BRICS | Encontro de Xi e Putin enviou “sinal positivo”, diz imprensa

A cimeira que reúne o grupo de economias emergentes termina hoje, com a imprensa chinesa a considerar que o diálogo entre os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin trouxe ao mundo um “sinal positivo”. Putin sugeriu que a mediação do conflito com a Ucrânia seja levada a cabo pela China, o Brasil e a Índia

 

Foi esta terça-feira que Xi Jinping, Presidente chinês, e Vladimir Putin, líder da Rússia, se encontraram em Kazan, cidade russa onde decorre mais uma cimeira dos BRICS, grupo de economias emergentes de que são fundadores não apenas a China e Rússia, mas também o Brasil e a Índia.

A cimeira dos BRICS chega hoje ao fim e espera-se que mais países possam entrar para o grupo. Porém, o foco desta reunião foi mesmo o encontro entre Xi Jinping e Putin, descrito ontem pela imprensa chinesa como um “sinal positivo” enviado ao mundo.

No encontro, Xi Jinping defendeu a “amizade inabalável” da China com a Rússia “apesar da situação internacional turbulenta”, e descreveu o bloco de economias emergentes BRICS como uma plataforma que vai contribuir para o advento de “uma ordem multipolar estruturada” e de uma “globalização económica acessível a todos”.

De acordo com Xi, o terceiro encontro com Vladimir Putin, este ano, acrescenta “um novo capítulo à amizade entre a China e a Rússia”, que “permanecerá inalterada”. “Xi e Putin já se encontraram mais de 40 vezes, estabelecendo uma forte relação de trabalho e uma profunda amizade pessoal. Os dois líderes mantêm uma comunicação aberta sobre questões estratégicas e são um exemplo de como devem ser as interações entre as grandes potências”, referiu o jornal oficial chinês Global Times, em editorial.

A publicação sublinhou que o encontro, que demonstrou a “confiança estratégica” entre a China e a Rússia, enviou “um sinal positivo” ao mundo porque indica que a relação é “independente e livre de interferências externas”.

“Alguns órgãos de imprensa ocidentais aumentaram a hostilidade em relação à Rússia nesta cimeira. Estão também a tentar desacreditar a cooperação entre a China e a Rússia com alegados confrontos entre blocos”, lê-se no editorial.

O jornal defendeu que os laços sino-russos “desempenham efectivamente um papel positivo em várias plataformas multilaterais, como o grupo BRICS, e isso é um facto inegável. Também promoveram conjuntamente a expansão da Organização de Cooperação de Xangai, reforçando a unidade dos países em desenvolvimento e do Sul Global”, pode ler-se.

Ainda segundo a publicação, a China e a Rússia têm “muitos parceiros” e os países do Sul Global estão a “avançar juntos” com “infinitas possibilidades de cooperação”.

Putin propôs a China, o Brasil e a Índia como possíveis mediadores em futuras negociações de paz com a Ucrânia, por oposição aos Estados Unidos, que, para Moscovo, estão interessados em prolongar o conflito.

Desde o início da guerra na Ucrânia, a China tem mantido uma posição ambígua, na qual tem apelado para o respeito da “integridade territorial de todos os países”, incluindo a Ucrânia, e à atenção às “preocupações legítimas de todos” os Estados, numa referência à Rússia.

Amizade sem fim

No encontro de terça-feira, Putin deixou claro a Xi que pretende “reforçar” ainda mais os laços com Pequim. “A Rússia e a China tencionam reforçar a sua cooperação para garantir a estabilidade”, afirmou o governante russo, acrescentando que as relações entre os dois Estados são “um exemplo” para todos os países, uma vez que são mutuamente benéficas e não respondem a conjunturas.

Xi Jinping elogiou, por seu lado, o seu homólogo russo pela solidez dos laços bilaterais num contexto internacional “caótico”. “O mundo está a passar por mudanças profundas, sem precedentes desde há um século. A situação internacional é caótica (…). Mas estou firmemente convencido de que a profunda amizade que uniu a China e a Rússia de geração em geração não mudará”, afirmou.

Xi agradeceu a Putin o convite para visitar Kazan, capital da república russa do Tartaristão, e recordou que este é o terceiro encontro entre os dois líderes este ano.

“Seguimos o caminho certo para construir relações entre grandes potências com base nos princípios do não-alinhamento, da não-confrontação e da não-destruição de países terceiros”, afirmou o líder chinês, que sublinhou ainda que o grupo BRICS é uma das plataformas mais importantes para a promoção de uma nova ordem mundial multipolar.

Adesões fechadas?

O grupo BRICS, inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China, passou depois a ter a África do Sul como Estado-membro, sendo que, este ano, se concretizou adesão de outros membros: Irão, Egipto, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.

Porém, esta terça-feira, Moscovo afastou a possibilidade de virem a aderir mais países, alegando diferentes pontos de vista dos países-membros do grupo.

“A questão do alargamento não aparece [na agenda do encontro]. Existem diferentes pontos de vista”, disse o porta-voz do Kremlin (presidência russa), Dmitri Peskov, em declarações à imprensa local.

A Arábia Saudita e a Argentina deveriam ter aderido este ano ao grupo, mas a primeira nunca confirmou a sua decisão e a segunda retirou a sua candidatura à última hora.

Dado o grande interesse de vários países em participar nas actividades do grupo – cerca de 30 -, o Kremlin explicou que, neste momento, não aceitará mais países-membros e apenas Estados associados. Países como a Turquia, o Azerbaijão ou Cuba demonstraram oficialmente interesse em aderir, embora outros como a Venezuela, a Nicarágua, a Tailândia e a Malásia também tenham manifestado o desejo de entrar para o grupo.

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, garantiu na semana passada que iria defender o equilíbrio de todas as regiões do mundo numa futura expansão dos BRICS. Segundo a imprensa, entre os critérios para aderir aos BRICS estão as relações amistosas com os actuais membros, não apoiar sanções económicas aplicadas sem autorização da ONU e defender a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O grupo BRICS, fundado informalmente em 2006 e que realizou a sua primeira cimeira em 2009, inclui países que representam cerca de um terço da economia mundial e mais de 40 por cento da população global.

O bloco procura tornar-se um poderoso contrapeso ao Ocidente na política e eventos comerciais mundiais, que são de particular interesse para Moscovo e Teerão, que enfrentam sanções europeias e norte-americanas.

Os analistas sublinharam que nesta cimeira, o Presidente russo, Vladimir Putin, tenta mostrar ao mundo que a Rússia não está tão isolada como o Ocidente tem afirmado, ao mesmo tempo que abre caminho para a formação de uma nova frente global que pretende desafiar a hegemonia dos Estados Unidos.

O amigo sul-africano

Na terça-feira, o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, classificou a Rússia de “aliado” e “amigo precioso” do seu país, antes de uma reunião bilateral com o homólogo russo, Vladimir Putin. “Continuamos a considerar a Rússia como um aliado querido, um amigo precioso”, noticiaram os jornalistas da France-Presse (AFP) que acompanharam o início do encontro.

Ramaphosa disse estar “muito satisfeito” por estar na Rússia para discutir “questões geopolíticas” com os outros membros da aliança BRICS, mas também temas como o “comércio, as alterações climáticas, a paz e a segurança”.

Vladimir Putin dirigiu-se a Ramaphosa afirmando que as relações entre a Rússia e a África do Sul “baseiam-se nos princípios de uma parceria estratégica abrangente, da igualdade e do respeito mútuo”. “O diálogo está a desenvolver-se”, afirmou Putin, acrescentando que o comércio bilateral aumentou 3 por cento entre Janeiro e Agosto deste ano. “E, claro, a Rússia atribui especial importância ao reforço das relações com os países do continente africano”, acrescentou.

Sancionado pelo Ocidente desde o lançamento da ofensiva militar na Ucrânia, em 2022, o Kremlin pode ainda contar com o apoio, ou neutralidade, de muitos Estados africanos.

O Presidente russo referiu ainda que espera pela presença do chefe da diplomacia sul-africana na cidade russa de Sochi, localizada na costa do Mar Negro, em 9 e 10 de Novembro, para uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros no âmbito da parceria “Rússia-África”.

Guterres e Putin

O secretário-geral da ONU, António Guterres, chegou ontem a Kazan para participar na 16.ª cimeira dos BRICS e reunir-se com o Presidente russo, Vladimir Putin. O encontro com o líder do Kremlin, que decorre hoje, é “uma das principais razões para a sua presença”, disse o porta-voz adjunto do secretário-geral, Farhan Haq. Esta é a primeira vez que Guterres e Putin se encontram desde Abril de 2022, dois meses após o início da campanha militar russa na Ucrânia.

Haq assumiu que Guterres vai sublinhar a Putin “a sua posição bem conhecida sobre a guerra na Ucrânia e as condições para uma paz justa baseada na carta fundadora da ONU e nas resoluções”, referindo-se à integridade territorial e soberania da Ucrânia. O porta-voz sublinhou que os países BRICS “representam quase metade da humanidade” e que, por isso, a cimeira “é de grande importância para o trabalho da ONU com os países membros” daquela organização.

24 Out 2024

História | Estudo indica que portugueses na Ásia tratavam escravos como família

Em “Escravatura, família e infância na diáspora portuguesa do sudeste asiático, séculos XVI e XVII”, Isabel dos Guimarães Sá refere que muitos comerciantes portugueses na Ásia, incluindo Macau, tinham escravos que eram encarados quase como família. A historiadora conta também situações em que escravos herdavam bens e verbas dos donos

 

Num tempo em que a escravatura era permitida e normalizada, os portugueses que viviam e faziam comércio na Ásia, incluindo Macau e China, mantinham os seus escravos que, segundo um estudo recente, eram considerados parte do núcleo familiar e até recebiam algumas contrapartidas após a morte dos donos.

Esta é uma das conclusões do artigo “Escravatura, família e infância na diáspora portuguesa do sudeste asiático, séculos XVI e XVII”, da autoria da historiadora Isabel dos Guimarães Sá, e que foi publicado na última edição da revista académica Ler História.

O trabalho baseia-se em testamentos e documentação das Misericórdias do Porto e Macau, que permitem perceber quem eram estes portugueses comerciantes e endinheirados, que bens deixaram depois da morte e quais os “significados que os chefes de família portugueses atribuíam aos seus escravos, entre eles crianças e jovens”.

Desta forma, grande parte dos testamentos dos séculos XVI e XVII que falam de escravos a trabalhar em territórios portugueses na Ásia referem “escravas domésticas”, situando-as “nas famílias dos seus proprietários, nas quais há uma presença significativa de crianças ou adolescentes escravizados”.

Segundo o estudo, “enquanto chefes de família, os proprietários de escravos revelaram um sentido de responsabilidade para com os seus dependentes, sobretudo as mulheres escravas, beneficiando-as com legados, muitas vezes destinados a facilitar os seus casamentos, ao mesmo tempo que lhes concediam a liberdade, restringindo assim a condição de escravos a um período circunscrito à sua vida”.

Assim, revela-se a existência de conceitos familiares que vão muito além dos laços de sangue, o que leva a autora a concluir que “estas pessoas de origem portuguesa consideravam os escravos como parte do seu agregado familiar, em comunidades onde predominava o comércio marítimo, caracterizado por longas ausências a bordo dos navios”.

Era um tempo em que ter escravos “era um dos sinais de estatuto de que dispunham”, “embora o sentido de responsabilidade dos testadores os levasse a assegurar o seu futuro após a sua morte, fazendo distinções de género”. Neste caso, “as raparigas constituíam a maioria dos jovens escravizados pelos portugueses, certamente devido à liberdade sexual dos homens que Boxer [Charles Boxer, historiador britânico] observou há muito tempo”.

A salvação matrimonial

É indicado no estudo que, para estas escravas, “o casamento parecia uma perspectiva provável após a morte dos seus senhores, cabendo a estes ajudá-las através de legados, formulados como bolsas de casamento geralmente concedidas em dinheiro”.

No caso dos rapazes escravos também havia acordos, “embora as somas fossem mais reduzidas e não houvesse a preocupação de lhes proporcionar um futuro casamento, uma vez que eram considerados capazes de ganhar a vida”.

Isabel dos Guimarães Sá destaca, porém, que existia “uma diversidade de situações e atitudes”, pois “alguns portugueses manifestaram a intenção de criar meninos e meninas como seus filhos, com o afecto que lhes era devido”. Já outros “estavam dispostos a negar a paternidade aos filhos das suas escravas, para não lhes concederem direitos sucessórios”. Desta forma, “a família surge como uma unidade cujas fronteiras, fluidas e flexíveis”, cabendo “ao chefe de família definir como detentor exclusivo dessa capacidade”.

O estudo deixa, porém, uma ressalva: “os testamentos não podem ilustrar nem as condições de vida destas pessoas escravizadas nem a sua agência”, transmitindo “uma imagem benigna das preocupações dos seus proprietários para com elas, num momento em que os testadores estavam a tratar da sua vida depois da morte e a ajustar contas com Deus”.

Meninas dominavam

Como era então a vida destes comerciantes e dos seus dependentes? O estudo explica que “a maior parte das actividades lucrativas dos portugueses na Ásia relacionava-se com o comércio marítimo, exigindo longas temporadas no mar”, sendo que os mercadores tinham “bases de apoio em terra, como Goa, Cochim, Malaca e Macau”, deixando “a família e escravos nessas cidades”, embora também tivessem parte dela a bordo.

No caso dos escravizados, “primavam pela variedade de origens geográficas e étnicas”. “Por serem crianças, adolescentes e jovens, muitos deles eram fruto de ligações entre portugueses e cativas”, acrescenta-se.

Nestas rotas de comércio, os portugueses “foram os primeiros europeus a entrar no comércio de escravos no Oceano Índico, fornecendo escravos africanos da África Oriental até Macau”, sendo posteriormente copiados por outros países europeus.

Em termos de escravatura, refere-se que os historiadores são consensuais ao referir que “a maioria dos escravos comercializados na Ásia era do sexo feminino, nomeadamente raparigas e mulheres jovens adquiridas pela sua atractividade sexual, e também crianças”, sendo que estas “eram escravizadas no mundo do Oceano Índico pelos mesmos meios que noutras regiões do globo”, nomeadamente “raptos, ataques de escravos ou venda por membros da família”.

É certo que os portugueses se “adaptaram às formas de escravatura já existentes”, sendo que, na China, “a venda de crianças só era considerada tráfico de escravos se fossem vendidas por alguém que não fosse o seu tutor legal”.

Havia, assim, uma ligação entre a propriedade portuguesa de mulheres escravas e a “ideologia confucionista, segundo a qual as mulheres eram mais ou menos consideradas propriedade dos homens”.

Ainda nesta época, “os escravos não desempenhavam um papel económico importante na China, e a forma dominante de escravatura era a escravatura doméstica: prisioneiros políticos, cativos de guerra, vítimas de rapto e aqueles que se vendiam a si próprios ou aos seus parentes para pagar dívidas”.

O estudo aponta também que “uma das formas como os portugueses afectaram o equilíbrio existente na Ásia foi precisamente através da dinamização do tráfico humano”. Porém, em Macau, “houve várias tentativas infrutíferas dos mandarins chineses, que governavam de facto a cidade, para proibir a escravização de chineses e japoneses”.

O caso Francisco Fernandes

São inúmeros os exemplos de testamentos referidos no artigo, mas destacamos o de Francisco Fernandes, de Macau, cujo testamento datado do ano 1635 declarava o seguinte: “Comprei uma rapariga por nome Luísa, de vinte dias de idade, não com intenção de cativeiro, mas com amor de uma filha que tenho criado com o mesmo amor”, tendo-a “livre para sempre”.

O mesmo testamento descreve que deixou também “uma rapariga por nome Isabel, de casta japonesa, para ser libertada e receber quinhentos cruzados para ajudar no seu casamento”. No entanto, “no caso de a dita moça morrer antes de casar, metade da dita prata será entregue à Misericórdia para casamento de órfãos, e outra parte a Isabel Vieira, sua patrona”, a quem pediu “que a trate como até agora tem feito”. “Peço à dita moça que seja obediente a sua senhora e que me confie a Deus”, é acrescentado no testamento de Francisco Fernandes.

23 Out 2024

Comércio | Estudo prevê que plataformas chinesas liderem compras de Natal

Um estudo prevê que uma em cada cinco prendas seja comprada numa plataforma de comércio online chinesa, como a Temu, Shein, AliExpress e TikTok. A investigação da consultora Salesforce realça também a influência global da IA no consumo e do efeito da perda do poder de compra dos consumidores no comércio global

 

Se dúvidas houvesse sobre a presença online cada vez maior das plataformas de comércio chinesas, estas voltam a desvanecer-se com o mais recente estudo da consultora Salesforce, o Salesforce Shopping Index de 2024. As previsões apontam para que uma em cada cinco prendas compradas para o Natal será efectuada em plataformas de comércio online chinesas, como a Temu, Shein, AliExpress e TikTok, que ocupam uma fatia de 21 por cento de vendas, na previsão da Salesforce.

Segundo a consultora, a previsão “reflecte o recente crescimento destas plataformas”, pois “mais de um terço, 35 por cento, dos compradores afirmam que estão a comprar mais nas aplicações nos últimos três meses em comparação com o mesmo período em 2023”.

O estudo dá conta de que “a aplicação a observar mais de perto” nas semanas prévias à época natalícia, quando todos correm a comprar os presentes para os mais próximos, “pode ser o TikTok”, pois “desde a última pesquisa, em Abril de 2024, houve um aumento de 24 por cento no número de consumidores que relatam ter feito uma compra através da aplicação”.

Num mercado que vinha sendo dominado pela Shein, marca de roupa que vende em todo o mundo, ou pela AliExpress, a Temu tem ganho destaque. É difícil pesquisar na Internet sem que nos deparemos com publicidade à plataforma, além de que o seu fundador é o homem mais rico da China, o que demonstra o sucesso do negócio. Colin Huang, com uma fortuna de mais de 50 mil milhões de dólares, conseguiu ultrapassar o anterior homem mais rico do mundo, Zhong Shanshan, dono da Nongfu Spring, empresa de água engarrafada.

Apesar do sucesso, as marcas Temu e Shein têm estado envoltas em algumas polémicas. No caso da Temu, o caso mais recente prende-se com a exigência da Comissão Europeia relativa a informações pormenorizadas sobre a alegada venda de produtos ilegais, as quais tinham de ser enviadas até ontem. Após a análise da informação requerida, a comissão poderá abrir um processo de infracção.

Já a Shein tem sido acusada de copiar o design de roupas, nomeadamente por marcas como a H&M, Ralph Lauren ou Adidas. Mas o mais recente caso, divulgado em Agosto, prende-se com o processo que a própria Shein está a iniciar contra a Temu. A primeira acusa a segunda de roubar designs de roupa e vários segredos industriais, bem como de montar uma “trama” para se infiltrar no mercado dos Estados Unidos da América (EUA), vendendo produtos a preços tão baixos que a própria Temu estaria a perder dinheiro em cada transacção.

Desafios e descontos

Para chegar a estes dados, a Salesforce avaliou os números de mais de 1,5 mil milhões de consumidores em sites de retalho agregados à Salesforce em mais de 64 países. Só nos EUA, a consultora ou os dados de 29 dos principais 30 retalhistas online para estimar aos comportamentos de consumo e as maiores tendências nos mercados.

Para a Salesforce, o período de compras para o Natal deverá arrancar já no dia 1 de Novembro e terminar a 31 de Dezembro. Apesar do crescimento significativo da presença de empresas chinesas no mercado, a verdade é que o índice de compras prevê um “crescimento modesto das vendas”, uma continuação do cenário do ano passado.

“Com 47 por cento dos compradores a dizer que vão comprar a mesma quantidade que no ano passado, e com 40 por cento a comprar menos, o crescimento das vendas nas férias deve ser mais brando do que em 2023, que aumentou três por cento em termos anuais para 1,17 mil milhões de dólares”, pode ler-se.

Para este ano, estima-se que as vendas globais cresçam ligeiramente menos, 2 por cento, nos últimos dois meses do ano, totalizado 1,19 mil milhões de dólares americanos.

Claro que a época de saldos ou descontos especiais poderá ainda potenciar mais as compras. A Salesforce “prevê que as taxas de desconto a nível global aumentem brevemente em Outubro, atingindo um desconto médio de 28 por cento durante a ‘Cyber Week'”, a chamada “segunda-feira cibernética” destinada a compras após o Dia de Acção de Graças, nos EUA, e que decorre a 2 de Dezembro. O índice de compras prevê que só nos EUA a taxa de desconto pode atingir, em média, até 30 por cento.

A consultora destaca a competição como a palavra de ordem para as semanas que antecedem o Natal. “Os retalhistas devem enfrentar uma época de compras mais curta e mais competitiva com descontos”, sendo que os desafios passam pelo facto de “competirem por consumidores com menos poder de compra do que nos anos anteriores”. Neste ponto, a Salesforce salienta para que dois terços dos consumidores de todo o mundo dizem que os preços vão influenciar bastante as decisões na hora de fazer compras este ano. Assim, “à medida que os consumidores procuram as melhores ofertas, os retalhistas podem utilizar descontos fortes e estratégicos para atrair e converter os compradores”, sugere a Salesforce.

O poder da IA

Outro ponto importante deste estudo é o papel que a inteligência artificial (IA) terá no processo de compras, um avanço tecnológico que pode ser aproveitado pelos comerciantes e empresas para terem um melhor posicionamento no mercado.

Segundo a Salesforce, “os retalhistas também podem utilizar a IA para aumentar o número de funcionários, a eficiência operacional, criar relações mais profundas com os clientes e aumentar as margens”, graças à personalização de recomendações de produtos e promoções.

“Esta época será competitiva, intensa e, sem dúvida, centrada nas estratégias de preços e descontos. Nunca foi tão importante aproveitar a tecnologia como a IA e confiar nos dados do cliente para obter orientação e informações internas sobre campanhas de marketing, especialmente o calendário promocional de férias, que mantém clientes fiéis a comprar mais e a comprar desse retalhista”, afirmou Caila Schwartz, directora de Estratégia e Insights do Consumidor da Salesforce.

As previsões mostram que 18 por cento das encomendas globais, durante a época natalícia que se avizinha, sejam influenciadas por uma combinação de IA “predictiva e generativa”, equivalendo a 201 mil milhões de dólares americanos em vendas online.

Além disso, mais de metade dos compradores inquiridos, 53 por cento, afirmam ter interesse em “utilizar a IA generativa como inspiração para comprar o presente perfeito”, enquanto outros preferem comparar preços e definir orçamentos na época de Natal.

Sendo uma empresa virada para o chamado “software on demand”, as informações da Salesforce têm por base sistemas de armazenamento de dados em nuvem como o Commerce Cloud, Marketing Cloud e Service Cloud, resultando em dados agregados de comércio online de 12 mercados principais, onde se inclui a região da Ásia-Pacífico, Japão, países nórdicos, EUA e outros países europeus, nomeadamente Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal ou Países Baixos, bem como a Austrália e Nova Zelândia.

