica e melhorar a eficiência energética nos edifícios, é necessário um investimento muito grande em termos de reabilitação urbana recuperando o centro das grandes cidades, que tem estado muito abandonado. Na emissão de gases, estamos a investir nos transportes públicos através da renovação da frota, aumentando a oferta e, ao mesmo tempo, a dar valor ao uso individual de transportes com a criação de condições para que possam existir mais veículos eléctricos. Tudo isso combinado acaba por resultar naquilo que hoje é a nossa maior aposta: renovar o paradigma de consumo energético em Portugal. A ideia é ter a energia solar nos edifícios para produzir electricidade para as águas quentes e o calor. O projecto “casa eficiente” tem como objectivo tornar os edifícios mais ecoeficientes, sendo que temos uma má tradição: as construções não foram pensadas com qualquer preocupação energética. Tudo isto associado aos transportes, que ainda é a área que reúne as medidas com menos sucesso, Portugal pode ficar muito acima do sétimo lugar.

O que é que tem sido feito, concretamente, nos transportes eléctricos?

Estamos a testar autocarros eléctricos completamente produzidos em Portugal. Há dois autocarros na frota da Carris que integram estes testes.

O Governo não deveria dar o exemplo através da utilização deste tipo de veículos?

Lançámos recentemente um grande desafio nesse sentido aos municípios e tivemos 119 que se candidataram, e vão ter as frotas dos serviços ambientais todas elas eléctricas. Aproveitámos essa circunstância para colocar postos de carregamento e, assim, aumentar a rede de abastecimento que tem sido sempre uma limitação, dado o problema de autonomia dos veículos. Entre o Porto e o Algarve criámos uma rede de postos de carregamento rápido em que as pessoas, em dez minutos, podem carregar 80 por cento da bateria. As candidaturas também estão abertas às autoridades e o Ministério do Ambiente já tem por tradição o uso de veículos eléctricos. Estamos também a lançar o desafio a algumas empresas públicas, como as Águas de Portugal, para que possam vir a ter frotas eléctricas em grade parte dos seus serviços.

Já foram cancelados dois contratos relativos à prospecção e exploração de petróleo na costa portuguesa, e estão ainda dois em andamento. Porquê o cancelamento e que consequências têm estas iniciativas?

Os processos que foram cancelados tinham lugar na plataforma continental. Para já estão interrompidos e não irão prosseguir. Entravam em rota de colisão com aquilo que são os interesses e estratégias regionais que apostam no turismo. A associação dos municípios e os agentes económicos tinham muito receio que uma intervenção nesse sector pudesse fazer perigar aquilo que têm sido as estratégias de sucesso. Os processos ainda em curso não têm ilegalidades na concessão e ocorrem a muitos quilómetros de distância da costa. Estão ligados a procedimentos de outra natureza e que são, sobretudo, prospectivos. Servem essencialmente para fazer uma avaliação, mais do que para exploração, e devem continuar a seguir os procedimentos de licenciamento normais.

Como vê esta edição do Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau?

Pareceu-me importante a área expositiva que temos presente e o nível das empresas que cá estão. A nossa presença está na linha do que podemos considerar uma oportunidade, tendo em conta uma cultura e uma história que nos ligou a este território e, espero, continue a ligar. É do interesse da China esta colaboração, dado o nosso papel enquanto ponte com as economias dos países de expressão portuguesa. Fiquei surpreendido com o grande número de presenças que já será pouco frequente na Europa, mas que demonstra um outro potencial. A minha maior satisfação é ver que um país que tem um importante papel para o Acordo de Paris, como a China, tem um discurso assertivo e orientado para as questões do ambiente. O empenho da China é a melhor memória que levo. Já tinha observado, em Paris, que as autoridades chinesas estavam muito focadas nas questões ecológicas e agrada-me saber que esta é uma linha estratégica do país. Tendo em conta a sua quota de emissões no contexto mundial, é uma boa notícia. Com a participação da China na protecção ambiental podemos ter um contributo, à escala planetária, contra o aquecimento global. 

A posição de Donald Trump, pelo contrário, parece não ter em consideração a questão do aquecimento global. Representa, de algum modo, algum impasse?

