Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteMacau Jockey Club | Do trote ao descalabro financeiro A dias de encerrar portas definitivamente, persiste o impasse no Macau Jockey Club na relação com os donos dos cavalos. Tam Vai Lam, que detém oito animais, aponta o dedo ao Governo e diz que os donos vão procurar apoio jurídico. Eis o fim conturbado de um espaço fundado há 40 anos que nunca conseguiu cativar turistas e a população local como o Canídromo outrora o fez É já na próxima segunda-feira que chegam definitivamente ao fim as apostas em corridas de cavalos em Macau. O encerramento do Macau Jockey Club constitui, assim, o virar da página de uma história que durava há 40 anos sen nunca ter sido bem-sucedida: se o Canídromo, com as apostas em corridas de galgos, chegou a atrair, a partir dos anos 60, muitos turistas e apostadores locais, o mesmo nunca aconteceu com o Macau Jockeu Club, que fechou portas devido a perdas financeiras sucessivas. Na verdade, o primeiro capítulo do Macau Jockey Club centrou-se nas apostas em corridas de cavalos a trote, tanto que o nome inicial chegou a ser Macau Trotting Club, instituído em 1980 pelo empresário de jogo local Yip Hon, inspirado nas populares corridas da América. Ao HM, Jorge Fão, dirigente da Associação dos Reformados, Aposentados e Pensionistas de Macau (APOMAC), confessa que as corridas a trote “estavam na moda” e a ideia era trazer esse modelo para o território. “Aquilo foi inaugurado de forma pomposa, mas não deu resultado e nunca criou entusiasmo ao povo de Macau nem da China, porque mesmo que o chinês goste de jogar, nada se compara às apostas no Jockey Club de Hong Kong”, confessou. A partir de 1989, foi criado oficialmente o Macau Jockey Club, já sem as corridas a trote, “para se assemelhar às corridas de Hong Kong”, lembrou Jorge Fão. O dirigente associativo e ex-deputado considera que, depois do fecho do Canídromo, em 2018, e agora do Macau Jockey Club, encerra-se também “parte da nossa história de jogo”. Numa altura em que “o Canídromo tinha mais entusiastas”, Jorge Fão recorda que as corridas de cães sempre criaram o rebuliço que os cavalos não souberam gerar. “As corridas de cavalos não conseguiram enraizar-se em Macau, enquanto as corridas de cães conseguiram. Nos primeiros 10 ou 15 anos havia muitos apostadores, mas os cavalos quase nunca conseguiram atrair essa enchente de pessoas.” “O Canídromo recebia apostas lá dentro, da parte da assistência, mas também tinha o chamado sistema ‘booking’, a aposta externa, em que pessoas aceitavam as apostas feitas por outras. Era um sistema um pouco à margem da lei, mas todos sabiam que funcionava. Os ‘bookings’ sempre existiram nas corridas de cavalos, mas mesmo assim aquilo não funcionou”, recorda Fão. De mão em mão Aquela que foi a primeira pista de corridas de cavalos a trote na Ásia parecia ter tudo para vingar, com 2.110 metros de comprimento, mas a verdade é que o interesse acabou ao fim de pouco tempo. Segundo o portal Macao News, que cita declarações de Vu Ieng Kan, presidente da Associação de Jornalistas de Corridas de Macau, dadas ao jornal Ou Mun, “o [número total de] apostas passou de três milhões de patacas no dia da abertura para apenas dois milhões de patacas em menos de meio ano”. Seguiu-se a passagem do testemunho de mão em mão, como que numa tentativa de lidar com um negócio que acabou por se tornar num problema. O Macau Trotting Club fechou portas em 1988 face ao insucesso das corridas, tendo sido vendido a uma empresa de Taiwan que fundou então o Macau Jockey Club em 1989. Sem conseguir gerar lucros, tal como o seu antecessor, a empresa encerrou a actividade apenas passado um ano, tendo o negócio passado então para as mãos de Stanley Ho, que o adquiriu em consórcio. Actualmente era a sua quarta esposa, e já viúva, Angela Leong, que estava à frente do negócio. As perdas financeiras sucederam-se, e já em 2019 os deputados da Assembleia Legislativa questionaram as razões para o Governo renovar com uma empresa, em 2018, que só apresentava enormes prejuízos. “O Governo prolongou o prazo do contrato até 2042 e entendemos que precisa de dar um fundamento para este prolongamento. Na passada sessão legislativa não facultou informações sobre os investimentos e em Agosto o Executivo apresentou um plano de investimento e outros documentos complementares”, disse Lei acrescentando que “a concessão já foi feita e o Governo não explicou claramente as razões para a renovação”, disse, à data, a deputada Ella Lei. Aquando da renovação do contrato já era exigido que a empresa reembolsasse 150 milhões de patacas em dívida em três anos. Previa-se um investimento no terreno na Taipa na ordem dos 3,5 a 4,5 mil milhões de patacas, com a ideia de ali desenvolver um parque temático com cavalos e instalações para aulas de equitação, e ainda um hotel e um aparthotel. Tudo isso caiu por terra, e, com a pandemia, o fosso financeiro só aumentou. A mão de Stanley Ho Apesar de acabar sem glória, houve tempos em que o Macau Jockey Club gerou algum burburinho, muito por conta do cunho pessoal de Stanley Ho, que soube atrair algumas personalidades e patrocínios. Adquirido pelo magnata dos casinos por 400 milhões de patacas, o Macau Jockey Club chegou a ter estrelas das corridas de cavalos como Lester Piggott ou Frankie Dettori, que competiram no território em 2002. Logo nos anos a seguir à transição, nomeadamente em 2003 e 2004, a empresa chegou a atingir nove mil milhões de patacas de lucros, organizando mais de 1200 corridas com cerca de 1200 cavalos, mais do que a entidade congénere de Hong Kong tinha à época. O Macau Jockey Club chegou mesmo a ser cenário para a produção de filmes de Hong Kong, tendo recebido apoios de celebridades como o actor Eric Tsang ou Li Ning, antiga atleta olímpica chinesa. Segundo o portal Macao News, o percurso de sucesso do Jockey Club mudou quando Stanley Ho sofreu um ataque cardíaco em 2009 e não mais teve a capacidade de intervir pessoalmente na projecção do espaço de corridas. A quebra foi tão grande que, na última temporada de corridas, existiam apenas 220 cavalos em competição. Com 254 trabalhadores residentes e 316 não residentes empregados pela companhia, num total de 570 trabalhadores, o Macau Jockey Club iniciava a sua temporada de corridas em Setembro, terminando em Agosto do ano seguinte. Todas as semanas decorriam duas corridas, transmitindo também as competições da congénere de Hong Kong. Já nos anos 90, o Macau Jockey Club começou também a destinar muitos milhões para caridade. A partir de 1995 começou a organizar-se o Dia da Caridade anual, além de terem sido atribuídos apoios para bolsas de estudo. Foi ainda criado o fundo de caridade “Macau Loving Heart Charity Fund”, em 2003, destinado a apoiar entidades locais e da China dedicadas ao apoio social. Em Janeiro deste ano o fim foi anunciado, com o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, a admitir que “as referidas actividades têm vindo a tornar-se cada vez menos atractivas para os residentes locais e turistas nos últimos anos”. Não haverá nova concessão de corridas de cavalos, assegurou o Executivo. Donos de animais ainda sem respostas da empresa Tam Vai Lam, dono de oito cavalos de corrida, o proprietário com maior número de animais no Macau Jockey Club, acusa a empresa de, até à data, não ter apresentado um plano concreto sobre a forma como os animais vão ser tratados após o fecho das corridas, além de não ter dado uma resposta sobre os pedidos de indemnização pelo fim das competições. “Há cerca de 300 cavalos lá, contando com os que já não correm, e como são alimentados por mão humana desde sempre não é possível agora libertá-los num ambiente selvagem. Por essa razão é necessário que continue a haver pessoas a cuidar deles, até porque alguns vão ser transferidos para outras regiões e esperamos que possam manter a capacidade de corrida. Contudo, até ao momento, o Jockey Club nunca nos disse quais os recursos humanos de que dispõe para cuidar dos animais”, contou o proprietário ao HM. Tam Vai Lam investe em corridas de cavalos há mais de 30 anos e diz sentir-se “desapontado” com a súbita rescisão do contrato, dizendo que os proprietários têm sido “ignorados” em todo o processo, “ao nível da negociação e na defesa dos nossos direitos”. “Tentámos contactar directamente com o Jockey Club para negociar as nossas exigências, mas nunca nos foi dada uma resposta oficial. Apenas recebemos documentos, e quem falava connosco não tinha poder para decidir. Muitos donos dos cavalos vão contactar advogados para exigir soluções, por meios jurídicos, ao Macau Jockey Club”, adiantou. ANIMA atenta Do lado da ANIMA os contactos apenas têm sido feitos junto do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) quanto ao destino a dar aos animais, e poucas novidades existem a dias do Jockey Club fechar. Há cerca de duas semanas, os donos dos cavalos fizeram chegar uma carta com reivindicações. Ao HM, Zoe Tang, presidente da ANIMA, disse que o IAM continua a dialogar com o Jockey Club sobre o destino que será dado aos animais. Tendo ainda em conta os gatos que existem nas instalações do Jockey Club, a ANIMA tem vindo a dar apoio na alimentação e esterilização, sendo que, desde Fevereiro já foram esterilizados dez animais. Mas Zoe Tang confessa a falta de fundos da associação para continuar a desenvolver esta acção. “Quando o Governo recuperar o terreno, o que vai acontecer a estes gatos? Quando ninguém puder entrar para os alimentar vão morrer de fome ou o IAM vai capturá-los, com o risco de estes serem abatidos?”, questionou. Com Nunu Wu
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteChina-UE | Embaixador chinês deixa alertas em conferência no Porto Zhao Bentang, embaixador chinês em Portugal, deixou vários recados numa conferência na Universidade do Porto sobre o relacionamento entre a China e a União Europeia, alertando para o facto de questões como o afastamento da Huawei nos concursos da rede 5G ou a maior supervisão face ao investimento estrangeiro trouxeram “desnecessárias turbulências e obstáculos ao desenvolvimento das relações” entre os dois campos Os recentes episódios menos positivos no relacionamento comercial e diplomático entre a China e a União Europeia (UE) foram abordados num discurso de Zhao Bentang, embaixador chinês em Portugal, esta terça-feira, no âmbito da “Conferência Relações China-UE” que decorreu no Porto promovida pela Associação dos Amigos da Nova Rota da Seda (ANRS) e pela Universidade Lusófona. No evento, que não contou com a presença física do diplomata, foi lido o discurso do embaixador onde se chama a atenção para a ocorrência de “desnecessárias turbulências e obstáculos ao desenvolvimento das relações entre a China e a UE” graças a episódios como o afastamento da Huawei de leilões da rede 5G por parte de alguns Estados-membros da UE, nomeadamente Portugal, ou a chegada de uma nova legislação promovida pela Comissão Europeia que vai reforçar a supervisão do investimento estrangeiro que chega ao mercado da UE, incluindo da China. “O lado europeu tomou recentemente uma série de iniciativas na área do 5G, na revisão do investimento estrangeiro ou na política competitiva que geram grandes preocupações para o Governo chinês, empresas e media.” Segundo Zhao Bentang, “a China sempre encarou a UE como parceira estratégica, tendo desenvolvido o relacionamento com a Europa com a maior sinceridade e boa vontade. Há uns anos, um documento político oficial europeu elevou a China a grande parceiro, um dos maiores competidores e, ao mesmo tempo, uma variável sistémica [no relacionamento]. Contudo, tem vindo a ser provado que essa posição tripartida não está em linha com os factos e não é viável.” Recorrendo à metáfora, Zhao Bentang comparou esta relação ao acto de “conduzir um carro numa zona com três sinais: vermelho, verde e amarelo, tudo ao mesmo tempo”. “Como pode um carro conduzir nestas condições?”, questionou. “Esperamos que tanto a China como a UE possam estabelecer uma percepção correcta, manter um entendimento mútuo e confiança, bem como respeito, não fomentando uma relação como rivais apenas devido às diferenças existentes nos seus sistemas, nem reduzir a cooperação apenas devido à competição, ou entrar em confrontos apenas devido à existência de diferenças. O desenvolvimento da China constitui uma oportunidade, não um risco, para a Europa”, frisou. Destacando os diversos encontros que Xi Jinping, Presidente chinês, manteve com líderes europeus nos últimos anos, nomeadamente Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ou ainda “líderes da Alemanha, França, Espanha e outros países europeus”, Zhao Bentang destacou que “os dois lados transmitiram sinais positivos em prol de mais esforços para fomentar essa força relacional”. Assumindo uma visão pragmática, o embaixador frisou que “quanto mais profunda for a cooperação entre a China e a UE, mais inevitável será o crescimento de visões e diferenças”. “Não deveremos evitar os problemas, mas temos de admitir que essas diferenças significativas em termos de sistemas sociais e níveis de desenvolvimento podem não ser solucionados a curto prazo. A chave é procurar campos comuns [para a cooperação] no meio dessas diferenças, e não ignorar eventuais consensos devido a diferenças a título individual. Não podemos também deixar que a cooperação, em termos gerais, sofra constrangimentos devido a diferenças locais”, disse ainda. Portugal, aquele modelo O embaixador não esqueceu o facto de Portugal “desempenhar um modelo a seguir na cooperação entre a China e a UE”. “Tendo como ponto de partida a perspectiva histórica, China e Portugal deveriam juntar as mãos e aprender com as experiências dos últimos 45 anos de desenvolvimento, trabalhando em conjunto para promover um progresso ainda maior, sendo um parceiro estratégico global na relação entre a China e a UE. Tal está em linha com os interesses de longo prazo da China e da Europa, bem como as expectativas comuns da comunidade internacional”, adiantou. O diplomata citou também, no discurso, um inquérito realizado pela Câmara de Comércio da UE na China que fala da importância que o país continua a desempenhar para a visão estratégica das empresas europeias. Este inquérito “revela que grande parte das empresas europeias na China continuam a ter lucros, e mais de 90 por cento das empresas inquiridas continuam a olhar para a China como um destino de investimento”. Enquanto isso, disse Zhao Bentang, “59 por cento das empresas entrevistadas considera a China como um dos três principais destinos de investimento”. “Mais importante é criar um sistema e ambiente de mercado aberto, justo e não discriminatório para os intervenientes de ambos os lados. Os esforços da China para expandir a abertura e melhorar o ambiente de negócios são óbvios para todos, mas tal não se verifica no lado europeu”, acusou. O responsável entende que se deve fomentar “uma cooperação aberta e com mútuos benefícios”, sendo que “aprofundar o relacionamento entre a China e a UE não é apenas uma medida paliativa, mas uma escolha estratégica com benefícios mútuos, numa situação que proporciona ganhos mútuos”. Ainda referindo alguns dados estatísticos, o embaixador lembrou, como prova da bem-sucedida relação comercial entre a China e a UE, que entre 2013 e 2022 o comércio entre os dois lados aumentou de 125.2 biliões de USD para 847.3 biliões. Abaixo o unilateralismo Zhao Bentang aproveitou também para referir algumas ideias em matéria de diplomacia que são, aliás, bastante referidas nas orientações de política externa chinesa, incluindo pelo próprio Xi Jinping. Foi referida, nomeadamente, a ideia de que “a China e a UE devem opor-se ao unilateralismo, mantendo o sistema internacional com a ONU [Organização das Nações Unidas]” como o centro desse mesmo sistema. Além disso, Zhao Bentang acredita que a China e a UE devem unir esforços no apoio a países africanos em desenvolvimento não apenas em termos económicos, mas também noutras áreas, nomeadamente a saúde. “A China já apresentou à Europa algumas ideias em prol de uma cooperação tripartida, esperando também que cooperações relevantes possam ser implementadas o mais cedo possível para o benefício das populações dos países em questão.” Dentro desta cooperação, “o lado estratégico da relação China-UE vai ser importante”, salientou. “Ambos os lados estão comprometidos com o multilateralismo, e a favor de uma gestão correcta das disputas mundiais em termos diplomáticos e políticos. Ambos os lados estão também contra o uso da força em resposta à ameaça da força”, disse, defendendo que o mundo “está hoje a atravessar uma grande mudança como não é vista há 100 anos”. O recado para o futuro ficou dado. “À medida que a turbulência aumenta, mais é necessário trabalharmos em conjunto para enfrentar os desafios. A China e a UE são duas forças principais, dois grandes mercados e duas grandes civilizações. Quanto mais conturbado for o panorama internacional e quanto mais desafios globais surgirem, mais importante e indispensável é a cooperação entre a China e a UE”, rematou Zhao Bentang.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEstudo | Incentivo de pais determinante para alunos de espanhol Em “O contexto familiar e a escolha da Filologia Hispânica entre os estudantes de artes liberais na China” conclui-se que a decisão dos jovens chineses de estudar espanhol é fortemente influenciada pela família. O estudo indica que “os valores parentais” contam bastante para redefinir as motivações do aluno Na hora de escolher um curso superior baseado numa língua estrangeira, nomeadamente o espanhol, quais as verdadeiras motivações dos alunos? Até que ponto as decisões e vontades dos pais influenciam directa ou indirectamente a escolha dos filhos em relação à carreira e áreas de estudo específicas que vão seguir? Segundo o estudo “Family background and the choice of Hispanic Philology among liberal arts students in China” [O contexto familiar e a escolha da Filologia Hispânica entre os estudantes de artes liberais na China”, os pais desempenham um papel fundamental nesta escolha, definindo-a e moldando-a. O estudo, desenvolvido pelos académicos Wenxuan Gao e David Doncel Abad, da Universidade de Salamanca, foi recentemente publicado no “International Journal of Chinese Education” do Sage Journal, publicação do foro académico. O trabalho, desenvolvido com estudantes do ensino superior da área das línguas de várias cidades na China e também de Macau, centra-se “na forma como os antecedentes familiares afectam a escolha de estudar Filologia Hispânica na China”. Para tal, foram analisados, mais concretamente, “os efeitos mediadores da motivação da escolha e o efeito indirecto condicional dos valores parentais”. Conclui-se que “a escolha dos estudantes foi influenciada pelo contexto familiar”, sendo que as motivações intrínseca e extrínseca na escolha do curso tiveram “um papel parcialmente mediador” na decisão. Já os valores parentais afectaram “a força e a direcção dessa relação como variável moderadora”. Os académicos realizaram um extenso trabalho de campo, enviando um questionário a diversos investigadores especialistas em Sociologia da Educação e um outro, respondido de forma presencial e através de diversas plataformas online, que contou com 960 respostas válidas de 1060 estudantes chineses da área das artes liberais de 21 universidades de Tianjin, Xangai, Hubei, Zhejiang, Jiangsu, Heilogjiang, Jilin, Sichuan, Gansu e Hubei. Alunos de Macau também participaram no estudo. Dos 960 questionários validados, 500 dizem respeito a estudantes de Filologia Hispânica e os restantes 460 estão ligados a outras licenciaturas do ramo das artes liberais. Os académicos tiveram em conta variáveis familiares já usadas noutros estudos, nomeadamente a ocupação dos pais dos estudantes e também a sua cultura. O início da investigação centrou-se “na relação entre os antecedentes familiares dos estudantes e a sua escolha de curso”, com o foco posterior nos “efeitos mediadores para determinar se os estudantes de meios familiares diferentes escolhiam cursos diferentes, influenciados pela sua motivação para o curso”. Foi ainda testado “o modelo segundo o qual o contexto familiar influencia a motivação para a escolha é limitado pelos valores parentais”. Entre vontades e conselhos Ainda dentro das conclusões, David Doncel Abad e Wenxuan Gao concluem que os valores dos pais constituem uma espécie de “fronteira”, mediando “as motivações intrínsecas e extrínsecas na relação entre o contexto familiar e a escolha da licenciatura”. De frisar que as motivações intrínsecas prendem-se com as escolhas dos próprios alunos, nomeadamente com a reflexão quanto à “capacidade pessoal para ser bem sucedido na licenciatura” ou “o interesse pessoal na área”. Seguem-se as motivações extrínsecas, como o peso do mercado laboral e se o curso em questão “tem melhores perspectivas de emprego”. Neste rol incluem-se ainda ideias relacionadas com “maiores oportunidades” na província de origem do aluno, uma vez que “as universidades chinesas reservam mais lugares para estudantes da sua própria província, pelo que a classificação mais baixa para um estudante nativo pode ser muito inferior à classificação exigida a um estudante que se submeta ao exame noutras províncias”. Destaque ainda para a motivação externa dos “conselhos dos pais”, quanto à ideia de que os pais aconselham o aluno a escolher determinada licenciatura. O estudo vem, assim, validar “a teoria da transmissão intergeracional no domínio da escolha da licenciatura, bem como a ideia de que “o contexto familiar tem influência na escolha da licenciatura através da motivação da escolha”. O lugar do privilégio Os académicos consideram ainda que o trabalho em questão vem reforçar algumas ideias que circulam no país relativamente a factores socioeconómicos das famílias e na sua relação com as escolhas no ensino superior. Assim, corrobora-se “um rumor que circula na China, segundo o qual os estudantes que frequentam universidades de línguas estrangeiras provêm predominantemente de meios familiares privilegiados”. Foi ainda validada a hipótese de que “os estudantes com antecedentes familiares mais vantajosos têm uma maior probabilidade de escolher a licenciatura em espanhol”. Além disso, a investigação “fornece uma referência importante para atenuar os efeitos negativos de um meio familiar desfavorecido na escolha da licenciatura, ajustando os pensamentos dos pais”. A ideia é que “os pais de meios desfavorecidos adquirem valores positivos através da aprendizagem e, implicitamente, levam os filhos a fazer escolhas racionais e correctas”. As limitações Os autores não deixam de apontar algumas limitações neste trabalho, referindo a possibilidade de poderem ser usados outros critérios, definidos por outros autores, para melhor compreender as escolhas dos estudantes chineses “de diferentes classes sociais”. Podem, assim, incluir-se factores como “o custo da educação, incluindo mensalidades, livros e despesas de moradia”, a “probabilidade do sucesso na matrícula” ou ainda “os retornos esperados no mercado de trabalho”. Assim, David Doncel Abad e Wenxuan Gao consideram que “trabalhos futuros podem continuar a explorar os efeitos mediadores de outras motivações na escolha na relação entre o background familiar e a escolha do curso superior”. É também referida a importância de “continuar a testar a relação interna entre o contexto familiar e os valores parentais”. Entende-se também ser fundamental “explorar, em estudos futuros, um leque mais alargado de antecedentes familiares, como a adição de variáveis maternas”, além de que “podem ser realizados estudos mais subdivididos quanto à escolha da licenciatura, centrando-se numa das variáveis paternas”, nomeadamente “o efeito mediador do nível de escolaridade paterno na escolha da licenciatura”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteChina-Europa | José Sales Marques defende que estratégia de segurança económica da UE é “exagerada” O economista José Sales Marques defende que a actual estratégia de segurança económica levada a cabo pela União Europeia tem como principal alvo a China e que contém laivos de “exagero”, além de que o posicionamento da Comissão Europeia estará muito além das responsabilidades que cabem aos Estados-membros nesta matéria. Sales Marques defende um maior debate público sobre como deve ser a relação entre Bruxelas e Pequim “A Política Económica e de Segurança da União Europeia (UE) e suas consequências no relacionamento com a República Popular da China (RPC)” foi o tema que o economista José Sales Marques levou recentemente às Conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa. Ao HM, o ex-presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) diz ser fundamental pensar melhor a relação da UE com a China e debater publicamente o impacto da nova Política Económica e de Segurança da UE, apresentada em Junho de 2023, com a agregação, em Janeiro deste ano, de um conjunto de medidas e propostas neste âmbito. “Penso que não é segredo para ninguém que esta estratégia tem como alvo principal a China. Não ponho de parte que em alguns aspectos esse alvo seja também a Rússia, mas a UE não tem com Moscovo um comércio regular nem uma cooperação multifacetada do ponto de vista económico como tem com a China. A questão que levanto é se a UE não está a criar riscos a si própria ao encetar uma política dessas”, começou por dizer. Para Sales Marques, “há a ideia de que a