22 Out 2024

Médio Oriente | Um ano após ataque do Hamas, risco de guerra total

Um ano após o ataque do Hamas a Israel, a 7 de Outubro de 2023, o Médio Oriente poderá estar à beira da guerra total, que, defendem analistas, pode ser evitada se os principais actores mundiais assim o entendam.

Em declarações à agência Lusa, Ian Lesser, responsável pela delegação de Bruxelas do German Marshall Fund, desdramatizou a ideia de inevitabilidade que a situação se agrave ou se espalhe para além do Líbano, sublinhando tratar-se de “um desenvolvimento transformador”.

“Temos assistido a uma série de desenvolvimentos transformadores ao longo do último ano. E poderá ter outros efeitos políticos mais alargados na região. Alguns negativos, obviamente, mas também alguns potencialmente positivos a longo prazo. Mas não há dúvida de que estamos num mundo ligeiramente diferente do que estávamos há um ano e não creio que seja inevitável que isto resulte num confronto directo à escala entre Israel e o Irão, por exemplo. Penso que ainda há uma boa dose de cautela em relação a isso”, sustentou.

Para Lesser, é “uma possibilidade remota alguma forma de regresso a um processo de paz”, o que exigiria uma mudança política dentro de Israel. “E penso que não há perspectivas a curto prazo para isso”.

“O que vimos no último ano apenas sublinha o facto de que os países colocam a soberania e a segurança em primeiro lugar. Temos visto muitos exemplos disso. Basta pensarmos nos Estados Unidos depois do 11 de Setembro [de 2001]. É muito fácil que as estratégias se tornem desproporcionadas e ganhem uma dinâmica própria. E é este o dilema que se está a colocar hoje em dia, embora não creia que o que está a acontecer entre Israel e os seus vizinhos esteja a redefinir o sistema internacional”, explicou.

Lesser sublinhou que os Estados Unidos têm interesse em trabalhar com Israel para ultrapassar as actuais crises, tendo em vista uma região mais estável e, idealmente, reiniciar um processo com os palestinianos. “Esse continuará a ser o derradeiro prémio diplomático para os Estados Unidos”.

Esse processo com os palestinianos, prosseguiu, “tem sido evitado por sucessivas administrações” da Casa Branca, mas “talvez, desta vez, as condições produzam efectivamente um acordo, idealmente com a solução com dois Estados”.

“Não é impossível, porque estes acontecimentos foram tão desastrosos e cataclísmicos que abalaram realmente a ordem regional. E se as políticas se alinharem da forma correcta, em Israel, mas também no seio da comunidade palestiniana, talvez seja possível fazer alguma coisa. E penso que qualquer administração norte-americana vai querer encorajar isso”, concluiu Lesser.

O International Crisis Group (ICG) lembra que os sucessivos ataques e consequentes represálias de Israel, Hezbollah e Hamas, além dos Huthis (Iémen), têm levantado várias questões quanto ao futuro de um conflito, em que já se questiona uma intervenção com armas nucleares.

A lógica americana

Num artigo de análise publicado na quinta-feira, o ICG refere que o Presidente norte-americano, Joe Biden, que tem tentado mediar um cessar-fogo, já defendeu que as represálias israelitas devem excluir o ataque às instalações nucleares do Irão, mas adverte para outros golpes importantes contra Teerão que podem também provocar uma escalada descontrolada.

“Apesar dos ataques de Israel ao Hezbollah, o aliado mais importante do Irão, a administração começou a unir-se em torno da opinião de que uma guerra total era cada vez mais improvável, com alguns funcionários a questionarem-se se o Irão responderia energicamente aos seus reveses. Perante este cenário, vários responsáveis norte-americanos parecem sentir-se cada vez mais atraídos pela lógica militar de Israel, tendo um deles afirmado que a campanha de Israel no Líbano poderia ser uma oportunidade geracional para refazer a região”, defende o ICG.

“Vozes proeminentes em Israel e os seus apoiantes nos Estados Unidos consideram que o momento é propício para esta última opção, encorajando Israel a atacar, a jugular, eliminando o programa nuclear iraniano ou mesmo derrubando o seu regime. Estas pessoas estão a exortar Washington a remover os grilhões que acreditam ter impedido Israel de exercer a sua vantagem no último ano”, advertiu o “think tank”.

Segundo o ICG, embora as observações de Biden sobre a proporcionalidade e a inaceitabilidade de um ataque às instalações nucleares do Irão sugiram que a Casa Branca não está disposta a ir tão longe, “continua a haver motivos de preocupação” e um deles é que “uma administração norte-americana impressionada com a proficiência táctica israelita, limitada pela política interna e nervosa com as eleições presidenciais que se aproximam no início de Novembro, dê luz verde a uma resposta israelita maciça”.

“A escalada seria, no entanto, um erro e aqueles que apelam a mais não compreendem o ataque iraniano de 1 de Outubro: Teerão não quer uma guerra nem é cego ao perigo que enfrenta. Teve de compreender o risco que estava a correr quando disparou contra Israel”, alerta a ICG.

“Seja o que for que um Irão ameaçado e encurralado possa fazer em resposta a um ataque de grandes proporções, não pode igualar o poderio militar dos EUA e de Israel, mas é quase certo que causaria uma destruição considerável e provocaria uma nova escalada”, prossegue.

7 Out 2024

RAEM, 25 anos | Heitor Romana revela planos para evacuar portugueses

Heitor Romana foi durante nove anos assessor do Governador Rocha Vieira. Numa palestra no Centro Científico e Cultural de Macau recordou os tempos da transição e a preparação de planos para evacuar portugueses em caso de turbulência política na China e na região

 

Antes da assinatura da Declaração Conjunta, em 1987, Heitor Barras Romana, professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, foi para Macau a trabalhar numa unidade definidora de estratégias em matéria de segurança para o território, ainda durante o Governo de Carlos Melancia.

Nessa fase chegaram a ser preparados planos para a retirada dos nacionais portugueses a residir em Macau caso se verificasse, na China e na região, um cenário de turbulência política. A confissão foi feita no âmbito da conferência “Contributos para uma análise estratégica do processo de transição de Macau”, proferida no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), no passado dia 19 de Setembro, nas semanais “Conversas Sábias”.

As autoridades portuguesas pretendiam “sair a bem” do território e chegaram a ser elaborados “planos de contingência em relação a cenários em que se tivesse de retirar os portugueses de Macau”. Incluíam-se, assim, os portugueses e seus descendentes bem como os detentores de nacionalidade portuguesa cujo local de nascimento tivesse sido Macau até 1981.

Tal iria ocorrer face a “um cenário de convulsão interna na China, em que se alterasse a ordem de equilíbrios e relações diplomáticas com Portugal”.

“Era essa a perspectiva que se tinha e que não tinha nada de estratégico, mas situacional. Era essa a abordagem que se fazia de Macau. Ainda estava bem presente a memória do ‘1,2,3’, e se houvesse uma convulsão regional teriam de se antecipar cenários, de forma a retirar em segurança os portugueses que estivessem no território”, descreveu.

Segundo Heitor Romana, estava em causa os últimos acontecimentos políticos na China, com o episódio de Tiananmen, em 1989, e a queda da URSS. “As atenções estavam viradas para aquilo que veio a acontecer em 1989, com o desmembramento da URSS e todo o sistema. Do ponto de vista geopolítico, a China não entrava no jogo das preocupações que Portugal tinha obrigação de acompanhar em determinados sectores. No essencial, Macau não era tido no jogo dos interesses geoestratégicos de Portugal, mas havia a vontade de uma boa resolução quando tivesse de ocorrer a saída de Portugal de Macau e o fim da sua administração.”

A China vinha, desde 1978, vivendo o período de Reforma e Abertura, mas pensava-se que “o desmembramento da URSS poderia contaminar a realidade do sistema político e ideológico da China”. “Essa era uma das teses defendida não apenas em Portugal, mas por parte de analistas americanos e ingleses. Pensava-se que o fim da URSS iria contaminar o regime político chinês e levar à queda da República Popular da China”, lembrou, algo que não aconteceu, como a história veio a mostrar.

O trabalho de análise em matéria de segurança do académico foi realizado quando tinha cerca de 30 anos, e foi por iniciativa de Carlos Melancia que se criou a “unidade de análise geoestratégica sobre Macau e China que também envolvia a ‘questão de Macau’, e já era uma questão política e diplomática”. Nesse sentido, frisou, “era importante perceber o que podia acontecer na China que pudesse afectar ou acelerar a saída [dos portugueses de Macau]”.

“O trauma” do Império

Heitor Romana recordou também que o desejo de “sair bem” de Macau, por parte das autoridades portuguesas, acarretava consigo o fantasma da descolonização em 1975, no rescaldo da Guerra Colonial.

“Veio-se a perceber mais tarde, no quadro das relações bilaterais, e mais alargado ao multilateralismo e política internacional no seu todo, que ‘sair bem’ tinha como pano de fundo o trauma da descolonização, em relação à forma apressada como Portugal tinha saído dos territórios ultramarinos em 1975”, apontou. O responsável descreveu “o medo” que existia em relação “àquilo que ainda faltava ‘descolonizar’, nomeadamente Macau”, sem esquecer os episódios da perda da Índia portuguesa, em 1961, ou de Timor.

“Havia na memória colectiva a ideia de que a saída de Portugal dos seus territórios não tinha corrido bem por variadas razões. A percepção era de que, em Macau, não havia razões para que corresse bem. A visão era muito pessimista.”

Em 1989, após os acontecimentos de Tiananmen, Carlos Melancia vai a Pequim reunir com as autoridades chinesas, tendo sido “o primeiro representante de um país europeu a ir a Pequim depois desse episódio”.

Segundo o académico, nos anos 90 a China vivia “um processo de ajustamento político e ideológico que teve repercussões não no processo de transição [de Macau], mas sim na natureza desse processo”, pois no seio do partido havia uma “luta surda entre sectores mais reformistas e ortodoxos”.

O conceito “Um País, Dois Sistemas” tinha sido recentemente anunciado a pensar em Taiwan, e o primeiro-ministro chinês que assinou a Declaração Conjunta, Zhao Ziyang, acabou por “cair em desgraça três anos mais tarde”, pois, na visão de Heitor Romana, tinha sido secretário-geral do partido em Cantão e era “visto com desconfiança”. Isto porque “historicamente Cantão tinha tido relações privilegiadas com ocidentais, diga-se Portugal e Reino Unido, e essa relação próxima, comercial, política e de miscigenação gerava dúvidas quanto à lealdade desses dirigentes face aos princípios basilares do partido. O problema de Zhao Ziyang residia nesse facto”, afirmou.

Melancia queixa-se

Ainda relativamente ao período de governação de Carlos Melancia, falecido em Outubro de 2022, Heitor Romana lembrou uma reunião em que este lhe disse existirem “forças” que o queriam prejudicar.

“Carlos Melancia disse-me que havia [essas] forças, mas não vou dizer nomes. Fiquei espantado com a franqueza dele, pois disse-me que o problema que tinha não era com a China, mas sim com Portugal e com aqueles que colaboravam consigo no gabinete.”

Heitor Romana considera que a transição de Macau estava então envolvida numa teia difícil de jogos e tramas políticos. “Aí percebi que Portugal e os portugueses, Macau e a sua governação, estavam envolvidos numa trama muito complicada que poderia levar a resultados muito negativos para os interesses estratégicos de Portugal, incluindo as relações bilaterais e interesses da salvaguarda daquilo que, mais tarde, veio a ser identificado como a identidade de Macau e a sua singularidade.”

Rocha Vieira, o último

Entre 1990 e 1999 Heitor Romana foi assessor de Rocha Vieira, homem escolhido para ser “o último Governador de Macau” no sentido de assegurar a estabilidade necessária ao território. “Mário Soares [à época Presidente da República] tinha uma preocupação muito grande de que o próximo Governador fosse o último e que garantisse estabilidade. Já não era só a questão de irmos embora a bem, mas havia o possível efeito sistémico dos problemas gerados à volta de Macau”, e que se centravam em “jogos político-partidários que estavam muito acesos”. Havia, no fundo “questões ideológicas que também envolviam o aspecto político-partidário, pois o Governo [em Portugal, liderado por Cavaco Silva] era diferente da matriz ideológica do Presidente da República”, estando criadas “todas as condições para que não corresse bem” a transição de Macau.

Vasco Rocha Vieira chegou a Macau numa fase de “vulnerabilidade e fragilidade política”, tendo gerado “uma enorme expectativa” para que “pudesse pôr ordem no território”. O novo Governador acabou por assumir, segundo o orador, “uma postura imune a todos esses processos, o que na altura suscitou muitas críticas, mas que foi eficaz”.

Rocha Vieira ganhou “um espaço próprio, ajudando a definir muito bem o processo de transição até 1999 e depois”. “As autoridades chinesas perceberam que ele tinha uma personalidade muito própria e não podiam deixar de ser sensíveis nessa situação de liderança. Viam no Governador de Macau esse interlocutor desejado para que o processo [de transição] corresse bem”, disse ainda.

Heitor Romana lembrou que, no processo de transição, procurou definir-se ainda a ideia de identidade própria de Macau. “Na fase final da presença portuguesa em Macau foi visível que o Governador tinha a missão da defesa e salvaguarda dos interesses de Portugal, e isso passava muito pela defesa da identidade de Macau. Era esse o elemento diferenciador, comparando com Hong Kong ou Taiwan.”

Assim, a Lei Básica de Macau foi “obrigada a incorporar, de certa forma, esta visão da especificidade de Macau”. “Há uma estratégia para Macau, de Portugal, definida pelo Governador e a sua equipa, de que era importante ter uma identidade própria. O mito refundador de Macau está presente no papel do macaense, sendo um activo estratégico histórico que vai ser o eixo daquilo que é a natureza específica de Macau”, rematou.

25 Set 2024

Clima | Sugerida criminalização de ligações ilegais de esgotos

Um relatório recentemente divulgado pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos prevê que, até final deste século, Macau irá registar um aumento da precipitação e subida do nível do mar. O arquitecto Mário Duque propõe a criminalização de ligações ilegais de esgotos para tentar minimizar o impacto

 

Segundo uma projecção apresentada recentemente pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), com base no sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), prevê-se não só a subida de precipitação em termos globais como da altura do nível do mar, isto entre o meio e o final deste século.

Sendo assim, que respostas podem ser dadas em termos urbanísticos? O arquitecto Mário Duque tem-se debruçado sobre esta matéria em alguns artigos de opinião e, em resposta ao HM, sugere, por exemplo, a criminalização de todas as ligações ilegais de esgotos que, em época de tufões e subida do nível das águas, podem causar inúmeros estragos.

Tendo em conta que “as circunstâncias que convergem para inundações na RAEM não são possíveis resolver em absoluto, ou definitivamente, importa medidas de adaptação para que os habitantes da cidade convivam com situações de inundação, mantendo-se funcionais e sem danos”.

Assim, deve-se, no entender do arquitecto, “fiscalizar e penalizar como crimes contra o ambiente e a saúde pública todas as ligações privadas de esgotos domésticas feitas ilegalmente a redes pluviais”, devendo-se ainda “substituir todas as redes antigas de esgoto unitário”. Este tipo de esgoto, que existe no território, conjuga infra-estruturas de esgotos domésticos com pluviais, e, segundo Mário Duque, ainda funciona em muitas casas e fracções nas zonas mais baixas do território.

Chuvas fortes

Divulgado no passado dia 11 de Setembro pelos SMG, o relatório IPCC traça algumas conclusões preocupantes no que diz respeito ao futuro do território na sua relação com a água. “Estima-se que a temperatura global de Macau entre o meio e o fim do século XXI irá continuar a subir”, sendo que “os eventos climáticos de temperaturas elevadas tornar-se-ão mais frequentes”, e que “a precipitação global e a altura do nível do mar em Macau também vão sofrer alterações”.

As autoridades estimam a ocorrência de crescentes cenários de “precipitação extrema”, e que “num cenário de emissões intermediárias, a precipitação anual e a precipitação máxima diária anual em Macau, em meados do século XXI, entre os anos de 2041 e 2060, irão aumentar cerca de 8,3 e 5,8 por cento, respectivamente”, em relação aos valores médios registados entre 1995 e 2014.

Além disso, “num cenário de emissões muito elevadas, a precipitação máxima diária do ano no final do século XXI”, já para os anos de 2081 a 2100, “vai aumentar cerca de 30 por cento, reflectindo um aumento significativo da precipitação extrema”.

O mesmo estudo acrescenta que “seja qual for o cenário do século XXI, a altura do nível do mar em Macau vai aumentar”, sendo traçadas várias previsões. “Num cenário de emissões intermediárias, em meados do século XXI (2041-2060), a altura do nível do mar em Macau vai aumentar cerca de 0,31 metros em relação aos valores médios de 1995 a 2014, e no final do século XXI (2081 a 2100), está projectado um aumento de cerca de 0,64 metros”, pode ler-se. Assim, indica o relatório, “é previsível que a subida do nível do mar venha a agravar o impacto das marés astronómicas e do ‘storm surge’ em Macau”.

O documento destaca o lado universal destas mudanças, pois “à medida que o aquecimento global no século XXI se intensifica e a frequência de fenómenos meteorológicos extremos aumenta significativamente em todo o mundo, Macau vai enfrentar também problemas relacionados com as alterações climáticas, tais como temperaturas elevadas, aumento da precipitação extrema e subida do nível do mar”.

Almeida Ribeiro é exemplo

Perante estas previsões, os SMG defendem que cabe à população e sociedade adoptar uma série de medidas com base nos quatro pilares que norteiam os “Alertas antecipados para todos”, da Organização das Nações Unidas.

São eles a “consciencialização e conhecimento sobre catástrofes e riscos”, a “observação e previsão”, “a preparação e capacidade de resposta” e também a “divulgação e comunicação de informações”. Tudo para que se possa “elevar a capacidade de resposta a desastres meteorológicos e enfrentar conjuntamente os desafios globais, tais como as alterações climáticas e os desastres naturais”.

Os SMG sugerem, ainda o reforço do “intercâmbio e a cooperação com os serviços públicos e entidades privadas e promover a generalização da educação meteorológica”.

Para Mário Duque, é também importante que “a forma urbana esteja vocacionada para admitir e canalizar ar através do espaço urbano, isto ao nível em que os habitantes das cidades o usam, ou seja, o espaço público ao nível do solo”.

O arquitecto destaca o bom exemplo do planeamento da Avenida de Almeida Ribeiro. “É óbvio que a tipologia e a configuração urbana da Avenida de Almeida Ribeiro, planeada muito antes de se falar de alterações climáticas, é a solução mais adequada a muitas, senão todas, estas contingências actuais”, refere, apontando uma crítica à construção da Ponte Cais 16, onde se situa um hotel e casino. Esse empreendimento “não devia ter obstruído a abertura da avenida ao estuário”.

“Em casos de alta densidade urbana, o espaço de canal, nomeadamente as ruas, desimpedido e em direcção à periferia será sempre a configuração urbana mais favorável”, pois quando chove “as praças mais interiores funcionam como superfícies de exaustão do ar quente da cidade”.

No caso do aumento das chuvas nos próximos anos, Mário Duque refere a possibilidade de cobertura de percursos e locais de correspondência de transportes, “para conforto dos habitantes da cidade”.

Para o responsável, “o acréscimo de temperaturas urbanas será sempre equilibrado com a repercussão em acréscimo de pluviosidade, se suportado por uma forma urbana favorável”. Mas coloca-se o caso das inundações, que ocorrem com frequência em Macau e quase sempre originadas pelos tufões.

Neste contexto, “o acréscimo de inundações por redução do estuário, a elevação dos níveis de maré e o aumento de pluviosidade afigura-se uma batalha perdida, porque os desenvolvimentos de todos os factores não se atenuam entre si, antes contribuem para a mesma intensificação”.

Dados do relatório da Organização Meteorológica Mundial referidos pelos SMG apontam que o ano passado “foi o mais quente de que há registos”, pois a temperatura média global próxima da superfície terrestre foi 1,45º, superior à média do período anterior à Revolução Industrial, entre os anos de 1850 e 1900.

Neste contexto, “as principais concentrações de gases de efeito de estufa na atmosfera”, como é o caso do dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, “continuaram a aumentar”.

“Ao mesmo tempo, o aquecimento oceânico, a acidificação oceânica, a subida do nível do mar, o manto de gelo nos oceanos antárticos e os icebergues voltaram a bater recordes. O nível médio global do mar também atingiu um novo máximo histórico, na última década, desde 2014 a 2023, pois subiu mais do dobro em relação ao valor do nível médio entre 1993 e 2002”, pode ler-se.

No caso concreto de Macau, e desde a criação dos SMG, em 1952, até ao ano passado, “o aumento da temperatura média anual de Macau foi de 0,10 graus Celsius em cada 10 anos”, sendo que 2019 foi o ano mais quente, com uma temperatura média de 23,6 graus celsius. O segundo ano mais quente foi 2021, com uma temperatura média de 23,5 graus. Média semelhante foi registada no ano passado, com 23,4 graus celsius.

25 Set 2024

Efeméride | Ponte Nobre de Carvalho faz 50 anos no dia 5 de Outubro

Há 50 anos, a vida em Macau fazia-se essencialmente na península, porque não havia praticamente nada nas ilhas. A construção da Ponte Governador Nobre de Carvalho veio acelerar o desenvolvimento que se impunha, incorporando uma mitologia que inclui dragões e adivinhos

 

A primeira travessia entre Macau e a ilha da Taipa completa no próximo dia 5 de Outubro 50 anos sobre a sua inauguração. Uma obra de engenharia inovadora que perseguia o desenvolvimento económico local e com uma história que não dispensa dragões nem idas ao adivinho.

Meia hora de barco para chegar à outra margem do rio, na ilha da Taipa, e uma hora para a ilha de Coloane. Dessas travessias, Anabela Ritchie conta “aventuras do outro mundo”, como quando, em viagens da escola, a maré descia e “a galhofa era ainda maior”, com o barco parado no estuário do rio das Pérolas e o pessoal à espera que as águas subissem para ser retomada a viagem.

Na idade adulta, chegaram outras certezas. Como a de que, na ligação entre margens, a macaense alcançaria o destino sem percalços. A construção da primeira ponte terrestre entre a península de Macau e a ilha da Taipa – projecto há muito aguardado, mas adiado por falta de fundos – foi finalmente anunciada em Janeiro de 1969.

E a imprensa regional deu voz à já antiga pretensão: a Gazeta Macaense escreveu sobre a “valorização das ilhas”; o Tai Chung Pou assinalou “a construção mais importante e de maior envergadura no decorrer dos últimos 400 anos”; nas linhas do Notícias de Macau ficou registada a “decisão histórica”, que o South China Morning Post, diário de Hong Kong, classificou de “sonho favorito de Macau”.

