Carlos Monjardino critica a “fraca” sociedade civil de Macau

O presidente da Fundação Oriente, Carlos Monjardino, considera que em Macau nunca existirá uma situação parecida com a de Hong Kong, porque a sociedade local é “fraca”, reflexo duma administração portuguesa mais permissiva em relação à China. Além disso, o ex-governante critica a falta de estratégia portuguesa na abordagem à China

 

[dropcap]”E[/dropcap]m Macau não vai haver nunca uma coisa igual ou parecida ao que aconteceu em Hong Kong”, afirmou Carlos Monjardino, em entrevista à Agência Lusa. No território onde desempenhou funções executivas “não há fagulhas” e as sociedades civis dos dois territórios do Delta do Rio das Pérolas não têm nada a ver uma com a outra: “uma é muito forte, a de Hong Kong, a de Macau é fraca”.

Para o presidente da Fundação Oriente e antigo número dois do Governo de Macau nos anos de 1980, a diferença tem apenas uma explicação: “os ingleses e os portugueses são completamente diferentes e tudo o que foi implementado em Macau tem claramente a ver connosco e o que foi implementado em Hong Kong tem a ver com os ingleses”. Ora, “os ingleses têm uma mentalidade completamente diferente da nossa”, rematou. Por isso, “a sociedade de Macau aceita mais algumas imposições de Pequim”. E os chineses “acham que Macau é um bom aluno, em contraponto ao que se passa em Hong Kong”.

Para Carlos Monjardino, “a questão dos protestos em Hong Kong começou por uma pequena fagulha”, numa referência ao projecto de lei, apresentado em Abril, que permitiria a extradição de suspeitos de crimes de Hong Kong para a China continental e que esteve na origem das manifestações e protestos violentos desde Junho.

Essa “decisão de as pessoas de Hong Kong poderem ser mandadas para serem julgadas na China, obviamente foi um disparate”, considerou Monjardino. E para o presidente da Fundação Oriente a medida faz parte de “um processo que o Presidente da China tem como um dos principais objectivos no mandato, a reunificação”. “Só que as coisas não podem ser feitas assim”, defendeu.

Para Monjardino, todo o processo “foi bastante mal gerido” pelas autoridades: “A senhora que está em Hong Kong, coitadinha, procura fazer o melhor que pode, mas não consegue, até porque não é ela que decide, quem decide é Pequim”. Para o presidente da Fundação Oriente, Carrie Lam “aguentou o primeiro embate até ao máximo, até que Pequim percebeu que não podia continuar a insistir”.

O ex-governante de Macau considera que Macau só poderá retirar a “curto-prazo” benefícios económicos da situação de instabilidade em Hong Kong. “Macau, a curto prazo, acaba por beneficiar” economicamente da crise da cidade vizinha, mas “a médio prazo não, porque a questão de Hong Kong vai-se resolver, espero que sem problemas de maior, mas não tenho tanta certeza”, afirmou Carlos Monjardino.

Para o presidente da Fundação Oriente, Macau poderia também aproveitar a situação de instabilidade no território vizinho de Hong Kong “para atrair capitais”, mas esse tipo de mercado “não existe praticamente”.
Carlos Monjardino sublinhou, porém, que espera que Pequim não use uma posição de força na resolução da situação em Hong Kong. “Seria um erro para Pequim”, disse, sobretudo “depois de Tiananmen”, referindo-se aos confrontos ocorridos na conhecida praça da capital chinesa, em 1989.

O presidente da Fundação Oriente lembrou que hoje é tudo muito mais mediático do que era em 1989, pelo que “toda a gente no mundo inteiro está a ver a reacção de Pequim”. Ora, a China não pode expor-se a uma crítica internacional massiva por uma posição eventualmente mais dura que venha a tomar, considerou.

Morte às portas

Em Macau, a extradição de cidadãos para serem julgados na China acontece “há muito tempo”, lembrou Carlos Monjardino. “Já nos tempos em que eu estava em Macau (…) havia pessoas que tínhamos de recambiar para a China, alguns ilegais”, recordou.

A eventual protecção jurídica aos cidadãos que vivem em Macau para não serem julgados sob o regime continental é algo que “não “está previsto, especificamente”, explicou Carlos Monjardino. Assim, “quando havia um caso de um crime grave perpetuado na China e a pessoa depois se vinha refugiar em Hong Kong ou em Macau, a China tinha razão de pedir a sua extradição”, relatou. “O problema é que se misturam as coisas graves com as que não são graves e há casos que a China quer julgar do outro lado, embora a gente tenha uma justiça completamente diferente deste lado”, sublinhou. Por isso, diz ter sido crítico relativamente a “alguns governos de Macau”, precisamente pela “permissividade com que encararam, sempre, algumas das exigências por parte de Pequim.”

No tempo em que esteve em Macau, lembra-se do caso de um indivíduo que Pequim pediu para ser entregue e julgado na China continental. No dia seguinte, o Governo de Macau, ainda sob administração portuguesa, soube que esse cidadão tinha sido julgado sumariamente. “Nós soubemos que naquela noite ele foi morto junto das Portas do Cerco”, na fronteira, afirmou.

Porém, assegurou, que um cidadão chinês “não é tratado da mesma maneira” pela China que um cidadão que “tenha passaporte português”. “Como a maioria dos macaenses têm passaporte português, esses têm uma protecção natural. Agora, os chineses que estão a viver em Macau não”, sublinhou.

Ponte de passagem

O presidente da Fundação Oriente considera também que a China aproveita “muito bem” a relação histórica com Portugal, país “fácil” para investir que a ajuda a alcançar metas na Europa e África.

Carlos Monjardino defende que os investimentos chineses em Portugal estão ligados à “hegemonia” que Pequim quer ter nesta parte do mundo. “Agora percebe-se que uma das coisas que os chineses querem são os portos”, num caminho “eminentemente político e económico”, afirmou Carlos Monjardino. “Isto não tem nada a ver com cultura, tem que ver com uma hegemonia, ou com uma influência, que os chineses pretendem ter nesta parte do mundo”, reforçou o antigo secretário-adjunto em Macau com responsabilidades na área da Economia.

Para o presidente da Fundação Oriente, a China olha para Portugal como “um país fácil em termos de investimento, em termos de bem-estar”.

Sobre o investimento chinês, Monjardino destaca que Portugal tem falta de capital estrangeiro, mas é preciso que Lisboa estabeleça limites. “O que é estratégico não deve ser de chineses, japoneses, franceses, nem de ninguém. Deve ser público”, disse, considerando que “a qualidade do investimento é mais importante que a quantidade”.

No entender do líder da Fundação Oriente, a posição de Portugal face à China tem-se mostrado “um bocadinho subserviente”, um comportamento que não é bem visto por Pequim. “Os chineses têm muito respeito pela verticalidade das pessoas, e quando as pessoas são muito subservientes (..,) eles não apreciam. Se calhar gostam porque lhes dá jeito na altura. Mas preferem alguém que seja firme”, defendeu.

Além de investirem em Portugal para assegurar uma posição na Europa, Pequim também precisa de Lisboa para ter acesso a África.

O reforço do ensino do português mostra hoje a importância de Portugal como instrumento para a influência chinesa em partes do mundo. Segundo Monjardino, em Macau não se fala mais português do que quando a administração era portuguesa.

No entanto, “se me disser que se fala mais inglês do que quando lá estávamos eu digo-lhe que sim”, concluiu.

Teoria da relativização

O presidente da Fundação Oriente avisa Portugal para seleccionar rapidamente áreas de investimento na China, como saúde, ou “muito pouco” ou “nada” sobrará de uma relação de 500 anos entre os dois países.
Portugal “tem já muito pouco” para recuperar da relação histórica de 500 anos com a China, e já só conseguirá algum ganho se fizer “um esforço muito grande, e muito bem direccionado para sectores de actividade compatíveis com a dimensão”, oferecendo algo “útil” a Pequim, afirmou Carlos Monjardino.

Na opinião de Monjardino, a saúde é um desses sectores da economia portuguesa com capacidade para investir no mercado chinês e com o qual Portugal ainda pode “dar qualquer coisa de diferente”. Para o presidente da Fundação Oriente, a saúde é uma área em que os chineses “estão a vir pedir aqui [conhecimento], comprando empresas portuguesas”. A Luz Saúde foi comprada “porque eles precisam do know how”, exemplificou.

Na opinião de Monjardino, Portugal perdeu as oportunidades de negócio que poderia ter ganho antes da transferência da administração do território para a China e “agora é muito mais difícil (…) voltar a apanhar o comboio, porque o comboio já está em andamento há muito tempo”.

Porém, para o gestor “há coisas” que Portugal ainda pode fazer em Macau, mas principalmente na China.
“Macau é de facto uma plataforma que a gente quer que seja grande e muito importante, mas estamos porventura a dar-lhe importância a mais. Uma coisa é Macau outra coisa é a China. Macau pode servir de uma pontezinha para a China, mas não é garantido que passando por Macau, se entre pela China dentro à vontade”, frisou, defendendo uma maior aposta no vinho, têxteis, produtos farmacêuticos ou novas tecnologias.

O que é preciso “é escolher os sectores em que Portugal tenha dimensão para poder chegar a um acordo com pés e cabeça com a China. E já não estou a falar com Macau, estou a falar com a China em geral, porque Macau é um microcosmos”, reforçou.

28 Nov 2019

AICEP | Exportações para Macau subiram 23,1 por cento até Julho

A delegada da AICEP disse à Lusa que as exportações portuguesas para Macau subiram 23,1 por cento nos primeiros sete meses de 2019, face ao período homólogo de 2018, para 17,7 milhões de euros. Além do turismo, as Indústrias Culturais e Criativas e a Inovação e Empreendedorismo são apostas com potencial para as empresas portuguesas exportadoras

 

[dropcap]”N[/dropcapos sete primeiros meses de 2019, as exportações portuguesas para Macau somaram um total de 17,7 milhões de euros, mais 23,1 por cento que em igual período de 2018, um sinal positivo para Portugal”, considerou Maria Carolina Lousinha em entrevista à agência Lusa.

“O volume das trocas comerciais entre Portugal e Macau ainda tem muita margem de crescimento”, apontou a representante portuguesa, lembrando que “em 2018, o total exportado de Portugal para Macau foi de 27,8 milhões de euros”.

Os produtos alimentares, nomeadamente os vinhos, aguardentes e medicamentos, tiveram um peso de 34 por cento do total das exportações portuguesas para este mercado, de acordo com os dados da AICEP, seguido pelos produtos químicos, com um peso de 24,9 por cento.

Os produtos agrícolas representaram 18,4 por cento e máquinas e aparelhos valeram 16,1 por cento do total, diz a AICEP, destacando que “nos produtos alimentares o destaque vai para os vinhos, aguardentes e licores, conservas de peixe, azeite, bacalhau e enchidos”.

As importações provenientes de Macau foram de 2,9 milhões de euros, mas sofreram nos primeiros sete meses deste ano uma quebra de 33 por cento face ao período homólogo do ano passado, passando de 1,7 milhões de Janeiro a Julho de 2018, para 1,1 milhões de euros nos primeiros sete meses deste ano.

O número de empresas portuguesas exportadoras para Macau tem vindo a aumentar sustentadamente desde 2014, quando eram 364 as empresas que vendiam para o território, até chegar a 474 no ano passado, segundo os dados da AICEP.

Os produtos químicos ocupam a esmagadora maioria dos produtos que Portugal compra a Macau, valendo 83,7 por cento do total.

Além das Ruínas

A delegada da AICEP disse também que, para além do tradicional sector do turismo, as Indústrias Culturais e Criativas e a Inovação e Empreendedorismo são apostas com potencial para as empresas portuguesas exportadoras. “Sendo o turismo um dos motores da economia de Macau, com um recorde de 35,8 milhões de turistas em 2018, oferecendo serviços de qualidade, não só a nível de hotelaria de luxo, mas também a nível de restauração e serviços, temos aqui um potencial a explorar, nomeadamente, a nível de produtos da Fileira Casa (têxteis lar, porcelanas, cutelaria, mobiliário, iluminação, etc), nos quais Portugal tem empresas com capacidade de oferecer produtos de elevada qualidade, inovadores e reconhecidos internacionalmente”, disse Maria Carolina Lousinha.

A responsável frisou em Macau acrescentou que “poderá ter também potencial, tendo em consideração as características deste mercado e a oferta portuguesa, o sector das Indústrias Culturais e Criativas, que abarca vários produtos que vão desde livros, cinema, dança e música, a design, pintura, arquitetura, entre outros”.

Por outro lado, acrescentou, “outra área que merece atenção é a da Inovação e Empreendedorismo”, já que “Portugal e Macau, através de um memorando de entendimento, estão a desenvolver esforços no sentido de fomentar o intercâmbio e a cooperação entre os jovens empreendedores da China e dos Países de Língua Portuguesa, bem como de assegurar as instalações básicas e serviços de apoio de qualidade junto dos empreendedores juvenis através do recentemente criado ‘Centro de Intercâmbio de Inovação e Empreendedorismo para Jovens da China e dos Países de Língua Portuguesa’, em Macau”.

Mais perto da China

Questionada sobre o ponto de vista das empresas que tentam estabelecer-se em Macau como porta de entrada no gigantesco mercado chinês, Maria Carolina Lousinha argumentou que isso “depende muito do tipo de actividade que a empresa pretende exercer em Macau”, mas lembrou que “quem quer trabalhar o mercado chinês tem que estar próximo da China”.

Nesse sentido, apontou, “com o projecto da Grande Baía, Macau passa a estar mais integrado na China continental, por isso, as empresas que tiverem presença em Macau, para além da proximidade, acabarão por beneficiar do acesso a um mercado de mais de 70 milhões de pessoas da Grande Baía”.

A integração regional foi aliás, uma das vantagens apresentadas pela delegada portuguesa na entrevista à Lusa: “Tivemos, recentemente, uma situação que mostra como Macau pode funcionar como plataforma para as empresas portuguesas na China continental”, disse Maria Carolina Lousinha.

“Com a grande procura de carne de porco, por parte da China, algumas empresas de Macau intermediaram o contacto entre empresas portuguesas do sector e importadores do produto em Zhuhai, que faz fronteira directa com Macau”, exemplificou, vincando que “Macau está a apostar na participação ativa na rede de zonas de livre comércio que têm vindo a ser criadas na China”.

Por isso, acrescentou, “as zonas de livre comércio de Tianjin, Guangdong-Hong Kong-Macau, bem como a de Fujian, podem constituir oportunidades para as empresas portuguesas, caso sejam reunidos e cumpridos uma série de pressupostos que confiram vantagens comparativas, nomeadamente do ponto de vista da flexibilização das políticas alfandegárias, de um ambiente mais aberto ao investimento exterior de acordo com as práticas internacionais”.

A participação portuguesa, via Macau, nestas zonas de comércio livre, “alicerçadas em sólidos planos de negócios e de marketing, podem conferir às empresas portuguesas o acesso facilitado ao mercado chinês”, concluiu a delegada da AICEP em Macau.

27 Nov 2019

AICEP | Exportações para Macau subiram 23,1 por cento até Julho

A delegada da AICEP disse à Lusa que as exportações portuguesas para Macau subiram 23,1 por cento nos primeiros sete meses de 2019, face ao período homólogo de 2018, para 17,7 milhões de euros. Além do turismo, as Indústrias Culturais e Criativas e a Inovação e Empreendedorismo são apostas com potencial para as empresas portuguesas exportadoras

 
[dropcap]”N[/dropcapos sete primeiros meses de 2019, as exportações portuguesas para Macau somaram um total de 17,7 milhões de euros, mais 23,1 por cento que em igual período de 2018, um sinal positivo para Portugal”, considerou Maria Carolina Lousinha em entrevista à agência Lusa.
“O volume das trocas comerciais entre Portugal e Macau ainda tem muita margem de crescimento”, apontou a representante portuguesa, lembrando que “em 2018, o total exportado de Portugal para Macau foi de 27,8 milhões de euros”.
Os produtos alimentares, nomeadamente os vinhos, aguardentes e medicamentos, tiveram um peso de 34 por cento do total das exportações portuguesas para este mercado, de acordo com os dados da AICEP, seguido pelos produtos químicos, com um peso de 24,9 por cento.
Os produtos agrícolas representaram 18,4 por cento e máquinas e aparelhos valeram 16,1 por cento do total, diz a AICEP, destacando que “nos produtos alimentares o destaque vai para os vinhos, aguardentes e licores, conservas de peixe, azeite, bacalhau e enchidos”.
As importações provenientes de Macau foram de 2,9 milhões de euros, mas sofreram nos primeiros sete meses deste ano uma quebra de 33 por cento face ao período homólogo do ano passado, passando de 1,7 milhões de Janeiro a Julho de 2018, para 1,1 milhões de euros nos primeiros sete meses deste ano.
O número de empresas portuguesas exportadoras para Macau tem vindo a aumentar sustentadamente desde 2014, quando eram 364 as empresas que vendiam para o território, até chegar a 474 no ano passado, segundo os dados da AICEP.
Os produtos químicos ocupam a esmagadora maioria dos produtos que Portugal compra a Macau, valendo 83,7 por cento do total.

Além das Ruínas

A delegada da AICEP disse também que, para além do tradicional sector do turismo, as Indústrias Culturais e Criativas e a Inovação e Empreendedorismo são apostas com potencial para as empresas portuguesas exportadoras. “Sendo o turismo um dos motores da economia de Macau, com um recorde de 35,8 milhões de turistas em 2018, oferecendo serviços de qualidade, não só a nível de hotelaria de luxo, mas também a nível de restauração e serviços, temos aqui um potencial a explorar, nomeadamente, a nível de produtos da Fileira Casa (têxteis lar, porcelanas, cutelaria, mobiliário, iluminação, etc), nos quais Portugal tem empresas com capacidade de oferecer produtos de elevada qualidade, inovadores e reconhecidos internacionalmente”, disse Maria Carolina Lousinha.
A responsável frisou em Macau acrescentou que “poderá ter também potencial, tendo em consideração as características deste mercado e a oferta portuguesa, o sector das Indústrias Culturais e Criativas, que abarca vários produtos que vão desde livros, cinema, dança e música, a design, pintura, arquitetura, entre outros”.
Por outro lado, acrescentou, “outra área que merece atenção é a da Inovação e Empreendedorismo”, já que “Portugal e Macau, através de um memorando de entendimento, estão a desenvolver esforços no sentido de fomentar o intercâmbio e a cooperação entre os jovens empreendedores da China e dos Países de Língua Portuguesa, bem como de assegurar as instalações básicas e serviços de apoio de qualidade junto dos empreendedores juvenis através do recentemente criado ‘Centro de Intercâmbio de Inovação e Empreendedorismo para Jovens da China e dos Países de Língua Portuguesa’, em Macau”.