Comissão Europeia está a colocar o pé longe demais e a entrar em áreas que são da competência dos Estados-membros. Trata-se de aspectos de segurança que são da responsabilidade dos Estados-membros e há questões que mereciam maior debate.” Neste sentido, o responsável não deixou de alertar para a aproximação das eleições europeias, este Verão. “Como as eleições europeias estão próximas, já não será a actual Comissão Europeia a propor esta legislação [sobre a segurança económica], mas sim a próxima. A questão é até que ponto tudo isto é minimamente debatido ao nível da própria opinião pública europeia. Não acho que seja. Nas eleições portuguesas, pelo que vi e li, praticamente não se discutiu política externa. O mesmo irá acontecer nas eleições europeias, porque praticamente não se debatem [em Portugal] políticas da UE, mas sim política nacional”, disse. Medidas em causa Sales Marques deu como exemplo de medidas subjacentes a esta nova política de segurança económica de Bruxelas a monitorização dos investimentos estrangeiros na UE. “Nem todos os países dispõem dessa lei, por se tratar de uma competência nacional, mas propõe-se essa monitorização, que não se destina apenas à China, mas que faz a triagem do investimento feito por outros países. A questão que aqui se coloca é que os investimentos gerados dentro do espaço europeu venham a ser monitorizados apenas porque, segundo a Comissão Europeia, as empresas sejam dominadas por determinados capitais estrangeiros, ou mesmo quando haja investimentos em áreas sensíveis, as chamadas áreas de dupla utilização, seja civil ou militar.” O ex-presidente do IEEM questiona “a quem compete monitorizar esses investimentos”, tratando-se de algo “que nunca foi feito” e que “deverá ser da competência dos Estados-membros”. Foi também apontado o exemplo de que, segundo as novas medidas, possam ser levantadas restrições ao nível da cooperação científica ou académica com a China. “Em termos gerais, se por iniciativa ou vontade de alguém se levantarem problemas em projectos de cooperação conjunta com a China, isso poderá acontecer, porque poderão ser encontradas certas vírgulas ou palavras que permitirão criar algumas restrições. Isso levanta-nos um problema de fundo, que é a avaliação do risco que a China representa para a UE. Acho que há um exagero nessa avaliação”, apontou. O impacto negativo Sales Marques destaca que “a China não considera a UE como uma ameaça em termos estratégicos” e que Pequim até coloca “certas áreas da sua indústria fechadas a capitais estrangeiros”, tratando-se de “uma medida de cuidado [do país] que tem a ver com a segurança nacional”. “Também não ponho em causa a legitimidade da UE de repensar estas questões. Temos de compreender que a UE está numa situação de guerra, com a existência de tensão geopolítica, e percebemos que a UE está a tentar recuperar certas indústrias que perdeu.” Contudo, o economista fala dos impactos negativos que este posicionamento de Bruxelas pode trazer no relacionamento com Pequim. “Pode-se discutir uma certa regressão, e estamos a ver o regresso a um certo proteccionismo, relacionado com a política industrial que a UE está a tentar pôr de pé, nomeadamente a França. Mas tal também se deve ao facto de a UE querer desenvolver a sua indústria de armamento.” “Que relação quer a UE ter com a China?”, questionou. “Tudo isto me parece acontecer sob pressão da NATO e EUA, e também devido a várias vozes muito fortes dentro da própria UE, alguns Estados e até dentro da própria Comissão. Esta questão também se coloca em relação a Portugal, se o país deve alinhar [nesse posicionamento da Comissão] ou que tipo de crítica deve fazer.” Para Sales Marques, existe o receio de que “o exacerbar dessas medidas venha a cortar muitas pontes que existem com a China”, criando-se “uma situação geopolítica complicada”, sobretudo tendo em conta o aproximar das eleições presidenciais nos EUA e a escalada ao poder de Donald Trump. De frisar que, durante o seu mandato, o mundo acompanhou a intensificação de uma guerra comercial com a China. “Estão a chegar as eleições do outro lado do Atlântico, e depois? E se o resultado for desfavorável para a Europa? [Com a vitória de Trump]. A China é sempre um parceiro com quem a UE pode contar”, frisou. O “estranho processo” da Huawei Confrontado ainda com o facto de Portugal não integrar a nova lista de países europeus isentos de visto para a entrada na China, Sales Marques diz que não está em causa uma eventual retaliação de Pequim devido à posição portuguesa face à Huawei e o leilão da rede 5G, processo que diz ter sido “estranho e nebuloso”. “Como português que vive em Macau seria extremamente útil que estivéssemos isentos de visto para a China, nem que fosse apenas por 15 dias. A China terá o seu critério para abrir a lista [dos países isentos de visto], e parece que o está a fazer gradualmente. Portugal não fez parte dos dois primeiros grupos, mas a Grécia também não, e é um país amigo da China. A própria Hungria só surgiu no segundo grupo de isenção de vistos. Acho que há espaço para que Portugal venha a fazer parte da lista de países isentos de visto, e não vejo que haja uma ligação [ao caso da Huawei]. Até porque Portugal “tem tido posições mais flexíveis, amigáveis e simpáticas do que alguns países que tiveram a isenção de visto”, lembrou Sales Marques, falando do caso da Holanda, que chegou a proibir a exportação de equipamentos de produção de chips para a China, e fez parte do primeiro grupo de países isentos de visto. “É muito cedo para fazer balanços”, diz Sales Marques José Sales Marques tem sido, nos últimos anos, um dos rostos da comunidade macaense fervorosamente dedicados ao funcionalismo público e a tantas outras actividades do foro cultural e académico. No passado dia 29 de Fevereiro decidiu não se recandidatar a mais um mandato como presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), devido “ao desejo de se aposentar”, conforme descreveu numa carta enviada a uma amiga e colaboradora, e partilhada com o HM. Nessa carta, Sales Marques descreve os 22 anos de trabalho no IEEM e a oportunidade de ter conhecido “tantos governantes, parceiros, colegas, estudantes e membros do público cujo apoio e amizade significaram muito para mim e contribuíram para transformar a minha carreira numa experiência verdadeiramente agradável e diversificada”. Ao HM, Sales Marques confessa ser ainda “muito cedo para fazer balanços”, esperando agora poder “contribuir através da vida associativa” para se manter ocupado, tendo em conta os “muitos e diversos interesses em áreas em que trabalhei no passado”. Causas públicas Entre o desejo de se dedicar à família e a pensar num doutoramento, algo que faria apenas por “satisfação pessoal”, José Sales Marques pretende dedicar-se, a curto prazo, à organização da edição deste ano do Encontro das Comunidades Macaenses, que se realizará em Macau, pela primeira vez de forma presencial, desde a pandemia. “Vai ser um grande projecto para organizar e vou precisar de muito tempo e energia para, em conjunto com a minha pequena, mas dedicada equipa, garantir o seu sucesso em termos organizacionais.” Formado em economia em Portugal, José Sales Marques regressou à sua terra natal para, aí, desenvolver uma longa carreira, que começou em 1983 quando se tornou funcionário público na Direcção dos Serviços de Turismo, onde permaneceu durante dez anos, assumindo funções de sub-director entre os anos de 1993 e 1999. Depois, foi presidente da antiga Câmara Municipal de Macau / Leal Senado entre 1993 e 1999, incluindo da Câmara Municipal Provisória no período após a transição da administração, entre os anos de 2000 e 2001. Além do IEEM, José Sales Marques esteve ligado à Fundação da Escola Portuguesa de Macau, preside ainda ao Conselho das Comunidades Macaenses e pertence à comissão organizadora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de Macau. No total, Sales Marques esteve 42 anos dedicado à causa pública.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCCCM | Antigo embaixador na China destaca actualidade do confucionismo José Manuel Duarte de Jesus, investigador e antigo embaixador português em Pequim, destacou, no Centro Científico e Cultural de Macau, vários exemplos da actualidade do pensamento de Confúcio e a sua constante presença nos discursos políticos de Xi Jinping. O confucionismo “sempre constituiu um dos pilares do pensamento e da cultura chinesa” Filósofo conhecido em todo o mundo, nascido na China, Confúcio criou, há cerca de dois mil anos, por volta do século V a.c., o chamado confucionismo, corrente de pensamento ainda hoje presente na sociedade, cultura e sistema político chinês. O debate em torno da modernidade desta forma de pensar a postura do homem e o seu lugar na sociedade decorreu na última quarta-feira, em Lisboa, no âmbito das Conferências da Primavera promovidas pelo Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). Coube ao investigador e antigo embaixador de Portugal em Pequim, José Manuel Duarte de Jesus, apresentar “A actualidade do pensamento de Confúcio”, tendo este começado por destacar que o confucionismo está hoje muito presente no discurso político do actual Presidente chinês, Xi Jinping. Existe, assim, “actualidade no pensamento [confuciano] independentemente de o mesmo ter, obviamente, existido num contexto histórico totalmente diverso”. “Diria que é neste quadro da actualidade do confucionismo que vemos, por exemplo, Xi Jinping, depois da sua tomada de posse, ir à terra natal de Confúcio prestar-lhe homenagem, além de ter estado presente nas comemorações oficiais do seu aniversário. Temos ainda as diversas citações de Xi Jinping em muitas intervenções públicas. Posso dizer que em todos os discursos que tenho lido de Xi Jinping, é raro ver citações de Karl Marx, mas as citações de Confúcio são permanentes”, destacou o antigo diplomata. José Manuel Duarte de Jesus lembrou mesmo o discurso de Xi proferido a 23 de Outubro de 2014, sobre a ideia de acelerar a construção do Estado de Direito socialista, em que o Presidente refere “as ideias de Confúcio sobre os homens e relativas ao que deve ser uma boa governação”. A 18 de Janeiro de 2017, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), Xi Jinping citou também a frase de Confúcio, presente nos seus “Analectos”, que remete para a seguinte ideia: “Trata e julga os outros como gostavas que te fizessem a ti, não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Trata-se da referência a uma sociedade harmoniosa, “a construção de uma nova sociedade compartilhada no futuro”, exemplificou Duarte de Jesus. Um lado racional Apesar do lado actual do confucionismo, a verdade é que esta corrente de pensamento “sempre constituiu um dos pilares do pensamento e da cultura chinesa”, representando um lado “racionalista e pragmático” no que diz respeito às visões do que deve ser um Estado, um Governo, um cidadão e o relacionamento entre culturas e etnias. O antigo embaixador destacou que “Confúcio não faz parte de um mito, é uma figura histórica concreta”, tendo trabalhado na Administração chinesa e ensinado aos outros o seu pensamento, recorrendo também a discípulos, à semelhança de outras figuras históricas como Jesus ou Sócrates. Há vários princípios em torno do confucionismo, e um deles é a “ideia de que a sociedade mundial é uma família”, ou de que “o civil é mais importante do que o religioso”. “Diria que a principal virtude que Confúcio defendeu foi a humanidade, a ideia de humanismo”, destacou José Manuel Duarte de Jesus, que não esqueceu o conceito de Li, “que poderíamos definir como regulamento, protocolo”, e que “está na base da ideia de um Estado de Direito, constitucional”, onde se dá a primazia à constituição no funcionamento e organização de um país. Está depois muito presente, no confucionismo, a ideia de “reciprocidade”, tratando-se de “um elemento fundamental em todas as teorias modernas de relações internacionais”. Considerando que o pensamento de Confúcio tem um lado de “flexibilidade”, é a importância que é dada aos mais velhos, “ao mesmo tempo que se dá atenção ao moderno”. “Penso que Confúcio, exprime, de resto, a ideia de se conhecer o presente para se saber o que será o futuro, e entender o passado para se conhecer o presente”, disse ainda o antigo diplomata que recordou uma conversa que teve com uma senhora chinesa aquando da sua vivência em Pequim. Nesse diálogo, a senhora recordou a ideia confuciana de que “pelo menos quatro gerações de uma família devem sentar-se à mesma mesa, para que os mais novos aprendam com os mais velhos e os mais velhos aprendam com os mais novos”. Não é religião Ao contrário do que podem dar a entender as manifestações populares relativamente a Confúcio, com a construção de templos em toda a China, a verdade é que José Manuel Duarte de Jesus não considera o confucionismo como sendo uma religião, mas sim uma filosofia ou corrente de pensamento. Este destacou, na sua apresentação, o “racionalismo [de Confúcio] face à religiosidade do seu pensamento”. “Confúcio não se pode definir como ateu, mas como agnóstico, pois manteve uma postura mais agnóstica face às divindades. Há, evidentemente, formas populares [de representação], mas que não têm nada a ver com o confucionismo. A mesma coisa acontece com o taoísmo, que com frequência se considera uma religião. Não é. É uma filosofia com laivos de misticismo e metafísica.” O responsável defendeu, neste sentido, que o “confucionismo é, essencialmente, um pensamento racionalista e, na ligação com os antepassados, não se pode considerar que tenha matéria religiosa”. “Considero que Confúcio foi um pensador laicista e fundamentalmente agnóstico. Os seus discípulos foram, depois, quase ateístas”, frisou. Se o pensamento de Confúcio é hoje actual e está bastante presente no discurso político, a verdade é que nem sempre foi assim, tendo sido praticamente banido do país entre finais do século XIX e inícios do século XX, no chamado período da “Nova Cultura”, e mesmo no período do maoísmo e da Revolução Cultural, já nos anos 60 e 70. Contudo, “Confúcio ganhou um novo fôlego na época actual, e particularmente com Xi Jinping.” Confúcio “não esteve ligado a nenhuma religião” e foi “fundamentalmente um político, cuja principal ambição foi a convivência pacífica entre homens e Estados, sendo esse o objectivo do confucionismo”. Outro dos pontos do pensamento confucionista é a ideia de que o homem deve subir na vida e na carreira através do mérito e do estudo e não por pertencer a boas famílias ou por conhecimentos próximos. “Confúcio sempre foi um militante contra a nobreza de sangue, sendo a favor da nobreza [de carácter] com ligação à instrução”, tendo distinguido entre o “homem de pouco” e o “homem nobre”. “No decurso da história da cultura da sociedade chinesa, assistimos à importância do estudo nas categorias obtidas nas academias confucionistas e da determinação das categorias sociais na Administração imperial. Sabemos que era mediante os graus obtidos nas academias que os chineses obtinham maiores ou menores graus no mandarinato. Pode, assim, afirmar-se, que o confucionismo sempre apontou para uma sociedade epistémica, em que as categorias sociais não se definem pela riqueza ou nobreza de sangue, mas pela instrução”, concluiu.
João Santos Filipe Grande Plano MancheteComité Olímpico | Corpos Sociais prestaram juramento diante de secretária Segundo a Carta Olímpica e os estatutos do Comité Olímpico, os comités estão obrigados à neutralidade política. Porém, os novos corpos sociais prestaram juramento diante de Elsie Ao Ieong U, secretária para os Assuntos Sociais e Cultura. O presidente da direcção, o deputado Chan Chak Mo, recusa leituras políticas da situação Apesar de os estatutos do Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China (CODM) definirem que a entidade deve “salvaguardar a sua absoluta autonomia, alheando-se de todas as influências de natureza política, religiosa ou económica”, os membros dos novos dos corpos sociais da instituição prestaram juramento diante a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U. A cerimónia decorreu na noite de quarta-feira, e as fotografias divulgadas pelo comité mostram os vários membros da direcção, entre os quais os deputados Chan Chak Mo, Ma Chi Seng, o presidente do Instituto do Desporto, Pun Weng Kun, ou o empresário Kevin Ho, de braço no ar a ler o juramento. Contudo, os estatutos do comité definem no artigo 4.º que o CODM “não tem fins lucrativos, devendo assegurar os recursos indispensáveis a um funcionamento independente e estável e ser absolutamente alheio a quaisquer iniciativas ou influências de natureza política, religiosa ou económica”. A ideia de independência política é igualmente reforçada pelo 7.º artigo, que define como objectivos do comité olímpico “salvaguardar a sua absoluta autonomia, alheando-se de todas as influências de natureza política, religiosa ou económica”. Também a Carta Olímpica, que o CODM tem de seguir, sob pena de não cumprir com as exigências do Comité Olímpico Internacional, define como quinto princípio fundamental a neutralidade política: “Reconhecendo que o desporto se inscreve no quadro da sociedade, as organizações desportivas do Movimento Olímpico aplicam a neutralidade política”, consta do documento. Sem interferência Confrontado com a situação, Chan Chak Mo, presidente da nova direcção, considerou que o facto dos novos corpos sociais terem jurado diante da secretária não deve resultar em nenhuma leitura política. “Não há qualquer tipo de interferência política [no comité]. A secretária foi uma convidada de honra da cerimónia, porque tem a responsabilidade de supervisionar todas as actividades desportivas em Macau. Foi um gesto de boa-vontade, e uma medida de cortesia”, afirmou Chan Chak Mo. “Ela foi convidada para subir ao palco, porque todos os comités desportivos e actividades estão sob a supervisão da sua secretaria”, foi acrescentado. O presidente da direcção e deputado argumentou igualmente que o conteúdo do juramento não menciona qualquer subordinação do comité ou dos corpos sociais à secretária. “O conteúdo do juramento diz que o nosso compromisso é com o desenvolvimento do desporto em Macau, e não menciona o compromisso face a ninguém”, explicou. O deputado garantiu ainda não haver qualquer influência do poder político nas decisões do organismo: “Não há nenhuma interferência política nas decisões, funcionamento e actividades do Comité Olímpico. A secretária foi a nossa convidada de honra porque é responsável pelo desenvolvimento de todo o desporto, através do Instituto do Desporto, e nós representamos o Comité Olímpico. Também recebemos financiamento deles”, destacou. Segundo o HM apurou, o juramento dos corpos sociais do CODM diante da secretária para os Assuntos Sociais e Cultura ou face ao presidente do Instituto do Desporto não é uma tradição nova. Contudo, desta vez seria impossível prestar juramento diante do presidente do Instituto do Desporto, Pun Weng Kun, porque também faz parte da direcção do comité, como vice-presidente. Em declarações ao HM, o gabinete da secretária para os Assuntos Sociais e Cultura recusou que o acto de testemunhar o juramento resulte interferência na autonomia do comité: “O facto de os dirigentes participarem no evento e testemunharem o juramento dos corpos, a convite do Comité, é um acto que revela o apoio ao trabalho do Comité, o que não afecta a sua autonomia”, foi respondido. O procedimento é muito diferente do que acontece em outros países, como, por exemplo, em Portugal. Em 2022, num vídeo que está disponível online, quando se realizou a cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos sociais do Comité Olímpico de Portugal, não houve nenhum membro do Governo convidado para o palco nem para “receber” a prestação de juramento. A cerimónia de tomada de posse decorre com a simples assinatura de um livro. Pontos que se tocam Os novos corpos sociais do Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China têm como presidente da direcção Chan Chak Mo, que é igualmente deputado da Assembleia Legislativa e membro do Conselho Executivo. Este é um órgão político que aconselha o Chefe do Executivo na tomada de decisões e na apresentação de propostas de lei à Assembleia Legislativa. A forte componente política é atestada pela exigência de todos os membros terem de ter nacionalidade chinesa. O vice-presidente é Pun Weng Kun, que é igualmente presidente do Instituto do Desporto, desde 2016, um cargo de nomeação política, embora o ID tenha autonomia administrativa. Nos novos corpos sociais consta igualmente O Lam, membro da delegação de Macau da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e vice-presidente do Instituto para os Assuntos Municipais. O Lam é vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral do Comité, pelo que não surge nas fotografias do juramento. Pai e filho Segundo a constituição dos novos corpos sociais do CODM, a direcção tem como membros, além de Chan Chak Mo e Pun Weng Kun, o empresário e sobrinho do ex-Chefe do Executivo, Kevin Ho. Ma Chi Seng, deputado e filho do presidente da Assembleia Geral do próprio comité, é outro dos membros da direcção, assim como Hoi Lok Man, Lai Pak Leng, Chan Weng Kit de Noronha e Sharon Ao Ieong. A nível da assembleia-geral do comité, o presidente é Ma Iao Hang, pai do deputado Ma Chi Seng. Os dois fazem parte da família do falecido e influente empresário Ma Man Kei. A assembleia-geral é ainda constituída por O Lam, António Fernandes e Lam Man Iam. O conselho fiscal é liderado por Chang Chi Nam contando igualmente com Lam Un Mui e Chang Veng Chong como membros. História | Comité fundado em Dezembro de 1987 Actualmente, com a denominação Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China (CODM), a instituição foi fundada a 22 de Dezembro de 1987, à altura intitulado como Comité Olímpico de Macau, e com as associações desportivas locais como membros. O grande reconhecimento internacional do comité aconteceu dois anos depois, durante a Assembleia Geral do Conselho Olímpico da Ásia, em Dezembro de 1989, em Bali, o Comité Olímpico de Macau foi aceite como membro do Conselho Olímpico da Ásia. Também no ano de 1989, Macau estreou-se a ganhar medalhas nos palcos internacionais, quando o atleta Li Man Yam conquistou o bronze, nos Campeonatos Asiáticos de Wushu. Em 1994, o Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China recebe a denominação actual, com a criação de novos estatutos. O passado como Comité Olímpico de Macau não é negado e surge no portal online do organismo. Após a transição, o comité teve envolvido na organização de um dos eventos mais marcantes a nível desportivo da RAEM, os Jogos da Ásia Oriental de 2005. Embora o sonho antigo de ver as cores de Macau a participar nos Jogos Olímpicos tenha sido abandonado pelos actuais dirigentes, o Comité Olímpico e Desportivo de Macau participa regularmente nos Jogos Asiáticos, como aconteceu no ano passado, no Interior, em Hangzhou. Actualmente, o CODM conta com 49 associações como membros, como a associação local de natação, ciclismo, futebol, ginástica, wushu ou de automobilismo.