Antes da inauguração, um grupo de jornalistas chegou a visitar, em Maio de 1974, a futura nova ponte, tendo observado, segundo relato do jornal O Clarim, “os trabalhos de pavimentação dos passeios e da colocação do primeiro poste de iluminação eléctrica”.

“Estes postes, de ferro, serão colocados na parte Norte, a uma distância de cerca de 27 metros uns dos outros, e garantem uma iluminação perfeita nas faixas de rodagem. O sr. coronel Mesquita Borges [à data chefe de gabinete de Nobre de Carvalho e presidente da Comissão de Censura à Imprensa] informou que existiam várias subcomissões para preparar os festejos da inauguração, devendo as suas propostas ser baseadas num esquema sóbrio e digno”, pode ler-se no jornal de matriz católica.

Pagava-se portagem

Nos primeiros anos de funcionamento da ponte, sensivelmente até ao início dos anos 80, pagava-se portagem, que funcionava do outro lado do rio, na Taipa Pequena. Assunto que foi discutido antes com os jornalistas e dado a conhecer à população. Também no jornal O Clarim, na edição de 25 de Agosto de 1974, surgia um texto de opinião intitulado “Regulando o problema da portagem da Ponte Macau-Taipa”. O artigo teve como base “o projecto do decreto provincial que regula o regime de pagamento de portagens pela utilização da ponte Macau-Taipa” distribuído pela comunicação social, uma “atitude de apreciar por parte do Governo que, assim, antes de aprovar o documento legal (…) pretende conhecer o que pensa a população sobre este assunto de reconhecida importância, porque todos, sem excepção, se vêem envolvidos nele”.

O artigo argumentava que se “justificava a portagem”, por se tratar “de uma obra em que se investiu uma soma elevada de capital que recebeu por empréstimo e que se torna necessário amortizar com os rendimentos da província”. “Se todos beneficiam, todos deverão contribuir para o seu pagamento, isto se fazendo nas mais diversas partes do mundo mesmo nas economicamente mais gradas”, lia-se ainda.

Porém, sugeria-se no mesmo artigo de opinião que o Executivo de Nobre de Carvalho deveria “proceder com mais moderação quanto às tarifas da portagem, tendo em mente não só o quantitativo em si, mas as possibilidades económicas do meio, ainda bastante rudimentares”. À época, pretendia-se “intensificar as comunicações entre as duas parcelas de território tantos anos desligadas”.

Esse mesmo objectivo foi mais tarde anunciado pelo próprio Governador português. A ponte iria “contribuir decisivamente para o desenvolvimento e expansão económica desta província e constituirá um alto padrão a documentar e a afirmar a política portuguesa nos territórios ultramarinos”, anunciou o então governador de Macau, Nobre de Carvalho (1910-1988), considerando a ponte indispensável para abrir “excelentes perspectivas” nos sectores do turismo e das comunicações.

As obras arrancaram no ano seguinte e, poucos meses após a Revolução de Abril, a 5 de Outubro de 1974, inaugurou-se a ligação, um dos últimos empreendimentos do Estado Novo no território, projectado pelo engenheiro português Edgar Cardoso (1913-2000).

Do lado de Macau, a ponte Governador Nobre de Carvalho encarava dois outros símbolos da cidade: o Hotel Lisboa, um dos principais casinos locais e propriedade de Stanley Ho, inaugurado em 1963, e a gigante estátua equestre do ex-Governador Ferreira do Amaral (1803-1849) a agitar um chicote em direcção a um grupo de chineses, herança do regime de Salazar que dali foi retirada ainda antes da transição para a China.

A primeira vez

Foi à beira de fazer 7 anos que Violeta Couto do Rosário cruzou o rio pela primeira vez de carro. Fê-lo no Volkswagen carocha azul do pai, onde seguiam cinco adultos e quatro crianças. À frente, diz a portuguesa natural de Macau, viajavam outros tantos no Mazda RX3 verde do senhor Moura. “Era pequenina, mas tenho um sentimento forte por esse dia”, conta.

“Mudou tudo, passámos a ter um acesso facilitado às praias, porque, de resto, nas ilhas não havia nada de especial, era tudo rural”, recorda a jurista do Instituto para os Assuntos Municipais.

De um total de 248.636 habitantes em Macau, em 1970, viviam na ilha da Taipa 5.352 pessoas e 1.871 em Coloane, de acordo com dados oficiais cedidos à Lusa. As ilhas, por sua vez, já estavam ligadas por um istmo desde 1968.

“Ninguém imagina a pasmaceira que era a Taipa”, confirma Anabela Ritchie que, por volta de 1975, se mudou para aí, quando o marido foi destacado como delegado de Saúde para as ilhas. Foram ocupar uma das cinco moradias coloniais verdes da avenida da Praia.

“A ponte veio abrir a Taipa, embora ainda, durante muito tempo, nós tenhamos continuado aquela vida pacata”, recorda a então professora, notando que, ao encurtar distâncias, a Nobre de Carvalho teve para a família um “significado especialíssimo”.

“Passar a ponte de manhã e ao fim do dia, depois do trabalho, é uma coisa que está na minha gaveta de excelentes memórias”, lembra ainda Ritchie, primeira mulher a ocupar a presidência da Assembleia Legislativa (1992-1999).

Também Carlos Ferraz, do Laboratório de Estruturas Edgar Cardoso, que chegou a acompanhar o engenheiro à região anos após a construção, para a realização de ensaios à ponte, não esquece “o monumento”, de “uma leveza extraordinária”, em grande parte pré-fabricado, “como se fosse um lego”.

Construída inicialmente com mais de três quilómetros – entretanto sofreu reduções, tendo hoje cerca de 2,5 quilómetros – a travessia tem o ponto mais elevado do tabuleiro a 35 metros acima do nível do mar, garantindo a passagem de embarcações. Na altura da construção, foi considerada a ponte contínua de betão armado pré-esforçado mais longa do mundo, de acordo com o portal da Direcção dos Serviços de Obras Públicas de Macau.

“Foi inovador nesse sentido de fazer estruturas que eram contínuas, não tinham juntas, porque as juntas dão sempre muitos problemas em termos de manutenção”, explica o engenheiro Carlos Ferraz.

A forma do dragão

Ciências à parte, a ponte, que, diz-se desde sempre, sugere a forma de um dorso de um dragão, em que a cabeça é representada pelo hotel-casino Lisboa e a cauda pelo monumento em ziguezague Conjunto Escultórico (1985) da Taipa, esteve em tempos nas mãos de um adivinho.

Carlos Ferraz lembra o episódio, quando alguém, que prefere não identificar, consultou, a certa altura, um mestre para trazer sorte àquela passagem. “Foi dito [pelo adivinho] que tem de haver uma interrupção na ponte e então passou a haver sempre um candeeiro fundido”, diz.

Hoje, a Nobre de Carvalho, conhecida também por ponte Macau-Taipa ou ponte velha, permite apenas a circulação de transportes públicos ou veículos autorizados e é a única que se pode atravessar a pé. Constrói-se agora a quarta travessia entre as duas margens, para dar resposta a uma cidade que recebe perto de 30 milhões de visitantes ao ano, pelo menos quatro vezes mais do que no final do século passado.

22 Set 2024

Estudo | Apontadas falhas históricas no acesso de macaenses ao ensino

Em “Lingu Maquista – O Patoá, ou Língua de Macau”, Manuel Fernandes Rodrigues, da Universidade de York, expõe falhas históricas da administração portuguesa de Macau a partir do século XVIII que levaram ao afastamento parcial dos macaenses do ensino e, consequentemente, a redução da difusão do patuá

 

“Lingu Maquista – O Patoá, ou Língua de Macau” é o mais recente estudo de Manuel Fernandes Rodrigues, macaense e académico ligado à Universidade de York, que acaba de ser publicado na “Daxyangguo – Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos”, edição do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O artigo expõe falhas, que podem ser imputadas ao período da administração portuguesa de Macau a partir de meados do século XVIII, nomeadamente no que diz respeito ao afastamento dos macaenses do sistema de ensino, o que acabou por levar à redução gradual do seu crioulo, o patuá, que hoje está praticamente em vias de extinção.

Nas conclusões do estudo, o autor aponta que “a língua materna macaense era ensinada nas escolas pelos frades a par do português e do latim”. Além disso, o patuá “era língua de comunicação, do comércio dos macaenses, chineses, asiáticos e escravos africanos e de raiz ásio-portuguesa até meados do século XX”.

Numa altura em que as ordens religiosas dos jesuítas dominavam o sistema de ensino, Manuel Fernandes Rodrigues conclui que “com a [sua] expulsão, os governantes portugueses privaram os macaenses de instrução e ensino escolar, do primário ao universitário, a partir de 1762, ou seja, por mais de um século”.

Não que os macaenses tenham ficado de braços cruzados. O estudo mostra que sempre tentaram recuperar o anterior sistema de ensino, com “insistentes pedidos de instrução e ensino escolar ao Governador, Vice-rei e Governo Central do Reino [que] nunca foram cabalmente satisfeitos nem explicadas as recusas”.

Tendo em conta esses pedidos, só em 1862 se criou “A Nova Escola Macaense” pelo então Governador de Macau, o Visconde de Cercal, criada para “assegurar a instrução dos macaenses”, mas “a solução governativa, já por si tardia, não preenchia as mais básicas necessidades de instrução requerida pelos macaenses”.

Depois, em 1870, foi ainda feita uma petição assinada por 300 macaenses dirigida a Sérgio de Sousa, à época Governador, “para a manutenção dos professores jesuítas no seminário [de S. José], que não foi atendida pelo Governo central do reino”, ou seja, em Portugal. Só depois seria criada a Escola Comercial Pedro Nolasco e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses.

Desta forma, a proibição do ensino à comunidade, bem como “a ausência de políticas sociais e económicas da administração portuguesa causou o total descalabro e muito contribuiu para o declínio comercial da cidade que foi grandemente acelerado pela perda dos seus mais enérgicos e melhores intelectuais, professores, administradores, embaixadores e gestores”, resultando “na perda de investimento, confiança e relacionamento comercial com as regiões vizinhas”.

Segundo Manuel Fernandes Rodrigues, “as políticas económicas, de instrução e de ensino impostas pelo Governo português desnacionalizaram os macaenses, forçando-os a emigrar para procurar meios de subsistência para conseguirem sobreviver”. Apesar disso, “os macaenses souberam ultrapassar as intenções e negligências das políticas de instrução e ensino das autoridades portuguesas, mantendo-se fiéis à sua nacionalidade”, descreve.

Em termos gerais, “durante 450 anos a instrução dos macaenses passou por grandes crises causadas, inicialmente, pela expulsão das Ordens Religiosas do Reino pelo Marquês de Pombal, em 1759”, e depois com o decreto-lei do tempo do Estado Novo, em 1939, que decreta o português como língua veícular no território e, consequentemente, nas escolas.

“Esta crise duradora afectou, não só, a qualidade do ensino em geral como ostracizou a ‘Lingu Maquista’ em particular, tornando-a actualmente em uma língua com pouca expressão na população macaense em geral, apesar dos esforços de a reviver nas peças teatrais e na música religiosa e laica”, aponta o autor.

Aparecimento da Escola Comercial

Tendo em conta as dificuldades de acesso dos macaenses ao ensino, muitos deles tinham aulas em casa, sendo que “a instrução dos macaenses no ensino doméstico e particular manteve o patoá como língua vernacular das famílias macaenses até das mais distintas”. Só em 1878 se colmatou essa “privação de ensino” para os membros da comunidade, ou seja, 116 anos depois da expulsão dos religiosos e consequente fecho das escolas.

Essa foi a data do estabelecimento da Escola Comercial “Pedro Nolasco”, criada pela Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), fundada anteriormente em 1871. Manuel Fernandes Rodrigues destaca que a escola era financiada pelos macaenses, porém, aos seus estudantes “estava vedado o acesso às universidades portuguesas”, uma interdição que apenas chegou ao fim em 1952. “Esta interdição de mais de 74 anos cortou o acesso da grande maioria dos estudantes macaenses ao ensino universitário em Portugal”.

Referem-se ainda desigualdades no acesso aos cargos públicos no período da Administração portuguesa. “Os macaenses eram considerados bem qualificados para os empregos nas repartições dos respectivos governos estrangeiros em Hong Kong e Shanghai, mas estava-lhe vedado o acesso aos empregos do funcionalismo público e militar pelos governantes portugueses em Macau”.

Criados “cargos simbólicos”

Chegados aos anos 80 e à preparação para a transferência da administração portuguesa de Macau para a China, a 20 de Dezembro de 1999, não se colmataram as lacunas existentes desde tempos antigos no acesso ao ensino e empregos no Governo por parte da comunidade. Pelo contrário: para Manuel Fernandes Rodrigues, com o programa de “Localização dos Quadros” na Função Pública, criaram-se apenas “alguns lugares simbólicos [para macaenses] na Administração portuguesa, quando a decisão da transferência de soberania para a China já estava tomada”.

Quais as consequências de vários anos de afastamento dos macaenses dos principais sistemas de ensino e do acesso ao ensino superior português? Na visão do autor do estudo, o maior impacto deu-se no desaparecimento progressivo do patuá.

“O patoá, embora uma língua vernacular de fácil aprendizagem, não conseguiu resistir à falta de instrução escolar e de empregos”, sendo que, no contexto da emigração da comunidade macaense, “a política de instrução e de emprego seguidas em Hong Kong e nas concessões europeias de Shanghai permitiu a empregabilidade dos macaenses, levando à substituição do português pelo inglês”.

Em termos gerais, Manuel Fernandes Rodrigues entende “a ausência de uma política para a Instrução e Ensino, Gestão e Política Económica dos governantes portugueses levou ao desaparecimento dos melhores administradores, gestores e professores”, bem como “ao declínio económico e a aniquilação da ‘língu maquista'”, ou língua macaense, em patuá.

Quais as origens?

O patuá começou a ser falado em Macau a partir de 1553, ainda antes do estabelecimento oficial dos portugueses no território (1557), tornando-se “na linguagem vernacular até meados do século XX”. Com a entrada em vigor de um decreto-lei a 3 de Setembro de 1939, já no Estado Novo, passou a ser obrigatório usar-se o português em Macau, sendo que “o patoá passou a ser escrito como patuá, mais em linha com a ortografia portuguesa”. Até então, as famílias mais antigas referiam-se à sua língua como patoá derivado do termo “patois”, ligado ao francês.

Na relação dos macaenses com a aprendizagem, o estudo denota que “a sociedade macaense sempre entendeu a Instrução e Ensino como alicerce do desenvolvimento humano e económico”, sendo que uma das primeiras escolas católicas onde se ensinavam macaenses data de 1572, nomeadamente a “Escola de Ler e Escrever” fundada pelos padres Paulistas, nome dado pela comunidade macaense aos jesuítas. A escola destinava-se “a meninos e meninas da população lusitana, bem como aos próprios adultos de ambos os sexos”.

O Colégio de São Paulo, anexo à Igreja de São Paulo ou de Madre de Deus, foi a primeira universidade do território, fundada em 1594. Eram ministrados “cursos superiores com o grau académico de Mestre em Artes, como nas universidades estrangeiras”. Em 1758, seria fundado o Seminário de S. José “que se tornou no centro, por excelência, da Instrução e Ensino dos macaenses”, onde grande parte dos docentes eram jesuítas.

16 Set 2024

Espanha-China | Visita de Sanchéz encarada como fomentadora de “eixo de diálogo”

O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez visitou esta semana a China, a segunda visita oficial no espaço de um ano, algo “invulgar” aos olhos do analista Xulio Ríos, especialista nas relações Espanha-China. Ao HM, o analista afirma que a visita poderá “dar uma resposta adequada ao desequilíbrio comercial bilateral”

 

 

Espanha procurou esta semana estreitar as relações com a China com a visita do seu primeiro-ministro, Pedro Sánchez. Procurando reforçar relações culturais e económicas, as mais recentes declarações de Sánchez recaíram sobre os veículos eléctricos.

Segundo a agência Lusa, Pedro Sánchez disse que a Comissão Europeia e os países membros da União Europeia (UE) devem reconsiderar a posição em relação às taxas sobre veículos eléctricos chineses.

“Precisamos todos de reconsiderar, todos juntos, não apenas os Estados-membros, mas também a Comissão, a nossa decisão. Não precisamos de uma guerra comercial, precisamos de construir pontes entre a UE e a China”, afirmou Sánchez, em Kunshan, na China, numa conferência de imprensa no final de uma viagem de vários dias ao país.

Sánchez insistiu na necessidade de “tentar encontrar uma solução, um meio termo entre a China e Comissão Europeia”. “Estamos a reconsiderar a nossa posição”, afirmou.

O primeiro-ministro espanhol considerou os veículos eléctricos chineses “francamente avançados” e disse que as grandes marcas europeias têm “muito a aprender com as tecnologias e avanços das marcas chinesas”.

Sánchez mostrou-se convencido de que será possível alcançar uma solução negociada que contribua para melhorar a relação comercial entre a China e a UE e agradeceu a “atitude construtiva” das autoridades chinesas.

Em Agosto passado, a Comissão Europeia reviu as taxas à importação de veículos elétricos chineses, justificando que os apoios estatais que recebem os fabricantes da China criam concorrência desleal.

Em resposta, a China anunciou uma investigação por concorrência desleal a produtos lácteos e à carne de porco importada dos países da União Europeia, o que afecta em especial França, Itália, Dinamarca, Países Baixos e Espanha. As exportações de carne de porco da União Europeia ascenderam a 2,5 mil milhões de euros no ano passado. Quase metade do total veio de Espanha.

Ao HM, o académico Xulio Ríos, especialista nas relações entre Espanha e China, destacou as dificuldades na relação bilateral oriundas deste conflito comercial. “Na sua segunda visita à China em pouco mais de um ano, algo invulgar, e recebido pelo Presidente Xi Jinping e pelas mais altas autoridades do país, Sánchez terá podido tomar o pulso à situação numa altura em que as relações UE-China estão numa posição difícil”.

Olhar os eléctricos

Durante esta deslocação à China, Sánchez reuniu-se com executivos das empresas chinesas de veículos eléctricos SAIC, Chery e Hunan Yuneng, visando atrair novos investimentos em Espanha num sector em que a China está na dianteira.

No arranque da visita, reuniu-se também com o Presidente Xi Jinping, num encontro em que defendeu uma “ordem comercial equitativa” e disse que Espanha quer promover relações “mais próximas, ricas e equilibradas” entre a UE e a China.

“A Espanha quer trabalhar de maneira construtiva para que as relações entre ambas as regiões sejam mais próximas, mais ricas e mais equilibradas”, disse Sánchez a Xi Jinping, em Pequim, na segunda-feira.

Para Sánchez, num contexto geopolítico e económico mundial cada vez mais complexo, a China e a UE devem trabalhar com o objectivo de superar diferenças através da negociação, com espírito de diálogo e colaboração e dentro de contextos multilaterais.

“Acima de tudo, devemos procurar soluções que sejam benéficas para todas as partes, e esse é o compromisso e o desejo de Espanha”, afirmou o líder do Governo espanhol, no encontro com Xi Jinping.

Xulio Ríos acredita que esta visita pode também constituir “a chave para que a Espanha possa dar uma resposta adequada ao desequilíbrio comercial bilateral e incentivar a presença de mais empresas na China”.

Espera-se, assim, que “persista a harmonia entre ambas as partes” e que tal “se revele um capital político de grande relevância para enfrentar desafios comuns”. Além disso, tanto Espanha como a China deverão “promover o diálogo como principal mecanismo para encontrar soluções negociadas para as tensões tarifárias com a UE”.

O académico considera que é “necessário escolher um caminho e soluções consensuais que tenham em conta os interesses de ambas as partes ou um furo mais profundo do que o desejado naquela bolha que a China e a UE conseguiram construir com perseverança nos seus quase 50 anos de relações formais”, pautado por um lado construtivo “e de respeito mútuo”.

“A Espanha, claramente preocupada com os efeitos imediatos da abertura de uma dinâmica de confronto comercial com a China, vai, no entanto, além das implicações para este ou aquele sector explicitamente ameaçado por esta dinâmica negativa”, destaca o académico, lembrando que foram enfatizados alguns princípios para este relacionamento, nomeadamente “o diálogo bilateral e o enquadramento multilateral”. “Independentemente da cor do governo em funções, este é o compromisso construtivo que sempre caracterizou a posição da Espanha na relação com a China”, referiu.

Ir além das restrições

Xulio Ríos considera que, nesta polémica comercial onde os veículos eléctricos são parte da questão, devem-se “contornar as restrições às trocas para possibilitar o fortalecimento e o aprofundar as relações”.

O académico destaca outros pontos fortes que podem beneficiar o relacionamento entre os dois países. “O ambiente internacional é complexo e os compromissos de cada parte podem, por vezes, dificultar o exercício de uma autonomia que proporcione a flexibilidade necessária. Contudo, se ambas as partes assumirem o compromisso com a estabilização como a sua principal tendência, esta poderá ser efectivamente preservada.”

Xulio Ríos destaca, por exemplo, a guerra na Ucrânia e o conflito na Faixa de Gaza. “A tradição espanhola de compromisso com a paz goza de crédito na China e é, sem dúvida, uma carta de apresentação que pode facilitar o envolvimento na promoção de processos de paz em conflitos como a Ucrânia ou Gaza, que preocupam a comunidade internacional. Estas opções devem ser exploradas.”

O analista recorda que, nesta visita, Pedro Sánchez e Xi Jinping “sublinharam a importância de prestar atenção aos novos sectores económicos nas áreas da alta tecnologia ou da transição verde, da cooperação climática, da indústria transformadora, da biotecnologia ou da indústria aeroespacial, bem como à expansão da cooperação com países terceiros”.

Ficou também claro, nesta visita, “que o diálogo não deve apenas materializar-se na cimeira, mas deve permear a maior variedade possível de plataformas e actores, do empresarial ao social, do poder central ao regional. Esta densa rede está organizada como uma garantia de salvaguarda contra tensões”. Xulio Ríos dá o exemplo “do valor das respectivas culturas [chinesa e espanhola] como um suporte de contextualização”, tratando-se de um “activo de valor económico e político que não deve ser desconsiderado porque constitui um pilar firme de uma comunicação rica e profunda que pode influenciar a orientação geral dos laços bilaterais”, rematou.

Xulio Ríos é fundador do Observatório da Política Chinesa e autor de mais de uma dezena de livros sobre a China, nomeadamente “La China de Xi Jinping”, lançado em 2018.

UE | China elogia “posição racional” de Sánchez e apela ao diálogo

A China afirmou ontem que aprecia a posição “racional e objectiva” do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que apelou na quarta-feira à União Europeia para reconsiderar a imposição de taxas alfandegárias punitivas sobre veículos eléctricos chineses. “A sua posição é racional e objectiva e a China aprecia-a”, disse a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Mao Ning, em conferência de imprensa, comentando as observações de Sánchez durante a sua recente visita ao país asiático.

