Bairros históricos | Exigida coordenação do IC nos projectos com operadoras

Maria José de Freitas e António Monteiro, membros do Conselho do Património Cultural, defendem que o Instituto Cultural deve ter a responsabilidade de assegurar a preservação da identidade histórica dos locais que serão revitalizados em conjunto com as operadoras de jogo. O assunto esteve em discussão ontem na Fundação Rui Cunha

 

O Governo está a juntar as mãos às operadoras de jogo para revitalizar alguns dos mais icónicos bairros antigos de Macau. A situação é “inédita”, defende a arquitecta Maria José de Freitas, tendo em conta que, até à data, tínhamos apenas as intervenções pontuais da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), feitas no âmbito do primeiro contrato de concessão de jogo com a empresa de Stanley Ho, em 1963.

Tanto Maria José de Freitas como António Monteiro, presidente da Associação dos Jovens Macaenses (AJM), e ambos membros do Conselho do Património Cultural, defendem que as parcerias que estão a ser pensadas entre Governo e casinos para revitalizar a zona da Barra, da Rua da Felicidade ou da avenida Almeida Ribeiro devem ser acompanhadas de uma forte fiscalização e coordenação por parte do Instituto Cultural (IC) a fim de assegurar a identidade dos locais.

Este assunto foi abordado na palestra que decorreu ontem na Fundação Rui Cunha (FRC), intitulada “Património Cultural de Macau – Identidade e Sítios Históricos”, que contou ainda com intervenções de Sally Ng, da Associação dos Embaixadores do Património de Macau, e Heiman Chan, da recém-criada Associação de Estudos de Reinvenção do Património Cultural de Macau.

Ao HM, Maria José de Freitas falou da necessidade de haver “um grande acompanhamento” dos vários projectos por parte do IC, pois “a revitalização não vai ficar completamente sob responsabilidade das concessionárias”.

“Estas darão o seu input em termos de marketing e de relação com o público, no sentido de o atrair para estas zonas, mas o IC deve ter o papel forte de controlar e acautelar os conteúdos históricos que venham a prevalecer, devendo fundamentar as acções que se irão desenvolver.”

Na visão da arquitecta, que tem desenvolvido estudos académicos sobre a área do património, “o IC tem uma grande responsabilidade e tem de estar apetrechado de arquitectos, arqueólogos e historiadores que possam acompanhar estas várias intervenções ao longo da cidade, que terão de ser fundamentadas e têm de estar articuladas entre si, não podendo ser situações muito díspares”.

No caso de António Monteiro, impera assegurar a identidade histórica de cada local. “Com esta revitalização que está a ser feita e planeada nos bairros históricos, temos a sensação de que deve ser preservada a identidade de cada bairro. Temos visto um bocado a repetição do que se vê nos hotéis, nomeadamente na Rua da Felicidade, em que se fez um palco com floreados. Queremos promover a cultura da Wynn, ou de Macau? É essa a questão que fica.”

Organizar o seminário na FRC foi uma forma de os participantes dialogarem com o público sobre espaços que pertencem a todos e à memória de muitos. “Há vários projectos em curso, mas não sabemos ainda como é que vão ser executados. O Governo pretende apostar na diversificação económica e estimular o movimento em certos bairros históricos, e essa intenção é muito boa. Mas é necessário conjugar [essa iniciativa] com a sociedade civil e as associações culturais.”

Nesse sentido, adiantou, “é preciso dialogar muito com os habitantes dos bairros, porque estes precisam de ser ouvidos e dar opiniões sobre as características específicas de cada sítio”. “Devem ser estimuladas coisas novas, mas não se pode perder essa identidade. Penso que a sociedade está muito atenta e quem tem a responsabilidade é o IC”, frisou António Monteiro.

Situação “prometedora”

Maria José de Freitas não deixou de dar o contexto histórico dos locais que serão intervencionados com o investimento das operadoras. No caso da avenida Almeida Ribeiro, a sua abertura aconteceu já no século XX, mas foi precedida por um projecto de saneamento básico desenvolvido nos finais do século XIX. Por outro lado, a Rua da Felicidade, outrora um lugar associado ao jogo e à prostituição, é hoje um espaço com as portas pintadas de verde e com um âmbito bem mais cultural.

Contudo, “vamos ter de perceber o que vai ser no futuro, porque há muitas lojas que ainda estão abandonadas”, lembrou Maria José de Freitas. “Deve existir um tratamento criterioso e tem de prevalecer a história do sítio integrada e entrecruzada com a história da cidade. Há edifícios que, restaurados, podem ser aproveitados para transmitir essa história. Estamos em Macau que é um museu a céu aberto”, salientou.

A arquitecta lembra que estes projectos de revitalização não devem estar dissociados do desenvolvimento da RAEM, nomeadamente os novos aterros ou até Hengqin. “Esta é uma situação nova, pioneira e muito prometedora, porque, de alguma forma, as concessionárias ficam mais ligadas à história de Macau e, no fim, o património pode beneficiar com isso. De alguma forma o legado histórico está a ser preservado, mas não pode ser isolado e ficar uma ilha no meio do resto. Estas novas situações são quase um novo panorama com determinados pontos que depois se podem associar à vizinhança, de modo a criar zonas mais atractivas.”

A responsável lembrou o caso do teatro Cheng Peng, na Rua da Felicidade, que pode ter oficinas e espaços para a realização de workshops, tornando-se um espaço interessante e revitalizado para “a juventude que tanto precisa”.

“Pode-se criar um ponto de acção que pode ser coadjuvado pelas lojas à volta, criando-se uma sinergia que pode potenciar o desenvolvimento das coisas. A Rua da Felicidade está sem interesse, mas tem edifícios de referência que, se tiverem utilização, vão chamar gente.”

Controlar os turistas

Maria José de Freitas não deixou de frisar a importância de controlar o fluxo de turistas no contexto destes projectos de revitalização. “A covid deu-nos tempo para parar e reflectir e estamos a caminho de voltar aos números de turistas registados no período anterior à pandemia. Se tudo isso não for controlado vai traduzir-se num grande desgaste para a população residente, a própria cidade e os sítios patrimoniais. É tempo de fazer uma reflexão e trabalhar em conjunto com as operadoras para maximizar o potencial [dos locais], mas controlar as multidões.”

Questionada se o IC teria capacidade, em termos de recursos humanos e técnicos, para realizar sozinho a revitalização destes bairros, Maria José de Freitas entende que é uma situação que traz ganhos ao Governo e às operadoras, com ambos a terem recursos técnicos para desenvolver estas iniciativas.

“Como acontece sempre em Macau, é uma situação de “win-win” [ganhos mútuos]. O Governo está apetrechado de técnicos e vai ter de os ter em número suficiente para poder acompanhar uma situação destas. No que diz respeito ao marketing que é preciso fazer para a divulgação destas zonas, penso que as operadoras devem ter funcionários para fazer isso.”

Acima de tudo, o que o Governo procura, nestes acordos, “é desenvolver a parte de marketing e de atracção de público”, sendo que as concessionárias “também têm grupos de arquitectos”. Cria-se, assim, “uma joint-venture em que se acertam metodologias e onde se reforça a componente multicultural, numa atitude aberta”.

A Rua da Felicidade esteve fechada ao trânsito no dia 29 de Outubro, a título experimental, entre as 11h e a 1h, tal como as ruas adjacentes. Este projecto foi desenvolvido em parceria com a Wynn.

Nas semanas seguintes, as seis operadoras apresentaram as estratégias para a cidade, com a Sands China a anunciar, entre outros projectos, um plano de incubação para pequenas e médias empresas na rua das Estalagens e a transformação das Casas-Museu da Taipa num destino para fotografias de casamento.

No caso da MGM China Holdings Limited foi assinado um acordo com o Governo para a concretização de um programa de revitalização para a área da Barra e à volta da Doca D. Carlos I, a fim de se criar um parque cultural e criativo. O Galaxy Entertainment Group projectou para os antigos estaleiros navais de Lai Chi Vun, em Coloane, um salão de exposições, uma pista de gelo e uma quinta urbana.

Nos planos da Sociedade de Jogos de Macau Resorts está a revitalização e conservação das pontes-cais n.º 14 e 16 e do antigo casino flutuante Palácio de Macau, no Porto Interior. Já as pontes-cais n.º 23 e 25 vão integrar elementos culturais e artísticos, num projecto da Melco Resorts, que, em conjunto com o Governo, vai ainda revitalizar a zona da Fortaleza do Monte. Ainda não são conhecidos os valores totais que as operadoras vão desembolsar. Com Lusa

7 Nov 2023

Dóci Papiaçám di Macau | Trinta anos a trazer o patuá para o palco

O 30º aniversário dos Dóci Papiaçám di Macau, grupo de teatro exclusivamente em patuá, celebrou-se na semana passada, mas a festa faz-se dia 1 de Dezembro com um jantar que reúne antigos e actuais colaboradores. Os desafios continuam a ser o financiamento e a necessidade de uma sede, mas a renovação do grupo, com novos actores, parece estar garantida

 

O Festival Internacional de Artes de Macau integra todos os anos um espectáculo muito especial para as comunidades macaense e portuguesa. A habitual peça dos Dóci Papiaçám di Macau, grupo que há 30 anos faz teatro em patuá, o dialecto em vias de extinção da comunidade macaense, todos os anos atrai muito público para o Centro Cultural de Macau (CCM).

Numa altura em que o dialecto macaense praticamente não tem falantes em Macau e no mundo, o trabalho deste grupo revela-se fundamental para manter viva um linguajar tradicional. Alvo de muitos trabalhos académicos, precisamente pelo papel que têm na preservação de uma característica cultural da comunidade, os Dóci Papiaçám di Macau, sempre com Miguel de Senna Fernandes como dramaturgo, tem-se mantido ao longo dos anos enfrentando desafios permanentes. Em 30 anos, o grupo nunca conseguiu ter sede própria, ensaiando na Escola Portuguesa de Macau. Relativamente ao financiamento, o apoio do Instituto Cultural não tem faltado, mas é sempre pouco tendo em conta os custos de uma produção teatral. E, por último, o desafio da sobrevivência, sendo que neste campo os Dóci têm provado ser resistentes: mantém actores mais antigos, que ajudaram a fundar o grupo, mas conseguiram atrair novos actores, até oriundos da comunidade portuguesa.

O jornalista João Picanço foi um deles. Nunca tinha ouvido falar do patuá ou visto uma peça, mas fez a sua primeira peça com os Dóci em 2018. Hoje já é uma voz e um rosto característico do grupo.

“Ser um dos jovens actores do grupo para mim é muito gratificante, porque quem me convidou, o Miguel de Senna Fernandes, poderia ter convidado outras pessoas. Tenho um passado ligado ao teatro amador e confesso que estava à espera de encontrar o mesmo, mas a verdade é que não foi nada disso que encontrei”, começou por dizer ao HM. “Fiquei muito surpreendido quando percebi o que estava em causa. O primeiro espectáculo em que participei foi também o primeiro que vi. Acho que o nível da produção não envergonha ninguém, muito pelo contrário, dada a natureza do grupo. O que me trouxe responsabilidade”, adiantou.

João Picanço recorda que muitos dizem que os Dóci continuam a fazer teatro “por carolice”, para não deixar morrer um dialecto que busca influência da língua portuguesa e de outros idiomas, mas o jornalista entende que está muito mais em causa.

“O patuá é um pedaço importante da cultura macaense, sendo a língua é um pedaço importante de qualquer cultura ou povo. Mas acho que é um pouco superficial encarar [o projecto] como algo feito por carolice. Aquilo é para os macaenses, principalmente. Os Dóci representam, de facto, uma importante conquista para a comunidade, e isso tem sido reconhecido apesar de todos os tumultos e medos, sobretudo o medo do fim do patuá. Há uma grande verdade nas pessoas que trabalham ali, e isso é algo muito bonito.”

A experiência em palco

Ao contrário de João Picanço, Sónia Palmer é uma das actrizes mais antigas, tendo sido uma das fundadoras do grupo. Ao HM, diz que já foram tantas as personagens que interpretou que nem consegue dizer quais foram as mais desafiantes. “Foi tudo mais difícil no princípio [com a preparação das personagens], mas agora é mais fácil”, disse.

“O facto de o nosso grupo fazer 30 anos é algo bastante significativo para o trabalho que temos feito, é sinal de que temos feito coisas boas. Mas para um grupo continuar no activo durante tanto tempo é preciso um grande esforço por parte de todas as pessoas”, confessou.

Sónia Palmer revela que a celebração dos 30 anos acontece dia 1 de Dezembro com um jantar para o qual foram convidadas “todas as pessoas que participam ou participaram no grupo, tanto nas peças como nos bastidores”.

Olhando para o presente, a colaboradora e actriz, membro da comunidade macaense, assume que o maior desafio continua a ser a falta de uma sede. “Todos os anos temos de pedir um sítio emprestado para ensaiarmos. Felizmente que a Escola Portuguesa de Macau nos tem ajudado. Falta-nos ainda financiamento, porque para fazer uma peça é preciso muito dinheiro.”

O senhor dramaturgo

Miguel de Senna Fernandes, o grande dinamizador dos Dóci e autor de todas as peças, escreveu nas redes sociais um texto sobre o aniversário, lembrando os primórdios do projecto.

“Hoje, há trinta anos, estávamos com os nervos em franja, com o coração e suor nas mãos, nos bastidores do vetusto Teatro D. Pedro V, então recém-renovado. O tempo não andava e cada minuto parecia horas. Na plateia figurariam gente de peso. O então Governador General Rocha Vieira, o Dr. Carlos Monjardino, a Dr.ª Anabela Ritchie e outras figuras de vulto. Tudo em torno da visita do então Presidente da República Portuguesa, Mário Soares, com uma peça escrita em sua homenagem.”

A peça em causa foi “Olâ Pisidente!” e acabou por “marcar o início de uma aventura que não se esperava”. “Julgo termos cumprido o que, com o tempo, passou a esperar-se de nós”, escreveu ainda.

Ao HM, Miguel de Senna Fernandes confessa que gostaria de encontrar novos dramaturgos para as peças dos Dóci. “Há novas pessoas que vão aparecendo, mas é fundamental que haja mais pessoas a escrever. Quando comecei, tinha os mais veteranos no patuá diziam como se escreviam algumas palavras, como a Fernanda Robarts, a minha professora ‘de facto’. Dizia-me que havia expressões demasiado portuguesas, que não se podia escrever assim. Esse é agora o meu papel. Haver mais pessoas a escrever vai valorizar [o nosso projecto].”

Outro sonho de Miguel de Senna Fernandes, que preside também à Associação dos Macaenses, é levar as peças dos Dóci a Lisboa e até à China, com as devidas adaptações. “O meu sonho é levar o espectáculo para Lisboa e para o continente. Gostaria muito de voltar a Lisboa e representar para a comunidade macaense em Lisboa, que é forte. Mas não temos ainda contactos feitos. Há que utilizar uma fórmula que funcione em palco, em Lisboa, e com algumas adaptações na China.”

Em Portugal, destaca, “há uma comunidade macaense, mas também temos os portugueses que viveram em Macau e que conhecem os Dóci. Fazia todo o sentido levar lá o espectáculo. Não há nenhum sítio pensado, nem contactos ainda feitos com nenhuma entidade. Para isso é preciso fazer um projecto. Veremos se o projecto do próximo ano possa dar azo a isso. Lisboa está na calha, não sei com que dinheiro, mas não custa nada tentar”, salientou.

Miguel de Senna Fernandes diz que o grande desafio para o futuro do grupo é “manter o interesse das pessoas no palco e da própria assistência”. “Este binómio tem de funcionar sempre para que isto tenha sucesso. Da nossa parte estamos sempre motivados e falamos também da motivação de gente nova que queira participar e manter esta chama, a apetência para estar em palco e representar em patuá.”

Uma das forças motrizes do grupo promete não deixar os Dóci tão depressa. “Os actores mais veteranos são fundamentais para que a comédia em palco se desenvolva. Já não são os actores da primeira linha, mas estão na retaguarda para dar o suporte fundamental para que a comédia funcione. Estamos sempre em família. Mas tem havido sangue novo, de uma geração que não tem uma tradição com o patuá. Acham muito interessante e ficam deslumbrados com o projecto, mas depois começam a ter a noção da importância das coisas. São essas pessoas novas que precisamos de cativar”, rematou.

6 Nov 2023

Diversificação económica | Apresentado plano com 81 projectos até 2028

Foi apresentado na quarta-feira o Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia, com 81 projectos para implementar até 2028. As principais apostas passam pelo aumento do valor global do sector financeiro, trazer mais turistas internacionais e garantir a certificação de 40 empresas de tecnologia

 

O Governo anunciou na quarta-feira um plano que define 81 projectos prioritários para os próximos cinco anos com o objectivo diversificar a economia e atenuar a dependência do jogo.

Turismo, jogo e desenvolvimento de indústrias na área da saúde, finanças e tecnologia de ponta, bem como no sector de convenções, exposições e comércio constituem o foco do Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da Região Administrativa Especial de Macau (2024-2028) apresentado em conferência de imprensa.

A integração nacional foi assumida como uma via essencial para alavancar Macau, que o secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, caracterizou como uma “microeconomia aberta” cujo “desenvolvimento das indústrias depende da cooperação regional” e que tem também “de servir as necessidades do país”.

Daí que se tenha colocado ênfase na importância de o território participar “na construção da Zona de Cooperação Aprofundada (…) em Hengqin e na da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, afirmou Lei Wai Nong.

“Espera-se que, através da Zona de Cooperação Aprofundada, as vantagens de Macau como porto franco, zona aduaneira autónoma, livre entrada e saída de capitais, entre outras, possam estar estreitamente ligadas ao enorme mercado de procura interna da Grande Baía, à sua cadeia industrial e às suas infra-estruturas”, concretizou.

Em termos concretos, espera-se, para 2028, a redução do grau de dependência das receitas correntes [da Administração] em relação às receitas do jogo, podendo-se atingir “uma percentagem mais baixa em comparação com o ano de 2019. Em 2022, esse peso foi de 50,4 por cento. Prevê-se ainda que o peso do valor acrescentado bruto das actividades não jogo, de 74,2 por cento em 2022, reduza para cerca de 60 por cento em 2028. Já os empregados não relacionados com o jogo deverão manter-se em cerca de 80 por cento, sendo que, no ano passado, esse peso era de 81,1 por cento.

Turismo em altas

Em matéria de turismo, para 2028 o Governo espera “um aumento gradual” tanto do número de visitantes internacionais como do número de visitantes que pernoitam em Macau, a fim de “voltar ao nível atingido no ano de 2019”. A actual média de estadia dos visitantes, de 1,5 dias, “mantém-se em crescimento” até 2028, enquanto a despesa per capita dos turistas, sem as apostas de jogo, que se situam nas 3.187 patacas, “também se mantém em crescimento”, segundo as previsões do Executivo. Espera-se ainda a criação de mais dez cursos ligados ao sector do turismo e lazer até 2028.

A medicina tradicional chinesa, outra indústria apontada como potencial pilar económico de Macau, também está na mira das políticas para os próximos anos. O objectivo passa por “aumentar gradualmente até 2028” o valor acrescentado da indústria, que é de 320 milhões de patacas.

Actualmente, existem 16 fábricas de medicamentos tradicionais chineses e produtos associados à área de “big health”, dimensão industrial que o Governo deseja aumentar. É também sublinhada a necessidade de “um aumento significativo” do número de medicamentos tradicionais chineses registados no território, dos actuais seis produtos.

O desenvolvimento da indústria financeira é um outro dos sectores fundamentais que o Governo quer desenvolver para diversificar a economia, com o plano a descrever “o alargamento contínuo da dimensão da indústria financeira moderna”.

Até finais de Junho deste ano, “os activos totais do sector bancário atingiram 2.509,77 mil milhões de patacas”, enquanto “os activos totais do sector segurador atingiram 260,70 mil milhões de patacas”, o que significa que o total de activos do sector chegou às 2.773,54 mil milhões de patacas.

No plano, o Governo indica que “os diversos indicadores de estabilidade financeira se mantêm num nível satisfatório”, sendo que as bases para o desenvolvimento “do mercado de obrigações e fundos de investimento estão a ser aperfeiçoadas gradualmente”. Espera-se “um grau de internacionalização cada vez mais elevado” do sector financeiro de Macau, foi sulinhado por Lei Wai Nong.

Até 2028, o Executivo pretende aumentar o número de instituições financeiras autorizadas, que actualmente é de 95, enquanto o número de cursos superiores nesta área deve passar de 18 para 25.

O plano apresenta a previsão de um número acumulado de 40 empresas de tecnologia qualificadas certificadas em Macau. Quanto ao investimento público na investigação e desenvolvimento da inovação científica e tecnológica, espera-se um valor acumulado de investimento de um mínimo de cinco mil milhões de patacas até 2028. Já os cursos superiores na área da tecnologia de ponta deverão passar dos actuais 24 para 40.

Aposta nas conferências

Entre os 81 projectos prioritários que constam do plano de Macau para diversificar a economia, destaque para a expansão de mercados de visitantes internacionais, promoção do turismo gastronómico e da medicina tradicional chinesa, alargamento e modernização da indústria financeira, apoio à inovação e ao desenvolvimento das empresas tecnológicas, bem como para o reforço de actividades ao nível do sector das convenções. Os autores do plano, de resto, estimam que o número de convenções e exposições em Macau passe do meio milhar para entre 2.000 e 2.500.

No plano lê-se que Macau se encontra “numa fase crucial de reconversão e valorização das indústrias tradicionais e de desenvolvimento das indústrias emergentes”. Impera, então, “consolidar e elevar o nível das indústrias privilegiadas e concentrar esforços no desenvolvimento das indústrias emergentes e optimizar a estrutura económica”.

O Governo promete aumentar “os terrenos destinados à economia”, sendo criadas mais “zonas comerciais e instalações complementares nas áreas adjacentes aos postos fronteiriços, em alguns bairros, nas novas zonas urbanas e no lado norte da Taipa”, fornecendo-se “mais terrenos para a construção de edifícios comerciais.

Em matéria de recursos humanos para garantir o suporte da diversificação económica, o Governo promete implementar o Regime Jurídico de Captação de Quadros Qualificados e com ele captar, “de forma faseada” e através de “programas para quadros qualificados de elevada qualidade, quadros altamente qualificados e profissionais de nível avançado”, bem como “quadros qualificados indispensáveis ao desenvolvimento das diversas indústrias-chave”.

O secretário para a Economia e Finanças prometeu também aumentar o “investimento dos recursos” e reforçar “a construção de uma plataforma de ensino superior de alta qualidade a nível internacional”. O plano inclui o “fomento de programas para o prosseguimento dos estudos em Portugal, aprofundando-se a cooperação entre as instituições do ensino superior de Macau e as de Portugal, com vista à formação de quadros em língua portuguesa”.

“Um novo patamar”

O Governo organizou 13 sessões de auscultação de opiniões, tendo também realizado uma consulta pública durante 30 dias para a elaboração do plano apresentado na quarta-feira. O secretário lembrou que os residentes “geralmente apoiaram” o documento de consulta, “com 92,1 por cento de opiniões favoráveis”.

O governante adiantou também que o Executivo, durante a preparação do plano, sentiu “a grande preocupação dos diversos sectores sociais com o desenvolvimento de Macau, bem como a firme convicção na promoção da diversificação económica”. Este irá “permitir uma maior clareza quanto ao caminho para o desenvolvimento das indústrias ‘1+4’, sendo um passo muito significativo para a reunião de consenso social e para a superação conjunta das dificuldades”, disse Lei Wai Nong.

Neste contexto, o secretário disse esperar que as indústrias “1+4”, já anunciadas pelo Chefe do Executivo “se possam promover mutuamente e atingir um desenvolvimento conjunto”. “Depois de as indústrias emergentes terem atingido gradualmente uma certa dimensão, podem ser cultivados novos pontos de crescimento económico”, frisou.

O secretário salientou que “a economia de Macau está a caminhar para um novo patamar de desenvolvimento”, e que “algumas medidas positivas adoptadas pelo Governo já produziram os primeiros resultados”. “Ao longo do corrente ano a recuperação da economia global tem superado as expectativas, marcando um bom começo para as indústrias de ‘1 + 4′”, disse Lei Wai Nong.

Acima de tudo, a nível local, “é necessário desenvolver a economia, melhorar a vida da população, resolver os conflitos e problemas profundos que surjam no desenvolvimento socioeconómico”, a fim de “alcançar a prosperidade e estabilidade a longo prazo”. É também fundamental “uma melhor integração na conjuntura do desenvolvimento nacional, a fim de desempenhar melhor o seu papel na concretização da grande revitalização da nação chinesa”. Com Lusa

3 Nov 2023

Lusofonia | Associações pedem aumento de subsídio entre 20 a 30%

Terminado o Festival da Lusofonia, as associações participantes traçaram um balanço francamente positivo. Contudo, mantém-se o problema do financiamento, com dirigentes a pedirem aumentos de 20 a 30 por cento no próximo ano. Amélia António notou menos portugueses nas Casas-Museu da Taipa, concluindo que muitos deixaram o território

 

A música, as cores e os ritmos lusófonos voltaram à zona das Casas-Museu da Taipa quase como os tempos pré-covid, mas, ainda assim, “não foi exactamente um regresso aos bons velhos tempos”, denota Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM). Isto porque “marcaram-se várias iniciativas às mesmas horas e em diversos sítios”, o que levou a um “efeito de dispersão de visitantes que habitualmente estavam na Lusofonia”.