Mais perto da China

Questionada sobre o ponto de vista das empresas que tentam estabelecer-se em Macau como porta de entrada no gigantesco mercado chinês, Maria Carolina Lousinha argumentou que isso “depende muito do tipo de actividade que a empresa pretende exercer em Macau”, mas lembrou que “quem quer trabalhar o mercado chinês tem que estar próximo da China”.
Nesse sentido, apontou, “com o projecto da Grande Baía, Macau passa a estar mais integrado na China continental, por isso, as empresas que tiverem presença em Macau, para além da proximidade, acabarão por beneficiar do acesso a um mercado de mais de 70 milhões de pessoas da Grande Baía”.
A integração regional foi aliás, uma das vantagens apresentadas pela delegada portuguesa na entrevista à Lusa: “Tivemos, recentemente, uma situação que mostra como Macau pode funcionar como plataforma para as empresas portuguesas na China continental”, disse Maria Carolina Lousinha.
“Com a grande procura de carne de porco, por parte da China, algumas empresas de Macau intermediaram o contacto entre empresas portuguesas do sector e importadores do produto em Zhuhai, que faz fronteira directa com Macau”, exemplificou, vincando que “Macau está a apostar na participação ativa na rede de zonas de livre comércio que têm vindo a ser criadas na China”.
Por isso, acrescentou, “as zonas de livre comércio de Tianjin, Guangdong-Hong Kong-Macau, bem como a de Fujian, podem constituir oportunidades para as empresas portuguesas, caso sejam reunidos e cumpridos uma série de pressupostos que confiram vantagens comparativas, nomeadamente do ponto de vista da flexibilização das políticas alfandegárias, de um ambiente mais aberto ao investimento exterior de acordo com as práticas internacionais”.
A participação portuguesa, via Macau, nestas zonas de comércio livre, “alicerçadas em sólidos planos de negócios e de marketing, podem conferir às empresas portuguesas o acesso facilitado ao mercado chinês”, concluiu a delegada da AICEP em Macau.

27 Nov 2019

(Des) Conexões | A nova liberdade de Guilherme Ung Vai Meng

Mais de uma dezena de pessoas quiseram ouvir Guilherme Ung Vai Meng no Museu Berardo a explicar uma exposição fora do comum, feita a quatro mãos com o artista Chan Hin Io. Com (Des) Construção, o ex-presidente do Instituto Cultural assume ter feito coisas que nunca imaginou fazer. Agora resta continuar a pensar e a descobrir em novas formas de contar Macau

 

[dropcap]S[/dropcap]ábado à tarde, Museu Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Mais de uma dezena de pessoas reúnem-se para acompanhar a visita guiada à exposição (Des) Construção, com dezenas de peças onde se inclui a fotografia, a instalação e vídeo, da autoria de Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, que formam o colectivo YiiMa.

Mas antes de explicar uma exposição que revela o que Macau foi e que está, aos poucos, a deixar de ser, Ung Vai Meng, antigo presidente do Instituto Cultural (IC), começa com uma maneira de original de explicar aos interessados parte do que vão ver, ao ensinar os visitantes a trabalhar pedaços de bambu como tradicionalmente se faz no sector da construção civil em Macau.

Os dedos enrolam a ráfia à volta de pedaços de bambu que é oriundo do Alentejo, e não da China. Ung Vai Meng vai explicando uma prática muito comum em Macau, mas que poucos das gerações mais novas querem aprender. A arte de trabalhar o bambu é retratada em duas imagens da exposição, bem como numa grande instalação presente numa das salas.

“Há dois anos, quando visitei o Mosteiro da Batalha, que é lindíssimo, vi que ao lado havia um túmulo, e pensei em usar algo oriental e construir um pórtico”, contou aos visitantes.

Pelo meio, há um ou outro comentário que escapa sobre as decisões do Governo, nomeadamente no que diz respeito à imagem dentro da antiga Central Termoeléctrica da Areia Preta, destruída para dar lugar a habitação pública. “É pena”, disse.

(Des) Construção quase que pode ser chamado de símbolo da liberdade criativa que Guilherme Ung Vai Meng conseguiu desde que deixou a presidência do IC, num processo envolto em polémica, sobre o qual não quer falar. Reformado e a dar aulas de arte na Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau, Ung Vai Meng assume que a política nunca foi algo de que gostasse muito.

“Penso que a vida artística não tem fim, sempre quero aprender e ver coisas novas. Antes da minha reforma nem pensava nisso. Desde que me reformei sou muito mais livre, também posso pensar em muitas coisas, ao nível da instalação, escultura, antes nunca tinha feito”, contou ao HM depois da visita guiada.

Apesar de ter estado 34 anos no IC, Ung Vai Meng conta que nunca ambicionou cargos de topo como aquele que desempenhou. “Sou uma pessoa natural, não sou ambicioso. Se aparecer, tudo bem, se não aparecer, tudo bem na mesma. Quando me reformei nunca pensei que fosse fazer algo no Museu Berardo. Se nada aparecesse iria continuar a desenhar ou a pintar.”

Imagens que ficam

Visitar (Des) Construção é depararmo-nos com algo nunca antes feito. Em templos budistas com estruturas de bambu, em antigas casas chinesas com cartazes na parede, nas Ruínas de São Paulo, repousam fotografias com detalhes em que ninguém repara. Há depois o olhar dos próprios artistas cujos corpos se transformam em anjos.

Ung Vai Meng explica ao HM que é como se fossem omnipresentes num território em constante mutação. “Sou pintor e registo paisagens, incluindo as de Macau. Também escrevi um livro sobre a Macau passada. Mas vivemos no século XXI e temos de procurar maneiras novas, ao invés de pintar ou escrever, para contar como era Macau. Por isso utilizámos os nossos corpos como testemunha para olhar o nosso mundo.”

“Sabemos que o anjo tem características muito especiais, consegue aparecer em qualquer sítio, entrar, seja no século XIX, XVI, dentro de casa ou ao ar livre. Somos testemunhas que olhamos, pois os anjos são neutros, nem são maus, nem bons”, relatou.

Esta descoberta constante faz parte da nova vida de Ung Vai Meng. “Trabalhei 34 anos como funcionário do IC e fiquei um bocado cansado. Quis procurar novamente a minha vida de artista. Continuei a pintar e a desenhar, mas em vez de só pintar tenho procurado maneiras de mostrar Macau.”

O facto de a Macau mais tradicional estar a desaparecer não assusta ou afecta Ung Vai Meng, que considera esta mudança natural em muitas cidades, quer sejam asiáticas ou europeias.

“Foi ideia do nosso curador, João Miguel Barros, de olhar para os espaços antigos de Macau. Tínhamos de encontrar uma lógica para organizar esta exposição e penso que isso não acontece só em Macau, mas também na Europa, em Portugal. Por isso em vez de escrever um livro para contar como era Macau, penso que a imagem visual tem mais poder. Por isso fiz este projecto.”

Para o ex-dirigente político, “é normal que sítios ou coisas desapareçam”. “Ontem visitei amigos cá em Portugal e cada pessoa, ou família, em cada sociedade, as coisas estão a desaparecer. É normal, sou testemunha, não tenho respostas. Se algo desaparecer, vão aparecer coisas novas. Sempre olhei para a frente e muitas vezes o passado é um background para conhecer melhor o futuro”, frisou.
Ung Vai Meng prefere não comentar as actuais políticas na área da cultura, numa altura em que o IC é liderado por Mok Ian Ian, depois de várias mudanças na liderança. Mas o artista assume que as especificidades culturais fazem de Macau um território especial.

“Macau é um sítio onde a cultura é algo muito importante e não é fácil, pois nem todas as cidades lidam com esta profundidade cultural, incluindo o património. Para mim a cultura é um recurso que precisa de ser desenvolvido.”

Questionado sobre o que poderia ter feito melhor enquanto esteve à frente do IC, Ung Vai Meng prefere nada apontar. “Fiz aquilo que tinha de fazer. Cabe ao público avaliar se o meu trabalho foi bom ou mau. Penso que tentei o meu melhor, não sei se é bom ou mau, cabe aos cidadãos avaliar. Mas em qualquer área, para um funcionário público, deve ser assim, não apenas na área da cultura.”

26 Nov 2019

Riqueza está mal distribuída em Macau, apesar do elevado PIB, diz Paul Pun

Numa entrevista concedida à agência Lusa, a propósito dos 20 anos da RAEM, o secretário-geral da Cáritas lembrou as enormes desigualdades sócio-económicas que persistem apesar de Macau ter um dos maiores Produtos Internos Brutos do mundo. Paul Pun falou ainda das dificuldades para manter a Cáritas a funcionar

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário-geral da Cáritas Macau defende que o território possui um dos maiores Produto Interno Bruto (PIB) ‘per capita’ do mundo, mas que a riqueza está mal distribuída. “Somos muitos ricos ‘per capita’ mas a riqueza não está distribuída de acordo com o nosso desenvolvimento”, lamentou Paul Pun, responsável da instituição desde 1991, primeiro enquanto assistente do director, depois de 2000 na qualidade de secretário-geral.

Para ilustrar a disparidade, Paul Pun deu o seguinte exemplo que respeita à evolução do território desde a passagem da administração para a China: “O Governo aumentou em 14 vezes, desde 1999, [a despesa] na área social, mas o preço da habitação cresceu 21 vezes”. Ou seja, concluiu, “não se conseguiu acompanhar a inflação, por isso não conseguimos alcançar o progresso”.

Contudo, ressalvou, “hoje temos menos gente pobre porque com as políticas do Governo tem-se feito um esforço imenso para reduzir a pobreza e aqueles que têm menores rendimentos, e não apenas aqueles que mal podem sobreviver”. Isto porque “foram estendidos os limites a quem poderia beneficiar de apoio e hoje mais pessoas podem ser ajudadas”.

O responsável da Cáritas Macau afirmou não defender um aumento dos impostos para garantir mais e melhor apoio social à população, especialmente um que incidisse sobre a exploração do jogo. “Aumentar os impostos podia ser uma forma, mas também poderia desencorajar o investimento. Acho que a situação actual está bem. Não estou a falar em nome da indústria do jogo”, ressalvou, com um sorriso. É que, frisou, “ao receber um terço do jogo, Macau já é o segundo território mais rico ‘per capita’ do mundo”.

“Não devemos ser gananciosos”, disse, preferindo outra aposta: “Temos de saber como podemos usar melhor o dinheiro, isso é importante. Temos de planear como gastar dinheiro e construir infra-estruturas, estabelecer prioridades para não ter de suportar um fardo no futuro”.

Dificuldades de gestão

A Cáritas Macau providencia serviços sociais que abrangem os mais idosos e deficientes, passando pelo apoio dos mais jovens e menores, até às vítimas de violência doméstica. Com um orçamento anual na ordem dos 400 milhões de patacas, a instituição conta com 1.300 colaboradores. Destes, 90 são enfermeiros, 200 são assistentes sociais, sete são médicos e 20 têm funções como fisioterapeutas, terapeutas da fala e ocupacionais.

Dos utentes, cerca de 800 são idosos que se encontram em lares e 500 pessoas portadoras de deficiência, sendo proporcionado cuidados ao domicílio a mais de 200 pessoas. Outros 600 idosos que vivem sozinhos, que mantêm alguma autonomia, são apoiados pela instituição, que providencia ainda um serviço de refeições ao domicílio a 500 pessoas na Taipa, Coloane e na zona norte da cidade.

Perante estes números, Paul Pun disse faltar pessoal à instituição para enfrentar os futuros desafios e para garantir a expansão dos serviços de apoio social no território. O responsável sublinhou que a maior carência é ao nível do pessoal médico, nomeadamente de enfermeiras.

“Não temos enfermeiras suficientes para enfrentarmos os desafios do futuro, pelo que não podemos expandir os nossos serviços. Precisamos de quem se dedique a servir as pessoas no âmbito da missão da Cáritas, seja remunerada [a prestação do serviço] ou em regime de voluntariado”, acrescentou.

Paul Pun explicou que essa foi a razão pela qual a Cáritas já fez um apelo à comunidade das enfermeiras “para que se voluntariassem ou fizessem parte do pessoal em regime parcial”.

O secretário-geral explicou que a expansão dos serviços passa não só pela admissão de mais utentes, mas em reforçar a resposta aos que já se encontram na instituição, com um foco, por exemplo, nos mais idosos e naqueles que apresentam constrangimentos ao nível da mobilidade.

“O envelhecimento da população é uma realidade, mas não temos tempo para nos preocuparmos, temos que nos preparar e ensinar a nova geração a cuidar dos mais velhos, como o estamos a fazer”, frisou.

Contudo, o maior desafio estrutural para o secretário-geral da Cáritas Macau passa pela capacidade de a instituição definir e reforçar a sua missão que integre “diferentes fés e etnicidades”.

Se no passado a Cáritas era maioritariamente constituída por portugueses e chineses e respondia às suas necessidades, “agora há que contar com os migrantes, porque há cerca de 190 mil em Macau”, observou.

25 Nov 2019

Sara Medina e João Medina, Sociedade Portuguesa de Inovação: “A China é um processo contínuo”

Sara e João Medina, da consultora Sociedade Portuguesa de Inovação, empresa nascida no Porto e com representação em Pequim desde 1999, estabelecem ligações entre empresas, centos de inovação e universidades na busca da internacionalização. A China é um dos mercados preferenciais. Em entrevista ao HM, os primos confessam não notar efeitos da guerra comercial nas suas operações e acham que Macau precisa recriar a sua marca junto dos empresários portugueses

 

Qual o peso da China na operação da Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI)?

 

[dropcap]S[/dropcap]ara Medina: Temos apoiado empresas europeias na internacionalização para a China, principalmente nas áreas da transferência de tecnologia, ligações com universidades e centros de investigação, apoio na candidatura a programas de financiamento. Também damos apoio a empresas chinesas que se queiram internacionalizar para os Estados Unidos, Europa e Brasil. Neste momento, estamos a criar uma rede de centros de investigação e inovação na China, um projecto que se chama Enrich in China, com parceiros muito interessantes, nomeadamente a Universidade de Tsinghua, o Governo chinês com o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, a Universidade de Nottingham, entre outros parceiros europeus. O objectivo é trazer investigadores, start-ups e PME da Europa para a China, promover toda a área de cooperação e transferência de tecnologia e ajudá-los na ligação com centros de investigação, com universidades, para estabelecerem parcerias tecnológicas.

Uma das questões em termos de internacionalização empresarial para a China é a abertura, ou falta dela. Como têm sentido essa abertura nos últimos 20 anos?

SM: Trabalho com a China desde 2003, há 16 anos. A China é um processo de aprendizagem. Muitas empresas chegam cá numa missão empresarial e acham que trabalhar com a China se pode fazer à distância. Mandam uns emails de follow-up, os emails nunca são recebidos, não têm WeChat. A China é um processo contínuo e é um processo de investimento. É necessário vir cá muitas vezes, nomeadamente numa fase inicial, de dois em dois meses, de três em três meses, e estabelecer relações de confiança. A parte do trust, das relações pessoais é essencial no desenvolvimento de negócios com a China. Penso que isso é algo em que os empresários, nomeadamente os portugueses, pecam. Vêm cá uma vez e acham que podem dar seguimento a qualquer tipo de colaboração através de email.

Como tem sido a vossa ligação com o Governo de Macau?

SM: Desta vez os contactos têm sido mais com universidades, incubadoras de empresas, Fórum Macau, escritórios de advogados. Não tivemos nenhuma reunião directa com o Governo. Tivemos no passado. Não temos tido uma colaboração muito estreita com o Governo de Macau, acabamos por fazer muito trabalho no Interior da China e os projectos que temos financiados pela Comissão Europeia têm se focado mais na China.

Qual o papel de Macau nas operações da SPI?

SM: Agora vemos Macau com bastante potencial e mais actividade em projectos ligados à inovação, turismo, estratégias de especialização inteligente e start-ups, devido às ligações fortes da Grande Baía e Delta do Rio das Pérolas. Existe a influência do Governo Central em querer promover a integração e o potencial de Macau nesta ligação.

João Medina: O potencial de Macau precisa de um rebrand em Portugal. Macau como porta de entrada para a China é visto tradicionalmente como um sítio para ir vender umas garrafas de vinho e azeite e escoar para a China porque eles são muitos milhões. Macau nestas áreas de maior valor acrescentado, com componente tecnológica e de inovação não aparece hoje em dia no radar. Pode não ser fácil entrar no radar. Nessas áreas, os empresários podem ir directamente a Pequim ou Xangai. Mas, hoje em dia, com esta dinâmica da Grande Baía, esse paradigma pode mudar um pouco, com este projecto poderia haver maior ligação a Portugal nas áreas tecnológicas e científicas. Pelo que vi nestes dias, existe aqui um grande potencial e muitos recursos. Mas os recursos não funcionam na lógica do paraquedista, do “chego aqui e vou-me embora”, é para quem queira fazer alguma coisa aqui em Macau, que tenha benefícios para si, para Macau e para a China.

Que dividendos têm tirado do projecto da Grande Baía, como vêm esta aposta do Governo Central?

JM: Aqui na China, não estamos só na lógica de réplica do que é feito nos Estados Unidos, ou noutro local. Existe já um frontline na China que serve de exemplo noutros sítios. Shenzhen é um exemplo disso. Os transportes públicos, táxis e grande parte dos veículos são eléctricos, algo surpreendente para alguém que vem de Portugal, onde existe um certo preconceito de superioridade. Saíamos do hotel e metemo-nos no trânsito silencioso. Importa acompanhar estas tendências, porque vão ser tendências mundiais. As diferenças para a China são significativas, mas a aprendizagem é importante. Outro aspecto muito criticado na Europa é o ambiente. Mesmo aqui ao lado, Zhuhai tem na sua envolvência uma quantidade invejável de parques urbanos, espaços verdes e parques naturais. Estamos a falar de uma população de alguns milhões, coisa pequena para a China, mas significativa para a Europa. Importa também transmitir essa imagem mais positiva da China e os intercâmbios que a SPI promove em ciência e tecnologia são muito importantes para que haja esse conhecimento mútuo. Porque o desconhecimento pode gerar o preconceito. Essa aprendizagem é importante.

A guerra comercial entre Washington e Pequim tem afectado a vossa actuação? Sentiram algum impacto?

JM: Dou um exemplo profissional. Estamos a fazer um parque de ciência e tecnologia em Cabo Verde. Lá, um pequeno país africano, a cooperação com a China é significativa. Todas as escolas secundárias têm um laboratório de informática e robótica oferecido pela Huawei. Se alguma vez Cabo Verde tiver de escolher um lado na área da tecnologia, é fácil perceber qual vai ser. Se isso acontecer também na generalidade dos países africanos, nos países asiáticos e na América Latina, sabemos que a China tem pontos muito fortes nesta guerra comercial. Portanto, provavelmente as coisas vão-se resolver à chinesa, de uma forma soft, a longo-prazo e sem aparecer nos telejornais. O que é absolutamente o oposto do que temos do lado americano, sobretudo com Trump. Saindo de portas e, se calhar, de um mainstream europeu e americano, as realidades próximas da China são enormes.