Mao Ning apelou a Bruxelas para que seja “flexível” e “sincera” e que trabalhe com Pequim para encontrar “um meio-termo”, resolvendo as fricções económicas “através do diálogo e da consulta”.

Durante a sua visita, Sánchez também sublinhou que “não há necessidade de uma guerra comercial” e defendeu a necessidade de encontrar um “meio-termo” entre a UE e a China para resolver as fricções económicas.

“Esperamos que a UE dê ouvidos a vozes racionais e objectivas e compreenda bem as vantagens complementares e a oportunidade de cooperação que existe entre a China e a Europa no domínio dos veículos eléctricos”, acrescentou Mao.

A porta-voz sublinhou que o desenvolvimento da indústria dos veículos eléctricos é do interesse tanto da Europa como da China: “As duas partes devem trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios, o que beneficiará as empresas e os consumidores de ambas as partes. Ajudará também a China e a Europa, e mesmo o mundo, a avançar na sua transformação ecológica”.

“A China sempre se comportou com sinceridade em relação a esta questão e procurou ativamente soluções para cumprir as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) que são aceitáveis para ambas as partes. Queremos promover o desenvolvimento de laços estáveis e saudáveis nas relações comerciais entre a China e a UE”, defendeu Mao. Com Lusa

13 Set 2024

5G | Exclusão da Huawei pode custar mais de mil milhões a Portugal

A Consultora EY conclui que a exclusão da tecnológica chinesa do 5G pode levar a um aumento de 7% das tarifas médias em Portugal. A Huawei contribui, pelas contas da EY, com 718 milhões de euros por ano para a economia nacional. Uma exclusão definitiva da Huawei do 5G pode custar mais de mil milhões de euros à economia portuguesa, estima a EY numa análise publicada nesta segunda-feira

 

Num momento em que ainda decorre o processo interposto pela tecnológica chinesa contra a deliberação da Comissão de Avaliação de Segurança (CAS) segundo a qual a participação da empresa na implementação da rede mais recente seria de “alto risco”, a empresa chinesa, citando dados da consultora, escreve que “a substituição dos equipamentos Huawei na rede 5G acarretaria um custo total superior a mil milhões de euros para a economia portuguesa, incluindo 339 milhões de euros em investimentos de substituição e 193 milhões de euros em investimentos futuros”.

A contribuir para o impacto estarão ainda 282 milhões de euros associados a perdas de produtividade, 156 milhões de euros de depreciações, 24 milhões em consumo de energia e 58 milhões no custo de oportunidade, num total de 1.052 milhões de euros.

A participação da Huawei na implementação do 5G na Europa teve oposição em vários países por receios de risco para a segurança, incluindo Portugal.

O estudo, no entanto, realça os benefícios que a economia portuguesa colhe desse papel. “O ecossistema da Huawei em Portugal contribui com 718 milhões de euros por ano para a economia nacional, dos quais 197 milhões correspondem a Valor Acrescentado Bruto (VAB)”.

No capítulo laboral, a EY estima que o efeito multiplicador da Huawei é de sete vezes, “com o ecossistema Huawei a suportar 651 postos de trabalho diretos e a impactar mais de 4 mil indiretos, seja através na cadeia de valor ou induzidos pelo consumo permitido pelo rendimento das famílias”, num total de 4.767 empregos.

A análise da consultora estima ainda que a actividade da Huawei gera 143 milhões de euros em impostos.

A exclusão da Huawei pode ainda, segundo o estudo da EY, encarecer as tarifas pagas pelos consumidores. “Excluindo perdas de competitividade dado que não afetam os fluxos de caixa dos operadores de telecomunicações, banir a Huawei da rede 5G em Portugal teria um impacto no preço médio pago pelos consumidores de 7%”, calculam os autores.

O estudo aponta ainda que “a exclusão da Huawei poderia atrasar a implementação completa da rede 5G no país”, o que pode “impedir os cidadãos e empresas de tirarem pleno partido das vantagens da tecnologia 5G”.

Ministro desvaloriza

O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, disse esta segunda-feira no Now “não acreditar” que a rede de telecomunicações nacional fique mais cara ou mais lenta pela exclusão da tecnológica chinesa Huawei da rede 5G.

O responsável referiu que o governo actual herdou a avaliação de segurança do governo anterior, salientando que o grupo de trabalho formado e todos os especialistas “apontam para a necessidade de tornar o nosso sistema menos permeável a este tipo de potenciais ameaças”.

O ministro com a tutela das Telecomunicações reconhece que foi seguida a posição mais dura dos EUA, mas salienta que o “consenso” alcançado com as operadoras permite calendarizar os investimentos de forma a que as empresas tenham “uma janela temporal mais lata” e “não tenham agora que mudar tudo” em termos de equipamentos.

Mas a Europa confirma

A exclusão da Huawei e da ZTE das redes 5G aumenta os desafios no mercado europeu e vai obrigar a um maior investimento. O alerta consta de um documento da Comissão Europeia sobre o futuro das infraestruturas digitais.

Já a Espanha não segue os passos radicais dos portugueses e vai utilizar a tecnologia da Huawei para montar a sua rede de 5G a preços muito mais baixos e com tecnologia mais eficiente. Pedro Sanchez, primeiro-ministro socialista espanhol, que se encontra actualmente na China em busca de negócios, não seguiu os passos do também socialista António Costa. Mas também não seguiu para a União Europeia para se tornar Presidente do Conselho Europeu.

Comentadores afirmaram que o preço pago por Portugal com a sua atitude de rejeitar a Huawei de forma tão radical, indo mais longe do que foi aconselhado pela própria União Europeia, foi capitalizado por António Costa junto dos sectores mais pró-americanos da União Euopeia, nomeadamente a sua nova “amiga” Ursula Van Leyden, recentemente reeleita presidente da Comissão Europeia, com o surpreendente apoio de António Costa que, aparentemente, pertenceria a outra família política, já que Ursula Van Leyden faz parte do grupo dos conservadores e não dos socialistas e sociais-democratas, que é o caso de António Costa.

Portugal arrisca-se assim a partir tarde e de forma cara para a instalação do 5G em todo o seu território. Com o processo levantado perla Huawei ainda por conhecer uma decisão final, há quem espere que Portugal “caia em si” e não “prejudique o seu próprio povo, na medida em que encontrará uma solução inevitavelmente mais cara”.

Já Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado e no passado importante jurista em Macau, num texto de opinião no Diário de Notícias, refere que : “Esperemos que a preclara decisão em relação à Huawei de um obscuro órgão independente – que em momento algum piou quando era público e notório que agências dos EUA espi(av)am países aliados europeus, nem viu qualquer mácula nas obrigações das empresas americanas serem obrigadas a reportar às autoridades federais americanas muito para além do que se suspeitava – não desfaça a imagem de Portugal perante grandes investidores chineses.”

E acrescenta: “Os crânios da “cibersegurança” podem estar-se nas tintas para a atração de investimento num país carente de investimento estrangeiro, mas o governo português tem obrigação de saber melhor. Repare-se no governo espanhol que ainda não tomou posição em relação a eventuais exclusões de empresas de operar ou fornecer no setor do 5G… Provavelmente só o fará se obrigado pela Comissão Europeia… Quem não percebe a diferença não devia exercer cargos políticos de responsabilidade.”

12 Set 2024

Chefe do Executivo | Discursos iniciais de Sam Hou Fai enquanto presidente do TUI

O único candidato a Chefe do Executivo esteve à frente do Tribunal de Última Instância desde a transição. No seu primeiro discurso falou da importância do uso da língua chinesa na justiça e de ter um “sistema jurídico aperfeiçoado correspondente à realidade da região”. O HM recorda os três primeiros discursos de Sam Hou Fai entre 2000 e 2003

 

No dia em que foi oficializada a única candidatura ao cargo de Chefe do Executivo da RAEM por parte de Sam Hou Fai, recordamos os três primeiros discursos do ex-presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) nos primeiros anos da RAEM.

Respirava-se ainda o ar da transição e os tempos na justiça eram de mudança, tendo em conta que se implementavam leis e códigos bilingues elaborados nas últimas duas décadas, ainda durante a administração portuguesa.

Sam Hou Fai, no primeiro discurso como presidente do TUI, no ano judiciário de 2000/2001, dava conta de alguns desafios existentes, nomeadamente no que diz respeito ao bilinguismo e necessidade de celeridade da própria justiça. Nesse discurso defendeu a existência, na RAEM, de “um sistema jurídico aperfeiçoado, correspondente à realidade da Região e dos seus cidadãos, aceite com simpatia pelas pessoas de todas as comunidades que é o fundamento da estabilidade e do desenvolvimento permanente da sociedade”, sendo também “a garantia básica da dignidade judiciaria e do respeito pelas decisões judiciais”.

À época, vigorava o conceito de “Administração de Macau por gente de Macau”, quando actualmente se defende que o território deve ser governado por patriotas. Sam Hou Fai apelava não só à implementação prática deste princípio como “à concretização plena de ‘Um País, Dois Sistemas'” e “o alto grau de autonomia” atribuído ao território “e de outras instituições fundamentais consagradas na Lei Básica”. Estava, assim, “criado o sistema jurídico aperfeiçoado da RAEM”.

Nesse tempo, Sam Hou Fai destacava que “a construção de um novo sistema político” trazia “necessariamente profundas influências para todos os sectores da sociedade”.

“A alteração e os desafios a enfrentar pelo sistema judicial, como uma parte importante que integra o sistema político, são igualmente muito evidentes”. Aos juízes cabia apoiar a resolução “dos diversos conflitos públicos e privados, proteger a estabilidade social e os direitos e interesses legais dos cidadãos”.

O uso do chinês

No ano judiciário de 2000/2001, Sam Hou Fai apelava ao uso crescente do chinês nos tribunais, depois de anos de domínio da língua portuguesa. “Os juízes dos tribunais de todas as instâncias e o Conselho dos Magistrados Judiciais estão perfeitamente cientes da exigência ansiosa dos cidadãos de ver a língua chinesa utilizada nos tribunais. No entanto, considerando as situações objectivas dos juízes dos tribunais de todas as instâncias, dos advogados, dos funcionários de justiça e do recurso dos intérpretes, os tribunais podem apenas alargar gradualmente a utilização da língua chinesa para assegurar o funcionamento normal da justiça e evitar a protelação do julgamento dos processos”, é descrito.

Sam Hou Fai discorreu também em algumas ideias quanto à importância da manutenção da independência dos tribunais. “Os juízes não estão sujeitos a interferência de qualquer poder nem obedecem a quaisquer ordens ou instruções. Os aplausos, críticas ou acusações dirigidos pelo público aos órgãos judiciários não devem constituir factores de consideração dos tribunais e juízes quando proferirem a sentença.”

“No entanto”, destacou, “a independência judicial e o exercício do poder de julgar pelos juízes ausente de qualquer interferência não significam que os tribunais e os juízes estão livres de qualquer restrição, nomeadamente no âmbito da gestão judiciário-administrativa. Nós não podemos recusar ou protelar o julgamento de processos e muito menos ignorar o direito fundamental cívico de os cidadãos exigirem aos tribunais resolver os seus litígios e proteger os seus direitos e interesses legais no prazo razoável e por meio de processo justo e legal.

No discurso do ano judiciário seguinte, 2001/2002, Sam Hou Fai lembrava a falta de tradutores nos tribunais. “A veemente exigência dos residentes pelo uso da língua chinesa nos tribunais perante a grave carência de tradutores qualificados nas duas línguas oficiais também agravou, em certo grau, a dificuldade dos tribunais no seu funcionamento e na elevação da sua eficiência.”

Uma das problemáticas que já se verificava era o atraso na justiça, questão que se mantém até hoje. Dizia Sam Hou Fai que tinha sido feita uma inspeção aos processos em andamento, além de que o Conselho dos Magistrados Judiciais estava “atento às situações de acumulação de processos, nomeadamente dos processos comuns de declaração cíveis no Tribunal Judicial de Base e dos processos de instrução nos Juízos de Instrução Criminal”. O recém-nomeado presidente do TUI entendia ser “necessário aumentar a celeridade na apreciação e no julgamento destes tipos de processos”.

Códigos em pouco tempo

No discurso do ano judiciário de 2001/2002 colocava-se em evidência os desafios de trabalhar com os cinco novos códigos que tinham sido elaborados a partir dos anos 80 e que agora estavam plenamente em vigor.

“Os juízes dos tribunais das diversas instâncias começaram a aplicar, em todos os aspectos, um grande número de novos códigos (…) que cobrem as mais diversas camadas da sociedade. Devido ao curto período entre a proclamação e a entrada em vigor dos novos códigos, os magistrados e funcionários judiciais tiveram de dedicar muito tempo a estudá-los e dominá-los durante o próprio trabalho profissional, pois não tiveram, de antemão, um tempo adequado para fazê-lo.”

Assim, Sam Hou Fai lembrava ser “raramente visto em outros países ou regiões do mundo que, num tempo tão curto, entrem em vigor simultaneamente tantas e tão complicadas leis, tanto substantivas como processuais, que abranjam tão amplos ramos, nomeadamente o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Comercial, o Código de Processo Administrativo Contencioso, o Código do Registo Predial, o Código do Registo Civil, o Código do Notariado e o Regime das Custas nos Tribunais, entre outros.”

Sugestões concretas

No ano judiciário de 2002/2003, o discurso de Sam Hou Fai já apontou para sugestões mais concretas, decorridas da experiência prática da vigência do novo sistema judicial.

O agora candidato a Chefe do Executivo referia a necessidade de “ampliar o poder jurisdicional do TUI”, pois “nos três anos decorridos os processos recebidos em cada ano pelo TUI foram cerca de 20, pois a maioria absoluta dos recursos, com a decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), foram concluídos em julgamento de última instância de que não se pode recorrer mais”.

Assim, era “necessário rever as leis concernentes para ampliar o âmbito de admissão de casos por parte deste tribunal, de forma que, nos casos mais importantes, ou nos relativos a importantes questões jurídicas, se possa recorrer para o TUI”.

Defendia-se também a instalação de juízos especializados no Tribunal Judicial de Base “para elevar a eficácia de julgamento”, pois a então estrutura desse tribunal desfavorecia “a elevação da eficácia” do mesmo. Assim, Sam Hou Fai defendia que “era necessária a especialização das actuais seis secções de processos do Tribunal de Base”, evitando-se “a dilação de certos casos e o aparecimento de situações em que sejam proferidas decisões diferentes para casos da mesma natureza”.

Foi também apontada a necessidade de “aumentar o número de magistrados e funcionários judiciais”, pois, em três anos, verificava-se já no TSI, “uma tendência de elevação de processos não concluídos”. Importava ainda “aperfeiçoar o ordenamento jurídico e simplificar os actos processuais”. Foi também defendido o estabelecimento de um “sistema para que os órgãos judiciais possam compartilhar as informações dos serviços governamentais”.

Destaque ainda para o tipo de processos que surgiam, então, nos tribunais. No discurso do ano judiciário de 2002/2003, era referido o aumento em 237 casos de acções em processo sumário intentadas por residentes no Tribunal Judicial de Base, “tendo o índice de aumento chegado a 225 por cento”, com “a maior parte dos casos [relacionados] com pedidos de pagamento de despesas de condomínio”.

Relativamente aos delitos cometidos por menores de 16 anos, os processos de regime educativo baixaram de 273 no ano judiciário de 2000/2001 para 202 no ano judiciário de 2002/2003, “o que demonstra que a situação de transgressões de menores de idade inimputáveis conseguiu um certo melhoramento”.

Destaque também para o aumento, nesse ano, dos processos de índole laboral. “As acções declarativas laborais e de transgressão laboral recebidas pelo Tribunal de Base aumentaram 64 em comparação com o ano judiciário anterior, subindo de 114 para 178”, evidenciando “a tendência de subida dos casos de litígios laborais”.

Havia ainda uma “constante subida do número de casos em que os residentes pretendem que o tribunal reexamine as decisões administrativas feitas por directores de serviços”, reivindicando também “indemnizações do Governo”.

10 Set 2024

Hidrogénio | Analista recomenda análises de custo-benefício antes de investimento

João Graça Gomes, membro do Conselho Mundial de Energia, entende que Macau deve avaliar a aposta no hidrogénio antes de avançar para grandes investimentos que implicam gastos do erário público. Recorde-se que Raymond Tam, director dos Serviços de Protecção Ambiental, garantiu que a possibilidade está a ser estudada

 

O mundo está virado para as energias verdes como alternativa viável para reduzir os consumos de combustíveis fósseis no dia-a-dia. Macau não é excepção, e o Governo admitiu, no início do mês passado, que está a estudar a possibilidade de investir na produção de hidrogénio.

Porém, ao HM, João Graça Gomes, engenheiro e membro da direcção do “Global Future Energy Leaders” do Conselho Mundial de Energia, defende que o Executivo local deve assumir uma posição defensiva antes de avançar para investimentos de maior envergadura.

“A sugestão [do Governo] de investir em hidrogénio é vista com optimismo, considerando o potencial deste vector energético para descarbonizar a economia. No entanto, é crucial que Macau realize uma análise aprofundada do custo-benefício antes de avançar com investimentos significativos nessa área. Sendo uma região pequena, Macau enfrenta desafios consideráveis na produção de energia, o que resulta numa forte dependência de combustíveis fósseis para satisfazer a sua procura energética”, considerou.

Recorde-se que, no início do mês passado, numa sessão plenária dedicada a responder a interpelações de deputados, Raymond Tam, director dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), admitiu que a possibilidade de investir em hidrogénio está no horizonte. Já terá sido, inclusivamente, contratada uma entidade “para desenvolver os respectivos estudos”.

“Vamos tomar uma decisão depois de ter um estudo efectuado, para ver como vamos desenvolver os trabalhos de utilização da energia do hidrogénio”, disse Raymond Tam, citado pela agência Lusa. A revelação foi avançada quando o responsável respondia a uma interpelação de um deputado sobre a utilização da energia “que já está a desenvolver-se em Hong Kong”.

A região vizinha anunciou em Junho uma estratégia para a produção de energia tendo por base o hidrogénio, com o secretário para o Meio Ambiente e Ecologia a lembrar que “para enfrentar o desafio das mudanças climáticas, o mundo está empenhado em eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acelerar a transição energética”.

“A energia do hidrogénio é considerada uma energia com baixo teor de carbono e com potencial de desenvolvimento, e países de todo o mundo estão a promover activamente o desenvolvimento da indústria da energia do hidrogénio”, referiu Tse Chin-wan.

Por cá, o director da DSPA realçou que Macau “é uma cidade pequena” e para a “utilização do hidrogénio é necessário haver gasodutos”. “Sabemos que no futuro, aquando da substituição das peças das centrais de CEM [Companhia de Eletricidade de Macau], e dos geradores, vamos solicitar à respectiva empresa para ver se é possível instalar geradores para a produção de hidrogénio”, afirmou.

João Graça Gomes destaca que, tendo em conta o actual perfil da economia local, “predominantemente sustentada pelo turismo, associada ao sector do jogo, banca e construção, poder-se-á utilizar o hidrogénio para reduzir o consumo de gás natural, especialmente em aplicações de aquecimento”.

“Contudo, do ponto de vista termodinâmico, a substituição do gás natural por hidrogénio pode não ser a solução mais eficiente, pois outras fontes de energia podem oferecer melhor desempenho. Além disso, o hidrogénio é particularmente adequado para indústrias intensivas, como as de cimento e aço, que necessitam de temperaturas extremamente elevadas, onde as soluções eléctricas convencionais não são suficientes. Tais indústrias não existem em Macau”, referiu.

Pequenas importações

Citando dados do Observatório para a Complexidade Económica [OEC – The Observatory of Economic Complexity], uma plataforma online de dados “focada na geografia e dinâmica das actividades económicas”, João Graça Gomes recorda o facto de Macau importar poucas quantidades deste tipo de energia verde.

“É também relevante observar que, em 2022, Macau importou apenas 1,17 milhões de dólares em hidrogénio, o que a posicionou como o 112º maior importador mundial desse recurso. Na mesma época, o hidrogénio foi o 402º produto mais importado em Macau. Esses dados indicam que o hidrogénio não é actualmente um produto significativo na economia local, o que sugere que qualquer investimento nessa área deve ser abordado com prudência.”

Assim, o analista, e doutorando no Imperial College of London, frisou que “embora o hidrogénio tenha um grande potencial mundial, Macau deve avaliar se o seu perfil económico e energético é o mais adequado para explorar este recurso de forma eficaz”.

“Em última análise, Macau deve desenvolver o seu planeamento energético com base nas condições e necessidades específicas da região, evitando seguir modas e tendências globais sem uma análise criteriosa do contexto local”, acrescentou.

O caso de Hong Kong

Em Junho deste ano, as autoridades de Hong Kong lançaram o manual intitulado “A Estratégia do Desenvolvimento do Hidrogénio em Hong Kong” [The Strategy of Hydrogen Development in Hong Kong], sob a máxima da neutralidade de carbono.

“O nosso país dá grande importância ao combate às alterações climáticas, tendo estabelecido objectivos de ‘dualidade de carbono’ para a redução das emissões de carbono. As emissões de carbono em Hong Kong atingiram o pico em 2014, tendo-se verificado, actualmente, uma redução em cerca de um quarto quando comparado com esse período de pico. As nossas emissões per capita, em 2021, foram de 4.62 toneladas de dióxido de carbono, que é o quarto das emissões dos EUA e 60 por cento das emissões da União Europeia. Com base nestes dados, Hong Kong pretende reduzir a totalidade das emissões de carbono em 50 por cento antes de 2035 a partir dos níveis de 2005, a fim de atingir o objectivo da neutralidade de carbono antes de 2050”, escreveu o secretário Tse Chi-wan.

No caso da região vizinha, já foi estabelecido um grupo interdepartamental a fim de definir “as melhores práticas, regulamentos e padrões para aplicações seguras da energia com hidrogénio no contexto local”. Tem sido estudado “o desenvolvimento e caminhos da comercialização de várias tecnologias de energia de hidrogénio, promovendo-se projectos experimentais com aplicação local de energia de hidrogénio, tendo em conta o desenvolvimento de Hong Kong”, refere-se na mesma nota.

No mesmo documento é referido que a comunidade internacional classifica actualmente o hidrogénio segundo os métodos de produção e impacto ambiental que implica. Assim, “tipicamente é dividido em hidrogénio verde, azul e cinzento”, sendo que o cinzento “é produzido, maioritariamente, como um subproduto do processo de refinamento de petróleo ou pela reformação de vapor usando gás natural ou outros combustíveis fósseis como matérias-primas”.

O documento descreve que “o método de produção deste hidrogénio [cinzento] é actualmente o mais maduro e eficiente em termos de custos, mas implica emissões de carbono”. Assim, as autoridades de Hong Kong entendem que “pode ser usado para apoiar projectos experimentais, constituindo uma referência para um uso mais alargado do hidrogénio em Hong Kong no futuro”.