Julgo que políticas como as do ambiente acabam por estar acima dos actores políticos momentâneos. São iniciativas feitas para durar gerações, pelo que as acções e posições das pessoas acabam por ser mais relevantes. Creio que as grandes empresas americanas, independentemente de um abrandamento da pressão de natureza governativa, não vão querer ser tidas como entidades menos empenhadas na matéria ambiental quando todos somos mais exigentes enquanto consumidores à escala global. Independentemente da flexibilidade que venha a ser dada pelas autoridades, estou convicto de que se imporá, ao tecido empresarial americano, um papel de responsabilidade e terão de ser agentes comprometidos com o ambiente.

31 Mar 2017

Saúde | Governo quer criar academia de medicina ainda este ano

O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, prometeu ontem que será criada a Academia de Medicina de Macau em meados deste ano, uma promessa feita nas Linhas de Acção Governativa para 2016. Quanto à construção de lares de idosos no interior da China, ainda não há planos

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo está prestes a cumprir uma promessa feita ainda em 2015, quando foram apresentadas as Linhas de Acção Governativa (LAG) para o ano seguinte. Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, disse ontem na Assembleia Legislativa (AL) que o Executivo tem a intenção de criar a Academia de Medicina de Macau, pelo menos até ao final deste ano.

“Estamos a envidar muitos esforços ao nível dos recursos humanos. Em meados ou até finais deste ano vamos ter uma academia de medicina, e também iremos aumentar o número de pessoal, sobretudo ao nível dos médicos especialistas”, disse o secretário.

Alexis Tam quer contratar mais médicos e aumentar o número de camas disponíveis, de modo a responder aos padrões decretados pela Organização Mundial de Saúde. “Creio que actualmente conseguimos cumprir as regras internacionais. Em 2020, e isso está explícito no Plano de Desenvolvimento Quinquenal de Macau, vamos aumentar o número de camas de 2,8 para 4,4 por cento por cada mil habitantes. Quanto aos enfermeiros, queremos aumentar de 3,5 para quatro por cento. Vamos conseguir isso no futuro. Queremos ainda contratar médicos especialistas qualificados ao exterior, incluindo Portugal.”

Contudo, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura voltou a admitir que é necessário aumentar os salários dos médicos. “Temos de rever o quadro do nosso pessoal médico porque, de acordo com o actual regime, será difícil contratar médicos de alta qualidade.”

Lares na China sem plano

Alexis Tam foi à AL responder a uma interpelação escrita do deputado Si Ka Lon, que versava sobre os apoios à população idosa. O secretário adiantou que não há qualquer plano para a construção de lares de idosos na China, uma possibilidade que foi há tempos levantada.

“No que toca aos trabalhos de construção de lares de idosos no interior da China, devido ao facto da aquisição de terrenos para o efeito ser a título oneroso, e como o método da sua utilização e o cálculo do preço carecem de um estudo bilateral pragmático, rigoroso e prudente entre Macau e Guangdong, actualmente não existe ainda uma proposta concreta nesse sentido”, apontou o secretário.

O deputado Mak Soi Kun chegou a questionar Alexis Tam sobre a possibilidade de comprar terrenos em Zhuhai em hasta pública para esse efeito, mas o secretário apenas prometeu a construção de mais centros de saúde.

“Em finais deste ano teremos mais dois centros de saúde, no início do próximo ano teremos mais um. Vamos tentar aumentar o número de camas até às 2400. As nossas políticas viradas para os idosos não são más e creio que no estrangeiro não há muitos países que tenham estes apoios”, concluiu o governante.

31 Mar 2017

DSAL | Trabalhadores do jogo pedem mais benefícios

A Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais recebeu ontem duas cartas de representantes dos trabalhadores do sector do jogo a solicitar mais benefícios e maior justiça. Em causa estão salários, férias e despedimentos sem justa causa

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s trabalhadores do sector do jogo pediram ontem mais benefícios e protecção para a classe. Em carta dirigida a Wong Chi Hong, responsável pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a Associação de Avanço dos Trabalhadores de Jogo reivindica o aumento de salários, o pagamento de bónus extra e uma melhor distribuição de férias e feriados.