SM: A Europa só pode ganhar com isso, porque também já se nota uma maior abertura da China para entidades e empresas europeias que se queiram estabelecer aqui na China.

Recentemente, Bruxelas reagiu negativamente a alguns projectos ao abrigo de “Uma Faixa, Uma Rota”, por estarem em causa sectores fundamentais de alguns estados-membros, como Portugal. Como entendem esta posição?

JM: Nos nossos projectos maiores com a China a prática é diferente desse discurso. Prevalece a colaboração e reforço das parcerias com a China na área da ciência e tecnologia. Há vários anos que temos projectos com este tipo de objectivo e continuam a existir e a incluir a China e algum privilégios nas relações com a Europa. Numa opinião pessoal, e saindo das actividades da SPI, com a Europa de hoje em dia com governos mais conservadores e de direita é natural que haja uma maior tendência para o proteccionismo. Além disso, estes governos também podem ter uma visão crítica e preconceituosa em relação à China. Isso, se calhar, na política irá notar-se, nos negócios pode ser que sim, pode ser que não.

E desvalorização da moeda e desaceleração da economia chinesa? Sentiram algum impacto na operação da SPI?

SM: Desde de 2003 que venho à China. Nota-se, por exemplo, nas regiões de Pequim e Xangai que por volta de 2006 estavam a florescer. Ao nível do crescimento económico tem havido abrandamento, mas a China continua a crescer com valores muito interessantes. Da nossa parte, não tivemos impacto, continua o interesse de entidades europeias em internacionalizar para a China. Continua o interesse e o financiamento da Comissão Europeia.

21 Nov 2019

Richard Hardiman, professor universitário e consultor na área do ambiente: “China está a repetir erros do Ocidente”

Inglês com nacionalidade israelita, Richard Hardiman tem uma intensa relação com a China, onde trabalhou e viveu durante 25 anos. Doutorado em química, com especialização na área do ambiente e recursos hídricos, o professor universitário foi consultor para vários projectos ambientais e de desenvolvimento no país. Richard Hardiman fala dos riscos ambientais causados pela política “Uma Faixa, Uma Rota” e de como a China se preocupa mais com a estabilidade social, associada à problemática da poluição do ar, do que com as alterações climáticas

 

Viveu cerca de 25 anos na China, incluindo no Tibete. Como aconteceu essa jornada?

[dropcap]S[/dropcap]empre quis trabalhar com países em desenvolvimento e fiz o meu doutoramento em Israel na área da agricultura sustentável. Trabalhei também na Índia, um país extremamente difícil para trabalhar. Não conhecia nada sobre a China, não falava mandarim, mas queria ir para lá e fui convidado por uma empresa australiana para trabalhar numa pequena aldeia no noroeste do país. Era o coração da China, o coração das pessoas, a vivência da agricultura, mãos duras, grandes sorrisos. Uma pronúncia muito acentuada. Na altura, a China era um país difícil, não havia electricidade, todos os bens como café ou manteiga eram raros. Tínhamos de ir a Hong Kong buscar tudo isso.

Porque decidiu enveredar pelo estudo do ambiente e alterações climáticas?

Na China quis perceber como é que a população ia ser alimentada, tendo em conta a sua enorme dimensão. A minha especialização estava relacionada com a água, que se relaciona com as alterações climáticas, que por sua vez se liga com a energia e depois com políticas ambientais. Nesta fase olho para todos os aspectos relacionados com o ambiente na China, do ponto de vista de políticas, governança, leis, poluição do ar, dos solos e da água. Tudo isto tem um enorme impacto político em todo o mundo, temos as relações com países como a Rússia, Curdistão, Turquemenistão, com a política “Uma Faixa, Uma Rota” no topo de tudo isso. É algo que não pára de crescer.

Comecemos com essa ideia de que falou, de como se pode alimentar a China. O desenvolvimento económico levou milhões de pessoas dos campos para as cidades. A China encontrou o caminho ideal para dar resposta a esse crescimento de forma sustentável?

O lado sustentável não é uma questão, mas em termos de desenvolvimento económico é claro que há uma estratégia. Os limites de cada aspecto das políticas chinesas, a forma de pensar do Governo, tudo isso está relacionado com a estabilidade social. Quando Mao Zedong estava no Governo, a estabilidade social estava absolutamente controlada. Depois apareceu Deng Xiaoping que disse que, em prol do crescimento económico, para colocar o dinheiro nos bolsos das pessoas, deveria haver estabilidade social. E esse tem sido o pensamento seguido pelos líderes que lhe seguiram. Mas a questão ambiental surgiu no horizonte, as pessoas começaram a dizer “sim, temos dinheiro nos nossos bolsos, temos carros, mas não conseguimos respirar”. Então o ambiente tornou-se uma questão. Actualmente todas as políticas ambientais visam tornar a situação melhor, mas o limite é sempre a estabilidade social. Se olharmos para tudo o que está a acontecer, a política “Uma Faixa, Uma Rota”, é a mesma política que já foi introduzida, que é pegar na energia e materiais, transformá-los em projectos com valor e exportá-los. Tudo está a acontecer do ponto de vista ambiental e de uma forma muito pouco sustentável. A China está a repetir todos os erros do Ocidente, para minha frustração, pois esse foi o meu trabalho lá, mostrar quais foram os nossos erros como ocidentais e como as coisas deveriam ser feitas. Mas não ninguém ouviu essa perspectiva, ficou sempre a ideia do “agora é a nossa vez”.

As pessoas começam a falar dos problemas ambientais que a política “Uma Faixa, Uma Rota” pode trazer. Acredita que ainda é possível reverter a situação?

É muito possível, a questão é se há esse desejo. Xi Jinping disse várias vezes de que a aposta seria em prol da sustentabilidade e todas essas ideias, mas não há provas disso. Muito do financiamento está a ir para projectos ligados à energia, e muitos deles ligados a energias fósseis.  Estes são financiados por bancos estatais e tentam obter os 86 por cento dos financiamentos no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota”. Claro que há alguns projectos ligados às energias renováveis, mas a maior parte está ligado às energias fósseis, e isso é assustador. É quase como replicar o que aconteceu na China, mas a um nível global.

Há muitos acordos assinados com países africanos. Acredita que África será o continente que mais irá sofrer as consequências ambientais destes investimentos?

Não apenas África. Temos o exemplo do Tajiquistão, que vai receber uma central eléctrica no centro da cidade. No caso do Cambodja, o pior cenário é causado por centrais nucleares localizadas na China, que estão a ser encerradas e desmanteladas e vendidas para o Cambodja, passam de lixo para tesouro. Estes cenários não nos dão uma boa previsão do que vai acontecer. Estou muito preocupado com isso.

Existe uma contradição na forma como a China está a levar a cabo as suas políticas ambientais e a postura internacional ao nível das alterações climáticas? A China critica os Estados Unidos por ter abandonado o Acordo de Paris, mas depois na política “Um Faixa, Uma Rota” toma más decisões?

Há uma contradição, absolutamente. A China é muito cuidadosa em relação ao facto de aquilo que é feito estar de acordo com o que é dito. Por exemplo, criaram este conceito, a intensidade do carbono. O que foi afirmado que o país iria reduzir as emissões em cerca de 45 por cento em termos da intensidade do carbono, que é uma forma de reduzir as emissões de carbono em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). A China diz querer reduzir esse rácio em 45 por cento até 2020, e 65 por cento até 2030. É um termo muito inteligente, porque o que diz é “podemos aumentar o PIB até um nível superior em relação ao aumento dos níveis de dióxido de carbono”. E fizeram-no. No que diz respeito ao Acordo de Paris, transferiram as indústrias pesadas para indústrias mais ligadas à alta tecnologia. As emissões de carbono têm vindo a aumentar, mas não tanto como se esperava.

Uma vez que os EUA saíram do Acordo de Paris, a China tem a oportunidade de liderar o processo, podendo talvez trabalhar num novo Acordo?

Não me parece que a China se preocupe com as alterações climáticas.

É propaganda?

Não, mas simplesmente não se preocupam. O que se preocupam é em relação à estabilidade social, a poluição do ar, aquilo em que os seus cidadãos estão a pensar. Do meu ponto de vista a poluição do ar não é a mesma coisa que as emissões de dióxido de carbono, pois a poluição do ar está relacionada com partículas, mas há uma relação entre as duas partes. O que eles fizeram nesta área foi notável, uma vez que desceram dos 80 por cento de dependência de energias fósseis para 65 por cento. Mas o limite é ter ar limpo e cidadãos satisfeitos, esse é o foco principal. As alterações climáticas ou a redução das emissões de carbono é um subproduto disso.

Não estão então interessados em liderar nenhum processo global desse tipo?

Não há indicação. Se liderarem, e falo de alterações climáticas, e não falo de mudanças económicas, é mais para estarem no topo, mas porque a China quereria isso? Se voltarmos um pouco atrás à conferência anual, em Copenhaga (em 2009), a China colocou-se nos ombros da Índia e disse: “nós somos países em desenvolvimento, representamos o mundo em desenvolvimento e insistimos que os países desenvolvidos ajam em conjunto e reduzam as emissões de dióxido de carbono”. Afirmaram não estar de acordo com o Protocolo de Quioto. Classificar-se a si mesmo como um país em desenvolvimento não constitui um problema, isso foi em 2009. Mas permitir que os países desenvolvidos reduzissem as suas emissões de dióxido de carbono fez com que se tenha reduzido o poder das indústrias do Ocidente e isso permitiu à China desenvolver muitos aspectos.

A Índia está numa situação pior ao nível das questões climáticas em relação à China? Recentemente vimos a vaga de nuvens de fumo registadas em Nova Deli?

Sim. A Índia está fora de controlo, o país não está assim tão desenvolvido. Quando a China tem uma política preocupa-se com ela e impõe-na. Mas na Índia é uma confusão democrática e não posso dizer que tenha uma política ambiental. Se olharmos para o mapa da poluição do ar, em primeiro lugar surge Nova Deli e o resto da Índia não apresenta problemas. O problema na Índia é que não vejo nenhuma acção conjunta a nível ambiental.

Como ficam os EUA depois de deixarem o Acordo de Paris? Sem Donald Trump é possível voltar atrás?

Não sou adivinho, mas tudo depende de quem chegar ao poder. Nos EUA as emissões por PIB são enormes, estão fora de controlo. O que mais me impressiona é que nos filmes têm sempre céus azuis (risos). Poderiam facilmente reduzir essas emissões, mas o facto de não possuírem uma estratégia, de dependerem dos combustíveis fósseis, sabendo as tecnologias amigas do ambiente estão a ser desenvolvidas lá fora, vai fazer com que o país acabe por perder o barco.

Tendo como base o caso dos EUA, que deixaram o Acordo de Paris com Donald Trump, e a situação dos fogos na floresta da Amazónia, no Brasil presidido por Jair Bolsonaro, acredita que o populismo, e o seu aumento no Ocidente, pode trazer impactos negativos para as políticas ambientais? Há uma relação?

O facto é que todos somos responsáveis. Os nossos carros, os nossos frigoríficos, telemóveis, todas as tecnologias de que somos dependentes, estão a causar esta situação. Os acordos ligados às alterações climáticas, quer seja o de Paris ou Copenhaga, afirmam que os países industrializados não estão dispostos a mudar o seu estilo de vida. A economia está dependente do consumismo, é tudo conduzido dessa forma. Não estamos a avaliar bem as consequências. O Brasil, a situação na Amazónia, as florestas que estão a ser cortadas, é tudo parte de nós. Se os Governos nada fazem as pessoas têm de pressionar as autoridades para que se faça alguma coisa. Se olharmos para a história das políticas ambientais, estas têm sido iniciadas pelas massas. Churchill tornou-se primeiro-ministro do Reino Unido a seguir à II Guerra Mundial, e quando Londres começou a sofrer com as nuvens de fumo causadas pelas indústrias, ele disse que o carvão era o centro da nação, das indústrias, e que nada iria mudar. Em 1952 surgiu uma horrível nuvem de fumo que matou mais de quatro mil pessoas e então houve uma revolta social. Aí surgiu um decreto que proibia o uso do carvão nas casas e nas fábricas, e tudo mudou. A poluição do ar é uma porta de entrada para questões como segurança no trabalho, licença de maternidade, melhores condições de trabalho. Foi isso que levou a uma mudança na China, na Europa, no Japão. As pessoas podem insistir numa mudança e os Governos devem ouvi-las, sobretudo os Governos democráticos.

20 Nov 2019

Richard Hardiman, professor universitário e consultor na área do ambiente: “China está a repetir erros do Ocidente"

Inglês com nacionalidade israelita, Richard Hardiman tem uma intensa relação com a China, onde trabalhou e viveu durante 25 anos. Doutorado em química, com especialização na área do ambiente e recursos hídricos, o professor universitário foi consultor para vários projectos ambientais e de desenvolvimento no país. Richard Hardiman fala dos riscos ambientais causados pela política “Uma Faixa, Uma Rota” e de como a China se preocupa mais com a estabilidade social, associada à problemática da poluição do ar, do que com as alterações climáticas

 
Viveu cerca de 25 anos na China, incluindo no Tibete. Como aconteceu essa jornada?
[dropcap]S[/dropcap]empre quis trabalhar com países em desenvolvimento e fiz o meu doutoramento em Israel na área da agricultura sustentável. Trabalhei também na Índia, um país extremamente difícil para trabalhar. Não conhecia nada sobre a China, não falava mandarim, mas queria ir para lá e fui convidado por uma empresa australiana para trabalhar numa pequena aldeia no noroeste do país. Era o coração da China, o coração das pessoas, a vivência da agricultura, mãos duras, grandes sorrisos. Uma pronúncia muito acentuada. Na altura, a China era um país difícil, não havia electricidade, todos os bens como café ou manteiga eram raros. Tínhamos de ir a Hong Kong buscar tudo isso.
Porque decidiu enveredar pelo estudo do ambiente e alterações climáticas?
Na China quis perceber como é que a população ia ser alimentada, tendo em conta a sua enorme dimensão. A minha especialização estava relacionada com a água, que se relaciona com as alterações climáticas, que por sua vez se liga com a energia e depois com políticas ambientais. Nesta fase olho para todos os aspectos relacionados com o ambiente na China, do ponto de vista de políticas, governança, leis, poluição do ar, dos solos e da água. Tudo isto tem um enorme impacto político em todo o mundo, temos as relações com países como a Rússia, Curdistão, Turquemenistão, com a política “Uma Faixa, Uma Rota” no topo de tudo isso. É algo que não pára de crescer.
Comecemos com essa ideia de que falou, de como se pode alimentar a China. O desenvolvimento económico levou milhões de pessoas dos campos para as cidades. A China encontrou o caminho ideal para dar resposta a esse crescimento de forma sustentável?
O lado sustentável não é uma questão, mas em termos de desenvolvimento económico é claro que há uma estratégia. Os limites de cada aspecto das políticas chinesas, a forma de pensar do Governo, tudo isso está relacionado com a estabilidade social. Quando Mao Zedong estava no Governo, a estabilidade social estava absolutamente controlada. Depois apareceu Deng Xiaoping que disse que, em prol do crescimento económico, para colocar o dinheiro nos bolsos das pessoas, deveria haver estabilidade social. E esse tem sido o pensamento seguido pelos líderes que lhe seguiram. Mas a questão ambiental surgiu no horizonte, as pessoas começaram a dizer “sim, temos dinheiro nos nossos bolsos, temos carros, mas não conseguimos respirar”. Então o ambiente tornou-se uma questão. Actualmente todas as políticas ambientais visam tornar a situação melhor, mas o limite é sempre a estabilidade social. Se olharmos para tudo o que está a acontecer, a política “Uma Faixa, Uma Rota”, é a mesma política que já foi introduzida, que é pegar na energia e materiais, transformá-los em projectos com valor e exportá-los. Tudo está a acontecer do ponto de vista ambiental e de uma forma muito pouco sustentável. A China está a repetir todos os erros do Ocidente, para minha frustração, pois esse foi o meu trabalho lá, mostrar quais foram os nossos erros como ocidentais e como as coisas deveriam ser feitas. Mas não ninguém ouviu essa perspectiva, ficou sempre a ideia do “agora é a nossa vez”.
As pessoas começam a falar dos problemas ambientais que a política “Uma Faixa, Uma Rota” pode trazer. Acredita que ainda é possível reverter a situação?
É muito possível, a questão é se há esse desejo. Xi Jinping disse várias vezes de que a aposta seria em prol da sustentabilidade e todas essas ideias, mas não há provas disso. Muito do financiamento está a ir para projectos ligados à energia, e muitos deles ligados a energias fósseis.  Estes são financiados por bancos estatais e tentam obter os 86 por cento dos financiamentos no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota”. Claro que há alguns projectos ligados às energias renováveis, mas a maior parte está ligado às energias fósseis, e isso é assustador. É quase como replicar o que aconteceu na China, mas a um nível global.
Há muitos acordos assinados com países africanos. Acredita que África será o continente que mais irá sofrer as consequências ambientais destes investimentos?
Não apenas África. Temos o exemplo do Tajiquistão, que vai receber uma central eléctrica no centro da cidade. No caso do Cambodja, o pior cenário é causado por centrais nucleares localizadas na China, que estão a ser encerradas e desmanteladas e vendidas para o Cambodja, passam de lixo para tesouro. Estes cenários não nos dão uma boa previsão do que vai acontecer. Estou muito preocupado com isso.
Existe uma contradição na forma como a China está a levar a cabo as suas políticas ambientais e a postura internacional ao nível das alterações climáticas? A China critica os Estados Unidos por ter abandonado o Acordo de Paris, mas depois na política “Um Faixa, Uma Rota” toma más decisões?
Há uma contradição, absolutamente. A China é muito cuidadosa em relação ao facto de aquilo que é feito estar de acordo com o que é dito. Por exemplo, criaram este conceito, a intensidade do carbono. O que foi afirmado que o país iria reduzir as emissões em cerca de 45 por cento em termos da intensidade do carbono, que é uma forma de reduzir as emissões de carbono em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). A China diz querer reduzir esse rácio em 45 por cento até 2020, e 65 por cento até 2030. É um termo muito inteligente, porque o que diz é “podemos aumentar o PIB até um nível superior em relação ao aumento dos níveis de dióxido de carbono”. E fizeram-no. No que diz respeito ao Acordo de Paris, transferiram as indústrias pesadas para indústrias mais ligadas à alta tecnologia. As emissões de carbono têm vindo a aumentar, mas não tanto como se esperava.
Uma vez que os EUA saíram do Acordo de Paris, a China tem a oportunidade de liderar o processo, podendo talvez trabalhar num novo Acordo?
Não me parece que a China se preocupe com as alterações climáticas.