Além disso, continua, segundo a dirigente e advogada, “a não fazer sentido a limitação horária por causa do ruído num sítio onde praticamente não vivem pessoas”, restrição que acaba por “cortar o sentido da festa”.

Tendo em conta que muitas visitantes vieram de Hong Kong para recordar um evento onde gostam de estar quando visitam Macau, Amélia António dá conta da grande ausência de portugueses. “Senti uma diminuição muito grande da comunidade portuguesa. Muita gente foi embora [de Macau].”

Além dos concertos organizados pelo Instituto Cultural (IC) e patrocinados por empresas locais, as noites de Lusofonia são marcadas pela romaria pelas habituais barracas decoradas e geridas pelas associações de Macau de matriz lusófona que todos os anos são obrigadas a gerir um magro orçamento de 50 mil patacas. Por isso, Amélia António defende que está na hora de um aumento decretado pelo IC.

“As coisas estão estabilizadas, mas tudo tem de ser gerido com algum cuidado porque os preços dos serviços e dos bens vão aumentando, mas o financiamento vai-se mantendo. Isso exige um equilíbrio cada vez maior da parte das associações para fazerem bom e diferente.”

A dirigente defende “uma subida entre os 20 e os 25 por cento, que poderia cobrir a diferença de preços”.

Quem também pede alterações a este nível é Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses (ADM). “No próximo ano, seria a altura ideal para darem [o Governo] mais [dinheiro] às associações. Falo de um aumento de cerca de 20 ou 30 por cento.”

“É sempre um desafio fazer a festa porque o subsídio não aumentou, mas o custo das coisas sim. É importante que os responsáveis saibam que as associações lutam por causa disto. É apenas 50 mil patacas de subsídio para cada uma das associações. Para termos uma barraca mais apetrechada, com mais elementos culturais, é preciso mais, porque o valor não aumenta há anos”, frisou.

Miguel de Senna Fernandes destaca que “é importante que a RAEM se lembre que sem estas associações não há Lusofonia”.

Questionado se há espaço para inovar ou fazer diferente, o dirigente considera que o público espera exactamente aquele formato que funciona há muitos anos e que se tornou muito popular, indo muito além do espectro da comunidade portuguesa.

“Acho que há sempre espaço para inovação, mas temos de ver em que termos vão ser feitas modificações. Se o formato funciona, será que se deveria mudar? Foram-se ensaiando, ao longo destes anos, ligeiras diferenças e mudanças. A verdade é que este formato funciona e o público espera exactamente isso. Se calhar, não vale a pena mexer assim muito.”

Associação exige sede

Da parte do Núcleo de Animação Cultural de Goa, Damão e Diu, associação liderada por Vicente Coutinho, os desafios para fazer a festa da Lusofonia começam logo ao nível das infra-estruturas. “Nem temos uma sede, pelo que, quando acaba o evento, somos obrigados a deitar fora muito material que poderia ser reutilizado”, lamenta.

Quanto ao financiamento, Vicente Coutinho também se queixa da ginástica financeira a que obriga o orçamento. “É cada vez mais difícil organizar a festa. As coisas ficaram mais caras e esperamos que o Governo, através das seis concessionárias, consiga veicular alguns subsídios para todas as associações de forma equitativa e de acordo com os projectos de cada uma. As cláusulas dos novos contratos de jogo dizem, preto no branco, que devem ser apoiadas as actividades locais.”

Vicente Coutinho frisa que no território ocorrem outros eventos bem mais caros que nada têm a ver com as especificidades locais. “Vemos muito esbanjamento de dinheiro para outras coisas que não têm características de Macau. Os eventos onde se gastam, talvez, rios de dinheiro para contratar artistas que vêm da China, mas aí não se divulga a cultura de Macau.”

Vicente Coutinho entende que o festival da Lusofonia é “um estandarte fundamental de Macau em relação a Pequim ou a Zhuhai”, sendo da “responsabilidade do Governo de Macau ou de Pequim o apoio às associações, que não têm lucro”.

Elias Colaço, antigo dirigente da mesma associação também denuncia a “redução substancial dos apoios às associações”. “Sentiu-se isso ao olhar para as barracas, percebeu-se que faltava algo. As associações só dependem do festival da Lusofonia e têm de ter apoio do Governo. Nota-se que não há dinheiro para que as associações sozinhas suportem custos tão elevados. Quando não há dinheiro fazem-se as coisas com o que se tem, e isso tem resultados.”

Apesar de tudo, Elias Colaço diz que a edição deste ano obteve “resultados altamente positivos”. “Notei uma grande alegria este ano da parte do público, com uma grande adesão, não só das pessoas ligadas às comunidades, mas até da parte da população chinesa que tem aderido à Lusofonia. No ano passado tivemos a prata da casa que deu uma resposta muito positiva, mas o facto de este ano termos tido artistas internacionais foi muito bom. Todos os concertos estavam cheios.”

O residente recorda que “é a própria RAEM que sai beneficiada com o evento”. “Ir empobrecendo a organização é quase como tirar o tapete debaixo dos pés. As associações não têm [recursos], é quase tudo feito com base na carolice de cada um”, destacou.

Moçambique satisfeito

Ângelo Rafael, que dirige a Associação dos Amigos de Moçambique de Macau, também traça um balanço bastante positivo. “Esta foi a primeira edição depois do fim das restrições ligadas à pandemia e tudo correu sem sobressaltos.” O dirigente revela que houve, inclusivamente, espaço para algumas novidades. “Podemos ter novas peças de artesanato que foram um dos grandes atractivos a quem passava pela nossa tenda. O desenho da tenda foi ilustrativo do processo de renovação da Catedral de Nossa Senhora do Livramento, a Catedral de Quelimane, agora transformada em Museu da Cidade, algo que foi também muito elogiado pelos visitantes.”

A associação promoveu ainda a actuação do grupo de danças “Pérolas do Índico”, composto por estudantes moçambicanos e sócios da associação. “Da nossa parte o evento correu muito bem”, rematou.

Recorde-se que esta edição teve como novidade o regresso de artistas estrangeiros, que actuaram a par de bandas locais. Destaque para o concerto de Carlão, ex-vocalista dos portuguese Da Weasel e da banda cabo-verdiana Fogo Fogo.

1 Nov 2023

Trânsito | Mortes em acidentes rodoviários aumentaram até Setembro

Nos primeiros nove meses do ano morreram sete pessoas devido a acidentes nas estradas do território. A marca iguala a mortalidade rodoviária registada em todo o ano de 2022. Também o número de acidentes cresceu mais de 20 por cento

A mortalidade nas estradas de Macau está em crescimento, com os primeiros nove meses de 2023 a registarem sete mortes na estrada. No período homólogo do ano passado, tinham sido declaradas cinco mortes nas estradas, o que significa um aumento de 40 por cento da mortalidade, de acordo com os dados do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP).

O agravar da mortalidade leva a que o corrente ano, até Setembro, tenha sido tão mortal como todos os 12 meses do ano passado, quando sete pessoas perderam a vida em acidentes rodoviários.

O aspecto comum aos dois anos passa pelo facto de a maioria das vítimas serem do sexo masculino. Nos primeiros três trimestres deste ano morreram quatro pessoas do sexo masculino e três do feminino. No ano passado, até Setembro, tinham morrido quatro homens e uma mulher. Quando é considerado todo o ano passado, houve seis vítimas de acidentes nas estradas do sexo masculino e uma do sexo feminino.

Entre as fatalidades deste ano, três diziam respeito aos condutores dos veículos envolvidos nos acidentes, enquanto outras três eram peões. Além disso, uma das vítimas era passageiro que seguia num dos veículos acidentados. Em comparação, até Setembro do ano passado tinham morridos três condutores, e dois peões, não havendo passageiros entre as vítimas mortais.

O aumento do registo negro não se ficou apenas pelas fatalidades, também houve mais pessoas a precisarem de ser hospitalizadas, depois de estarem envolvidas em sinistros rodoviários.

Até Setembro deste ano, 103 pessoas tiveram de ser hospitalizadas por estarem envolvidas em acidentes de viação. O registo ultrapassa todo o ano de 2022, quando 90 pessoas foram hospitalizadas. Quando a comparação é feita com o período homólogo, houve mais 43 pessoas hospitalizadas, o que representa um aumento de cerca de 72 por cento, face às 60 entre Janeiro e Setembro de 2022.

Em relação aos feridos que não precisaram de ser transportados para o hospital também se registou uma subida de 18 por cento, para 3.360, em comparação com o mesmo período de 2022, quando tinha havido 2.848 feridos ligeiros.

Mais acidentes e multas

O aumento do número de vítimas mortais e feridos reflecte a tendência geral para a ocorrência de mais acidentes nos primeiros nove meses deste ano.

Até Setembro, contaram-se 9.914 acidentes rodoviários, o que significa uma média de 36,4 acidentes por dia e de 1,5 acidentes por hora. O valor reflecte um aumento de 20,8 por cento em relação ao período homólogo, quando tinham sido registados 8.207 acidentes, uma média de 30,2 por dia, e de 1,3 acidentes por hora.

A diferença entre os dois anos pode ser explicada pelo facto de as fronteiras terem reaberto e haver um aumento da circulação de automóveis em Macau. Ao mesmo tempo que crescem os números de fatalidades e acidentes, também o Corpo de Polícia de Segurança Pública tem registado mais violações às leis que regulam o trânsito.

Nos primeiros nove meses do ano, as multas fizeram entrar nos cofres da RAEM 131,2 milhões de patacas, um crescimento de 40 por cento face ao período homólogo, quando as multas tinham gerado 93,8 milhões de patacas.

O dinheiro acumulado até Setembro está também acima de todo o ano passado, quando as infracções rodoviárias contribuíram para o orçamento da RAEM com 125,7 milhões de patacas. Esta diferença explica-se com o facto de as multas aplicadas estarem a ser mais caras, dados que até Setembro deste ano foram registadas 542,5 mil infracções, contra as 570,1 mil infracções de todo o ano passado.

Menos álcool

Uma tendência verificada ao longo deste ano é a redução do número de pessoas a conduzirem sob o efeito do álcool, mesmo se nas últimas semanas tenham sido amplamente noticiados casos como o do agente da polícia que adormeceu na estrada, ou o condutor de 71 anos que atropelou duas pessoas e bateu contra 20 motas e três carros.

Entre Janeiro e Setembro deste ano foram “apanhados” 114 condutores sob a influência do álcool, no que é uma redução de 11,63 por cento face ao período homólogo, quando tinham sido detectados 120 condutores com pelo menos 0,5 gramas de álcool por litro de sangue.

Entre os 114 condutores sob o efeito do álcool, a maioria, 70, acusaram o nível máximo de álcool, ou seja, igual ou superior a 1,2 gramas por litro de sangue, o que faz com que a infracção seja considerada crime. Por outro lado, 26 condutores circulavam com um valor entre 0,8 e menos de 1,20 grama de álcool por litro de sangue e 18 condutores com mais de 0,5 gramas de álcool por litro no sangue, mas menos de 0,8 gramas de álcool por litro de sangue.

Também houve menos pessoas a conduzir depois de consumirem estupefacientes, uma prática que por si só está criminalizada. Até Setembro, ninguém foi apanhado a conduzir sob o efeito de estupefacientes. No período homólogo do ano passado, apenas uma pessoa foi apanhada a conduzir depois de consumir substâncias proibidas.

Telemóvel ao volante

Um aspecto onde houve menos multas foi no número de infracções por uso do telemóvel a conduzir, uma prática generalizada no território. Até Setembro do ano corrente, foram passadas 1.328 multas por utilização do telemóvel ao mesmo tempo que se conduzia. O número mostra uma redução das multas de 7,26 por cento face ao período homólogo, quando foram passadas 1.432 multas.

Todavia, houve um aumento das multas passadas a condutores de motociclos e ciclomotores, de 105 multas para 143, ou seja, de 36 por cento. No pólo oposto foram passadas menos multas a condutores de automóvel, que caíram 10,7 por cento, de 1.327 para 1.185 multas. Apesar da diminuição, a média de multas devido à utilização de telemóvel ao volante, as infracções continuam perto de cinco por dia.

O regresso dos turistas e o apelo para que se punam cada vez mais as pessoas que param no meio das estradas para tirar as fotografias perfeitas para partilhar nas redes sociais parece ter levado à imposição de mais sanções.

Até Setembro deste ano, houve 1.827 multas justificadas com o facto de as pessoas atravessarem as estradas fora das passadeiras, um aumento de 161 por cento em comparação com o período homólogo (700 multas).

Contudo, as multas até Setembro por atravessar a estrada fora das passadeiras ganham maior relevância quando os dados são comparados com o ano passado. Entre Janeiro o fim de Dezembro do ano passado, o total de multas tinha sido de 914.

Mais pessoas sem carta

Nos primeiros nove meses deste ano, foram também identificadas mais pessoas a conduzir sem carta de condução com um total de 115 ocorrências. A média é praticamente de 10 pessoas apanhadas por mês a conduzir sem carta, no que representa um aumento de 2,68 por cento face ao mesmo período do ano passado, quando foram registadas 112 ocorrências.

Entre os condutores que circulavam sem habilitação legal, 75 conduziam ciclomotores e motociclos e 40 automóveis. Em comparação, no ano anterior, 54 tripulavam automóveis e 58 ciclomotores e motociclos.

Em relação aos ciclomotores e motociclos foram detectados 11 casos em que seguiam nestes veículos passageiros com menos de seis anos, o que contraria as exigências legais. As ocorrências registaram um aumento de 120 por cento face a 2022, quando não tinham sido identificadas mais de cinco.

Os números do trânsito

Janeiro a Setembro 2023 Janeiro a Setembro 2022

Número total de Acidentes 9.914 8.207

Mortes 7 5

Feridos Hospitalizados 103 60

Feridos Ligeiros Não Hospitalizados 3.360 2.848

Acidentes com peões 335 302

Montante em Multas 131,6 milhões 93,8 milhões

31 Out 2023

Morte de Li Keqiang enluta nação chinesa | “A prioridade deve ser as pessoas”

Talvez por ter proferido frases como estas, Li Keqiang está a ser celebrado pelo povo chinês que reconhece as qualidades que exibiu enquanto governante, nomeadamente a sua capacidade de trabalho, defesa das reformas económicas e extraordinária aposta no desenvolvimento científico, que terá valido à China o seu primeiro Nobel da Medicina

 

O ex-primeiro-ministro chinês Li Keqiang morreu na sexta-feira passada, aos 68 anos, de ataque cardíaco. Li, que ocupou o cargo de primeiro-ministro entre 2012 e Março deste ano, sofreu um ataque cardíaco na quinta-feira e, “apesar de todos os esforços para o salvar, morreu às 00:10 de 27 de outubro “, informou a emissora CCTV.

O Governo chinês expressou as suas “profundas condolências”. “Expressamos as nossas profundas condolências pela morte do camarada Li Keqiang na sequência de um ataque cardíaco súbito”, declarou Mao Ning, porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, em conferência de imprensa regular.

Nas redes sociais chinesas, as palavras-chave relacionadas com a morte de Li só na Weibo tiveram mais de mil milhões de visualizações em apenas algumas horas. Nas partilhas sobre Li, o ícone para “gosto” foi transformado numa margarida, uma flor comum nos funerais chineses, e muitos internautas escreveram “descansa em paz”. Outros consideraram a sua morte uma perda, afirmando que Li trabalhou arduamente e contribuiu muito para o país.

Likonomics em acção

Nenhum primeiro-ministro chinês antes dele apresentara no currículo uma licenciatura em Direito e um doutoramento em Economia, ambos pela Universidade de Pequim. Li começou por assumir a missão de corrigir o desequilíbrio económico causado pela implementação de um pacote de estímulo de 4 biliões de yuans (572 mil milhões de dólares) em 2008, utilizado pelo seu antecessor numa tentativa de gerir a crise financeira mundial.

Também por isso, Li Keqiang tem sido recordado positivamente pelas suas tácticas económicas, conhecidas como “Likonomics”, que incluíam esforços de desalavancagem, reformas estruturais e estímulos moderados. Enquanto primeiro-ministro, de 2013 a 2013, Li enfrentou muito mais desafios do que os seus antecessores, incluindo um ambiente externo hostil, a resistência de grupos de interesses e condições político-sociais complexas.

Abordável e pragmático, Li conduziu a segunda maior economia do mundo através de um período difícil durante a sua década como primeiro-ministro, fazendo um esforço incansável para reformas orientadas para o mercado, procedimentos governamentais simplificados e um melhor ambiente de negócios para empresas privadas e estrangeiras.

No ano em que Li tomou posse como primeiro-ministro, Pequim aprovou o histórico documento de reforma, que prometia deixar o mercado desempenhar um papel decisivo na afectação de recursos e que descrevia em pormenor o roteiro da reforma.

A economia continuou a expandir-se, apesar de um ritmo mais lento de uma média de 5 a 6 por cento na última década, aproximando-se do limiar de um país de elevado rendimento. No seu discurso no Congresso Nacional do Povo, em Março de 2022, prometeu que “a política de abertura da China não mudaria, tal como o curso dos rios Yangtze e Amarelo não será invertido”.

Segundo a Xinhua, “Li tomou medidas para manter o crescimento económico estável, realizar reformas, promover o ajustamento estrutural, melhorar os meios de subsistência das pessoas, prevenir riscos e manter a estabilidade. Esforçou-se activamente para expandir a procura interna efectiva, manter os principais indicadores económicos dentro de um intervalo adequado e basear-se na inovação para optimizar e melhorar as estruturas industriais”.

Além disso, ainda segundo a Xinhua, “avançou sistematicamente com reformas para desenvolver a economia socialista de mercado, estabelecendo um equilíbrio adequado entre o governo e o mercado. Isto permitiu que o mercado desempenhasse um papel decisivo na afectação dos recursos e que o governo desempenhasse melhor o seu papel, promovendo assim um mercado eficiente e um governo funcional”.

Tempos difíceis

No entanto, algumas das suas políticas foram abandonadas à medida que a segunda maior economia do mundo tem vindo a inclinar-se mais para a segurança desde o início do segundo mandato de Xi em 2018, uma vez que o presidente deu prioridade à luta contra a corrupção, à protecção do ambiente, à segurança nacional e ao controlo do coronavírus, por vezes em detrimento do desenvolvimento económico.

Pequim também teve de lidar com a guerra comercial lançada pela administração Trump, que levou a China a adoptar a chamada estratégia de dupla circulação, confiando mais no mercado interno e na tecnologia para o crescimento, sob restrições dos EUA.

“Os acontecimentos fizeram descarrilar parte da agenda [de Li] nos últimos 10 anos, mas o seu pensamento ainda é muito relevante hoje”, disse Bert Hofman, director do Instituto da Ásia Oriental da Universidade Nacional de Singapura. “Li sempre me pareceu muito empenhado no desenvolvimento da China, intelectualmente curioso, com um conhecimento muito sofisticado da economia chinesa e da forma como a China poderia aprender com as boas práticas internacionais em matéria de gestão económica”.

Victor Gao, vice-presidente do Centro para a China e Globalização em Pequim, disse que Li também pressionou “muito” pela inovação tecnológica e “enfatizou” o crescimento da fintech, permitindo que as empresas utilizassem toda a extensão da lei. “A sua ênfase no Estado de Direito foi muito importante”, afirmou. “Penso que continuaremos a avançar na direcção que ele definiu para toda a nação”.

A importância de ser sincero

Li também se dedicou a delegar mais poderes de Pequim, reduzindo as aprovações governamentais e reforçando o ambiente empresarial. O fundador da Mei KTV, Wu Hai, escreveu uma carta aberta em 2015 criticando o ambiente empresarial da China, acabando por receber uma resposta directa de Li. “A carta que escrevi foi impressa e estudada dentro do governo e amplamente discutida nos meios de comunicação estatais, o que desencadeou um clímax de melhoria do ambiente empresarial na altura”, disse Wu, que descreveu Li como um “líder muito admirável” com um “grande coração”.

Antes de se tornar primeiro-ministro, Li era conhecido pelo seu chamado índice Li Keqiang, que adoptava uma combinação de indicadores – incluindo o volume de carga dos caminhos-de-ferro, o consumo de eletricidade e os empréstimos bancários – para medir o pulso à economia chinesa.

Durante a pandemia do coronavírus, Li fez várias avaliações honestas da situação económica que ressoaram junto do público em geral, ao mesmo tempo que se comprometeu a estabilizar a economia. Em Maio de 2020, afirmou que a China tinha 600 milhões de pessoas com um rendimento mensal de 1000 yuan (137 dólares), uma afirmação surpreendente que divergia dos dados oficiais publicados anteriormente. “É apenas o suficiente para cobrir a renda mensal numa cidade chinesa de média dimensão. Agora estamos a enfrentar uma pandemia. Depois da pandemia, a prioridade deve ser a subsistência das pessoas”, disse Li em Pequim, na altura.

Segundo a Xinhua, “para melhorar o bem-estar da população, Li dedicou esforços para resolver questões importantes no domínio do emprego, da educação, da habitação, dos cuidados de saúde e dos cuidados aos idosos”.

A ciência como factor de desenvolvimento

Li Keqiang ficou também conhecido pelo seu apoio à investigação científica, para apoiar o crescimento nacional. No final de Fevereiro, semanas antes de se reformar, Li discutia a importância da investigação com o matemático chinês de renome mundial Yau Shing-Tung, que se reformou de Harvard no ano passado para ensinar a tempo inteiro na Universidade de Tsinghua, com “o objectivo de ajudar a China a tornar-se uma potência matemática dentro de uma década”. “Li acreditava que a inovação e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia requerem o apoio fundamental da ciência básica, cuja base é a matemática, a que chamou a coroa da ciência natural”, segundo a Xinhua.

O apoio de Li à comunidade científica remonta ao seu tempo de vice-primeiro-ministro, de 2008 a 2013. Liu Dunyi, director fundador do Centro de Micro Sondas de Iões Sensíveis de Alta Resolução (SHRIMP) de Pequim, especializado na datação de rochas, incluindo o solo lunar, recordou a visita de Li ao laboratório em Agosto de 2009. “Li foi o único líder nacional que o nosso laboratório tinha recebido.

Fui incumbido de lhe apresentar o nosso laboratório. Ele ouviu-me e fez muitas perguntas aos outros colegas”, disse Liu, acrescentando que Li também falou com cientistas de topo sobre as alterações climáticas. “Antes de se ir embora, encorajou-nos a trabalhar arduamente para fazer avançar a ciência e a tecnologia no nosso país e reconheceu os nossos esforços”. “Foi o antigo primeiro-ministro que impulsionou o aumento do financiamento, do espaço no campus e do recrutamento para a Academia Chinesa de Ciências Geológicas”, disse ainda Liu.

Mais dinheiro para o saber

Durante o mandato de uma década de Li como primeiro-ministro, a partir de 2013, as despesas de investigação e desenvolvimento da China aumentaram de 1 bilião de yuan, ou seja, menos de 2 por cento do seu produto interno bruto (PIB) de 2012, para mais de 3,08 biliões de yuan ou 2,54 por cento do PIB em 2022. A China também gastou um recorde de 202 mil milhões de yuans em investigação fundamental no ano passado, ocupando o segundo lugar a nível mundial, a seguir aos Estados Unidos.

Um ano depois de assumir o cargo de primeiro-ministro e principal responsável económico da China, Li convidou Marcia McNutt, na altura editora-chefe da revista Science, para uma reunião em Pequim. “O facto do primeiro-ministro chinês querer reunir-se comigo enviou fortes sinais de como a China está a encarar a ciência como fundamental para o seu bem-estar futuro”, escreveu McNutt, geofísica, num editorial para a Science intitulado “Li and Me”, contando o encontro que tiveram em 2014.

O encontro de meia-hora acabou por durar 70 minutos e abordou questões que vão desde o programa espacial chinês, as alterações climáticas e a protecção ambiental, até à educação e à cooperação científica internacional, disse McNutt, que é actualmente presidente da Academia Nacional das Ciências dos EUA. “A investigação científica atingiu o estatuto de estrela de rock na China”, escreveu. “Se o resultado a longo prazo for que os jovens mais talentosos da China se tornem investigadores para encontrar soluções ambientais, todos ganharemos”.

Numa nota de acompanhamento, também publicada na mesma edição da Science, Li afirmou que “o desenvolvimento das energias renováveis e a conservação da energia e dos recursos podem contribuir para o crescimento do PIB, preservando o ambiente”. McNutt disse que ficou “muito impressionada com o seu domínio do inglês, ao ponto de corrigir o tradutor, e com o seu fascínio pela ciência”, disse. “Admirava a relação estreita que o Primeiro-Ministro Li mantinha com Bai Chunli, o presidente da Academia Chinesa das Ciências (CAS). Foi essa relação que fez com que a ciência chinesa se tornasse o sistema de classe mundial que é hoje”.

Li afirmou em 2015 que “a profundidade da investigação científica fundamental determina a vitalidade da inovação de um país”. Durante uma visita ao Instituto de Física do CAS nesse ano, Li encorajou os cientistas a prosseguirem uma investigação mais original, apelando a que transformassem “Made in China” em “Created in China”.