Chan Chi Kin, director da associação, argumentou que, apesar da diminuição das receitas dos casinos nos últimos anos, as operadoras não deixaram de ter lucros significativos. Como tal, os trabalhadores mostram-se descontentes. “Não estamos satisfeitos com o aumento salarial do ano passado porque não acompanhou a inflação”, lê-se na missiva.

De modo a ter um tratamento mais justo, os funcionários querem passar a receber 14 meses anuais e 20 por cento dos lucros das operadoras. De acordo com Chan Chi Kin, as medidas exigidas “não vão aumentar a pressão das operadoras”.

Os trabalhadores consideram que, se a pretensão for atendida, o desempenho profissional será melhor. “Quando o dinheiro ganho é partilhado, trabalhamos mais”, referiu o director da associação.

Por outro lado, a calendarização dos dias de trabalho também não é tida como justa e, argumenta, acarreta problemas de saúde. “Os horários são irracionais, sendo que há alturas em que trabalhamos nove dias seguidos.” A má calendarização de dias de folga é considerada fonte de stress e razão para o desenvolvimento de problemas físicos.

Despedimentos baratos

Também ontem, a directora da Associação Nova dos Direitos e Interesses dos Trabalhadores de Jogo, Cholee Chao, manifestou à DSAL o desagrado dos seus associados. Em causa estão cerca de 20 despedimentos sem justa causa no casino do Lan Kwai Fong.

“Recebemos muitas queixas de trabalhadores do Lan Kwai Fong relativas a ameaças em que, em caso de denúncia, consideram o despedimento”, declarou. A directora disse ainda que as queixas tiveram início com dois casos, sendo que o aumento tem sido significativo.

Quanto aos argumentos dados pelas operadoras, indicou a responsável, “nalguns casos limitaram-se a dizer que o funcionário não preenchia os requisitos da empresa” pelo que considera tratar-se de uma acção sem justa causa.

Para Cholee Chan, os dados são chocantes, mais ainda porque o Lan Kwai Fong é uma empresa de pequenas dimensões. Os trabalhadores denunciaram ainda que a empresa contratou cerca de 30 novos profissionais que recebem “apenas 9000 patacas mensais”. Para os funcionários, os despedimentos tiveram na sua génese o objectivo de novas contratações por salários mais baixos.

31 Mar 2017

Melinda Chan, deputada: “Nós, as mulheres, temos as mesmas capacidades”

A deputada Melinda Chan ainda não dá certezas quanto à sua candidatura nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa. Ao HM, falou do caminho que percorreu e das suas prioridades. E apontou ideias pelas quais quer continuar a lutar

 

É candidata às próximas eleições legislativas?

Ainda estou a pensar. Tenho de reunir uma equipa e depois tenho de verificar o mais importante: saber se as pessoas também querem que eu continue. Não sou só eu que tenho de querer, o mais importante é sentir que sou apoiada.

Passou a ser deputada quando o seu marido, David Chow, deixou a Assembleia Legislativa (AL). Sente que foi um legado que herdou?

Candidatei-me pela primeira vez em 2009. O meu marido tinha sido deputado desde 1996, ainda antes da transferência de Administração. Eu já estava, desde 2002, à frente da associação de beneficência Sin Meng. Em 2009, existiram duas razões para que me sentisse motivada a candidatar-me à AL. Por um lado, David Chow reformou-se da função de deputado. Com a sua saída, as pessoas que ele representava ficariam sem um porta-voz que protegesse as suas opiniões. Era minha responsabilidade continuar o trabalho, até porque muitos dos problemas da altura ainda estavam sem solução. Por outro, ao lidar com os membros da associação que representam diferentes classes da população com necessidades também diferentes, senti que tinha a responsabilidade de trabalhar com eles.

Na altura, que necessidades exigiam uma intervenção mais urgente?