É propaganda?

Não, mas simplesmente não se preocupam. O que se preocupam é em relação à estabilidade social, a poluição do ar, aquilo em que os seus cidadãos estão a pensar. Do meu ponto de vista a poluição do ar não é a mesma coisa que as emissões de dióxido de carbono, pois a poluição do ar está relacionada com partículas, mas há uma relação entre as duas partes. O que eles fizeram nesta área foi notável, uma vez que desceram dos 80 por cento de dependência de energias fósseis para 65 por cento. Mas o limite é ter ar limpo e cidadãos satisfeitos, esse é o foco principal. As alterações climáticas ou a redução das emissões de carbono é um subproduto disso.
Não estão então interessados em liderar nenhum processo global desse tipo?
Não há indicação. Se liderarem, e falo de alterações climáticas, e não falo de mudanças económicas, é mais para estarem no topo, mas porque a China quereria isso? Se voltarmos um pouco atrás à conferência anual, em Copenhaga (em 2009), a China colocou-se nos ombros da Índia e disse: “nós somos países em desenvolvimento, representamos o mundo em desenvolvimento e insistimos que os países desenvolvidos ajam em conjunto e reduzam as emissões de dióxido de carbono”. Afirmaram não estar de acordo com o Protocolo de Quioto. Classificar-se a si mesmo como um país em desenvolvimento não constitui um problema, isso foi em 2009. Mas permitir que os países desenvolvidos reduzissem as suas emissões de dióxido de carbono fez com que se tenha reduzido o poder das indústrias do Ocidente e isso permitiu à China desenvolver muitos aspectos.
A Índia está numa situação pior ao nível das questões climáticas em relação à China? Recentemente vimos a vaga de nuvens de fumo registadas em Nova Deli?
Sim. A Índia está fora de controlo, o país não está assim tão desenvolvido. Quando a China tem uma política preocupa-se com ela e impõe-na. Mas na Índia é uma confusão democrática e não posso dizer que tenha uma política ambiental. Se olharmos para o mapa da poluição do ar, em primeiro lugar surge Nova Deli e o resto da Índia não apresenta problemas. O problema na Índia é que não vejo nenhuma acção conjunta a nível ambiental.
Como ficam os EUA depois de deixarem o Acordo de Paris? Sem Donald Trump é possível voltar atrás?
Não sou adivinho, mas tudo depende de quem chegar ao poder. Nos EUA as emissões por PIB são enormes, estão fora de controlo. O que mais me impressiona é que nos filmes têm sempre céus azuis (risos). Poderiam facilmente reduzir essas emissões, mas o facto de não possuírem uma estratégia, de dependerem dos combustíveis fósseis, sabendo as tecnologias amigas do ambiente estão a ser desenvolvidas lá fora, vai fazer com que o país acabe por perder o barco.
Tendo como base o caso dos EUA, que deixaram o Acordo de Paris com Donald Trump, e a situação dos fogos na floresta da Amazónia, no Brasil presidido por Jair Bolsonaro, acredita que o populismo, e o seu aumento no Ocidente, pode trazer impactos negativos para as políticas ambientais? Há uma relação?
O facto é que todos somos responsáveis. Os nossos carros, os nossos frigoríficos, telemóveis, todas as tecnologias de que somos dependentes, estão a causar esta situação. Os acordos ligados às alterações climáticas, quer seja o de Paris ou Copenhaga, afirmam que os países industrializados não estão dispostos a mudar o seu estilo de vida. A economia está dependente do consumismo, é tudo conduzido dessa forma. Não estamos a avaliar bem as consequências. O Brasil, a situação na Amazónia, as florestas que estão a ser cortadas, é tudo parte de nós. Se os Governos nada fazem as pessoas têm de pressionar as autoridades para que se faça alguma coisa. Se olharmos para a história das políticas ambientais, estas têm sido iniciadas pelas massas. Churchill tornou-se primeiro-ministro do Reino Unido a seguir à II Guerra Mundial, e quando Londres começou a sofrer com as nuvens de fumo causadas pelas indústrias, ele disse que o carvão era o centro da nação, das indústrias, e que nada iria mudar. Em 1952 surgiu uma horrível nuvem de fumo que matou mais de quatro mil pessoas e então houve uma revolta social. Aí surgiu um decreto que proibia o uso do carvão nas casas e nas fábricas, e tudo mudou. A poluição do ar é uma porta de entrada para questões como segurança no trabalho, licença de maternidade, melhores condições de trabalho. Foi isso que levou a uma mudança na China, na Europa, no Japão. As pessoas podem insistir numa mudança e os Governos devem ouvi-las, sobretudo os Governos democráticos.

20 Nov 2019

Bernardo Mendia, presidente da Câmara de Comércio Portugal-Hong Kong: “O mercado de HK tem muitas vantagens”

Criada há pouco mais de um mês, a Câmara de Comércio Portugal-Hong Kong pretende dinamizar ainda mais as relações comerciais entre os dois territórios, que já comportam números significativos. Bernardo Mendia assume querer sensibilizar os empresários de ambas as partes para as oportunidades de negócio e deseja que os protestos em Hong Kong terminem “rapidamente”, uma vez que dão uma “má imagem” ao território

 

Porquê a criação de uma câmara de comércio entre Portugal e Hong Kong nesta fase?

[dropcap]C[/dropcap]uriosamente a iniciativa partiu do Hong Kong Trade Development Council (HKTDC) que teve esta iniciativa no âmbito das inúmeras feiras que lá se realizam. Eles têm esta política de incentivar negócios entre as comunidades que estejam fora do território, mas que tenham ligações a Hong Kong, e fazem esse incentivo através da criação do que eles chamam de business associations. Tenho imenso interesse e uma grande relação com Hong Kong, onde vivi e tenho negócios, e fiquei muito interessado quando falaram connosco. Depois reunimos um grupo de pessoas que pudessem ter interesse, dar força e visibilidade a uma entidade deste tipo e acabamos por decidir que o mais apropriado seria criar uma câmara de comércio e não este conceito de business association, porque as câmaras de comércio têm mais força. Aderimos à Federação das Câmaras de Comércio de Hong Kong e à rede das câmaras de comércio portuguesas, que são duas ferramentas de networking muito importantes, e arrancámos há um mês. Ainda somos um bebé, mas posso garantir que temos um grupo de gente com qualidade e credibilidade. Tivemos muito apoio de toda a gente, incluindo do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Esta parte institucional é bastante importante, principalmente para os asiáticos. Também contamos com o apoio da AICEP, que é também muito importante para nós e para eles do lado de lá fazerem negócios cá. Temos ainda um vice-presidente que é residente em Hong Kong, o Gonçalo Frey-Ramos, uma pessoa que em Hong Kong tem dinamizado mais a comunidade portuguesa.

Que projectos a curto prazo pretendem desenvolver? Quais as necessidades mais prementes para as empresas?

Gostava sobretudo que nos vissem assim e que nos passassem a contactar quase que automaticamente, isto no caso das empresas de Hong Kong que investem cá. Já existem algumas, mas são veículos de investimento. Do lado português o que se verifica não é tanto investimento, mas sim empresas que querem exportar, há a participação em feiras. Acontece aí um casamento muito bom entre aquilo que são os objectivos do próprio HKTDC, pois este organismo pretende atrair pessoas para as feiras que são feitas lá e querem dinamizar o comércio. Nós temos um comércio bastante significativo a nível europeu, ao nível das trocas comerciais entre Portugal e Hong Kong falamos de mais de 500 milhões de dólares norte-americanos, em 2018, o que é bastante significativo. Somos dos países que tem maiores trocas comerciais com Hong Kong a nível europeu.

Em termos de acções concretas, o que está na calha?

O que pretendemos é que os empresários estejam mais sensibilizados para as oportunidades tanto de um lado como do outro. Este é um mercado aberto que está sempre à procura de investidores qualificados e também queremos que os empresários portugueses tenham maior apetência pelo mercado de Hong Kong, que tem muitas vantagens.

Significa isso que os empresários não têm tido apetência suficiente?

Qualquer empresário português, quando pensa em exportar, pensa em Espanha. E depois vai andando devagarinho. Os custos são menores e isso importa quando se está a pensar avançar. Nem todas as empresas têm escala e dimensão para ir para mercados tão longínquos, e aí a aposta é mais complicada. É muito importante sensibilizar os portugueses para que percebam que Hong Kong é um território acessível em termos de investimento e é um mercado que tem um poder de consumo muito grande. Do ponto de vista logístico é tudo muito concentrado, os custos não são tão grandes como às vezes se possa pensar. Há uma série de vantagens do mercado que importa que se saibam. Temos Macau ali ao lado, um cônsul-geral e um honorário também em Hong Kong, o empresário Ambrose So, que dá sempre todo o apoio a toda a gente. A AICEP também está presente.

O que é que o mercado de Hong Kong pode oferecer que o de Macau não oferece?

Escala. É o principal factor, porque Macau é muito pequeno. Macau tem, no entanto, uma vantagem, que é o facto de os produtos já lá estarem. Parte dos produtores portugueses que exportam já estão em Macau, o que é uma vantagem, mas os bens estão ali para um pequeno mercado.

Quais são as principais áreas de actividade das empresas que estão sediadas em Hong Kong?

Não tenho esse levantamento. Conheço algumas empresas que são aquelas que todos conhecemos, mas já pedimos ao HKTDC esses dados. Sabemos que a Hovione está lá, a Sogrape, a Somel, ou seja, empresas de áreas muito distintas.

Quando as empresas portuguesas vão para Macau querem sobretudo chegar ao mercado chinês. Quando vão para Hong Kong, há também esse desejo de ligação com a China ou querem penetrar apenas no mercado de Hong Kong que já tem bastante dimensão?

Também querem ir para o mercado chinês. Claro que Hong Kong pode ser mais facilmente um mercado final, mas todos eles querem entrar no mercado chinês. Entrar por Hong Kong tem vantagens, a nível legal, de arbitragem, a nível fiscal também. Mas aí é equiparável a Macau.

Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, anunciou recentemente que pode vir a estabelecer um acordo de comércio com o Reino Unido no âmbito do Brexit. Qual o efeito que poderá surgir para as empresas portuguesas?

Tudo o que sejam acordos de livre comércio de eliminação de barreiras beneficia os empresários do mundo inteiro. Quantos mais acordos de livre comércio e de regulação da dupla tributação tudo isso beneficia os empresários, as pessoas e a economia.

Está receoso do efeito do Brexit no sector empresarial português?

Esses movimentos são o oposto do que falávamos em termos de abertura. Quanto mais integração melhor, cada um pode, e deve manter as suas especificidades, mas quanto maior a integração económica e fiscal melhor para nós, porque menos impostos são absorvidos pelo Estado e mais livre fica a economia.

Hong Kong tem enfrentado vários protestos desde o Verão e a onda de violência é cada vez maior. Até que ponto é que esta situação pode afastar as empresas estrangeiras do território?

Infelizmente estes protestos estão sobretudo a trazer uma imagem muito negativa para Hong Kong. Ainda há pouco tempo vi um relatório sobre o número de abertura de empresas que revelava que mais empresas se estavam a estabelecer em Hong Kong. É óbvio que do ponto de vista económico estes protestos vão prejudicar Hong Kong. Quanto mais tempo se prolongarem mais vão prejudicar, portanto a única coisa que desejamos como câmara de comércio é que estes protestos terminem rapidamente.

Tem receio que o vosso projecto da câmara de comércio sofra com estes acontecimentos?

Esperamos estar cá durante muitos e muitos anos, e na história de todos os países são coisas que acontecem, são cíclicas. A situação prejudica momentaneamente, porque estou convencido que vai prejudicar o comércio de Hong Kong e sobretudo as pessoas que lá vivem. Indirectamente, prejudica todas as pessoas que têm o plano de lá fazerem negócios.

19 Nov 2019

Chong Coc Veng | Presidente da Associação Geral de Automóvel de Macau-China (AAMC) admite que território pode receber campeonato TCR Ásia

A AAMC vai estudar a possibilidade de os pilotos locais competirem com viaturas que adoptam o regulamento TCR Ásia. Se houver interesse, uma prova deste género até pode ser integrada no Grande Prémio de Macau, nos próximos anos. Chong considera ainda que cabe aos pilotos locais viabilizarem carreiras internacionais e que o Governo já fornece grandes apoios

[dropcap]E[/dropcap]stá ligado ao Grande Prémio de Macau desde 2000. Mas quais são as primeiras memórias das corridas?
Acho que as memórias mais antigas e presentes que tenho são de 1979 quando comecei a participar nas corridas, o que fiz até 1989. Na altura era uma espécie iniciado que nem conhecia muito bem os regulamentos.

Como foram resultados?
Não foram nada de especial, mas uma vez fiquei em primeiro. Só que depois como alguém apresentou queixa sobre o carro, houve uma inspecção técnica e perdi alguns lugares ou acabei desclassificado… Deve ter sido isso, acho que fui desclassificado. No ano seguinte participei em mais corridas, antes de Macau, e consegui terminar no pódio.

Onde correu, além de Macau?
Até deixar de correr em 1989 competi em diferentes lugares na Ásia, como no Japão, onde participei na Taça Mitsubishi Mirage. Também havia uma competição com este carro em Macau, mas nunca participei nessa prova, só no Japão.

Ao longo da sua carreira que carros gostou mais de conduzir?
Gostei muito de correr com o Toyota Celica e com o Mitsubishi Lance. Foram realmente carros com que gostei mesmo de competir. Também corri com um Ford Capri que me deixou boas memórias.

FOTO: Rómulo Santos

Deixou as corridas em 1989 e em 2000 assume um lugar na organização do evento. Qual é a tarefa mais complicada, ser piloto ou organizador?
Como piloto só é preciso focarmo-nos nas corridas, mas como gestor é necessário olhar para um panorama muito mais amplo. Temos de conhecer as opiniões dos pilotos, mas também perceber o ambiente das corridas, saber o que a organização pretende, quais os objectivos com as provas e ainda cumprir as directrizes da FIA. São experiências muito diferentes.

Assumo que a tarefa de organização seja mais difícil…
Eu não vou dizer isso porque eu gosto destes desafios. Gosto de ter um desafio para ultrapassar.

Desde que está envolvido, qual é a edição do Grande Prémio que foi mais bem sucedida?
Honestamente, não encaro o Grande Prémio em termos de edições positivas ou negativas. Não acho que tenha havido uma edição muito muito muito boa ou outra má. Vejo as corridas como um desafio e vejo esta equipa [da comissão organizadora], que tem muita dedicação e uma grande paixão pelo automobilismo, a trabalhar para responder a esse desafio e a dar o seu melhor para que as coisas corram bem.

Este ano vamos ver os novos Fórmula 3 em acção. Quem teve a iniciativa de trazer este modelo para Macau?
A mudança partiu da Federação Internacional do Automóvel [FIA], que sugeriu que o novo modelo estivesse em Macau já este ano. Mas a decisão só foi tomada depois de várias reuniões e discussões entre a Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau [COGPM] e a FIA.

Este é um carro mais potente do que o anterior, o que coloca alguns desafios à organização…
Foi preciso fazer melhoramentos na pista. O Circuito da Guia tinha uma homologação de classe três da FIA e para recebermos estes carros foi preciso aumentar o nível para o dois. Foi um processo feito através dos estudos da FIA, que tem uma comissão para trabalhar na segurança dos circuitos. Estudaram-se todas as curvas do circuito e adoptaram-se as recomendações, que focaram a adopção de novos equipamentos de segurança, ou seja, aumentou-se a segurança do circuito, que acabou homologado com o nível dois.

A mudança acontece após o espectacular acidente da Sophia Floersch. Dificultou a escolha?
Sabemos que é sempre difícil evitar os acidentes nas provas de automobilismo. Portanto, o que se faz é estudar profundamente qualquer acidente que resulte das provas para, se possível, evitá-los ou minimizar os efeitos. Foi nesse sentido que aplicamos os pareceres da FIA para aumentar a segurança e nos próximos
anos vai ser este modelo de F3 em Macau.

Até hoje André Couto foi o único vencedor de Macau na F3. Quando é que este feito pode ser repetido?
Eu tenho sempre a esperança que os pilotos locais tenham bons resultados. Mas se tivermos em conta que Macau é um território pequeno, com poucos pilotos, acho que o facto de se chegar a este nível já é muito positivo. Nós gostávamos que houvesse vitórias, mas depende principalmente do trabalho árduo dos
pilotos.

O que quer dizer?
Gostávamos muito de ter outros pilotos como o André Couto, com esta experiência e qualidade. Mas isso depende de vários factores e dos esforço do próprio piloto. Como sabemos, o automobilismo exige muitos recursos financeiros e eu não acredito que haja lugar no mundo onde os pilotos sejam tão apoiados financeiramente como em Macau. Porém, o apoio do Governo e da AAMC tem limites, por isso tem de ser o piloto a conduzir o processo e a arranjar apoios financeiros. O Governo não pode financiar as carreiras dos pilotos a 100 por cento, eles têm de arranjar outros patrocínios.

Como encara que os pilotos estrangeiros consigam apoios das empresas locais, mas que o mesmo não aconteça com os pilotos de Macau?
É uma pergunta que não me compete responder. São escolhas das empresas, que têm a sua actividade comercial e decidem os pilotos que patrocinam de acordo com os seus interesses. Agora, quando se fala dos subsídios atribuídos pelo Instituto do Desporto [ID] parece-me que não existem as injustiças que muitas vezes se contam.  Acho que nenhum Governo atribui um subsídio maior a um piloto do que a outro quando estão nas mesmas condições.

Quanto à AAMC, como apoiam os pilotos locais?
Como os apoios financeiros partem do ID, o nosso apoio é mais na parte técnica, nas questões relacionadas com a interpretação dos regulamentos da FIA. Também disponibilizamos uma rede de contactos com outras associações para os pilotos interessados em participar em corridas fora de Macau. Existe um intercâmbio frequente entre a AAMC e outras associações que fazem parte da FIA.

No último ano, o presidente da COGPM colocou a hipótese da Taça do Mundo de GT sair de Macau. Este ano o número de inscritos subiu de 15 equipas para 17. É suficiente?
Consideramos que se tivermos mais de 15 equipas profissionais, que o número é consideravelmente aceitável. Estamos a falar de equipas profissionais, de topo, que têm outras alternativas e lugares onde podem correr. Por isso, no nosso entender este número muito próximo dos 20 carros é satisfatório.