Em 2016, disse numa conferência nacional que, apesar das pressões financeiras, o investimento público em investigação científica não podia ser reduzido, apelando a que fosse aumentado.

No Fórum Económico Mundial de 2014, em Tianjin, Li promoveu pela primeira vez a sua campanha de empreendedorismo e inovação em massa. Os governos locais a todos os níveis aderiram – subsidiando incubadoras e parques de inovação, e criando fundos de capital de risco para permitir que as “microempresas” prosperassem na sua jurisdição. “Li desempenhou um papel fundamental na promoção da transferência de tecnologia e no fomento do empreendedorismo. Políticas como a de permitir que os cientistas lancem uma start-up abriram caminho para o rápido desenvolvimento da China nos últimos anos”, disse o cientista.

Nobel no topo do bolo

Li sublinhou repetidamente a importância de dar mais autonomia aos investigadores e de reduzir a burocracia administrativa, especialmente no que diz respeito ao financiamento. “Li concentrou-se mais na forma como a ciência e a tecnologia poderiam servir o desenvolvimento económico e social”, disse outro cientista do CAS.

Enquanto primeiro-ministro chinês, Li partilhou a emoção da comunidade científica quando Tu Youyou ganhou o primeiro Prémio Nobel da Medicina da China, em 2015, pelo seu trabalho sobre o medicamento anti-malária artemisinina, baseado na antiga medicina herbal chinesa. “O prémio de Tu é um reflexo do progresso da China em ciência e tecnologia e da enorme contribuição da medicina tradicional chinesa para a saúde humana, mostrando o crescente poder nacional e a influência internacional da China”, escreveu Li numa carta de felicitações à Academia de Ciências Médicas Chinesas, onde trabalha Tu Youyou.

O partido e a glória

Segundo a Xinhua, uma nota fúnebre, emitida conjuntamente pelo Comité Central do PCC, pela Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo (CNP), pelo Conselho de Estado e pela Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, refere que “Li foi um excelente membro do Partido Comunista Chinês, um soldado comunista leal e de longa data e um revolucionário proletário excepcional, estadista e líder do Partido e do Estado”.

Depois de se reformar do cargo de liderança, “Li continuou a defender firmemente a liderança do Comité Central do PCC, o papel central do camarada Xi Jinping, a preocupar-se com o avanço da causa do Partido e do país, e a defender firmemente os esforços do Partido para melhorar a conduta, construir a integridade e combater a corrupção. A vida de Li foi uma vida revolucionária, laboriosa e gloriosa, dedicada a servir de todo o coração o povo e a causa comunista”, refere a nota obituária, acrescentando que a sua morte é uma grande perda para o Partido e o Estado. “Glória eterna ao camarada Li Keqiang!”, conclui a nota obituária.

 

Uma vida…

Julho de 1955 Li Keqiang nasce em Dingyuan, província de Anhui, no leste da China.

Março de 1974 Entra parta a Brigada de Dongling, comuna de Damiao, condado de Fengyang, em Anhui, como jovem instrutor.

Maio de 1976 Torna-se membro do PCC.

1976-1978 Chefe do Partido na Brigada Damiao.

Março de 1978 e Fevereiro de 1982 Li estuda no Departamento de Direito da Universidade de Pequim entre, onde foi director da União dos Estudantes.

Após Fevereiro de 1982 Li foi sucessivamente secretário do Comité da Universidade de Pequim da Liga da Juventude Comunista da China (CYLC), membro do Comité Permanente do Comité Central da CYLC, director do Departamento Escolar do Comité Central da CYLC e secretário-geral da Federação dos Estudantes de Toda a China, membro suplente do Secretariado do Comité Central da CYLC, membro do Secretariado do Comité Central da CYLC e vice-presidente da Federação da Juventude de Toda a China, e chefe do Comité de Trabalho Nacional dos Jovens Pioneiros Chineses.

Março de 1993 Desempenha as funções de primeiro membro do Secretariado do Comité Central do CYLC, presidente da Universidade Juvenil de Estudos Políticos da China e membro do Comité Permanente do 8º CNP.

Após Junho de 1998 Li foi sucessivamente secretário-adjunto do Comité Provincial de Henan do PCC, governador interino de Henan e, mais tarde, governador de Henan; secretário do Comité Provincial de Henan do PCC e governador de Henan; e secretário do Comité Provincial de Henan do PCC e presidente do comité permanente do Congresso Popular Provincial de Henan.

Dezembro de 2004 Secretário do Comité Provincial de Liaoning do PCC e, mais tarde, simultaneamente, presidente do comité permanente do Congresso Popular Provincial de Liaoning.

Outubro de 2007  Eleito membro do Bureau Político do Comité Central do PCC e da sua comissão permanente.

Março de 2008 Nomeado Vice-Primeiro-Ministro do Conselho de Estado e desempenhou as funções de Secretário-Adjunto do seu Grupo de Líderes do Partido. Foi responsável pelo trabalho quotidiano do Conselho de Estado. Ajudou a responder à crise financeira internacional, a acelerar a reestruturação económica, a aprofundar a aplicação da estratégia de desenvolvimento regional coordenado, a promover a conservação de energia, a redução das emissões e a protecção do ambiente, e a promover a reforma dos sistemas médico e de saúde.

Novembro de 2012 Reeleito membro do Bureau Político do Comité Central do PCC e da sua comissão permanente.

Março de 2013 Nomeado Primeiro-Ministro do Conselho de Estado.

Outubro de 2017 Reeleito membro do Bureau Político do Comité Central do PCC e da sua comissão permanente.

Março de 2018 Reconduzido no cargo de primeiro-ministro do Conselho de Estado.

Março de 2023  Li deixa de ser o primeiro-ministro.

27 de Outubro Li Keqiang morre devido a um súbito ataque cardíaco.

30 Out 2023

Estudo | Profissionais de saúde queixam-se de stress devido demasiado trabalho

Um estudo conclui que cerca de 30 por cento dos profissionais de saúde de Macau sentem stress por desempenharem um leque alargado de tarefas, incluindo “trabalhos desnecessários”. Cerca de 30 a 40 por cento destes profissionais diz ainda sentir stress por fazerem trabalhos que vão além das suas competências

 

Os profissionais de saúde de Macau sentem stress por terem de desempenhar tarefas além das que lhe são habitualmente atribuídas ou por terem de fazer trabalho desnecessário. Esta é uma das conclusões mais relevantes do estudo “Análise sobre os Tipos e as Causas do Stress do Papel dos Profissionais de Saúde de Macau: Numa Perspectiva das Relações nos Locais de Trabalho”, da autoria de Ao Io Weng, coordenador-adjunto da Comissão de Juventude da Federação das Associações dos Trabalhadores da Função Pública de Macau. O estudo em causa foi publicado na edição de Setembro da revista Administração, publicação da responsabilidade da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP).

Lê-se no estudo que “cerca de 30 por cento dos profissionais reconhecem que sentem stress derivado do conflito de papéis, em virtude de, por exemplo, fazerem trabalhos desnecessários ou de satisfazerem exigências de outros que não são uniformes”.

Enquanto isso, “há também 30 a 40 por cento dos profissionais que reconhecem que sentem stress decorrente da sobrecarga de papéis, ou seja, a natureza ou a carga de trabalho excede as suas competências”. No entanto, acrescenta o autor, “a grande maioria dos profissionais de saúde conhece muito bem o posicionamento do seu papel”, sendo que menos de dez por cento diz sentir stress por não perceber muito bem quais as funções fundamentais que tem de desempenhar.

Uma vez que as origens do stress no local de trabalho podem advir do mau relacionamento entre colegas, por exemplo, o estudo revela que “uma pequena parte, 10 a 20 por cento, dos profissionais de saúde entrevistados reconhece a existência do problema da hostilidade no local de trabalho”.

Este trabalho foi feito com base em 308 questionários válidos, sendo que 78 por cento dos inquiridos são mulheres e 22 por cento homens. Em termos de profissão, predominam os enfermeiros, representando 51,6 por cento dos entrevistados, seguindo-se os médicos, com 26 por cento. Relativamente à idade, os profissionais dos 31 aos 40 anos constituem 33,1 por cento de todos os inquiridos, seguindo-se os trabalhadores de saúde dos 41 aos 50 anos com uma fatia de 29,9 por cento.

A maioria dos participantes no inquérito está habilitada com licenciatura, representando 49,4 por cento, enquanto os com mestrado ou superior representam 29,5 por cento.

Conflitos “não são vulgares”

O autor dá conta que, até à data, não tinham sido publicados muitos estudos sobre as condições de trabalho dos profissionais de saúde no território, apontando para o facto de que “com o desenvolvimento socioeconómico de Macau nos recentes anos, a procura de serviços de saúde por parte dos cidadãos aumentou”. Além do aumento do volume de trabalho devido ao maior acesso à saúde, “se acrescentarmos o impacto da pandemia, os profissionais de saúde têm enfrentado maiores desafios decorrentes do trabalho”.

Tendo em conta os dados apontados, o autor sugere que seja “intensificada a comunicação com o superior hierárquico e entre os colegas por ocasião da planificação das actividades” a fim de “definir objectivos de trabalho que equilibrem as expectativas de todas as partes”, reduzindo situações de stress provenientes de conflitos laborais ou do desempenho de múltiplas tarefas.

Ao Io Weng destaca que “os comportamentos hostis no sector de saúde não são vulgares”, mas há que tomar medidas, nomeadamente a identificação, por parte das autoridades, “das razões pelas quais parte dos profissionais de saúde têm comportamentos hostis”.

Sugere-se a criação de normas contra situações de discriminação no local de trabalho, “por forma a serem defendidos os direitos e os interesses físicos e mentais dos trabalhadores”. Para tal, “talvez possa tomar-se como referência a prática noutros territórios, seguindo o exemplo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, no sentido de desenvolver normas contra a discriminação consagradas na Lei Básica”.

Devem ainda, segundo o autor do estudo, “tomar-se uma pluralidade de medidas que aliviem o stress do papel dos profissionais de saúde”. Pede-se ainda que “seja intensificado o apoio logístico aos profissionais de saúde por parte das instituições de saúde, no intuito de reduzir o tempo e a energia gastos no desempenho de tarefas fora da sua especialidade”.

Devem também ser “definidos critérios racionais” para as tarefas, além de se proceder a uma avaliação do trabalho distribuído a cada profissional. Tudo para “evitar desigualdades na carga de trabalho e na distribuição desadequada resultante das relações no local de trabalho”.

Salários importam mais

Ao Io Weng dá ainda conta que, nos últimos anos, “a comunidade tem prestado bastante atenção às pressões de trabalho e às pressões sobre o moral dos trabalhadores”. Assim sendo, o responsável considera que o Governo tem procurado dar resposta a muitas das questões, “investindo recursos para aperfeiçoar as condições de trabalho destes profissionais e para responder ao aumento contínuo da procura de serviços de saúde”.

São apresentados exemplos como “a construção de um novo hospital (Complexo dos Cuidados de Saúde das Ilhas, no Cotai) e a contratação de mais pessoal de saúde”.

O autor dá conta que “algumas associações do sector da saúde e deputados expressam as suas opiniões junto do Governo no sentido de actualizar as regalias e as remunerações do pessoal de saúde da Administração, com vista à elevação do moral daqueles profissionais”.

Ao Io Weng entende que, no que diz respeito ao bem-estar físico e psicológico dos profissionais de saúde, a sociedade dá mais atenção às infra-estruturas e remunerações, sendo que “condições relativas às relações e à cultura [existente] no local de trabalho) são aquelas a que a mesma pouco atende”.

“No contexto em que os recursos financeiros públicos são limitados, torna-se claro que a pretensão de aliviar as pressões sobre o pessoal de saúde mediante o incremento das despesas públicas não é uma alternativa de preferência”, conclui ainda o autor deste trabalho.

26 Out 2023

A Polónia e a zona de conflito intra-eslavo: Manipulação Perigosa

I

Os leitores de Macau podem interrogar-se sobre a razão deste artigo. A Polónia situa-se no extremo oriental da UE e da NATO / OTAN, O papel de Varsóvia na política mundial parece ser marginal e a Polónia não é um dos principais parceiros comerciais da China. No entanto, a História demonstra-nos que este país foi um dos principais protagonistas em eras passadas. Já no séc. X, possuía um vasto território. Bastante mais tarde, a união polaco-lituana, governada pela dinastia Jagiellonian, controlava grande parte das zonas que pertencem actualmente à Ucrânia e à Bielorrússia. Durante algum tempo, a Polónia foi uma importante potência continental. Esta situação mudou no séc. XVIII, quando a Rússia, a Prússia e o Império dos Habsburgos tomaram partes do território polaco.

Depois da Primeira Guerra Mundial e da guerra que se seguiu entre a Polónia e a União Soviética, o território controlado por Varsóvia voltou a incluir partes da moderna Bielorrússia e algumas zonas da Ucrânia. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a fronteira ocidental da Polónia foi empurrada para o rio Oder, enquanto os territórios orientais caíram sob o domínio soviético.

A História da Polónia e dos seus vizinhos diz-nos que os territórios fronteiriços das planícies a leste do rio Oder sofreram rápidas mudanças. O que essencialmente verificamos é a luta permanente entre os diferentes governantes eslavos e as regiões adjacentes. As repetidas guerras nessa zona provocaram migrações, alterações culturais e muita dissidência. É verdade que houve alguns períodos de paz entre diferentes grupos étnicos e religiosos, mas noutras alturas, estes grupos entraram em confronto.

Com a ascensão da Prússia e dos Habsburgos a situação complicou-se e ainda se agravou com a ascensão da Grã-Bretanha como potência marítima e colonial. Migrantes polacos chegaram à Grã-Bretanha e os soldados polacos ajudaram os britânicos a combater os russos na Guerra da Crimeia.

As negociações que se seguiram à Primeira Guerra Mundial mostram que a Grã-Bretanha tentou alargar a sua influência a certas regiões costeiras do universo eslavo, em parte, porque se opunha à expansão da Rússia. Isto conduziu a uma espécie de política de divide et impera. Os impérios dos Habsburgos e o Otomano tinham sido divididos, a Grã-Bretanha engoliu muitos territórios anteriormente governados pelos otomanos e, claro, apoiou a Polónia. Após a Segunda Guerra Mundial, assistimos à rápida ascensão dos Estados Unidos. A influência britânica entrou em declínio, mas a Grã-Bretanha passou a ser o mais importante assessor dos americanos, enquanto estes se tornavam os maiores causadores de problemas a nível mundial aos olhos da Rússia e de muitos outros estados.

O que se pode dizer sobre o papel da Polónia nesta situação alterada? Os meios de comunicação internacionais dizem-nos que Varsóvia, com medo de Moscovo, reforça as suas forças armadas. Vai recrutar mais homens e já pediu material bélico a vários países, nos quais se inclui a Coreia do Sul. Este pedido irá ajudar a indústria de armamento coreana, o que agrada a Washington. Sem qualquer dúvida, a NATO / OTAN também se regozija.

A Polónia revela-se um parceiro leal desta organização, essencialmente comandada pelo Pentágono. Contudo, a história não fica por aqui. A UE tenta promover a integração europeia e deseja pôr fim aos egoísmos nacionalistas. Além disso, os seus estados-membros devem respeitar os princípios democráticos. No entanto, o Governo ultra-conservador da Polónia acentua as preocupações nacionais.

A UE pediu várias vezes a Varsóvia que melhorasse a sua estrutura política, e teve boas razões para o fazer. Estranhamente também, embora a UE apoie financeiramente a Polónia, o partido no poder em Varsóvia fez comentários polémicos sobre outros europeus, especialmente sobre os alemães. Por fim, houve queixas de que a Polónia não respeita os grupos étnicos minoritários.
Espera-se que esta situação venha a mudar no futuro. Os resultados da recente eleição podem conduzir a essa mudança.

Até agora, outros países europeus desvalorizaram os problemas da Polónia. Evidentemente, ninguém desejava provocar o Governo de Varsóvia. No entanto, de vez em quando havia relatos que causavam preocupação. Por exemplo, a Polónia recusava-se obstinadamente a aceitar refugiados. Apesar disso, quando começou a guerra na Ucrânia, prestou ajuda a muitos ucranianos. Estes refugiados são brancos e têm antecedentes culturais e linguísticos semelhantes, ao contrário dos migrantes de África e da Ásia que vêm para a Europa.

Entretanto, as relações entre Kiev e Varsóvia arrefeceram de certo modo. Desconfiança, questões económicas e pontos de vista divergentes sobre o passado são algumas das razões que motivaram este processo. As tradições fascistas ucranianas desempenharam um papel chave na visão polaca sobre o passado. Outra questão é a guerra na Ucrânia em si mesma. Existem receios que a Polónia possa intervir militarmente se Kiev for incapaz de resistir à pressão de Moscovo. Por outras palavras, aparentemente, os políticos conservadores da Polónia aspiram secretamente a reconquistar alguns dos territórios administrados por Varsóvia num passado distante.

Todos sabemos: a História avança em ciclos; por vezes, problemas antigos assumem um novo formato. Os conflitos intra-eslavos não foram esquecidos e os desenvolvimentos podem ser inesperados.

II

A UE e a NATO / OTAN não dão resposta a estas preocupações, nem dão resposta à questão da Bielorrússia. A Bielorrússia surge de forma invulgar. Os leitores podem lembrar-se que durante a maior parte do tempo, muito do território bielorrusso pertencia à Polónia ou à Rússia. Portanto, podemos perguntar: Qual vai ser o futuro deste estado? Irá a Rússia intervir depois da morte de Lukashenko? Tentará a Polónia a sua sorte? Irão as duas aliar-se para dividir a Bielorrússia entre si, mesmo sendo inimigos?

Haverá uma espécie de revolução interna em Minsk, com o objectivo de se juntar ao “Ocidente”?
Nada disto parece ser claro. Só podemos afirmar o seguinte: Os problemas intra-eslavos continuam desde há muito. Na verdade, é muito provável que as actuais fronteiras da Europa de Leste continuem a mudar. Nem a UE nem a NATO / OTAN podem controlar as ambições nacionalistas dos líderes eslavos e o seu desejo de reconquista dos antigos territórios.

Infelizmente, a maior parte dos órgãos de comunicação europeus pura e simplesmente ignora estas questões. Outro problema, também ele ignorado, é o enclave de Kaliningrado. Antigamente, este pequeno território pertencia à Alemanha, agora é uma parte isolada da Rússia, com valor estratégico, porque a Rússia tem grandes instalações portuárias e militares neste local. Assim sendo, será que a Polónia vai tentar anexar este enclave, quando a oportunidade certa surgir? Claro que só poderá fazer isso quando a Rússia enfraquecer. Se o Kremlin perder a guerra contra a Ucrânia, ou se se vir forçado a aceitar um tratado de paz desfavorável, Varsóvia pode pensar nessa opção.

Como podemos ver, os problemas na Europa de Leste mantêm-nos ocupados. Os distúrbios não decorrem apenas do desejo da Rússia de impedir a adesão de Kiev à NATO / OTAN e à UE; decorrem também da questão da Bielorrússia e da situação interna da Polónia. Por conseguinte, podemos perguntar: Qual é o papel dos Estados Unidos neste cenário?

Inicialmente, Washington apoiava totalmente Kiev. Agora começam a surgir sinais de que a Casa Branca deseja reduzir a ajuda militar. Claro que diversos factores justificam esta alteração política. Apenas alguns deles são aqui mencionados: as hostilidades recentemente desencadeadas entre Israel e o Hamas, especialmente se estas hostilidades vierem a envolver outros países; a tensão entre a Sérvia e o Kosovo e a tensão em várias partes da Ásia.

Outro problema tem sido os relatos de corrupção dentro do estado ucraniano. Além disso, milhares de ucranianos deixaram o país porque não querem entrar no exército. Kiev admite abertamente que quer que eles regressem. Há falta de soldados.
Também, antes da guerra, Washington avisou várias vezes Zelensky que a Rússia ia atacar, mas Zelensky não foi rápido a preparar o país para essa eventualidade. Agora continua a pedir mais armas. No entanto, existem dúvidas sobre a eficiência das operações militares ucranianas. Em suma, muitos políticos americanos não desejam continuar a apoiar a Ucrânia. Com efeito, as relações entre Kiev e Washington mudaram.

A História diz-nos que Washington recorre frequentemente à chamada “retirada estratégica”, especialmente quando sente que a continuação da campanha militar tem custos que se tornam demasiado elevados. Em muitos casos, estas retiradas estratégicas acabam em desastre. A “vietnamização” da guerra no Sudeste Asiático é disso um exemplo. A “afeganistãoização” é outro caso. Washington invadiu o Iraque, mas mais tarde retirou a maioria de suas forças da região. A “iraquianização” do conflito na terra da Mesopotâmia terminou em dissidências locais, guerras internas e muita destruição.

Agora estamos a assistir a uma gradual “europeização” da guerra da Ucrânia. Como foi mencionado, é provável que Washington venha a reduzir o apoio militar à Ucrânia, mas vai apoiar a Polónia de muitas formas. Além disso, levará outros europeus a assumir os custos da guerra e a fornecer mais armas a Kiev.

Os preços dos produtos americanos exportados para a Europa também vão subir, as empresas americanas vão ganhar mais dinheiro e as economias europeias vão ser prejudicadas. Tudo isto, somado à política europeia irrealista face a Pequim, pode conduzir a tensões dentro da UE, dando origem a um aumento do desemprego, a problemas sociais e a turbulências locais. Os partidos radicais vão aproveitar essa situação. Claro que ninguém deseja que isso venha a acontecer. Mas as coisas poderão ir de mal a pior.
Uma UE enfraquecida pode mesmo vir a perder alguns dos seus estados-membros. Não há dúvida que Washington ficará muito satisfeito com esse cenário.

Também sabemos que no passado Washington apoiou muitas vezes ditadores e Governos nacionalistas. A Polónia é uma democracia, mas tem muito nacionalismo. Isto é exactamente o que Washington precisa. Os americanos querem minimizar a França, a Itália e a Alemanha. Amplificar o papel da Polónia contra a Rússia, é uma cartada de um “jogo” traiçoeiro. A Grã-Bretanha, escusado será dizer, fica do lado dos Estados Unidos. Este cenário lembra um pouco a política de divide et impera aplicada pelos anglófonos em épocas passadas. Uma divisão da Bielorrússia e da Ucrânia poderia ser do interesse de Washington e de Londres.
Em Bruxelas, Berlim e não só, encontram-se vários políticos que também são peões do jogo de xadrez de Washington. Passaram algum tempo nos países de língua inglesa e admiram os anglófonos. Pensam que Washington faz o melhor pela Europa e pelo mundo. No entanto, estão cegos e não sabem nada de História, não compreendem a realidade. Parece que nunca ouviram palavras de ordem como “A América vem primeiro” e o “Excepcionalismo americano”. Ignoram simplesmente o facto de Washington ter cometido toda a espécie de crimes. E não querem admitir que os Estados Unidos possam usar a Polónia como um instrumento para enfraquecer a UE.

III

Certamente, vista de Macau, a Europa fica muito longe. Contudo, o acima exposto afecta a China no seu todo. A nível diplomático, Pequim apelou a Moscovo e a Kiev para acabarem com a guerra. A Bielorrússia juntou-se ao apelo de Pequim para pôr fim às hostilidades. Infelizmente, a guerra continua.

Podemos acrescentar que, alguns anos antes da guerra, Pequim e a Bielorrússia tornaram-se parceiros no âmbito da iniciativa da “Nova Rota da Seda”. Até agora, Minsk está regularmente em contacto com a China, através de canais bilaterais e noutros contextos. A China também tentou uma parceria com a Polónia. Ambos os países têm uma longa história de contactos bilaterais, numa altura em que as autoridades polacas apreciavam as propostas e iniciativas chinesas, mas agora Varsóvia está menos interessada na cooperação com Pequim, devido à propaganda anti-chinesa.

Como bem sabemos, a iniciativa da “Nova Rota da Seda” não é apenas um programa infra-estrutural; é uma agenda complexa com muitos objectivos. Um desses objectivos é a estabilização da Ásia Central e da Ásia do Norte, em termos financeiros, políticos e noutras áreas. Este programa serve a paz e o desenvolvimento global. No entanto, actualmente as relações entre muitos países do leste europeu e Pequim não estão tão intensas como já estiveram. Há muita oposição à ideia da “Nova Rota da Seda”. Esta oposição serve Washington; também é do interesse dos líderes oportunistas da UE que seguem a Casa Branca.

Em contrapartida, os europeus de espírito aberto, empreendedores e empresas, apoiam a ideia da “Nova Rota da Seda”. É evidente que Pequim está consciente destes problemas, e também sabe que é provável que os conflitos intra-eslavos continuem por algum tempo, mesmo depois do fim da guerra na Ucrânia. Mas é muito difícil lidar com a questão e não podemos convencer facilmente os líderes nacionalistas a abandonarem os seus sonhos territoriais e as suas atitudes obstinadas.