10 Set 2024

China | A 100 quilómetros de Pequim, nasce a mega-metrópole pensada por Xi

Fundada em 2017, a Nova Área de Xiongan é uma cidade que está a nascer a 100 quilómetros a sudoeste de Pequim, para aliviar a capital de funções não-essenciais, como departamentos do Governo, sedes de empresas estatais e centros de investigação e ensino. Com a conclusão das infra-estruturas vitais prevista para 2035, o Governo Central estima que Xiongan venha a ter 5 milhões de habitantes

 

A cerca de uma centena de quilómetros a sudoeste de Pequim está a nascer uma cidade, e um novo conceito urbano, desenhada para aliviar a capital de algumas funções não-essenciais, como departamentos do Governo, sedes de empresas estatais e centros de investigação e ensino. No coração da província de Hebei, a Nova Área de Xiongan ocupa uma zona de quase 178 quilómetros quadrados. Desde a sua fundação, em 2017, em Xiongan foram construídos quase 4.000 edifícios, 671 quilómetros de estrada, 136 quilómetros de túneis e galerias subterrâneas e cerca de 48 mil hectares de área florestal.

As autoridades prevêem, que a nova cidade situada entre os condados de Xiong, Rongcheng e Anxin, o seu nome combina elementos de Xiong e Anxin, esteja erigida até 2035 e finalizada até meio do século.

A Nova Área de Xiongan, considerada essencial para o desenvolvimento coordenado do triângulo metropolitano Pequim-Tianjin-Hebei, tem sido apresentada como um projecto de importância nacional para o próximo milénio, planeado e promovido pessoalmente pelo próprio Presidente Xi Jinping.

Além de servir de suporte à capital, a Nova Área de Xiongan é encarada pelo núcleo duro do Partido Comunista Chinês como um modelo de desenvolvimento urbano para seguir no futuro, onde a sustentabilidade, ciclo de vida de 15 minutos e a interacção entre tecnologia e ambiente são prioridades.

Verde e azul

Ainda numa fase embrionária, mas já com algumas estruturas e edifícios vitais construídos, a Nova Área de Xiongan acolhe 1.3 milhões de habitantes, que é praticamente a população dos três condados onde se situa. Além dos residentes locais, os trabalhadores que estão a construir a nova cidade são outro bloco demográfico importante, com uma força de trabalho que já chegou a cerca de 270.000 pessoas, segundo os dados apresentados por vice-director geral do gabinete de planeamento e construção de Xiongan, Wang Jinping.

A meta é agregar cinco milhões de habitantes numa cidade com baixa densidade populacional, sem os blocos de arranha-céus que costumam ocupar a vista panorâmica das cidades chinesas. Outra distinção que salta à vista, entre as inúmeras gruas que preenchem o horizonte, é a união das cores verde e azul, com o cinzento do cimento também presente na paleta que colora Xiongan. O facto de a nova cidade estar rodeada de recursos hídricos, entre o Rio Daqing e a bacia do Haihe, e vistas desafogadas sem horizontes estrangulados por arranha-céus conferem as tonalidades azuis e verdes à região. Além disso, a área Xiongan inclui também o Lago Baiyang, o maior lago de água fresca do norte da China. Com este ambiente circundante, o plano de desenvolvimento da nova área urbana tem entre os seus objectivos apoiar a restauração das zonas pantanosas e corpos de água.

A taxa de florestação da Nova Área de Xiongan é de mais de um terço (34,6 por cento), seguindo uma lógica nas novas zonas urbanas de pelo menos um quilómetro de vegetação por cada três quilómetros de construção. Além disso, outra característica muito presente na zona é a proliferação de parques recreativos.

A reabilitação do Lago Baiyang foi uma das tarefas ecológicas suscitadas pelo desenvolvimento da área. Com a melhoria da qualidade da água, as autoridades indicam que a fauna e flora locais voltaram a florescer, incluindo 260 espécies de aves e 46 espécie de peixes, incluindo algumas em vias de extinção.

A ganhar forma

Da mesma forma que Roma não foi construída num dia, Xiongan ainda tem um longo percurso pela frente.

No final do mês passado, o Governo Central levantou o véu sobre o plano de acção para os próximos três anos em matéria económica na região de Pequim-Tianjin-Hebei, especialmente na Nova Área de Xiongan. A prioridades começam na eliminação dos obstáculos que dificultam o fluxo e a afectação dos factores de produção, melhorar os serviços de comércio, investimento e assuntos governamentais e reduzir os custos das transacções institucionais na região, segundo a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma.

Além das regulamentações de mercado, também ao nível da concorrência, o China Daily salienta o objectivo de gestão do registo das empresas e de tornar os serviços governamentais mais convenientes, através da partilha de dados e integração de serviços.

No que diz respeito à Nova Área de Xiongan, as autoridades nacionais “comprometem-se em prosseguir a reforma da aprovação de projectos de investimento, abrir mais o sector financeiro da zona, apoiar instituições estrangeiras qualificadas nas suas operações em áreas como as finanças ecológicas, cuidados a idosos e gestão de activos, e a incentivar os profissionais de Pequim a trabalhar e a criar empresas em Xiongan”, indica o China Daily.

Busca de talento

Para encorajar o desenvolvimento de indústrias inovadoras, o Governo Central tem introduzido várias políticas para atrair talentos de alto nível. Além dos apoios públicos, com subsídios que vão de metade até um salário inteiro, as autoridades procuram chamar para Xiongan quadros qualificados dos sectores tecnológico, comercial, inteligência artificial, investigação científica, medicina e finanças.

Um dos polos que irá agregar estes sectores é o Parque Industrial e Cidade Inteligente da China Telecom, um projecto aprovado pelo Gabinete de Coordenação Central em 2021 que representa um investimento total de quase 2 mil milhões de yuan. Com uma área de construção de cerca de 214 mil metros quadrados, o projecto é apresentado como pioneiro, integrando um aglomerado de parques industriais. Depois de concluído, o parque terá capacidade para acomodar cerca de 6.000 trabalhadores em simultâneo. No passado mês de Maio, as primeiras empresas tecnológicas instalaram-se no parque, que passou a ser local de trabalho de cerca de 600 pessoas.

Além de polos industriais e alamedas de prédios residenciais, a Nova Área de Xiongan terá quatro universidades, três hospitais, uma mega-bibioteca e um complexo desportivo com um estádio com capacidade para 30 mil pessoas.

No total, estão em andamento 383 projectos de construção na cidade que se ergue entre rios e lagos, num investimento superior a 670 mil milhões de yuan.

Seguindo a descrição das autoridades locais, o desenvolvimento dos transportes constitui um alicerce fundamental para a Nova Área de Xiongan, “as veias” da região. Como tal, a estação ferroviária de Xiongan, inaugurada no fim de 2020, ligou a nova cidade a Pequim e Tianjin, e à rede nacional, e uma ligação de alta velocidade ao Aeroporto Internacional de Daxing em Pequim, que encolhe a viagem para 20 minutos. Por estrada, Xiongan é servida por duas vias rápidas nacionais e duas regionais.

O Hoje Macau visitou a Nova Área de Xiongan e a cidade de Xian integrado numa delegação de jornalistas de língua portuguesa e inglesa a convite do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM.

8 Set 2024

AL | Kou Hoi In espera “tarefas árduas” e destaca leis patrióticas

No relatório do terceiro ano da VII legislatura da Assembleia Legislativa, o presidente do hemiciclo considera que o quarto ano legislativo será “repleto de tarefas árduas”. Kou Hoi In destacou a aprovação, na actual legislatura, de diplomas relacionados com a eleição do Chefe do Executivo

 

Macau está na época alta dos balanços legislativos, quando deputados apresentam, em conferências de imprensa, os resultados do trabalho desenvolvido com interpelações ao Governo e sessões de esclarecimento à população. Porém, um dos balanços mais abrangentes acaba por ser o da própria Assembleia Legislativa (AL).

O relatório relativo ao terceiro ano da VII legislatura, dos anos 2023 a 2024, contém uma mensagem do deputado que preside à AL, Kou Hoi In, que dá conta que o último ano da actual legislatura será “repleto de tarefas árduas”.

Na mesma nota, o presidente do hemiciclo assegura que os deputados “vão continuar a pautar-se pelo bem-estar da população”, além de “elevar, através da fiscalização, o nível e eficácia da governação da RAEM”.

Caberá ainda aos deputados, nos próximos meses, o trabalho de aperfeiçoamento “do sistema jurídico da AL e promover o desenvolvimento de alta qualidade dos seus trabalhos”.

Na nota final assinada por Kou Hoi In, é dado grande destaque às questões patrióticas a cumprir pelos membros do hemiciclo. Fica, assim, a promessa de que estes irão “potenciar a gloriosa tradição de amor pela pátria e por Macau, assumir rigorosamente a nova missão e as novas tarefas atribuídas a Macau na nova era e nova jornada do país”.

Estes devem ainda “desempenhar as suas funções com pleno entusiasmo político, forte sentido de missão e união e, em conjugação de esforços com o Governo, vão aperfeiçoar e aprimorar, de forma contínua, o sistema institucional da governação de Macau àuz da lei”. Tudo importa para “assegurar a implementação estável e duradoura” do princípio “um país, dois sistemas”.

No ano legislativo que agora terminou, realizaram-se 35 plenários, com uma taxa média de assiduidade por parte dos deputados de 97 por cento. Foram realizados dez plenários para responder às questões colocadas pelos deputados através das interpelações orais, enquanto 17 sessões plenárias serviram para votar e discutir propostas de lei.

No que diz respeito às três comissões permanentes, realizaram-se 140 reuniões, com uma taxa de assiduidade ligeiramente mais baixa em relação às sessões plenárias, de 95 por cento.

O que é patriótico é bom

No relatório do ano legislativo de 2022/2023 Kou Hou In denotava que vinham aí propostas de lei importantes para o território e o país, para que o poder em Macau fique sempre “nas mãos dos que amam o país e Macau”. E com a chegada do acto eleitoral para o cargo do Chefe do Executivo, a verdade é que as propostas de lei relacionadas com a eleição foram as mais importantes do terceiro ano legislativo da VII Legislatura, na óptica do presidente da AL.

No relatório é dado destaque à alteração da Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo, aprovada a 14 de Dezembro do ano passado, que serviu para “aperfeiçoar o regime jurídico da defesa da segurança nacional e implementar plenamente o princípio “Macau governada por patriotas”. Houve também alterações à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM, aprovadas em 11 de Abril deste ano, que vieram “aperfeiçoar o mecanismo de apreciação da qualificação dos candidatos”, bem como “melhorar e optimizar o processo de gestão eleitoral, garantindo ainda mais a imparcialidade, a justiça e a integridade das eleições”.

Importa ainda ressalvar as alterações à Lei dos juramentos por ocasião do acto de posse), aprovada em 21 de Maio deste ano, que obriga os membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo a prestar juramento.

Houve também mudanças na Lei de protecção do segredo de Estado, aprovadas a 14 de Dezembro do ano passado, tratando-se de uma “lei complementar na área da defesa da segurança do Estado” e que vem definir “disposições específicas sobre a definição do segredo de Estado, critérios de classificação, medidas de protecção, prazos da classificação, o procedimento de desclassificação e o regime sancionatório”. O relatório indica que fica assegurada “uma protecção adequada e rigorosa do segredo de Estado”.

Na nota final do relatório, Kou Hoi In escreveu que estas leis têm “grande significado” e trazem “implicações profundas”. Ficou, assim, consolidada “a base legal para ‘Macau governada por patriotas'”, além de ser definido “os regimes jurídicos de protecção do segredo de Estado e de controlo de armas, no sentido de construir uma barreira jurídica para a defesa da segurança nacional e a estabilidade da sociedade a longo prazo”, defendeu.

Outro diploma importante foi a implementação do Regime jurídico da Universidade de Turismo de Macau, uma evolução do anterior Instituto de Formação Turística. Tratou-se de uma revisão que veio “permitir que o desenvolvimento académico, funcionamento e gestão do pessoal [dessa universidade] tenha uma maior flexibilidade, possibilitando, assim, elevar ainda mais a sua competitividade e influência regional”.

Outra referência no relatório é a alteração à lei do salário mínimo, levando ao aumento dos valores. Assim, desde 1 de Janeiro deste ano que o salário mínimo é de 7.072 patacas mensais; 1.632 patacas por semana, para remunerações calculadas àemana; 272 patacas por dia, para remunerações calculadas ao dia; e 34 patacas por hora, para remunerações calculadas àora.

O silêncio do inocente

Como é habitual, o relatório da AL revela ainda os deputados mais faltosos e cumpridores. Chan Chak Mo voltou a demonstrar um baixo desempenho como deputado, pois não apresentou nenhuma interpelação escrita ou oral ao Governo, nem sequer fez intervenções no período de antes da ordem do dia.

Também o deputado e médico Chan Iek Lap ficou longe das posições cimeiras em matéria de desempenho, com apenas sete intervenções antes da ordem do dia e duas interpelações escritas subscritas.

Pelo contrário, os deputados José Pereira Coutinho; Lei Chan U, Lam Lon Wai, Leong Sun Iok e Ella Lei, da Federação das Associações dos Operários de Macau; ou ainda Si Ka Lon e Song Pek Kei, ligados à comunidade de Fujian, estão no grupo dos mais interventivos.

No total, até ao dia 15 de Agosto foram apresentadas ao Governo 701 interpelações escritas por 20 deputados. “Importa ainda acrescentar que, durante o período de férias legislativas da sessão legislativa anterior, isto é, entre 16 de Agosto e 15 de Outubro de 2023, foram apresentadas 110 interpelações escritas por 13 deputados”, lê-se no relatório.

Os dados revelados no balanço legislativo mostram “o cumprimento das funções de todos os deputados que trabalharam com pragmatismo e dedicação para servir a população”, sendo também um sinal do “empenho, profissionalismo e eficiência dos trabalhadores dos Serviços de Apoio àssembleia Legislativa, bem como da cooperação e dos esforços conjuntos dos órgãos Legislativo e Executivo”, é referido

De destacar que não só este ano se realizam as eleições para o cargo do Chefe do Executivo, como no próximo ano haverá eleições legislativas. A corrida eleitoral sofreu recentemente uma reviravolta, pois Ho Iat Seng, o tão esperado candidato a um segundo mandato, anunciou que não iria concorrer por questões de saúde. Actualmente é Sam Hou Fai, o ex-presidente do Tribunal de Última Instância, quem melhor se posiciona na corrida eleitoral.

6 Set 2024

Fukushima | Macau mantém proibição de produtos importados do Japão

O Japão pediu recentemente a Hong Kong para levantar a proibição de importação de produtos alimentares de dez zonas do país no seguimento das descargas de águas residuais nucleares da central de Fukushima. O pedido foi rejeitado e Macau segue pelo mesmo caminho. Em sete meses de análises a amostras alimentares, o Instituto para os Assuntos Municipais não registou anomalias

 

Em Macau permanece o medo do impacto na saúde pública com a importação de alimentos oriundos de algumas zonas do Japão devido a descargas de águas residuais da central nuclear de Fukushima. Em meados do último mês, as autoridades japonesas pediram a Hong Kong para pôr um ponto final às restrições de importação de produtos, mas a RAEHK manteve a decisão.

O mesmo caminho segue Macau. Numa resposta enviada ao HM pelo Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), lê-se que vai continuar a ser proibido importar determinados alimentos do Japão por se acreditar que há risco para a saúde pública, apesar de as autoridades japonesas manterem a tese de que é seguro para o mar e a terra as descargas das águas de Fukushima.

“Em resposta à decisão unilateral do Japão de proceder à descarga contínua de águas residuais nucleares no mar a partir de 24 de Agosto de 2023, o Governo da RAEM, no mesmo dia, proibiu a importação de produtos alimentares frescos e vivos ou produtos de origem animal, dos locais com risco mais elevado, nomeadamente Fukushima e dez outras prefeituras costeiras. A fim de garantir a segurança alimentar de Macau, essa medida ainda permanece em vigor”, pode ler-se.

Nas análises efectuadas nos primeiros sete meses de 2024, não foram detectados problemas nos produtos importados do Japão das restantes prefeituras. “O IAM tem vindo a reforçar a monitorização de substâncias radioactivas nos produtos alimentares importados do Japão, tendo recolhido, aquando da sua importação e da venda a retalho, de 1 de Janeiro a 31 de Julho de 2024, 55 mil amostras alimentares para testes através de aparelhos de medição de radiação e 1.200 amostras para testes de radionuclídeos, nas quais não se detectou nenhuma anomalia”, é referido.

No passado dia 19 de Agosto, as autoridades de Hong Kong rejeitaram um pedido do Japão para levantar as restrições à importação de produtos alimentares de dez prefeituras japonesas. Segundo a agência Lusa, foi emitido nessa altura um comunicado por parte das autoridades da região vizinha no contexto de uma visita a Hong Kong do ministro da Agricultura, Silvicultura e Pescas do Japão, Tetsushi Sakamoto. O responsável nipónico pediu o fim das medidas implementadas em Agosto de 2023.

Na altura, Hong Kong impôs “medidas de controlo da importação” de produtos japoneses, incluindo pescado, marisco, algas e sal, de dez regiões do norte e centro da ilha de Honshu, incluindo de Fukushima e da capital, Tóquio.

Numa reunião com Sakamoto, o secretário para a Administração interino de Hong Kong, Cheuk Wing-hing, expressou preocupação sobre “as repercussões sem precedentes” da descarga de águas residuais radioativas tratadas e diluídas da central de Fukushima Daiichi.

Em Agosto foram lançadas para o oceano parte dos cerca de 1,33 milhões de toneladas de água, proveniente de chuva, água subterrânea ou injecções necessárias para arrefecer os núcleos dos reactores nucleares de Fukushima.
“Não existem garantias por parte das autoridades japonesas de que o seu sistema de purificação e diluição possa funcionar de forma contínua e eficaz a longo prazo”, defendeu Cheuk Wing-hing.
Apesar de ter sido aprovado pela Agência Internacional de Energia Atómica, o plano de descarga das águas de Fukushima levantou preocupações nos países vizinhos, provocando protestos de rua na Coreia do Sul.

Tanto o Governo como a sociedade de Hong Kong “estão muito preocupados com a salvaguarda da segurança alimentar e da saúde pública (…) e devem adoptar uma abordagem prudente e exercer um controlo rigoroso”, disse o governante de Hong Kong.

Desde o início das descargas que as autoridades da região chinesa têm testado os níveis de radiação em amostras de alimentos importados de outras províncias do Japão, sem qualquer resultado anormal, tal como acontece em Macau.

Ainda assim, Cheuk disse a Sakamoto que o Governo de Hong Kong irá “acompanhar de perto a evolução das descargas e manter as medidas correspondentes sob revisão”.
A libertação das águas residuais começou quase 12 anos e meio após a fusão nuclear de Março de 2011, causada por um forte terramoto e tsunami.
Tanto o Governo japonês como o operador da central, a Tokyo Electric Power Company Holdings, alertaram que a água tinha de ser removida para evitar fugas acidentais dos tanques de armazenagem.

Restaurantes em quebra

Apesar dos dados oficiais não apontarem, para já, quaisquer riscos no consumo, a verdade é que os restaurantes japoneses têm registado quebras de negócio nos últimos meses.

Logo em Setembro de 2023, um mês depois da descarga das águas o volume de negócios dos restaurantes japoneses e coreanos diminuiu 27,9 por cento em Setembro, face ao mesmo mês de 2022, segundo dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC).

Em Outubro verificou-se uma quebra no volume de negócios dos restaurantes japoneses de 24,9 por cento em termos anuais, sendo que essa quebra também se verificou nos restaurantes de comida coreana. Em Maio deste ano, o volume de negócios dos restaurantes japoneses e coreanos baixaram 18,1, também de acordo com a DSEC.

Novos diálogos

A questão Fukushima tem estado em cima da mesa desde que as águas foram libertadas no mar. Em Abril desde ano, segundo a agência Lusa, peritos do Japão e da China realizaram o primeiro diálogo público entre os dois países, na cidade chinesa de Dalian, para discutir o impacto da controversa libertação de água tratada da central nuclear de Fukushima.

O desastre nuclear da central japonesa de Fukushima Daiichi, desencadeado pelo devastador terramoto e tsunami de Março de 2011, representa o mais grave acidente nuclear do século XXI até à data.

Segundo a agência noticiosa oficial japonesa Kiodo, a representação japonesa contou com a presença de funcionários dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Economia, do Comércio e da Indústria, bem como de delegados do operador da central, a TEPCO, e da Autoridade Reguladora Nuclear do Japão, que “trocaram pontos de vista” com peritos de agências de investigação chinesas.

Já no passado mês de Março, peritos da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) se deslocaram ao Japão para fazer uma avaliação do impacto da descarga das águas nas pescas e agricultura, garantindo não existir problemas de segurança alimentar.

O director-geral da AIEA, Rafael Grossi, observou as águas residuais radioactivas a serem misturadas com quantidades massivas de água do mar e examinou a estação onde se processa esta operação. “Ao supervisionar esta operação e fornecendo informação sobre a mesma, asseguramos, como afirmámos desde o início, que a AIEA estará presente até que a última gota seja dispersa de forma segura no oceano”, disse Grossi num vídeo publicado na rede social X (antigo Twitter). “A segurança nuclear está em primeiro lugar. A AIEA está aqui e vamos acompanhar de forma contínua esta operação”, acrescentou.

Mais recente, no passado dia 9 de Agosto, a AIEA emitiu uma nota sobre uma fuga de água detectada numa das unidades da central nuclear de Fukushima, envolvendo, segundo uma nota desta entidade, “cerca de 25 toneladas de água da sala das bombas do sistema de arrefecimento do combustível irradiado e da sala do permutador de calor”.

Esta água escoou “para um dreno no chão ligado ao poço de recolha de água localizado numa sala do primeiro andar da cave”, porém, não foi detectada “qualquer fuga que se tenha propagado a outras divisões”. A AIEA salientou também que “este acontecimento não está relacionado com a descarga de água tratada”, não tendo esta sido informada “de qualquer violação das normas de proteção contra as radiações”.

4 Set 2024

Jogos Olímpicos | Manuel Silvério ainda acredita na adesão de Macau ao COI

Manuel Silvério, ex-presidente do Instituto do Desporto e co-fundador do Comité Olímpico de Macau, continua a defender que “a adesão de Macau ao COI [Comité Olímpico Internacional] só depende de alguém tomar a iniciativa”. O responsável defende também o aumento da transparência no desporto local

 

“Qualificados, prontos e amplamente apoiados: A adesão de Macau ao COI [Comité Olímpico Internacional] só depende de alguém tomar a iniciativa”. É com esta frase que Manuel Silvério, antigo presidente do Instituto do Desporto (ID) e co-fundador do Comité Olímpico de Macau (COM), fala da possibilidade da RAEM poder participar nos Jogos Olímpicos (JO).