Na Taça de Carros de Turismo de Macau os pilotos queixam-se porque não gostam que as classes 1.600cc Turbo e 1.9500cc ou superior estejam em pista ao mesmo tempo. Há planos para alterar os regulamentos?
Temos sempre em mente os pilotos. Esses regulamentos foram adoptados há alguns anos e sabemos que é bom mudar. Mas quando mudamos, temos de ter consciência de que há mais custos para os pilotos, que precisam de comprar outros carros. E a maior parte dos pilotos são amadores, não têm recursos para aguentar mudanças constantes nos regulamentos.

Ponderam criar uma corrida em Macau com o regulamento do Campeonato TCR Ásia?
É uma hipótese que está a ser considerada. Mas se houver mudança vai ser feita de forma gradual, ou seja, ao longo do anos, o que não impossibilitará os carros actuais de poderem correr.

A hipótese abre as portas para que mesmo o Campeonato TCR Asia venha a Macau…
Uma corrida com os regulamentos TCR Ásia permitiria convidar não só os pilotos locais, mas também outros pilotos asiáticos. Estamos até a estudar a possibilidade de Macau fazer parte desse campeonato. Mas isto tem de ser feito por fases. Primeiro, temos de ver se há interesse dos pilotos locais, que é o primeiro aspecto a ser considerado. Se estas mudanças foram implementadas talvez seja mais para 2022 ou 2023. Também temos de ver como se desenvolve o automobilismo nos próximos anos.

Isso faria com que tivesse de ser disputada uma outra corrida do Grande Prémio?
Sim, os carros com o regulamento TCR Ásia não iriam competir com os 1.600cc ou 1.950cc. Mas, primeiro o AAMC está a analisar se este tipo de viaturas interessa aos pilotos locais. Só numa segunda fase é que vamos comunicar com a COGPM, que tem a decisão final.

Há dois anos que o apuramento para a Taça de Carros de Turismo de Macau é realizado na pista de Zhaoqing. Antes era disputado em Zhuhai, poderá haver mudanças no próximo ano?
Em 2020 pode ser disputado numa pista diferente. É uma decisão que só vai ser tomada depois de Janeiro. Mas na selecção de uma pista temos em conta diferentes aspectos, como a proximidade, devido aos custos da logística, a existência de hospitais, hotéis, entre outros. Achamos que a rotatividade é importante para que os pilotos não se aborreçam e tenham uma experiência diferente.

Há alguma pista em mente?
Não, só vamos começar a estudar o assunto após o Grande Prémio de Macau, em Janeiro do próximo ano.

Anteriormente foi apresentado um plano para a expansão do edifício do Grande Prémio que nunca foi concretizado. Como estão os trabalhos?
Esta é uma pergunta que compete ao ID responder. Não tenho todos os dados para poder dar uma resposta.

Mas gostava de ter um edifício maior para trabalhar?
Claro que sim. Estamos num edifício construído em 1993 e desde esse período a sociedade sofreu muitas mudanças e uma grande evolução. Por isso, gostava que o edifício também fosse desenvolvido, porque mesmo as exigências das corridas – e Macau é um evento com muito valor para a FIA – também mudaram.

Agradecimentos à herança portuguesa
O presidente da AAMC fez questão de sublinhar a importância da Administração Portuguesa no que diz respeito ao Grande Prémio de Macau e à tradição do automobilismo. “Temos uma tradição muito longa e enraizada no desporto automóvel. É um aspecto em que temos de agradecer aos portugueses porque faz parte da herança e foi o desenvolvimento da prova que fez com que o interesse pela modalidade se desenvolvesse desta forma”, afirmou Chong Coc Veng, presidente do AAMC. “Naquela altura Portugal tinha eventos com nível mundial no automobilismo e trouxe essa experiência para Macau”, acrescentou.

14 Nov 2019

Huawei diz estar preparada para ‘lista negra’ dos EUA

[dropcap]A[/dropcap] tecnológica chinesa Huawei, que foi colocada numa ‘lista negra’ pela administração norte-americana, assegurou hoje estar “preparada” para limitações de negócios com os Estados Unidos, onde tem um volume de vendas pouco significativo, mas lamentou este “tratamento injusto”.

“De uma certa forma, nós estamos preparados”, afirmou o representante chefe da Huawei para as instituições europeias, Abraham Liu, em entrevista à agência Lusa, à margem do Dia Europeu de Inovação da Huawei, que se realizou em Paris.

Numa altura em que Washington e a Huawei estão numa guerra global por causa da cibersegurança e das infraestruturas a nível mundial, que já levou à criação de limites por parte da administração norte-americana nas compras feitas por empresas dos Estados Unidos à companhia chinesa (a chamada ‘lista negra’), Abraham Liu garantiu à Lusa que a fabricante se tem vindo a “preparar para o pior cenário”, ou seja, para a entrada em vigor destas limitações.

O responsável disse também que tais restrições, feitas num contexto de guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, não deverão ter impacto significativo por a Huawei ter “poucas vendas nos Estados Unidos”.

Ainda assim, Abraham Liu criticou a postura da administração norte-americana: “Os Estados Unidos consideram-se a maior potência do mundo e o país mais democrático e equilibrado, mas eu questiono no caso da Huawei, em que não houve qualquer conclusão por parte da justiça, onde está essa verificação e equidade?”.

“Este tipo de medidas contra a Huawei não são, de todo, justas”, lamentou. Segundo Abraham Liu, “o mundo dos negócios tem a sua forma de funcionar e quanto menos os ventos políticos influenciarem esse círculo, melhor, todos beneficiam”.

Princípio da incerteza

O representante da Huawei para a União Europeia (UE), que tem vindo a ser crítico da pressão feita pelos Estados Unidos no espaço comunitário, assinalou também que a administração norte-americana, liderada pelo Presidente Donald Trump, “parece estar baseada na incerteza em relação ao resto mundo”.

Os Estados Unidos têm vindo a acusar a chinesa Huawei de ser uma ameaça à segurança nacional, alegando que utiliza equipamentos para espionagem, o que a tecnológica rejeita.

Em Maio deste ano, os Estados Unidos decidiram banir a Huawei do mercado norte-americano, colocando-a numa ‘lista negra’ que limita os seus negócios no país. A administração norte-americana criou, também nessa altura, isenções temporárias para determinadas empresas norte-americanas que negoceiam com o grupo chinês, permitindo-lhes vender alguns produtos ou mudar de fornecedores durante esse período.

Estas isenções foram prorrogadas em Agosto, aguardando-se agora uma decisão norte-americana sobre a entrada em vigor das limitações relacionadas com a ‘lista negra’. “As suspeitas estão aí há meses, mas onde estão as provas? É injusto. Vá lá, nós somos uma companhia privada e estamos a ser atingidos pelo poder máximo. As suspeitas existem, mas a história tem provado que não cometemos nenhum erro”, adiantou Abraham Liu à Lusa.

Ana Matos Neves, Agência Lusa

7 Nov 2019

António Graça de Abreu, docente, poeta e tradutor: “Portugal não investe em Macau”

Professor na Universidade de Aveiro, poeta e tradutor, António Graça de Abreu já visitou todas as províncias da China, país para onde foi viver em 1976. À margem de uma palestra recente proferida na Universidade Nova de Lisboa, intitulada “História Chinesa: As relações China-Portugal”, o académico falou da ida de Ramalho Eanes à China em 1984 como o ponto alto da ligação bilateral. Sobre Macau, recorda os limites de poder da Administração portuguesa do período pré-1999 e um encontro com a Companhia Nam Kwong, que denotou o poder chinês no território à época

[dropcap]Q[/dropcap]ual é para si o momento mais marcante desta relação entre Portugal e a China?
Talvez em 1984, quando Ramalho Eanes foi à China e tem um encontro com Deng Xiaoping, e se começa a antever e a prever o fim de Macau sob bandeira portuguesa. Já estava tudo mais ou menos alinhado em relação a Hong Kong, e é a altura em que Portugal começa a ter consciência de que inevitavelmente um dia a bandeira portuguesa seria arreada. A partir da Declaração Conjunta é o fim de mais de 450 anos de presença portuguesa em Macau efectiva, com algum controlo sobre o território. Embora esse controlo e essa soberania portuguesa tinham sido sempre muito divididas e muitas vezes pouco eficiente, porque como sabe os chineses sempre tiveram uma mão forte sobre o território de Macau. Os portugueses, até há poucos anos, tinham a ideia que mandavam bastante em Macau, mas isso é tudo muito relativo. É uma terra muito especial.

Sempre foi uma Administração controlada.
Mandávamos no que directamente nos dizia respeito, mas a outra parte do icebergue foi bem escondida pelos chineses ao longo dos séculos. É um dado que marca aquele território. É um poder não bem oculto, mas relativo.

Era o poder das elites?
Cheguei à China em 1977, através do PCP-ML (Partido Comunista de Portugal Marxista-Leninista), que era o único partido português que tinha relações institucionais com o Partido Comunista Chinês (PCC), antes e depois do 25 de Abril. Apercebi-me logo que esse relacionamento entre Portugal e a China era muito estranho, diria eu, porque uma coisa é o relacionamento de Macau e as zonas adjacentes, e tem sido assim ao longo dos séculos. Outra coisa são as relações de país para país, entre Lisboa e Pequim. O relacionamento entre o PCP-ML e o PCC era entre Lisboa e Pequim, não passava por Macau. No entanto, fui a Macau pela primeira vez em 1979 e recebi ordens, se se pode falar assim, para apresentar cumprimentos à companhia Nam Kwong. De facto, esses senhores eram os representantes efectivos do PCC em Macau, mas com uma capa de companhia comercial que ainda hoje existe. Nessa altura eram preponderantes. Fui recebido por Ho Cheng Peng e este senhor tinha ligações estreitíssimas com o PCC, e só depois é que comecei a perceber onde estava. Durante a Revolução Cultural, naqueles anos complicados, em que não se sabia exactamente o que estava a acontecer na China e os próprios chineses, líderes do partido, estavam com problemas porque aquilo esteve quase a descambar numa desorganização completa do partido e mais alguma coisa, Ho Cheng Peng tinha tudo preparado em Macau para receber quem quer que fosse, através dos canais do partido, para os fazer chegar a Macau e os colocar em qualquer parte do mundo. A importância que os chineses com ligação à China tinham em Macau nos anos 80, 60, com Ho Yin, escapava quase sempre ao controlo das autoridades portuguesas. Não entravam dentro desse mundo nem tinham de entrar, e sempre foi assim. Há a amizade entre os povos…

Mas há sempre uma barreira?
Há a barreira linguística e das mentalidades, e dos afectos, e aqui falo dos afectos. Por exemplo, o senhor Ho Cheng Peng afecto pelo PCC, havia também os interesses e as motivações de cada um. Até pelo sentimento patriótico que é muito forte na China, ainda nos dias de hoje. Isso não é igual a nós (portugueses) e complica o nosso entendimento. Fui então recebido por Ho Cheng Peng, mas deram-nos uma importância silenciosa e na altura não falei. Não convinha falar sobre isso. Fui recebido por esses senhores e depois enviaram-me livros para Pequim.

DR

Mas havia depois o grupo que estabelecia a ligação entre chineses e portugueses, composto por pessoas como Roque Choi ou Ho Yin, que referiu há pouco. Mas não havia uma ligação efectiva?
Mas esses sabiam de tudo e faziam até jogo duplo, diria eu. Sabiam quem eram os poderes chineses em Macau e havia alguns portugueses que eventualmente já tinham boas ligações. Já nessa altura o Jorge Neto Valente tinha boas ligações com a companhia Nam Kwong, por exemplo. Foi ele que me encaminhou, de algum modo, porque eu não sabia bem mexer-me em Macau, era um homem de Pequim, nunca tinha passado nem por Macau nem por Hong Kong. Outra coisa que não gostei de Macau nesses anos era que os portugueses estavam muito zangados uns com os outros.

Refere-se ao período do pós-25 de Abril?
Sim, anos 70, 80. Havia uma série de guerrilhas permanentes, uns portugueses eram importantes, mas estavam em Macau há dois ou três anos e falavam da China com uma autoridade enorme. Nunca tinham passado das Portas do Cerco e diziam já saber tudo. Eram bem pagos e mesmo assim queixavam-se. Mas falo no geral. Outra questão: porque é que Macau não dá sinólogos? Porque se calhar as pessoas chegam a Macau e pensam que sabem tudo sobre a China. Aprendem português no início e depois fartam-se. O português não é metódico nem organizado, essencial para aprender chinês.

Ana Maria Amaro, que viveu em Macau 15 anos, chegou a fundar o Instituto Português de Sinologia.
E o que é feito desse instituto? Ela só criou, mas nunca funcionou. Tem pessoas que não fazem rigorosamente nada, não tem publicações. Deveriam existir mais centros de estudos chineses em Portugal e não existem, e Macau aí também não ajuda. Mas Hong Kong também não é um bom sítio para criar sinólogos, também não há muitos. Há a vida dos expatriados, e fazem a vida entre eles. Não se ligam ao mundo chinês nem estão interessados. Meter a cabeça dentro da China dói.

Quando foi para a China não tinha esse grupo de apoio.
Não havia expatriados. Havia a embaixada a 19 quilómetros do lugar onde vivia. Fui escrevendo e também sobre o meu dia-a-dia. Fui aprendendo chinês e tentando mexer-me naquele mundo. Viajei muito pela China, visitei todas as províncias. Fui trabalhar para as Edições de Pequim e foi a imersão no mundo chinês e na própria propaganda do PCC. Publicávamos uma revista de propaganda sobre a China, sobre a qual não concordava, mas sempre pensei: “quem sou eu para concordar ou não? Para corrigir um universo, na altura de 900 milhões de pessoas?”.

Aceitava.
Temos de aceitar que do outro lado há um bloco sobre o qual temos a nossa opinião, mas não me compete a mim corrigir eventuais erros do PCC, até porque os erros de hoje podem ser coisas boas de amanhã.

De todos os governantes portugueses quais foram aqueles que melhor lidaram com o processo de Macau, os que melhor souberam dialogar com a China?
Diria que nenhum, mas não sei. A verdade é que essas visitas são sempre protocolares. Em 1995 fui com Mário Soares à China, tive a sorte de ser convidado. Estava a dar aulas de cultura chinesa na Missão de Macau em Lisboa. E aí apercebi-me que as pessoas nessa comitiva grande de empresários e jornalistas, planavam sobre a China. Chegávamos a Pequim e aquelas pessoas não entraram bem na China. O ministro dos Negócios Estrangeiros era Durão Barroso, cheio de problemas, porque era do PSD e o Mário Soares era do PS. As negociações não davam quase nada, não tinham consequência. Mesmo os empresários que os presidentes da República ou os primeiro-ministros costumam levar fazem mal o trabalho de casa.

Ainda hoje?
Ainda hoje. Estou a lembrar-me dessa viagem de 1995. Contaram-me depois que os 70 ou 80 empresários contactaram as comitivas chinesas e achavam que rapidamente iam fazer grandes negócios. Mas esqueceram-se de fazer o trabalho de casa. Chegamos lá, desenrascamo-nos e depois logo se vê. Muitas vezes até Macau, e o Fórum Macau não aproveitamos. Com o chinês tem de ser tudo muito bem trabalhado. Há coisas que têm sido bem feitas, há empresas que trabalham bem e que agora tem os seus escritórios em Xangai. Lembro-me da Corticeira Amorim que há 20 ou 30 anos colocava cortiça em toda a Ásia.

E como vê as relações hoje em dia entre a China e Portugal? Começam a surgir algumas críticas ou receios pela forma como a China está a investir no país.
Não conheço bem a parte económica, sou mais ligado à cultura.

Mas pergunto-lhe a nível diplomático, com todas estas visitas que têm sido feitas.
As relações são boas e tem-se procurado que não haja atritos nem conflitos. Mas é evidente que com a própria comunidade europeia tenha havido alguns problemas com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, porque Portugal embarcou rapidamente nela. Parecia um bom negócio para Portugal, mas a Europa ficou um bocadinho de pé atrás, porque a comunidade europeia disse que isso só servia a China. Portugal tem estado calado, é um país pequeno. Mesmo assim as importações e exportações para a China já começam a ter algum peso. Portugal tem tentado a nível das exportações, sobretudo da carne de porco, que os chineses precisam. Há uma série de negócios que têm de se fazer, mas que têm de ser bem preparados. As contrapartidas é que são sempre discutíveis. Os chineses têm quase liberdade plena para abrirem empresas na Europa, mas o contrário não acontece. Mas a China também está a atenuar as limitações que tem tido face ao investimento estrangeiro. O chinês gosta muito de jogar, nos negócios e na política. Portugal não é muito duro e determinado. Agora começamos a ter alguns especialistas nesta área, mas não tínhamos.

Quais foram os grandes erros de Portugal em relação a Macau ao longo destes anos?
Antes da transição Portugal lembrava-se muito de Macau, era uma boa fonte de rendimentos, inclusive para algumas forças políticas. Mas era assim que funcionavam as coisas. Macau foi plataforma de bons negócios e bons empregos. Mas depois começou a ficar um pouco esquecido pelo mundo da política e dos negócios. Mas, repare: há o Fórum Macau que é subsidiado pelos chineses, Portugal não investe em Macau. Mas os resultados do Fórum Macau são relativos. Quando se fala dos negócios da China, as pessoas dizem que Macau é o trampolim. Isso repete-se há 100 anos, não é de agora. Em Macau estamos na China, mas estamos a 2800 quilómetros de Pequim. Negociar com a China a partir de Macau é diferente, e os países que estão no Fórum Macau também têm as suas embaixadas e adidos comerciais, como é o caso do Brasil, que tem uma embaixada pujante, que não precisa de passar por Macau para coisa nenhuma. Há países de língua portuguesa que até desprestigiam Macau porque têm interesse em fazer os seus negócios directamente nas suas embaixadas em Pequim ou Xangai. É mais fácil porque estão mais próximos das empresas. Os negócios do petróleo entre a China e Angola não passam pelo Fórum Macau, por exemplo.