A segurança social, especialmente no que dizia respeito às pensões dos idosos. O montante era então de 1700 patacas e, na minha opinião, tinham de ser aumentadas para, pelo menos, três mil patacas. Ouvi dizer que seria uma missão impossível por ser um aumento muito grande. Mas certo é que consegui. Os cuidados hospitalares também eram urgentes. A população idosa tinha de esperar muito tempo para ser atendida. A lei do erro médico, recentemente aprovada, também foi uma luta. Outra causa que sempre tive foi a legislação contra a violência doméstica. O início da discussão na AL foi muito difícil e o mais importante era fazer entender aos deputados o que estava em causa.

Tem lidado com portadores de deficiência na sua associação.

As necessidades com os deficientes também são muitas. A ideia de aumentar os seus rendimentos ou os apoios financeiros do Governo não é suficiente. O cuidado para com esta população deve ser tido desde que nascem e começa no rastreio. É necessário formar equipas médicas capazes de os acompanhar e ajudar a obter ferramentas para que um dia possam ser o mais autónomos possível. O sistema educativo deve acompanhar estes cuidados e fornecer meios para acolher portadores de deficiência. Deve existir um ensino especial munido de profissionais e especialistas. Também acho que temos feito muitos progressos, mas o Governo deveria investir mais recursos financeiros na criação de toda uma estrutura capaz de ajudar esta população. Deveria ser dada em dois sentidos: cuidados médicos e educação especial. A percentagem de fundos dirigida a esta população em Macau ainda é muito reduzida.

Em 2013, dizia que uma das suas prioridades era a reforma de Administração Pública. Como correu este trabalho?

O problema da Administração Pública de Macau é, acima de tudo, a lentidão. Tudo o que se pretenda fazer implica demasiada burocracia. Precisamos de mudanças no sentido de diminuir o número de procedimentos. As decisões têm de ser mais rápidas na base. Por exemplo, a ponte Hong Kong-Macau- Zhuhai, irá abrir, em princípio, no final deste ano, mas, dadas as complexidades burocráticas, temo que o troço de Macau não possa estar aberto ao mesmo tempo que os outros. Macau vai ficar mais tempo isolado e gostava que isto não acontecesse. Já vivo aqui há cerca de 50 anos, já é a minha terra e gostava de ver o seu desenvolvimento mais fluido porque Macau é um bom sítio. Outra questão que não me agradava, por exemplo, há 30 anos, era a comparação de Macau a Hong Kong como se o território vizinho fosse a cidade grande e Macau um pequeno lugar. Mas penso que isso está a mudar. No entanto, tem de ser uma mudança apoiada e com consciência por parte de todo um Governo e de políticas que o permitam.

Como é que vê Macau enquanto “plataforma”?

Macau é muito especial porque temos vários contrastes que dificilmente se encontram noutros lugares. Temos a cultura chinesa e a ocidental dentro de uma cidade pequena. Temos património mundial a conviver com os casinos e hotéis de cinco estrelas. As pessoas podem ter contacto com coisas muito diferentes num pequeno espaço. Faz parte da identidade de Macau e até o Governo Central dá ao território uma denominação especial enquanto plataforma. Não nos podemos também esquecer que, aqui, convivemos com a língua portuguesa, pelo que temos uma situação privilegiada e que devemos usá-la da melhor maneira.

Como?

Podemos pensar em formas de melhorar o conceito de plataforma, tendo em mente a utilização da língua portuguesa. Na China Continental, mesmo em Cantão, há muitas fábricas que exportam os seus produtos. Macau podia ser o local de excelência a considerar na exportação dos produtos entre o Continente e os países de língua portuguesa enquanto plataforma logística. Hong Kong, por exemplo, tem um porto marítimo conhecido historicamente pelas trocas comerciais. Macau tem uma grande vantagem linguística e como tal podia investir no desenvolvimento de estruturas logísticas. Isto é só um exemplo de como podemos tirar o maior partido da “plataforma”. O território pode ter o mesmo papel que Hong Kong, mas enquanto o território vizinho leva muita coisa para o Continente, nós podíamos fazer o inverso: levar para os países de língua portuguesa. Posteriormente, poderíamos aproveitar os mercados em desenvolvimento e que estão muito perto de nós, como o Camboja e o Laos. Além de um porto para o efeito, podemos ainda usar a ponte que está a ser construída, desde que salvaguardemos a liderança nos processos logísticos. Também existe o problema do aeroporto. É muito pequeno e já não se adequa nem às necessidades turísticas enquanto centro de turismo mundial, nem às necessidades para transporte de cargas. Macau deveria ser uma plataforma comercial e logística.

