Reportagem | Os rostos por detrás do investimento do Pearl Horizon

Afirmam que não são ricos. Uns são engenheiros e advogados, outros são reformados e comerciantes. Venderam o que tinham para comprarem uma casa melhor. Quem adquiriu apartamentos em regime de pré-venda no edifício Pearl Horizon, cujo terreno o Governo quer reaver, não sabe o que esperar do futuro

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cinco anos, o mercado imobiliário parecia promissor. Os empreendimentos no Cotai estavam a ser construídos a todo o vapor e comprar uma casa era visto como o investimento mais acertado a fazer. Na zona da Areia Preta, o edifício Pearl Horizon prometia casas de luxo com vista para a China.

Chan, que trabalha na produção de tofu, nem pensou duas vezes. Ele e a mulher decidiram que era altura de aplicar as poupanças de uma vida. “Quando decidi comprar o apartamento, pensava que o preço das casas ia aumentar continuamente e que o promotor [Polytec] tinha capacidade para fazer o projecto. Não sabia muito sobre a lei, e decidi vender a minha casa antiga para dar a entrada na nova casa”, contou ao HM.

O empréstimo foi pedido e autorizado. O sonho de ter um andar de luxo para si e para a sua família desfez-se alguns anos depois. “Agora tenho de pagar mais de 30 mil patacas por mês ao banco, nem sei quando é que acaba o meu empréstimo. Não tenho qualquer esperança”, assume.

Se os dias de Chan se tornaram agitados, as noites transformaram-se num pesadelo. “Acordo sempre de madrugada e não consigo dormir. Só resta um vazio, para mim tudo isto é como se fosse o fim do mundo.”

Dias hipertensos

Desde que o Governo decidiu reverter o terreno concessionado à Polytec, após ter terminado o prazo de 25 anos de concessão, que as noites dos que compraram as casas em regime de pré-venda se transformaram num pesadelo. Vários investidores que falaram com o HM têm um discurso semelhante: os comprimidos para dormir tornaram-se nos seus melhores aliados.

Sam começa a falar e mostra de imediato todo o arsenal de comprimidos que toma diariamente. As lágrimas caem-lhe do rosto. “Comecei a tomar isto há um ano. Vou à clínica por ter o tratamento gratuito, mas já me disseram que não conseguem curar as minhas doenças e querem passar-me para o Centro Hospitalar Conde de São Januário. Tenho hipertensão e problemas de coração.”

Esta reformada de 60 anos, com quatro filhos, pensou que poderia ter uma casa com as poupanças que conseguiu juntar, mais a ajuda dos filhos. “Agora perdi a casa que tinha e os meus filhos não me vão ajudar a pagar o empréstimo, porque têm de pagar a renda das casas onde vivem. Neste momento tenho uma mensalidade de 30 mil patacas.”

Actualmente, Sam vive com mais quatro pessoas numa casa. Dos quatro filhos, dois ainda estão a estudar. Um deles divorciou-se há pouco tempo e precisa de sustentar a filha.

“Somos vítimas”

A Lei de Terras entrou em vigor em 2013 e poucos adivinhavam o que iria suceder. O Governo e os deputados à Assembleia Legislativa (AL) aprovaram o diploma sem que tenha ficado escrito, preto no branco, o que iria o Executivo fazer no caso de ser o responsável pela falta de aproveitamento dos terrenos concessionados. Havia o passado Ao Man Long e os anos de inércia que se seguiram: quem trabalhava no sector queixava-se publicamente da incapacidade de decisão no seio das Obras Públicas. A apatia que se apoderou de quem tinha de dar andamento a plantas e projectos chegou a ser amplamente debatida na AL.

Nalguns terrenos que, nos últimos tempos, o Governo tentou recuperar, já estavam a decorrer construções, muitas poupanças já estavam a ser investidas, à espera das chaves que iriam mudar vidas.

Sonny é engenheiro e clarifica de imediato: “Nenhum de nós que está aqui é rico, não somos ricos”. Sobre o caso Pearl Horizon, Sonny lamenta que exista a ideia de que quem teve dinheiro para avançar para a aquisição das fracções tem hoje uma vida sem preocupações financeiras.

“Decidi comprar a casa para a minha filha, que ainda está na universidade. Nós é que somos as vítimas de tudo isto. Vendemos casas, pedimos dinheiro emprestado ao banco e muitos de nós ficaram na rua”, vinca. “Ainda estou a trabalhar, ganho cerca de 20 mil patacas por mês e vou precisar de pagar a educação da minha filha.”