Agrada-lhe o rumo que Macau está a tomar?
Macau foi incorporada na grande China em 1999, e a partir daí o jogo tem sido um bocadinho diferente. Os casinos cresceram exponencialmente. Macau não é igual a nenhum outro lugar do mundo. É uma terra complexa. Em Portugal quase todos somos portugueses, mas o chinês de Macau vê a sua terra de determinada maneira, e os chineses que vivem em Macau oriundos da China já olham para a realidade da terra de maneira diferente. Temos depois os portugueses e os macaenses. Os portugueses conseguem sobreviver porque tem a arte de saber viver em Macau. Penso que aqueles que amam mais Macau são os macaenses e os chineses nascidos em Macau. Em Hong Kong, chineses lá nascidos são mais de quatro milhões, e a população é de sete milhões. E Macau é pequena. Hong Kong podia ser independente, porque além de ser uma grande praça financeira, tem o maior porto de contentores do mundo. Tem um grande poder económico e uma pujança que lhe iria permitir não depender da China, a não ser para os negócios. Aí tem de saber negociar. As pessoas de Hong Kong que se manifestam nas ruas têm a percepção de que o território tem de ser uma coisa muito diferente da China, em termos de direitos e liberdades. Eu compreendo-os, mas Hong Kong está inserido no grande mundo chinês, onde essas grandes liberdades e direitos, que fazem parte do nosso mundo ocidental, ainda não prevalecem. Deng Xiaoping dizia que o primeiro direito humano é podermos comer todos os dias. Muitas pessoas na China não se preocupam com a ditadura. Podemos estar a falhar ao avaliar a China de acordo com os nossos conceitos ocidentais, o que não quer dizer que não haja valores universais. Penso que os chineses querem mais liberdades, mas toda a gente quer mais liberdade, é da natureza humana. Por exemplo na Internet. Xi Jinping quer reforçar o poder do partido, porque os chineses têm muito medo do caos. Se as manifestações de Hong Kong entrassem pela China adentro, imagine o que acontecia ao país.

Caía o poder?
Podia dar uma guerra civil. E um dia isso vai acontecer, talvez no seu tempo, não no meu. Daqui a 30, 40 ou 50 anos a China vai passar por grandes convulsões. É inevitável e os chineses sabem isso há muitos anos. O partido vai-se desagregar. Isso será mau para a China e para o mundo inteiro. E os negócios?

5 Nov 2019

Paulo José Miranda, autor da biografia sobre Manoel de Oliveira: “A sua vida é tudo menos trivial”

Poeta e colaborador do HM, Paulo José Miranda aceitou, pela primeira vez, embrenhar-se no género da biografia por ser um apaixonado pelo cinema de Manoel de Oliveira. No livro, contam-se os segredos de uma vida e de uma obra que acompanha quase a história do próprio cinema. Editado pela Contraponto em Portugal, a publicação chega à Livraria Portuguesa na próxima segunda-feira

[dropcap]D[/dropcap]isse esperar que esta biografia chame mais a atenção do público português para as obras de Manoel de Oliveira. Os seus filmes foram sempre muito esquecidos pelos portugueses, mas aclamados fora de Portugal?
Isso aconteceu desde o primeiro filme, filmado em 1931. Manoel de Oliveira sempre foi muito mais apreciado por estrangeiros do que pelos portugueses. A partir de uma certa altura ele passou a ser muito conhecido, mas esse conhecimento tinha a ver com várias razões que não propriamente as razões de apreciação da sua obra. E depois com os prémios lá fora e as críticas sempre muito boas, mais o facto de trabalhar sempre com bons actores, foi criando uma certa maturidade em Portugal. Mas a verdade é que a maioria das pessoas continuava a não ver os seus filmes e a falar deles de um modo depreciativo sem os ver.

São filmes muito teatrais, muito longos. Isso poderá ter afastado o público?
Primeiro que tudo trata-se de um cinema na maioria das vezes muito experimental, completamente fora do mainstream, anti-naturalista. É sempre muito difícil, porque as pessoas cada vez mais se interessam pelo cinema como divertimento, vão ao cinema como se aquilo estivesse mesmo a acontecer. Essa é uma das razões principais que afasta o público do cinema de Manoel de Oliveira. Mas também podemos dizer isso em relação à literatura ou à música.

Porquê o título “A morte não é prioritária”?
Esse título aparece logo quando comecei a trabalhar no livro, em 2017, quando me sentei a ver vários documentários sobre Manoel de Oliveira. No primeiro que vi, de Sérgio Andrade, uma das pessoas que estavam a ser entrevistadas falava da longevidade de Manoel de Oliveira e dizia que, em relação a ele, a morte não era prioritária. Eu achei que aquela frase se coadunava com o Manoel de Oliveira. Aí disse ao meu editor que já tínhamos título e ele achou extraordinário. De qualquer modo, tem muito a ver com ele.

Qual foi o primeiro filme que viu que o fez perceber que era fã do cinema de Oliveira?
Quando vi o primeiro filme do Manoel de Oliveira era muito jovem, tinha 23 anos, e foi “Os Canibais”, que tinha acabado de sair. Eu já gostava de cinema e, para um jovem de 23 anos, “Os Canibais” era uma obra extremamente nova, revolucionária. Aliás, várias pessoas escreveram na altura que parecia o filme de um jovem que estava a começar e não de um homem com 80 anos.

FOTO: Sofia Mota

O livro revela alguns segredos?
Há várias informações que surgem que nunca tinham vindo a lume, algumas porque as pessoas não sabiam, porque foram reveladas por pessoas particulares, e outras tinham a ver com uma certa formalidade ou um trato que o Manoel de Oliveira tinha tido com Paulo Branco (produtor), por exemplo, para não falar daquilo que os tinha levado a separar. Depois da morte, isso deixa de fazer sentido manter-se, então há coisas que se revelam. A biografia não pretende trazer coisas que ninguém saiba, embora apareçam, mas quer acima de tudo contar a história de um homem que é bastante singular, bem como a sua história de vida e obra. Não é só a obra de Manoel de Oliveira que está neste livro, mas a sua vida, que é tudo menos trivial.

A vida de Manoel de Oliveira acompanha a história do cinema português.
A história do cinema mundial, quase, porque o cinema tinha 13 anos quando ele nasceu. Ele começa a filmar no cinema mudo e termina a filmar com o digital.

Nestes dois anos de intenso trabalho quais foram os maiores desafios com que se deparou?
Uma das dificuldades prendia-se com a longevidade dele. O colocar em 500 páginas, que acabaram por ser mais, uma vida tão grande e extensa, fez-me planear o que ia deixar de fora. Não é possível colocar uma vida inteira dentro de um livro. Numa aproximação mais rigorosa teriam de ser seis mil páginas, no mínimo. A técnica que escolhi foi a mesma que os cineastas utilizam em relação aos romances. Pegam num romance de 500 páginas e escrevem um guião para um filme de hora e meia. Eu fiz um guião como se a vida do Manoel de Oliveira fosse um romance, e fazer esse guião sem perder a riqueza do romance foi o maior desafio.

Faltava contar a história de vida de um dos maiores cineastas portugueses?
Há muitas reflexões à volta de Manoel de Oliveira, muitos textos sobre ele em Portugal e no estrangeiro, sobretudo em países anglo-saxónicos. Mas acho que era importante haver uma biografia e sobretudo uma como a que fiz, em que o confronto da vida com a obra está todo lá. O Luís Manuel Cintra dizia-me que não era possível fazer a biografia dele sem ter um conhecimento profundo e sem ter visto todos os filmes dele. Foi esse o trabalho que fiz e julgo que fazia sentido.

Poderá voltar ao género da biografia?
A poesia está sempre presente. Não me parece que volte à biografia pois é um trabalho muito exigente e que só se faz por uma grande paixão.

Durante a elaboração desta biografia quais foram as fontes consultadas, que entrevistas fez?
Manoel de Oliveira deixou quatro filhos, que continuam vivos. Uma das filhas, a Adelaide, que secretariava o pai, disse-me que a família não tinha nada contra a biografia, mas que preferia não participar porque teria sido essa a vontade do pai quando era vivo. Por intermédio de outra pessoa, José Roque de Pinho, falei com Manuel Casimiro (filho de Manoel de Oliveira) que, a partir de 2005, era a pessoa responsável por terminar os filmes caso o pai morresse. Era preciso determinar isso nos contratos. (Manoel de Oliveira morreria dez anos depois, com 106 anos de idade). Foi uma preciosa ajuda nas questões dos anos mais antigos, não me falou da infância e da adolescência do pai, mas falou do pai com 40 ou 50 anos. Falei também com pessoas que trabalharam com Manoel de Oliveira, com muitos actores e algum pessoal da parte técnica.

23 Out 2019

Ana Paula Laborinho, directora em Portugal da OEI e ex-presidente do Instituto Camões: “Não fomos a reboque da China”

Com um largo currículo na área da língua portuguesa que passa por Macau, onde deu aulas, fez assessoria política e presidiu ao Instituto Português do Oriente, Ana Paula Laborinho é hoje directora da Organização de Estados Ibero-americanos, que trabalha em prol de uma maior união das línguas portuguesa e espanhola. A ex-presidente do Instituto Camões lamenta não ter feito mais no desenvolvimento da rede externa do organismo e afirma que Portugal é dos países que mais tem uma política para a língua

[dropcap]N[/dropcap]o último colóquio da Universidade Católica Portuguesa falou do projecto académico “Escrever Macau”. Em que consiste esta iniciativa?
Durante a minha estadia em Macau, em 1988 e 1989, iniciou-se um movimento para estudar a literatura de Macau, que tem de começar por interrogar o que é essa literatura. Não é uma questão fácil. Na altura era uma questão debatida com uma visão relativamente restrita, a de pensar que a literatura de Macau era aquela apenas feita por macaenses, os filhos da terra, mas rapidamente se percebeu que teríamos de ter uma visão muito mais alargada. Nesse sentido, sobretudo depois de ter regressado de Macau, em 2002, começamos um projecto na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) onde concluímos que escrever Macau nos alarga o horizonte, porque aqueles que escrevem sobre Macau são de Macau, mas fazem-no em várias línguas.

Ou seja, não há apenas um caminho.
Temos aqui uma visão mais alargada. Fizeram-se algumas reuniões académicas e publicamos, em 2010, um livro intitulado “Macau na Escrita, Escritas de Macau”. Há um interesse muito grande (sobre a literatura de Macau) que se tem estendido para fora de Portugal. Vou agora a Paris, à Universidade de Nanterre, participar num encontro em que “Escrever Macau” é um tema central. O projecto “Escrever Macau” deveria ser mais divulgado em Macau, mas muitas vezes estes projectos não têm os recursos suficientes para fazer essa promoção. Mas há muito trabalho que tem vindo a ser feito, com jovens investigadores que se têm debruçado sobre estas áreas. Vamos prosseguir nesta senda de definir o que é esta escrita de Macau, as suas várias fases, concluindo que hoje em dia nessa escrita convergem várias línguas, autores de várias proveniências, mas que continuam a ter Macau como objecto de escrita.

Houve uma maior mudança depois de 1999 no campo da produção literária?
O que me parece é que depois da transferência de soberania de Macau podemos ter uma outra visão do que é escrever Macau, porque até aí havia muito essa ideia (restrita) do que era a literatura macaense e da figura do macaense. Mas depois da transferência de soberania constata-se que essa figura é hoje muito mais alargada. O que é um macaense? É todo aquele que nasceu em Macau e escolheu Macau para viver e para morrer. O mais importante é essa identidade múltipla. Hoje temos de entender Macau de uma forma múltipla, muito transversal e é essa a sua riqueza. Tudo isso faz parte de um cadilho criativo que nós vemos que tem expressão na literatura, mas também noutros domínios. É essa criatividade que se gera por esse confronto de pessoas, por este diálogo entre culturas. Isso é Macau. E por isso escrever Macau é também tudo isso.

ANA PAULA LABORINHO

Surpreende-a que haja mais autores nascidos em Portugal a escrever sobre Macau?
Não temos ainda um levantamento de todos aqueles que escrevem sobre Macau noutras línguas, nomeadamente em chinês. Tanto quanto sei, começam a aparecer jovens escritores, temos o Yao Jingming, um grande poeta que escreve em português e em chinês e que integra grupos de escritores de Macau e tem uma visão que é bastante mais lata do que aquela que nós temos, e o que é muito interessante. Aliás, pensou-se em fazer uma colecção de autores que escrevem sobre Macau nas várias línguas, e também havia autores de língua chinesa, pois algumas questões sobre identidade são muito semelhantes. Os autores de língua portuguesa ou chinesa interrogam-se sobre isso, porque há muitas vezes ali uma identidade volátil. Essa volátil identidade, mas que é também uma escolha e uma vontade, está muito presente na literatura, quer se escreva numa língua, ou outra ou até em inglês.

É directora da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) em Portugal. Falou ainda de um estudo focado numa união entre o português e o espanhol. O que está a ser feito nesse sentido?
O interesse de Portugal nesta organização, que tem a sua representação no país há menos de dois anos, tem a ver com três grandes eixos. Um é estreitar os laços de participação, partilha de experiências e projectos conjuntos com os países ibero-americanos. Mas tem também uma outra, que é relevante, que é o podermos trabalhar com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A OEI foi a primeira organização internacional a ser aceite como observadora da CPLP e fazemos esse trabalho de ligação entre os países ibero-americanos e a CPLP. Depois, a terceira linha de trabalho tem a ver com a língua portuguesa, apesar da OEI sempre ter sido essencialmente uma organização de língua espanhola. O seu secretário-geral, Mariano Jabonero, propôs o primeiro programa ibero-americano para a difusão da língua portuguesa. A verdade é que neste momento estamos a trabalhar e a perceber que o português também ganha muito em se aliar, o que não significa perder a sua identidade. Ganhamos em trabalhar em conjunto duas línguas que são próximas e que tem origens comuns.

Como é que isso será feito?
Uma dessas áreas tem a ver com a produção científica em conjunto. Há estudos que nos mostram que as duas línguas em conjunto já constituem a terceira língua de ciência do mundo. Outra área é o digital, onde temos de apostar mais. É neste sentido que o Instituto Camões (IC) e Instituto Cervantes estão a produzir um estudo, no seguimento de outro que foi feito sobre o potencial económico da língua portuguesa que saiu em 2011, sobre o potencial das duas línguas em conjunto. O português tem 260 milhões de falantes, o espanhol tem 540 milhões, então temos uma comunidade de 800 milhões que se entende e que têm laços comuns. Isto é um valor e potencial que podemos explorar. O continente onde se vai falar mais português é África, e isso revela que vai haver um crescimento demográfico nos países de língua portuguesa assinalável. Isto faz com que a América Latina não seja o continente onde se fala mais português. Nas minhas novas funções o meu papel não é apenas o trabalho na área das línguas, mas na partilha de projectos de educação. Estamos a trabalhar nas competências para o século XXI com esses países e a CPLP. O projecto sobre indicadores de ciência está bastante avançado na América Latina, mas também podemos partilhar práticas com outros países. É toda esta dimensão que nos parece que vai ser essencial para projectarmos a nossa língua, o português.

O que gostava de ter feito mais na presidência do IC?
Passei por uma fase difícil, porque num primeiro momento recebemos a rede do ensino do português no estrangeiro, do nível inicial até ao ensino secundário, que estava no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Essa rede era muito maior do que a dimensão do IC que, até 2010, só tinha o ensino do português no ensino superior. Foi necessário reorganizar a instituição em função dessa rede, criar novos desafios e qualificar esse ensino que se destinava essencialmente às comunidades portuguesas, mas também qualificá-lo para que ele se tornasse um ensino de matriz internacional. Esse foi o grande desafio. Em 2012 tive outro, que foi a fusão com a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, e por isso passámos a ter uma grande dimensão que naturalmente foi preciso estruturar. Nesse sentido, há muita coisa que fica por fazer. Julgo que aquilo que gostaria de ter feito e talvez não tenha feito tanto foi reestruturar a rede externa.

Em que sentido?
O IC não tem as escolas portuguesas, mas tem uma rede muito grande de professores e centros culturais de língua portuguesa e tem-se aumentado o número de presenças em países. Estávamos em 84 países em termos de acção mas é preciso reestruturar e consolidar essa rede. Depois de consolidar a estrutura interna, poderia ter também dedicado mais tempo à estrutura da rede externa, que é fundamental. Também tive a sorte de apanhar um momento em que a concepção do desenvolvimento estava em mudança com a Agenda 2030.

O que é que isso trouxe de diferente?
Algumas dimensões que não eram consideradas passaram a ser, como, por exemplo, a cultura como elemento fundamental para o desenvolvimento. O que tenho de concluir é que aprendi muito, foi uma experiência que me marcou bastante. O IC é uma instituição que tem um trabalho extraordinário. Fico muito contente por ele ser prosseguido pelo meu sucessor e por continuar nesta aposta de levar mais português e participar mais em projectos de desenvolvimento e em parcerias estratégicas, como aquelas que temos com a União Europeia na área do desenvolvimento.

Agrada-lhe a actual estratégia governamental de internacionalização da língua portuguesa?
Claro, essa foi a estratégia que orienta a casa em termos gerais. Há uma grande aposta do actual Governo nessa área, quer na internacionalização quer numa oferta qualificada para as comunidades portuguesas, para que tenham a noção de que a sua língua é internacional. Tem sido feito muito trabalho e há um investimento muito grande do actual Governo nesta área, no sentido de ser uma política que está no topo das preocupações e com grande apoio a todos os níveis, desde o primeiro-ministro ao ministro dos Negócios Estrangeiros, mas também outras áreas do Governo como a educação, cultura ou economia. Neste domínio da economia é relevante a questão da internacionalização da língua como bem percebemos pelo inglês. Daí que haja uma perspectiva que este tema é transversal.

Não acha que a vontade da China de expandir o português não levou a uma maior estratégia por parte de Portugal na internacionalização da língua? Foi o motor de arranque?
Não me parece. Acho que Portugal é dos países que mais tem uma política para a língua, ao contrário do que muitas vezes se diz, e tem-na de uma forma consistente. O Brasil não tem nenhuma instituição para a promoção da língua, diz-se que vai ser criado agora um instituto para esse fim. Desse ponto de vista, Portugal tem uma longa tradição e o IC é um dos grandes institutos europeus, ao lado do Goethe, Cervantes, entre outros. Não tenho nada a ideia de que tenhamos ido a reboque da China. Esta complementaridade é muito útil, relevante e reforça a nossa posição de divulgação da língua, torna-se muito mais atractiva, mas tenho a dizer que as autoridades portuguesas fazem muito pela língua. Quer o projecto da Escola Portuguesa de Macau e escolas portuguesas no mundo, ou o IPOR em Macau, são esforços para um país que tem 10 milhões de habitantes. Temos de ter noção da nossa dimensão e ver que, fazemos muitíssimo pela língua. Há um aspecto que ajuda muito que é a estratégia e o valor que se tem desenvolvido com a presença de portugueses em altos lugares de organizações internacionais. Essa é uma estratégia de Portugal mas claro que tem muito a ver com o valor das pessoas, tal como ter António Guterres na ONU.

O IPOR celebrou 30 anos de existência recentemente. Está contente com o trabalho realizado?
Muito contente. Houve momentos, no período da transição de Macau, em que não se sabia se valia a pena, mas ainda bem que se continua a apostar. Penso que o IPOR tem feito um trabalho muito importante e é uma referência importante em Macau. Só tenho de saudar todos os que estiveram na origem da ideia e todos os que contribuíram para a construir.