A lei sindical não tem chegado a consensos. A sua opinião também não tem sido clara. Como é que vê uma futura implementação do diploma no território?

Sou a favor da criação da lei sindical, mas temos de resolver outro tipo de problemas antes para que seja viável. Macau é diferentes de outras regiões porque tem muitas associações de trabalhadores. No mesmo tipo de emprego, há várias associações. Este é um dos problemas. Há cerca de 700 associações neste momento, não seria fácil ter uma entidade de defesa, como um sindicato que agradasse a todas elas porque têm ideias e interesses diferentes. Por exemplo, só para os enfermeiros há várias e a questão é: quem é que os passaria a representar? Outra questão tem que ver com os financiamentos. Noutras regiões, os sindicatos não são subsidiados pelo Governo e têm de ir buscar os fundos aos associados. O que é que se pode fazer em Macau neste sentido, sendo que as associações são financiadas pelo Executivo? Em terceiro lugar, também gostaria de ver claro um outro assunto: se existirem associações sindicais e estas terminem a actividade, para onde vai o dinheiro que lhes pertence? Vai ser dividido pelos seus membros? Seria justo dividir o património pelos seus membros. Isto tem de estar definido por lei. Quando estas questões estiverem devidamente clarificadas, votarei a favor do diploma. Não sou em nada contra os princípios sindicais, mas tem de existir um limite nas associações sindicais e não sei como isso iria acontecer em Macau. Se vamos ter uma nova lei, deve ser justa para ambas as partes.

Se se candidatar nas próximas eleições, quais serão as suas prioridades?

Em primeiro lugar, estarei sempre junto daqueles que têm mais dificuldades em expressar-se. Por isso, estarei, mais uma vez, a lutar pela inserção da população portadora de deficiência. Esta população não tem capacidades para lutar pelos seus direitos. Penso também que Macau precisa de algumas mudanças e continuarei a reivindicar mais rapidez na administração pública. Quero, se possível, trabalhar na área dos negócios, essencialmente na variedade de emprego. Este objectivo está associado a um bom funcionamento da segurança social. Para termos um bom sistema, temos de garantir uma economia viva e diversificada. O Governo já disse que não podemos estar apenas dependentes dos casinos e que temos de ser diversificados. Eu quero pegar nesta ideia e promovê-la. Lido com muitos jovens que, depois de irem para a faculdade, regressam a Macau e não têm trabalho nas suas áreas porque não existem. Acho que é muito importante alargar os sectores de empregabilidade além do jogo e do turismo. É preciso promover mais escolhas e mais tipos de negócios.

Considera que a imigração rouba empregos aos locais numa sociedade em que o desemprego é residual?

A mão-de-obra estrangeira é importante para o desenvolvimento de Macau No que respeita a quadros especializados, o território precisa de chamar peritos de fora para trabalhar e, ao mesmo tempo, formar os nossos residentes. Precisamos de tempo para desenvolver as nossas capacidades. As pessoas saem da universidade sem experiência, é necessário que a adquiram com pessoas que a tenham, e ter peritos de fora a dar formação ajuda muito. Por outro lado, no que respeita a trabalho ligado ao serviço na hotelaria e construção, Macau precisa de importar mão-de-obra porque não temos pessoas para esse tipo de serviço.

No domingo passado, Carrie Lam venceu as eleições em Hong Kong. Que comentário faz?

Fiquei muito contente. Penso que é uma mulher muito trabalhadora e boa para as pessoas. Tendo em conta o seu trabalho nos últimos anos, tem mostrado que é responsável. Muitos países começam a ter mulheres como líderes. Penso que é muito positivo que a tendência esteja a acontecer em Hong Kong. Nós, mulheres, temos a mesma educação e as mesmas capacidades, pelo que espero que esta igualdade se comece a sentir na política. Também penso que as mulheres têm sensibilidade para coisas que os homens não têm.