É certo que, a minha visão pode estar completamente errada. Na verdade, esperamos sempre que uma repentina mudança de tempo possa afastar as nuvens, mas o acima mencionado sugere que é improvável que isso venha a acontecer. O cenário eslavo está emocionalmente carregado. Pode conduzir a um longo período de guerra fria, independentemente de quem ganhar a escaldante guerra na Ucrânia. Além disso, Washington pensa nos seus próprios benefícios. A ideia de a “América vem primeiro” é como uma lei inexorável. Assim, é muito provável que Washington deite achas para a fogueira. Simplificando, A Polónia é como uma alavanca. Com esta alavanca pode obter-se várias coisas diferentes. Contudo, é igualmente verdade que esta alavanca é perra e difícil de manejar.

Possivelmente, uma forma de sair do actual dilema é aumentar imediatamente a pressão sobre o Governo de Zelensky, antes que coisas piores possam vir a acontecer. É definitivamente melhor acabar com uma guerra problemática e salvar vidas, do que aceitar a continuação da tragédia humana e arriscar um conflito nuclear. É certo que um rápido fim da guerra pode conduzir a mudanças territoriais. Provavelmente as negociações de paz serão seguidas de um longo período de tensões na Europa de leste, mas um armistício proporcionará tempo para as diligências diplomáticas.

Um armistício pode também fazer regressar a casa milhares de refugiados ucranianos. Outros europeus deixarão de ter necessidade de olhar por eles. O que é que tudo isto significa para Pequim? Pequim conduziu a Arábia Saudita e o Irão à mesa de negociações. O que quer que aconteça no Próximo Oriente, esperemos que os diplomatas chineses consigam levar Varsóvia, Minsk, Kiev e Moscovo a dialogar, num novo formato. A zona de conflito intra-eslava, manipulada por Washington, pode tornar-se um fardo incómodo para o resto da Europa. Isso não é do interesse da China, e não é favorável ao programa da “Nova Rota da Seda” – um programa que é muito necessário para manter este mundo à tona de água.

20 Out 2023

Cabo Verde | Pedida solução para hotel-casino inacabado da Macau Legend

Depois do grupo Macau Legend Development ter anunciado que iria abandonar o projecto do mega resort em Cabo Verde, moradores e associações locais dividem-se sobre o destino a dar ao hotel-casino inacabado que assombra a cidade da Praia

 

Jorge Soares é estivador no porto da Praia e todos os dias controlava pela janela de casa a chegada dos barcos para descarregar, até que lhe taparam a vista com o maior edifício da marginal, projecto para casino-hotel agora abandonado.

“Daqui, já não vejo nada”, queixa-se, na encosta do bairro Brasil, ao apontar pela janela de casa para o edifício em frente, de altura equivalente a oito andares e que, por esta altura, já devia ser um hotel e casino – projecto que afinal não vai avançar, anunciou este mês a empresa promotora Macau Legend Development.

“É um muro como outros que se ergueram”, entre a capital e o mar, refere Job Amado, bastonário da Ordem dos Arquitectos de Cabo Verde: “Este é o maior muro de todos”, está inacabado e “sob o ponto de vista arquitectónico é uma autêntica aberração”, com largas janelas de vidro nas fachadas expostas ao sol, exemplifica.

Agora, Job Amado defende a demolição do edifício gigante (comparando com os imóveis à volta), depois de concluída a reversão para o Estado, já anunciada pelo primeiro-ministro. Questionado sobre os custos que a demolição pode implicar, sustenta que o pior custo é o de deixar de pé um erro grave para o futuro urbanístico da zona costeira da capital.

Um bom exemplo do que podia ter sido feito está no pré-projecto do Casino Park Hotel da Madeira, da autoria do Óscar Niemeyer: Job Amado mostra na Internet um esboço em que o célebre arquitecto brasileiro escolhe o alinhamento perpendicular à costa.

Na Praia, todos os sinais já apontavam para o abandono do projeto do Djeu (ilhéu, em crioulo), como é conhecido na capital cabo-verdiana. Há cerca de dois anos que há apenas guardas nos portões daquele recinto que esteve para ser um grande complexo turístico, numa área de cerca de 160 mil metros quadrados, que inclui o ilhéu de Santa Maria, parcialmente esventrado e uma ponte asfaltada de poucos metros que o liga à cidade.

Ao lado do edifício, uma grua permanece erguida no meio do terreno com terraplanagens inacabadas, vedado por taipais que se erguem sobre o passeio pedonal da marginal de onde antes se vislumbrava a praia da Gamboa.

Mau caminho

Januário Nascimento chama-lhe um “grande monstro” contra o qual a Associação para Defesa do Ambiente e Desenvolvimento (ADAD), que dirige, sempre se insurgiu, tal como parceiros internacionais que, informalmente, lhe referiram que, “neste projecto, Cabo Verde andou mal”.

Os erros apontados iam desde a excessiva altura para um edifício naquela zona, até à sua orientação, paralela ao mar (como um muro) e ao desrespeito pela flora marítima, descreve.

Agora, recomenda que não haja “decisões precipitadas” e defende a criação de uma comissão que estude o assunto a fundo antes de haver decisões – seja demolição ou outra –, um grupo que analise também o impacto social da eventual criação de uma zona de jogo, com casino.

Essa comissão deve ser realmente abrangente, com técnicos, académicos e sociedade civil, além das autoridades governamentais e locais, frisa.
À porta do edifício, qualquer tentativa de entrar no recinto ou obter informações esbarra nos guardas, que remetem para responsáveis pelo projecto. A Lusa tentou contactar esses responsáveis para obter detalhes além dos que a Macau Legend Development já anunciou, mas sem sucesso.

Vistas curtas

No bairro Brasil, à frente do qual o edifício cresceu, as opiniões dividem-se: Jorge acha que demolir “seria uma tristeza” e defende um aproveitamento, por exemplo, para dar habitação a quem vive em dificuldades. “A praia de Gamboa e o ilhéu são nossos”, diz Helena Tavares, outra moradora no bairro Brasil, que gostava de voltar a ter acesso à área, seja qual for o destino final do empreendimento.

“Deitar abaixo é um desperdício”, diz o vizinho Henrique Centeio, certo de que “não devia ser tão alto, para não cortar a vista para o ilhéu, e assim talvez chegasse ao fim”.

No cimo de uma das rampas para a Achada de Santo António, uma das colinas da Praia, está um restaurante onde as refeições são servidas numa larga varanda à frente da qual se ergueu o edifício do Djeu. É como ter “um elefante” na sala, refere Magda Marta, gerente do restaurante O Poeta, que lamenta ter perdido a vista para navios iluminados no porto. “Não sei qual vai ser o destino para o elefante, mas espero que vá à selva”, desabafa, esperando que, no mínimo, que lhe seja dada uma utilidade, rapidamente. “Eu acho que qualquer coisa” vai ser uma melhoria, porque, agora, “fica apagado, não tem brilho. É tipo um caroço no sapato”.

Em 2015, o empresário de Macau David Chow assinou com o Governo cabo-verdiano um acordo para a construção do empreendimento e a primeira pedra foi lançada em fevereiro de 2016. O projecto envolvia o maior empreendimento turístico de Cabo Verde, na altura, com um investimento global previsto de 250 milhões de euros – cerca de 15 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) cabo-verdiano.
Numa entrevista à televisão de Hong Kong TVB, transmitida 4 de Outubro, o presidente e director executivo da Macau Legend Development, Li Chu Kwan, anunciou que o grupo pretende encerrar os projectos em Cabo Verde e Camboja até 2025.

No dia seguinte, questionado pela Lusa, o primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, anunciou que o Governo vai reverter a concessão. “Primeiro temos de reverter a concessão. Havia, já há algum tempo, indicação de problemas do lado do investidor” e agora avançará todo o “suporte jurídico” para fazer reverter a concessão “e depois ver que destino dar a esse investimento, que não pode ficar assim como está”, concluiu.

16 Out 2023

Negócios confiantes na parceria entre Governo e jogo na revitalização de zona antiga de Macau

Reportagem de Catarina Domingues, da agência Lusa

O plano de revitalização da tradicional rua da Felicidade, uma parceria entre o Governo de Macau e a operadora de jogo Wynn que arrancou dia 29, é visto com expectativa por comerciantes afectados pela pandemia da covid-19. “As lojas não sabiam como gerir os negócios quando a pandemia se alastrou pelo mundo inteiro, por isso vamos ver como é que estas actividades vão impulsionar o comércio”, disse à Lusa a proprietária da Pa Ka Cheong, que vende chás medicinais.

“Claro que tenho [esperança], disso não há dúvidas”, admitiu Chen Pek Chun, enquanto, lá fora, um rancho folclórico actuava para membros das autoridades e da Wynn Macau, que percorriam a passo lento a rua da Felicidade, seguidos de jornalistas e convidados. Pelo caminho, ainda instalações de coelhos e lanternas em celebração do festival do Bolo Lunar, que arrancou dia 29; actuações de marionetistas e grupos de teatro; jovens a fazerem directos para as redes sociais ou a posar para fotografias. “Uma boa experiência” para Ana Manhão, do restaurante de comida macaense “Belos Tempos”.

“Já ando aqui há mais de 10 anos, então acho que é uma boa iniciativa, porque é sempre uma coisa nova, não sabemos qual vai ser o resultado, mas vamos ver”, disse a chefe de cozinha, para quem a pedonalização do bairro também tem um lado negativo, já que as viaturas deixam de poder parar à porta para as entregas durante o dia. “Mas, em vez de estar sempre a dizer mal, vamos ver o que podemos [fazer para] recuperar”, notou a macaense, afirmando que o impacto da covid-19 foi “muito mau” para o negócio de restauração.

A rua da Felicidade, que nos tempos antigos foi uma zona de prostituição, com bordéis, casas chá e de ópio, e que é actualmente um dos pontos mais turísticos da região, esteve dia 29 fechada ao trânsito, a título experimental, entre as 11:00 e a 01:00. A iniciativa, que se estendeu a algumas ruas adjacentes, é o primeiro projeto de uma operadora de jogo em Macau no âmbito do programa de revitalização dos bairros antigos.

Com vista à diversificação da economia local, fortemente dependente das receitas dos casinos, a aposta em elementos não jogo foi uma das exigências das autoridades da região administrativa especial para a atribuição das seis concessões de jogo em Janeiro. Uma imposição que visa apoiar uma das políticas que o Governo determinou como prioritária, a de revitalizar as zonas antigas do território.

“A Wynn vai continuar a cooperar com a estratégia de desenvolvimento diversificado moderado” de Macau e “com diferentes partes interessadas da comunidade, contribuindo para o desenvolvimento ordenado do turismo comunitário e não relacionado com o jogo”, notou a empresa norte-americana em comunicado.

Ao longo das últimas semanas, as seis operadoras apresentaram as estratégias para a cidade, com a Sands China a anunciar hoje, entre outros projetos, um plano de incubação para pequenas e médias empresas na rua das Estalagens, centro histórico de Macau, e a transformação das Casas-Museu da Taipa num destino para fotografias de casamento.

No caso da MGM China Holdings Limited, a operadora assinou com o Governo um programa de revitalização para a área da Barra e à volta da Doca D. Carlos I, para criar um parque cultural e criativo. O Galaxy Entertainment Group projectou para os antigos estaleiros navais de Lai Chi Vun, em Coloane, um salão de exposições, uma pista de gelo e uma quinta urbana.

Nos planos da SJM Resorts está a revitalização e conservação das pontes-cais n.º 14 e 16 e do antigo casino flutuante Palácio de Macau, no Porto Interior. Já as pontes-cais n.º 23 e 25 vão integrar elementos culturais e artísticos, num projeto da Melco Resorts, que, em conjunto com o Governo, vai ainda revitalizar a zona da Fortaleza do Monte.

Ainda não são conhecidos os valores totais que as operadoras vão desembolsar, embora estas se tenham comprometido a aplicar mais de 100 mil milhões de patacas em elementos não relacionados com o jogo.

9 Out 2023

China ainda pouco recetiva a autores lusófonos contemporâneos, dizem especialistas

Especialistas na área da tradução disseram à Lusa que a literatura contemporânea em língua portuguesa gera pouco interesse na China comparativamente com os clássicos e, no caso de Portugal, a solução pode passar por mais investimento de Lisboa. Fernando Pessoa, Eça de Queirós e José Saramago estão entre os autores portugueses mais traduzidos na China continental, de acordo com um catálogo elaborado pela Embaixada de Portugal em Pequim.

Excluindo nomes da literatura infantojuvenil portuguesa, com presença bastante expressiva na China, Pessoa é o escritor com mais trabalho passado para o chinês, estando presente em 9% (22 obras) de toda a bibliografia (246) traduzida ou que estava prevista traduzir na China até 2022.

Min Xuefei assinou em 2013 um desses trabalhos, a primeira tradução chinesa dos poemas e ensaios de Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Pessoa. A académica, professora na Universidade de Pequim, com doutoramento em Literatura de Língua Portuguesa na Universidade de Coimbra, observa o desinteresse por nomes da atualidade: “Recomendei Dulce Maria Cardoso a vários editores e também tradutores”.

Até ao momento, porém, a autora de romances como “Retorno” e “Eliete” ainda não chegou às livrarias do país asiático.

No restante universo lusófono, o cenário é idêntico. A maioria dos títulos traduzidos por esta natural de Shenyang, no norte chinês, “são todos clássicos”, isto é, de “autores que já morreram”, diz à Lusa, quando se assinala o Dia Internacional da Tradução.

Além de José Saramago (“O Silêncio da Água”), Min também converteu para a língua materna os brasileiros Machado de Assis (“Contos Selecionados”) e Clarice Lispector (“A Hora da Estrela” e “Felicidade Clandestina”). A exceção é o moçambicano Mia Couto (“Terra Sonâmbula”).

“A literatura contemporânea também é muito importante, mas é muito difícil de introduzir no mercado chinês”, nota Min. Jovens autores “ainda sem reconhecimento internacional” convencem menos leitores, justifica.

Ao longo dos dois anos que lecionou na Universidade Normal de Fujian, no leste chinês, Nuno Rocha, especialista em tradução chinês-português, identificou esta mesma tendência.

O entusiasmo da população por clássicos chineses, analisa agora, motiva a “entrada mais fácil” deste tipo de literatura em língua portuguesa.

“Lembro-me de encontrar facilmente os grandes clássicos da literatura europeia, em versões bilingues, quando estudei na China em 2010”, lembra Rocha, atualmente professor na Universidade de São José, em Macau.

Por outro lado, sublinha, não se sabe “até que ponto os autores contemporâneos também são dados a conhecer aos alunos” pelos próprios educadores no país asiático.

Rocha avança que um “plano específico de divulgação da literatura contemporânea portuguesa na China” podia solucionar o impasse, embora isso implicasse “um investimento elevado”. “E no caso português especificamente, infelizmente, a cultura nunca é prioridade”, lamentou.

A intervenção por parte de Lisboa na promoção autoral, em colaboração com revistas literárias e editoras chinesas, é uma das propostas deixadas por Min Xuefei: “Podemos, por exemplo, traduzir um conto ou um excerto de um capítulo do romance dos autores e publicar numa revista literária chinesa”.

Já no sentido inverso, “a literatura chinesa moderna e contemporânea ainda é relativamente nova no mercado de livros em língua portuguesa”, aponta, por sua vez, a académica Lidia Zhou Mengyuan, do departamento de Tradução da Universidade Chinesa de Hong Kong.

“As pessoas estão cada vez mais abertas a explorar novos sabores literários”, constata a professora, com investigação na área da tradução e receção da literatura chinesa contemporânea nos países de língua portuguesa desde 2000, notando ainda que, em geral, a diversidade da oferta literária portuguesa na China “é mais ampla do que a sua contraparte”.

“Apesar do progresso feito nas últimas duas décadas em termos de diversidade de autores, géneros e livros traduzidos para português, ainda há espaço significativo para desenvolvimento adicional”, ressalva.

Foi a partir de 2008 que contemporâneos chineses, incluindo Su Tong, Yu Hua e Yan Lianke, chegaram ao mercado livreiro em língua portuguesa, tanto em Portugal quanto no Brasil, explica Zhou Mengyuan, notando que “é provável que o seu reconhecimento internacional tenha contribuído” para isso acontecer.

Os “estereótipos em relação à China no Ocidente” podem ainda estar a condicionar a vida das letras chinesas na lusofonia, admite Zhou, para quem um intercâmbio “mais frequente e direto é a chave para superar esses estereótipos”.

9 Out 2023

O G20 e a sua alternativa: a “Rota da Seda”

I

A cimeira do BRICS na África do Sul foi alvo da atenção de todo o mundo. Igual interesse internacional despertou o encontro do G20 na Índia, que teve lugar um pouco depois daquela cimeira. Os cinco membros do BRICS decidiram alargar o grupo. Nos novos membros estão incluídos o Irão, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, entre outros estados. O encontro do G20 também atraiu a atenção global. Da agenda constava a guerra na Ucrânia, entre outros tópicos. Para além disso, tornou-se evidente que alguns dos seus estados-membros planeiam lançar um novo projecto: o chamado “Corredor Índia – Médio Oriente – Europa” (por vezes, abreviado para IMEC – sigla em inglês). Entre os “pais fundadores” desta nova “aliança” estão os EUA, a França, a Itália, a Alemanha, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a Índia.

O principal objectivo do estabelecimento de tal “corredor” é a criação de um contrapeso ao projecto da “Nova Rota da Seda” (Yidai yilu 一帶一路), iniciado pela China há cerca de dez anos, em 2013/14. Os motivos que levam à criação deste contrapeso são óbvios: o “Ocidente” continua a afirmar que a China se tornou um império agressivo, que coopera com a Rússia e que manipula os mercados económicos e financeiros em diversas partes do mundo – contra os interesses “legítimos” dos países mais “civilizados”.

II

O que significa tudo isto? Um dos propósitos do novo “corredor” é a intensificação da comunicação e dos transportes entre a Índia e a Europa, através do Médio Oriente. À primeira vista, parece bem. No entanto, a geografia constitui um problema. Como é que deverá funcionar um “corredor” entre a UE e a Índia? Dada a actual situação política, é impossível estabelecer uma ligação terrestre da Europa à Índia. A construção de ferrovias e de auto-estradas através do Irão e do Paquistão, com o objectivo de ligar a Índia à Turquia e à Europa, não faz qualquer sentido. O Paquistão e a Índia são rivais. Além disso, as sanções da UE ao Irão excluem a possibilidade deste país se tornar parceiro do “Ocidente” – e, assim, de se tornar um elemento que ajude à estabilidade deste corredor terrestre.

Posto isto, devido ao cenário geopolítico, a composição da infra-estrutura do IMEC irá consistir na criação de vários segmentos separados: (1) Os navios teriam de ir e vir através do Mar Arábico, entra a Índia e os Emirados/ Arábia Saudita. Algumas destas embarcações teriam de passar através do Estreito de Hormuz, que é actualmente uma zona perigosa. Por conseguinte, muitos navios preferem entrar no Mar Vermelho e seguir pelo Canal de Suez em direcção à Europa. Isto não é novidade. Durante décadas, o comércio e o tráfego entre a Índia e a Europa dependeram destas “avenidas”. No entanto, o IMEC pode conduzir a uma mudança do cenário geral: Aparentemente, o Egipto não se encontra entre os seus estados “fundadores”. Por isso o Cairo pode colocar alguma pressão no “novo” sistema e cobrar taxas adicionais para facultar a entrada dos navios no Canal do Suez. (2) As novas linhas ferroviárias que ligariam os Emirados, ou algum porto na Arábia Saudita, ao antigo Levante ou à Turquia, passariam através de um ou dois dos seguintes países: Jordânia, Iraque, Síria e Israel. Aqui chegados, é preciso perguntar: Será que estes países vão cooperar e apoiar o novo “sistema”? E o que dizer da visão deslumbrada de um transporte de passageiros de alta velocidade através dos desertos do Médio Oriente? E quanto aos regulamentos de vistos, o problema das migrações e dos refugiados que procuram asilo? Terão os visionários do IMEC pensado em tudo isto? Além disso, o fluxo total de transportes terrestres através do Médio Oriente seria certamente muito inferior ao fluxo dos transportes marítimos através do Mar Vermelho. Portanto, fará algum sentido construir ferrovias através dos desertos do Médio Oriente? (3) A partir do Levante, ou da Turquia, os navios vão ter de chegar a qualquer porto europeu. Pireu perto de Atenas, coopera de perto com a China. Então, que cidades seriam os portos de escala no Sul da Europa? Nada disto parece claro.

III

Existe ainda outra questão: Quem iria lucrar com um tal dispositivo de tráfego segmentado e, em termos mais gerais, com a dimensão política do IMEC? A UE? A Turquia? Ou a Arábia Saudita e os Emirados? Ou qualquer outro? – Como foi referido, a Arábia Saudita e o Emirados estão prestes a tornar-se membros do BRICS. Quando isso vier a acontecer, passarão a pertencer a dois “blocos” rivais, com interesses opostos. Fará isso algum sentido? Será que vai ajudar a região do Golfo a tornar-se um polo de atracção do intercâmbio pacífico euro-asiático, com uma intensidade nunca antes vista? Irão os Emirados e a Arábia Saudita funcionar como zonas limítrofes entre o “Ocidente” e a China e angariar enormes investimentos de ambos os lados ao sublinharem o seu “papel neutral”? Mas até que ponto serão “neutrais” na eventualidade de conflitos de maior dimensão?

Além disso, o Irão vai aceitar esta “jogada” às portas de sua casa? Há muito pouco tempo, devido às acções diplomáticas da China, a Arábia Saudita e o Irão iniciaram conversações sobre assuntos de interesse mútuo. É verdade, a coexistência pacífica é sempre possível. No entanto, os EUA e outros países insistem nas sanções a Teerão. Em contrapartida, a China tem uma mente aberta e generosa e nunca interveio militarmente no Médio Oriente. Assim sendo, é intenção do “Ocidente”, ou antes dos EUA, usar o IMEC como uma ferramenta contra o processo lento da détente política em certas zonas do Médio Oriente? Como é que o IMEC vai lidar com o desejo da China, e de muitos asiáticos, de pacificar toda esta região? Poderão a Arábia Saudita e os Emirados resistir à pressão dos EUA?

Existem muitos mais pontos duvidosos. Os órgãos de comunicação oficiais continuam a afirmar que as dissidências internas e os confrontos militares caracterizam a situação da Síria e do Iraque. Existem também várias opiniões sobre a forma de lidar com os curdos e com o seu desejo de constituírem um estado independente. Além disso, os europeus têm criticado repetidamente a Arábia Saudita pelas suas atitudes conservadoras. Censuram este país por não respeitar os direitos humanos. Estranho, não é verdade? Subitamente, a UE e os EUA, que sublinham constantemente a importância dos “valores ocidentais”, desejam cooperar com a Arábia Saudita para lutar contra a China. É altura de perguntarmos: Como é que o Governo de Riad, por vezes apelidado de “monarquia absolutista”, encara tudo isto? Será que sorri do alto da sua realeza perante as atitudes “ocidentais”?

Em contrapartida: a Arábia Saudita e os Emirados podem pensar que o IMEC é uma boa ideia, porque esta aliança pode permitir que a UE, ou os EUA, passem a importar mais alta tecnologia e a fazer novos investimentos no Médio Oriente. Os leitores não devem esquecer, de acordo com algumas previsões, que chegará a altura em que os mercados mundiais vão deixar de ter necessidade de comprar enormes quantidades de petróleo à região do Golfo. Pensarão a Arábia Saudita e os Emirados nesta perspectiva? Estarão preocupados com as novas tendências económicas? – Mais uma vez, não sabemos dizer.

Há também o problema da moeda. A compra e a venda de petróleo são feitas sobretudo em dólares americanos. Washington teme que o Médio Oriente possa alterar certos segmentos do mercado financeiro. Neste ponto, voltamos a lembrar-nos do BRICS e da ideia de introdução de novos mecanismos financeiros. Não há dúvida de que a Arábia Saudita e os Emirados vão observar a situação. Estão à espera para ver. O mais certo é acabarem por alinhar com quem lhes oferecer as melhores opções, – as mais pacíficas.

O pequeno e densamente povoado Israel também pode ter de reconsiderar a sua posição no contexto de uma vizinhança em rápida mudança. Actualmente, Israel acompanha de perto o mundo muçulmano e o seu armamento nuclear. Mesmo que tenha havido alguns comentários positivos do lado dos judeus em relação aos planos do IMEC, é melhor manter alguma cautela: Até que ponto é que é realista sonhar que um pequeno país altamente tecnológico vai aceitar o comércio livre com os seus antigos inimigos? Comércio de bens de todo o tipo através dos portos de Israel e circulação livre de passageiros através do seu território – será isso possível?

E por último, o que pensar da Índia? Os anglófonos continuam a dizer-nos que a Índia tem estruturas democráticas, que os seus muitos grupos religiosos coabitam em harmonia, todos sob o mesmo tecto. Mas o que dizer do sistema de castas? E dos problemas entre os hindus e os muçulmanos no Sul da Ásia? E quanto às fricções entre as etnias locais? E sobre o enorme fosso entre pobres e ricos? Importa que milhares de sul-asiáticos trabalhem na região do Golfo para receberem salários baixíssimos? Terão os políticos europeus pensado sobre a natureza “multi-facetada” das relações entre a Índia e o Médio Oriente? De acordo com relatórios recentes, a Índia planeia alterar a sua designação “oficial”: De futuro, deseja voltar a adoptar o antigo nome de Bhārat. Estas mudanças simbólicas fazem diferença? Que implicações vão ter para os cidadãos da Índia? E para o nacionalismo do Sul da Ásia?