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteVistos | Câmara de Comércio Luso-Chinesa pede explicações sobre ausência de Portugal de isenção A China decidiu isentar, a partir de hoje, os cidadãos de seis países europeus (Suíça, Irlanda, Hungria, Áustria, Bélgica e Luxemburgo) da obtenção de visto para entrar no país. A ausência de Portugal da lista levou a Câmara de Comércio Luso-Chinesa a questionar as autoridades chinesas sobre a matéria. Analistas afastam ligação à polémica com a Huawei e rede 5G A partir de hoje quem tiver passaporte da Suíça, Irlanda, Hungria, Áustria, Bélgica e Luxemburgo está isento visto para entrar na China. A medida, anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, no passado dia 7 de Março, deixou surpresa a Câmara de Comércio e Investimento Luso-Chinesa (CCILC). Ao HM, o secretário-geral da câmara de comércio Bernardo Mendia confirmou que já foram feitos contactos junto da embaixada da República Popular da China (RPC) em Lisboa no sentido de compreender os motivos para esta ausência da lista de isenções de um país com históricas ligações à China. “Tomámos iniciativas de solicitar que se aplique também a mesma isenção a Portugal e já tomámos diligências nesse sentido. Mas é, obviamente, uma questão que nos ultrapassa. Pedimos os contactos da entidade [chinesa] para termos uma audiência, para explicarmos porque é importante para os portugueses e comunidade empresarial beneficiar também dessa isenção.” Para Bernardo Mendia, “justifica-se que Portugal esteja isento de vistos, [a começar] pela relação que tem com Macau, que não é comparável com a de nenhum outro país europeu, pois é uma relação de cinco séculos. Além disso, este ano comemoram-se os 25 anos do processo de transição da administração do território de Macau, que foi exemplar, e há ainda outros motivos históricos que são importantes. Temos também os motivos económicos e comerciais, pois é evidente que a isenção tem também benefícios. Temos esperança de que tenha sido apenas um lapso”, frisou. Segundo a agência nacional Xinhua, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês Wang Yi disse esperar, com este novo rol de isenções, que “mais países também ofereçam aos cidadãos chineses uma facilitação de vistos e que trabalhem connosco para construir redes rápidas para viagens transfronteiriças”, declarou. O governante frisou também a necessidade de “incentivo e rápida retomada de voos internacionais de passageiros”. As declarações do dirigente chinês foram feitas à margem da segunda sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional. Wang Yi disse também que esta isenção pode facilitar as viagens dos cidadãos chineses ao exterior, além de fazer com que “os amigos estrangeiros se sintam em casa na China”, tendo sido prometida uma maior cooperação “com as autoridades relevantes a fim de promover a assinatura de mais acordos de livre comércio de padrão elevado, expandir as áreas de livre comércio e manter as cadeias industriais e de fornecimento”, disse. Y Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal, considera que esta decisão das autoridades chinesas não visa colocar o país em segundo plano, mas apenas estreitar as relações com as seis nações europeias. “É fácil a um português de Portugal pedir o visto. Sendo Portugal um país amigo [da China], poucas pessoas podem ir contra essa situação. Possivelmente, a China pode querer uma maior aproximação a estes países a fim de facilitar [os negócios], e pode estar em causa o facto de estes países terem menores relações com a China. Esta isenção de visto pode levar a uma maior aproximação. Acredito que não haverá grande diferença [a ausência de isenção relativamente aos negócios].” Já o advogado Óscar Madureira recordou que a nova vaga de isenções de vistos surge depois de em Novembro a China ter isentado de visto portadores de passaportes de França, Alemanha, Itália, Holanda e Espanha. “Já nessa altura Portugal ficou de fora e algumas entidades e pessoas lamentaram essa situação. Agora lamento a decisão. Não deixa de ser um pouco estranho e contraditório face ao que é apregoado pelas entidades de ambos os países, que afirmam estarmos no melhor momento das relações entre Portugal e a RPC. Não se percebe muito bem porque a China insiste em deixar Portugal de fora.” 5G, eis ou não a questão Bernardo Mendia recordou que Portugal também não isentou de visto os cidadãos chineses, destacando que a recente polémica com o afastamento da Huawei do concurso para a entrada da rede 5G no país nada tem a ver com esta questão diplomática. “Não acho que seja uma reacção ou retaliação. São questões muito distintas. A área da isenção de vistos nada tem a ver com as políticas económicas. Os portugueses também não isentam de visto os nacionais chineses e, nesse sentido, existe uma reciprocidade total. Mas vemos que há países que estão a ter esse tipo de tratamento apesar de eles próprios não isentarem os cidadãos chineses de visto, e obviamente que nos queremos posicionar na linha da frente.” Importa realçar que Bernardo Mendia tem sido uma voz crítica contra a decisão das autoridades em afastar a Huawei. Em Junho do ano passado, em declarações ao jornal online de economia Eco, Mendia disse estar em causa uma “restrição artificial da concorrência”, com potencial “efeito negativo nos investidores e consequências no desenvolvimento de Portugal e nas excelentes relações entre Portugal e a República Popular da China”. Nessa data, a CCILC chegou mesmo a propor uma auscultação dos accionistas e não uma “imposição de restrições à actividade da Huawei de forma indiscriminada”. Óscar Madureira referiu ao HM uma eventual ligação entre esta polémica e a continuação da obrigatoriedade de visto para Portugal. “Há alguns rumores relacionados com o facto de Portugal ter excluído a Huawei do leilão da rede 5G. Se acontece por esse motivo acho mal, mas também não concordo que Portugal tenha excluído a Huawei desse concurso. Não me pareceu haver fundamento aceitável para que a empresa fosse excluída.” Y Ping Chow, por sua vez, afasta por completo que o caso 5G esteja relacionado com esta questão. “Não são assuntos que estejam relacionados, pois outros países também se afastaram da Huawei antes de Portugal. Portugal foi, talvez, um dos últimos países a tomar essa decisão. Portanto, não há qualquer problema relacionado com essa matéria.” Em Fevereiro, em declarações ao semanário Plataforma Macau, Bernardo Mendia voltou a reiterar a importância de se avançar para a isenção de vistos entre Portugal e a China. “A inclusão de Portugal no lote de países que não necessita de visto para entrar na China seria muito bem recebida por parte dos empresários”, rematou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteChina-Brasil | 50 anos de relações diplomáticas e uma pedra no sapato Este ano celebram-se os 50 anos das relações diplomáticas entre a China e Brasil, mas persiste uma lacuna: a não adesão do Brasil à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Daniel Cardoso, da Universidade Autónoma de Lisboa, justifica a posição com o potencial custo em termos de política externa, mas salienta a boa relação com Pequim independentemente da força política prevalente em Brasília Há muito que China e Brasil mantêm uma forte ligação comercial e até partilham muito do espaço internacional por pertencerem ao chamado grupo dos BRICs, o conjunto das economias emergentes com maior potencial de desenvolvimento. Contudo, no ano em que se celebram 50 anos das relações diplomáticas entre as duas nações, há uma lacuna: o Brasil continua sem aderir à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, tida como fundamental na política externa chinesa. Na sessão de segunda-feira das conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), o académico Daniel Cardoso, da Universidade Autónoma de Lisboa, deixou algumas pistas sobre o assunto: uma das razões para a não adesão poderá estar relacionada com factores políticos. As ideias foram abordadas na palestra “A iniciativa faixa e rota na América Latina: O caso do Brasil”. “Por perceberem que este é um grande custo político em matéria de política externa, as autoridades brasileiras acabaram por não aderir. Parece-me que esta razão, aplicada ao Brasil, aplica-se também aos restantes países que não aderiram”, defendeu. “Assinar o memorando da iniciativa será, sobretudo, um acto político”, acrescentou. “Como um memorando não tem um valor jurídico claro, pois não vincula países, por não ser um tratado, sendo meramente um gesto para as audiências internacionais, penso que as autoridades brasileiras não aderem à iniciativa porque não querem assumir o custo do alinhamento [com a China]. Quando há uma disputa hegemónica entre EUA e China, o Brasil, que se vê como grande potência, não quer dar o sinal de perda de autonomia, de flexibilidade”, frisou ainda o académico. Uma certa pressão Daniel Cardoso não deixou de denotar que, da parte das autoridades chinesas, parece existir “uma pressão” para que o Brasil adira à iniciativa que tem corrido o mundo. “Sendo um acto simbólico, para a China é algo importante. Parece ser algo incómodo nessa relação o facto de o Brasil não aderir.” Colocando esta matéria como ponto de partida para uma futura investigação académica, pelo facto de a não adesão ter um lado “surpreendente”, o docente disse ainda que “é preciso perceber o que esse símbolo [a adesão à iniciativa] representa para a China”. “Provavelmente, isso tem a ver com o facto de a adesão do Brasil, um país importante, trazer um novo fôlego. Passaram dez anos desde a sua implementação, já muitos países aderiram, alguns não o fizeram, e se isso não aconteceu pode haver uma nova vaga de adesões e um revigorar da iniciativa. Não sei se o Brasil está disposto a fazer isso, e duvido muito que tal aconteça.” Daniel Cardoso destacou ainda que, depois de uma primeira fase de divulgação da política e de adesões de vários países, incluindo Portugal, a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” entrou agora numa fase de reflexão. “Há que pensar a quem ‘Uma Faixa, Uma Rota’ se destina. Chegámos a um ponto de saturação da iniciativa, pois todos os países que poderiam aderir já o fizeram ou estão perto de o fazer. Esse factor poderá causar, junto das autoridades chinesas, algum tipo de apreensão. Estamos, assim, numa segunda fase, em que cabe à China a gestão de expectativas que foram iniciadas e que podem não ter sido cumpridas.” Os sinais recentes Muito recentemente, em Outubro de 2023, o Presidente chinês, Xi Jinping, deixou mais um sinal. O dirigente defendeu que a China e Brasil devem apoiar-se firmemente face à “situação turbulenta” que o mundo atravessa, durante um encontro em Pequim com o presidente da Câmara dos Deputados brasileira, Arthur Lira. Xi Jinping garantiu ainda que “Uma Faixa, Uma Rota”, o gigantesco projecto internacional de investimento e construção de infraestruturas promovido por Pequim, é “altamente compatível com a reindustrialização e o programa de aceleração do crescimento do Brasil”, e propôs usar essa “sinergia” para facilitar o desenvolvimento brasileiro e o processo de modernização da China, segundo a agência noticiosa oficial Xinhua. As autoridades brasileiras dizem ter um acordo de relações estratégicas com a China em vigor há 30 anos que já serve para todo o tipo de acordos bilaterais. De frisar que o Presidente brasileiro Lula da Silva defendeu o aprofundamento dos laços com o país “além do interesse comercial”, tendo aceitado o desafio de proteger o “verdadeiro multilateralismo” que a China apoia para apostar na ligação das economias e dos mercados brasileiros e chineses contra a dissociação defendida pelos Estados Unidos. Esta ideia vem de encontro ao que Daniel Cardoso também afirmou na segunda-feira, em Lisboa: a ideia de que, independentemente dos partidos, todos os dirigentes brasileiros estão dispostos a dialogar com o seu homólogo chinês. “Poderemos apontar um factor ideológico [para que não haja adesão]. Mas vemos que, independentemente da cor política do Governo, todos estes líderes [brasileiros] têm uma característica comum: gostam de apertar a mão a Xi Jinping. Isso mostra que a questão ideológica não é a principal razão para o Brasil não ter ainda aderido formalmente à iniciativa.” O académico destacou também alguns pontos que vão de encontro à posição oficial já assumida pelo Brasil. “Quando olhamos para dados concretos, percebemos que a relação do Brasil com a China, em termos comerciais, é muito significativa. A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, mas o Brasil é cada vez mais um dos principais parceiros comerciais da China. Em 2022, o Brasil foi o quarto país do mundo com maior saldo comercial com a China.” Por sua vez, “na relação económica e financeira vemos que se aprofunda cada vez mais, pois os investimentos chineses que, a partir de 2010, começaram a aumentar, muito concentrados na dimensão energética, têm-se vindo a diversificar nos últimos anos. Temos hoje as empresas chinesas a participar em vários sectores da economia brasileira. A China continua com uma forte presença na energia, mas temos também investimentos na indústria automóvel, no sector financeiro e área dos transportes”, rematou. No contexto da América Latina, em que o Brasil é uma das principais economias, estranha-se esta não adesão. “A China ainda não é o principal parceiro comercial do continente, esse lugar está ainda reservado para os EUA, mas isso acontece pelo peso comercial que o México tem com este país. Tirando o México dessa equação, a China já é o principal parceiro comercial. Na sub-região da América do Sul, a China já aparece como a primeira parceira comercial. Fazia, assim, todo o sentido que a iniciativa se estendesse, também, à América Latina.” Desta forma, o processo de adesões a “Uma Faixa, Uma Rota”, iniciado para todo o mundo em 2018, já chegou a 22 dos 33 países deste continente e também da região do Caribe. A “notória excepção” continua a ser o Brasil.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEleições em Portugal | Quem é quem no Círculo Fora da Europa Depois do voto antecipado para as eleições legislativas portuguesas nos últimos dias de Fevereiro, os portugueses preparam-se para regressar às urnas este domingo. No Círculo Fora da Europa, existem 16 opções na lista de candidatos. Em Macau, a votação está marcada para o Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong no sábado e domingo Portugal vai a votos este domingo para eleger o novo elenco da Assembleia da República (AR) e um novo Governo. Os emigrantes votam pelo Círculo da Europa e Fora da Europa para escolherem apenas quatro deputados de um total de 230 que compõem a AR, dois por cada círculo eleitoral, existindo ainda 20 círculos eleitorais respeitantes aos 18 distritos de Portugal e dos Açores e Madeira, as duas regiões autónomas. Recorde-se que as autoridades portuguesas permitiram votar antecipadamente entre os dias 25 e 29 de Fevereiro, tendo cada embaixada e consulado enviado o voto dos cidadãos emigrados por correio para Lisboa. Este fim-de-semana, tanto nos círculos da Europa como Fora da Europa, a votação decorre entre as 8h e as 19h locais de sábado, e no domingo entre as 8h locais e as 20h de Lisboa, sem que se ultrapassem as 19h locais de votação. Em Macau, como é habitual, a votação será no Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, no sábado e domingo, entre as 08h e as 19h. Um total de 16 partidos concorrem nestas eleições, apresentando por cada círculo da emigração dois candidatos efectivos e dois suplentes. Recorde-se que o círculo eleitoral Fora da Europa ficou recentemente marcado pela polémica após o então deputado Maló de Abreu, eleito pelo Partido Social Democrata (PSD), ter anunciado a saída do partido e possível candidatura, pelo mesmo círculo eleitoral, para ingressar no Chega. Contudo, uma investigação jornalística que revelou irregularidades na sua declaração de residência e rendimentos levou este partido a retirar o convite ao médico de Coimbra. O HM apresenta a lista completa dos cabeças de lista por todos os partidos, consoante a ordem que consta nos boletins de voto. Alternativa 21 MPT.A – Coligação Partido Aliança – MPT (Movimento Partido da Terra) Nuno Durval, de 48 anos e técnico superior de educação, é o candidato pelo Círculo Fora da Europa, na lista liderada por José João Correia Nóbrega Ascenso. Esta coligação defende a criação de uma rede de Balcões do Cidadão, que funcione em território nacional e “junto das representações diplomáticas portuguesas acreditadas no estrangeiro, utilizando os recursos públicos já existentes”. O objectivo é proporcionar “serviços mais expeditos aos emigrantes que tenham assuntos a tratar em Portugal, mas que, por falta de tempo ou por dificuldades económicas, não se possam deslocar [ao país] para tratar de assuntos relacionados com questões fiscais, patrimoniais, serviços bancários e seguros, serviços postais, de luz, água e outros relativos às suas habitações”. ADN – Alternativa Democrática Nacional Paulo Nunes, cabeça de lista, saiu de Portugal há mais de 33 anos, vivendo actualmente no Brasil. O ADN descreve-o como “um reconhecido comunicador internacional e pastor evangélico”, falando ainda da “necessidade de proteger os direitos dos nossos emigrantes”, algo “vital” para que “a diáspora portuguesa não se sinta abandonada como tem sido nas últimas décadas”. O ADN acrescenta que “tem recebido o apoio de uma grande parte dos emigrantes que defendem os nossos valores, costumes e tradições”. Na lista de suplentes consta o nome de Fernando Caldeira da Silva, que actualmente reside na África do Sul, onde é professor universitário. PCP – PEV – CDU – Coligação Democrática Unitária Ana Frias de Oliveira é cabeça de lista por este círculo. Tem 34 anos e é economista, professora e investigadora. Segue-se Pedro Teixeira, de 42 anos e consultor em políticas públicas e de desenvolvimento, bem como, na lista de suplentes, Carla Silva educadora social, e Ildefonso Garcia, engenheiro civil de 81 anos. Todos os nomes foram propostos pelo PCP – Partido Comunista Português. No programa eleitoral, a coligação defende para os emigrantes “medidas que garantam o respeito dos direitos sociais e laborais em vigor nos países de acolhimento”, bem como a “promoção da cultura portuguesa”, o apoio “ao movimento associativo português” e ainda a aposta na “política de língua que promova a preservação e expansão do português enquanto língua materna aos lusodescendentes”. Nós! Cidadãos! Mikael Fernandes e Maria Alina Carvalho lideram a lista pelo círculo Fora da Europa, seguindo-se, como candidatos suplentes, Cláudia Silva e Vítor Manuel Saraiva. Para a área da emigração, o partido acredita que “o papel do Instituto Camões deve ser reforçado”, além de que, através da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, “devem ser implementadas políticas de reforço do ensino da nossa língua, nalguns países ainda muito deficitária, bem como as trocas de produtos culturais no espaço lusófono, ainda muito condicionadas por excessivas barreiras alfandegárias”. PPD/PSD.CDS-PP.PPM – Aliança Democrática O regresso da AD (Aliança Democrática) faz-se com três partidos da Direita portuguesa e apresenta, para o Círculo de Fora da Europa o social-democrata José Cesário que regressa, assim, a um círculo eleitoral que tão bem conhece. Cesário, natural de Viseu e com 65 anos de idade, foi, além de deputado pela emigração, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Além de José Cesário, constam na lista da AD Flávio Martins, Paula Medeiros e Carolina Araújo. R.I.R. – Reagir, Incluir, Reciclar Maria Alexandra Grilo Belo Amaro, Wilmer Cecil Miller, Octávio Manuel da Silva Moita e Sofia Catraia Pinto são os nomes escolhidos por este partido para o círculo Fora da Europa. Partido que tem na figura de Tino de Rans, candidato a deputado e ex-candidato à Presidência da República, o rosto mais conhecido. Entre as propostas do partido destaque para a “facilitação do voto, especialmente dos portugueses emigrados, nomeadamente com a testagem do voto electrónico”. BE – Bloco de Esquerda Pelo BE concorrem, neste círculo, Miguel Luís Delgado Heleno, Juliana Couras Fernandes Silva, Pedro Vaz Felizes e Maria do Sameiro da Silva Mendes. Com um capítulo inteiramente dedicado às comunidades portuguesas no estrangeiro, o BE defende que “a relação do Estado com a comunidade portuguesa no estrangeiro tem sido desastrosa”, devido aos “tempos de espera enormes nos consulados”. O BE destaca ainda a saída dos cidadãos emigrados do Serviço Nacional de Saúde, medida que demonstra que o Governo “considera as e os portugueses no estrangeiro como cidadãos de segunda”. Assim, o BE quer “estreitar a relação com as e os portugueses no estrangeiro, reforçando o número de consulados, garantindo a gratuidade do ensino do português e revogando as infames alterações ao registo nacional de utentes”. IL – Iniciativa Liberal Pelo partido liberal concorrem na emigração Teresa Vaz Antunes, Pavel Elizarov, Maria da Graça Simões e Flávio Kawakami. O programa eleitoral, “Por um Portugal com Futuro”, defende um menor peso do Estado em várias áreas que passam pelos impostos, saúde ou habitação, defendendo a “descentralização político-administrativa do país” e uma reforma do sistema eleitoral, através da introdução de um “círculo nacional de compensação”. JPP – Juntos Pelo Povo Os candidatos deste partido são José de Caires da Mata, Catarina Lambaz, Paulino Spínola e Anita de Sousa Nunes. Criado na ilha da Madeira em 2009, este partido diz orientar-se por uma “matriz social, basista e plural”, pretendendo ser “um instrumento de diálogo político para o eleitorado português, cujo descontentamento perante a situação actual do país tem sido sistematicamente sub-representado pelo modelo de actuação dos partidos políticos tradicionais”. O JPP diz querer “representar todos os cidadãos portugueses no território nacional e na diáspora”. E – Ergue-te! Por este partido concorrem, para o círculo da emigração, Jorge Cameirão de Almeida, Isabel Matos Correia, Valdemar Cardoso Couto e Ana Maria Oliveira. Conotado com a extrema-direita, o Ergue-te! fala de uma “solução nacionalista” que é “indispensável e cada vez mais urgente para devolver o Estado ao serviço da Nação e à defesa dos seus interesses”. PS – Partido Socialista Da lista dos quatro candidatos ao círculo Fora da Europa destaca-se o de Augusto Santos Silva, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, da Defesa e dos Assuntos Parlamentares, actual deputado por este círculo e presidente da AR. O PS, que tem uma representação de cariz associativo em Macau, tal como o PSD, tem actualmente como secretário-geral Pedro Nuno Santos e pretende, de entre várias medidas propostas, “reformar os procedimentos eleitorais de forma a assegurar a qualidade e condições de igualdade da participação dos cidadãos residentes no estrangeiro nos actos eleitorais, com maior conforto, segurança e proximidade dos locais de voto”. Chega Por este partido, liderado por André Ventura, concorrem pelo círculo Fora da Europa Manuel Magno Alves, João Baptista da Silva, Ana Viegas Mendes e Paula Lima Teixeira. Também com um capítulo unicamente destinado às comunidades portuguesas, este partido, também conotado com a extrema-direita, quer “defender os interesses das comunidades portuguesas promovendo a sua plena integração no todo nacional” além de criar e gerir “a rede de lojas do cidadão adequadas às comunidades”. Pretende-se também “criar os mecanismos necessários para uma plena participação das comunidades nos diversos processos eleitorais”. Nova Direita Liderado por Ossanda Líber, este partido recentemente instituído em Portugal tem como candidatos pelo círculo Fora da Europa Mário João Bolacha Guterres, Nzinga das Dores da Costa Bento Pires, Helena Cristina Monteiro Gonçalves e José Augusto dos Santos Dias. Mário Guterres, com 43 anos, é gestor de empresas privadas ligadas à construção e manutenção no sector petrolífero, com operações em Portugal e nos PALOP. VP – Volt Portugal Leandro Damasceno, Ana Rita Carvalho, Frederico Coelho e Kátia Sofia Fernandes Silva são os candidatos por Fora da Europa deste partido que tem como lema eleitoral “Paixão pelo Bom Senso”. Na área dos “direitos da diáspora portuguesa” pede-se o “alargamento da rede de ensino da língua portuguesa, presencial e online, de inscrição tendencialmente gratuita”, bem como a “promoção de um bom funcionamento dos consulados, com equipas funcionais conhecedoras do sistema legal português e do país em que estão inseridos”. Livre O Livre, liderado por Rui Tavares, ex-deputado europeu, tem no círculo Fora da Europa Nurin Mirzan Mansurally, Marco Craveiro, Sofia Oliveira Santos e Tiago Villa de Brito. “Contrato com o Futuro”, o slogan do programa eleitoral, fala na “defesa e empoderamento” da diáspora portuguesa, com a reforma “do Conselho das Comunidades Portuguesas de forma mais ambiciosa do que até agora, ao nível das suas competências, organização e funcionamento”. As propostas do Livre incluem “tornar vinculativa a consulta deste conselho em qualquer matéria que diga respeito às Comunidades Portuguesas no estrangeiro e torná-lo afecto à Presidência do Conselho de Ministros em matéria especializada”. O Livre quer também reforçar “o serviço do Consulado Virtual e a rede consular, facilitando o contacto e o apoio da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas às associações portuguesas da diáspora”. PAN – Pessoas, Animais, Natureza Nelson Correia Abreu, Carla Porfírio, André Oliveira e Maria Figueiredo Malhão concorrem por este partido ligado à defesa dos direitos dos animais e do ambiente pelo círculo Fora da Europa. Liderado por Inês Sousa Real, neste momento a única representante dopartido na AR, o PAN pretende “introduzir melhorias ao processo eleitoral nos círculos da emigração no âmbito das eleições para a AR, designadamente modernizando o voto postal dos eleitores residentes no estrangeiro e adequando-o às especificidades de cada país”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | Académicos detalham apoios a Portugal depois de ciclone em 1941 Três académicos da Universidade Politécnica de Macau debruçaram-se sobre a operação de solidariedade promovida pela comunidade chinesa de Macau para apoiar vítimas de um ciclone que fustigou Portugal em 1941. O apoio partiu de instituições como a Associação de Beneficência Tung Sin Tong ou do Hospital Kiang Wu, em parceria com o Governo Em Fevereiro de 1941, um poderoso ciclone afectou Portugal e deixou um rasto de destruição em todo o país, numa altura em que todas as atenções estavam viradas para as várias frentes de batalha da Segunda Guerra Mundial. Macau, à luz da neutralidade assumida no conflito pelo Governo de António de Oliveira Salazar, não estava directamente envolvida na guerra, mas acabou por se tornar num território de acolhimento para milhares de refugiados chineses que tentavam escapar à ocupação japonesa de Xangai e Cantão. O êxodo levou a população local a triplicar, atingindo-se a fasquia de meio milhão de habitantes. Mesmo enfrentando uma grave crise social, Macau não deixou de enviar dinheiro para as vítimas portuguesas do ciclone, como prova a investigação intitulada “Angariação de Fundos pelos Chineses de Macau para a Reconstrução do Ciclone de 1941 em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial: Perspectiva da Escolha Pública”, da autoria dos académicos Baoxin Chen, Xi Wang e Kan Chen, da Universidade Politécnica de Macau (UPM). A elite chinesa de Macau da época, em conjunto com o Governador de Macau, Gabriel Maurício Teixeira, enviou um total de 31.075.23 dólares de Hong Kong, o equivalente a 310.752,3 dólares de Hong Kong tendo em conta o câmbio actual, após uma campanha de