Numa nota publicada na segunda-feira no Facebook, o antigo dirigente defende que o COM “tem condições e a capacidade para continuar a seguir com o pedido de adesão ao COI”, salientando que Macau tem, “pelo menos mais 25 anos para realizar este sonho da comunidade desportiva de Macau”.

O facto de Macau, ao contrário de Hong Kong, não poder estar no COI é uma questão que tem sido levantada nos últimos dias, no contexto da visita da delegação olímpica chinesa ao território. Recorde-se que, nos últimos JO de Paris, a China ficou em segundo lugar no ranking de países mais medalhados com um total de 91 medalhas, atrás dos Estados Unidos da América que ficaram em primeiro lugar.

Tanto o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, como a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, defenderam que a vinda dos atletas olímpicos constitui uma boa influência para o fomento do desporto local, mas a verdade é que a chama olímpica tem estado afastada do horizonte de Macau.

O COM foi criado em 1986 e Manuel Silvério fez parte do organismo até se reformar, em 2008. Na publicação, destaca que nesses anos “a participação de Macau nos JO sob o COI tem sido fortemente apoiada” por várias entidades, nomeadamente “o Comité Olímpico Chinês, pelo Comité Olímpico Português, pelo Governo de Macau sob administração portuguesa ou pelo Governo da RAEM”.

“Não há razão para impor restrições; podemos continuar a avançar na direcção da participação nas Olimpíadas como a Delegação Desportiva da China, Macau, e podemos ter sucesso nisso”.

Um trabalho contínuo

Manuel Silvério explica também que até 2008 foram mantidos os esforços para que os atletas de Macau pudessem participar nos JO. “Como um dos fundadores e ex-líder do Instituto do Desporto de Macau e do COM, quero destacar que eu e a minha equipa sempre estivemos activamente empenhados em criar condições para que os atletas de Macau pudessem participar em competições internacionais. Desde a fundação do COM, passando pela adesão ao Conselho Olímpico da Ásia (OCA) e a participação ininterrupta nos Jogos Asiáticos desde 1990, o objectivo final sempre foi os JO”, apontou.

No ano de fundação do COM, segundo o testemunho de Manuel Silvério, ele e José Machado estiveram nos JO de Seul como observadores, onde fizeram contactos para “levar os atletas de Macau aos Jogos Asiáticos e Olímpicos”. Foi então criado o COM, sendo que, em 1987, foi solicitada a filiação ao COI e também ao Comité dos Jogos Asiáticos.

Nos anos 80, e numa fase em que a Declaração Conjunta acabava de ser assinada, era incerto o futuro da RAEM. Assim, Manuel Silvério recorda como “no início o COI levantou muitas questões, como a identidade dos atletas de Macau, o estatuto político, a bandeira, o hino, os documentos de viagem e passaportes, bem como a forma de participação e a relação com a delegação chinesa”, o que exigiu “mais de dez dossiers detalhados”.

Porém, 25 anos depois da constituição da RAEM, “essas ‘dúvidas’ foram completamente esclarecidas”, tendo “todos os obstáculos ou dúvidas sido totalmente eliminados”. Com base nesse contexto, Manuel Silvério acredita que foi seguido “um plano cuidadoso e progressivo para concretizar a candidatura ao COI”.

“Acredito que, com o impulso positivo daquela época, a agenda para a adesão do COM ao COI poderia ser retomada. E estou ainda mais confiante de que não haverá muita oposição. Claro, antes disso, ainda pode ser necessário fazer mais trabalho de comunicação e coordenação com os membros do COI”, acrescentou.

Regras para cumprir

Manuel Silvério destaca também que o território já cumpre os pré-requisitos que podem fazer desta candidatura um caso de sucesso, pois a “participação da Delegação Desportiva da China, Macau, nos Jogos Olímpicos é uma manifestação da implementação da política ‘Um País, Dois Sistemas’, e a Lei Básica já esclareceu todas as dúvidas do COI”. Depois, há ainda as questões de Hong Kong e Taiwan, que participam nos JO.

“A Delegação Desportiva da China, Hong Kong e a Delegação Desportiva de Taipei Chinês constituem precedentes, e de acordo com as regras do COI, antes da revisão de 1996, a adesão de Macau é razoável e justificada”, descreve, lembrando ainda que “Macau tem contribuído para o desporto na Ásia e no mundo, e tanto os outros membros como o próprio COI ou OCA podem beneficiar da adesão de Macau, sem razões para se opor”.

Neste contexto, o HM conversou em 2021 com Chan Chak Mo, deputado e secretário-geral do Comité Olímpico e Desportivo de Macau (CODM), que explicou que uma candidatura ao COI estaria afastada devido a alterações de estatutos de 1996. “Os Estatutos do Comité Olímpico Internacional mudaram nos anos 90 e impedem a inscrição de membros que não sejam soberanos. Como Macau é China não se pode candidatar, foi o que nos explicou o COI”, defendeu.

O secretário-geral lembrou que esta questão não ficou resolvida no período da administração portuguesa, ao contrário do que sucedeu com Hong Kong, e que agora será difícil alterar o panorama.

“Hong Kong fez a candidatura antes da transferência da soberania, numa altura em que os estatutos ainda não tinham sido alterados. Foi por isso que foram aceites. Ao contrário, Macau não completou a candidatura antes da transferência e agora já não pode fazer nada. O processo de entrada tinha de ficar concluído nos anos 90, antes da transferência”, explicou Chan Chak Mo.

Manuel Silvério destaca a necessidade que as autoridades de Macau têm de apostar nas novas modalidades que muito recentemente passaram a fazer parte dos JO, como as competições de BMX freestyle, Breakdance ou skate.
O antigo dirigente desportivo recorda que, nos mais variados eventos que organizou, como os Jogos da Lusofonia, por exemplo, foram escutadas “atentamente as necessidades do COI, do Comité Olímpico Asiático e das diferentes modalidades”.

“Iniciámos e promovemos activamente novas modalidades que hoje em dia já são desportos olímpicos e nos Jogos Asiáticos, ou de renome mundial, como os e-sports, os desportos radicais, especialmente o skate e o BMX freestyle, recebendo elogios generalizados dos membros do COI”, disse. Desta forma, cabe a Macau “criar oportunidades para os atletas em diferentes modalidades”.

Falta de transparência

Manuel Silvério diz ainda que “nos últimos anos parece que tem faltado a Macau um pouco de transparência e iniciativa no que ao desporto diz respeito”, estando as autoridades a seguir “uma direcção oposta à internacionalização e rejuvenescimento do desporto promovidos pelo COI e pelo país”.

“Observamos como diversas novas modalidades desportivas têm brilhado nos eventos internacionais, e até algumas modalidades tradicionais tiveram de dar lugar aos novos desportos nos Jogos Olímpicos. Por outro lado, as autoridades desportivas parecem ter marginalizado algumas dessas novas modalidades, o que acabou por prejudicar o desenvolvimento desses desportos em Macau”, referiu. Para Manuel Silvério, “Macau já foi pioneira nos desportos, mas agora estagnou”, pois “os locais e as competições desapareceram”. “Parece que todo o trabalho que fizemos no passado nunca aconteceu, como se os esforços e o tempo investidos tivessem sido em vão, sem ninguém a dar continuidade”, frisou.

Tendo em conta a realização dos Jogos Paralímpicos em Paris desde o dia 28 de Agosto, Manuel Silvério refere o agrado por ver “a Delegação de Macau nos Jogos Paralímpicos aparecer na cerimónia de abertura”, alertando para as dificuldades sentidas pela Associação dos Deficientes de Macau para formar e enviar atletas para competir.

“Há muito pouca cobertura mediática sobre a sua situação. Um membro fundador da Associação dos Deficientes de Macau disse-me que, até agora, não sabem se o apoio financeiro para esta ida a Paris do Instituto do Desporto será aprovado na sua totalidade. Claro, ao vê-los ir ao Instituto do Desporto para se despedirem antes da viagem, podemos ficar aliviados, sabendo que eles ainda conseguiram participar. Mas, ao mesmo tempo, só enviaram uma atleta e um oficial. Em comparação com as delegações de outros tempos, a alegria para a comunidade desportiva de Macau é limitada”, rematou.

Manuel Silvério deixa ainda uma questão sobre a ligação de Macau aos JO. “Se nem conseguimos candidatar-nos ao COI, como podemos falar em cidade internacional?”. O dirigente diz mesmo que Macau tem condições para competir por si. “Não estamos a dizer que os melhores atletas de Macau podem juntar-se à equipa nacional da China. Eu apoio a Lei Básica e acredito que isso não seria um exemplo positivo. Em várias competições internacionais, como os Jogos Asiáticos, os atletas de Macau competem em pé de igualdade com os atletas da China, Hong Kong e Taipei Chinês. Esta é uma vantagem de ‘Um País, Dois Sistemas’, permitindo que mais atletas talentosos da China brilhem no palco internacional”, adiantou.

4 Set 2024

China-África | Fórum de cooperação decorre esta semana em Pequim

Arrancou ontem o 9º Fórum de Cooperação China-África, em Pequim, com a promessa de reforço das ligações comerciais e investimento. Analistas dizem que a China irá manter predominância política no continente africano, mas Pequim rejeita a ideia de “neocolonialismo”

 

Decorre esta semana, em Pequim, o Fórum China-África (FOCAC, na sigla em inglês), a nona edição de uma iniciativa que se realiza a cada três anos desde Outubro de 2000. Analistas ouvidos pela agência Lusa acreditam que o FOCAC deste ano será marcado pelo reforço do “alinhamento político” entre Pequim e o continente africano e por uma “maior clareza em relação à iniciativa chinesa de segurança global”.

O Fórum propriamente dito decorre entre amanhã e sexta-feira, mas algumas reuniões decorreram ontem. No total, estarão em Pequim 54 representantes africanos, incluindo numerosos chefes de Estado e de Governo, assim como largas centenas de ministros sectoriais.

“Todas as embaixadas em Pequim estão completamente ocupadas com o Fórum, todos os governos africanos estão ocupados. Há mais presidentes africanos a participar no FOCAC do que na Assembleia Geral da ONU, que é a maior cimeira do mundo. O FOCAC é o ponto mais importante do calendário diplomático de África”, sublinha Paul Nantulya, investigador do Africa Center for Strategic Studies (ACSS), especialista nas relações África-China.

Apesar das numerosas representações de alto nível e do “reforço do prestígio” deste FOCAC em relação ao anterior, Jana de Kluiver, investigadora do Institute for Strategic Studies (ISS), em Pretória, prevê que esta primeira cimeira pós-covid não será marcada pelo aumento da “dimensão do investimentos” anunciados.

Em primeiro lugar, refere, porque a China “está consciente do problema da dívida em África e da forma como a situação se apresenta a nível internacional”, e depois, porque se espera este ano mais envolvimento do sector privado, o que “coloca uma maior ênfase na rentabilidade dos projectos, o que implica projectos mais pequenos, com um retorno mais rápido”.

Em contrapartida, Kluiver acredita que se irá assistir ao anúncio do investimento em projectos de energias renováveis e no aumento de projectos relacionados com o “Crescimento Verde”, assim mais investimento tecnológico, em alinhamento com os objectivos internos da China.

É também apontada a importância que deverão assumir as três grandes iniciativas anunciadas pelo Presidente chinês, Xi Jinping, depois do último FOCAC de 2021, tal como a Iniciativa de Segurança Global (ISG), Iniciativa de Desenvolvimento Global (IDG) e Iniciativa de Civilização Global (ICG).

“Um elemento importante que sairá deste FOCAC é o alinhamento político”, sublinha Nantulya. “A China está a procurar um alinhamento político mais forte com os países africanos, como parte da sua estratégia para o Sul Global, que vê como uma espécie de contrapeso ao que chama o sistema internacional dominado pelo Ocidente”, acrescenta o investigador.

“Penso que teremos uma maior clareza sobre a nova ISG e a IDG, em particular. Este FOCAC será marcado pelo elemento da segurança, e na forma como Pequim tenta remodelar a ordem internacional” através destas iniciativas, afirmou Jana de Kluiver.

Reforma precisa-se

Nantulya sublinha que os países africanos têm reclamado uma reforma do sistema multilateral, que inclua uma representação permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas a China “não tem sido muito clara na sua posição” sobre este tema.

A estas exigências, a China tem respondido com a promessa de ajudar a “ampliar a sua influência e os seus interesses a nível internacional, por exemplo, defendendo os pedidos de mais financiamento para o desenvolvimento”, acrescenta o investigador.

“A China está a criar muitas organizações internacionais, muitas das quais são paralelas a organizações internacionais existentes, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, de que muitos países africanos são membros, ou o novo Banco de Desenvolvimento, que funciona no âmbito dos BRICS, e outras organizações de que os países africanos fazem parte”, ilustrou ainda.

Falta posição comum

Finalmente, ambos os analistas apontam falha importante que representa a falta, mais uma vez, de uma estratégia comum dos países africanos para negociações com um gigante como a China.

“África não tem uma posição comum em relação à China, nem em relação a qualquer actor externo. Há certas orientações continentais que seriam altamente positivas, se os países e os seus compromissos bilaterais com a China pudessem ter em mente o quadro mais vasto do desenvolvimento do continente”, diz Kluiver.

“Mas não existe uma agenda definida ou uma abordagem comum, o que prejudica os países africanos, em termos do seu poder de negociação”, acrescentou.

A China dispõe de muitos recursos, especificamente em termos de desenvolvimento da conectividade, tecnologias de informação e comunicação, recursos humanos, bem como de financiamento de projectos, mas, para que pudesse realmente ser aproveitado, seria preciso que os países africanos alcançassem um “nível de coordenação” mínimo, que lhes permitisse, por exemplo, articular de forma eficaz grandes projetos como o Acordo de Comércio Livre Continental Africano e a iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”, sublinha a analista sul-africana.

É fundamental, sublinha Kluiver, que “exista um nível de concordância” entre os países africanos, que “garanta que estes grandes projetos estão alinhados, porque é importante desenvolver projetos de infraestruturas regionais que, em última análise, promovam o comércio intra-africano e não se limitem a reforçar as cadeias de valor e as ligações com, por exemplo, a China ou qualquer potência externa”.

Predominância continental

Também à Lusa o director de pesquisa da consultora Oxford Economics Africa considera que a China vai manter um papel predominante nas economias africanas, nomeadamente na reestruturação da dívida.

“O FOCAC vai definir a direcção e o foco dos empréstimos, subvenções e créditos à exportação para os países africanos, e é particularmente importante nesta altura devido ao papel primordial que a China está a desempenhar nos processos de reestruturação da dívida externa de vários países africanos, como a Etiópia e a Zâmbia”, disse Jacques Nell.

Para o responsável, “a China tem apoiado os países africanos em termos de alívio da dívida e reescalonamento dos pagamentos desde antes dos processos de abordagem dos credores, apresentado pelo G20, e continua a desempenhar um papel importante nos processos de reestruturação da dívida externa na sequência da pandemia de covid-19”.

A elevada dívida externa dos países africanos, principalmente quando analisada em termos do rácio sobre o PIB e sobre as receitas fiscais, tem levado muitos analistas a alertar para a existência de uma crise da dívida africana.

O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) defendem uma reformulação da arquitetura financeira mundial e a introdução de mecanismos de alívio ou perdão de dívida para os países sobre-endividados, que abrangem mais de metade das nações africanas.

Questionado sobre a importância da China, o maior credor do continente e o maior credor externo de países como Angola, Jacques Nell respondeu que os chineses têm ajudado os países africanos, mas diz que há alguma dualidade do papel da China em África e lembra críticas por causa da confidencialidade dos contratos financeiros.

Estes contratos, apontam os críticos, dão azo a especulações sobre as condições prejudiciais e fomentam a ideia de uma ‘armadilha da dívida’, em que os fluxos financeiros eram acompanhados de influência geopolítica e económica nesses países e de represálias duras em caso de incumprimento financeiro.

“As cláusulas de confidencialidade introduzem alguma incerteza sobre as modalidades do alívio da dívida, especialmente porque já há vários processos de reestruturação em curso, o que demonstra a dualidade do papel da China em África – por um lado, os chineses oferecem alívio da dívida e fazem investimentos, o que é muito necessário, mas por outro lado os termos da maior parte dos negócios estão envoltos em secretismo, o que só por si é criticável”, conclui o analista.

Sementes de discórdia

Entretanto, uma análise publicada na agência Xinhua rejeita a ideia de que os investimentos chineses são uma forma de neocolonialismo. Com o título “Porque é que é absurdo acusar a China de praticar ‘neocolonialismo’ em África”, o texto cita analistas que defendem os enormes benefícios do investimento chinês em alguns países.

“Ao acusar a China de fomentar a dependência africana através de investimentos maciços e de dar prioridade aos interesses chineses em detrimento das necessidades locais, o Ocidente está a tentar semear a discórdia nas relações China-África e minar a sua cooperação, tudo num esforço para proteger os interesses de alguns países ocidentais em África, afirmam os especialistas”, lê-se.

A nona edição do FOCAC, com o lema “Unir as Mãos para avançar a modernização e construir uma comunidade de alto nível sino-africana com um futuro partilhado”, apresenta-se como “uma plataforma para um diálogo colectivo, unindo a China com a Comissão da União Africana e com os 53 países africanos que mantêm relações diplomáticas com a China”, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

2 Set 2024

Timor/25 anos: Uma “história bonita” conseguida com dificuldade e falta de apoio, diz Durão Barroso

Por Isabel Marisa Serafim, da agência Lusa

O antigo primeiro-ministro português Durão Barroso disse hoje que Timor-Leste é uma “belíssima história”, que assegurou a “restauração do direito internacional”, recordando com emoção dificuldades no percurso até ao referendo, que se assinala sexta-feira, que levou à independência.

“Uma belíssima história ou uma história muito bonita”, afirmou o também presidente da Aliança Global para as Vacinas e Imunização, questionado pela Lusa sobre os 25 anos de realização do referendo em Timor-Leste, em cujas celebrações, esta semana, participa.

Durão Barroso salientou que é com “enorme emoção” que recorda o percurso, com dificuldades e pressões, em que “Portugal teve um papel de liderança, que assegurou a restauração do direito internacional, permitiu o exercício da autodeterminação do povo timorense e que em paz foi possível estabelecer o primeiro país soberano do século XXI”.

Em 1992, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Durão Barroso iniciou conversações formais com a Indonésia, tendo participado em quatro rondas de negociações.

Os dois países acabariam por assinar a 05 de maio de 1999, sob os auspícios das Nações Unidas, três acordos, nomeadamente sobre a questão de Timor-Leste, outro sobre a modalidade da consulta popular e um terceiro sobre segurança.

Os acordos foram assinados por Jaime Gama, na altura chefe da diplomacia portuguesa, pelo seu homólogo indonésio, Ali Alatas, e por Kofi Annan, antigo secretário-geral da ONU.

Mas, salientou Durão Barroso, foi também um “percurso em que muita gente não acreditou, porque parecia irrealista”.

“Nas relações internacionais há os chamados realistas ou os ‘realpolitik’, que dizem que só vai acontecer aquilo que é realista esperar, e de facto não parecia muito realista”, disse.

Durão Barroso recordou que na altura Timor-Leste era ocupado pela Indonésia, o “maior país muçulmano do mundo” e esteve “durante muito tempo quase ignorado”, havia desconhecimento e “muita gente julgava que era daqueles casos que era melhor ficarem no arquivo da história”.

Questionado sobre as dificuldades diplomáticas enfrentadas por Portugal na defesa da causa de Timor-Leste, o antigo primeiro-ministro disse que muita gente não queria sequer ouvir falar do assunto, por um lado, e, por outro lado, “havia muitos interesses”.

“É preciso não esquecer que a Indonésia é um dos mais importantes países desta região e é o maior país da ASEAN [Associação das Nações do Sudeste Asiático] um grupo com o qual há imenso interesse, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos e também na China, em desenvolver relações”, explicou.

Durão Barroso disse que em várias reuniões entre a União Europeia e a ASEAN responsáveis políticos de vários países lhe pediam para não levantar a questão de Timor-Leste.

“Faziam pressão sobre mim para não levantar a questão, mas obviamente que levantava, nomeadamente na ótica dos direitos humanos”, afirmou.

O antigo primeiro-ministro recordou também que o massacre do cemitério de Santa Cruz contribuiu para dar visibilidade à questão de Timor-Leste e que depois “com algum trabalho, nomeadamente com a resistência timorense, com os seus representantes no exterior, foram definindo uma estratégia”.

“Por exemplo, na estratégia, como ministro dos Negócios Estrangeiro, escrevi ao Comité Nobel a propor as personalidades timorenses para receberem o Prémio Nobel da Paz” por causa da visibilidade internacional, salientou.

O Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, e o antigo bispo da diocese de Díli Dom Carlos Ximenes Belo receberam o prémio Nobel da Paz em 1996.

Durão Barroso destacou também o apoio dos Países de Língua Oficial Portuguesa e de Espanha, por “razões de boa vizinhança e de amizade com Portugal, mas não era um verdadeiro apoiou à causa de Timor-Leste”.

“Para ser muito sincero, já tenho distância suficiente para dizer (que) na Europa praticamente ninguém nos apoiou. O único país que verdadeiramente nos apoiou na União Europeia foi a Irlanda, porque dá muito valor à questão da autodeterminação”, afirmou.

“Há causas pelas quais vale a pena lutar e neste caso foi uma das causas em que a justiça ganhou, acho que é motivo de uma grande alegria”, concluiu.

A 30 de agosto de 1999, 344.580 das 446.666 pessoas registadas (433.576 em Timor-Leste e 13.090 nos centros no estrangeiro) escolheram a independência do país e consequentemente o fim da ocupação da Indonésia (a Indonésia invadiu Timor-Leste a 07 de dezembro de 1975), apesar da violência perpetrada pelas milícias que apoiavam a integração.

29 Ago 2024

Chefe do Executivo | Sam Hou Fai realça percurso profissional de 40 anos

O ex-presidente do Tribunal de Última Instância apresentou ontem a candidatura a líder do Governo, num discurso marcado pela repetição de vários dos slogans políticos nacionais e locais

 

Mais de 40 anos na área da justiça, conhecimento de procedimentos administrativos semelhantes aos do Governo e vários anos a aprender e a viver em Macau. Foi desta forma que Sam Hou Fai, ex-presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) e candidato a Chefe do Executivo, defendeu a adequação do seu currículo para ocupar o cargo de líder do Governo.

Um dos pontos em foco sobre a candidatura de Sam Hou Fai ao lugar de Chefe do Executivo passa pela falta de experiência em posições de Administração Pública ou conhecimento do mundo empresarial, dado que até à última semana era juiz desde 1997 e presidente do TUI desde 1999.

Na apresentação oficial da candidatura a Chefe do Executivo, Sam Hou Fai reconheceu ontem ser pouco conhecido “por algumas pessoas da sociedade” por ter sido presidente do TUI durante vários anos, e porque os juízes “não são realmente personalidades públicas”. Todavia garantiu ter trabalhador muito para a RAEM.