A adesão simultânea a duas alianças rivais, BRICS e IMEC, daria à Índia a possibilidade de escolha, ou de, qual “equilibrista”, ir jogando com os dois lados, conforme as circunstâncias o ditarem. Dito de outra forma, tal como os Emirados e a Arábia Saudita, a India pode vir a colher frutos de polos opostos. O IMEC, assim parece, tem uma predisposição genética para comportamentos oportunistas.

V

A América do Norte fica muito longe do Mediterrâneo, do Médio Oriente e da Índia. Assim, em termos geográficos, o apoio dos EUA à ideia do IMEC não faz qualquer sentido. Só há uma explicação para a decisão de Washington: a vontade de não abdicar dos seus mercados tradicionais. Opõe-se ao projecto da “Nova Rota da Seda”, porque tem medo da China e da política de Pequim de manutenção da paz. Infelizmente, vários líderes influentes da UE, que passaram longos anos no mundo anglófono, seguem cegamente os pontos de vista e as indicações de Washington. Estes indivíduos transformaram-se em marionetas da Casa Branca, acreditam na existência de “valores comuns”, na sua superioridade, na força do “Ocidente”, e em qualquer coisa que nos faz lembrar a “missão civilizadora”.

Para além disso existem preocupações militares. Os anglófonos continuam a dizer-nos que a China quer estabelecer uma rede de bases militares em torno do Oceano Índico. A aliança AUKUS é uma espécie de contrapeso militar. É muito provável que o IMEC venha a ser, sem qualquer dúvida, uma aliança económica. No entanto, em determinadas circunstâncias, um tal sistema pode mudar as suas características, em função das suas estruturas institucionais e da situação política. Aqui podemos pensar nas forças navais e em outras forças da Índia, que estão a desenvolver-se rapidamente. Como é que o Médio Oriente encara tudo isto e o que podemos dizer sobre o Sri Lanka e o Paquistão? Estarão os líderes da UE cientes de todas as possibilidades que podem ocorrer no cenário político, ao “micro-nível” das relações entre Deli e o Médio Oriente?

Além disso, será que o “Ocidente” espera a cooperação militar da Índia contra os inimigos “conjuntos”? As forças dos EUA, e mesmo algumas tropas britânicas, estão presentes em várias partes da zona do Oceano Índico. Existem importantes instalações militares em Diego Garcia, uma ilha no arquipélago de Chagos, situada no meio do Oceano Índico. As forças dos EUA usaram frequentemente essas instalações durante diversas guerras. Este é apenas um exemplo da presença militar dos EUA nesta parte do mundo. Em contrapartida, a China não provoca outras nações e países desta região. Assim sendo, com quem é que a Índia vai cooperar? Bhārat, é claro, não pode ser enganado; conhece o seu passado; à semelhança da China, sofreu muito com a pirataria britânica. Por isso, pode alguma vez vir a confiar nos anglófonos??

VI

Curiosamente também, a Grã-Bretanha, que tem um primeiro-ministro hindu, não parece muito interessada no grupo IMEC. Por outro lado, a imprensa americana afirma que a iniciativa IMEC vai ser um agente transformador. A Índia também pensa (ou pretende pensar) de forma positiva. Há quem afirme que a “conectividade” tradicional entre a Índia e o Médio Oriente será muito mais importante do que o velho sistema da Rota da Seda. Vê-se que a máquina de propaganda trabalha a todo o vapor.

Há muitos migrantes indianos em várias zonas costeiras do Oceano Índico. Algumas cidades, ilhas e outros lugares têm líderes políticos de origem indiana, por exemplo Maurícia. Isso terá importância? Aguardamos com expectativa a emergência da “Grande Índia”, contrariamente aos desejos de Washington?? Sentir-se-á confortável o Primeiro-Ministro hindu em Londres com todos estes pontos de vista, opções, tratados, alianças e etc.?

Uma outra questão leva-nos até Ancara. A Turquia, um membro da NATO, está de alguma forma ligada ao sistema da Rota da Seda. A Turquia tem interesse na Ásia Central. Além disso, está em permanente contacto com a Rússia. Existe ainda o grupo Xangai, que inclui o Irão, a China, a Rússia e muitos outros membros. Então, o que irá fazer Erdogan? Será possível pôr a funcionar o IMEC sem o seu país? Quem sabe, talvez Ancara reaja iniciando um “contra- programa”, através de uma aliança que faça ressurgir a ideia da grandeza otomana num novo formato. Na antiguidade, os comerciantes otomanos exerciam a sua actividade na Índia e o Império Otomano estava em contacto regular com partes da Indonésia moderna. O Irão, pode acrescentar-se, é um caso semelhante. Em muitos portos da Ásia medieval, e do início da Idade Moderna, encontrávamos mercadores do Irão. Esta pode ser uma razão válida para Teerão propagandear a fundação de um “corredor iraniano comercial”? É certo que pensar nesta e noutras opções parece ridículo e rebuscado, mas diz-se que Otto von Bismarck afirmou: “A política é a arte do possível.”

VII

Finalmente, temos a UE. A reacção da imprensa europeia ao projecto do IMEC não é unânime. Na verdade, porque é que todos os países da UE devem seguir cegamente as ambições dos EUA? A era do colonialismo acabou, certo? Ou esta suposição está errada? Ficará o IMEC melhor sem os EUA? Suponhamos que não existiam forças nem intervenção dos EUA nos mares asiáticos. Nessas circunstâncias, seria de todo necessário criar qualquer tipo de aliança? O projecto da Nova Rota da Seda lembra-nos os velhos tempos quando o comércio através do Oceano Índico era sobretudo pacífico sem amarras a grandes alianças. Regra geral, as alianças são positivas se promoverem a cooperação pacífica e o entendimento mútuo. O IMEC é uma entidade concebida para prejudicar outra entidade, ou o seu principal interveniente. Não é disto que o mundo precisa.

Washington não é claramente altruísta. Finge ser gentil, mas não conhece limites. De facto, o chamado “Ocidente” é um conceito ilusório, existem poucos ou nenhuns “valores comuns”. A ideia do IMEC, se chegar a ser posta em prática, servirá Washington temporariamente, e talvez também alguns outros, mas é muito provável que a Europa não venha a ter qualquer tipo de benefício. Pior ainda, o IMEC tem potencial para prejudicar a Europa, porque a sua finalidade é aumentar as dissidências entre a UE e a China. A dissidência descontrolada entre elas tornará a Europa mais vulnerável. Não há qualquer dúvida de que uma economia saudável da UE não é do interesse das empresas norte-americanas, mas é do interesse da China. Os empreendedores e as empresas da UE e da China desejam cooperar entre si; Bruxelas, guiada por Washington, não parece aceitar esse desejo. Claro que alguns líderes europeus vêem mais longe, mas expressam opiniões distintas quando são confrontados com o projecto IMEC. Aparentemente, estes políticos têm medo. Para concluir: Washington pode regozijar-se – “divide et impera!”

No entanto, ia história fica por aqui? E se a Índia e o Médio Oriente, em qualquer altura, sugerirem subitamente que a China também deveria passar a ser membro do IMEC? Washington ficaria desconcertado. O governante hindu em Londres poderia reconsiderar o actual estatuto do antigo reino pirata e outros países lançariam um profundo suspiro de alívio. Talvez que muitos canais euro-asiáticos voltassem a abrir e talvez Bruxelas voltasse ao bom caminho.

4 Out 2023

Mapa territorial chinês | Analistas comentam nova visão de Pequim

A China divulgou, no início do mês, um novo mapa territorial que reclama grande parte dos territórios do Mar do Sul da China, da Índia e da Rússia, gerando a fúria dos respectivos países. Analistas entendem que está em causa uma vontade expansionista de Pequim que, no entanto, terá sempre de ser enquadrada no contexto do direito internacional

 

Terminou este fim-de-semana a cimeira do G20, em Nova Deli, marcada pela ausência de Xi Jinping, Presidente chinês, dadas as antigas disputas em torno da zona de Caxemira. Terminou também recentemente a ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático. Contudo, a China apresentou, estrategicamente antes das duas cimeiras internacionais, um novo mapa territorial, o chamado Mapa Padrão da China, que inclui grande parte das ilhas do Mar do Sul da China, cuja soberania tem sido disputada com as Filipinas, ou ainda zonas disputadas com a Índia e a própria Rússia, com quem a China tem mantido alguma cooperação, apesar do contexto da guerra na Ucrânia.

Países como Filipinas, Malásia ou Índia criticaram fortemente a postura de Pequim. Ao HM, a académica Cátia Miriam Costa, do ISCTE – Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, e habitual analista de assuntos chineses, considera que o mapa divulgado pelo Ministério dos Recursos Naturais da República Popular da China “reafirma” que o país “continua a ambicionar ter o domínio político destes territórios”.

A académica acredita, contudo, “que estas ambições territoriais chinesas tenderão a ser suportadas por argumentos baseados no direito internacional vigente, cujo cumprimento é essencial para que a China consiga a unidade territorial, dentro do paradigma ‘Um País, Dois Sistemas'”.

“É assinalável que ao nível interno esta questão não suscite grande debate, porque existe algum consenso que apoia o Governo chinês no sentido de reivindicar alguns destes territórios, não numa perspetiva expansionista, mas, muitas vezes, dentro de um conceito de disputa ou pertença histórica”, adiantou.

A académica não esquece o ‘timing’ da apresentação do mapa. “Para a China, esta perspectiva é tão natural que a divulgação do mapa surge poucos dias antes das cimeiras do G20 e da ASEAN. Apesar de o Presidente Xi não ter estado presente na reunião do G20, esteve representado pelo primeiro-ministro, Li Qiang, ou seja, por uma alta figura do Estado chinês, onde também estão alguns dos Estados em que existem dissensões acerca das fronteiras comuns.”

De frisar que, além do G20 e da ASEAN, também decorreu recentemente a cimeira dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Segundo a Associated Press (AP), nas reuniões dos BRICS “as relações entre a China e Rússia foram amplamente vistas como reforçadas”, tendo em conta que os países membros dos BRICS votaram “a favor de uma proposta apresentada por Pequim e Moscovo para convidar o Irão e a Arábia Saudita, juntamente com outros quatro países, a aderirem” à organização.

Além disso, à margem do encontro, Xi Jinping discutiu com Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, questões relacionadas com “a fronteira disputada, concordando em intensificar os esforços para diminuir as tensões”. A maioria dos governos com os quais a China tem disputas no Mar do Sul da China são membros da ASEAN, além de que a Índia acolheu, em Nova Deli, a cimeira do G20.

Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro, aponta que a China apresenta uma visão “neoimperial sobre o Mar do Sul da China” e “uma interpretação unilateral baseada em ‘direitos históricos’ que colide com as reivindicações de outros actores internacionais, incluindo os Estados Unidos”. Há, assim, uma integração unilateral “que não só integra nos seus mapas aqueles territórios como, em alguns casos, ocupa pequenas ilhas”.

Para o académico, a postura das autoridades chinesas pode “hostilizar actores regionais como a Índia e o Vietname, o que prejudica a sua tentativa de conciliação política”. “A região do Indo-Pacífico cresce gradualmente de tensão com todos estes episódios”, frisou.

Um grande filme

Tiago André Lopes, professor de Diplomacia e de Estudos Asiáticos na Universidade Portucalense, recordou as velhas disputas territoriais que até já têm impacto nas telas do cinema.

“O filme ‘Abominável’ dos estúdios da PIXAR, que se estreou em 2019, foi alvo de vários boicotes particularmente intensos no Vietname, onde o filme foi proibido, e na Malásia, onde o regulador recomendou a censura do filme; nas Filipinas o filme não foi censurado, mas o Ministro dos Negócios Estrangeiros pediu aos cidadãos das Filipinas que boicotassem o filme. Qual a razão por detrás disto? Durante alguns segundos, no quarto da protagonista, ‘por acidente’ segundo a PIXAR, via-se o mapa das nove linhas.”

O novo mapa acrescenta uma linha, sendo que a décima linha diz respeito a Taiwan, numa altura em que se avizinham as eleições no território, marcadas para Janeiro, recorda o académico. Tiago André Lopes pensa que Xi Jinping está a tentar “reposicionar a China numa lógica expansionista”.

Uma acção rotineira

Segundo a AP, Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, adiantou que “a posição de Pequim sobre o Mar do Sul da China é consistente e clara”, não tendo reagido aos protestos.

A divulgação do Mapa Padrão da China não é mais, para o responsável, do que “uma prática de rotina [feita] todos os anos”, tendo por objectivo o fornecimento de mapas normalizados e “educar o público a utilizá-los de acordo com as regras”. “Esperamos que as partes interessadas possam ver a questão de uma forma objectiva e racional”, afirmou.

São antigas as tensões entre a China e vários países em torno da questão do Mar do Sul da China, nomeadamente Indonésia, Vietname, Malásia, Brunei e Filipinas.

Recorde-se que China e Índia travaram uma guerra em 1962 devido a disputas fronteiriças e que há três anos, na sequência de um confronto na região, 20 soldados indianos e quatro chineses perderam a vida numa série de escaramuças que duraram vários meses.

A Índia foi a primeira nação a reagir à divulgação do Mapa Padrão da China. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano, Arindam Bagchi, afirmou que “estas medidas da parte chinesa apenas complicam a resolução da questão das fronteiras”. A Índia apresentou uma queixa formal através dos canais diplomáticos.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, criticou o novo mapa, considerando-o uma “violação da lei”. Harris comentou esta matéria durante uma entrevista à AP em Jacarta, Indonésia.

Por sua vez, a Malásia rejeitou as “reivindicações unilaterais” da China e acrescentou que o mapa “não é vinculativo” para o país. Desde então, Vietname, Taiwan, Indonésia e Filipinas seguiram o exemplo.

O Vietname afirmou que as reivindicações violam a sua soberania sobre as ilhas Paracel e Spratly e a jurisdição sobre as suas águas, devendo ser consideradas nulas por, alegadamente, violarem a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

As reivindicações territoriais conduzem, por vezes, a confrontos directos. Há pouco mais de uma semana, barcos filipinos romperam um bloqueio da guarda costeira chinesa numa zona disputada do Mar do Sul da China para entregar mantimentos às forças filipinas que guardam um banco de areia contestado.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros das Filipinas reagiu citando uma decisão de 2016 de um tribunal de arbitragem em Haia, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que invalidou grande parte das reivindicações da China sobre quase todo o Mar da China Meridional e manteve o controlo das Filipinas sobre os recursos numa zona económica exclusiva de 200 milhas náuticas. A Rússia, para quem o apoio chinês na guerra contra a Ucrânia tem sido fundamental, ainda não respondeu.

13 Set 2023

Chile | Milhares de mulheres passam a noite em vigília

Cerca de 12 mil mulheres, vestidas de preto, com velas nas mãos, fizeram uma vigília, numa simbólica protecção do Palácio La Moneda, bombardeada há 50 anos, durante o golpe de Estado de Pinochet.

“Solidarizamo-nos com as pessoas executadas, desaparecidas, torturadas e exiladas, até hoje sem justiça. O movimento de mulheres foi muito importante contra a ditadura e agora lidera a exigência de justiça contra a impunidade dos delitos cometidos durante a ditadura”, indica à Lusa Lídia Massardo, de 57 anos.

Sob o lema “Nunca Mais”, uma maré feminina cercou o Palácio La Moneda, a sede do Governo do Chile, bombardeada a mando do ditador Augusto Pinochet, num grau de destruição que estarreceu o mundo. Dentro do Palácio, o Presidente socialista Salvador Allende, democraticamente eleito, preferiu dar um tiro na cabeça com a espingarda que lhe tinha sido oferecida pelo líder cubano Fidel Castro, do que render-se.

A manifestação, que simbolicamente visa proteger a democracia, realizou-se em silêncio, quebrado de vez em quando por palavras de ordem emocionadas. “As mulheres foram muito prejudicadas – foram mães, esposas e filhas de presos, desaparecidos e mortos pela ditadura. Ocupamos um papel fundamental na família, núcleo fundamental da sociedade e sobre cada uma de nós, houve um peso tremendo de dor”, desabafa Lidia.

Os milhares de velas femininas visavam também “iluminar” o caminho dos que se foram e pedir que a Justiça abandone a cegueira. “Cresci em democracia, mas no colégio nunca nos ensinaram correctamente o que aconteceu. Até há pouco tempo, não se falava de ‘golpe militar’, mas de ‘pronunciamento militar’. Para algumas famílias, o assunto era tabu. Crescemos com o costume de que, à mesa, não se falava de política nem de religião. Só agora a verdade começa a surgir com mais naturalidade”, explica à Lusa Melissa Leyton, de 33 anos.

Segundo esta manifestante, havia medo e censura durante a democracia e o plano elaborado por Pinochet funcionou perfeitamente e ninguém pagou pelo que fez.

Chamas acesas

Augusto Pinochet deixou o governo em 1990, ao ser derrotado num plebiscito em 1988, mas não perdeu o poder. Manteve-se como chefe do Exército, um cargo com autonomia dos demais poderes da República e depois tornou-se senador vitalício, cargo criado por ele para manter o poder e a impunidade. Morreu em 2006 sem ser condenado.

“E é por isso que ainda está tudo muito vivo, porque 50 anos depois não há justiça. Todos nós procuraremos pelos nossos parentes desaparecidos até o último dos nossos dias. Isso é vital. Se quisermos avançar, tem de haver justiça. Para se perdoar, é preciso a verdade, caso contrário, isto vai-se arrastar eternamente”, diz Melissa.

As pequenas chamas das velas também representam essa esperança por encontrar os 1.162 desaparecidos que ainda não foram encontrados.

A 21 de Agosto, o supremo tribunal condenou três agentes da antiga Direção de Inteligência Nacional (DINA), a polícia secreta de Pinochet, por aplicarem torturas de violência sexual num centro clandestino de prisão, tortura e morte conhecido como “Venda sexy”. Segundo o Ministério da Mulher, 3.399 mulheres declararam ter sofrido violência sexual durante torturas cometidas durante a ditadura.

A deputada Gloria Naveillán, do partido Social Cristão, classificou as denúncias de abuso sexual como um “mito urbano”. “É muito difícil avançar como sociedade com líderes deste tipo. É uma perversão, uma negação. Essas mulheres foram violadas e abusadas sexualmente. Sofreram violência sistemática mas, por serem mulheres, não podiam falar”, indigna-se Melissa. Em 17 anos, o regime de Pinochet deixou um saldo de 38.254 mil torturados e de 3.216 mortos.

11 Set 2023

Plástico importado | Ambientalistas e académicos aplaudem proibição

A partir de 1 de Janeiro de 2024 será proibido importar plástico não biodegradável usado em produtos como bandejas de esferovite, copos ou pratos. A medida agrada a ambientalistas e académicos, mas o activista Joe Chan alerta para os problemas relacionados com o plástico biodegradável, que não pode ser reciclado

 

O Governo proibiu, a partir de Janeiro do próximo ano, a importação de plástico não biodegradável, usado em produtos como copos ou talheres descartáveis, ou em bandejas de esferovite utilizadas nos supermercados para embalar vegetais e fruta.

A medida, anunciada esta semana e publicada em Boletim Oficial (BO), vinha sendo prometida pelo Executivo há algum tempo, com o responsável máximo da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), Raymond Tam, a afirmar, em Janeiro deste ano, que a proposta ia mesmo avançar.

De frisar que a importação de alguns produtos feitos com plástico descartável tem sido progressivamente proibida. Desde 1 de Janeiro de 2022 é proibido importar palhinhas e agitadores de bebidas em plástico, enquanto desde 1 de Janeiro de 2021 é proibido importar caixas de refeição, taças e copos descartáveis de esferovite.

David Gonçalves, biólogo e director do Instituto de Ciências e Ambiente da Universidade de São José (USJ), considera que a medida é “um bom primeiro passo, alinhado com medidas que têm vindo a ser tomadas um pouco por todo o mundo”.

Acima de tudo, o académico entende que, ao proibir o plástico não biodegradável, o Executivo assume que existe um problema a resolver. “Mais vale tarde do que nunca”, disse, quando questionado se esta é uma medida que peca por tardia. “Saliento o reconhecimento do Governo de que este é um problema sério que precisa de uma abordagem a vários níveis. Creio que a solução terá de ser sempre multivariada, incluindo uma aposta na redução do consumo de plástico, uma economia circular, a substituição por alternativas ambientalmente mais adequadas, nomeadamente bioplásticos, a melhoria do sistema de reciclagem e o tratamento dos resíduos finais.”

David Gonçalves entende ser ainda necessário “alocar mais recursos para projectos inovadores de investigação que possam trazer novas soluções para o problema”.

Gilberto Camacho, conselheiro das comunidades portuguesas e fundador da plataforma Macau ECOnscious nas redes sociais, dinamizadora de um debate sobre as questões ambientais em Macau, defendeu que o Governo tomou uma boa decisão ao proibir materiais descartáveis. “Sabemos que os mesmos ficam eternamente no meio ambiente. Parte deste plástico que se perde vai parar ao mar, por exemplo. Há tanto lixo no mar que se têm formado ‘ilhas’ flutuantes de plástico nos oceanos, algumas delas maiores do que a área territorial de França.”

No entanto, Gilberto Camacho chama a atenção para a pegada ecológica inerente à produção do plástico biodegradável. “Como é obtido esse material? Qual é a sua pegada ecológica? É muito bonito termos nas mãos um saco cem por cento biodegradável, mas se para o produzir a fábrica recorreu a electricidade produzida numa central eléctrica movida a carvão, o transporte do saco até Macau foi feito através de um veículo movido a gasolina, mais vale usarmos sacos de plástico que sejam reutilizados o maior número de vezes possível.”

Carta consciente

Em 2018, o excessivo uso de plástico em Macau, nomeadamente nos supermercados, levou Annie Lao a lançar uma petição e a reunir com a DSPA. Foi mesmo criado um grupo no Facebook intitulado “Sem plástico, por favor”, que espoletou a campanha com o mote “Compro fruta, não compro plástico”. Cada participante foi convidado a publicar nas redes sociais uma fotografia junto a estantes de supermercados, ou outras situações em que o plástico fosse usado excessivamente, acompanhado do slogan da campanha e o logotipo criado para esse propósito.

Desta vez a activista ambiental mostrou-se satisfeita com a medida do Executivo. “É bom vermos progressos e [a política] é melhor do que nada. O mais importante é que devemos sempre optar por materiais reutilizáveis ao invés de descartáveis e biodegradáveis. Não é necessário mudar o plástico descartável para opções biodegradáveis para se ser amigo do ambiente.”

Annie Lao considera que o passo adicional tomado pelo Governo em matéria ambiental “é um bom ponto de partida para as pessoas repensarem a melhor forma para reduzir os seus resíduos, quer do público, quer dos sectores e das empresas”, adiantou, pedindo medidas adicionais relacionadas com o pagamento de impostos. “Em última análise, o Governo deveria tributar as empresas e aqueles que geram resíduos que não podem ser reciclados, para que as pessoas comecem a reduzir os resíduos e evitem a produção desnecessária.”

Biodegradável ainda preocupa

Joe Chan, educador ambiental e activista entende que o plástico biodegradável acarreta ainda algumas “preocupações”, embora concorde que “a proibição do plástico de utilização única é o início da redução da poluição por plásticos”.

Para o presidente da Macau Green Student Union e vice-presidente da Green Future, entidades criadas em 2008 e 2012, respectivamente, o que está em causa é o facto de “o padrão do chamado material biodegradável não estar ainda normalizado”. “A maioria desses materiais é feita do polímero PLA (poliácido láctico) vendido na China, que só se degrada em determinadas condições, acima de 60 graus centígrados e dos 60 por cento de humidade, além de poder exigir um tipo especial de bactérias para o digerir.” Assim, tal significa que “o material biodegradável não é realmente degradado naturalmente”, o que leva a questionar como se pode definir o que é ou não biodegradável.

“O plástico biodegradável não é reciclável. Se os chamados plásticos biodegradáveis que chegam a Macau não têm condições para se degradarem, então também não podem ser reciclados. Como vai o Governo lidar com todos estes tipos de plástico?”, questionou.

Nos últimos anos, várias investigações científicas revelaram ser possível decompor o plástico biodegradável usando micróbios que convertem o material em biomassa, água e dióxido de carbono. No entanto, apenas uma parte desses plásticos é passível de ser decomposta domesticamente, implicando, na maior parte dos casos, a um processo de decomposição feito industrialmente.

Desta forma, Joe Chan recomenda que o Governo “encoraje as pessoas a utilizarem materiais à base de plantas para substituir o plástico em vez do PLA”. “O PLA é bom desde que tenhamos as instalações adequadas para digerir os resíduos. Caso contrário, a proibição do plástico de utilização única no próximo ano irá levantar problemas ao aumentar o peso da incineração”, frisou.

O PLA é fabricado a partir de recursos renováveis como é o caso do amido de milho, bagaço de cana-de-açúcar, entre outros produtos, prometendo não deixar resíduos no final do ciclo de uso e decomposição. O plástico PLA é tido como um produto versátil com algumas vantagens, sendo que os produtos feitos com este material não apresentam sinais de humidade, odores ou sabores.