11 Out 2019

Fernando Rosas, historiador: “O mundo está muito perigoso”

Professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa na área da história contemporânea e dirigente político, Fernando Rosas assume continuar a admirar Mao Tse-Tung pela mão de ferro com que liderou uma revolução e um país. Contudo, 70 anos depois do estabelecimento da República Popular da China, o académico aponta as falhas de um sistema onde diz existir um “capitalismo desenfreado”. Sobre Hong Kong, Fernando Rosas assegura que as tropas chinesas vão invadir o território mais cedo ou mais tarde, caso continuem os protestos

 

Que China temos hoje, 70 anos depois da implantação da República Popular?

[dropcap]A[/dropcap] história da China contemporânea acompanha de uma forma muito singular a cronologia do século XX. A primeira metade do século XX é, na China, um período de longa guerra civil, desde a implementação da República em 1911, os movimentos nacionalistas de 1919, a seguir à guerra, contra o Tratado de Versailles. É a guerra civil, primeiro contra os senhores da guerra, depois entre o Kuomitang e o exército popular do Partido Comunista Chinês (PCC), e depois contra os japoneses. Derrotados os japoneses em 1945 estende-se o período final de guerra civil até 1949, que leva à tomada de poder pelo PCC e à proclamação da República Popular da China (RPC).

E aí inicia-se um novo capítulo da história.

A segunda metade do século XX é uma metade também muito conturbada de experiências várias de realização do socialismo. De 1949 até ao início dos anos 60, seguindo o modelo soviético adaptando-o à China, e depois, sob o impulso de Mao Tse-tung surge a reacção ao modelo soviético, com o diferendo sino-soviético e, mais do que isso, o ataque à reprodução desse modelo na China, com a Revolução Cultural. Esta foi uma tentativa de evitar a reprodução dos aspectos mais controversos do modelo soviético, e desaguou no grande caos da guerra civil que foi a Revolução Cultural e que levou na parte final à derrota política dos seus dirigentes, o Bando dos Quatro.

Depois da Revolução Cultural, a China entra num novo período.

(O fim da Revolução Cultural) levou a uma situação inteiramente nova do ponto de vista histórico. Ao contrário da URSS, onde houve uma implosão do regime e uma restauração quase brutal e mafiosa do capitalismo sem regras, e que ainda hoje marca muito a vida política, económica e social da Federação Russa, na China, como que se antecipando a esse tipo de efeito, o PCC retoma o controlo da situação após a Revolução Cultural, reacende esse velho camaleão da política chinesa que é Deng Xiaoping, que reaparece novamente depois do período de desgraça da Revolução Cultural, e inicia uma experiência que não tinha paralelo, que era uma restauração do capitalismo dirigida pelo próprio PCC, onde o Estado mantém firmemente as rédeas do poder de partido único, sem concessões. Veja-se aliás Tiananmen e a repressão… foi a última oportunidade de mudar alguma coisa. Simultaneamente, sob a direcção do PCC e do Estado, dá-se uma restauração do capitalismo em força.

Que dura até aos dias de hoje.

A China é uma potência riquíssima. Transformou-se a China, que é uma espécie de ditadura de partido único com capitalismo sob a tutela do Estado, e fez-se dela novamente uma grande potência. Esta estratégia deu origem a um crescimento económico espantoso, sobretudo no período inicial em que se partia de baixo, e regista-se agora um abrandamento, claro. Mas o actual regime reúne os dois piores aspectos dos dois regimes que conjuga.

Em que sentido?

A repressão do partido único e o monolitismo das ditaduras de modelo soviético e, até certo ponto, a selvajaria de um capitalismo com poucas regras onde não há liberdade sindical. Isso deu origem na China a uma coisa pouco tratada no Ocidente que é uma forte contestação social contra a expropriação de terras e brutais horários de trabalho.

Houve alguns protestos, aliás.

Vários, alguns de grande dimensão, mas que não chegam cá e porque os países capitalistas do Ocidente estão muito interessados em fazer negócio com a China, que se tornou num gigantesco mercado e uma potência económica mundial que ultrapassou em termos económicos os EUA. Do ponto de vista económico a China está no primeiro lugar, do ponto de vista militar não, e digamos que isso cria uma zona de grande instabilidade mundial. O mundo está muito perigoso.

Essa hegemonia militar pode acontecer dentro de alguns anos?

Claro. Repare: a China já está em primeiro nas tecnologias informáticas. O armamento do futuro é isso, a computação, a inteligência artificial. Eles estão muito avançados e é uma questão de tempo. Tanto mais que, para manter um arsenal militar de ponta, como tem os EUA neste momento, é preciso ter uma capacidade financeira que, neste momento, só os EUA e a China têm. Só que a China está a crescer, e é um desafiador importantíssimo do ponto de vista da partilha mundial de influência, mas o império americano tende a baixar. O novo império chinês volta a ser o centro do mundo, como na antiguidade, com o Império do Meio. Mas isso cria uma grande instabilidade.

A que nível?

Desde logo com a guerra comercial, que está aí e não está para acabar. A rivalidade dos EUA com o Japão começou com uma guerra comercial. Quem se candidata hoje a controlar o que antes se chamava o quadrante da prosperidade, que era aquele litoral asiático não é o Japão, mas a China. E a China não é só nessa área, mas também em África e na América Latina. É curioso porque a China, com esta estratégia de restauração do capitalismo sob a direcção do Estado e do partido, fez crescer muito a economia que tem necessidades brutais de matérias-primas e de alimentos. A China faz uma política em África…no tempo da minha juventude, com o Zhou Enlai (ex-primeiro-ministro) a passear em África e a concorrer com os soviéticos e os americanos por uma maior influência em África, a China oferecia aos países africanos a perspectiva da independência e da revolução nacional.

Mas essa influência faz-se hoje de forma diferente.

A China hoje leva edifícios e caminhos de ferro, e estabelece parcerias para sacar a madeira, a soja, o milho, o trigo, tudo o que são matérias-primas e bens alimentares. A China está novamente em força em África, mas desta vez não é para fazer a revolução, é para extrair tudo o que puder de África para sustentar o crescimento. O abandono da agricultura na China levou também a problemas na produção agrícola. A fuga dos campos para as cidades dificultou também essa modernização da agricultura, e é necessário importar, seja da América Latina ou de África. Oferecem-se serviços em troca disso. Este modelo chinês tem, de facto, o pior dos dois lados, mas essa é outra parte da história. Um dia este modelo vai ter problemas sociais e políticos sérios.

Partindo deste ponto de vista, Xi Jinping defendeu a ideologia “socialismo com características chinesas”. Podemos estar perante um novo modelo?

Acho que sim. Aliás, acho que esse modelo de um socialismo com características chinesas é o nome que Deng Xiaoping pôs ao comunismo chinês, praticamente desde a viragem (do país). É a direcção do Estado que se mantém ferreamente nas mãos do PCC e num sector importante da economia. Mas permite-se, sob a direcção do partido, o relativamente livre desenvolvimento das relações capitalistas. Enriquecer é uma coisa boa, como diria Deng Xiaoping. Acontece que isso deu origem a uma grande corrupção na China.

Que tem vindo a ser travada.

Esta direcção do actual presidente tenta combater a corrupção através de uma aparência de regresso a certos princípios do período do maoísmo, com o reforço da direcção política do partido sob o Estado, o combate à corrupção, o regresso a certas normas de vida política muito características da China maoista, como viver com simplicidade, ter pensamentos elevados. Há algumas coisas que são trazidas a título de reforçar o partido e o Estado. Mas acho que há um endurecimento da situação política sem mudança de modelo.

É uma falha não haver reformas políticas?

O partido manda no Estado, não há pluralismo partidário, qualquer movimento da oposição é severamente reprimido. Esse é o modelo chinês, é a continuação da ditadura política associada a velhas normas do capitalismo e do capitalismo mais desenfreado, porque não conta com um movimento sindical capaz de o moderar e de lhe fazer frente. É um modelo pelo qual tenho muito pouca simpatia e que se aguenta pela repressão. E qualquer dia os tanques entram em Hong Kong, acho que já faltou mais.

E se isso acontecer não é uma violação da Lei Básica e da Declaração Conjunta? Na prática, o que pode acontecer?

Claro que é. Mas se aquilo estiver mesmo em risco, e se em Hong Kong houver ou crescer um risco de separação da RPC não tenho dúvidas que eles entram, e entram como em Tiannamen. Não se iluda, a reacção do mundo ocidental vai ser retórica, ninguém se vai meter numa guerra com a China por causa de Hong Kong. Se há coisa que o povo de Hong Kong pode ter certeza é que no caso de um esmagamento da autonomia do território ninguém vai querer arriscar os negócios com a China por causa disso. Vai haver barulho durante um tempo, mas não mais do que isso. Quando a China chegar à conclusão que aquilo não acaba com o tempo, mas que tende a crescer e a pôr em risco a ligação com a China, eles intervêm. É certo que isso lhes custa algum desprestígio internacional, mas ninguém vai querer perder os negócios fabulosos por causa disso.

E o que resta, depois disso, do conceito ‘Um País, Dois Sistemas’? E pergunto-lhe isso também pensando no caso de Macau.

Em Macau, apesar dos acontecimentos de 1966 (o 1,2,3), não há uma tradição democrática e de luta como há em Hong Kong, que é uma cidade muito particular, com uma vida económica e política muitíssimo dinâmica. Acho que em Macau não tem tido razões para muita inquietação.

Mas se o exército entra em Hong Kong, o conceito ‘Um País, Dois Sistemas’ deixa de ter validade prática. Abre-se um precedente.

Sim, abre-se obviamente um precedente, sem dúvidas. Mas repare: por isso é que eles ainda não entraram, porque sabem que isso cria uma situação política muito delicada. Mas eles não vão consentir o risco de separação de Hong Kong da China. Separação no sentido de dizer: “aqui é uma democracia”. Isso seria um precedente para a própria China, uma contaminação. Se eles permitem que a democracia viva com relativa autonomia em Hong Kong, e depois Cantão? E depois, e depois…

Taiwan, também pode ter aí efeito.

Como vão permitir isso? Não vão permitir. Acho que a China está a ver se aquilo acalma. É como a praça de Tiannamen, quantas semanas esperaram? Quando viram que os protestos começavam a afectar o próprio comité central do PCC, meteram os tanques. Hong Kong está a lutar pela sua autonomia, e muito bem. Mas é uma ilusão os manifestantes andarem a passear-se com as bandeiras dos EUA e de Israel. Estão convencidos que os EUA são uma democracia (risos), acham que o Trump é um aliado deles, e, pior ainda, os israelitas. Em Israel é que não há mesmo democracia nenhuma, é uma espécie de apartheid. Há uma democracia, mas apenas para os israelitas.

Xi Jinping é um novo Mao, como muitos analistas afirmam?

Acho que não tem nada a ver. Ele pode tentar recuperar a grande popularidade que o Mao teve na China, como ícone, com o culto da personalidade, mas isso tem muito a ver com a cultura chinesa e com sociedades muito ligadas ao campesinato. Na ausência de saber ler e escrever, a recorrência à imagem, à pintura e aos ícones era muito usada na luta política. Mas de maoismo isto não tem nada. O maoismo era a igualdade, o trabalho no campo, e existia um certo fechamento face ao mundo. A China hoje é um império dirigido pelo PCC, uma grande potência imperial à conquista do lugar de potência mundial. Na sua periferia não vai permitir conversas, e em relação a Taiwan vamos ver o tempo que aquilo dura.

O Presidente chinês defendeu a aplicação do conceito de ‘Um País, Dois Sistemas’ incluindo Taiwan. O que poderá sair daqui?

Repare: na realidade aquilo é território chinês, é algo mantido durante a Guerra Fria…

Com cada vez menos parceiros internacionais.

Claro. Sobre a Formosa sempre pensei que é uma questão de tempo a integração na China. E esse conceito aplicado a Taiwan é uma forma de facilitar a coisa. Isso vai depender do poder da China como poder imperial e da capacidade de os EUA poderem ir para a guerra por causa de Taiwan. Houve tempos em que iria.

Justifica-se, nos dias de hoje?

Pois, exactamente (risos). Esse é que é o problema, assim como não vai para a guerra por causa de Hong Kong. O conceito de ‘Um País, Dois Sistemas’ é uma maneira de facilitar a integração durante um tempo. Em Hong Kong existe uma sociedade com uma democracia enraizada e um regime liberal, mas a Formosa, durante muito tempo, foi uma ditadura. A ideia é integrar tudo aquilo de acordo com os prazos (2047 para Hong Kong, 2049 para Macau). Se Hong Kong se bater pela autonomia, quem é que os vai apoiar? Eles não podem contar muito com a comunidade internacional, pois os negócios com a China são arrebatadores.

Apesar do posicionamento da União Europeia contra a actuação policial e do Governo.

Vão chorar rios de lágrimas de crocodilo, mas não fazem nada. Acho mesmo que os democratas de Hong Kong, o movimento da juventude, deviam forçar o melhor tipo de situação interna. Mas deviam evitar romper a corda, porque se rompem a corda, (os chineses) entram por ali dentro e acabou. A melhor via era tentar manter o que têm e alargar a autonomia e capacidade de iniciativa. Numa situação de ruptura não têm solidariedade internacional.

No que diz respeito às regiões administrativas especiais, o modelo tem funcionado bem, para ambos os lados?

No que toca a Macau tem funcionado bem no sentido em que Portugal desaparece cada vez mais de Macau. Para os chineses tem funcionado muito bem, mas aquilo era uma espécie de colónia. A presença portuguesa em Macau não pode ter pretensões…quer dizer, a pretensão que Portugal pode querer para Macau é manter uma presença cultural e alguma presença económica. Os chineses não precisam de Macau…Hong Kong ainda tem a bolsa de valores. Mas Macau não tem um peso económico determinante para a China.

O território funciona como plataforma de comércio.

Claro, e isso tem interesse, e a China pode usar Macau como essa plataforma. Mas os interesses que Portugal pode ter é manter uma presença cultural e uma porta aberta para a China. Macau vai progressivamente integrar-se na China e não estou a ver que haja possibilidade de ser de outra maneira.

No que diz respeito à protecção dos direitos, liberdades e garantias da população, e aos portadores de passaporte português, há margem para Portugal intervir?

Portugal, à luz da Declaração Conjunta, deve intervir para a defesa desses direitos sempre que houver razões de queixa. Mas essa deve ser uma tarefa sobretudo dos habitantes de Macau, pois aquilo é território da China. Em Hong Kong não são os ingleses que protegem os seus habitantes, são eles próprios que se protegem e muito bem.

Mas muitas personalidades, tal como Chris Patten, o último governador, têm falado sobre o que se passa.

Os ingleses dizem umas coisas, mas também não estão interessados em prejudicar as relações com a China. No que diz respeito ao processo de integração, se as coisas correrem bem, a China não tem pressa nisso, porque podem ser portas de comércio e porque falta a Formosa. Eles querem poder estender essa estratégia a Taiwan para, finalmente, unificar todo o território da China. Isso tem cada vez menos a ver com portugueses e ingleses. Portugal deve, moral e politicamente, ajudar, isso sem dúvida nenhuma, se no caso de Macau essa questão se colocar.

Voltemos ao maoismo. Esteve ligado à fundação do partido PCTP-MRPP, fortemente influenciado depois da passagem de Arnaldo Matos por Macau. O que recorda desses tempos e da influência de Macau?

O partido foi fundado em 1970, ainda na clandestinidade. Na altura ainda havia a Revolução Cultural, o Arnaldo Matos tinha feito o serviço militar em Macau e tinha trazido muitas daquelas ideias e da literatura da Revolução Cultural para cá. Desde o início que se distinguiu o PCTP-MRPP clandestino de outros partidos anti-fascistas da altura, através da sua característica maoista muito marcada pela sua Revolução Cultural. Mesmo na clandestinidade, o PCTP-MRPP foi o único partido maoista que existiu em Portugal. Tive sempre muito contacto com os textos do Mao Tse-tung, a literatura chinesa e aquelas coisas que vinham de França, das livrarias, na época da ditadura.

Como entravam no país?

Vinham escondidas nos carros e entravam em Portugal. Circulavam, sobretudo no meio dos estudantes. O Mao Tse-tung é uma figura histórica pela qual eu continuo a ter um enorme respeito. Um homem que dirige vitoriosamente uma revolução desde os anos 20 até 1945 e toma o poder, na China, não é um homem qualquer do ponto de vista da história política.

Apesar dos milhões de mortos, da fome.

A revolução chinesa vai de 1911 até 1949. A segunda metade do século é a tentativa de encontrar um caminho. Na busca desse caminho houve erros, catástrofes, crimes, e o que é um facto é que isso terminou nesta China dirigida pelo PCC que é uma coisa original. O Mao Tse-tung teve um papel nisso tudo. Ele teve algum mérito em tentar combater o modelo soviético em nome de um outro, mas o outro acabou no caos, nos abusos, nas fomes. Diria que Mao Tse-tung foi um dirigente histórico da revolução chinesa que continua a ser uma personagem central na história da moderna China, mas como governante…

Não tinha muito jeito para a economia.

Exactamente. Primeiro tentaram impor o modelo soviético, com a indústria pesada, e as pessoas tinham fome. Não havia bens de consumo. Mao Tse-tung tentou rectificar com o Grande Salto em Frente, onde não havia grandes siderurgias e toda a gente tinha um forno na aldeia. Um desastre. A busca dele era de um socialismo de base, um ideal que não repetisse os erros tremendos da URSS. Mas depois degenerou na grande tragédia que foi a Revolução Cultural. E dali o que saiu, foi que se acabou a loucura e decidiu-se que o PCC iria dirigir o caminho e o capitalismo. E acabou por sair um monstro que junta as piores coisas dos dois mundos, pois do capitalismo poderia ter surgido a liberdade sindical, o pluralismo político. Mas não.

O que resta hoje do maoismo? É apenas uma memória?

Não. O maoismo não existe como corrente política, foi uma experiência histórica que entusiasmou muitos movimentos. A partir do Maio de 1968, no Ocidente, a ideia era que podia haver um socialismo plurificado, bom, que vinha da recusa do modelo pós-estalinista da URSS, com um modelo baseado no movimento das massas, da iniciativa popular, na recusa das oligarquias e desigualdades, e buscou-se no maoismo essa inspiração. Mas o mundo mudou, hoje há outras prioridades, outras esperanças.