O ex-juiz considerou também que a experiência na vertente administra do TUI é muito semelhante ao que vai encontrar no Executivo. “A gestão dos magistrados é semelhante à gestão de um pequeno governo, o ingresso na magistratura é muito diferente do que acontece com várias empresas, assim como também são os processos de aquisição [pública]. E aprendi muito sobre isso”, assegurou.

Ao longo da conferência que durou cerca de uma hora, Sam Hou Fai abordou igualmente a possibilidade de ser o primeiro Chefe do Executivo da RAEM a nascer fora de Macau. “Penso que percebo bastante bem Macau, estou bastante integrado e não fico atrás daqueles que estão há mais tempo em Macau”, opinou. “Desde que cheguei a Macau, sempre me tentei inteirar sobre como é Macau e como as coisas funcionam”, acrescentou.

Por outro lado, o candidato destacou as suas ligações com o território. “Os meus filhos nasceram em Macau, tenho netos, e são três gerações em Macau. Acredito que várias gerações de Macau estão na mesma situação do que eu e que me encaram como um residente com um longo período em Macau”, argumentou.

Rol de slogans

Sobre os motivos que levaram à apresentação da candidatura, Sam Hou Fai recorreu a vários slogans da política nacional e local, como a necessidade de assegurar “a implementação plena, correcta e firme do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’” e realizar “o grande empreendimento de fortalecimento do país e do rejuvenescimento nacional”.

O magistrado afirmou também que a candidatura se deve “à forte missão de salvaguardar a prosperidade e a estabilidade a longo prazo de Macau na nova era e na nova jornada”, assim como a vontade de “assumir novas responsabilidades e obter novas conquistas para Macau”.

Sam Hou Fai revelou ainda que a sua candidatura se move pela “aspiração inicial de criar juntos um futuro melhor para Macau” e que para “a população em geral possa ter uma vida melhor”.

No discurso de Sam Hou Fai foram também frequentes as menções “à pátria”, e a ligação desta com o sucesso da RAEM. “A pátria é sempre o respaldo mais forte de Macau, e quanto melhor for a pátria, melhor será Macau. […] A construção de um país poderoso e a revitalização nacional estão intimamente ligados ao futuro de Macau e à felicidade dos seus residentes. Macau, enquanto parte integrante da grande família da pátria, deve naturalmente acompanhar de perto os passos do país”, realçou.

Primado da união

Sobre os objectivos de um futuro mandato como representante da RAEM, Sam Hou Fai afirmou ir trabalhar para “unir todos os sectores da sociedade”, e revelou que o lema da candidatura vai ser: “trabalhar com espírito empreendedor e avançar juntos, persistir no caminho certo e apostar na inovação”.

A união da sociedade de Macau foi outro dos pontos em que insistiu, numa fase que indicou ser “um novo ponto de partida histórico”. “A minha candidatura a Chefe do Executivo tem como objectivo unir todos os sectores da sociedade para que Macau seja mais próspera e harmoniosa e para que os cidadãos tenham uma vida melhor e feliz”, disse o candidato. “Neste novo ponto de partida histórico, devemos reunir consensos sociais, permanecer vigilantes contra perigos mesmo em tempos de paz e prosperidade, agir com espírito empreendedor, avançar com firmeza para conquistar triunfos maiores; vamos unir as forças de todos para promover o desenvolvimento e trabalhar juntos para alcançar a prosperidade, de modo a que toda a população possa partilhar os frutos do desenvolvimento económico e social e traçar um maior círculo concêntrico de amor à pátria e a Macau”, acrescentou.

Na sessão de ontem, Sam Hou Fai admitiu que o programa político da candidatura para os cinco anos de Governo só vai ser apresentado mais tarde, depois de ouvir “os sectores da sociedade”.

Todavia, o candidato prometeu cumprir o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, e empenhar-se na “elevação da eficiência da governação”, aproveitando as “vantagens particulares” de Macau, diversificação da economia e construção “de um belo lar”, que passa pela defesa nacional e uma maior promoção “dos valores tradicionais do amor à pátria e a Macau”.

Equipa de candidatura

Representante do Candidato: Lei Wun Kong

Advogado no escritório Rato, Ling, Lei & Cortés – Advogados Lektou

Vogal da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau

Membro da Comissão da Lei Básica da RAEM do Comité Permanente da APN da RPC

 

Coordenador da Candidatura: Ip Sio Kai

Deputado à Assembleia Legislativa

Vice-Director-Geral da Sucursal de Macau do Banco da China
Administrador do Banco Tai Fung
Administrador não executivo do Banco da China Internacional

Membro do 14.º Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês
Presidente da Associação de Bancos de Macau

Vice-Presidente da Direcção da Associação Comercial de Macau

 

Coordenador-Adjunto da Candidatura: Chan Ka Leong

Presidente da União Geral das Associações dos Moradores de Macau

Subdirector da Escola dos Moradores de Macau

Membro do Conselho Consultivo do Instituto para os Assuntos Municipais

Nota: Todos os membros da equipa integram a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, ou seja, vão poder votar em Sam Hou Fai

 

Aparato de segurança

Os jornalistas que participaram ontem na conferência de imprensa de apresentação da candidatura de Sam Hou Fai depararam-se com um apertado aparato de segurança à entrada do Centro de Ciência de Macau.

Antes de terem acesso à sala onde decorreu a sessão que durou cerca de uma hora, os jornalistas convidados e registados para o evento, apenas a estes foi garantido o acesso, tiveram de ser revistados, além de mostrarem aos seguranças o interior das malas e mochilas. Além disso, os chapéus-de-chuva ficaram à entrada. Durante a conferência, os repórteres de imagem foram chamados à atenção e avisados para não se aproximaram do palco, quando tentavam tirar fotografias.

Perfil de Sam Hou Fai

Idade: 62 anos (Maio de 1962)

Formação Académica

Licenciatura em Direito pela Universidade de Pequim

Licenciatura nos Cursos de Direito e de Língua e Cultura Portuguesa na Universidade de Coimbra

Curso de Introdução ao Direito, na Universidade de Macau

Curso de Formação de Magistrados

Percurso Profissional

Advogado no Interior da China

Auditor Judicial de Macau

Juiz do Tribunal de Competência Genérica

Presidente do Tribunal de Última Instância

29 Ago 2024

Gastronomia macaense | Recursos humanos geram tensão com hotelaria

A antropóloga Annabel Jackson dirige hoje uma palestra sobre o “Turismo Gastronómico em Macau: Impacto Económico e Oportunidades” no Sofitel, Ponte 16. Ao HM, a autora destaca a “tensão entre hotéis de luxo e casinos e o panorama gastronómico local”, especialmente no que toca a recursos humanos

 

“Turismo Gastronómico em Macau: Impacto Económico e Oportunidades” é o nome da palestra hoje protagonizada por Annabel Jackson, antropóloga na área alimentar e autora de diversos livros gastronómicos, em particular sobre gastronomia macaense. O evento está marcado para as 09h no hotel Sofitel do empreendimento Ponte 16 e é promovido pela Câmara de Comércio França-Macau no âmbito do ciclo de palestras “FMCC Breakfast Talk Rendez-Vous”.

Em declarações ao HM, Annabel Jackson, que reside há várias décadas entre Hong Kong e Macau, destaca que, actualmente, existe “uma tensão em Macau entre o sector dos hotéis de luxo e casinos e a cena gastronómica local”, dada as dificuldades de competitividade perante as concessionárias de jogo, respeitante aos recursos humanos, por exemplo.

“Não há dúvida que Macau já é um destino gastronómico, e o próprio Gordon Ramsay o afirmou no início do ano, contando actualmente com 17 restaurantes com estrelas Michelin, incluindo dois com três estrelas. Há chefes de cozinha famosos no território, incluindo portugueses. No entanto, existe uma tensão entre o sector dos hotéis de luxo e casinos e a cena gastronómica local. Como podem os restaurantes locais competir no que respeita a atrair bons funcionários, com economias de escala ou boas localizações?”, questiona.

Annabel Jackson alerta também para relatos de que “as receitas estão a cair mês a mês em todas as cozinhas”, existindo ainda “outros problemas, como o facto de os residentes de Macau atravessarem a fronteira para fazer compras e comer, embora Hong Kong enfrente o mesmo problema”, denota.

Relativamente à palestra que protagoniza hoje, Annabel Jackson refere que “o turismo gastronómico beneficia as empresas locais e promove o desenvolvimento económico, porque se concentra nos produtos e explorações agrícolas locais”.

Além disso, é um sector gerador de emprego “através de efeitos multiplicadores e incentiva a preservação das tradições locais”. A gastronomia pode ainda fomentar “a inovação para reinventar essas mesmas tradições de acordo com as necessidades e os gostos do turista de hoje”.

“Comer alimentos locais, ir a mercados de alimentos, ou frequentar aulas de culinária oferece interações culturais únicas, que são muito experienciais, dão uma sensação de autenticidade. O turismo gastronómico dá aos destinos que não têm beleza paisagística uma forma de se promoverem”, explica.

Annabel Jackson escreveu mais de uma dezena de livros sobre diversas gastronomias asiáticas, e sobre Macau já tem no currículo: “Taste of Macau: Portuguese Cuisine on the China Coast” ou “The Making of Macau’s Fusion”. A autora escreve também sobre gastronomia em jornais.

Gato por lebre

Outro ponto destacado pela antropóloga é a falta de uma definição clara do que é verdadeiramente comida macaense. “Macau é, obviamente, o triunvirato das cozinhas portuguesa, macaense e cantonense. No entanto, o problema é compreender e comunicar as diferenças entre elas e as formas adicionais de interação. As comidas macaense e portuguesa estão localizadas, mas como antropóloga alimentar, acho isto fascinante, nomeadamente sobre as formas como as cozinhas ou estilos culinários não são estáticos. No entanto, isso dá origem a confusão.”

Annabel Jackson acrescenta que “a investigação académica mostra que mesmo que os turistas do continente tenham assistido a uma exposição itinerante sobre Macau na sua própria cidade, chegam a Macau sem perceber o que estão a comer”.

Um dos exemplos apontados ao HM é o de “uma turista que pediu Galinha à Portuguesa, pensando ser o prato mais típico português que poderia provar. Não percebia porque o prato sabia a caril e a leite de coco”. “Como sabemos, o Frango à Portuguesa é, na verdade, um prato macaense, embora outras pesquisas tenham indicado que, na verdade, é cantonês, o Po Kok Gai”, acrescentou.

Outro exemplo descrito é o facto de, num hotel, existir “uma selecção num menu com o nome ‘Especialidades Portuguesas e Macaenses’, que pode incluir Camarão Frito Macaense, Bacalhau a Brás e Caldo Verde, sem que haja qualquer indicação de que os dois últimos pratos são portugueses”.

“Numa ementa vi o prato Galinha Piri Piri traduzida para inglês como African Chicken. É evidente que os dois pratos não são iguais”, denotou.

Recentemente, Annabel Jackson falou de temáticas semelhantes na Fundação Rui Cunha (FRC), sobre “Macau e o Mundo Malaio: Uma Perspectiva Gastronómica”, onde descreveu as grandes influências da comida do Sudeste Asiático na comida macaense, e de como é “redutor quando afirmamos que a comida macaense é uma espécie de fusão da comida portuguesa e chinesa”.

“[A gastronomia macaense] não é apenas indicativa de todo o Sudeste Asiático, mas podemos ir até algumas ilhas do Oceano Índico e algumas zonas da África Oriental. Não nos podemos esquecer que a comida macaense é, de certa forma, baseada nos ingredientes chineses locais, como o frango, porco, ovos, alhos, cebolas, azeite, mas é muito mais do que isso”, disse.

A autora referiu também que, apesar de Macau ser hoje Cidade Criativa da Gastronomia da UNESCO, há muita confusão em torno da essência de cada prato. “Sinto que com a classificação de Macau como Cidade Criativa da Gastronomia pela UNESCO houve mais reconhecimento, mas, apesar de todo o esforço feito pelo Governo de Macau, a mensagem não está a passar e os turistas não fazem ideia do que é a gastronomia macaense. Se falarmos com chineses locais, também não sabem o que é. Temos uma desconexão quando as pessoas vão a Macau, porque há poucos restaurantes macaenses.”

Nesse sentido, a autora clamou por mais apoios públicos para que estes restaurantes permaneçam abertos. Um dos exemplos mais recentes de fecho de um restaurante macaense com história foi a “Cozinha Aida”, fundado por Aida de Jesus e que era ponto de encontro da comunidade local e amantes da comida tipicamente macaense.

“Nos últimos oito meses assistimos ao encerramento de dois restaurantes macaenses locais. Tratam-se de espaços que serviam comida autêntica com apenas alguns pratos portugueses, mas na maioria eram macaenses. E penso como é que estes restaurantes podem ter fechado. No caso de Aida de Jesus, ela era a madrinha da cozinha macaense. Porque é que o Governo não apoia os restaurantes macaenses locais ajudando-os a sobreviver, dando-lhes mais recursos?”, inquiriu a autora.

Annabel Jackson é mestre em Antropologia da Alimentação pela Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, estando actualmente a frequentar o doutoramento. Em 2020 lançou um livro pela Hong Kong Free Press, intitulado “The Making of Macau’s Fusion Cuisine – From Family Table to World Stage”, que conclui, entre outros tópicos, que os macaenses que vivem em Macau sentem-se mais próximos da sua cozinha ao invés daqueles que residem no estrangeiro. A obra analisa o relacionamento da comunidade com a sua própria gastronomia, bem como as influências de Malaca nas diversas receitas.

27 Ago 2024

Timor-Leste/25 anos | Guterres condecorado com Grande Colar da Ordem

António Guterres vai ser condecorado com a mais alta distinção de Timor-Leste pela intervenção que teve em 1999, após a realização do referendo que levou à independência, anunciou José Ramos-Horta. O chefe de Estado sugere que empresas lusas usem o país como ‘armazém’ para o sudeste asiático, mas alerta para a necessidade de condições e vontade dos governos

 

“O secretário-geral António Guterres como primeiro-ministro de Portugal, em 1999, no ano crítico, teve uma intervenção que na altura chamou a atenção do Presidente Bill Clinton [antigo Presidente dos Estados Unidos]”, explicou José Ramos-Horta, em entrevista à agência Lusa por ocasião dos 25 anos de realização do referendo em Timor-Leste.

“Quando estive com o Presidente Bill Clinton em Setembro de 1999 na cidade de Auckland, Nova Zelândia, onde ia se reunir-se a Cimeira da APEC [Fórum Económico dos Países da Ásia e do Pacífico], Bill Clinton disse-me: Quem mais me sensibilizou na questão de Timor-Leste foi António Guterres”, lembrou o prémio Nobel da Paz.

Após o anúncio dos resultados do referendo de 30 de Agosto de 1999, em 4 de Setembro do mesmo ano, em que a grande maioria dos timorenses votou a favor da independência de Timor-Leste, uma onda de violência assolou o território perpetrada pelas milícias integracionistas, apoiadas pela Indonésia. Milhares de timorenses foram obrigados a fugir perante a onda de assassínios, deslocação forçada de pessoas para Timor Ocidental, ataques à igreja católica e outras organizações.

“A intervenção de António Guterres foi uma intervenção que sensibilizou emocionalmente Bill Clinton e António Guterres deixou bem clara a mensagem de Portugal”, salientou o Presidente timorense.

Segundo José Ramos-Horta, na altura havia a questão do Kosovo e da Bósnia, que obrigou a uma intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e Portugal foi um dos países que contribuiu para aquela missão.

“Não vou citar textualmente o que António Guterres disse ao telefone com Bill Clinton, isso reservo para o meu livro, mas a mensagem foi clara. Não pode haver dois pesos e duas medidas e que Portugal podia repensar a sua participação nas forças da NATO nos Balcãs”, salientou.

No livro “Por Timor – Memórias de dez Anos de Independência”, da antiga assessora de José Ramos-Horta, Sónia Neto, o antigo Presidente dos Estados Unidos recorda que, perante a “brutal campanha de violência”, decidiu suspender a cooperação militar com a Indonésia. Uma semana mais tarde, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, por unanimidade, uma resolução que autorizava a força multinacional Interfet, liderada pela Austrália a entrar em Timor-Leste.

Reconhecimento da ordem

Face ao exposto, é com naturalidade que António Guterres vai ser condecorado com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste.

A Ordem de Timor-Leste, com quatro graus, foi criada em 2009 e visa reconhecer e agradecer a nacionais e estrangeiros que contribuíram para o benefício do país, dos timorenses e da humanidade.

Além de António Guterres, os jornalistas portugueses Paulo Nogueira, Pedro Sousa Pereira e Fernando Peixeiro, da agência Lusa, Pedro Miguel Duarte Costa e Silvestre Bento Rodrigues, da SIC, António Valador, da RTP, e Pedro Manuel Mesquita e José Luís Ramos Pinheiro, da Rádio Renascença, também vão se condecorados com a Ordem de Timor-Leste.

“Muitos outros foram condecorados num grande evento em 2015, mas há tantas pessoas, tantos amigos espalhados pelo mundo”, disse José Ramos-Horta, explicando que são jornalistas que estiveram em Timor-Leste em 1999, mas que também fizeram a cobertura do país durante muitos anos.

Ponto de encontro

O Presidente timorense, José Ramos-Horta defendeu também que as empresas portuguesas podem usar Timor-Leste como ‘armazém’ para reexportarem para o sudeste asiático em áreas como as conservas, o calçado ou têxteis.

O chefe de Estado timorense defendeu que o sudeste asiático é o melhor mercado para as empresas portuguesas que têm interesse em expandir-se.

“O mercado é este, do sudeste asiático, com quase 700 milhões de pessoas, dos quais cerca de 200 milhões são já de classe média, com [rendimento] ‘per capita’ mais elevado, com gostos mais refinados”, disse. “Se eu fosse um empresário timorense ou português, fazia de Timor-Leste um armazém de conservas portuguesas porque o asiático gosta muito de conservas” e “a conserva portuguesa é a melhor do mundo”.

Para José Ramos-Horta, há ainda outras áreas em que os empresários portugueses podem fazer a diferença, como o calçado ou confeção têxtil. “Há quase 30 anos conheci um senhor guineense, casado com uma timorense, ele vendia sapatos portugueses em casa. Hoje já tem lojas em toda a Austrália a vender calçado português”, exemplificou.

O Presidente defendeu que Timor-Leste “pode ser um armazém como Singapura” que “reexporta tudo o que vem da Europa, do resto do mundo para a Ásia e vice-versa”.

Ramos-Horta deu ainda outro exemplo de sucesso dos produtos portugueses na região referindo que os vizinhos de Timor ocidental, a parte indonésia da ilha, atravessam muitas vezes a fronteira “para virem comprar vinho português a Timor-Leste”. O país asiático lusófono podia ainda ser “um ‘hub’ para indústria farmacêutica portuguesa”, defendeu.

Criar bases

No entanto, para promover este tipo de investimento, o chefe de Estado considerou que os governos timorense e português devem fazer “acordos mais concretos, comerciais, mas com fortes apoios dos bancos portugueses, do banco central português e timorense”.

É preciso que a nível político haja “incentivos a esses empresários para se estabelecerem em Timor”, em vez de andarem “a fazer juras de amor eterno”, como é comum na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Segundo o relatório semestral das perspectivas económicas do Banco Mundial, divulgado esta semana, a economia de Timor-Leste deverá acelerar para uma média de 3,7 por cento no período 2024-2026.

Este ano, manteve a trajectória de crescimento próximo dos 3 por cento, mas a um ritmo mais lento devido à baixa execução orçamental, que foi de apenas 25 por cento do Orçamento do Estado e 6 por cento do orçamento de Capital e Desenvolvimento até Maio.

“São necessárias taxas de execução substancialmente mais elevadas para alcançar níveis mais elevados de crescimento económico”, alertou o Banco Mundial.

Desafios a ultrapassar

Apesar das projecções económicas optimistas, Timor-Leste ainda enfrenta muitas dificuldades. O problema da má nutrição está relacionado com a “pobreza, mas também com a questão cultural e educacional”, explicou o chefe de Estado timorense.

Dados do Programa Alimentar Mundial (PAM) indicam que cerca de 360.000 pessoas em Timor-Leste, com 1,3 milhões de habitantes, enfrentam níveis críticos de insegurança alimentar.

O Banco Mundial recomendou recentemente a Timor-Leste que aumente o investimento para reduzir a fome, a subnutrição e o atraso no crescimento infantil para melhorar o capital humano do país e consequente desenvolvimento económico.

“Há muitas famílias com muitos animais domésticos, gado bovino, centenas de búfalos, de cabritos, porcos. Uma família mais educada, mais sensível planearia para dar de comer às crianças, à casa, regularmente com o que tem, mas muitos não o fazem”, disse José Ramos-Horta.

Por outro lado, segundo o prémio Nobel da Paz, “matam cinco ou 10 búfalos num casamento ou num funeral e depois passam meses sem comer um bocado de carne”.

José Ramos-Horta explicou que também há desconhecimento sobre nutrição e que no tempo da ocupação indonésia criaram o hábito de comer arroz, que é menos nutritivo que o milho, e as massas de 0,25 dólares que é só misturar água.

O Presidente lamentou também a falta de água potável para a população e de condições de higiene. “Tudo isso leva a problemas de infecções nos intestinos e estômago”, disse.

Lições externas

Segundo o PAM, 47 por cento das crianças menores de cinco anos sofrem de atraso no crescimento. “É a minha campanha principal, porque é uma questão humana, ética e moral, mas não só, é o futuro do país, essas crianças são o futuro do país e têm de ser crianças sãs e bem-educadas”, salientou o chefe de Estado.

Questionado sobre quais as maiores conquistas do país nos últimos 25 anos, José Ramos-Horta destacou a liberdade de imprensa e a democracia. “Estas são as melhores conquistas”, disse, mas enumerou também a electrificação do país, a construção de estradas, a formação de médicos e enfermeiros, a formação de quadros, bem como o aumento da esperança média de vida.

Sobre a emigração dos jovens timorenses, o chefe de Estado disse que foi quem defendeu a saída daqueles jovens do país, numa primeira fase para a Coreia do Sul e para a Austrália. “Primeiro eu dizia, por favor ajudem-nos, não temos emprego, não temos economia, muita pobreza. Levou anos, mas lá consegui”, disse.

Actualmente, os timorenses emigrados na Austrália, Coreia do Sul e Inglaterra enviaram 110 milhões de dólares para os seus familiares em Timor-Leste. “Mas não é só o dinheiro, estão a ganhar algo, novas experiências, novos hábitos de trabalho”, sublinhou o chefe de Estado.

José Ramos-Horta considerou que “não há nada de negativo” na emigração e que o positivo é que os jovens que vão para fora mandam muito dinheiro para os seus familiares, afastando a possibilidade de défice de quadros. “Daqui a uns anos eles voltam, quando o nosso país está em construção e vamos precisar deles e alguns já voltaram”, salientou.