O que acha da possibilidade de existir em Macau a eleição do Chefe do Executivo através de sufrágio universal?

Macau irá ter o sistema de voto universal, só não sabemos quando.

30 Mar 2017

Lusofonia | São Tomé e Príncipe adere ao Fórum Macau

São Tomé e Príncipe faz, a partir de ontem, parte Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. O país deixou de ter relações com Taiwan e passou a estar próximo de Pequim. Ficou também mais perto de Macau

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] partir desta reunião, São Tomé e Príncipe já é um país participante do nosso Fórum”, disse ontem a secretária-geral do secretariado permanente do Fórum Macau, Xu Yingzhen, no final da reunião em que foi aprovada a integração do país, três meses depois do corte das relações diplomáticas com Taiwan.

Segundo Xu, todos os membros concordaram com a integração de São Tomé. “O nosso Fórum fica mais completo, já temos todos os países de língua portuguesa neste fórum. Desejo que São Tomé possa beneficiar deste mecanismo”, disse.

Quanto a uma possível adesão da Guiné Equatorial, a secretária-geral disse não ter qualquer notícia. “Não foi um tema discutido na reunião”, indicou.

O próximo passo será a escolha do delegado e participação nas actividades. “Depois desta reunião já pode participar activamente em todas as acções do secretariado permanente, mas como membro novo tem de ter tempo para estudar e pensar em quais actividades lhes convém participar”, explicou.

No dia 20 de Dezembro, São Tomé e Príncipe cortou relações diplomáticas com Taiwan e reconheceu a República Popular da China. Seis dias depois, a China anunciou o restabelecimento dos laços diplomáticos com o país.

São Tomé e Príncipe encontrava-se, até agora, excluído do Fórum Macau devido às relações com Taiwan.

Criado em 2003 por Pequim, o Fórum Macau tem um Secretariado Permanente e reúne a nível ministerial a cada três anos.

Na V Conferência Ministerial, em Outubro último, não esteve qualquer representante de São Tomé, apesar de o país ter participado como observador nas reuniões do Fórum e de, em 2013, ter enviado, pela primeira vez, um representante com a categoria de ministro.

Fundo antes de Julho

Xu Yingzhen disse ainda que a mudança da sede do fundo chinês de mil milhões de dólares destinados a investimentos de e para o universo lusófono para Macau deve acontecer na primeira metade deste ano.

“O Banco de Desenvolvimento da China está a discutir com o Governo da RAEM para acelerar os passos para trazer a sede principal para Macau. Acho que na primeira metade deste ano vai estar aqui”, afirmou.

A mudança da sede do fundo para Macau foi anunciada em Outubro do ano passado e esperava-se que pudesse acontecer ainda em 2016. Já em Janeiro deste ano, a directora-geral da empresa de gestão do fundo, Jin Guangze, disse que a equipa estava “a trabalhar nos aspectos jurídicos” para que tal se “concretize o mais rápido possível”.

O fundo, com o valor global de mil milhões de dólares, aprovou até agora três projectos, em Angola, Moçambique e Brasil.

O projecto de construção de uma estância turística em Cabo Verde, que vai inaugurar a indústria de jogo no país, do empresário de Macau David Chow estava, em Janeiro, “na fase de análise, mas quase a finalizar”, estando em causa o financiamento em 20 milhões de dólares. “Já finalizámos quase todas as etapas, só falta uma aprovação para poder arrancar esse projecto”, disse na altura Song Feng, diretor-geral adjunto do departamento de gestão do fundo.