Ao jornal Ou Mun, Wong Chi Choi, membro do Conselho Consultivo do Ambiente, disse concordar com a nova medida que “demonstra a determinação do Governo na redução do uso do plástico”. O responsável espera que as autoridades “continuem a promover a educação sobre a redução do uso e a reciclagem dos plásticos”, a fim de se eliminar gradualmente o uso de produtos feitos com este material e aumentar a consciencialização da população para comportamentos mais sustentáveis.

Wong Chi Choi disse que é necessário continuar a apostar em alternativas ecológicas ao uso de plástico, a fim de atingir o objectivo do uso de resíduos a partir da fonte. Desta forma, as autoridades “devem apresentar mais estratégias e calendarização clara para a redução do uso do plástico, a fim de transmitir aos residentes a ideia clara da direcção do trabalho das autoridades”, rematou.

11 Set 2023

G20 | Defendidas “acções concretas” para enfrentar desafios globais

A cimeira do G20 terminou ontem com a entrada da União Africana como membro permanente. Em Nova Deli, foi assinada uma declaração que promete “acções concretas” para responder a desafios mundiais, nomeadamente um compromisso de aposta em energias renováveis

 

A cimeira do G20, presidida pelo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que decorreu este fim-de-semana em Nova Deli, resultou numa declaração final consensual com o estabelecimento de um compromisso com “acções concretas para enfrentar desafios globais”.

“Encontramo-nos num momento decisivo da história em que as decisões que tomamos agora determinarão o futuro das pessoas e do planeta. É com a filosofia de viver em harmonia com o ecossistema envolvente que nos comprometemos com acções concretas para enfrentar os desafios globais”, lê-se na declaração dos líderes do G20.

A cimeira do G20 teve como tema “Vasudhaiva Kutumbakam”, frase sânscrita encontrada em textos hindus como o Maha Upanishad, que significa “O mundo é uma família”. “A cooperação do G20 é essencial para determinar o rumo que o mundo tomará. Persistem os ventos contrários ao crescimento económico e à estabilidade globais. Anos de desafios e crises em cascata reverteram os ganhos da Agenda 2030 e dos seus Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, refere a declaração.

No documento, os líderes do G20 indicam que “as emissões globais de gases com efeito de estufa continuam a aumentar, com as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a poluição, a seca, a degradação dos solos e a desertificação, ameaçando vidas e meios de subsistência”.

“O aumento dos preços das matérias-primas, incluindo os preços dos alimentos e da energia, está a contribuir para as pressões sobre o custo de vida. Desafios globais como a pobreza e a desigualdade, as alterações climáticas, as pandemias e os conflitos afectam desproporcionalmente as mulheres e as crianças, assim como os mais vulneráveis”, sublinha o G20, considerando que juntos têm a oportunidade de construir um futuro melhor.

De acordo com a declaração, transições energéticas justas podem melhorar o emprego e os meios de subsistência e reforçar a resiliência económica. “Afirmamos que nenhum país deveria ter de escolher entre combater a pobreza e lutar pelo nosso planeta. Procuraremos modelos de desenvolvimento que implementem transições sustentáveis, inclusivas e justas, a nível mundial, sem deixar ninguém para trás”, lê-se no documento.

Palavra de Li

A agência estatal Xinhua afirmou que o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, que representou a China nesta cimeira pautada pela ausência de Xi Jinping, defendeu a globalização e “promoção da unidade, cooperação e inclusão” das nações.

Li Qiang fez um apelo para que os países se respeitem mutuamente, procurem “um campo [de actuação] comum apesar das respectivas diferenças e vivam conjuntamente de forma pacífica”, e afirmou ainda que nenhuma nação “está imune a enfrentar grandes crises e desafios comuns”. Na perspectiva do primeiro-ministro chinês, os membros do G20 devem buscar “a aspiração original de unidade e cooperação”, apostando na “responsabilidade dos tempos em prol da paz e desenvolvimento”. O dirigente adiantou também que o G20 precisa de unidade em vez de divisão, cooperação em vez de confronto e inclusão em vez de exclusão, acrescentou.

Alô, África

Uma das novidades desta cimeira prende-se com a entrada da União Africana (UA), um forte sinal para África e uma vitória diplomática para a Índia, que deverá ser a líder dos países do Sul, não tendo sido ainda mencionada a alteração do nome para G21.

Narendra Modi bateu o martelo três vezes antes de fazer o anúncio, que recebeu aplausos na sala, apertou a mão do actual líder da UA, o Presidente das Comores, Azali Assoumani, e abraçou-o calorosamente. “Com a aprovação de todos, solicito ao representante da União Africana que assuma o seu lugar como membro permanente do G20”, disse depois Modi, sublinhando que foi a Índia a propor a alteração.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, tinha defendido, na sexta-feira, que a UA deveria tornar-se membro permanente do grupo. “Veremos qual será a decisão, mas o que é claro é que a União Europeia [UE] apoia a adesão da União Africana ao G20”, declarou Michel, numa conferência de imprensa em Nova Deli, antes do início da cimeira.

Sem consenso

Profundamente dividido sobre o futuro do petróleo, o G20 não apelou à saída dos combustíveis fósseis na sua declaração final, mas apoia, pela primeira vez, o objectivo de triplicar as energias renováveis até 2030, compromisso assumido três meses antes da COP28, a 28.ª conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que se realizará de 30 de Novembro a 12 de Dezembro, no Dubai.

Nesta cimeira, os EUA defenderam um ambicioso projecto de “corredor” logístico que ligasse a Índia e a Europa ao Médio Oriente, com um papel de liderança para a Arábia Saudita. Foi assinado um acordo de princípio entre EUA, Índia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, UE, França, Alemanha e Itália. No que diz respeito à Ucrânia, a declaração final denunciou o “uso da força” para conquista de territórios, mas não menciona a Rússia.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, abriu a cimeira do G20 atrás de uma placa onde o seu país foi identificado como “Bharat”, o sinal mais forte até à data de uma potencial mudança no nome oficial “Índia”, herdado do passado colonial. Índia e Bharat são os dois nomes oficiais do país segundo a sua Constituição, cujo artigo 1 começa: “Índia é Bharat”. O G20 reúne as 19 economias mais desenvolvidas ou emergentes e a União Europeia.

Homenagem a Gandhi

Os líderes do G20 foram ontem convidados a prestar homenagem, descalços, a Mahatma Gandhi, o herói da independência indiana, no memorial que lhe foi dedicado. Narendra Modi cumprimentou-os um a um em Raj Ghat, o local onde Gandhi foi cremado em Janeiro de 1948, um dia depois de ter sido assassinado por um ideólogo nacionalista hindu.

Cada um dos líderes inclinou a cabeça perante o primeiro-ministro indiano para que Modi lhe atasse uma estola de cor creme ao pescoço, segundo o relato da agência francesa AFP. O chefe do Governo esperava-os em frente a uma enorme fotografia a cores do ‘ashram’ de Sabarmati, o retiro espiritual onde Gandhi viveu durante muito tempo, situado no estado natal de Modi, Gujarat. O ‘ashram’ é um local que muitos líderes visitaram em viagens oficiais à Índia, como o norte-americano Donald Trump em 2020, ou o britânico Boris Johnson em 2022.

Os líderes do G20 foram então convidados a juntar-se a Modi em frente a uma placa de mármore preto, decorada com grinaldas de malmequeres laranja e amarelos.

Ali, uma chama eterna celebra a memória de Gandhi (1869-1948), o apóstolo indiano da não-violência. Após a interpretação de um hino hindu, todos guardaram um minuto de silêncio diante das coroas fúnebres enviadas por cada Estado. O memorial é um dos locais mais sagrados da capital indiana, onde mais de um milhão de pessoas seguiram os restos mortais de Gandhi após ter sido assassinado.

Alerta de Lula

O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, alertou na cimeira do G20 para a “emergência climática sem precedentes” no mundo que põe em risco a segurança alimentar e energética. “A falta de compromisso com o ambiente está a conduzir a uma emergência climática sem precedentes”, afirmou Lula no início da reunião. “As secas, as inundações, as tempestades e os incêndios são cada vez mais frequentes e põem em risco a segurança alimentar e energética”, disse Lula, citado pela agência francesa AFP.

Cimeira no Brasil

A próxima cimeira do G20 irá realizar-se no Rio de Janeiro em 2024 e Lula da Silva alertou que se Vladimir Putin se deslocar ao país para o evento, não será detido. “Posso dizer que se eu for Presidente do Brasil e ele vier ao Brasil, não há nenhuma razão para ele ser preso”, disse citado pela agência francesa AFP. Lula da Silva garantiu, numa entrevista a uma televisão indiana, que Putin vai ser convidado para visitar o Rio de Janeiro. Putin é alvo de um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitido em Março, por suspeita de crimes de guerra pela deportação de crianças ucranianas. Desde então, condicionou os destinos das suas viagens e falhou reuniões internacionais como a cimeira do G20. “Todos vão à cimeira dos BRICS, por isso, espero que venham à cimeira do G20 no Brasil. No Brasil, eles vão sentir um clima de paz”, afirmou Lula. “Gostamos de cuidar das pessoas. Por isso, acho que o Putin pode facilmente vir ao Brasil”, acrescentou.

11 Set 2023

G20 | Índia acolhe uma cimeira com divisões, sem Xi e Putin

Decorre entre amanhã e domingo, em Nova Deli, mais uma cimeira do G20, que não contará com a presença de Xi Jinping, nem Vladimir Putin. Analistas consideram que a ausência de Xi tem significado político e não surpreende, tendo em conta as tensões com a Índia em matéria de fronteiras

 

A Índia acolhe este fim-de-semana mais uma cimeira do G20 na qual o Presidente norte-americano, Joe Biden, tentará beneficiar da ausência dos homólogos chinês e russo para reforçar alianças dentro de um bloco fortemente dividido.

Na reunião de dois dias em Nova Deli, as fortes divergências sobre a guerra na Ucrânia, a eliminação progressiva das energias fósseis e a restruturação de dívida deverão dominar os debates e, provavelmente, impedir qualquer acordo do grupo, que agrega as 19 maiores economias do mundo e a União Europeia (UE).

Joe Biden falará de “uma série de iniciativas conjuntas para enfrentar os problemas globais”, nomeadamente as alterações climáticas e “mitigar as consequências económicas e sociais da guerra travada pela Rússia na Ucrânia”, declarou o conselheiro para a Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan.

O Presidente chinês, Xi Jinping, não participará na cimeira, que decorre numa altura em que se exacerbam as tensões comerciais e geopolíticas com os Estados Unidos e a Índia, com a qual a China partilha uma longa fronteira de traçado contestado.

Pequim está também irritada com o facto de a Índia ser membro do Quad (Diálogo de Segurança Quadrilateral), uma parceria de segurança com a Austrália, o Japão e os Estados Unidos, que a China vê como uma iniciativa para combater a sua influência.

As autoridades chinesas não explicaram por que razão Xi não participará na cimeira, tendo-se limitado a confirmar que o primeiro-ministro, Li Qiang, se juntará aos dirigentes do G20, cujos países representam cerca de 85 por cento da economia mundial e das emissões de gases com efeito de estufa.

A ausência do Presidente chinês poderá afectar os esforços de Washington para que o G20 continue a ser o principal fórum de cooperação económica mundial.

“Sem a participação da China, existe o risco de algumas questões não verem a luz do dia ou de não se chegar a uma conclusão lógica”, considerou o professor de Ciência Política indiano Happymon Jacob, da Universidade Jawaharlal Nehru, declarações à agência Lusa.

Questão de prioridade

Ao HM, a académica Cátia Miriam Costa, do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), e habitual analista de assuntos relacionados com a China, entende que a ausência de Xi Jinping “tem um significado político que não está ancorado na questão das fronteiras, mas antes na demonstração de prioridades para a política externa chinesa”.

“Com esta postura, a China reafirma o seu maior interesse em fóruns como os BRICS em detrimento de outros que, agora, se apresentam como menos interessantes para o projecto da República Popular da China. Ao fazê-lo também evita temas incómodos na política internacional como o debate político sobre a guerra na Ucrânia ao mais alto nível”, adiantou.

Tiago André Lopes, docente na Universidade Portucalense, entende que a ausência do Presidente chinês “dificilmente é uma surpresa”, dado que, por um lado “a diplomacia entre Pequim e Nova Deli tem tido dificuldade em resolver o diferendo colocado pela normalização constitucional de Caxemira”.

Além disso, “a ausência do Presidente Putin permite à China sinalizar os seus parceiros diplomáticos e aliados mais salientes: a ausência solidária da cimeira dos G20 assinala uma frente diplomática entre Moscovo e Pequim que é cada vez mais interligada e que produziu o alargamento da Organização de Cooperação de Xangai e dos BRICS”.

Para Tiago André Lopes, Xi Jinping “continua, obviamente, a ter interesse na manutenção de canais de comunicação diplomática com o Ocidente, mas sinaliza as suas prioridades estratégicas de modo simbólico”. O docente relembra também que “o Presidente Putin cancelou a ida a Istambul, obrigando o Presidente da Turquia a ir até Sochi, mas, entretanto, agendou uma visita a Pequim”. São factos que “estão obviamente interligados”, considera.

Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro, defende que a ausência de Xi “é uma demonstração de descontentamento com o evoluir tenso das relações com os Estados Unidos e com a Índia”, pois são dois países “com os quais Pequim tem uma enorme competição geopolítica, para além do conflito fronteiriço nos Himalaias”.

“A diplomacia chinesa usa muitas vezes o silêncio, a recusa de diálogos ou a ausência como factor de pressão sobre os seus parceiros. Lembro que no encontro de Shangri-La, em Maio, o ministro da defesa Li Shangfu recusou encontrar-se com o secretário da defesa norte-americano Lloyd Austin, obrigando a novos esforços da diplomacia americana para encontros posteriores. A China tem uma diplomacia mais defensiva”, frisou.

Lavrov presente

Outra sombra que paira sobre a cimeira é a guerra na Ucrânia, e o Presidente russo, Vladimir Putin, estará também ausente, substituído pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

Putin é, desde Março, alvo de um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI), que o acusa de crimes de guerra pela deportação ilegal de crianças ucranianas. O Kremlin classificou tais acusações como “nulas e inválidas”. “Enquanto a Rússia não puser fim a esta guerra, não será possível haver ‘business as usual’ (que as coisas decorram com normalidade)”, considerou o porta-voz do Governo alemão, Wolfgang Buechner.

As crises globais com que o G20 se confronta são “muito mais difíceis, mais complicadas e mais preocupantes do que foram durante muito tempo”, sublinhou, por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, S. Jaishankar.

O reforço como potência

A Índia, que acaba de consolidar o seu estatuto de potência espacial, ao colocar uma nave espacial na Lua em Agosto, vê na sua presidência do G20 um momento de viragem que fará definitivamente do país um actor global de primeira ordem.

O primeiro-ministro, Narendra Modi, apresenta a Índia como o autoproclamado líder do “Sul global”, que quer ser uma ponte entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento e exerce pressão para que o bloco seja alargado à União Africana, tornando-se o “G21”. Modi está a tentar utilizar o G20 para reformar as instituições multilaterais, tais como a ONU, e dar mais peso aos países em desenvolvimento.

“A emergência da Índia enquanto a economia de mais rápido crescimento do mundo e a sua abordagem inclusiva são boas notícias para os países do Sul”, defendeu o antigo diplomata indiano Sujan Chinoy, director do Instituto Manohar Parrikar de Estudos e Análises de Defesa.

Mas os esforços do dirigente indiano para pressionar os homólogos do G20 a ultrapassarem as suas divergências e solucionarem os problemas globais mais importantes foram vãos nas reuniões ministeriais que precederam a cimeira.

Em Julho, os ministros da Energia do G20 não conseguiram chegar a acordo sobre um calendário para reduzir a utilização de combustíveis fósseis. E nem sequer falaram sobre o carvão, um combustível sujo que continua a ser uma fonte de energia essencial para a Índia e a China.

Estes dois países estão entre os maiores poluidores do planeta, mas afirmam que os países ocidentais, que começaram a poluir durante a Revolução Industrial, há dois séculos, devem assumir uma responsabilidade histórica muito maior na actual crise climática.

Qualquer esperança de consenso no G20 sobre a energia e o clima enfrenta também a resistência de países como a Arábia Saudita e a Rússia, que temem que uma transição em direcção ao abandono dos combustíveis fósseis fragilize as suas economias.

Acertar agulhas

Dezenas de milhares de agentes de segurança, incluindo francoatiradores de elite posicionados nos telhados de Nova Deli, forças especiais, tecnologia anti-‘drones’ (aeronaves não-tripuladas), limusinas blindadas e “homens-macaco” recrutados para manter afastados os macacos que proliferam na capital indiana são algumas das medidas de segurança adoptadas pelas autoridades para acolher a cimeira do G20.

Grande parte do centro da cidade foi fechada ao trânsito e as lojas obrigadas a encerrar. Foi também declarado feriado público, o que mergulhou no silêncio a habitualmente sobrelotada e ruidosa megalópole ultra-poluída de cerca de 30 milhões de habitantes.

Os bairros da lata ilegais foram destruídos, os sem-abrigo que viviam debaixo das pontes e ao longo das ruas foram transferidos para “albergues”, as fontes foram ligadas e os sinais de trânsito desbotados há anos receberam uma nova camada de tinta.

Cerca de 70.000 vasos de flores foram também distribuídos por toda a cidade. De acordo com o jornal “Times of India”, foram utilizados 35 camiões-cisterna para os regar. Foram ainda erigidas várias estátuas ao deus hindu Shiva, incluindo uma com 8,5 metros de altura, colocada à entrada do local da cimeira: o Bharat Mandapam, um centro de conferências recentemente renovado, perto do memorial Raj Ghat a Mahatma Gandhi, onde se espera que os líderes do G20 plantem árvores. Com Lusa

7 Set 2023

ASEAN | Cimeira centrada no Myanmar e tensões com a China

Começou ontem e decorre até amanhã a 43ª cimeira anual da ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático. O clima é de alguma tensão, com os diálogos centrados na situação política do Myanmar e nas questões geopolíticas que envolvem a China. Destaque também para o processo de adesão de Timor-Leste, apontado para 2025

 

A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) realiza até amanhã, em Jacarta, mais uma cimeira anual de líderes dos países membros. O encontro, que arrancou ontem, é marcado pela ausência de progressos no Myanmar, país que continua mergulhado em conflito, e pelas tensões territoriais que têm como epicentro a China.

Num dos pontos mais baixos da história da organização, fundada em 1967 e composta por Indonésia, Singapura, Malásia, Tailândia, Filipinas, Vietname, Laos, Camboja, Brunei e a então Birmânia (actual Myanmar), a cimeira contará com a participação dos líderes de todos os Estados-membros excepto dois: o chefe da Junta Militar do Myanmar, Min Aung Hlaing, que não foi convidado, e o recém-nomeado primeiro-ministro tailandês, Srettha Thavisin.

São igualmente esperados na capital indonésia dirigentes de fora da região para reuniões com o grupo, entre os quais o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, o Presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, e o homólogo australiano, Anthony Albanese. Também estão presentes a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, bem como o secretário-geral das Nações, António Guterres, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov.

Embora o Presidente indonésio, Joko Widodo, tenha mostrado capacidades de mediação no ano passado, enquanto anfitrião da cimeira do G20 (grupo das maiores economias do mundo) em Bali que se saldou num inesperado consenso, o princípio da não-ingerência da ASEAN dificulta a obtenção de acordos substanciais.

Com o tema “ASEAN: Epicentro do Crescimento”, a Indonésia procurou desviar a atenção dos conflitos para a prosperidade económica da região – uma das de maior crescimento do mundo – na cimeira, durante a qual se realizará também uma dezena de reuniões bilaterais.

Mas tal não será fácil de alcançar: a cadeira vazia de Myanmar é uma prova cada vez maior do fracasso do grupo em promover uma solução para o conflito que o país atravessa desde o golpe de Estado de 1 de Fevereiro de 2021, com mais de 4.000 mortos às mãos das forças de segurança birmanesas desde então, segundo a Associação para a Assistência aos Prisioneiros Políticos (AAPP) do país, e centenas de milhares de rohingyas (minoria muçulmana perseguida) refugiados no vizinho Bangladesh, o país mais pobre do mundo.

“A ASEAN só poderá avançar com toda a sua força se formos capazes de assegurar uma solução pacífica e duradoura em Myanmar”, defendeu na segunda-feira a ministra dos Negócios Estrangeiros indonésia, Retno Marsudi, na reunião de chefes da diplomacia antes da cimeira.

Nesse sentido, afirmou que será discutido o acordo de cinco pontos alcançado em Abril de 2021 durante uma cimeira em Jacarta com a junta militar birmanesa, que prevê o fim da violência e o diálogo entre todas as partes envolvidas no conflito.

O empenho da ASEAN nesse plano que fracassou desde o início, devido à falta de compromisso da junta – razão pela qual os seus dirigentes não são convidados para reuniões de alto nível da organização – foi criticado na semana passada numa reunião sobre a crise em Myanmar organizada por uma dúzia de organizações não-governamentais em Jacarta.

O golpe da divisão

Os membros da ASEAN continuam divididos quanto à abordagem a adoptar em relação ao Myanmar: enquanto a Indonésia, Singapura, Vietname, Filipinas e Malásia condenaram o golpe de Estado através de uma resolução das Nações Unidas em 2021, o Camboja, o Brunei, o Laos – que será o anfitrião do grupo no próximo ano – e a Tailândia abstiveram-se.

Além da crise no Myanmar, também serão debatidas as tensões no mar do Sul da China – que Pequim reivindica na sua quase totalidade, disputando territórios com Malásia, Filipinas, Vietname e Brunei -, que, nos últimos meses, aumentaram devido a alegados ataques da guarda costeira chinesa a barcos filipinos e vietnamitas.

Além disso, o Vietname, a Malásia e as Filipinas, bem como a Índia e Taiwan, protestaram na semana passada contra o novo mapa divulgado por Pequim de territórios recentemente anexados, que inclui ilhas disputadas no mar do Sul da China.

Após os debates entre os membros na terça-feira, os dirigentes da ASEAN reúnem-se com os líderes dos países convidados hoje e amanhã, também com vista a possíveis reuniões bilaterais, especialmente entre Harris e Li, cujos países competem pelo aumento de influência na região. A presença de Kamala Harris em vez do Presidente norte-americano, Joe Biden – que participou na cimeira da ASEAN em Phnom Penh em 2022 -, e de Li em vez do Presidente chinês, Xi Jinping, são baldes de água fria para o grupo, esperando-se, portanto, que as ausências também façam parte das conversas.

A adesão de Timor

Mesmo numa espécie de impasse, a ASEAN prepara-se para acolher um novo país com uma história bastante recente: Timor-Leste. Numa entrevista à Lusa, o primeiro-ministro timorense disse na segunda-feira que a adesão do país à ASEAN, firmada para 2025, é realista e permitirá ao país preparar os muitos quadros técnicos e especializados necessários para maximizar as oportunidades de fazer parte da organização regional.

“Temos de formar mais quadros, procurar recursos humanos competentes em áreas importantes, relativamente ao que ASEAN nos pode dar e ao que podemos dar à ASEAN. Áreas muito relevantes, especialmente porque sabemos que o objectivo do mandato deste Governo é desenvolver a economia”, disse Xanana Gusmão.

“Sobretudo no sector da economia, do investimento e das áreas relacionadas com este propósito e com esta interligação com os países da ASEAN, precisamos de gente capaz. Já fizemos uma análise e vemos que ainda estamos fracos em vários aspetos”, afirmou.

O chefe do IX Governo timorense participa na cimeira da ASEAN depois de Díli ter fixado o ano de 2025 como meta para a adesão, processo que se chegou a debater poder ser concluído ainda este ano e ainda sob a presidência rotativa da Indonésia.

Muitas metas

Um complexo roteiro de adesão implica que Timor-Leste terá de alcançar várias metas essenciais antes da conclusão de um processo que se arrasta há vários anos, mas que teve o seu maior impulso em 2022 com a votação a favor do estatuto de observador.

À Lusa em Jacarta, onde esta semana representa o Estado timorense na 43.ª Cimeira da ASEAN, Xanana Gusmão admitiu que a meta deste ano era excessivamente optimista, em termos de calendário.

“Iniciámos este processo de adesão no IV Governo. E sim, podemos falar de optimismo em relação à pressa, sim, mas não de optimismo em relação a querermos a adesão, porque isso é uma posição global, de todo o Estado”, disse o primeiro-ministro.

Timor-Leste já esteve representado na primeira cimeira deste ano, também organizada pela Indonésia, em Labuan Bajo, com o então primeiro-ministro Taur Matan Ruak a ser o primeiro líder timorense a intervir num encontro da organização regional. E ainda que o país não esteja formalmente integrado, Taur Matan Ruak já entrou na ‘foto de família’ dos chefes de Estado e de Governo que hoje decora a página principal da presidência indonésia da ASEAN.

Xanana Gusmão explicou que mais do que intervir no encontro, se trata de ouvir e de “trabalhar com os dedos”, registando as impressões, comentários e posições dos membros da organização, para compreender melhor os assuntos em cima da mesa.