angariação de fundos. Entidades como a Associação de Beneficência Tung Sin Tong e Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu participaram nestas iniciativas. Segundo os autores da investigação, a concessão de donativos por Macau “ilustra a vontade da elite chinesa e do Governo de Macau de procurar capital político e poder em resposta à crise [gerada pela] guerra”. Trata-se ainda de um “evento de caridade diplomática internacional pouco conhecido e que é relevante para as relações luso-chinesas”, lê-se no artigo. “Apesar deste ter sido o momento mais difícil da Segunda Guerra Sino-Japonesa, a elite chinesa de Macau mobilizou forças sociais e angariou fundos para ajudar na reconstrução” após a passagem do ciclone, algo que foi “amplamente apoiado e mereceu a cooperação da população chinesa de Macau”. Tratou-se de “uma actividade política civil” que mostra “o comportamento e o processo de escolha do público no fornecimento e distribuição de bens públicos e na elaboração de regulamentos adequados a fim de influenciar a escolha da população e maximizar a utilidade social”. Para os académicos, a campanha de recolha de donativos constitui um “extraordinário acontecimento histórico da diplomacia internacional das relações luso-chinesas em tempo de guerra” que “foi inadvertidamente esquecido”, consideram os autores. Cartas guardadas O estudo foi desenvolvido graças a uma bolsa atribuída pela própria instituição de ensino e só foi possível devido ao acesso que os investigadores tiveram às chamadas “Cartas de Crédito”, provas documentais em português e chinês dos donativos atribuídos, e que estavam à guarda de Luo Jing Xin, coleccionador ligado à Sociedade de Colecção de Nostalgia de Macau. Segundo o artigo científico sobre esta investigação, a primeira parte das “Cartas de Crédito” está em chinês e conta com 52 páginas, enquanto a segunda parte contém 36 páginas em português. Os autores fizeram ainda uma pesquisa intensiva entre jornais chineses da época, que relataram este episódio e publicitaram a campanha de recolha de fundos. Uma cópia destas “Cartas de Crédito” está hoje à guarda do Centro de Estudos Culturais Sino-Ocidentais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UPM. Os investigadores descrevem que os representantes da elite chinesa dirigiram-se ao Governador assim que souberam da tempestade, apresentando “condolências às vítimas a fim de mostrarem simpatia em nome do povo chinês”, tendo dito que “os chineses de Macau estavam dispostos a ajudar as pessoas que tinham ficado sem casa devido ao ciclone, para que pudessem sentir o calor e a preocupação por parte da sociedade chinesa do outro lado do mundo”. Foi ainda referido por estes representantes da comunidade chinesa que “a angariação de fundos iria beneficiar os compatriotas portugueses em sofrimento”, além de proporcionar “às autoridades de Macau uma oportunidade para demostrar a sua lealdade e capacidade de governação do Governo português”. Dois meses de recolha Foi então criada uma comissão de angariação de fundos depois da aprovação do Governador Gabriel Teixeira, e publicado no jornal Va Kio, dia 27 de Março de 1941, um artigo onde se descreviam “os enormes prejuízos causados pelo ciclone em Portugal e a situação de vida das pessoas”. Lia-se, na peça, o seguinte: “O ciclone varreu todo o território de Portugal. Por onde se passava havia telhas, árvores e casas destruídas até à ruína, tendo depois seguido [o ciclone] directamente para a vizinha Espanha”. Apelava-se ao ressurgimento do “Grande Espírito Tradicional Chinês, ‘仁義’ (Ren Yi)”, relativo aos sentimentos de benevolência e rectidão. No artigo apelava-se ainda à ajuda da população, para que a comissão pudesse “reunir os donativos suficientes para prestar ajuda e apoio necessários aos que sofrem”. A 22 de Março de 1941 o comité reuniu pela primeira vez para discutir o formato da recolha de donativos. O encontro foi presidido pelo presidente da Associação Comercial de Macau, Ko Ho Ning, com representantes das associações do Hospital Kiang Wu e da Tung Sin Tong. Foi então criado o “Comité de Ajuda dos Chineses para a Catástrofe do Ciclone Português”, presidido por Ko Ho Ning. A 25 de Março organiza-se uma segunda reunião na Associação Comercial, onde se chegou a um “consenso sobre a estrutura organizacional, o funcionamento e as questões de implementação da angariação de fundos”. Nesta reunião, determinou-se que o Banco de Cantão, localizado na Rua Cinco de Outubro, e o Banco Tung Tak, na avenida Almeida Ribeiro, seriam as principais agências a guardar os donativos, recolhidos em Outubro e angariados entre 22 de Março e 23 de Maio. Neste processo “os chineses de Macau demonstraram um enorme fervor filantrópico”, destacam os académicos. Para angariar dinheiro, organizaram-se bazares de beneficência, competições desportivas ou espectáculos de teatro de ópera cantonense, nomeadamente por parte do Teatro Tai Ping, à época bastante conhecido tanto em Macau como em Hong Kong. O estudo revela que a comunidade chinesa de Macau, “de todos os estratos sociais” foi “a principal fonte de donativos”, contribuindo com 14.156,94 dólares de Hong Kong [câmbio da época], o que constituiu cerca de metade do dinheiro recolhido. Além das associações já referidas, participaram nesta recolha de fundos “celebridades e comerciantes conhecidos que se refugiaram em Macau durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, bem como o Governador de Macau e funcionários do Governo”. São destacados no estudo donativos de Zhou Yong Neng, que chefiava a delegação do Kuomitang em Macau, ou Sir Robert Ho Tung. Esta campanha de recolha de fundos não tinha apenas objectivos de apoio social, mas também uma forte mensagem política, “não se tratando de uma mera actividade de auxílio e de caridade, mas de um acto deliberado com requisitos políticos específicos”, com diversas implicações. “Naquela época eram inseparáveis as relações sociais entre Portugal e Macau e havia o objectivo comum de proteger Macau”, apesar das diferenças socioculturais entre portugueses e chineses e o grande distanciamento geográfico. A elite chinesa acreditava que “China e Portugal tinham um destino comum ligado ao desenvolvimento histórico” e, numa altura em que Macau e a comunidade chinesa enfrentavam os dissabores da guerra, “os dois lados não eram apenas parceiros a enfrentar uma crise, mas também uma força vital na protecção de uma pátria comum – Macau”. Os investigadores acreditam que esta ideia “permitiu que o evento de angariação de fundos corresse bem e reunisse mais contributos sociais”, apesar de constituir “um desafio”. Segundo uma reportagem do jornal Público de 12 de Fevereiro do ano passado, que cita o meteorologista Paulo Pinto, “nunca houve tamanha destruição” em Portugal como a tempestade registada nesse ano de 1941. Não se sabe ao certo quantas vítimas o ciclone deixou, mas terão sido mais de uma centena de mortos e centenas de feridos. Adélia Nunes, geógrafa portuguesa e autora de um dos poucos estudos sobre o incidente, relatou ao jornal que “foi uma situação catastrófica para o país”, tendo o ciclone atingido também Espanha.
Andreia Sofia Silva Grande Plano ManchetePsicologia | Factores socioculturais na China podem “ocultar” traumas Um estudo psicológico realizado por três investigadores de Macau, Hong Kong e Estados Unidos concluiu que factores socioculturais podem dificultar diagnósticos de perturbação dissociativa da identidade em pacientes chineses. O trabalho refere que as perturbações dissociativas são muitas vezes confundidas com depressões ou estados de ansiedade Diagnosticar casos de perturbação dissociativa da identidade (DID) em pacientes chineses pode tornar-se num desafio para psicólogos e psiquiatras, mas não é impossível. No entanto, cabe aos terapeutas “navegar as nuances culturais, desafiando simultaneamente as inconsistências culturais” da comunidade chinesa para analisar estes casos, tendo em conta que muitos pacientes chineses “tendem a reprimir emoções e consideram inapropriado mergulhar na própria psique e nos próprios sentimentos”. Esta é uma das ideias principais do estudo “Working with Chinese trauma survivors with dissociation: Lessons from two cases in Macao” [Trabalhando com sobreviventes chineses de trauma com dissociação: Lições de dois casos em Macau], da autoria de Im Wai Lao, que tem mais de dez anos de experiência em Macau, Robert Grant e Hong Wang Fung. O artigo científico foi publicado em Novembro no European Journal of Trauma & Dissociation. O trabalho foi feito com base em casos clínicos com pacientes chineses que apresentaram sintomas como ansiedade ou depressão, sendo que alguns tentaram mesmo o suicídio. Em todos, os terapeutas perceberam que a resposta estava nas vivências familiares e da infância, embora tenha sido um processo demorado, pois era difícil aos pacientes verbalizar o que sentiam e buscar a origem dos sentimentos. Segundo o estudo, a dissociação “refere-se a falhas no processo de integração das próprias experiências psicofisiológicas, tais como memórias, emoções e identidades”, sendo que quando resulta de trauma está “intimamente relacionada com experiências interpessoais adversas, especialmente durante a infância”. Contudo, até à data, não era muito explorada “a forma como as normas e valores socioculturais tradicionais podem estar associados à dissociação”. O estudo conclui que a “dissociação relacionada com o trauma existe na comunidade chinesa, embora possa estar escondida por detrás de outros problemas”. Os académicos consideram que “os factores culturais chineses podem reforçar a utilização da dissociação como forma desadaptativa de lidar com a situação, porque a expressão emocional não é valorizada e porque a harmonia interpessoal é enfatizada, mesmo quando existem relações tóxicas e/ou abusivas”. Segundo os autores, tal deve-se às diferenças entre a cultura chinesa e a ocidental. “Na cultura ocidental moderna defende-se a individualidade”, enquanto a cultura chinesa “enfatiza não só os papéis sociais e a harmonia nas relações interpessoais, mas também os sintomas físicos e os comportamentos externos”. Tal faz com que, na hora de se sentar na cadeira do psiquiatra, o paciente chinês tenha mais dificuldade em verbalizar o que sente e procurar a verdadeira origem do sofrimento mental. Tempestade de emoções Um dos casos citados pelo estudo é o de ‘CL’, designação atribuída a uma mulher chinesa de 32 anos, administrativa, da classe média, que há quatro anos vive e trabalha em Macau. A mulher sofreu “um colapso emocional súbito, sem qualquer razão óbvia que pudesse ser identificada” depois da passagem do tufão Hato por Macau, em 2017, que gerou uma vaga de destruição e dez mortos. Depois da tempestade, a mulher começou “a sentir insónias intermitentes e tornou-se excessivamente sensível a trovoadas, acordando durante a noite, aterrorizada, tendo dificuldade em voltar a adormecer”. Depois do colapso seguiu-se o registo de “sintomas depressivos, incluindo pensamentos suicidas, e sintomas somáticos como fadiga extrema, dores musculares, falta de ar e agravamento da insónia”. Os sintomas agravaram-se aquando da passagem por Macau do tufão Mangkhut. Em plena pandemia, em 2020, “CL” passou a ter ataques de pânico, pesadelos e fortes dores de estômago. Os autores descrevem que “CL” foi “criada no seio de uma família com graves carências emocionais e o seu contexto cultural acentuou os graves problemas de identidade causados pela forma como os pais se relacionavam com ela”. O terapeuta percebeu que, da parte da mãe, “faltaram cuidados, aliada a uma enorme crítica”, enquanto do pai houve “ausência e o distanciamento afetivo”, com impactos na auto-estima da paciente, cenário que “provavelmente contribuiu para a sua patologia dissociativa”. Contudo, “a tendência para a somatização entre os chineses dificultou a exploração do interior de ‘CL’ pelo terapeuta para fazer um diagnóstico”. De frisar que só três meses depois do início da terapia se começou a verificar “uma abertura significativa na amnésia de ‘CL'”. Foram precisas 14 sessões de terapia para que a paciente reconhecer a fúria com a sua a mãe a tratava, momento que virou a página na terapia levando ‘CL’ a falar mais abertamente das memórias com a progenitora. Metas físicas Tendo em conta este caso clínico, os autores do estudo referem que “muitos chineses não têm consciência emocional e tendem a expressar os seus sentimentos através de sintomas físicos, como dores de cabeça e de estômago”. Este panorama explica-se pelo facto de, na cultural tradicional chinesa, as emoções serem consideradas “culturalmente irrelevantes”, pelo que “o reconhecimento das dificuldades emocionais é muitas vezes visto como um sinal de fraqueza ou inutilidade”. Na relação entre pais e filhos, “as filhas são desencorajadas a fazer quaisquer comentários negativos sobre as mães, independentemente da verdade, uma vez que é considerado pouco filial, o que tem um peso significativo para muitos chineses”. O estudo relata ainda o caso de ‘K’, uma mulher que nasceu numa família com dificuldades, em que só o pai trabalhava como operário, o que a obrigava a cuidar dos irmãos e a ter, desde cedo, vários trabalhos a tempo parcial. A busca pela terapia fez-se quando o seu casamento começou a ruir, originando pensamentos suicidas logo após o nascimento do primeiro filho. O casamento não melhorou depois do nascimento da segunda filha, com o marido a não se responsabilizar pelas contas da família, o que levou ‘K’ a sentir-se “perplexa, exausta e desamparada”. Neste caso, o terapeuta revela não ter tido sequer “um pequeno espaço para entrar” no ambiente emotivo da paciente, pois ‘K’ não conseguiu verbalizar o que sentia. Segundo o estudo, tal explica-se pelo facto de, “na cultura chinesa, as crianças serem normalmente impedidas de falar ou perguntar, sendo-lhes exigido silêncio e submissão, especialmente as raparigas, uma vez que são consideradas inferiores ou mesmo sem valor aos olhos de muitos pais chineses”. Descreve-se ainda que, na comunidade chinesa, dá-se uma “ênfase significativa a certos marcos em idades específicas, como o casamento e ter filhos, particularmente para as mulheres”. ‘K’ procurou ajuda psicológica “devido ao seu casamento conturbado”, sendo que, “durante anos, foi ela que teve de pagar a maior parte das contas e de tratar de todas as tarefas domésticas”. Os autores apontam ainda que estas experiências “estão profundamente ligadas aos valores e abordagens chinesas para lidar com questões emocionais e psicológicas”. Nestes casos, dá-se “prioridade à resistência em detrimento dos sentimentos pessoais”, para “tentar melhorar situações difíceis e evitar quebrar, apesar da dor, do sofrimento e dos sintomas associados”. O divórcio, por exemplo, “é considerado um fracasso cultural para as mulheres na sociedade chinesa, onde uma mulher divorciada é vista como uma ‘esposa abandonada'”. Assim, os autores do estudo concluem que “algumas normas socioculturais podem contribuir para o desenvolvimento e manutenção de sintomas dissociativos”, embora assumam a necessidade de realizar “mais estudos empíricos”. No trabalho do terapeuta, recomenda-se que este, para detectar casos de DID, deve “ter em consideração os factores culturais” do paciente e “ser culturalmente sensível”, além de “colectar informações do paciente sobre as experiências da primeira infância, incluindo antecedentes familiares e interacção com os pais”. Lê-se ainda que o respeito pela hierarquia, na sociedade chinesa, é mais importante do que um olhar sobre si mesmo e a individualidade, além de que “a cultura chinesa coloca frequentemente uma maior ênfase na adaptação a papéis ligados ao contexto”. Descrevem os autores que, nas famílias chinesas, “a hierarquia implica que se espera que os indivíduos ouçam e se submetam aos mais velhos, ao mesmo tempo que compreendem como interagir com cada membro da família de uma forma distinta, a fim de manter a harmonia externa”. Com base nos casos descritos, refere-se que ‘CL’ e ‘K’ sofreram “traumas de vinculação e apresentaram sintomas de perturbação dissociativa”, pois ‘CL’ não se recordava “de ter sido amarrada e expulsa de casa pela mãe”, enquanto ‘K’ não tinha memória “de ter sido abusada sexualmente pelo avô”. Ambas as mulheres “sofreram confusão de identidade, lutando constantemente para se definirem e sentindo a dor de não terem crenças e valores morais consistentes”. Além disso, “ambas revelaram despersonalizações, sentindo-se emocional e fisicamente desligadas”. Os autores defendem ainda que seja feita “mais investigação sobre a forma como factores ou valores socioculturais específicos, por exemplo, a piedade filial ou preferência pelos rapazes em detrimento das raparigas, possam estar associados a problemas de saúde mental, incluindo a dissociação”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFestival Fringe | Estará Macau afectado pela cultura do cancelamento? O cancelamento de um espectáculo do Festival Fringe será uma manifestação da chamada cultura do cancelamento em Macau? Duas personalidades ligadas ao mundo das artes locais acreditam que sim. Ao HM, a porta-voz do grupo responsável pela performance cancelada não escondeu a profunda tristeza com decisão do Instituto Cultural “Feito pela Beleza”, da companhia Utopia da Miss Bondy, estava agendado para subir ao palco do Festival Fringe entre 23 a 25 de Janeiro, mas acabou cancelado com a presidente do Instituto Cultural (IC), Deland Leong Wai Man, a explicar que o conteúdo do espectáculo era “divergente” face ao que foi apresentado na fase de candidatura ao festival. O espectáculo burlesco preparado pela Utopia da Miss Bondy foi cancelado depois de ter sido exibido um vídeo com “drag queens” nas redes sociais. Importa frisar que o espectáculo sempre teve classificação para maiores de 18 anos e, na sua apresentação, lia-se que continha “linguagem obscena e nudez que poderia ofender a sensibilidade de alguns espectadores”. Além disso, a mesma peça entrou no cartaz do Festival de Teatro de Shekou, que se realizou entre Outubro e Novembro do ano passado na cidade vizinha de Shenzhen. Perante este caso, importa perguntar se Macau está a enfrentar a chamada cultura do cancelamento sempre que ocorre um evento ou espectáculo susceptível de incomodar os espectadores mais sugestionáveis ou que aborde temas sensíveis não necessariamente políticos, mas que roçam os limites da moralidade. Sarah Sun, porta-voz do grupo Utopia da Miss Bondy, acredita que sim. “Para mim, é muito triste concordar com este ponto de vista”, começou por dizer ao HM. “Depois do nosso cancelamento, muitas pessoas descobriram que houve um espectáculo com drag queens no Fringe de 2001. O espírito do Fringe é ser lúdico, ousado e experimental, e o IC continuou a pedir para mudarmos as roupas e exigiu contenção para encaixarmos no que eles queriam, no que pensam que a arte deve ser. E depois simplesmente cancelaram o nosso espectáculo porque não obedecemos”, frisou. Segundo Sarah Sun, o IC exigiu mudança dos vestidos ou a cor dos collants, para disfarçar as pernas dos actores. “Muitas das coisas que nos pedem para mudar não são realmente importantes. Ou talvez o IC ache que as drag queens não são adequadas para se vestir?”, questionou. A responsável acredita que o cancelamento do “Feito pela Beleza” deve constituir “um ponto de partida para as pessoas terem consciência de que a nossa liberdade de expressão criativa está a ser reduzida”. “Devido ao sistema de financiamento, o IC parece pensar que tem o poder absoluto de decidir que espectáculos, que formas de arte, que artistas podem ser vistos”, disse ainda. O realizador Vincent Hoi também defende que o mundo artístico está a enfrentar limitações à liberdade de expressão. “O objectivo da arte deve ser estimular as pessoas a pensar com diferentes ângulos e encorajá-las a ter um pensamento independente. O cancelamento do evento significa que o Governo não quer que as pessoas tenham um pensamento independente e apenas diz às pessoas que tudo o que está relacionado com o [universo] dos drag queens é errado e que é algo que não pode ser visto pelos habitantes de Macau, mesmo para um público com mais de 18 anos. Mas será que os drag queens são algo feio e errado? Se são bons ou maus, bonitos ou feios, cabe às pessoas decidir”, defendeu ao HM. Um futuro sombrio Vincent Hoi não tem dúvidas de que “o futuro das artes vai piorar cada vez mais”, tendo em conta que os funcionários públicos, bem como “o Chefe do Executivo e a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura não compreendem as artes e também não se preocupam com elas”. As críticas do realizador incidem também sobre a percepção do que deve ser a oferta cultural do território e o tipo de espectáculos que se enquadram na ideia de uma “cidade mundial de turismo e lazer” e cidade multicultural. “Mesmo que o Governo queria que Macau se torne numa ‘Cidade das Artes do Espectáculo’, os seus conceitos quanto a isso talvez se limitem a convidar artistas como Jacky Cheung, Eason Chan ou a banda Seventeen para virem a Macau. Isso faz com que, nas suas cabeças, Macau seja uma cidade das artes do espectáculo. O Governo parece entender que o objectivo das artes é apenas promover o território como uma cidade turística.” Para Vincent Hoi, este cenário “é mau para as associações culturais locais”, considerando “difícil fazer com que os [dirigentes] tenham uma mente mais aberta”. O HM contactou ainda o deputado José Pereira Coutinho para obter uma reacção, que disse “não dominar este assunto”. Kevin Chio, da companhia teatral Rolling Puppet, declarou tratar-se de uma “abordagem muito conservadora” por parte do IC tendo em conta a ideia “de uma cena artística mais aberta e diversificada” associada ao festival Fringe. “O IC alegou ter descoberto discrepâncias entre o plano do espectáculo e a produção real, mas pelas declarações que li da produção, não creio que fosse possível existirem discrepâncias porque o espectáculo já tinha sido apresentado em Shenzhen. O IC podia ter solicitado um vídeo de todo o espectáculo. Que tipo de drag queens estavam à espera?”, questionou. O artista recorda que a decisão do IC foi tornada pública depois de ter sido transmitido um vídeo num autocarro. “Quando o IC se sente pressionado tende a empurrar os artistas para um canto ao invés de permanecer parado ou neutro. Esta acção do IC só prova que há uma linha vermelha para as artes, mas não sabemos onde está. Seleccionaram o espectáculo, conheciam o seu conteúdo, mas quando se gerou algum ruído por parte do público, suspenderam-no. Ironicamente, e mesmo com todo o ‘ruído’ e queixas que gerou, o concerto de K-Pop no Estádio de Macau [da banda Seventeen], decorreu como planeado. Por isso digam-nos onde está essa linha vermelha”, frisou. Ao jornal Ponto Final, Sarah Sun esclareceu que aquando da apresentação da candidatura do “Feito pela Beleza” foi referido que o conteúdo se relacionava com “drag queens”, tendo sido sempre apresentadas fotografias dos figurinos e detalhes do guião. Exemplos anteriores Não foi a primeira vez que o mundo das artes se vê assombrado pelo posicionamento que o Governo adopta em relação ao conteúdo dos espectáculos. Recorde-se que, no passado mês de Outubro, o IC enviou emails às associações sobre alegadas críticas feitas a um espectáculo destinado ao público infantil. O IC alertava para o dever de “evitar incluir nas criações [artísticas] elementos impróprios [considerados] indecentes, [como] a violência, pornografia, obscenidade, jogos de azar, insinuações ou violação dos direitos de outras pessoas”, “a fim de evitar o cancelamento do subsídio”. Várias associações assinaram uma carta de contestação como resposta, mostrando-se “muito preocupadas com este aviso” feito com base em queixas anónimas. Na carta, mencionaram ainda a existência da Comissão de Classificação Etária de Espectáculos e Exibições Públicas de Filmes Realizados em Macau, “que visa proteger o público de conteúdos impróprios e distinguir se uma obra é ou não adequada para ser vista [por pessoas de determinadas faixas etárias]”. “Será ainda necessário impor uma restrição generalizada às obras que não contenham nenhum dos elementos inadequados acima referidos? Sugerimos que se respeite a existência das comissões para que o público possa escolher, por si, quais as obras adequadas para assistir”. Os signatários da carta afirmaram ainda temer uma “aplicação demasiado rigorosa” das restrições, com potencial “impacto negativo” no sector das artes e espectáculos, bem como no cinema e meio audiovisual. Também em Maio, aquando da entrada em vigor da nova lei relativa à defesa da segurança do Estado, o IC anunciou novas regras para a submissão de projectos cinematográficos e televisivos a financiamento do Fundo de Desenvolvimento da Cultura, que passam pela apresentação de conteúdos a concurso que respeitem a segurança nacional e as crenças locais. Na altura, Tracy Choi desvalorizou o risco de controlo dos conteúdos. “O Governo disse que não vai controlar os conteúdos [submetidos], mas claro que alguns dos projectos podem não estar de acordo [com as regras]. Mais do que a questão da lei [da segurança nacional] em si, penso que não haverá um grande controlo, especialmente porque o fundo permite que empresas de fora concorram ao financiamento e teremos uma maior de conteúdos sobre a área do entretenimento.” Nota de edição: Artigo corrigido face à versão impressa com a inclusão da opinião de Kevin Chio.