30 Mar 2017

CAEAL | Comissão garante liberdade de expressão durante campanha

Vinte dias depois de a Associação de Imprensa de Língua Portuguesa e Inglesa de Macau ter solicitado esclarecimentos à Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa, o pedido continua sem resposta. Mas fica a promessa de que vai haver diálogo com os jornalistas

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]arece prosseguir a indefinição sobre o que distingue propaganda eleitoral e livre exercício do jornalismo no discurso da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL). No passado dia 8 de Março, a comissão realizou uma palestra com os media sobre as consequências das alterações à lei eleitoral, dando eco às preocupações de alguns deputados com a actuação da comunicação social. Aí, foi referido que os conteúdos que dirigem a atenção do público para algum candidato, que fomentem o voto, ou o desencorajem, podem ser alvo de sanção durante o período de proibição de campanha eleitoral. Não foram mencionados quaisquer critérios sólidos na avaliação dos conteúdos informativos.

Ora, uma entrevista acarreta, obviamente, atenção sobre o que é dito por um entrevistado, sendo impraticável atingir igualdade de tratamento entre candidaturas. Como tal, essa palestra levantou questões sobre a liberdade de imprensa, motivando um pedido para uma reunião da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) à comissão. Até à hora de fecho desta edição, não tinha sido dada qualquer resposta à solicitação.

Ontem, à margem de uma reunião da comissão, Victor Chan, membro da CAEAL e porta-voz do Executivo, fez referência ao encontro de 8 de Março para sustentar que “a situação ficou clara”. O problema é que foi, exactamente, na sequência dessa palestra que nasceram as dúvidas que originaram o pedido de reunião da AIPIM.

O membro da comissão referiu que a associação “não tem questões novas” e que será mantida “uma relação estreita” com a associação – não explicou, porém, em que moldes será garantida esta comunicação.

José Carlos Matias, presidente da AIPIM, refere que foi “enviado um email com um pedido formal de reunião à CAEAL”, ao qual ainda “não foi dada resposta oficial”. A associação aguarda, assim, uma reacção da comissão presidida por Tong Hio Fong.

Ainda a propósito das dúvidas que subsistem entre os media de língua portuguesa e inglesa, o porta-voz do Executivo garante que, mesmo depois das alterações à lei eleitoral, “será salvaguardada a liberdade de imprensa”.

Questionado sobre se a reunião com a AIPIM acontecerá, Victor Chan não faz promessas: o também director do Gabinete de Comunicação Social refere que tem de “ver a situação real”, e que a comissão não pode reunir com todas as associações, uma vez que têm de ser tidos em conta o tempo e a agenda de todos os membros da CAEAL.

Ambiente na campanha

No que toca aos assuntos discutidos na reunião da comissão, foi anunciado o contacto com uma associação dos direitos dos portadores de deficiência visual, onde foram discutidas as dificuldades que este segmento da população pode ter no momento de votar. Nesta matéria, o presidente da CAEAL, Tong Hio Fong, refere que serão realizadas reuniões com “representantes de mais três associações” de direitos dos invisuais de forma a “recolher mais opiniões e preocupações”.

Em causa estão questões como o design do boletim de voto, tendo sido anunciado que a CAEAL quer oferecer aos portadores de deficiência visual mais escolhas para que possam votar pessoalmente. Nesse sentido, vão ser criadas assembleias de voto de simulação para este segmento do eleitorado.

É de salientar que, em eleições anteriores, os invisuais exerceram o seu direito de voto por intermédio de uma pessoa de confiança, normalmente um familiar ou um amigo.

Foram discutidos, também, os efeitos que a campanha eleitoral pode ter no ambiente, nomeadamente pela poluição sonora que pode provocar. Como tal, a CAEAL reuniu com a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental e pediu aos serviços a elaboração de um estudo para aferir até que ponto os decibéis da propaganda eleitoral podem ser prejudiciais. Esta medida incide, particularmente, nos eventos de campanha ao ar livre, assim como na circulação de camiões apetrechados com megafones. Nestes casos, prevê-se que seja implementada a imposição de limites de volume.

Como a CAEAL conta com um aumento do número de eleitores, foram discutidas a possibilidades do aumento das assembleias de voto, assim como a sua relocalização para zonas mais densas em termos de população, como o norte de Macau. Procura-se a eficiência, a facilidade de funcionamento dos locais de votação e o conforto do eleitor. Neste capítulo, é de referir que existem no território 33 assembleias de voto, estando a ser equacionadas a criação de mais uma ou duas, suplentes.

30 Mar 2017