26 Ago 2024

Ensino superior | Duas universidades locais constam no Ranking de Xangai

Só a Universidade de Macau e Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau constam na edição deste ano do Ranking de Xangai, que a nível mundial é liderado pela Universidade de Harvard e na China pela Universidade de Tsinghua. Hong Kong surge representada na lista com sete universidades

 

No “Academic Ranking of World Universities” do Ranking de Xangai constam apenas duas universidades locais, a Universidade de Macau (UM) e a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa), em lugares bem mais abaixo das habituais instituições de ensino superior consagradas dos EUA ou Reino Unido. O ranking lista as melhores universidades de todo o mundo.

Este ano, a UM ficou no grupo das “301-400” melhores universidades do mundo, posição semelhante à do ano passado. Em 2022, a UM estava uns graus mais abaixo, posicionando-se no grupo das “401-500” melhores do mundo.

A UM destaca-se pelas áreas ligadas às ciências e tecnologias, estando no grupo das “201-300” melhores universidades no que diz respeito às áreas da Química e Engenharia Mecânica, enquanto na área da “Electrónica e Engenharia Electrotécnica” está uns lugares bem mais acima, constando no grupo das “51-75” melhores do mundo, tal como na área da “Automação e Controlo”. Na área da “Engenharia de Telecomunicações” a UM está numa melhor posição, em 44º lugar, tal como nas “Ciências Informáticas e Engenharia”, no grupo das “51-75” melhores.

A MUST também está, desde o ano passado, numa posição melhor no ranking, ainda que abaixo da UM: está no grupo das “401-500” melhores, quando, em 2022, se situava no grupo das “501-600” melhores.

Também nesta instituição de ensino superior privada se destacam as áreas da engenharia e ciências, com a disciplina de “Automação e Controlo” a constar no grupo das “51-75” melhores, enquanto a área da informática e engenharia está no grupo das “101-150”. No caso da área das “Ciências dos Transportes e Tecnologia” a MUST situa-se no grupo das “76-100” melhores, enquanto na área da “Hospitalidade e Gestão Hoteleira” ocupa o grupo das 40 melhores. Também na área do turismo a UM se destaca, mas numa melhor posição, ao constar no grupo das 14 melhores do mundo.

Uma vez que a MUST se tem destacado pela aposta na medicina tradicional chinesa, o ranking de Xangai mostra que há ainda alguns passos a dar para um melhor posicionamento a nível internacional, pois na área “Farmácia e Ciências Farmacêuticas” está no grupo das “201-300” melhores do mundo. No caso da UM, que também tem apostado nesta área, está no grupo das “151-200”, enquanto na área de “Saúde Pública” a instituição de ensino superior público está no grupo das “201-300”.

É descrito que a UM tem actualmente 12 mil alunos e 650 docentes, enquanto a MUST possui mais do que esse número de estudantes, onde se inclui 3,847 alunos de mestrado e doutoramento, bem como 8,272 alunos de licenciatura.

Tsinghua é líder

De frisar que as universidades de Macau constam no ranking de cariz global e não no ranking que apenas inclui as universidades chinesas, onde mais uma vez a Universidade Tsinghua lidera, seguindo-se a Universidade de Peking, de Zhejiang e ainda, em quarto lugar, a Universidade de Shanghai Jiao Tong. Em quinto lugar surge também uma outra instituição de ensino de Xangai, a Universidade de Fudan. Já a província de Guandgong é representada pela Universidade de Sun Yat-sen, em 11º lugar. No último lugar, o 594º, surge o Instituto de Ciências e Tecnologia de Shanxi.

O Ranking de Xangai destaca também as melhores universidades chinesas por área de ensino. No caso das línguas, a Beijing Foreign Studies University lidera, seguindo-se a Communication University of China, também em Pequim, e em terceiro lugar a Shanghai International Studies University.

Na área da saúde, a instituição que lidera é o Peking Union Medical College, situado em Pequim, e que está ligado à gestão do novo Hospital das Ilhas de Macau. Segue-se a Capital Medical University, também em Pequim, e a Southern Medical University, na província de Guangdong. Em quarto lugar surge a Nanjing Medical University, em Jiangsu, ou ainda a Harbin Medical University, no norte do país, na província de Heilongjiang.

Para quem deseja estudar na área da economia e finanças, as instituições de ensino superior de topo são a Shanghai University of Finance and Economics, seguindo-se a Central University of Finance and Economics, na capital chinesa.

No que respeita às universidades asiáticas no Ranking de Xangai a Universidade Tsinghua está em 22º lugar, seguindo-se, dois lugares à frente, a Universidade de Peking. Em 27º lugar consta a Universidade de Zhejiang, surgindo, logo a seguir, o Japão, com a Universidade de Tóquio. De destacar também a Universidade Nacional de Singapura, em 68º lugar, ou a Universidade de Hong Kong, em 69º lugar, que a nível do território lidera.

No caso da região vizinha, constam sete instituições do ensino superior no Ranking de Xangai. Depois da reputada Universidade de Hong Kong surge, em segundo lugar, a Universidade Cidade de Hong Kong, a Universidade Chinesa de Hong Kong e ainda a Universidade Politécnica de Hong Kong em quarto lugar. Seguem-se a Universidade de Ciências e Tecnologia, a Universidade Baptista de Hong Kong e a Universidade de Educação de Hong Kong. A Universidade Chinesa de Hong Kong em Shenzhen também entra no ranking.

Seis indicadores

Publicado pela primeira vez em 2003, o Ranking de Xangai, com o nome original de “Academic Ranking of World Universities (ARWU), foi editado pelo Center for World-Class Universities da Graduate School of Education da Universidade Shanghai Jiao Tong. Desde 2009 que o ranking é publicado, e protegido em termos de direitos de autor, pela consultora Shanghai Ranking Consultancy.

Segundo o portal do ranking, esta é uma “organização totalmente independente no domínio da informação sobre o ensino superior e não está legalmente subordinada a quaisquer universidades ou agências governamentais”.

Em termos metodológicos, são usados seis indicadores para classificar as universidades, nomeadamente “o número de antigos alunos e funcionários que ganharam prémios Nobel e Medalhas Fields, o número de investigadores altamente citados selecionados pela Clarivate, o número de artigos publicados nas revistas ‘Nature’ e ‘Science’, o número de artigos indexados no ‘Science Citation Index Expanded’ e no ‘Social Sciences Citation Index'”, no portal académico “Web of Science”. É também analisado “o desempenho per capita de uma universidade”, sendo que “mais de 2500 universidades são efectivamente classificadas” pelo ranking todos os anos, sendo que “as 1000 melhores são publicadas”.

Tal explica que, no caso de Macau, apenas a UM e a MUST se destaquem, embora a Universidade Cidade de Macau também tenha sido classificada. Esta apenas surge, relativamente a 2023, no grupo das “51-75” melhores universidades na área da “Hospitalidade e Gestão de Turismo”, sendo parca a informação adicional disponível. Não há mais instituições de ensino locais presentes no ranking.

De referir que Portugal tem apenas seis universidades no Ranking de Xangai, com a Universidade de Lisboa a liderar, seguindo-se a Universidade do Porto, de Aveiro, da Coimbra, do Minho e ainda a Universidade Nova de Lisboa.

26 Ago 2024

Eleições CE | Saída de Ho Iat Seng, por motivos de saúde, encarada com “surpresa”

Com a saída de Ho Iat Seng da corrida às eleições para ser o próximo Chefe do Executivo, o presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, parece ser o senhor que se segue. Jorge Fão destaca o facto de, pela primeira vez, poder surgir um candidato que não é empresário, mas funcionário público

 

Ao cair do dia desta quarta-feira a vida política de Macau sofreu um volte face. Ho Iat Seng, que todos esperavam ser novamente candidato ao cargo de Chefe do Executivo para um segundo mandato, renuncia por questões de saúde. É a primeira vez na história da RAEM que um Chefe do Executivo não cumpre o segundo mandato de cinco anos, ao contrário do que aconteceu com Edmund Ho e Chui Sai On.

Sem Ho Iat Seng, os olhares estão depositados na possível candidatura de Sam Hou Fai (ver página 4). Ao HM, Jorge Fão, ex-membro da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo (CECE), destaca a importância de, pela primeira vez, não ser um empresário a subir ao mais elevado lugar no pódio político da RAEM.

“Dos [candidatos] que se vão posicionar vejo que o presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) tem mais hipóteses. Há dias perguntaram-me sobre esta possibilidade [de Sam Hou Fai concorrer], mas não acreditei. Porém, com Ho Iat Seng afastado, vejo que tem fortes possibilidades de avançar”, disse.

Para Jorge Fão, “é altura de entrar um funcionário público e não um empresário. É o mesmo que está a acontecer em Hong Kong”, destacou. “Sam Hou Fai é um homem experiente, e deve ser uma pessoa da alta confiança do Governo Central, não tendo feito um mau trabalho no exercício das suas funções como juiz. Tem experiência de vida e profissional, mas falta-lhe experiência ao nível da Administração pública e nas áreas económica e política.”

Porém, Jorge Fão acredita que, no que diz respeito a questões económicas, “o Governo Central vai ajudar, bastando conceder mais quotas de viagem da China para Macau”.

“É sempre bom ser uma pessoa da área da justiça, o que dá a entender que o Governo será mais transparente e que haverá menos corrupção, embora seja importante que não se exagere nesse controlo com recurso à justiça, pois pode asfixiar tudo o resto, nomeadamente o trabalho de associações. Não pode ser uma governação apenas centrada no Direito.”

Jorge Fão, que ficou de fora nestas novas eleições para a CECE, considera ter ficado surpreendido com o anúncio de Ho Iat Seng. “Foi uma surpresa para muitos e para mim também, porque todos os Chefes do Executivo fizeram dois mandatos desde a fundação da RAEM. Ele esteve fora cerca de 40 dias, tem problemas de saúde, e além disso já não é assim tão novo.”

Cedo para balanços

Na nota divulgada ao final da tarde de quarta-feira, Ho Iat Seng assumiu que as questões de saúde são a razão para não ser novamente candidato. “Devido a problemas de saúde ainda não totalmente resolvidos, a bem do desenvolvimento a longo prazo de Macau e partindo do que corresponde ao melhor interesse desta região, decidi não participar na eleição para o sexto mandato do Chefe do Executivo.”

Ho Iat Seng, que foi empresário e deputado, tendo presidido também à Assembleia Legislativa, garantiu que irá dar “todo o apoio ao Chefe do Executivo do sexto mandato e ao Governo da RAEM nas acções governativas em cumprimento da lei”, além de contribuir para a manutenção do princípio “Um País, Dois Sistemas” e o desenvolvimento de Macau.

Ao HM, o economista José Sales Marques disse ser cedo para fazer balanços. “Desejo-lhe uma rápida e completa recuperação. O Dr. Ho Iat Seng, cujo mandato ainda não terminou, tem vindo a governar Macau durante o período mais difícil da RAEM, demonstrando grande dedicação à causa pública. Ainda é demasiado cedo para se fazer qualquer balanço.”

Outra voz que já comentou o afastamento de Ho Iat Seng foi o deputado Pereira Coutinho. Na sua página oficial de Facebook, o deputado disse tratar-se de uma decisão “previsível”, com um “‘timing’ apropriado e adequado”, tendo em conta que “a actual situação económica é grave e muitos residentes estão desempregados ou a trabalhar em tempo parcial”.

Há ainda “muitas questões sociais por resolver”, sendo que, para o deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, “a moral dos trabalhadores da função pública é a mais baixa de sempre”. “O futuro Chefe do Executivo tem muitos desafios pela frente e tudo dependerá da sua capacidade de visão, competência, integridade, sentido de justiça e capacidade de liderar uma equipa de titulares dos principais cargos públicos com o objectivo de elevar a qualidade de vida dos cidadãos”, adiantou.

Visão de jogo

O ex-deputado Au Kam San adoptou uma posição mais crítica em relação a esta alteração no cenário eleitoral. Nas redes sociais, escreveu que a desistência de Ho Iat Seng pouco interessa à população, uma vez que o Chefe do Executivo é eleito por uma comissão com apenas 400 pessoas, no contexto de uma população com quase 700 mil. “Porém, como o Chefe do Executivo não será apenas Chefe do Executivo de um pequeno círculo de 400 conselheiros, é inevitável prestar atenção ao impacto social da eleição.”

Segundo o portal GGRAsia, a correctora Seaport Research Partners adiantou que não se esperam “quaisquer alterações materiais” no sector do jogo com esta mudança de fundo nas eleições. Vitaly Umansky, analista da Seaport, disse numa nota divulgada ainda na quarta-feira que o anúncio não foi “surpreendente, uma vez que Ho tem manifestado preocupações de saúde há algum tempo e teve uma licença prolongada em Julho”.

“Nesta fase, não existe um candidato óbvio para o cargo, mas esperamos que o eventual Chefe do Executivo venha de dentro da Administração governamental”, afirmou, dizendo ainda que “é muito certo que o status-quo será provavelmente o principal motor do novo Chefe do Executivo, com a continuação dos principais objectivos políticos”, incluindo “o apoio à indústria do jogo e da hotelaria”.

Na mesma nota é referido que o próximo candidato e potencial vencedor “será totalmente examinado e aprovado pelo Governo Central”, chegando ao cargo “com uma forte experiência no Governo de Macau e uma compreensão da importância da indústria do jogo e da hotelaria para o bem-estar económico e o desenvolvimento futuro de Macau”.

A correctora avançou com alguns nomes, tal como o actual secretário para a Administração e Justiça, André Cheong Weng Chon; o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak; nomes que, de resto, também foram apontados por Jorge Fão ao HM como possibilidade. A Seaport previu ainda a candidatura de uma pessoa “mais recentemente mencionada nos meios de comunicação social locais”, Sam Hou Fai.

Beco sem saída

Na corrida ao cargo de Chefe do Executivo há ainda outro nome nas margens das elites políticas, Jorge Chiang que terá poucas possibilidades de obter o mínimo de 66 votos da comissão eleitoral para se qualificar como candidato. Jorge Chiang preside à Associação de Institucionalismo de Macau e Associação Comercial de Lotus de Macau, sendo, porém, pouco conhecido nos habituais meios políticos.

“Nasci em Macau. A minha família vive cá há muitos anos, desde a década de 1940. Estudei áudio, iluminação e telecomunicações e trabalhei na área financeira tanto na China, como no exterior. Durante a juventude, trabalhei no Centro Diocesano dos Meios de Comunicação Social. Sou católico”, afirmou ao HM na altura em que divulgou nas redes sociais que seria candidato a líder do Governo.

Em toda a história das eleições para Chefe do Executivo da RAEM só houve, no primeiro acto eleitoral da era RAEM, um segundo candidato, tendo Stanley Au perdido contra Edmund Ho.

Tudo indica que está por dias a oficialização de candidatura de Sam Hou Fai, até porque o período de apresentação de candidaturas arranca na próxima quinta-feira, 29 de Agosto, terminando a 12 de Setembro. As eleições estão agendadas para 13 de Outubro, sendo que a tomada de posse do novo Chefe do Executivo acontece em Dezembro, por altura do 25º aniversário da transferência da administração portuguesa de Macau para a China.

23 Ago 2024

Aviação civil | Pereira Coutinho alerta para atraso na proposta de lei

Pereira Coutinho alerta para o atraso na aprovação da proposta de lei que irá regular a aviação civil, que promete acabar com o monopólio da Air Macau. Na sessão de balanço do último ano legislativo, Coutinho voltou a pedir apoios sociais para idosos e cartão de consumo e lamentou a tendência de rejeição de debates na AL

 

Os deputados José Pereira Coutinho e Che Sai Wang destacaram ontem a demora no avanço da proposta de lei de aviação civil, que continua a ser analisada na especialidade na terceira comissão permanente da Assembleia Legislativa desde Junho de 2023. Coutinho, que faz parte da comissão parlamentar, deixou o alerta para a necessidade de maior celeridade no processo, pois existe o risco de a proposta de lei expirar caso não seja votada na especialidade até final deste ano.

A opinião foi partilhada durante a conferência de imprensa para apresentar o balanço da 3ª sessão legislativa da VII legistura, que se realizou ontem na sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM).

“Temos a [proposta] lei de aviação civil, que está em banho-maria, porque não querem acabar com o monopólio das rotas aéreas. O secretário estendeu [o período de concessão da Air Macau], de forma injustificada, por mais três anos, e aquilo vai continuar em banho-maria. Não sabemos qual é o ponto de situação. Faço um apelo porque o actual monopólio tem de acabar, porque há várias actividades económicas em regime de monopólio, como as cargas, os serviços ou estacionamento das avionetas”, disse.

Ainda na área da aviação civil, o deputado referiu que o Aeroporto Internacional de Macau “praticamente só tem voos domésticos”. “Queremos que mais companhias aéreas voem directamente para Macau, e esperávamos melhorias com a segunda pista, o que, infelizmente, parece não estar a acontecer”, referiu.

Ainda no que diz respeito ao trabalho das comissões permanentes da AL, Pereira Coutinho destacou que “há quatro propostas de lei extremamente importantes que ainda não foram aprovadas”, sendo que, na terceira comissão, há a revisão do Código Tributário, “que tem barbas brancas, pois há dois anos que está na comissão”.

Em matéria da proposta de lei da contratação pública, na primeira comissão permanente, Coutinho acrescentou que “uma questão que se tem agravado são os ajustes directos, incluindo a realização de consultas públicas”.

“Achamos que é uma actividade que deveria ser feita por concurso público. Mesmo em situações em que, de facto, há urgência de fazer certas obras em que apenas alguns empreiteiros têm capacidade técnica para as fazer, tem de se fundamentar melhor os ajustes directos, e isso não está a acontecer”, disse.

AL não cumpre

No último ano de trabalho legislativo, a dupla de deputados apresentou um total de 119 documentos, 84 interpelações escritas, 26 intervenções antes da ordem do dia nos debates, quatro perguntas ao Chefe do Executivo e ainda duas propostas de debate. Sobre este ponto, Pereira Coutinho admitiu sentir-se “sozinho”, por ser dos poucos deputados que faz pedidos de debate, os quais foram todos rejeitados nos últimos anos.

“Posso dizer que tenho sido o campeão das propostas de debate ao longo dos últimos anos. E estas são rejeitadas por irresponsabilidade dos colegas deputados. Ultimamente, apresentei propostas de debate diferentes daquelas apresentadas pelos meus colegas deputados, optando pela não presença dos membros do Governo, a fim de haver um debate interno sobre questões essenciais que afectam Macau, como o emprego, carestia de vida ou problemas com as concessionárias de jogo.”

Porém, lembrou, “as propostas foram rejeitadas, o que nos permite chegar à conclusão que a AL, na sua maioria, não gosta de debater assuntos públicos, e isto é lamentável”.

Ainda sobre o trabalho no hemiciclo, o deputado lamenta que “não esteja a cumprir o seu dever de fiscalização da actividade governativa”. “Basta ver a reprovação da maioria dos debates que apresentámos, e depois nas interpelações não respondem como deve ser, e muitas questões que fazemos não são obtidas respostas directas. Isso acontece também com as interpelações escritas que apresentamos, cujas respostas nada têm a ver com as questões que foram feitas. Isso obriga-nos a repetir as interpelações escritas”, apontou.

De resto, Pereira Coutinho apontou o dedo à “qualidade da governação pública”, pois existe “o problema de o Governo não gostar de ouvir os cidadãos”.

“Veja-se que tivemos uma oportunidade, durante um ano, para expor os problemas e pedir ajuda para os resolver. Nunca fomos solicitados nem eles [membros do Governo] se interessaram por contar connosco ou aceitam encontros que propomos, nomeadamente com os secretários.”

Além disso, foi referido que “a participação pública é fraca”. “Raramente somos convidados para participar em questões importantes, tirando as performances das consultas públicas. Damos a nossa opinião, mas não sabemos qual é o resultado disso. Se aceitam umas e não aceitam outras, e não justificam nem fundamentam”, acrescentou o legislador.

O regresso do cartão

Em matéria de apoios sociais, os deputados voltaram a pedir mais dinheiro para idosos, lamentando que estes tenham apenas como montante mensal garantido o da reforma, de apenas 3.740 patacas por mês, que “não chega para viver em Macau”.

“Várias vezes pedimos para serem actualizadas as pensões e subsídios para idosos, pois neste momento as 3.740 patacas não chegam para se viver em Macau. O Governo responde que há a compensação pecuniária e subsídios, mas isso é discricionário, porque o único montante que está fixo é o da pensão. O exemplo mais paradigmático de que o Governo corta nos subsídios foi o caso da suspensão da injecção de sete mil patacas nas contas individuais de previdência nos três anos de pandemia.”

Coutinho defendeu novamente o regresso do cartão de consumo no valor de oito mil patacas “para aliviar o sofrimento das famílias com mais dificuldades”.

Ainda em matéria social, o deputado e presidente da ATFPM destacou que “é muito difícil encontrar trabalho em Macau”, pois “todos os empregos são a tempo parcial”. Neste contexto, Pereira Coutinho lembrou que muitos jovens optam por cursos do ensino superior que têm baixa taxa de empregabilidade no território, pedindo a intervenção do Governo nesta matéria.

Além disso, o deputado salientou a ocorrência de muitos casos de suicídio no território, causados por bullying em escolas e empresas e ainda por dificuldades financeiras.

No que diz respeito ao sector do jogo, Coutinho destacou os já anunciados investimentos na Ásia, nomeadamente a consulta pública sobre a nova lei do jogo na Tailândia, e a necessidade de Macau saber reagir.

“Os cidadãos do Interior da China podem deslocar-se a Singapura sem necessidade de visto. Os próximos dez anos vão ser cruciais. Nos países árabes vão legislar o jogo, temos a presença da MGM no Japão e na Tailândia estão a legislar sobre o sector, com o interesse de duas operadoras que têm presença em Macau. Macau cada vez está pior e estão-nos a cortar os pés e as mãos. É referido que o segmento não-jogo vai resolver os nossos problemas, e pergunto: a indústria não-jogo, quantos impostos paga? As despesas públicas do Governo estão a aumentar ano após anos.”

Outra matéria apontada por Coutinho prende-se com a legislação do artigo 42 da Lei Básica a fim de assegurar a não descriminação em relação à comunidade portuguesa. “Gostaria que, no futuro, o Chefe do Executivo cumprisse a promessa de regulamentar o artigo 42 da Lei Básica que tem a ver com os usos e costumes da comunidade portuguesa. Depois de 25 anos [da transição de Macau], é altura de existir uma lei que permita que não sejamos discriminados em vários aspectos, como nos pedidos de subsídios e na inscrição em locais para a realização de actividades das comunidades portuguesa e macaense.”

O referido artigo da mini-constituição da RAEM determina que “os interesses dos residentes de ascendência portuguesa em Macau são protegidos, nos termos da lei, pela Região Administrativa Especial de Macau”, pelo que “os seus costumes e tradições culturais devem ser respeitados”.

22 Ago 2024