Hoje Macau Grande Plano2024 | Em ano de eleições, Macau deve voltar às contas públicas com excedentes As eleições para o Chefe do Executivo, que vão decorrer pela primeira vez sob a nova lei que só permite a candidatura de patriotas, dificilmente deixarão de ser o grande acontecimento político de 2024. Sobretudo porque as eleições, habitualmente agendadas para Dezembro, acontecem num ano em que se assinala o 25.º aniversário do estabelecimento da RAEM e se celebra o 75.º aniversário da fundação da República Popular da China. Durante aquele que será o último ano do primeiro mandato de Ho Iat Seng à frente do Governo, e ainda se desconhece a intenção de este se recandidatar, deverá ficar-se a saber o impacto político das novas regras eleitorais. Um exemplo: as novas lei eleitorais, que vão afectar a votação para o Chefe do Executivo em 2024 e para a Assembleia Legislativa em 2025, não só prevêem o afastamento de candidatos que não sejam patriotas, sem direito a reclamação ou recurso junto dos tribunais, como também passam a criminalizar o apelo à abstenção e ao voto em branco ou nulo, mesmo fora dos períodos de campanha, incorrendo os infratores numa pena de prisão até três anos. Outro ponto de interesse deverá desembocar no desempenho económico de Macau. Isto num ano de eleições e num momento de acelerada integração nacional, com Pequim a deixar ainda o desafio a Macau de diversificar a economia daquela que é a capital dos casinos, muito dependente do jogo. Bastará dizer que em 2019, antes da pandemia de covid-19, o grau de dependência das receitas correntes no território em relação às receitas do jogo era de quase 85%. A indústria do jogo, a principal fonte de receita via impostos do Governo do território, representava mais de metade do Produto Interno Bruto (PIB) de Macau em 2019 e dava trabalho a quase 68 mil pessoas no final de 2022, ou seja, a quase 20% da população empregada. O novo contrato de concessão para os próximos dez anos entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2023, e exige às seis operadoras que reforcem significativamente a aposta em elementos não jogo e de captação de visitantes estrangeiros. Uma mudança no jogo que as autoridades esperam que seja acompanhada pelas contas públicas. Segundo as previsões do Governo, 2024 será o primeiro ano após a pandemia em que o Governo prevê o regresso das contas públicas aos excedentes, estimando-se que se termine o ano com um saldo positivo de 1,17 mil milhões de patacas. Sem reserva financeira O orçamento do próximo ano prevê igualmente que não se tenha de recorrer à reserva financeira para salvar o orçamento, o que, a confirmar-se, vai acontecer pela primeira vez desde o início da pandemia. O próximo ano marca também o arranque oficial de um plano que define 81 projectos prioritários até 2028 e que tem como objectivo, precisamente, diversificar a economia e atenuar a dependência do jogo. O turismo, o jogo e o desenvolvimento de indústrias na área da saúde, finanças e tecnologia de ponta, bem como do setor de convenções, exposições e comércio constituem o foco do Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da Região Administrativa Especial de Macau (2024-2028). A participação de Macau na construção da Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin e na da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau é vista como essencial para alavancar o antigo território administrado por Portugal e como uma prioridade face ao imperativo político de servir o país, segundo as autoridades.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteANIMA | Associação de defesa dos animais celebra 20 anos de existência A Sociedade Protectora dos Animais de Macau – ANIMA celebrou na segunda-feira 20 anos de existência. Albano Martins, presidente honorário e co-fundador da associação, recordou ao HM os principais momentos de uma entidade votada a lutar pela sobrevivência. O fecho do Canídromo e o grande apoio de Edmund Ho foram pontos altos da vida da ANIMA Fez esta segunda-feira 20 anos que a ANIMA – Sociedade Protectora dos Animais de Macau foi criada pelo economista Albano Martins, Fátima Galvão, hoje à frente de uma outra associação de defesa dos direitos dos animais, a MASDAW, e Regina Pais. Estava dado o primeiro passo para aquela que é hoje uma das mais importantes associações de defesa dos animais de Macau e, pelo menos, a que tem maior reconhecimento internacional pelo sucesso obtido com o encerramento do Canídromo. O presidente honorário da ANIMA Albano Martins, hoje a residir em Portugal, recorda ao HM a vontade de melhor defender os direitos de cães e gatos através de uma entidade que recebeu todo o apoio do então Chefe do Executivo, Edmund Ho. “O grande pai da ANIMA foi Edmund Ho, porque foi a pessoa que, comigo, desde o início, nos deu apoio, abriu-nos todas as portas e fez isso de forma completamente voluntária e como amigo dos animais. A ANIMA, sem o apoio de Edmund Ho, nunca teria sobrevivido.” Albano Martins não tem dúvidas de que sem o primeiro Chefe do Executivo da RAEM também não seria possível encerrar o Canídromo, há muito conhecido pelas más condições em que mantinha os galgos utilizados nas corridas. O fecho das instalações aconteceu em 2018. “Todo o apoio recebido pelo Edmund Ho para acabar com o Canídromo foi fundamental para conseguirmos ter sucesso.” Sem dúvida que o encerramento do Canídromo, em 2018, foi a grande luta da ANIMA e, pelo menos, a que levou a associação a adquirir reconhecimento internacional. Mas a ANIMA continua a lutar para que em Macau a adopção de animais seja cada vez mais prevalente. “Outra grande luta nossa é conseguir que as pessoas adoptem animais e, ao mesmo tempo, que os abrigos dos animais não sejam uma espécie de saco do lixo daqueles que ninguém quer. O abrigo dos animais é o segundo maior inferno depois da rua, e em alguns casos é pior do que os animais andarem na rua. Não é o caso da ANIMA.” Duas décadas depois, Albano Martins afirma que “há uma maior consciência da defesa dos direitos dos animais”, apesar das particularidades locais. “Macau é uma terra de forte emigração, e há muita gente que não consegue aperceber-se dos problemas que são pequenos para eles, mas que são grandes para nós como associação. Além disso, em muitas zonas da China os animais não são considerados da mesma forma como nós os consideramos em Macau. Sobrevivência financeira A viver em Portugal há três anos, Albano Martins tem hoje a perspectiva de que a vida de uma associação como a ANIMA seria bem mais difícil se estivesse sediada em terras lusas, com menores ou nenhuns apoios financeiros. Ainda assim, a preocupação do presidente honorário sobre a saúde financeira da associação continua a existir, tendo em conta a necessidade de um orçamento anual de quase dez milhões de patacas. “Na prática a ANIMA tem de sobreviver com 4,5 milhões de patacas durante o ano, pois as 500 mil patacas [da Fundação Macau] só são dadas no final do primeiro trimestre do ano seguinte. O orçamento é muito superior. Muitas vezes temos facturas de dois e três meses para pagar, e ainda mais os salários. A minha preocupação continua a ser grande em relação à ANIMA, mas o que recebemos do Governo de Macau e da Fundação Macau (FM) não tem comparação com o pouco que iríamos receber, e nem ousamos pedir, em Portugal.” Albano Martins não deixa de apontar o dedo à FM por manter um escrutínio tão apertado face a uma entidade que nunca falhou nas contas. “Os apoios (da FM) são dados, mas as regras são outras e é tudo muito mais burocrático. São-nos concedidas 500 mil patacas, mas que só são dadas no ano seguinte, apesar de a ANIMA entregar as contas certas, auditadas, e nunca ter tido nenhum problema. Não faz muito sentido que uma organização que durante tantos anos sempre teve o apoio da FM e sempre justificou a utilização dos seus fundos, continue a ser vista pela fundação como as outras associações que não cumprem as regras.” Com a pandemia as contas da ANIMA agravaram-se, uma vez que as concessionárias de jogo, a sofrer com uma enorme quebra de receitas, deixaram de apoiar a associação como antes. “A ANIMA era fortemente apoiada pela Wynn Resorts, cujo ex-presidente [Steve Wynn], sócio honorário e vitalício da ANIMA, dava-nos às vezes o dinheiro necessário, cerca de um milhão [de patacas], ou menos. Os casinos davam mais 200 ou 300 mil patacas por ano e hoje dão 50 mil, quando dão.” Albano Martins não tem dúvidas de que a quebra de receitas da indústria do jogo deixou a ANIMA “mais vulnerável”. “A população não é rica, e as dificuldades de uma associação como a nossa não são fáceis de resolver numa cidade como Macau”, salientou. Não sair de cima O economista lamenta que a ANIMA não tenha conseguido, nos últimos 20 anos, resolver a questão da concessão do terreno, que permanece temporária. “Tentámos ao máximo resolver os problemas dos animais, mas não conseguimos. A prova disso é que não conseguimos ainda ter a concessão definitiva de um terreno cuja concessão temporária foi dada à ANIMA. As Obras Públicas inventam sempre problemas. É um terreno no fundo do Cotai que deve valer milhões, e haverá muita gente que não está interessada que a ANIMA seja a sua detentora. Mas as pessoas devem saber que se a ANIMA desaparecer, todos os seus activos vão para o Governo de Macau. Nunca consegui resolver esse problema e a ANIMA também não vai conseguir, porque parece que toda a gente chuta para o lado e ninguém chuta para a frente”, acusa. Nesse terreno, bem perto do novo Hospital das Ilhas, são acolhidos os cães que a ANIMA resgata da rua, enquanto os gatos estão num outro terreno cuja renda custa aos cofres da associação 35 mil patacas por mês. Vencida a luta para encerrar o Canídromo, a ANIMA chama ainda a atenção para a necessidade de encerrar o Macau Jockey Club. Albano Martins entende que “não é difícil acabar com as apostas” em corridas de cavalos, pois “estas estão a morrer”. “A última decisão do Governo de prolongar a concessão do terreno a essa empresa foi uma asneira, porque não há praticamente apostas. Há uma corrida por semana e não se consegue perceber porque o Governo não consegue terminar [a utilização] daquele espaço e criar uma zona para a população. É irracional, e do ponto de vista da economia de Macau, e é absurdo [manter a concessão].” Nota de optimismo O presidente honorário da ANIMA acredita que no futuro o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) vai conseguir melhorar a situação dos animais de rua, embora defenda que “haveria muitas coisas que poderiam ser alteradas sem ser necessário uma grande despesa por parte da Administração pública no sentido de melhorar o controlo do número de animais no território e do número de abandonos”. “A ANIMA tem dado muito apoio ao IAM para que os animais dos canis sejam adoptados sem que sejam liquidados. Mas o esforço é grande demais para uma organização como a nossa, que ao fim de um mês não tem dinheiro para pagar salários”, lamenta. Fátima Galvão recorda “tempos de muita unidade” e “entusiasmo” para criar a primeira associação de defesa dos direitos dos animais, numa altura em que o número de abates variava entre os 800 e 900 por ano, em 2003 e 2004. “As pessoas que fundaram a ANIMA estavam muito envolvidas na protecção dos animais e acabámos por dar muita força uns aos outros”, confessou ao HM. “A situação da protecção dos animais era complicada e o número de animais abatidos era imenso, uma verdadeira tragédia”, recorda.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLiteratura | “Poemas de Su Dongpo” lançado hoje em Lisboa É hoje lançado no Centro Científico e Cultural de Macau um novo livro de poesia chinesa com tradução, introdução e notas de António Graça de Abreu. Editado em Portugal com a chancela da Grão-Falar, “Poemas de Su Dongpo” é uma compilação de escritos do poeta da dinastia Song, que pela primeira vez foi traduzido para português A história da China está repleta de poetas. Depois de se debruçar sobre grandes nomes da poesia chinesa clássica do período da dinastia Tang, como Li Bai ou Wang Wei, António Graça de Abreu está de regresso às traduções, desta vez com a poesia de Su Dongpo, um dos grandes poetas do período da dinastia Song (960 a 1278). “Poemas de Su Dongpo” é o nome do novo livro lançado hoje no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), com a chancela da Grão-Falar, nova editora lançada em Portugal por Carlos Morais José, director do HM. Pela primeira vez será possível ler, em língua portuguesa, os poemas do poeta muito amado na China e bastante estudado no país e no estrangeiro. Dos mais de mil poemas que Su Dongpo escreveu em vida, António Graça de Abreu escolheu 170 para esta obra. “Ele escreveu cerca de 1300 poemas e eu escolhi aqueles que me pareceram mais fáceis de traduzir para língua portuguesa, garantindo alguma qualidade literária. É sempre a minha preocupação, que os poemas traduzidos para língua portuguesa possam soar bem e tenham essa qualidade. Mas estamos sempre longe da maravilha do poema em chinês, porque lê-lo só seja possível a quem sabe muito da língua e quem entende bem a cultura chinesa”, contou ao HM. António Graça de Abreu diz estar “satisfeito” com o livro que é hoje lançado, por ter conseguido “dar um lado chinês a estes poemas em português”. “Poemas de Su Dongpo” tem “a qualidade necessária para que qualquer pessoa consiga ler e entrar dentro da China clássica, e isso para mim é o mais importante nas traduções”. António Graça de Abreu não traduziu os poemas de Su Dongpo directamente do chinês, tendo recorrido a algumas traduções deste poeta já existentes em inglês. “Tenho sempre ferramentas que me ajudam a traduzir os poemas. Comecei a estudar chinês com 30 anos, muito tarde, e tenho algumas dificuldades, pois não conheço todos os caracteres. Além disso, falamos de um chinês clássico, do período da dinastia Song. Os próprios chineses têm dificuldade em perceber a poesia chinesa do passado.” Graça de Abreu, que viveu em Pequim nos anos 70, destaca que é sempre “difícil traduzir directamente dos originais chineses”, fazendo-se sempre acompanhar de dicionários e de outras traduções para línguas ocidentais. “Muitas vezes não entendemos a sequência dos caracteres e há poemas que funcionam em chinês, mas que são intraduzíveis para português ou outra língua ocidental.” Um mandarim peculiar Nascido em 1137, Su Dongpo foi um mandarim, ou seja, um funcionário público que se destacou em algumas funções oficiais, mas que também caiu em desgraça. Viveu na dinastia Song, que se caracteriza como sendo o “período áureo da poesia chinesa”, dando-se a “consolidação cultural do império”. Era um período dos “exames imperiais que privilegiavam a meritocracia”, ou seja, o subir na hierarquia pública mediante o conhecimento dos candidatos, e Su Dongpo “vai ser um dos homens mais brilhantes deste período como funcionário estatal a governar várias regiões da China”, a função que os mandarins desempenhavam à época. Su Dongpo “esteve também sujeito a algo que era muito vulgar na China que era a despromoção de mandarim, que poderia cair facilmente em desgraça”. “Quando isso acontecia era marginalizado e colocado noutra região com postos insignificantes, quase numa espécie de degredo intelectual. Isso aconteceu com Su Dongpo. Os mandarins caíam muitas vezes em desgraça porque contestavam as ordens que vinham de cima. Era a política, que passava por estas subidas e descidas de quem manda, e a China tem uma longa tradição nisso”, conta António Graça de Abreu. Adversidades na poesia Apesar de caído em desgraça, tendo inclusivamente recebido uma condenação à morte, Su Dongpo nunca viveu de forma amarga. “Este homem também teve os seus problemas ao longo da vida. É curioso que Su Dongpo era um homem muito sábio e conseguiu transformar essas descidas, em que caiu em desgraça e passou a ter menos importância, em períodos de paz e de tranquilidade pessoal, dedicando-se mais à poesia e ao entendimento do homem com a natureza”. Essa temática “é fundamental na sua poesia”, sobretudo para um homem que esteve tão ligado ao budismo. “Ele não transformou essas quedas políticas em coisas más, e isso nota-se na sua poesia. Su Dongpo tem muitos poemas sobre a ideia de saber viver e de envelhecer, uma coisa que é muito útil nos dias de hoje, se estivermos atentos à filosofia e modo chinês de ver o mundo.” Falecido com 67 anos e viúvo três vezes, Su Dongpo tem também poemas sobre as mulheres que amou, colocando-as num pedestal. “Ele foi casado três vezes e todas as mulheres morreram antes dele. É impressionante. Ele descreve o que sentia quando as esposas faleceram, faltou-lhe o apoio feminino, e ele levou as mulheres a um patamar que não era comum na China, em que eram subjugadas ao homem. Para Su Dongpo não era assim, ele tinha uma adoração pelas mulheres.” Além de ter escrito um poema sobre o filho falecido, Su Dongpo compôs também diversos escritos sobre um irmão, de quem era muito próximo. “Tinha ainda poemas de crítica, além de ser também um bom escritor de prosa. Ele explica muito bem a época em que viveu e o que lhe aconteceu. Explica muito bem a China dessa altura que é, se calhar, a China de sempre”, acrescenta o autor. Dedicado ao sogro António Graça de Abreu descreve que Su Dongpo é, ainda hoje, “um poeta querido pela maioria dos chineses”, tendo ficado surpreendido quando percebeu a forte presença da poesia na música ou no cinema que são feitos no país. “Têm sido feitos filmes e canções sobre este poeta na China, faz-se um aproveitamento, nos dias de hoje, por parte de cantores chineses de alguns dos seus poemas. E isso porque ele escreve sobre a arte de saber viver, a ideia do ying e do yang, de coisas que têm de correr bem e mal. É um homem que nos reconforta a vida, e é um nome que me tem acompanhado.” António Graça de Abreu dedica “Poemas de Su Dongpo” ao seu sogro, falecido este ano com 93 anos. “O meu pai chinês foi o meu companheiro na ligação à China nestes últimos anos. E ele era tão parecido com Su Dongpo, aprendi muito com ele. Ele era o bom chinês, que sabia aproveitar as vicissitudes da vida para transformá-las num pequeno ou grande conforto, esquecendo-se das maldades que os homens têm dentro de si próprios.” Com esta obra, António Graça de Abreu pretende chamar a atenção para um período do império chinês, e da própria poesia chinesa, muito pouco conhecidos em Portugal. “É um poeta muito pouco conhecido em Portugal e vale a pena chamar mais a atenção para o período da dinastia Song. Infelizmente a nossa sinologia é pequenina, temos poucos sinólogos portugueses”, lamenta. A sessão de apresentação do livro acontece hoje no CCCM a partir das 17h30, contando com a presença de Ana Cristina Alves, coordenadora do serviço educativo do CCCM.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteIAM | Organismo não satisfaz “necessidades colectivas da população” João Faria, académico, defende que o Instituto para os Assuntos Municipais não satisfaz “as necessidades colectivas da população”, pois é “um órgão meramente consultivo e sem poder de representação eleitoral”. Na sua tese de mestrado, traça um olhar sobre a história de uma “câmara municipal atípica” determinante para os meios político, administrativo, económico e social de Macau João Faria, académico com um mestrado em Administração Pública pelo Instituto Politécnico de Leiria, defende que o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) não representa plenamente a população por se tratar de um órgão meramente consultivo. Na sua tese de mestrado, intitulada “Das dinâmicas do Leal Senado aos órgãos municipais sem poder político em Macau”, o autor afirma que “não tendemos a crer que a criação do IAM possa corresponder e satisfazer as necessidades colectivas da população, uma vez que é um órgão meramente consultivo e sem poder de representação eleitoral por sufrágio directo ou indirecto”. Além disso, conclui-se que “é comprometedor o facto de a nomeação dos membros do IAM ser realizada pelo Chefe do Executivo, para mais sabendo que dois dos membros do órgão municipal sem poder político pertencem à comissão que elege o Chefe do Executivo de Macau”. Ao HM, João Faria considera que “efectivamente houve um retrocesso” quando, no período da transição, em 1999, Macau deixou de ter órgãos municipais sem poder político. “Deixou-se de ter um município para termos um instituto público”, apontando ainda que poucas ou nenhumas mudanças houve entre o antigo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) e o actual IAM, mudança que ocorreu em 2018. “Em grosso modo as competências são as mesmas. Continua a existir um instituto público como órgão municipal sem poder político. Continuam a existir membros dos órgãos municipais nomeados pelo Chefe do Executivo, no conselho de administração e no conselho consultivo. Antes tínhamos também, no IACM, órgãos nomeados. A própria designação também é semelhante, só muda a palavra. A grande diferença entre o IACM e o IAM é a possibilidade de ter dois representantes escolhidos pelos conselhos consultivo e de administração para a nomeação do Chefe do Executivo”, declarou. No trabalho de João Faria lê-se ainda que “o facto de [existir] um órgão municipal sem poder político não impede a eleição dos seus membros por sufrágio directo ou indirecto”. Poder além do Governador Em termos históricos, o Leal Senado era “uma câmara municipal atípica, com imenso poder político”, sendo que, após 1999, Macau passou a ter “um órgão municipal atípico, mas apolítico”. O Leal Senado foi “uma câmara sui generis”, aponta o autor, fundamental para o panorama social, económico, político e administrativo do território e que sempre teve voz própria face às vontades da então metrópole e até do próprio Governador. A tese conclui que o Leal Senado foi “determinante para transformar Macau num interposto de relações luso-chinesas do ponto vista jurídico, político, administrativo, económico e social”. Já no século XVI, e enquanto Macau esteve sob alçada administrativa de Goa, na Índia, o território “enfrentava um pluralismo jurídico”, ao ser um território chinês com administração portuguesa e uma comunidade portuguesa muito ligada às áreas comercial, política e jurídica. Entre os anos de 1583 e 1585, o Leal Senado foi, segundo o académico, “o sustentáculo do poder político em Macau”, sendo que todos os assuntos políticos, jurídicos e administrativos “rodeavam sobretudo o Leal Senado a partir dos senadores, nomeados pelos senhores da terra”. Essencialmente, esta entidade “regulava a vida pública de Macau”, dispondo da figura do Procurador, que não existia em mais nenhuma câmara municipal em Portugal. Este teve um papel na questão das chapas sínicas e mantinha “contactos regulares com as autoridades de Cantão”, além de coordenar o pagamento do imposto intitulado “foro do chão”, “mais uma característica atípica” deste órgão. Mesmo a partir do momento em que Macau passa a dispor da figura do Governador, a partir de 1623, cabia ao Leal Senado comunicar com Goa. “O Leal Senado foi sempre a entidade que se interpôs [nesta ligação com Goa], contrariamente às restantes câmaras municipais, que não tinham o mesmo poder. É o Leal Senado que, nesta altura, quer uma independência para Macau [face a Goa]”, frisou João Faria. Luta contínua O Leal Senado ficou praticamente imune às reformas do Marquês de Pombal, já no século XVIII, pois “as providências régias de 1783 tiveram impacto para a redução dos poderes do Senado, apesar de nunca lograrem ser plenamente aplicadas”. Por sua vez, no período reformista do Governador Ferreira do Amaral, entre os anos de 1846 e 1849, data do assassinato do governante, o Leal Senado chegou a ter vereadores que contestavam muitas das medidas do Executivo. Neste período, as recomendações de Lisboa apontavam para a necessidade de instauração “de uma nova forma de soberania em Macau introduzindo-se profundas reformas político-administrativas”. Em 1849, Ferreira do Amaral dissolveu o Leal Senado e nomeou uma comissão municipal, que esteve sob alçada do Governador durante dois anos. No trabalho, lê-se que “na década 1850 o Leal Senado passou a ser composto por membros que contestaram a política do governador Ferreira do Amaral”, o que é sinónimo de que, após a sua morte, o organismo continuou “a não pretender remeter-se a meras funções municipais”. Na transição para o Liberalismo, o Leal Senado conseguiu “permanecer enquanto verdadeira âncora política e salvaguarda da autonomia da liberdade de Macau”, pois dois decretos-leis implementados em Portugal após a contra-revolta de 1823 não terão “produzido efeitos práticos significativos no sentido de tentar equiparar o Leal Senado a uma câmara municipal de matriz tipicamente portuguesa”. Na tese, refere-se que houve “esforços da elite local”, representada no organismo, para manter a génese mais autónoma do Leal Senado. Esta elite “sempre soube opor-se contra as alterações que colidissem com os seus próprios interesses, quer nos seus negócios quer na relação com as autoridades chinesas”. Acima de tudo, ao longo da sua história, o Leal Senado foi também palco de diversas batalhas políticas, fruto de múltiplos interesses. “Durante séculos existiu uma grande interferência entre o Governador e o Leal Senado. Na história de Macau há sempre duas batalhas políticas entre o Leal Senado e governadores. Durante grande parte da vivência do Leal Senado há batalhas políticas”, concluiu, ao HM, o autor.