Críticas de Xanana

O primeiro-ministro timorense criticou ainda a acção da Junta Militar do Myanmar, instando a ASEAN a resolver a situação, em declarações que levaram a Junta a expulsar o encarregado de negócios timorense naquele país. Xanana Gusmão reiterou a sua posição sobre o assunto, afirmando que se trata de defender os princípios que Timor-Leste sempre defendeu e de contestar, entre outros aspectos, a prisão da líder nacional Aung San Suu Kyi

“O meu perfil é dizer abertamente, claramente as coisas, o que penso. A reacção deles de expulsar o nosso representante diplomático é normal. É uma medalha para nós. Mas acredito que as minhas declarações não impedirão a nossa preparação para a adesão porque todos apoiam a nossa adesão”, afirmou.

“Há benefícios [com a adesão], mas nunca devemos esquecer que os valores devem estar sempre acima dos benefícios que podemos receber. Temos de ser coerentes com a nossa posição, com a nossa visão do mundo”, enfatizou.

Xanana Gusmão, que discursou no Fórum Empresarial da ASEAN, manteve no início da semana um encontro de cortesia com o Presidente indonésio Joko Widodo, antes de dois dias intensos de reuniões na cimeira e a nível bilateral.

Entre os encontros previstos, à margem da cimeira, contam-se reuniões com o homólogo australiano, Anthony Albanese, e com o secretário-geral da ONU, António Guterres.

5 Set 2023

SAFP | Saída de Kou Peng Kuan pode ser reconhecimento, diz analista

Não se podem apontar grandes erros no percurso de Eddie Kou Peng Kuan à frente dos Serviços de Administração e Função Pública, na óptica do académico Bryan Ho, que encara a saída para o Centro de Formação Jurídica e Judiciária como possível reconhecimento. Já Pereira Coutinho não encontra um único ponto positivo na liderança de Kou Peng Kuan

Eddie Kou Peng Kuan esteve oito anos à frente dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) e, agora, é a vez de passar o testemunho a Ng Wai Han, e desempenhar funções como director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária.

Tendo em conta que a área do funcionalismo público sempre foi alvo de inúmeras críticas, devido à burocracia e lentidão dos serviços, analistas ouvidos pelo HM não apontam grandes reparos a Eddie Kou Peng Kuan.

Bryan Ho, docente da Universidade de Macau (UM) e especialista em governança e administração pública, defende mesmo que a nomeação para o Centro de Formação Jurídica e Judiciária pode ter duas leituras.

“Em primeiro lugar, Kou Peng Kuan não cometeu erros graves durante o tempo em que esteve à frente dos SAFP, apesar de algumas dificuldades e desafios que ainda estão por resolver. Em segundo lugar, o seu desempenho relativamente bom e a sua contribuição para a Função Pública e para a sociedade de Macau foram reconhecidos.”

José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), destaca o facto de o ex-director dos SAFP ser “uma pessoa de bom trato”, mas incapaz de “sobressair devido às anteriores tutelas que nunca tiveram a preocupação de resolver os importantes problemas internos da Função Pública, causadores de inúmeras injustiças”.

Coutinho destaca entre as falhas de Kou Peng Kuan a “contagem do tempo eventual de serviço para efeitos de cálculo das pensões de aposentação, a implementação da retroactividade dos índices de forma igualitária, a pouca transparência da Comissão de Avaliação das Remunerações da função pública” ou ainda “a inutilidade da Comissão de Tratamento e Gestão de Queixas da função pública”.

O deputado e dirigente associativo não consegue realçar, pela positiva, uma única medida de Kou Peng Kuan, que fez parte “do grupo de responsáveis pela criação e extinção de vários gabinetes de apoio”. Em suma, o deputado descreve que “muito pouco foi feito ao nível da simplificação dos procedimentos administrativos” enquanto liderou os SAFP.

“Relativamente bom”

Para Bryan Ho, Kou Peng Kuan teve, nestes oito anos, “um desempenho relativamente bom” na liderança dos SAFP, “empenhando-se na construção de uma Função Pública eficiente para a sociedade”. O académico destaca a criação do serviço de “Conta Única de Macau”, introduzido em 2019 que permite o tratamento online de inúmeras burocracias.

Bryan Ho recorda momentos menos bons do mandato do ex-director, nomeadamente quando o Comissariado de Auditoria “revelou num relatório o aumento da despesa pública relacionado com o sistema de recrutamento gerido pelos SAFP”, e “o desperdício de dinheiros públicos devido à sua ineficiência”. Nessa altura, “os jornalistas perguntaram se Kou assumiria as responsabilidades, demitindo-se do cargo em prol da responsabilização política”. Este manteve-se à frente dos SAFP.

“No contexto de Macau, as questões relativas a um sistema ineficaz e confuso de recrutamento na Função Pública podem ser mais complicadas do que parecem. O sistema de recrutamento foi objecto de reformas e obteve alguns resultados, mas também gerou muitos outros problemas imprevistos”, rematou o académico da UM.

Um novo dia

O ex-director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), Kou Peng Kuan tomou posse como director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) na passada sexta-feira, prestando juramento numa cerimónia presidida pelo secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, e testemunhada pelo chefe do gabinete do secretário para a Administração e Justiça, Lam Chi Long.

Durante a cerimónia, Kou Peng Kuan agradeceu a André Cheong “pela confiança depositada, afirmando que irá, em conjunto com a equipa, continuar a empenhar-se na prossecução das atribuições do CFJJ”. O novo director prometeu dedicação na “formação profissional nas áreas da justiça e do direito, com base nos trabalhos realizados e os bons resultados obtidos no passado”.

A chegada ao topo da hierarquia do CFJJ é mais um passo numa carreira que começou a ser construída com a licenciatura em Gestão Empresarial pela Universidade Ji Nan, mestrado em Direito Económico pela Universidade Sun Yat-Sen e doutoramento em Administração Pública pela Universidade Popular da China.

O ingresso na função pública aconteceu em 1991, mais precisamente como técnico superior do Centro de Formação para a Administração Pública. Ao longo dos anos, Kou Peng Kuan passou pelos cargos de adjunto da divisão de formação, chefe da divisão de formação e chefe do departamento de modernização administrativa dos Serviços de Administração e Função Pública. A escalada no organismo levaria Kou Peng Kuan a desempenhar o cargo de subdirector dos SAFP em 2011 e director a partir de 2015, cargo que ocuparia até à nomeação para o CFJJ.

História com barbas

Quando Kou Peng Kuan ingressou na função pública, os SAFP ainda não existiam. Na altura, a gestão e operacionalidade dos serviços administrativos estavam fragmentados em vários organismos dispersos, como os Serviços de Administração Civil, as Administrações de Concelho de Macau e das Ilhas e o Posto Administrativo de Coloane. Estes organismos haviam sido criados nos primórdios do Estado Novo pela implementação da Reforma Administrativa Ultramarina de Portugal, através de um decreto-lei aprovado pelo Ministério das Colónias em 15 de Novembro de 1933.

Cinquenta anos depois, ainda durante a administração portuguesa de Macau, era aprovado o decreto-lei que instituiu a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, a 1 de Dezembro de 1983.

O novo organismo transferiu e centralizou as competências das entidades da administração ultramarina portuguesa sobre Macau. Além disso, o organismo ficou incumbido das missões de “estudar, promover, coordenar a optimização e inovação das políticas de administração e função pública e impulsionar o aumento contínuo de desempenho administrativo”, assim como “melhorar constantemente o sistema de função pública”. A página dos SAFP acrescenta à lista de missões a formação de uma equipa de trabalhadores altamente eficiente, que estabelece uma cultura de serviços de qualidade.

Ng Wai Han tomou posse como directora da SAFP

A tomada de posse de Ng Wai Han para o cargo de directora dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) realizou-se na sexta-feira, numa cerimónia presidida pelo secretário para a Administração e Justiça, André Cheong. O governante destacou que os SAFP desenvolveram instrumentos e medidas para melhorar a governação electrónica e a optimização de procedimentos administrativos.

André Cheong exortou ainda Ng Wai Han e os colegas a empenharem-se no cumprimento das suas funções, tendo por base os “trabalhos promovidos no passado, como a reforma da administração pública, optimização do regime jurídico da função pública, promoção da governação electrónica, aperfeiçoamento das acções de formação dos trabalhadores da administração pública”.

Por sua vez, Ng Wai Han prometeu que irá enfrentar os desafios inerentes ao cargo com uma atitude baseada em “pragmatismo, inovação e empenho” e em conjugação com a orientação governativa do Governo.

Ng Wai Han é licenciada em Direito e mestre em Direito Criminal pela Universidade de Zhongshan, de Guangzhou. Em 1999, ingressou na função pública como técnica superior na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), de 2013 a 2016 desempenhou funções de Chefe da Divisão de Estudos do Departamento de Estudos e Informática, Chefe da Divisão das Relações Laborais do Departamento de Inspecção do Trabalho e posteriormente Chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho.

Em Novembro de 2016 assumiu o cargo de subdirectora da DSAL substituta, tendo em Junho de 2017 iniciado funções como subdirectora da DSAL. Desde Junho de 2020 tem exercido o cargo de subdirectora do SAFP.

5 Set 2023

Casa Garden | 40 anos da arquitectura de Eduardo Flores em exposição

“PROVADEVIDA – Eduardo Flores – 40 anos em Macau” é o nome da mostra inaugurada na terça-feira na Casa Garden. Chegado a Macau no início da década de 80, Eduardo Flores tem a sua assinatura em muitos edifícios e infra-estruturas do território, como a piscina de Cheoc Van, a Escola Portuguesa de Macau ou o plano de urbanização do ZAPE. O arquitecto está também a preparar o livro “Biografia na Arquitectura”

 

Fotos de Rómulo Santos

Quando olhamos para a história da arquitectura de Macau no século XX habituamo-nos a ver nomes portugueses. Eduardo Flores é um deles, estando o seu trabalho espelhado em vários recantos do território, a título individual ou em equipa, não apenas em edifícios residenciais que hoje passam despercebidos, mas também em projectos maiores, como a piscina de Cheoc Van, em Coloane, ou a edificação do ZAPE [Zona de Aterros do Porto Exterior].

São 40 anos de arquitectura, iniciados em Portugal nos anos 80, que podem agora ser revisitados em “PROVADEVIDA – Exposição de Eduardo Flores, 40 anos em Macau”, patente na Casa Garden entre 5 e 17 de Setembro. Além disso, Eduardo Flores prepara um livro, em edição de autor, sobre a sua carreira, com fotografias, histórias pessoais e esquissos de projectos edificados ou que ficaram pelo caminho. “Biografia na Arquitectura” é, contudo, um projecto em andamento, sem data de publicação.

A história profissional de Eduardo Flores começa a contar-se com o projecto da Casa da Nazaré, o primeiro, uma encomenda de um cliente, em 1982. “Embora emocionante, não houve receios nem questionamentos existenciais. Tratou-se da renovação de uma casa de férias de família, na malha antiga da Nazaré. Da arquitectura original, projectada e aprovada, não retiro uma virgula, mas o facto de ter-me afastado da obra a meio, por ter de vir para Macau, complicou a qualidade e fidelidade do desenho, mas isso era quase normal”, recordou ao HM.

Pouco tempo depois, chegava ao Oriente e começou a projectar a piscina de Cheoc Van, em Coloane, logo em 1983. Aquilo a que designa como “um projecto da juventude”. “Não gostando particularmente de piscinas, abordei a questão com uma ingenuidade que, julgo, não falhou. Só aquele pedacinho espraiado, onde nos podemos espojar e resfolegar feitos leões marinhos, já valeu a pena. Numa primeira abordagem, o tanque entrava pelo mar adentro, com águas bem separadas e, no entanto, muradas, sem grande entusiasmo. A ideia foi emendada, felizmente”, apontou.

Nos anos 80, além de diversos projectos para edifícios públicos, Eduardo Flores participou no Plano de Intervenção Urbanística do ZAPE, um projecto “complicado”. “O modo como encarámos essa ‘missão’ foi esforçado”, conta o arquitecto, recordando o trabalho com parceiros vindos de Hong Kong.

“Havia, claro e infelizmente, as perfeitamente dispensáveis opiniões de gabinetes completamente incompetentes no assunto, e não estou a falar das Obras Públicas de então, tão sofredoras quanto nós. Não fiquei satisfeito [com o resultado final], até hoje”, confessou.

Na zona norte da península, Eduardo Flores projectou alguns edifícios residenciais da chamada classe M, com poucos pisos. Aqui, não houve grandes desafios. “Na altura, eram muito mais compensadores os projectos públicos, sobretudo intelectualmente, mas os honorários também eram suficientes para, com atenção, não darem prejuízo. Na encomenda privada estávamos sempre espartilhados. Eram prédios muito grandes e densos, normalmente bastante feios. Nada que me envergonhe, mas não consigo definir esses dois prédios [na zona norte].”

O arquitecto recorda que, à época, “as Obras Públicas eram muito pouco ou nada interventivas, como aliás, competia, nas questões de liberdade do arquitecto”, mas com os edifícios de classe M “era uma história, de diversas maneiras, diferente”, “nos edifícios mais altos havia muitas imposições de modelos e tipologias de Hong Kong”.

Restaram, desses tempos, “imensos prédios fantasiosos, invisíveis a não ser em fotografias que tínhamos de nos apressar a fazer antes de ficarem completamente mascarados com grades e prateleiras para vasos”. “Havia a conversa recorrente sobre qual seria o aspecto de Macau se, de repente, tudo fosse retirado e pudéssemos ver os prédios todos no seu estado original. Aposto que seria surpreendente e, talvez, motivo para mais uma exposição”, acrescentou.

Destaque ainda para a participação de Eduardo Flores no projecto de requalificação do bairro de São Lázaro em 2001 em colaboração com a empresa de José Chui Sai Peng, a CAA – Chui & Associates. No livro, o arquitecto descreve que, com este projecto, foi permitido reintroduzir, tal como no Plano do ZAPE, “os mais simples e reais valores urbanísticos que, contrariando o poder do mercado especulativo, pudessem contaminar, de modo positivo, dinâmicas avassaladoras”.

São Lázaro “é um território bem demarcado na malha urbana da cidade”, destaca Eduardo Flores na publicação, sendo também “significante na história política de Macau, na ocupação colonial de mais território, sobretudo com Ferreira do Amaral [Governador assassinado em Macau em 1849], que, por isso, literalmente perdeu a cabeça”.

Eduardo Flores ajudou também a projectar a Escola Portuguesa de Macau, inaugurada em 1998, em parceria com o atelier de Carlos Marreiros. “Simbolicamente, foi o meu último trabalho em Macau, num fecho da história que delimitou o mais importante ciclo da minha vida.” O arquitecto deixou Macau, pela primeira vez, em Agosto de 1999. “Embora doloroso, era o momento certo para o desejado regresso à metrópole”, descreve em “Biografia na Arquitectura”. O regresso ao Oriente fez-se em Agosto de 2001, no pós-transição, para mais esquissos e projectos.

Esquecimentos e cuidados

Muitos prédios de Eduardo Flores e tantos outros projectos, incluindo a piscina de Cheoc Van, parecem estar hoje votados ao esquecimento ou à falta de manutenção. Algo que o arquitecto lamenta. “As cidades, e em particular os edifícios, precisam de cuidados primários para terem saúde”, frisou.

Na vida de um arquitecto nem tudo o que é desenhado e pensado sai do papel. Convidámos, por isso, o arquitecto a olhar para o que correu bem e menos bem nos seus 40 anos de carreira. “Houve projectos muito aliciantes de elaborar e depois construir. A piscina [de Cheoc Van], ainda com a consciência pouco afinada daquilo que um projecto público pode acarretar, chateou até dizer chega”. Seguem-se os “viadutos ZAPE-NAPE”, de 1993, que entraram “num ‘negócio’ quase paralelo, apesar de lhes chamarem ‘obras de arte’. Neste ponto, Eduardo Flores convida a uma visita à exposição para se conhecerem todos os detalhes a fundo da história. Em relação aos projectos que não avançaram, “os enjeitados”, o arquitecto diz apenas que “não há roda onde todos caibam”.

Acima de tudo, 40 anos de arquitectura, grande parte deles passados em Macau, não são mais do que um “drama completo, incluindo cenário e personagens”, ironiza. “Foi um sonho real. Aconteceu-me quase tudo o que desejava de bom, e não havia grandes problemas, só umas chatices de vez em quase. Claro que exagero, mas não de mais. Até porque Macau, por vezes, seria uma paixão um tanto canalha; mas rapidamente sabíamos com que contar.”

Maior qualidade

Quanto ao exercício da profissão no território, até 1999, Eduardo Flores recorda que “nunca houve grandes variações de práticas, tanto do lado privado como do público”. Após 2001, “as relações tornaram-se menos fluídas e até me pareciam menos francas”. “Parece-me não haver dúvidas de que a construção dos novos casinos e hotéis, e a exigência aí exercida, rapidamente se expandiu, influenciado com mais qualidade os hábitos de construção anteriores, que eram, normalmente, muito maus”, frisou.

Em relação aos ganhos e perdas dos profissionais nos últimos anos, Eduardo Flores aponta que “a vida dos projectistas não se facilitou”. “A familiaridade entre técnicos deixou de funcionar tão bem. Além disso, houve subtis alterações de regulamentos e práticas que em nada melhoraram os processos. Ganhámos numa qualidade de execução que podemos mais facilmente exigir – ou que já começa a sentir-se por si. O que se chamava as ‘boas práticas’ construtivas, descuradas com o ‘boom’ dos anos 70 a 90, e que se notam do pouco que sobra de anos anteriores, podem ter regressado”, confessou.

Tanto na exposição, como no livro, Eduardo Flores revela os bastidores da arquitectura, retratos de momentos felizes a projectar e de companheirismo com outros profissionais de Macau, como Mário Duque, João Palla, entre outros. É também dado destaque a viagens e projectos em Portugal, nomeadamente a Biblioteca Municipal da Chamusca, de 1996, ou as Seis Vivendas edificadas em Vila Franca do Campo, na ilha açoriana de São Miguel.

31 Ago 2023

Espaço | China vai apostar em “modelo aberto de cooperação”, diz académico

O académico Diogo Cardoso acredita que a política espacial chinesa irá apostar num “modelo aberto de cooperação”, fomentando um rápido desenvolvimento tecnológico. Num artigo académico, o doutorando da Universidade de Lisboa traça um olhar sobre a história da exploração espacial chinesa

 

A agenda de exploração espacial é uma área de interesse do Governo chinês há décadas. Dos votos de intenção, falta de recursos e intenções militares da era de Mao Tsé-tung até à aposta actual durante a presidência de Xi Jinping, muitos passos foram dados em direcção ao espaço.

Diogo Cardoso, doutorando do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa (UL), analisou o tema vertido num artigo académico publicado na última edição da revista Daxiyangguo – Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos, publicação deste instituto.

O artigo intitulado “As políticas do Espaço e de Segurança chinesas de Mao Zedong a Xi Jinping: Em busca do ‘Chinese Dream’ [Sonho Chinês]” e conclui que “nos próximos cinco anos a China deverá fortalecer a capacitação básica da sua indústria aeroespacial”, bem como “avançar na implementação de pesquisas de ponta e implementar grandes projectos científicos e tecnológicos”.

Incluem-se ainda, nesta estratégia, a aposta em “projectos prioritários em áreas-chave, como os voos espaciais tripulados, a exploração lunar, o sistema de observação da Terra de alta resolução, o seu sistema de navegação BeiDou-3, e ainda a nova geração de foguetões de lançamento espacial”.

Desta forma, o país vai continuar a melhorar, “de forma abrangente, a infraestrutura espacial, promover o desenvolvimento da indústria de satélites, conduzir pesquisas científicas em profundidade e aprimorar o desenvolvimento abrangente, coordenado e sustentável da indústria aeroespacial”.

Na ascensão do poder chinês em matéria de política espacial, Diogo Cardoso entende que estão em causa “preocupações gerais com as mudanças na distribuição do poder económico e militar” bem como “preocupações específicas de como esses recursos são alocados e se isso pode levar a um conflito”.

“Resta saber se a mudança nos objectivos espaciais da China, conforme articulado pelos seus cientistas e formuladores de políticas espaciais, para adquirir recursos baseados no espaço, bem como a montagem de uma estação espacial permanente, levarão ao nacionalismo de recursos, territorialismo e expansionismo”, lê-se ainda no artigo académico.

Um modelo aberto

Ao HM, Diogo Cardoso declarou ainda que a China, nos próximos anos, vai “propor um modelo de cooperação aberta no que concerne ao espaço, utilizando inclusive os seus activos espaciais para possibilitar a países em desenvolvimento que tenham acesso a serviços de rede de telecomunicações, navegação por satélite através do serviço BeiDou, agora com alcance global, e até utilização de satélites meteorológicos”.

Para o académico, “todos estes serviços têm um grande impacto no desenvolvimento político, económico e social dos países em desenvolvimento”.

Por outro lado, “a China continuará a apostar no desenvolvimento e expansão da estação espacial chinesa, que já se encontra totalmente funcional, na promoção do seu programa de exploração lunar e de Marte, bem como num grande conjunto de projetos espaciais com possíveis resultados extremamente importantes para a humanidade”.

Importa ainda referir a ligação da política espacial com o projecto “Uma faixa, uma rota”, através da “Rota da Seda Espacial”, com a qual a China “tem promovido uma posição de cooperação internacional, colocando a sua estação espacial Tiangong ao serviço da ciência e da comunidade internacional”.

Pelo contrário, o académico considera que os Estados Unidos “irão adoptar uma estação espacial privada no futuro, o que poderá colocar em causa os princípios de cooperação científica internacional para o espaço, uma vez que a maioria dos países não dispõem de avultados fundos para financiarem viagens espaciais”, aponta Diogo Cardoso.

O doutorando do ISCSP entende que “o Programa Espacial Chinês destaca-se facilmente como uma das joias da coroa chinesa”, sendo que as suas origens remontam a 1955, quando o pioneiro dos foguetes e mísseis Quian Xuesen regressou dos Estados Unidos para a China.

Esta foi a época em que “após um período de consolidação, os líderes da China olhavam para uma agenda em prol do desenvolvimento com papéis-chave desempenhados pela ciência e tecnologia”. Desde então, e ao longo das diversas presidências, a China “é agora um actor importante na arena espacial global.

Um conflito espacial?

Questionado sobre a tensão geopolítica entre a China e os EUA pode chegar ao espaço, Diogo Cardoso relembra que “a guerra comercial [entre os dois países] é, em grande parte, uma guerra tecnológica pela luta pelo domínio [nesta área], bem como nos padrões e normas internacionais”.

“Em relação a um possível conflito espacial, e apesar de existirem armas anti satélite e outro tipo de armas a serem testadas, considero que um possível conflito, a acontecer, seria do tipo não convencional, com o uso de munições e tiros, mas através de tecnologias cibernéticas, que podem colocar em causa a actividade dos satélites de outro país.”

O académico acredita que os EUA “vão adoptar uma postura ainda mais defensiva em relação ao espaço, uma vez que outros países já dispõem de tecnologias espaciais extremamente avançadas, pelo que a sua posição de dominação está ameaçada e, para isso, os EUA tentarão proteger a sua posição”.

As bases fundacionais para o programa espacial chinês surgiram em 1956 com a criação da Comissão da Indústria de Aviação da China e da Quinta Academia do Ministério da Defesa. O artigo aponta que “o primeiro local de lançamento foi estabelecido em 1958 e o primeiro satélite foi lançado em 1970”.

A primeira nave espacial não tripulada, Shenzhou-1 (Navio Divino 1), foi lançada em 1999, e em 2003 o primeiro astronauta chinês foi ao espaço a bordo da Shenzou-5. Por outro lado, a exploração da Lua foi iniciada em 2003, com o lançamento do satélite Chang’e-1 (Deusa Chinesa da Lua 1) e o primeiro laboratório espacial Tiangong-1 (Palácio Espacial 1) em 2011, descreve o académico no seu trabalho.

Xi Jinping chegou ao poder em 2013 e desde então tem desenvolvido a ideia do “Sonho Chinês”, onde um dos objectivos é fazer com que o país disponha de um “exército forte” e poder espacial até 2030, daí observarem-se “esforços de modernização e fortalecimento do Exército de Libertação Popular (ELP) e das forças espaciais chinesas”. Os diversos Livros Brancos publicados por Pequim dão conta que “a exploração do espaço exterior é parte do desenvolvimento nacional geral”.

Durante a governação de Mao Tsé-tung, “o espaço era visto mais como um gesto político do que uma parte vital da arena militar ou económica”, sendo uma “prioridade inferior” do Governo Central.

Entre 1956 e 1976, a China teve “avanços muito limitados nas suas capacidades espaciais, devido à falta de recursos financeiros, tecnológicos e recursos humanos treinados, bem como às repetidas convulsões políticas que interromperam os esforços de pesquisa”. De frisar que a cooperação internacional em matéria espacial arrancou em 1970.

Deng Xiaoping, por sua vez, “inicialmente fez pouco para promover o desenvolvimento espacial para os sectores militar ou civil”, tendo-se concentrado no processo de abertura e reforma económica do país. Nos anos 90, “o programa espacial beneficiou do investimento e do apoio intensificado de alto nível”, tendo como exemplo a implementação de diversos satélites no período de Jiang Zemin, entre 1992 e 2002. Hu Jintao “manteve o apoio ao programa espacial chinês. Durante os seus dois mandatos” tendo sido implementados, durante o seu mandato, “uma variedade de novos sistemas de satélites”.