Sonny afirma que este foi o caso que mais o fez sentir-se desiludido em relação ao Executivo. “O Governo não nos deu qualquer resposta e não toma uma decisão sobre o que vai fazer. Isso é lamentável. Respeitamos a lei para comprar esta casa, pedimos ajuda a um advogado, mas o Governo ainda vem dizer que temos de cumprir a lei. Não tem em consideração as necessidades das pessoas”, acusa.

Este engenheiro aponta o dedo também aos deputados. “Foi a Assembleia e o Governo que criaram esta lei e que a aprovaram, mas não tiveram em consideração o que poderia acontecer. Deviam ter pensado no futuro das pessoas. Sei que uma mulher morreu há cerca de três meses por causa disto, mas o Governo nunca teve essa percepção.”

Ir à confiança

No debate mais recente da AL, na semana passada, a Lei de Terras voltou a ser tema central de uma discussão que durou quase duas horas. Um pequeno grupo de investidores do Pearl Horizon foi ao hemiciclo em representação das 300 famílias que estão envolvidas no caso. Delia foi uma das pessoas que aplaudiu todas as intervenções dos deputados.

Filha de um casal que tem uma empresa de importação de roupas de grandes marcas do mundo da moda, Delia chegou a trabalhar no Reino Unido e não entende como é que a implementação de uma lei pode originar um problema desta natureza.

“Quando decidimos comprar um apartamento no Pearl Horizon sabíamos que a Polytec é uma empresa listada na bolsa de Hong Kong, e que já tinha construído vários empreendimentos em Macau. Eu própria vivo num prédio construído pela Polytec. Em 2011 foi feito o primeiro pagamento. Naquela altura todos queriam comprar uma casa e muitos estavam a investir”, recorda Delia.

“Em todo o mundo, quando se decide comprar uma casa, é o mesmo sistema. Seguem-se as regras, contrata-se um advogado. A minha família confiou no projecto e no sistema jurídico”, disse ainda.

Choi sabia que comprar uma casa quando o edifício ainda não está totalmente construído poderia ser um risco, tinha conhecimento de casos antigos. Ainda assim, avançou. Tudo apontava para um investimento com um final feliz.

“Sabíamos dos problemas que podiam acontecer com as fracções e perguntámos quando é que poderíamos ter a nossa casa. Quando nos confirmaram a data do início das obras, decidimos comprar. Não percebíamos nada de leis, mas pedimos ajuda a um advogado e o Governo recebeu os nossos impostos. Achámos que isso seria uma garantia”, notou o investidor.

Choi também chora quando conta todo este percurso, iniciado em 2014. “Perdemos a casa e o meu filho de 27 anos já não tem um sítio para morar. Contribuímos com o nosso dinheiro e as nossas reformas. A culpa não é nossa. Agora só podemos pedir ajuda ao Governo.”

Leong, já idosa, vivia num prédio de cinco andares e quis ter uma nova casa com elevador, para poupar as pernas. “Queria viver com os meus filhos num prédio com elevador. Vendi a minha casa e usei esse dinheiro para pagar a primeira tranche do empréstimo. Mas agora aconteceu isto e não sabíamos nada sobre a concessão de 25 anos.” A idosa não se lembra de história assim: “Nunca pensámos que o Governo iria reverter o terreno. Em Macau nunca aconteceram essas coisas”.

A reformada recorda que antes “havia o medo de que o promotor recebesse o dinheiro das pessoas sem acabar a construção do prédio”. Mas, observa Leong, com a Polytec aconteceu tudo de forma diferente.

“O promotor sempre quis construir o prédio e o Governo decidiu recuperar o terreno. O que vamos fazer com o dinheiro que já gastámos? Gastámos o dinheiro que juntámos toda a vida. Estou a falar com as mãos a tremer, comecei a ter problemas de coração”, disse.

Com o processo do Pearl Horizon ainda em tribunal, o Governo afirma nada poder fazer, embora as críticas não parem de chegar. No último debate na Assembleia, vários deputados falaram da falta de tecto de muitos, dos problemas de saúde que se acumulam, de pequenas tragédias que vão acontecendo. Os representantes do Governo disseram apenas que, até ao momento, nenhum pedido de apoio psicológico chegou ao Instituto de Acção Social. Mas do outro lado, a realidade é outra, sem que haja quaisquer perspectivas de futuro ou de recuperação do dinheiro investido. Muitos já deixaram de pagar os seus empréstimos aos bancos, desconhecendo-se a reacção da banca a este episódio que mudou a vida da sociedade e com impactos difíceis de calcular para a própria economia.

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