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLiteratura | Deolinda da Conceição e Maria Ondina Braga recordadas em Lisboa Uma levou Macau para a sua escrita, outra levou a condição da mulher para as suas obras, descrevendo os diversos papéis femininos desempenhados numa sociedade conservadora marcada pela crueza da guerra. Deolinda da Conceição e Maria Ondina Braga foram lembradas segunda-feira numa palestra na Sociedade de Geografia de Lisboa A Sociedade de Geografia de Lisboa acolheu na segunda-feira uma sessão de homenagem às escritoras Maria Ondina Braga e Deolinda da Conceição, nomes marcantes da literatura feminina de Macau e dos diversos lugares que o território assumiu nas letras escritas em português. Coube ao advogado e autor José António Barreiros falar da obra de Maria Ondina Braga, cujo centenário do nascimento se celebrou no ano passado. Barreiros lembrou a paixão longa pelos escritos da autora. “Comecei a interessar-me por ela quando as suas obras já raramente se encontravam nos alfarrabistas. Hoje tudo mudou e as suas obras começaram a ser reeditadas”, disse. José António Barreiros descreveu ainda o percurso literário da autora como uma “espécie de transladação divina do Oriente para o Ocidente”, considerando a escritora alguém que “viveu como se fora do outro mundo, fora do tempo”. Nascida em Braga, onde viria a falecer em 2003, Maria Ondina Braga publica o seu primeiro livro de poesia em 1949, “Meu Sentir”, uma edição de autor, tendo escrito também diversos romances e contos. A sua ligação a Macau começou em 1961, quando foi trabalhar como professora em Goa, indo depois para Macau na sequência da invasão de Goa, Damão e Diu pelas tropas indianas. Em Macau deu aulas de português e inglês no Colégio de Santa Rosa de Lima. Maria Ondina Braga também visitou a China, nomeadamente Pequim, e é do seu punho que sai, nos anos 60, o livro de contos “A China fica ao Lado”. Apesar da paixão pela escrita, a autora dedicou-se também a traduzir autores como Graham Greene, Pearl Buck, Anaïs Nin, John le Carré, Mishima e Herman Wouk. José António Barreiros lembrou, na palestra, que “ser tradutora dar-lhe-ia a possibilidade de se dedicar à escrita” em termos monetários. Foi também recordada uma certa melancolia com que viveu toda a vida, muitas vezes em solidão. No final, Maria Ondina Braga “morreu de um modo como sempre viveu, em silêncio”, destacou José António Barreiros. “Em termos de relações humanas, Macau é o universo de Maria Ondina Braga”, enquanto Goa “foi um elemento de passagem que não é muito claro na sua escrita”. Quando escreve sobre o universo Macau, Maria Ondina Braga descreveu “as relações femininas derivadas do ensino e das instituições religiosas”, surgindo “um ténue tule de delicadeza em que se percebe uma avaliação dos sentimentos e carácter de pessoas”, apontou ainda José António Barreiros. Depois da experiência laboral em Macau, Maria Ondina Braga voltaria ao Oriente, em 1982, como professora convidada de Instituto de Línguas Estrangeiras de Pequim. Nesse ano, já regressada definitivamente a Portugal, edita “O Homem da Ilha e outros contos”, e no ano seguinte é publicada a novela “A Casa Suspensa”, pela chancela da Relógio d’Água. Em 1984 foi lançada mais uma obra sobre o universo oriental, nomeadamente o livro de contos “Angústia em Pequim”. As mulheres de Deolinda Coube depois a Ana Cristina Alves, investigadora e coordenadora do serviço educativo do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), falar sobre a obra de Deolinda da Conceição, nascida em Macau em 1914 e que editou apenas um livro de contos “Cheong Sam – A Cabaia”, que marcou a literatura de Macau pelo retrato que faz das mulheres que viviam, à época, no território, nomeadamente da comunidade chinesa. A obra foi editada pela primeira vez em Lisboa em 1956 pela Livraria Francisco Franco. “Como escritora ela pode-nos dar um sentimento muito profundo de como as mulheres se sentiram”, começou por destacar Ana Cristina Alves. “Ela nunca falou dela própria e foi uma escritora voltada para o exterior e para a sociedade, sofrendo intensamente o tempo em que viveu, que foi dramático.” Ainda jovem, Deolinda da Conceição passou pela I Guerra Mundial, que decorreu entre 1914 e 1918, e depois pela II Guerra Mundial (1936-1945), assim como a Guerra Sino-Japonesa, que tantos refugiados levou para o pequeno enclave português às portas da China. “Ela esteve sempre em guerra, mas preocupava-se imensamente com a sociedade, estando sempre atenta às consequências dos conflitos, à fome”, apontou Ana Cristina Alves, que descreveu os cinco tipos de mulheres que podemos encontrar nos 27 contos que fazem parte de “Chong Sam – A Cabaia” e demais tipos de pessoas, nomeadamente a figura do homem bondoso. “Ao ler os 27 contos senti a profunda dor da escritora, em que a única salvação para as mulheres do Oriente, fossem chinesas ou macaenses, era a educação, transformarem-se em pessoas independentes e educadas, pois caso contrário seriam cinco categorias de mulheres”, ou seja, tradicionais, acomodadas, mártires, órfãs de guerra, dependentes. Ana Cristina Alves disse também “identificar-se absolutamente” com a escrita de Deolinda da Conceição. “A maior parte dos contos acaba muito mal, pois em tempo de guerra as coisas são difíceis. Qualquer exemplo [de texto] em que a protagonista é a mulher tradicional tem um mau final, porque esta mulher tradicional é inculta numa sociedade absolutamente conservadora.” Os contos de Deolinda da Conceição abordam muito a “figura maternal”, ou seja, as mulheres que ficam viúvas em tempo de guerra e são obrigadas a ficar à mercê das esmolas que a sociedade dá. No que diz respeito à figura da mulher mártir, a escritora macaense abordou a situação concreta “das jovens meninas, as concubinas, que normalmente se suicidavam pela pressão das esposas legítimas” ou então “as mulheres que tentam seguir o amor numa sociedade conservadora”. Palavras de filho A sessão de homenagem de segunda-feira contou com a presença do designer e criativo António Conceição Júnior, filho de Deolinda da Conceição, que faleceu quando este tinha apenas cinco anos. António Conceição Júnior destacou “o espírito inquieto” que a mãe demonstrou “desde cedo”, uma mulher “que jamais foi dona de casa ou doméstica”, e para quem “não havia desigualdade de género”. Deolinda da Conceição “foi, talvez, a primeira mulher emancipada de Macau, que por amor à verdade sempre escreveu o que pensava”, adiantou. No final da sessão, Ana Cristina Alves descreveu ainda a autora macaense, que também foi jornalista e cronista, como “uma lutadora, que usou a escrita como arma”. “Ela usou a escrita para chamar a atenção para uma sociedade que poderia ser melhor e não era. Todos os que não eram educados eram penalizados por isso. A educação é um bem essencial e isso tem a ver com a alma chinesa. Nos tempos antigos essa educação estava limitada aos homens e não se destinava às mulheres, mas era um factor distintivo essencial”, descreveu. Carlos Piteira, antropólogo e presidente da comissão asiática da Sociedade de Geografia de Lisboa, moderou a sessão, falando também do papel de perpetuação da memória que as obras de Deolinda da Conceição e Maria Ondina Braga desempenham. “Todos nós acabámos por ganhar imenso com estes testemunhos e ficámos a conhecer melhor as pessoas de Macau”, rematou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteImposto | Isenção pode beneficiar mercado imobiliário, dizem analistas Deu entrada na Assembleia Legislativa a proposta de alteração à lei de 2008 que faz cair a cobrança do imposto de selo, de cinco por cento, para quem comprar uma segunda habitação para fins residenciais. Analistas aplaudem a medida que promete revitalizar um mercado em estagnação O Governo decidiu avançar para mudanças na cobrança do imposto de selo sobre a transmissão de bens imóveis para flexibilizar o mercado imobiliário e reduzir os entraves a quem já é dono de um imóvel e pretende comprar segunda moradia. Esta semana foi admitida a proposta de alteração à lei de 2008, relativa ao “imposto de selo sobre a aquisição de segundo e posteriores bens imóveis destinados a habitação”. Na prática, cai a cobrança dos cinco por cento de imposto de selo na compra de uma segunda casa, mas mantém-se a cobrança de dez por cento de imposto a quem comprar a terceira ou mais habitações. Analistas ouvidos pelo HM consideram que estas mudanças são benéficas para o mercado imobiliário que está agora numa nova fase. A cobrança de cinco por cento de imposto, para o economista José Sales Marques, era “penalizadora” e foi criada “quando o mercado sofria de sobre aquecimento e especulação”. Assim, o fim da cobrança do imposto é uma medida “adequada à actual conjuntura que se caracteriza por taxas de juro elevadas, uma recuperação lenta da economia do período da covid-19, instabilidade nos mercados internacionais e incertezas quanto ao futuro”. Para o economista, “num ambiente como aquele em que se vive, onde a procura de casas de habitação económica disponibilizadas pelo Governo não tem correspondido às expectativas, o mercado precisa de ter algum estímulo”. Contudo, “como em tudo o que se refere às políticas públicas, os factores conjunturais e a gestão das expectativas acabam por ser os elementos mais importantes para uma decisão”. “Neste caso concreto, [estão em causa] os níveis de taxas de juros para empréstimos à habitação e a avaliação pessoal ou familiar sobre os riscos, bem como as expectativas futuras sobre o nível de endividamento que podem, no presente, assumir”, adiantou José Sales Marques. Fim de actividades “desenfreadas” Na nota justificativa da proposta de lei, o Governo descreve que as medidas implementadas até à data visavam “combater as actividades especulativas desenfreadas no mercado imobiliário e promover o seu desenvolvimento sustentável e saudável”. “Após a entrada em vigor das referidas medidas fiscais, e em articulação com a implementação de outras medidas de gestão da procura imobiliária, os preços dos imóveis em Macau voltaram, gradualmente, à racionalidade, verificando-se uma diminuição significativa nas actividades especulativas”, lê-se na nota justificativa da proposta de lei, analisada há dias pelo Conselho Executivo antes de dar entrada no hemiciclo. O Governo disse ter ponderado sobre “as novas mudanças do mercado imobiliário e da conjuntura económica de Macau”, entendendo agora “que estão reunidas as condições para o relaxamento adequado das medidas fiscais vigentes, a fim de fazer face às solicitações dos adquirentes de bem imóvel que pretendam efectuar uma troca de imóvel e melhorar as condições habitacionais, reduzindo os encargos fiscais dos mesmos”. A nova proposta de lei deverá entrar em vigor a 1 de Janeiro do próximo ano. Mudar de vida Terence Lo, responsável pela área de desenvolvimento de mercado da agência imobiliária “Ambiente Properties”, considera que o cancelamento do imposto sobre a compra da segunda habitação “irá apoiar os compradores que pretendam mudar”, nomeadamente comprar uma casa mais recente, mudar de localização “devido a requisitos escolares ou de estilo de vida”. “Sem este imposto, os proprietários podem manter uma primeira propriedade e adquirir uma segunda sem penalizações a pensar nas crianças ou nos idosos”, adiantou. Terence Lo frisa que existia, até à data, “um ponto fraco no mercado”, pois “quando as pessoas querem mudar de propriedade existe um factor de risco de cinco por cento se não conseguirem vender a primeira propriedade no prazo de um ano”. “É por isso que o Governo está a implementar esta e outras medidas”, referiu. Outra alteração prevista na revisão da legislação prende-se com novas medidas relativas às hipotecas. Segundo explica um comunicado do Conselho Executivo, divulgado há dias, “o limite máximo do rácio dos empréstimos hipotecários para a aquisição de habitação é de setenta por cento, sendo o limite máximo do rácio dos empréstimos hipotecários destinados à aquisição da habitação económica de noventa por cento”. Assim, “deixa de ser estipulado o limite máximo do rácio dos empréstimos hipotecários para demais categorias”. Além disso, “além do cumprimento obrigatório da disposição relativa ao rácio máximo aplicável ao requerente do empréstimo para suportar os encargos da dívida, o qual não deve exceder 50 por cento, os bancos devem realizar, de igual modo, um teste de ‘stress’ sobre a capacidade financeira do requerente do empréstimo”. Deste modo, “o rácio máximo para suportar os encargos da dívida deve ser estabelecido com base numa simulação baseada no agravamento de dois por cento da taxa de juro, com o limite máximo do rácio para suportar os encargos da dívida de 60 por cento, determinando, assim, o efectivo rácio dos empréstimos hipotecários”. Para Terence Lo, “o rácio empréstimo/valor de 70 por cento ajuda agora os compradores e vendedores dos imóveis vendidos por mais de oito milhões de patacas”, levando a que “mais compradores possam adquirir [uma fracção] apenas com um mínimo de 30 por cento do valor de entrada” para o empréstimo bancário. Mercado estagnado Terence Lo considera que a pandemia não é a principal razão para o Executivo avançar com estas mudanças. “O mercado imobiliário tem estado estagnado desde 2018 devido às políticas implementadas em Fevereiro desse ano que restringem a propriedade de vários imóveis. O principal factor de desestabilização foi o facto de os compradores terem de dar uma entrada de pelo menos 50 por cento para adquirir um imóvel de valor superior a oito milhões de patacas.” Assim, “devido à procura por parte dos compradores de imóveis em que apenas necessitam de entrada de 20 por cento, em vez de 50 por cento, tal levou a uma oferta insuficiente e fez subir os preços dos imóveis abaixo de oito milhões de patacas”. Segundo o responsável, “os promotores conceberam e construíram imóveis com base na manutenção do preço de venda abaixo dos oito milhões de patacas”, pelo que “o desenvolvimento [do mercado] baseou-se em políticas e não nas necessidades dos potenciais compradores”. Terence Lo frisa que a cobrança de “elevadas taxas de juro tiraram muitos potenciais compradores do mercado, afectando a sua qualificação para obter um empréstimo suficiente para comprar [uma casa]”. O responsável da “Ambiente Properties” destaca ainda as mudanças que ocorreram no sector do jogo, com a queda brutal do sector VIP. “A queda dos promotores de jogo, os junkets, reduziu o fluxo de fundos de um grupo de locais com rendimentos elevados, pois estes deixaram de estar no mercado para comprar propriedades”, disse. Questionado sobre o potencial impacto destas medidas nos novos projectos imobiliários em Hengqin, no Novo Bairro de Macau, ou habitação para idosos, Terence Lo acredita que “será reduzido”. “É tudo uma questão de necessidades e desejos ao nível de investimento e de vida. Estas políticas foram concebidas para responder às necessidades levantadas pela comunidade e não para proporcionar oportunidades de investimento imobiliário. O impacto das alterações políticas no Novo Bairro de Macau em Hengqin ou na zona da Grande Baía é reduzido. A habitação para idosos destina-se, sobretudo, a resolver o problema dos idosos que vivem em prédios antigos e têm restrições de mobilidade”, adiantou. Com a alteração desta política, “os compradores que não tenham uma entrada suficiente de 30 por cento [para pedir empréstimo à habitação], sendo que antes podiam usufruir de entre dez e 20 por cento [de entrada], poderão ser levados a adquirir apartamentos subsidiados pelo Governo com dez por cento [de entrada]”, diz Terence Lo, referindo-se à habitação económica.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteAssociações | Com recursos limitados, internacionalização faz-se com parcerias Um estudo da Universidade Politécnica de Macau conclui que as associações locais, apesar de numerosas, têm “dimensão e recursos humanos limitados” e que a sua internacionalização se faz através de acordos com entidades congéneres de fora. O estudo destaca o aumento de associações ligadas à lusofonia e à política “Uma Faixa, Uma Rota” Uma das características de Macau é a imensa profusão de associações, para todos os gostos e sensibilidades, representativas da diversidade cultural e social do território. Lou Shenghua, docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Politécnica de Macau (UPM), publicou recentemente o estudo “Internacionalização local: O trajecto da internacionalização das associações de Macau”. A análise académica foi publicada na última edição da revista “Administração”, publicada pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública. Traçando uma análise sobre o perfil de algumas associações criadas antes e após a transferência de administração de Macau, o académico concluiu que a internacionalização das associações locais tem acontecido através de acordos ou parcerias assinadas com entidades internacionais congéneres, fazendo-se, assim, de forma indirecta e local. Ou seja, as associações não estabelecem ramos de actividade fora do território. “Embora as associações de Macau sejam numerosas, a dimensão e os recursos humanos da maioria são limitados. Mesmo que tenham extensas ligações com o estrangeiro e capitais relativamente abundantes, não possuem condições de recursos humanos para desenvolver grandes projectos e actividades internacionais, especialmente no que diz respeito à constituição de instituições físicas no estrangeiro. Por isso, para a internacionalização das associações populares de Macau, é escolhida a forma indirecta”, lê-se no estudo. Desta forma, “a internacionalização das associações de Macau faz-se localmente”, aproveitando-se a existência de “políticas flexíveis de associação”, pois estas têm sido criadas “sem autorização, sendo autónomas nas suas actividades”. “Muitas organizações associativas internacionais foram constituídas em Macau”, enquanto “as associações locais, mediante a adesão a organizações internacionais e a organização de eventos internacionais em Macau, a participação na prestação de serviços internacionais e o reforço das ligações com associações estrangeiras expandem o seu grau de internacionalização”, descreve Lou Shenghua. Tal cenário leva a concluir que “a internacionalização das associações de Macau não se faz directamente com a constituição de entidades ou a oferta de projectos internacionais no estrangeiro, mas sim de forma indirecta, com a internacionalização local”. O autor defende que “o posicionamento e características demográficas de Macau conferem extensas ligações internacionais a associações locais”, além de que “as políticas flexíveis de associação e as características próprias das associações locais permitem que a sua internacionalização se faça localmente”. Desporto com mais ligações Lou Shenghua recorda outro aspecto particular do associativismo em Macau, pois “embora muitas associações de Macau tenham funções políticas, raramente são registadas directamente como associações políticas”. Desta forma, aponta o autor, quando as autoridades procederam à revisão da Lei relativa à defesa da segurança do Estado, cuja primeira versão datava de 2009, foram incluídas não apenas as associações políticas, mas “todas as organizações associativas”, tendo sido clarificado “as situações de ‘ligações’ estabelecidas com organizações, associações ou indivíduos de fora da RAEM”. Lou Shenghua concluiu também que as associações da área desportiva são as que mais ligações internacionais têm. Segundo