Hoje em dia, Xi Jinping olha para o programa espacial chinês “como um reforço do clima de inovação científica, especialmente no campo da robótica, inteligência artificial e aviação”, com um enquadramento na iniciativa “Made in China 2025”. Com o espaço, o Governo e o Partido Comunista Chinês esperam obter “enormes dividendos económicos”.

30 Ago 2023

Tecnologia | Trabalho remoto mantém-se em algumas empresas locais

Num mercado laboral dominado pelo jogo, imobiliário e funcionalismo público, que lugar tem o teletrabalho em Macau no período pós-pandemia? O HM tentou apurar até que ponto um regime de trabalho mais flexível se adequa às características da economia local

Durante a pandemia, em que os contactos próximos tinham de ser evitados ao máximo, o teletrabalho foi a salvação para muitas empresas e trabalhadores. Se no mundo cada vez mais empresas se vêm obrigadas a incluir o teletrabalho ou regimes híbridos para poderem contratar, no período pós-pandemia, como é o caso em Macau, com um mercado laboral dominado, essencialmente, por actividades que não podem ser exercidas remotamente, como o jogo e o turismo? O HM foi conhecer o caso de algumas empresas do sector privado, de várias áreas, que mantém o teletrabalho mesmo depois do regresso à normalidade.

Bruno Simões, director da SmallWorldExperience, empresa ligada à produção de eventos e conferências, adiantou que, durante a pandemia, o teletrabalho foi adoptado “desde o início” e que agora a flexibilidade é a regra. “Actualmente, temos um sistema híbrido, mas não temos um horário fixo. Todos os trabalhadores podem agora trabalhar em casa sempre que necessitem. Tal acontece muitas vezes sempre que há mau tempo, muito trânsito, ou quando estamos a preparar eventos”, acrescentou.

Suzanne Watkinson, directora-geral da agência imobiliária Ambiente Properties, também manteve a sua empresa a funcionar em teletrabalho durante a pandemia, “à excepção de algumas semanas quando o Governo decretou o encerramento dos escritórios”.

“Até certo ponto, o facto de estarmos no negócio do imobiliário faz com que os nossos dias e horas sejam ajustadas às necessidades dos clientes. Então, quando tudo estava mais parado, focámo-nos nas questões administrativas, como a criação do nosso website e questões dessa natureza. Assim, em termos gerais, continuámos a ir ao escritório algumas vezes”, frisou.

Actualmente, a empresa optou por trabalhar com um sistema híbrido. “Alguns membros da Ambiente Properties trabalham num horário flexível, o que significa que o trabalho é feito em casa durante uma parte do dia e, depois, no escritório. Contudo, na nossa empresa continuamos a defender a importância da interacção presencial e as conversações casuais na equipa são a ‘cola’ que precisamos para nos mantermos unidos”, disse.

Suzanne Watkinson acredita que continua a ser fundamental ter reuniões presenciais e partilhar conhecimentos e dados sobre o mercado imobiliário de uma forma mais próxima.

No caso da empresa de comunicação social Project Asia Corp., que detém o portal Macau News Agency e a revista Macau Business, entre outras publicações, o teletrabalho é também usado de forma flexível. “Durante a pandemia a nossa empresa continuou sempre em actividade e com o escritório aberto, sendo que a equipa trabalhou a partir de casa nos períodos de confinamento. Adoptámos também em determinados períodos – seguindo o que as autoridades indicavam – um sistema rotativo, em que metade da equipa trabalhava no escritório e a outra metade a partir de casa. Durante a maior parte desses três anos, tivemos toda a equipa – os que estão em regime de tempo inteiro – a trabalhar presencialmente no escritório, seguindo normas de higiene e cuidados. Além disso, ao longo desses três anos, os trabalhadores que estivessem com sintomas costumavam trabalhar a partir de casa. Hoje em dia trabalhamos essencialmente em modo presencial, sendo que – tal como já acontecia antes da pandemia – colaboradores em regime de part-time, que executam tarefas que não requerem presença no escritório (cujo trabalho pode ser executado e acompanhado on-line) podem fazê-lo a partir de casa.”

Um mercado conservador

O debate a nível mundial sobre a permanência do teletrabalho no mercado laboral após a pandemia tem sido constante. Um dos exemplos mais falados foi o de Elon Musk, patrão da Tesla que defendeu, no ano passado, que “o trabalho remoto já não é aceitável”, tendo alertado os seus trabalhadores que “quem quiser trabalhar à distância deve estar no escritório por um mínimo de 40 horas por semana ou sair da Tesla”. “Isto é menos do que pedimos aos trabalhadores da fábrica”, terá acrescentado, segundo a Bloomberg.

Suzanne Watkinson recorda que “empresas como a JP Morgan, Amazon, Apple ou Disney, que foram grandes defensores de um regime híbrido e do trabalho a partir de casa nos últimos anos, estão agora a exigir aos seus trabalhadores para regressarem aos escritórios, acreditando que a produtividade aumenta quando a equipa está junta “, adiantou.

Importa olhar para as especificidades do mercado laboral local, ainda dominado pelo jogo e pela indústria turística e de serviços, ou seja, trabalhos que não podem ser feitos a partir de casa e com recurso a um computador.

“Olhemos para o mercado local: dos 363 mil trabalhadores no sector do jogo, qual é a percentagem dos que ocupam posições nas linhas da frente [com contacto com jogadores, como os croupiers]. Estes trabalhos não podem ser feitos à distância. No imobiliário, e até certo ponto, este cenário já acontece devido ao abrandamento do mercado e a natureza do trabalho. O trabalho no Governo pode ser feito remotamente, a não ser nos serviços que não o permitam. Restam algumas pequenas e médias empresas. Desta forma, não sei se o teletrabalho é, de facto, uma questão em Macau.”

Bruno Simões, por sua vez, entende que “Macau é bastante conservador em termos laborais”, onde “o relógio de ponto é ainda a norma e o teletrabalho é uma excepção”. “As reuniões virtuais são mais aceites”, apontou.

Para o economista José Sales Marques, “os regimes híbridos são mais aceitáveis, excepto para certas profissões muito específicas”. “Em termos gerais, o mercado de trabalho em Macau oferece empregos na área de serviços, onde existe necessidade de trabalho presencial e contacto intenso com clientes, como quase tudo o que está relacionado com a hotelaria, a restauração, o jogo e o turismo”, acrescentou.

O lado bom e mau

“Working from Home Around the Globe” é o nome do relatório, lançado em Junho deste ano, sobre o panorama do teletrabalho em todo o mundo, da autoria de Cevat Giray Aksoy, Jose Maria Barrero, Nicholas Bloom, Steven J. Davis, Mathias Dolls e Pablo Zarate.

Uma das conclusões do documento prende-se com o facto de os trabalhadores com um trabalho a tempo inteiro terem estado, entre os meses de Abril e Maio deste ano, a trabalhar a partir de casa 0,9 dias por semana, em média. Diz o relatório que “os níveis de trabalho a partir de casa são mais elevados nos países de língua inglesa” e que “os trabalhadores a tempo inteiro trabalharam em média 1,4 dias completos pagos por semana a partir de casa na Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e EUA”. Em comparação, “os níveis médios de trabalho a partir de casa foram de apenas 0,7 dias por semana em sete países asiáticos, 0,8 nos países europeus e 0,9 em quatro países da América Latina e na África do Sul”.

Além disso, “67 por cento dos empregados a tempo inteiro trabalham [actualmente] cinco dias por semana nas instalações da empresa”, enquanto 26 por cento têm um regime híbrido. Apenas “oito por cento dos empregados a tempo inteiro trabalham inteiramente a partir de casa”, descreve o relatório.

Alvo de muitas desconfianças, o teletrabalho continua a não ser adoptado totalmente em muitos países. Bruno Simões acredita que “um dos aspectos mais positivos da pandemia foi tornar o teletrabalho uma realidade”, pois “até então as reuniões virtuais e o trabalho a partir de casa não eram aceites”.

Trabalhar a partir de casa pode ajudar a poupar tempo e dinheiro gastos nas deslocações, mas, para Bruno Simões, há o problema “da falta de formação dos jovens”. “Aprende-se muito mais quando estamos fisicamente no mesmo local”, disse.

Para Suzanne Watkinson, os aspectos positivos do teletrabalho prendem-se com a poupança de tempo e dinheiro, enquanto, no que diz respeito aos pontos negativos, exige “um grande nível de confiança entre gestores e empregados para ser um sucesso”, pois “a produtividade pode ser mais baixa se os empregados tirarem vantagens de trabalharem em casa”. Podem ainda ocorrer problemas na comunicação por telefone ou email. “Nada bate a comunicação cara a cara para que as coisas sejam feitas”, frisou.

Se Elon Musk acredita que, em casa, os seus funcionários podem tornar-se mais preguiçosos, a verdade é que trabalhar em casa pode significar precisamente o contrário: dias de trabalho mais longos e menos pausas. Um estudo desenvolvido pelo centro de investigação norte-americano National Bureau of Economic Research em plena pandemia, em 2020, concluiu, segundo o jornal Público, que os dias de trabalho estavam, à data, mais longos, segundo informações disponibilizadas por 3,1 mil trabalhadores.

Em média, o dia de trabalho passou a ter mais 48,5 minutos logo nas semanas a seguir aos primeiros confinamentos, enquanto o número de reuniões aumentou 13 por cento.

30 Ago 2023

Covid-19 | Governo afasta alarme social devido a nova subvariante

A nova subvariante da Ómicron BBX da covid-19, a Éris ou EG.5, representa já mais de 70 por cento dos novos casos da doença na China. Os Serviços de Saúde afastam a possibilidade de perigos maiores para a população, tal como o epidemiologista Manuel Carmo Gomes

 

Com agências

As fronteiras abriram, as restrições foram eliminadas e a vida voltou à normalidade no que à pandemia diz respeito. Mas a verdade é que a covid-19 continua a ser uma realidade para muitas pessoas, ainda que bastante longe do grau constrangimentos ao quotidiano dos últimos anos. Agora a subvariante da Ómicron BBX mais comum é a Éris, ou EG.5, que na China já é responsável por mais de 70 dos casos de infecção.

Em Macau, os Serviços de Saúde (SS) parecem estar descansados relativamente à nova mutação. “De acordo com a última avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a subvariante EG.5 apresenta as características de maior capacidade de transmissão e de escape imunológico”, sendo que “não foram encontradas evidentes alterações significativas patogénicas”. Além disso, “não houve um aumento significativo [na nova subvariante] dos riscos globais para a saúde pública”.

Desta forma, as autoridades de saúde da RAEM entendem que “com base nos dados disponíveis, o nível de risco global para a subvariante EG.5 é avaliado como de baixo risco”, sendo que os SSM prometem continuar “a monitorizar a evolução do novo coronavírus e a adoptar oportunamente diversas medidas de prevenção da epidemia”. Assim, as autoridades de saúde parecem não querer voltar ao passado recente, marcado por um uso generalizado de máscaras e mais testagem da população.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) listou a EG.5 como variante de interesse, no entanto, não indicou que represente uma ameaça maior em comparação com outras cepas do tipo de coronavírus. Quem contraiu infecção pela subvariante XBB da Ómicron, entre Abril e Junho, pode ter alguma imunidade contra a EG.5, segundo a organização.

O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da China adiantou na semana passada que a disseminação da subvariante EG.5 não exerceu pressão significativa sobre o sistema hospitalar do país e que é improvável que leve a surtos em massa. “Não há evidências conclusivas que sugiram que a EG.5 possa causar sintomas graves”, afirmou o CDC, citado pelo China Daily.

Preparar para o frio

Na sexta-feira, segundo a agência estatal Xinhua, especialistas chineses afirmaram que a China não deverá ter um novo surto de covid-19 em grande escala tão cedo, mas aconselharam que a população tome precauções devido à chegada do período frio no Outono e Inverno. Li Tongzeng, médico e chefe do Departamento de Doenças Respiratórias e Infecciosas do Hospital You’an, de Pequim, disse que a maioria dos casos de covid-19 actuais apresenta sintomas leves, existindo poucos casos graves.

A imunidade pública ainda é eficaz na proteção contra a variante EG.5, disse Hu Yang, médico sénior do departamento de medicina respiratória e terapia intensiva de um hospital com sede em Xangai.

Huang Senzhong, professor da Universidade Nankai, expressou opiniões semelhantes, dizendo que actualmente são registadas algumas infecções esporádicas na China, mas em número mais baixo e com um menor impacto na sociedade.

Os especialistas apontaram ainda, segundo a Xinhua, a necessidade de reforçar a área da saúde a fim de dar resposta ao período de frio que se aproxima, nomeadamente um aceleramento na investigação e produção de novas vacinas para variantes futuras da covid-19.

O director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou no início do mês que, embora o risco geral seja baixo, a disseminação global da EG.5 pode contribuir para um aumento de casos de covid-19 em diferentes partes do mundo.

“Não há dúvida de que o risco de morte ou de casos graves é agora muito menor do que há um ano, devido à crescente imunização da população graças a vacinas e infecções, mas apesar da melhoria, a OMS continua a considerar que o vírus representa um risco alto para a saúde pública”, acrescentou.

Embora a OMS tenha declarado o fim da emergência internacional em 5 de Maio, Tedros Ghebreyesus disse no início do mês que o “vírus continua a circular em todos os países e continua a matar e a sofrer mutações”.

Palavra de epidemiologista

Manuel Carmo Gomes, epidemiologista português, garantiu ao HM que a Éris, ou EG.5, deriva da Ómicron XBB.1.9., apresentando duas mutações “que lhe conferem uma capacidade especial para evadir os anticorpos que todos temos por termos sido vacinados, infectados ou as duas coisas”. Assim, “esta capacidade de evasão inclui mesmo os anticorpos de pessoas que foram infectadas com versões anteriores da XBB”, existindo, no entanto, alguns perigos.

O epidemiologista aponta que o vírus pode continuar a evoluir “para se adaptar a uma população mundial que tem uma ‘parede imunitária’ originada pela vacinação e por três anos de infeções naturais”. “Ninguém pode prever que novas direcções vai seguir. Este perigo é conceptual, mas obriga a manter um significativo esforço de vigilância, o qual, infelizmente, decaiu muito desde que a OMS proclamou o fim da situação de emergência internacional”, frisou.

O segundo perigo endereçado por Manuel Carmo Gomes prende-se com o facto de a maioria das pessoas ter “concentrações muito baixas de anticorpos em circulação no sangue porque fomos vacinados ou infectados há mais de quatro meses”. Existe, desta forma, “uma probabilidade alta de sermos infectados pela EG.5, caso tenhamos contacto com o vírus”, sendo que este cenário “deve aumentar muito no próximo Outono”.

Quais são, então, os cuidados a ter? O especialista entende que “para as pessoas mais idosas e os que padecem de doenças de risco para a covid-19, como imunodeficiência, doença pulmonar, doença renal ou neoplasias, o risco de desenvolvimento de formas graves de covid é real”. Pelo contrário, “nas pessoas saudáveis, em princípio, a infecção por EG.5 pode originar sintomas leves que serão ultrapassados com o tempo”.

O cenário de maior mortalidade continua afastado. “Existe evidência de poder infectar e causar doença leve com relativa facilidade, mesmo em pessoas que foram vacinadas ou infectadas no passado, mas não há evidência de que seja mais letal ou mais patogénica”, adiantou Manuel Carmo Gomes.

Outubro com reforços

O HM questionou Manuel Carmo Gomes sobre a eventual necessidade de reforço das vacinas com esta nova subvariante. O epidemiologista disse que “o reforço outonal que será dado a partir do início de Outubro em Portugal e no mundo, deve diminuir significativamente o risco de doença grave, de forma duradoura, e o risco de infecção, temporariamente, causada pela EG.5”.

“A razão é simples: o próximo reforço é uma vacina feita com base na XBB.1.5, uma subvariante muito parecida com a XBB.1.9, a precursora da EG.5”, explicou ainda.

Manuel Carmo Gomes também entende não ser necessário, para já, alterar os planos de combate à doença. “Em Portugal, pelo menos, não há evidência de que a EG.5 venha a causar uma pressão hospitalar maior do que anteriores versões do vírus. Em alguns países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, as hospitalizações com covid estão com sinal ascendente, mas estão a partir de níveis historicamente baixos.”

Desde o início da pandemia, no final de 2019, a OMS registou quase sete milhões de mortos em todo o mundo, tornando a crise sanitária uma das mais graves desde a gripe espanhola, em 1918.

Em comparação com os piores momentos da pandemia, em que foram notificados mais de 20 milhões de casos semanais globalmente (no início de 2022 com a variante Ómicron), apenas cerca de 10.000 infecções foram relatadas na Europa e 20.000 nos Estados Unidos, em Julho, embora os números ainda fossem relativamente altos na região da Ásia – Pacífico (288.000 positivos).

Reforço em baixa

Dados fornecidos pelos Serviços de Saúde (SS) ao HM revelam que apenas “mais de 60 por cento dos adultos [vacinados] receberam o reforço” da vacina contra a covid-19 desde o início do programa, em comparação à taxa de vacinação inicial da população alvo em Macau, que ultrapassou os 90 por cento. Por sua vez, “cerca de 70 por cento” das pessoas com idades compreendidas entre seis meses e os 17 anos completaram a vacinação inicial, enquanto em relação aos adultos de 18 aos 59 anos, “mais de 90 por cento completaram a vacinação inicial”. Relativamente à população mais idosa, ou seja, com 60 ou mais anos, “mais de 80 por cento completou a vacinação inicial”, apontam os SS, que prometem continuar a apostar na campanha de vacinação contra a covid-19 “através de publicidade diversificada, incluindo vídeos promocionais, infografias, anúncios online em plataformas de redes sociais, bandeiras e placas publicitárias”.

28 Ago 2023

Óbito | Ng Sio Ngai, veterana jornalista, morre de doença prolongada

Ng Sio Ngai faleceu na madrugada de sexta-feira vítima de doença oncológica. Natural de Zhongshan, a jornalista dedicou-se por inteiro à profissão, e ajudou a criar a Associação de Jornalistas de Macau e o órgão de comunicação social “All About Macau”. É recordada por colegas e membros da comunidade chinesa pelo heroísmo e espírito livre

A classe jornalística, seja de língua chinesa, portuguesa ou inglesa, conhecia-lhe o jeito peculiar de colocar perguntas: pertinentes, incisivas, mas longas e sempre com alguma opinião pelo meio, algo que os manuais de jornalismo não recomendam. Era um estilo próprio de inquirir os poderes dirigentes que, desde os anos 1980, existia na jornalista que passa agora a fazer parte da história do jornalismo em Macau: Ng Sio Ngai faleceu na madrugada de sexta-feira, 25, vítima de doença oncológica.

A notícia foi avançada pelo jornal online “All About Macau”, que ajudou a fundar e de que era dirigente. “É com profunda tristeza que anunciamos o falecimento de Ng Sio Ngai, presidente do ‘All About Macau’, na madrugada de 25 de Agosto, após doença prolongada. O seu falecimento constitui uma grande perda e uma grande tristeza para nós.”

O obituário descreve ainda que a jornalista iniciou a carreira no período em que Macau estava ainda sob administração portuguesa, “cobrindo notícias e escrevendo crónicas de opinião para vários órgãos de comunicação social”.

O “All About Macau” descreve ainda que Ng Sio Ngai “foi uma das principais jornalistas da linha da frente de Macau, testemunhando momentos importantes como as negociações sino-portuguesas [sobre a questão de Macau], a transferência de soberania e as eleições para o Chefe do Executivo, além de ter feito uma cobertura aprofundada de acontecimentos importantes que preocupam a comunidade de Macau, nunca desistindo”.

Ainda sobre o “All About Macau”, fundado em 2012, o jornal recorda que a jornalista, juntamente com outro grupo de repórteres, decidiu criar este meio de comunicação online em língua chinesa “dedicado a mostrar uma pluralidade de vozes junto da sociedade e a construir uma sociedade civil juntamente com o público”. No trabalho feito com a Associação de Jornalistas de Macau, da qual foi co-fundadora, em 1998, Ng Sio Ngai “foi uma voz activa na defesa da liberdade de imprensa em Macau”.

“Durante a sua doença, a presidente sempre continuou a prestar atenção à dinâmica da sociedade. Apesar de estar doente, continuou sempre a prestar atenção à dinâmica da sociedade e a persistir no seu amor pelo jornalismo, demonstrando um amor e sentido de responsabilidade sem paralelo pela profissão”, lê-se no obituário.

O jornal destaca ainda que a liderança “extraordinária” da repórter “permitiu que os meios de comunicação social avançassem apesar das dificuldades, transformando-os gradualmente numa plataforma influente com uma diversidade de vozes junto da comunidade”.

Aquilo que é essencial

Carol Law, também jornalista e amiga de Ng Sio Ngai, recorda ao HM que esta fez muito trabalho “por Macau e pelos meios de comunicação social locais, especialmente para os jovens e as novas gerações de jornalistas”.

“Como jornalista cumpriu sempre a sua missão de forma diligente. No período da transição, ainda antes da transferência de soberania, ela procurou, de forma activa, entrevistar responsáveis chineses para saber mais sobre questões como a localização dos quadros [na Administração pública], que era uma das maiores preocupações da sociedade na altura.”

Além disso, recorda Carol Law, quando foi anunciada a construção da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, “ela procurou escrever vários artigos que esclarecessem os leitores sobre os custos da obra e os benefícios que poderia trazer para Macau”.

Acima de tudo, Ng Sio Ngai dedicou-se, ao longo da sua carreira, a “acompanhar a execução da Lei Básica, bem como a facilitar o debate social, reflectindo [no seu trabalho] todas as vozes das pessoas em termos de desenvolvimento sustentável da cidade, igualdade e liberdade”.

Carol Law destaca ainda a defesa firme “da liberdade de expressão e de imprensa”, pois como co-fundadora da Associação de Jornalistas de Macau, “sempre manifestou directamente as suas preocupações, nomeadamente durante as alterações à lei de imprensa e lei de segurança nacional”.

A Associação de Jornalistas de Macau, numa nota de pesar sobre o falecimento da jornalista, recordou que esta nasceu em Zhongshan e que se mudou para Macau com 18 anos “em busca dos seus sonhos”, com um grande interesse pela leitura e pelo taoísmo. Ng Sio Ngai foi “uma pessoa verdadeira e honesta”, que “nunca esqueceu a sua vocação de jornalista, mantendo uma atitude independente e crítica em relação ao Governo”.

Uma figura “heroica”

Johnson Ian, ex-jornalista do jornal Ou Mun, recordou nas redes sociais os dias em que, com Ng Sio Ngai, “andava atrás das notícias, agarrava o microfone e fazia viagens de trabalho”. “Tu eras sempre a primeira ir, sempre a olhar para a frente. Lembro-me das nossas alegrias e tristezas quando fazíamos a cobertura da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, das gargalhadas que dávamos quando comíamos snacks a altas horas da noite e bebíamos café juntos. Foi óptimo ter-te como jornalista sénior, uma colega de armas, uma velha e boa amiga. Ter-te foi a sorte dos jornalistas da minha geração e também de Macau”, escreveu ainda.

Mas Ng Sio Ngai é também uma personalidade recordada por figuras fora da comunidade jornalística, nomeadamente Scott Chiang, antigo dirigente da Associação Novo Macau e ex-candidato a deputado. Ao HM disse que a jornalista falecida foi “uma figura omnipresente da sociedade civil de Macau”

“Em primeiro lugar, ficávamos surpreendidos pela idade dela, pois era quase sempre a jornalista mais velha da redacção, muitas vezes a fazer trabalho comum junto de um grupo de colegas com um terço da sua idade. Muitos foram deixando a profissão ao longo dos anos, mas Ng Sio Ngai manteve-se sempre a trabalhar. Era, sem dúvida, uma autoridade relativamente ao seu profissionalismo e experiência, embora estivesse longe de ser autoritária. Não podemos, contudo, misturar bondade com fraqueza.”

Para Scott Chiang, Ng Sio Ngai “era uma jornalista muito feroz quando era necessário, especialmente quando a pessoa do outro lado do microfone tentava uma forma fácil de fugir às questões”. “Pessoas como ela deixam-nos um testemunho de devoção e resistência. Lembram-nos que, num mundo de loucura total, é possível manter uma busca pura de ideais”, declarou.

O cineasta local Vincent Hoi também juntou a sua voz a um vasto e heterogéneo grupo de pessoas que recordaram a jornalista nas redes sociais. Ao HM, disse que a sua morte “é uma grande perda para o jornalismo de Macau, sobretudo para os media chineses”.

“Ela tinha um grande sentido de justiça e sempre lutou pela liberdade no jornalismo. O que ela noticiava não era aquilo que o Governo queria, mas era o que os residentes queriam saber.”

Sobre o jornal que ajudou a fundar, Vincent Hoi aponta que “mudou o ambiente do jornalismo em língua chinesa”, num cenário em que “os media chineses, como a TDM e o jornal Ou Mun, são muito conservadores e reportam as notícias que o Governo quer”. Em termos pessoais, Vincent Hoi recorda alguém que tinha amigos de todas as idades, “muito heroica”, que vai deixar saudades.

28 Ago 2023