os registos do Instituto do Desporto, são 28 as entidades com ligações a associações congéneres do exterior. “As associações desportivas de Macau são as que mais se associam às organizações internacionais congéneres”, sendo “os seus intercâmbios e cooperações internacionais mais frequentes do que os de outras associações”, é descrito. Um dos exemplos é a Associação Geral de Atletismo de Macau que está ligada à Asian Athletics Association e a International Association of Athletics Federations, ou ainda a Associação Geral de Automóvel de Macau-China, que se uniu à União Asiática de Motociclismo ou à Federátion Internationale de Motocyclisme. “Após o retorno de Macau à Pátria, o Governo tem vindo a apoiar as entidades desportivas de Macau a participarem nas federações desportivas asiáticas e internacionais, desenvolvendo as suas próprias actividades. Actualmente, as associações desportivas individuais reconhecidas pelo Instituto do Desporto são, na sua maioria, membros das federações desportivas asiáticas e internacionais”, descreveu o autor do estudo. ONU e companhia Outro exemplo apontado no estudo está relacionado com contributos de algumas associações tradicionais nas avaliações e actividades da Organização das Nações Unidas (ONU). Destaca-se o caso da Associação Geral das Mulheres que, em 2008, ganhou o estatuto de negociadora especial do Conselho Económico e Social da ONU. “Desde então, a Associação Geral das Mulheres de Macau tem participado em várias reuniões da Comissão sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher do Conselho Económico e Social das Nações Unidas e no Exame Periódico Universal do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas”, é descrito. Outro exemplo é o da Federação da Juventude de Macau, que em Julho de 2021 ganhou o estatuto consultivo no Conselho Económico e Social das Nações Unidas. Na área do apoio social, o exemplo mais emblemático é o da Caritas, anteriormente reconhecida como Centro de Serviços Sociais Ricci, fundado em 1951 pelo padre Luís Ruiz Suárez que requereu um espaço à Casa Ricci da Diocese de Macau. Este centro trabalhou com refugiados, sobretudo no período do pós-II Guerra Mundial, além de fornecer “alojamento temporário a famílias com dificuldades, pagando propinas escolares e despesas médicas dos filhos provenientes das referidas famílias, entre outros. Em 1971, o Centro de Serviços Sociais Ricci tornou-se, oficialmente, uma instituição de caridade subordinada à Diocese de Macau, juntando-se à Caritas Internacional, que passou a chamar-se Caritas de Macau, hoje gerida por Paul Pun. Actualmente, é membro da Caritas Internationalis”, da Caaritas Ásia e da Asia Partnership For Human Development. Ligações a Pequim Uma das novidades em matéria associativa dos últimos anos passa pela criação de entidades ligadas às políticas de Pequim. Destaque para a existência de 31 associações sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”, nomeadamente a Associação para a Promoção da Indústria de Medicina Tradicional Chinesa e de Big Health “Uma Faixa, Uma Rota”, criada este ano, ou a Associação de Caridade de Macau de Uma Faixa Uma Rota, estabelecida em 2021. Descreve o autor que “com a estratégia ‘Uma Faixa, Uma Rota’ promovida pela China e o empenho de Macau em transformar-se numa plataforma comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, as relações e os contactos de Macau com o exterior têm vindo a reforçar-se gradualmente”. Destaque também para a existência de 23 associações ligadas ao universo da plataforma e comércio com países de língua portuguesa e mundo lusófono, tal como a Associação em Macau para a Cooperação Científica entre a China e os Países de Língua Portuguesa ou a Associação Plataforma Sino-Lusófona de Macau para o Desenvolvimento Sustentável de Macau. TNR unidos Lou Shenghua dá conta da crescente criação, nos últimos anos, de associações ligadas aos trabalhadores não-residentes (TNR). “Sendo Macau uma cidade internacional, os trabalhadores provenientes do exterior constituem um dos grupos que complementam a falta de mão-de-obra local. Muitos trabalhadores não-residentes, vindos do exterior, para confraternizar e proteger os seus próprios direitos e interesses, criaram muitas associações constituídas por comunidades estrangeiras.” A primeira associação constituída por TNR foi criada em Maio de 2002, data da instituição da Associação dos Conterrâneos de Quezon das Filipinas, para “servir, de forma diversificada, a população filipina residente em Macau, nomeadamente da província de Quezon, promovendo solidariedade e ajuda mútua entre a sociedade filipina e a sociedade de Macau”. Outro exemplo de internacionalização passa pela participação de Macau sempre que há acidentes ou ocorrências de cariz global. É dado o exemplo, no estudo, do sismo ocorrido na Turquia, em Fevereiro deste ano, que levou a Cruz Vermelha de Macau a enviar um donativo de 50 mil dólares americanos para a parte turca e um donativo urgente de socorro de 50 mil dólares americanos para a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Lou Shenghua destaca ainda as sete associações com ligações à comunidade macaense que contactam com entidades da diáspora macaense, as chamadas “Casas de Macau”, a fim de promover a preservação e a transmissão do patuá e a cultura macaense. O académico recorda que “antes do retorno de Macau à Pátria, as diferentes forças políticas vindas de fora existiram no território de forma intermitente, sob a forma de associação e exercício de actividades influentes”. Após 1999, Macau tornou-se numa “região administrativa especial contígua do continente com um alto grau de autonomia, pelo que “as funções das associações populares relativas ao intercâmbio e à comunicação com o exterior, em vez de desaparecerem, tornaram-se mais activas, revelando uma característica mais forte de autonomia”.
João Santos Filipe Grande Plano MancheteLAG 2024 | Segurança nacional é prioridade do fim de mandato de Ho Iat Seng O Chefe do Executivo revelou que vai estudar a criação de uma nova lei da educação nacional, para promover “o amor pela grande nação chinesa e pela grande pátria”. Prometeu também reprimir a interferência de “forças externas” e traçou linhas vermelhas para a sociedade A defesa eficaz da segurança nacional é a principal política do Governo para o próximo ano, que vai ter como corolário uma nova Lei da Educação Patriótica. O anúncio foi feito ontem por Ho Iat Seng na Assembleia Legislativa, durante a apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2024, com o responsável a sublinhar a necessidade de “divulgar o espírito nacionalista”. O líder do Governo traçou como linha vermelha a existência de caos no território e prometeu um Executivo “persistente na salvaguarda da soberania, da segurança e interesses do desenvolvimento do País, na prevenção e repressão da interferência de forças externas nos assuntos de Macau, no combate a quaisquer forças que utilizem Macau para colocar em perigo a segurança do Estado, e no reforço da consciência e capacidade de todos os trabalhadores do serviços públicos e dos diversos sectores sociais locais para a defesa da segurança nacional”. O Chefe do Executivo assumiu ainda o compromisso com a “salvaguarda da linha inultrapassável ‘não caos em Macau’”. Em termos da segurança nacional, o Governo vai terminar os processos da revisão das leis eleitorais para a escolha do Chefe do Executivo e membros da Assembleia Legislativa, assim como a revisão da “lei do juramento por ocasião do acto de posse”. No plenário da Assembleia Legislativa, foi ainda deixado o compromisso de “estudar com seriedade” e “implementar” a nova “Lei de Educação Patriótica”. Esta iniciativa surge depois de um diploma semelhante ter sido aprovado no passado mês de Outubro no Interior da China, que criou as bases legais para educar famílias e cidadãos sobre a educação patriótica. “Iremos estudar com seriedade e implementar a ‘Lei de Educação Patriótica’, intensificar a educação patriótica, incutir e reforçar nos residentes de Macau o amor pela nação chinesa e pela grande pátria, divulgar o espírito nacionalista, fortalecer a consciência nacional e reforçar na sociedade a consciência sobre a comunidade da nação chinesa”, afirmou Ho Iat Seng. Diversificação 1+4 Em relação à economia, o Chefe do Executivo argumentou que a RAEM “apresenta uma rápida recuperação económica pós-pandemia, uma conjunta social estável e harmoniosa e uma tendência do desenvolvimento estável e sólido em todas as vertentes”. Contudo, reconheceu que persistem desafios: “é imperioso estarmos cientes de que, não obstante a recuperação e o desenvolvimento, existe disparidade entre sectores, empresas e residentes, por alguns não terem ainda conseguido ultrapassar totalmente as dificuldades e perturbações decorrentes do impacto dos três anos da pandemia”, vincou. Na vertente económica, o plano 1+4 é o alicerce para a diversificação, com o dinheiro do jogo a ser canalizado para desenvolver as indústrias big health (acompanhamento contínuo da saúde), financeira, de tecnologia de ponta, de convenções, exposições e comércio, e de cultura e desporto. O turismo volta a ser a principal aposta através da “promoção no exterior da imagem de Macau como um destino de lazer”, conjugado com “gastronomia, excursões de estudo, desporto, tecnologia, cultura e criatividade, convenções e exposições e big health”. Na diversificação, as concessionárias de jogo vão assumir um papel fundamental, com o Executivo a atribuir-lhes a tarefa de “realizarem em Macau mais eventos de notoriedade internacional” e “construírem novas instalações turísticas de entretenimento de alto nível”. Como forma de alargar os mercados de turistas internacionais, Ho anunciou a “expansão de mais voos internacionais directos” no Aeroporto Internacional de Macau, e um melhor aproveitamento das ligações com Hong Kong. A nível da saúde, a diversificação vai passar pela aposta na “medicina estética” e “nos cuidados de saúde da medicina tradicional chinesa”. Neste último aspecto, o objectivo é incentivar mais empresas e farmacêuticas de medicina tradicional chinesa a estabelecerem-se em Macau. Quanto à economia, o Governo vai estudar a viabilidade da “introdução de moeda digital no sistema monetário”, além de uma nova “lei de títulos”, que se espera contribuir para o desenvolvimento do mercado de obrigações, assim como uma nova lei a pensar nas sociedades de gestão de activos” em Macau. Ho Iat Seng confessou também que irá “solicitar o apoio do Governo Central para a emissão regular em Macau de obrigações nacionais e dos governos locais do Interior da China, para atrair mais investidores internacionais”. O líder do Governo prometeu igualmente criar novas oportunidades para a venda de produtos dos países língua portuguesa em Macau e na Grande Baía, assim como apoios e subsídios para a cultura e o desporto. Poucas novidades A nível dos apoios à população, as novidades apresentadas foram poucas. O Chefe do Executivo anunciou o regresso da atribuição de 7 mil patacas para os “residentes da RAEM qualificados, titulares da conta individual do regime de previdência central não obrigatório”. Também ao contrário de pedidos de alguns deputados, o Plano de Comparticipação Pecuniária é mantido nos valores de 10 mil patacas para os residentes permanentes e de 6 mil patacas para os não-permanentes. Além disso, o subsídio para cuidadores, que tem sido mantido nos últimos anos, vai tornar-se uma medida permanente. No capítulo dos apoios a empresas, o Chefe do Executivo relevou que serão prolongadas até ao final do próximo ano as medidas de “pagamento apenas de juros, sem amortização do capital” e de “ajustamento de reembolso de diversos planos de apoio a PME”. Tolerância zero para a corrupção No que diz respeito à governação, e depois de nos últimos anos a RAEM ter sido afectada por diversos escândalos de corrupção com altos dirigentes, Ho Iat Seng avisou que existe tolerância zero para o fenómeno. “O Governo da RAEM, persistindo no princípio da tolerância zero, continuará empenhado em combater severamente os actos de corrupção, em reforçar a consciência da integridade na sociedade de Macau e em aprofundar constantemente o intercâmbio e a cooperação com outras regiões no combate à corrupção”, avisou. Ao mesmo tempo, será levada a cabo a revisão de leis que regulam os cargos dirigentes em Macau, com a criação de um regime disciplinar próprio. “O Governo da RAEM continuará a rever a estrutura orgânica dos serviços, dando prioridade à optimização da configuração interna das suas funções. Iremos proceder à revisão das ‘Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia’ […] à definição de um regime disciplinar próprio aplicável ao pessoal de direcção e chefia, a fim de reforçar a responsabilização”, tornou público. Principais Apoios Sociais Comparticipação Social (sem alterações) 10.000 patacas para residentes permanentes 6.000 patacas para residentes não permanentes Vales de Saúde (sem alterações) 600 patacas para os residentes permanentes Subsídio de Nascimento (sem alterações) 5.418 patacas Regime de Previdência Central 10.000 patacas (activação da conta para residentes qualificados) 7.000 patacas (nova medida: injecção especial para residentes qualificados) Pagamento da Conta da Electricidade (sem alterações) 200 patacas por mês Idosos Subsídio para Idosos (sem alterações) 9.000 patacas Pensão para Idosos 3.740 patacas por mês (13 meses) Famílias carenciadas Índice Mínimo de Subsistência (sem alterações) 4.350 patacas por agregado familiar com uma pessoa Apoio para Actividades de Aprendizagem (sem alterações) Entre 300 e 750 patacas por mês Apoio aos Cuidados Médicos (sem alterações) Entre 1.000 e 1.200 patacas por mês Pessoas com Deficiência Subsídio de Invalidez (sem alterações) 9.000 ou 18.000 patacas por ano Subsídio para cuidadores (torna-se um apoio permanente) 2.175 patacas por mês Estudantes Subsídio de Aquisição de Manuais (sem alterações) 3.500 patacas (ensino secundário) 3.000 patacas (ensino primário) 2.400 patacas (ensino infantil) Subsídio de Propinas para Estudantes Carenciados (sem alterações) 9.000 patacas (ensino secundário) 6.000 patacas (ensino primário) 4.000 patacas (ensino infantil) Subsídio para a Aquisição de Material Escolar (sem alterações) 3.300 patacas por estudante Novos Apoios Financeiros Pessoal Docente Subsídio para o desenvolvimento profissional 3.100 a 11.790 patacas por mês Subsídio directo no ano escolar 3.100 a 6.550 patacas por mês
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLAG | Esperada mais “audacidade” do Governo e apoios sociais O Chefe do Executivo apresenta hoje as Linhas de Acção Governativa para o próximo ano, as primeiras desde o fim da pandemia e do retorno ao excedente orçamental. Ainda assim, analistas ouvidos pelo HM não acreditam em grandes novidades. Espera-se que o Governo “seja mais audaz” e apresente aumentos dos apoios sociais É hoje apresentado o primeiro relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2024 já sem os entraves da pandemia e das restrições que tanto afectaram a economia do território. Se é certo que os turistas voltaram em força, também é certo que os analistas não esperam grandes novidades da ida do Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, à Assembleia Legislativa (AL). Ouvidos pelo HM, apelam a medidas com maior pujança e reforço dos apoios sociais para as camadas mais baixas da população que ainda sofre os efeitos de três anos de economia paralisada. “Não haverá novidades”, prevê o deputado José Pereira Coutinho. “Falta saber se o Governo vai implementar medidas para fomentar o sector imobiliário, que está bastante debilitado. O grande problema em Macau é o desemprego e não vemos medidas para atrair o investimento estrangeiro”, apontou. O também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) lança a farpa sobre a recente decisão do Executivo em prolongar, por mais três anos, o monopólio da Air Macau. De frisar que a intenção do Governo em liberalizar o sector aéreo se arrasta há alguns anos. “A recente decisão de estender o monopólio da Air Macau vai fazer com que não tenhamos mais turistas estrangeiros por falta de aeronaves de médio e longo curso. A terceira comissão permanente da AL teve várias reuniões no período de férias legislativas para apressar os trabalhos de análise de especialidade do diploma [Lei da actividade da aviação civil], e, sem nos dar cavaco, é decidido conceder mais três anos [de contrato]”, acusou. Também Jorge Fão gostaria de testemunhar a apresentação de umas LAG ousadas. O dirigente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), pede ao Governo para ser mais “audaz”. “Espero que o Chefe do Executivo apresente novas medidas mais atractivas. O Executivo andou estes anos todos sem fazer muita coisa, e agora que tem a oportunidade de fazer, deve ir mais além. Não basta apenas apostar na promoção turística e trazer turistas. Isso não chega, tem de tomar conta das pessoas que vivem no território.” Nesse sentido, Jorge Fão pede o regresso do cartão de consumo, nem que seja com um montante inferior às oito mil patacas atribuídas nas últimas edições do programa de apoio económico aos residentes adoptado nos tempos de pandemia. “O Governo poderia dar mais dinheiro às pessoas, voltar a apostar no cartão de consumo, até com um montante mais reduzido se entender que o anterior montante é pesado para o orçamento.” Relativamente ao caso específico da APOMAC, Jorge Fão pede que seja autorizado o funcionamento da clínica médica para os sócios. “Deveria ser reconsiderada a situação da nossa clínica, pois apenas pedíamos o equivalente a salários de três funcionários e nada mais. Podemos voltar a pôr a clínica a funcionar e gostaríamos de ter aqui um espaço útil para os nossos aposentados que sejam sócios.” Recorde-se que a policlínica da APOMAC encerrou portas em Março do ano passado, depois de funcionar 15 anos. A Fundação Macau deixou de apoiar o espaço, que passou para a alçada dos Serviços de Saúde (SS). As únicas possibilidades para a continuação do funcionamento, apresentadas pelos SS, seria a atribuição de um subsídio de 130 patacas ou alargar os serviços aos idosos que não são sócios da APOMAC, algo que vai contra a filosofia da associação. “Uma lista de desejos” Bruno Simões, presidente da associação Macau Meetings, Incentives and Special Events (MISE) disse que não está à espera de novidades para o sector das exposições, exibições e convenções (MICE, na sigla inglesa), mas tem “uma lista de desejos”. E um deles é o regresso ao formato antigo do programa de atracção de eventos para o território. “O programa vigorou entre 2009 até ao ano passado, tendo depois ficado mais discricionário e complicado. Este ano ficou mais restrito, e penso que isso se deve ao facto de o Governo estar a tentar poupar dinheiro”, defendeu. Na prática, eram atribuídos incentivos a empresas de fora de Macau que organizassem eventos em Macau com, pelo menos, 100 pessoas e estadia de duas noites. “Muitas cidades concorrentes com a nossa têm este tipo de medidas. Gostava que esse programa voltasse ao formato que tinha para termos mais reuniões para Macau.” Contrariando um pouco a narrativa oficial, Bruno Simões considera que o sector MICE “está numa fase difícil porque os hotéis em Macau estão relativamente caros face aos preços que se praticavam”. “Os junkets bloqueavam muitos quartos [para o sector VIP] e todos os hotéis estão a dar mais quartos aos jogadores. Macau está com falta de competitividade ao nível dos preços na hotelaria, mas é a lei da oferta e da procura e pouco podemos fazer. Estamos com falta de espectáculos e esperamos que voltem para o próximo ano”, disse ainda o empresário. Ajustar subsídios No caso de Paul Pun, secretário-geral da Caritas Macau, são necessários ajustamentos a muitos subsídios e apoios a associações que, diariamente, apoiam os mais carenciados do território. “Claro que seria bom se o Governo ajustasse os subsídios atribuídos às camadas mais baixas da população e desse mais dinheiro a quem presta serviço nas associações. Seria bom haver esses aumentos tendo em conta as dificuldades dos últimos três anos, para que possamos manter o nível dos serviços que temos vindo a providenciar. O orçamento total [das associações] pode ser ajustado consoante a situação actual.” No capítulo da administração da justiça, o advogado Miguel de Senna Fernandes defende que o uso do português nos tribunais é algo que não se pode perder. “Esperamos que não deixe de ser usado o português na área jurídica, isso é fundamental, embora possa não ser a melhor coisa para quem não domina o português. Isso é importante para manter a identidade da nossa ordem jurídica.” Ainda assim, o também presidente da Associação dos Macaenses reconhece que o futuro é marcado pelos ajustamentos necessários à integração regional de Macau no contexto da Grande Baía e Hengqin. “Compreendo que os novos desenvolvimentos face ao que se projecta para a Grande Baía vão implicar um maior consenso em termos de soluções jurídicas e algumas modificações nas áreas do Direito comercial, civil e propriedade industrial. São áreas que precisam de uma uniformização em termos de soluções jurídicas. Não obstante esta tendência, não podemos esquecer que o português é uma língua fundamental de toda uma filosofia jurídica que está enraizada em Macau há séculos”, concluiu. Rose Lai, docente da Universidade de Macau especialista na área do imobiliário, acredita que “os planos do Chefe do Executivo sobre os projectos de habitação e diversificação económica são sólidos e razoáveis”. Contudo, “o seu impacto dependerá da extensão e rapidez com que forem implementados, e da sua aceitação pela sociedade em geral”. A partir das 15h de hoje, na AL, Ho Iat Seng irá lançar as pistas para as próximas políticas que irão servir de compasso para a RAEM, seguindo-se uma conferência de imprensa sobre as LAG na sede do Governo. Ho Iat Seng regressa amanhã ao hemiciclo para responder a questões dos deputados. Seguem-se os debates por tutelas: no dia 20 discutem-se as políticas para a área da Administração e Justiça com a presença do secretário da tutela, André Cheong, na AL. No dia 22 é a vez do secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, ir ao hemiciclo debater as políticas da sua área. As áreas da Segurança, Assuntos Sociais e Cultura e, finalmente, Transportes e Obras Públicas, discutem-se nos dias 24, 27 e 29, respectivamente.
Andreia Sofia Silva Grande PlanoLíngua portuguesa | Pedida união entre ensino e associações lusófonas Vários docentes de português defendem o reforço da união entre o ensino da língua, os estudantes e as associações de matriz lusófona em Macau. Esta foi a ideia principal deixada num colóquio online promovido pela Fundação Casa de Macau, em Lisboa, intitulado “Panorama Actual do Ensino do Português em Macau” O panorama do ensino do português em Macau está bom e recomenda-se, mas é necessária uma maior união com o trabalho desenvolvido pelas associações de matriz lusófona que existem no território. Esta foi a principal conclusão do colóquio online “Panorama Actual do Ensino do Português em Macau”, promovido pela Fundação Casa de Macau (FCM) e que reuniu, na última quarta-feira, docentes de várias escolas e universidades do território, incluindo Patrícia Ribeiro, directora do Instituto Português do Oriente (IPOR). A ideia de juntar o trabalho da sala de aula ao associativismo foi deixada por Camila Lourenço, docente da Universidade de São José (USJ). “Macau tem um potencial fantástico. Fico pensando em qual o lugar do mundo onde temos acesso a tantas culturas como em Macau? Mas o maior desafio é chegar a mais pessoas e perdemos a oportunidade de mostrar esse mundo aos estudantes”, começou por dizer. A docente revelou que, na sua actividade profissional, procura que os alunos tenham acesso a actividades fora do contexto de sala de aula, mas nem sempre consegue. “Essa plataforma de Macau, onde se experienciam diferentes culturas, não é um ponto bem explorado como poderia ser. Temos uma imersão cultural imensa, e porque não usar mais isso? Como poderíamos organizar mais actividades e ter esse intercâmbio que Macau possibilita? Falei com professores que também dizem ter dificuldade no acesso a essas culturas de língua portuguesa.” A ideia foi corroborada por Roberval da Silva Teixeira, docente da Universidade de Macau (UM). “Temos as associações e há um espaço relativamente pré-organizado para criar uma coisa mais estruturada, de maneira que a língua portuguesa seja mais conhecida. Após algum tempo de convivência, percebemos que o português [em Macau] está nos nichos, em vários espaços e movimentos. A língua portuguesa está aqui, sim, e tem essa efervescência de ter tantos canais, expressões e associações que podiam ser articuladas em construir uma língua portuguesa que fosse mais aberta ao mundo.” Segundo o docente, é preciso construir “uma visão do português mais internacional, mais transnacional e intercultural” através “de toda a pluralidade que existe em Macau, no nosso dia-a-dia”. É essa ligação com as associações que poderá fazer “toda a diferença no que diz respeito à motivação para a aprendizagem”, apontou. “A língua portuguesa não é apenas aquela que é ensinada nas escolas, mas também a de pessoas que têm interesse em conectar com as comunidades de Macau. São motivações interessantes, até de artistas, por exemplo. Há uma série de potencialidades aqui que talvez estejamos deixando um pouco [de lado], e é preciso fazer uma articulação desde a base, com as escolas, até às associações ou instituições que trabalham com essas questões.” Maria José Grosso, também docente da UM, frisou que “há um multiculturalismo em Macau que não é tão interrelacional como gostaríamos”. “Há essa motivação dos jovens da China que querem saber como é o Ocidente, a cultura ocidental, têm interesse em saber mais, mas isso, infelizmente, nem sempre se vê nos alunos de Macau. Durante estes anos, tenho verificado mais nos alunos da China um maior interesse para abraçar as outras culturas”, acrescentou. A falta que faz Outro ponto abordado no colóquio pautou-se pela necessidade de ter mais manuais para um universo de estudantes de português tão específico como o de Macau. “Continua a haver interesse no português e investimento da parte do Governo. Agora se o investimento é bem feito, ou se vai para aquilo que é necessário, podemos discutir. Uma das coisas importantes, e que faz muita falta em Macau, é o investimento em materiais didácticos e pedagógicos”, começou por dizer Carla Vieira de Sá, da escola Zheng Guanying. A professora diz sentir “falta da existência de mais materiais feitos de propósito para os nossos alunos, que são especiais, integrados num meio em que não há convívio diário com a língua, pois só falam o português na escola. Precisamos de materiais que possam ser usados pelos alunos em casa”. Carla Vieira de Sá disse ainda que é necessário investir mais na formação de professores. “É preciso saber fazer determinados projectos para que as coisas fiquem bem feitas. Temos dificuldade em arranjar formações para professores que falam português. Se calhar, nesse aspecto, o investimento não está a ser tão incisivo.” Liliana Pires, docente anteriormente ligada à escola Zheng Guanying, pediu um “reforço dos professores de língua portuguesa nas escolas” bem como a colocação desses docentes em turmas bilingues e escolas oficiais. Trata-se de algo “muito importante para mantermos essa relação dentro da sala de aula no ensino da língua”. A rede que precisamos Liliana Pires falou, contudo, de uma outra necessidade que considera premente para melhorar o ensino da língua portuguesa em Macau: a “criação de uma rede de bibliotecas escolares com um plano de actividades e recursos partilhados”. “As bibliotecas escolares existem no território e várias escolas públicas e privadas trabalham a língua portuguesa, mas acho que poderia ser criada uma rede de trabalho conjunta em que as pessoas que estão nas escolas pudessem trabalhar e cooperar. Não faz muito sentido termos o projecto de animação numa escola e ele não poder ser partilhado com uma escola vizinha. Tem de haver este sentido de partilha de projectos e um trabalho em rede. Tem de haver interactividade institucional dentro da língua portuguesa.” Liliana Pires considera também essencial investir na promoção da leitura junto dos alunos. “Era importante que as escolas tivessem alguém que promovesse a leitura, uma pessoa dedicada a esta função em articulação com os professores, que conseguisse trabalhar em conjunto com um plano anual de actividades. Temos de apostar em algo estruturado neste sentido e em que se possa trabalhar em rede, dentro e fora da sala de aula e também com outras escolas.” Neste sentido, apontou a docente, poderia existir “um plano literário no plano anual de actividades de cada professor de língua portuguesa”, em que os professores poderiam “seleccionar uma lista de leitura acompanhada, fazer trabalho da promoção literária e enquadrar tudo isso no seu plano anual de actividades”. Governo não esqueceu Os intervenientes apontaram que, nos últimos anos, a aposta do Governo não esmoreceu. “O Governo tem procurado incentivar e demonstrar que está atento a esta questão e alargar ainda mais este âmbito. O Chefe do Executivo disse recentemente que iam alargar a mais quatro escolas o ensino do português além das que já existem, e são bastantes. O IPOR tem procurado também na parte da formação”, explicou Patrícia Ribeiro. Maria José Grosso falou do futuro de Macau após 2049 e da realidade do crescimento do mandarim no território. “Fala-se muito na língua portuguesa destinada aos talentos, mas deveria apostar-se também naqueles que aprendem português e que passados dez anos esquecem completamente a língua. Estamos num mundo multilinguístico, mas não nos esqueçamos que em 2049 vamos ter cada vez mais o mandarim, como é natural, o inglês e vamos tentar que o cantonense continue.” Assim, “o português vai continuar a ter muito interesse na iniciação, mas não bastam esses cursos de iniciação”, defendeu a docente, que entende ser fundamental dar “continuação enquanto houver uma ligação aos países de língua portuguesa, que desperta o grande interesse económico e político”. “Há que atrair alunos, mas devem ser conservados os que aprenderam. Na minha perspectiva cada vez mais os professores de português são os falantes de língua chinesa, e não os falantes de língua materna portuguesa, algo que, de certa forma, é natural.” O moderador do debate, Joaquim Ng Pereira, ligado à direcção da FCM, alertou para a importância da preservação do que é macaense e português e da responsabilidade que Portugal tem nessa matéria. “Estamos todos a fazer um trabalho [de divulgação], muitas vezes inglório, sobretudo aqui em Portugal. Mas que acredito que, de alguma forma, dê os seus frutos a fim de elevar Macau ao lugar que merece. Temos obviamente de respeitar a soberania chinesa, mas seria manifestamente triste que Portugal esquecesse os macaenses e Macau e a influência que tivemos, não só na língua e gastronomia e toda uma cultura miscigenada”, rematou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano ManchetePrevidência Central | Defendido pagamento de subsídio com retroactivos O anúncio do regresso do subsídio de sete mil patacas nas contas de previdência no Orçamento do próximo ano é uma notícia bem-recebida pelo deputado Pereira Coutinho e outros dirigentes associativos. No entanto, tanto Coutinho como Jorge Fão, da APOMAC, exigem o pagamento de retroactivos relativos aos anos de pandemia A pandemia trouxe défice às contas públicas do território e durante o período da covid-19 os idosos deixaram de receber as sete mil patacas anuais nas suas contas individuais do sistema de previdência central do Fundo de Segurança Social (FSS), ao abrigo do regime de repartição extraordinária de saldos orçamentais. É de salientar que a atribuição do apoio social é retomada ainda num orçamento marcado pela contenção de custos. Há muito que diversas vozes exigiam o regresso deste apoio, considerado fundamental a quem, com mais de 65 anos, sente dificuldades económicas, e finalmente foi anunciado no hemiciclo, esta semana, que o Orçamento de 2024 contemplará o pagamento deste montante, o que implica uma despesa total de 3,1 mil milhões de patacas. Contactado pelo HM, Jorge Fão, dirigente da Associação dos Aposentados, Pensionistas e Reformados de Macau (APOMAC), mostrou-se contente com a medida, mas exige o pagamento dos retroactivos que não foram transferidos para as contas dos beneficiários durante a pandemia. “Para nós, trata-se de uma grande notícia e temos de dar os parabéns ao Governo, porque é reposto finalmente o que já deveria ter sido pago. Não é uma dádiva, mas sim uma dívida que o Governo tem para connosco. E para ser justo deveriam ser pagos retroactivos. O Governo tem tido um saldo positivo [nas contas públicas] e para o ano vai ser ainda mais positivo. Portanto, não basta falar e ter muita retórica em relação aos apoios dados aos idosos. É preciso acção.” Jorge Fão salienta que “todos tivemos dificuldades” nos anos de pandemia e que as sete mil patacas fizeram falta. Semelhante posição tem o deputado José Pereira Coutinho, também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM). “Trata-se de uma medida por nós reivindicada há mais de três anos, desde a pandemia. O Governo veio, finalmente, dar-nos razão ao conceder as sete mil patacas anuais aos idosos que pertencem a uma camada da sociedade que mais tem sofrido, não apenas com as rígidas restrições da pandemia, mas também com a subida vertiginosa dos preços dos principais bens essenciais”, confessou ao HM. Para Coutinho, deveriam ser pagos retroactivos relativamente aos anos de pandemia “por uma questão de reconhecimento pelo contributo que estes idosos deram para a economia de Macau e pelos sacrifícios que suportaram enquanto antigos operários fabris”. O deputado recorda que grande parte dos beneficiários do subsídio são antigos trabalhadores do sector industrial das décadas de 70 e 80, quando Macau tinha um importante sector fabril que era um grande empregador. “Não nos podemos esquecer que muitos destes idosos que têm hoje 65 anos trabalharam as fábricas de vestuário e de malhas, cujos produtos eram exportados para os principais mercados da Europa e dos EUA. Muitos destes idosos trabalharam também em fábricas de brinquedos, flores artificiais, sapatos e malas, sem esquecer [a produção] de pivetes e panchões.” Governo em boa posição Paul Pun, secretário-geral da Caritas Macau, assume uma postura mais compreensiva e não defende o pagamento com retroactivos. “Não concordo que este montante deva ser pago com retroactivos. Já foi anunciado que [o valor] será pago novamente no próximo ano. Sinto que as pessoas esperavam receber os retroactivos deste montante, mas na realidade, nos últimos tempos, Macau não esteve numa boa situação económica. Foi, portanto, compreensível que o Governo tenha deixado de atribuir este apoio social. O regresso da injecção do dinheiro corresponde às expectativas da maior parte das pessoas e está dentro das actuais possibilidades do Governo.” O responsável pela Caritas Macau, que lida de perto com pessoas em carência económica, muitas delas a necessitar da ajuda do Banco Alimentar da Caritas, descreve que “ter menos sete mil patacas por ano tornou mais difícil a vida diária de muitas pessoas, que esperavam voltar a receber o apoio o mais depressa possível”. O anúncio do regresso do pagamento do subsídio de repartição extraordinária de saldos orçamentais “mostra que o Governo se preocupa com as pessoas com mais necessidades”, adiantou. “A medida vai ajudar a reduzir a pressão económica que sentem no dia-a-dia, tendo em conta as previsões positivas para a recuperação económica do território. O facto de o Governo poder agora suportar esta despesa é positivo, sabemos que desta vez [a atribuição de sete mil patacas] não vai prejudicar as contas públicas e irá ajudar bastante os residentes.” Negas e mais negas De frisar que no debate, que decorreu na terça-feira, a deputada Lo Choi In defendeu que o regresso do subsídio para as contas de previdência será “aplaudido pela população e irá provocar grande alegria”. No entanto, o Executivo não vai aumentar as pensões para os idosos, que se manterão nas 3.740 patacas. Na Assembleia Legislativa foram várias as vozes que clamaram pelo regresso deste apoio. No ano passado, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) para a área dos Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U afastou totalmente a possibilidade deste montante vir a ser pago, alegando que a Administração já disponibilizava uma série de apoios sociais. “Fiz as contas e, com os subsídios recebidos desde 2020 até este ano, os idosos não receberam menos se compararmos com 2019. Este ano, receberam duas vezes o vale de saúde, um montante de oito mil patacas”, começou por dizer. “No caso de existirem desempregados jovens nas famílias, podendo ter algumas dificuldades económicas, temos o subsídio de desemprego, bem como os apoios do Instituto de Acção Social e o Banco Alimentar”, acrescentou. Um dos deputados que, nesse debate, pediu o regresso das sete mil patacas nas contas individuais do Fundo de Previdência Central foi Zheng Anting. “O Governo disse que não vai injectar as sete mil patacas por não haver fundos suficientes, mas os idosos também estão a sofrer dificuldades económicas. Quantos são os idosos com dificuldades que não recebem este dinheiro?”, questionou. Recorde-se que, em Abril deste ano, o próprio Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, clarificou que este pagamento só seria feito aos residentes num cenário de excedente orçamental de 300 milhões de patacas. “Temos cerca de 400 mil beneficiários que não são apenas idosos, e essa comparticipação extraordinária implica cerca de 200 milhões de patacas [no orçamento]. No próximo ano, quando elaborarmos o nosso orçamento, veremos se conseguimos chegar a um equilíbrio orçamental, e aí poderemos ponderar. Sem um saldo de, pelo menos, 300 milhões, não poderemos avançar com essa contribuição.” O governante afastou a possibilidade de se recorrer à Reserva Financeira para pagar estes subsídios. “Não vamos esgotar a nossa Reserva Financeira. Precisamos da premissa de ter um saldo orçamental que nos permita avançar com essa verba. Somando todos os apoios, os idosos podem receber cerca de cinco mil patacas por mês. Caso seja necessário, existem outros programas de apoio”, disse. Recorde-se que, nos tempos de pandemia, as autoridades recorreram por diversas vezes à Reserva Financeira para equilibrar as contas públicas, tendo em conta a quebra dos impostos sobre as receitas do jogo devido à pandemia.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTurismo | “Macau é um laboratório de consumo”, diz académico Tim Simpson, docente da Universidade de Macau, acaba de lançar o livro “Betting Macau – Casino Capitalism and China’s Consumer Revolution”, que foi apresentado na última edição do festival literário Rota das Letras. O académico analisa como Macau se tornou um epicentro de consumo, à medida que o turismo chinês se modifica e expande A partir da liberalização do jogo nada ficou igual, muito menos a partir da política dos vistos individuais para cidadãos chineses que passaram a poder viajar para Macau e Hong Kong. Verificou-se então um boom económico e de consumo em Macau associado à mudança de paradigma do turismo chinês. Esta é uma das ideias essenciais do novo livro do académico da Universidade de Macau (UM) Tim Simpson, intitulado “Betting Macau – Casino Capitalism and China’s Consumer Revolution”, uma edição da Imprensa da Universidade do Minnesota, nos Estados Unidos, e recentemente lançado na última edição do festival literário Rota das Letras. Ao HM, Tim Simpson explica que a obra aborda as questões “do consumo e da transformação que ocorreu nos consumidores e sociedade chineses, e no papel que Macau teve em toda essa mudança”. “Não me apresento aqui como um analista da área dos estudos de consumo, mas estou de facto mais interessado [em perceber] o lugar que Macau tem no capitalismo mundial. [O território] é, de facto, um laboratório para os consumidores chineses e uma componente da transformação pós-economia socialista que ocorreu na China.” O académico estabelece mesmo um paralelismo com a própria história de Macau como entreposto comercial desde o século XVI, “envolvido na economia mundial devido ao comércio com a China”. “Macau foi criada graças a essa ligação à extensão do capitalismo no seu início. De certa maneira, acabou depois por cair na obscuridade, em que houve um período em que as pessoas se esqueceram de Macau, voltando depois a emergir para desempenhar um novo papel no capitalismo global, que será provavelmente dominado pela China.” Em “Betting Macau” é analisado “o crescimento de Macau nos últimos 20 anos”. “O que vemos é um exemplo exagerado das mudanças que ocorrem na China nos dias de hoje”. Trata-se de um país que, aos olhos do autor, “está a movimentar a economia mundial e os turistas chineses são um factor essencial para a economia chinesa”. Neste contexto, Macau “é um dos principais sítios para onde os turistas vão”, pelo que analisar o território permite “perceber o comportamento dos turistas chineses”. Projecto com dez anos Este livro começou a ser desenhado e pensado em meados de 2003 e 2004, quando o académico iniciou a vida profissional em Macau e teve acesso privilegiado a um mundo em mudança relativamente ao jogo e ao turismo do território. “Três anos depois de me mudar para Macau abriu o Sands, o primeiro casino inaugurado no território depois da liberalização do jogo. Subsequentemente, tudo em Macau mudou dramaticamente e de forma muito rápida. Tive a oportunidade de assistir a todos esses episódios e à transformação que ocorreu em Macau, tanto a nível cultural como da própria paisagem da cidade. Então comecei a interessar-me por escrever sobre isso e documentar toda essa transformação”, contou. Tim Simpson recorda-se do período em que começou a trabalhar na UM quando o campus estava ainda situado na Taipa. “Via diariamente centenas de turistas que frequentavam o hotel New Century. Tentava compreender esse fenómeno quando ia trabalhar, então comecei a investigar mais sobre o turismo em Macau.” É para este tipo de turistas que o território “é uma espécie de laboratório de consumo, porque essa função não existe para os locais”, sendo uma componente que “faz parte da transformação económica da China, que passou de uma economia socialista para uma economia de mercado”. “É nesse ponto que Macau se integra, na criação das zonas económicas especiais, que se tornaram laboratórios de produção. Macau e Hong Kong tornaram-se laboratórios de consumo”, ressalvou. Os efeitos da SARS Tim Simpson recorda que o consumo desenfreado que começou a verificar-se no território foi espoletado pelo arranque da política dos vistos individuais para os turistas chineses, destinados a Macau e Hong Kong. “Desde meados do século XIX, Macau tem sido um lugar onde o jogo é legal. Não penso que seja um exemplo exagerado de uma sociedade de consumo. As pessoas vinham para jogar e não havia muitas actividades que estivessem separadas do jogo. Mas com a ocorrência da SARS [Síndrome Respiratória Aguda Grave], em 2002, prejudicou a economia de Macau e de Hong Kong, porque os turistas não viajavam para estas duas regiões com o medo de contágio. O Governo Central criou então o esquema de vistos individuais que, pela primeira vez, permitiu a cidadãos chineses comuns visitar as duas regiões.” A SARS teve um impacto bastante mais negativo, em matéria de saúde pública, em Hong Kong, mas a verdade é que os vistos individuais levaram à recuperação económica das duas regiões administrativas especiais. “A China tentou estimular ambas as economias ao criar os vistos individuais, e foi aí que se deu o boom: havia mais jogadores, mais visitantes em restaurantes e a adquirir produtos de luxo.” Questionado sobre a existência de semelhanças ou diferenças face ao período da pandemia, Tim Simpson recorda que “a covid-19 representou uma crise de saúde pública muito mais grave, no sentido em que teve contornos globais”. “Houve o encerramento de fronteiras e muitas restrições às viagens. O que vemos agora é o regresso dos turistas e, de repente, as pessoas estão a gastar dinheiro de novo, mas é um processo gradual. Parece-me que esta fase não vai mudar Macau para a fase anterior em que estava, antes da covid-19”, salientou. Depois de vários anos de implementação da política de vistos individuais, e com todas as mudanças ocorridas no sector do jogo, Tim Simpson destaca que hoje “os turistas já não jogam como jogavam antes da covid-19, parte da explicação para isso é que a indústria está a mudar, limitando o jogo VIP”. Relativamente ao consumo, o académico recorda que já não se observa apenas o típico turista que compra roupas, joias e outros produtos de luxo. “Há uma nova geração de jovens que visita Macau e que está menos interessada no jogo, preferindo outras actividades de entretenimento. Provavelmente, há ainda um grande número de pessoas a comprar produtos de luxo e a gastar dinheiro nesse tipo de comércio, mas tudo depende da confiança que existe na economia chinesa. Quanto mais confiantes estiverem os turistas chineses, mais vão gastar. Em termos gerais, temos mais turistas, mas se calhar não gastam tanto como antes da pandemia.” O académico entende que, mesmo com a recuperação da economia, há pontos a melhorar. “Caminho pelos resorts e vejo ainda muitos espaços fechados. Parece-me que as grandes marcas ainda estão presentes, mas negócios mais pequenos ainda não conseguiram recuperar. Esse é o desafio, fazer com que os negócios regressem ao que eram. Mas não tenho mais dados sobre se as principais marcas de moda e de luxo estão a fazer mais dinheiro agora ou antes da covid-19.” Tempo de solidificar Relativamente ao futuro, Tim Simpson considera que é tempo de as concessionárias consolidarem os investimentos feitos e trazer novos produtos ao mercado. “Todas as seis concessionárias conseguiram ver as licenças renovadas, e desta vez por um período de dez anos. As empresas têm pequenas janelas de oportunidades com uma concessão de dez anos, então há que consolidar os negócios, gastando menos em novas propriedades, pois esse investimento irá demorar mais tempo a ser recuperado. Além disso, não há tantos terrenos disponíveis para a extensão de projectos, pelo que alguns resorts vão tentar consolidar os projectos que já têm.” O académico considera que as maiores mudanças prendem-se com as “expectativas em relação à diversificação daquilo que as operadoras oferecem aos turistas, com mais elementos não jogo por exigência do Governo. Todas as concessionárias têm esse compromisso de investir noutro tipo de atracções, como concertos, exposições e convenções ou eventos desportivos.” Tim Simpson destaca também os acordos assinados pelas concessionárias com o Executivo para revitalizar bairros históricos, passando a ter “mais responsabilidades pelo seu desenvolvimento”.