9 Out 2019

Ana Soares, candidata pelo PS pelo Círculo Fora da Europa: “Comunidade lusa tem sido respeitada”

A advogada Ana Soares, residente em Macau, integra a lista encabeçada por Augusto Santos Silva pelo Partido Socialista para as eleições legislativas pelo Círculo Fora da Europa. Ana Soares diz que o novo pólo da Escola Portuguesa de Macau vai ajudar a dinamizar o projecto educativo em causa e recorda que é necessário um estreito acompanhamento por parte das autoridades portuguesas do que se passa em Macau dentro do quadro da Lei Básica

 

[dropcap]A[/dropcap]ssume que o programa político do Partido Socialista (PS) para as eleições legislativas para a Assembleia da República (AR) portuguesa, que decorrem este domingo, não versa sobre questões específicas relacionadas com a Escola Portuguesa de Macau (EPM) ou sobre assuntos relacionados com a classe jurídica de Macau ou o Direito local.

Ainda assim, Ana Soares, advogada que integra a lista pelo Círculo Fora da Europa liderada por Augusto Santos Silva, que tem desempenhado as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros, defende, em entrevista ao HM, que a expansão da EPM nos novos aterros “representará a criação de mais e melhores condições de expansão do projecto educativo da EPM e a consolidação da língua portuguesa como língua oficial da RAEM”.

Questionada sobre a necessidade de se prestar mais atenção sobre a manutenção do Direito de Macau ou a celebração de acordos entre Macau e Portugal, tal como o acordo de extradição de infractores em fuga, Ana Soares assegurou que, mesmo sem especificidades no programa eleitoral, há um papel a desempenhar pelos deputados.

“A AR e, em especial, os deputados eleitos pela emigração terão, no âmbito da sua função de fiscalização das leis e dos tratados, na execução daqueles acordos e de outros acordos internacionais que venham a ser celebrados, o poder de sindicar o cumprimento escrupuloso da Constituição e dos princípios de Direito Penal vigentes em Portugal, pois tais acordos só podem ser aplicados no estreito cumprimento dos princípios do Direito Penal e da Constituição portuguesa.”

Apesar de ser um território que sempre conheceu uma elevada abstenção, Macau pode registar “uma melhoria qualitativa assinalável nestas eleições” ao nível da “intervenção cívica, do sentido de pertença e da participação na vida política dos emigrantes portugueses nos quatro cantos do mundo”.

Ana Soares recorda a importância do recenseamento automático para todos os portadores do cartão de cidadão. Tal fez com que o universo de eleitores na Europa e fora dela passasse dos 300 mil para 1 milhão e 400 mil.

Consulados reforçados

Apesar de se manterem as filas no consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Ana Soares assegura que um dos objectivos do PS é continuar a reforçar essa rede consular.

Do programa eleitoral, a candidata destaca a intenção de “reestruturação global da rede consular e serviços consulares e a implementação de um novo modelo de gestão consular para a melhoria do tempo de resposta dos utentes”. São também objectivos “o apoio ao movimento associativo e de preservação do património cultural da diáspora, a renovação e modernização das redes do ensino português no estrangeiro e ainda o programa Regressar, de apoio a todos os emigrantes que pretendam de novo residir e fixar-se em Portugal”.

Face à presença da língua portuguesa em Macau, Ana Soares lembrou que “o uso do idioma não passa exclusivamente pela EPM, mas também pelo ensino do português como língua curricular nos vários graus de ensino da RAEM”, sem esquecer as instituições do ensino superior e o Instituto Português do Oriente (IPOR).

Lembrando o projecto de expansão do IPOR para Pequim, além de outras apostas nesta área que acontecem na China, Ana Soares aponta que a língua portuguesa continua a ser bastante procurada em alguns sectores económicos de Macau.

“Outra vertente é o ensino do português direccionado para sectores específicos de actividade, sendo grande a procura, por entidades públicas e privadas da RAEM, desses cursos para fins específicos na área da linguagem em áreas como economia, saúde ou direito.” A candidata pelo PS recorda ainda que “para os alunos de português como língua estrangeira é de importância crucial a possibilidade de poderem aceder à certificação internacional”.

Neste sentido, a estratégia do PS para o Círculo Fora da Europa, e especificamente para Macau, é dar “apoio a este contexto diversificado do ensino do português na RAEM e na RPC, conjugado com incentivos à produção e intercâmbio cultural com agentes locais e na preservação do património cultural da diáspora portuguesa”.

Olhar Macau

No ano em que se celebra o 20.º aniversário de transferência de soberania de Macau para a China, Ana Soares frisa que “a comunidade portuguesa em Macau tem sido em geral respeitada e considerada uma mais valia pelo Governo da RAEM, até porque é uma comunidade que pela sua formação seria uma mais valia em qualquer país ou região”.

Ainda assim, “não quer isto dizer que no dia a dia não existam situações que não conseguimos explicar à luz das declarações públicas, nomeadamente do Chefe do Executivo, sobre o grande contributo que tem sido dado à RAEM pela comunidade portuguesa nos últimos 20 anos”. Perante estes casos específicos, “a intervenção do Governo português tem de ser feita pelos canais próprios, manifestando às autoridades da RAEM os pontos de preocupação e concertando as soluções de correcção necessárias na defesa dos interesses da comunidade portuguesa em Macau”, frisou.

Para que se efectue essa monitorização, à luz do cumprimento da política ‘Um País, Dois Sistemas’, deve ser estabelecida também uma “estreita ligação com as associações de matriz portuguesas que trabalham no terreno, para que a Declaração Conjunta e a Lei Básica de Macau sejam escrupulosamente cumpridas, e os direitos dos portugueses e lusodescendentes e o seu específico modo de vida preservados. Esse é o compromisso solene expresso pelo cabeça de lista do PS pelo Círculo Fora da Europa”, rematou.

Esta semana, Ana Soares reuniu com a Associação dos Jovens Macaenses e Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), com o objectivo de “recolher sugestões e ouvir as suas preocupações e assim estabelecer pontes com o Governo Português”.

3 Out 2019

Mendo Castro Henriques, líder do Nós! Cidadãos: “Somos um movimento de movimentos cívicos”

Não fosse a revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa, que proibiu deputados do hemiciclo de participarem em outros actos eleitorais, José Pereira Coutinho seria novamente candidato às eleições legislativas em Portugal pelo partido Nós! Cidadãos, pelo Círculo Fora da Europa. Mendo Castro Henriques, líder do partido e professor de filosofia política na Universidade Católica Portuguesa, defende o estabelecimento de uma cidadania lusófona

 

O Nós! Cidadãos escolheu, para estas eleições, o nome de Renato Manuel Epifânio para encabeçar a lista pelo Círculo Fora da Europa. Porquê esta escolha?

 

[dropcap]O[/dropcap] Nós! Cidadãos é a força política que em Portugal vai conseguir que a sociedade civil faça parte da representação dos portugueses. E assim muitos dos nossos candidatos e membros da comissão de honra são pessoas que não são políticos profissionais, mas que têm reconhecido mérito nas suas áreas é o caso de Henrique Neto ou José Roquette, entre outros. Recebemos apoios de muitas personalidades que sabem que os destinos de Portugal têm de passar pela sociedade civil. Em todos os círculos eleitorais procurámos ir buscar pessoas que tenham esse estatuto.

Especificamente porquê a escolha de Renato Manuel Epifanio?

Ele tem imensa experiência porque não é um político profissional e, portanto, não tem os seus vícios. É muito conhecido no mundo lusófono porque é presidente do Movimento Internacional Lusófono (MIL), que em cada país é dirigido de forma autónoma. Já esteve mais do que uma vez em Macau e tem um programa de promoção da língua portuguesa e dos laços de afecto e de interesses, no sentido de ter como grande objectivo o estabelecimento de uma cidadania lusófona a prazo.

Em 2015 José Pereira Coutinho foi candidato por este círculo. Desta vez poderia ter ido buscar outro nome à comunidade macaense, mas não o fez. A estratégia mudou?

O que acontece é que a RAEM mudou o estatuto dos seus deputados e como sabe o facto de Pereira Coutinho ser deputado à Assembleia Legislativa impede-o de ser candidato a qualquer outro cargo parlamentar, nomeadamente em Portugal. E foi essa a impossibilidade. Mantemos as melhores relações com o nosso amigo José Pereira Coutinho, mas foi a República Popular da China, ou melhor, o Governo da RAEM, que o impediu de se candidatar.

Então Pereira Coutinho seria novamente candidato se não fosse a revisão da lei.

Com certeza que sim.

Que balanço faz dessa participação de José Pereira Coutinho? Chamou a atenção para um partido que, na altura, tinha acabado de se formar?

Com certeza. Boa parte da vida política convencional faz-se de imagem e neste caso à imagem juntou-se a enorme substância e coragem política de José Pereira Coutinho. Ele foi um elemento muito importante para promover a nossa imagem, tanto assim que impugnámos as eleições de 2015 devido a irregularidades que se cometeram por entidades portuguesas no envio de boletins de voto para a RAEM, prejudicando claramente (o acto eleitoral). Ele seria um vencedor se não tivessem existido essas irregularidades. Estamos muito gratos e continuamos com os melhores contactos, mas a lei eleitoral impede-o de ser candidato.

Lamenta que isso tenha acontecido? Em plena campanha o presidente do hemiciclo disse tratar-se de uma questão diplomática, várias vozes apontaram para a existência de uma incompatibilidade. Na sua opinião, nunca se colocou essa questão.

Não, e aquilo que fez a RAEM é contra a tendência global, e contra a própria tendência de Macau, que é afirmar a sua natureza dual de ser uma parte da China, mas ser uma parte da cultura lusófona no Oriente. Portanto, os macaenses entendem muito bem que só tem a ganhar nessa sua pertença lusófona. Há aqui uma disparidade entre aquilo que o Governo da RAEM pensa e o que pensa a sua população que quer ter horizontes cosmopolitas e globais.

Na altura houve queixas de que Pereira Coutinho teria promovido o recenseamento junto da ATFPM dizendo que era obrigatório. O que tem a dizer sobre isso?

Houve um momento em que outros partidos receavam mesmo perder e é natural que recorram a elementos infundados. Aliás, como curiosidade, chegou a ser anunciada, no domingo das eleições, a vitória do candidato do Nós! Cidadãos. Sabe bem que há determinadas forças políticas que em situação de desespero lançam mão a tudo. Mas neste momento temos um programa político que pretende chamar a sociedade civil e mesmo em Macau ele terá ecos porque temos um conjunto de medidas inovadoras.

Sobre o eleitorado de Macau, é específico porque há muitos portadores do passaporte português que não dominam a língua e que estão até alheados do sistema político. Como é que se pode chamar mais esses eleitores para as eleições em Portugal?

Sim, muito bom, temos explicações feitas pela doutora Rita Santos de como se deve votar e vamos continuar a usar essas ferramentas.

Faz falta uma representatividade de luso-descendentes no parlamento português?

Claro que faz. O que choca é que neste momento o número de recenseados fora da Europa subiu para cerca de um milhão e 200 mil pessoas fora do território de Portugal continental e continuam a ser representados por apenas dois deputados. Continuamos a ver pouco esforço a chamar as comunidades a votar e naturalmente que a abstenção é muito alta. Achamos que o número de deputados poderia ser maior e acompanhado de um grande esforço de cativar os luso-descendentes, que não é feito por este Governo. Os Governos, não apenas este, mas os Governos do PS e PSD tratam o Círculo Fora da Europa como uma coutada política, e como apanharam um grande choque em 2015 com a possibilidade de haver uma força independente, a coutada está ainda mais fechada.

Foi a grande surpresa das últimas legislativas.

Do ponto de vista de Macau não tenho dúvidas, mas o Nós! Cidadãos já fez entretanto caminho. Elegemos muitos autarcas e um presidente da câmara. O Bloco de Esquerda é uma grande força política em Portugal, mas não tem nenhum presidente da câmara. O Nós! Cidadãos é uma força pequena, mas tem. Nós somos um movimento de movimentos cívicos.

Voltamos ao vosso programa. Defendem um futuro sistema de voto electrónico, tem sido debatido por vários governos e há muito que se adia essa questão. Para o Nós! Cidadãos como é que este sistema deveria ser implementado?

Vivemos no século XXI, da era digital e da informação. Quando se chega aos sistemas eleitorais vemos que há ainda um problema com a utilização do voto electrónico porque põe-se a questão de quem é que guarda os guardas, quem fiscaliza? Mesmo os EUA, com óptimos sistemas digitais, não adoptaram o sistema de voto electrónico. O que pomos no nosso programa é que tem de se ponderar, não oferecemos já uma solução. O que dizemos é que vai ser inevitável no futuro, e temos connosco alguns dos nomes da inteligência artificial e da robótica em Portugal que consideram as várias tecnologias existentes, nomeadamente a chamada tecnologia block chain, que permite as moedas virtuais. Digamos que é um sistema de validação mútua em que todos se fiscalizam a todos. Mas de acordo com os nossos especialistas não chega, esse sistema ainda pode ser viciado. Eles estão a trabalhar em conjugação com os computadores quânticos, uma área que está a crescer muito depressa, mas não tanto. No futuro podem haver sistemas de alta fiscalização mútua, e achamos que pode ser o futuro do voto electrónico. Mas essa é apenas uma das medidas para contrariar a abstenção.

Que outras apresentam?

Queremos considerar a votação em dois dias, sábado e domingo.

Isso não iria aumentar o orçamento?

Sim, de uma forma relativa. Tudo tem uma relação de custo-benefício, talvez mais seis ou sete milhões de euros, mas esse montante para chamar mais 10 ou 15 por cento da população para a decisão democrática seria um benefício extraordinário face a um custo muito pequeno.

Propõem o reforço da CPLP e um reconhecimento do estatuto de cidadania lusófona. Como se iria processar na prática?

Esse é o horizonte. As nossas ideias têm a ver com ideias de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, e agora com o MIL e outras forças de Brasil, Angola e Macau achamos que vivemos num mundo em que as pessoas devem ter mais do que uma cidadania. Têm a cidadania nacional e devem ter um conjunto de direitos e deveres nos outros espaços onde vivem. Sabemos que há países como Cabo Verde que são muito a favor disso, há outros países lusófonos que ainda têm de fazer melhorias no seu estatuto para se chegar a uma cidadania comum. Na prática seria difícil implementar, mas achamos que não se deve desistir do objectivo, pois ajudará todos os regimes dos países lusófonos a evoluir e a convergir no sentido de uma economia de mercado, direitos humanos e da representação parlamentar. Falar de uma cidadania lusófona é afastar o espectro das ditaduras e dos regimes autoritários.

Macau é membro associado da CPLP e está dependente da China para implementar quaisquer mudanças a este nível. Poder-se-ia implementar esta cidadania?

Macau não tem de ficar de fora. A dupla pertença seria muito útil para os macaenses e para facilitar a sua circulação. Sabemos o carinho que uma boa da população de Macau tem por Portugal, mas sabemos que num mundo em que devemos abrir mais fronteiras do que construir muros, o que se deve é insistir com a China, que tendo criado as regiões administrativas especiais, tem todo o interesse em usar esses territórios como válvulas de escape para a sua realidade e abrir mais.

No vosso programa defendem também o acompanhamento das comunidades portuguesas na União Europeia (UE), através de redes associativas e apoios aos media. E fora da UE?

Também queremos seguir essa estratégia. Evidentemente que há o Conselho das Comunidades Portuguesas. Mas o que acontece é que é mais fácil desenvolver essa proximidade na Europa porque boa parte dos migrantes portugueses da Europa são temporários e sazonais, e precisam de mais apoio. Depois outra coisa são as comunidades que estão mais estabilizadas e são menos frágeis.

Em relação à comunidade portuguesa em Macau, quais são os problemas mais prementes para o Nós! Cidadãos? A manutenção da língua portuguesa, do Direito local?

Nesses dois aspectos que referiu tem-se feito esforços positivos. O que o Nós! Cidadãos não vê tanto é o aproveitamento do que se poderia chamar de vantagens competitivas de Macau, para poder ser uma espécie de plataforma giratória dos interesses portugueses no oriente e ao mesmo tempo de interface dos interesses da China. Talvez esteja na altura do investimento em Macau ser mais tecnológico, para não deixar Macau tão dependente de uma espécie de mono-industria, do turismo e do lazer, e a prazo usar recursos portugueses e chineses. Temos técnicos extraordinários e a China também, por exemplo na área do digital, da robótica.

Considera que o caminho feito pelo investimento português deveria ser feito de outra maneira?

Deve ter vários caminhos. Uma coisa é o desenvolvimento hoteleiro, imobiliário, do turismo, e outra coisa é o século XXI, da informação. As indústrias digitais deveriam estar à frente ao nível do investimento, com sinergias com empresas chinesas e os bons técnicos portuguesas. Nesse sentido, deveria haver mais livros técnicos bilingues para facilitar a aproximação dessas indústrias.

30 Set 2019

Fundação Casa de Macau | Dirigente deseja juntar instituições ligadas à cultura macaense 

A Fundação Casa de Macau celebra 23 anos de existência, quase tantos como a RAEM. Mário Matos dos Santos, director-geral, fala dos novos projectos, da presença nas redes sociais e da vontade de unir as entidades que, por todo o mundo, lutam para preservar a identidade macaense. “Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá”, aponta

 

[dropcap]M[/dropcap]ário Matos dos Santos, director-geral da Fundação Casa de Macau (FCM), tem vindo a ceder às tentações do mercado imobiliário em Portugal. A entidade, que tem sede num andar na zona do Príncipe Real, em Lisboa, valeria milhares de euros caso fosse vendida. Mas as emoções geradas pela história do espaço falam mais alto. Noutra zona de Lisboa funciona a Casa de Macau em Lisboa, com mais anos de existência, cujo edifício é propriedade da fundação.

“Aquele edifício é nosso, isto aqui é nosso, é a nossa alma mater”, contou ao HM Mário Matos dos Santos. “Foi aqui que isto começou, e tirar daqui a fundação seria aliciante, nem imagina. Porque isto teve um valor de aquisição, e se lhe disser o valor de venda, nem vale a pena falar. Aqui as coisas valem 11 mil euros por metro quadrado. Por uma questão afectiva (não quero vender).”

Fundada há 23 anos, em Julho de 1996, para assegurar a continuidade da Casa de Macau em Portugal, a FCM existe hoje como um centro cultural que promove a apresentação de livros e conferências e tem disponível ao público uma biblioteca com cerca de sete mil livros, consultados, na sua maioria, por alunos de mestrado. Muitas das obras vieram de Macau, à boleia da transferência de soberania, e outras foram sendo doadas por macaenses.

A FCM e a Casa de Macau de Portugal são, portanto, irmãs. A primeira quer ser um polo cultural, a segunda um polo de convívio, onde ainda hoje se realiza o tradicional chá gordo.

“Gostaria muito que percebessem que a fundação trabalha para Macau. Nós temos esse empenho que é garantir que a Casa de Macau não passe dificuldades muito grandes. Custa-nos manter porque vivemos de aplicações financeiras e hoje em dia é muito difícil sobreviver, porque o universo da banca alterou-se na Europa. Temos de ir à procura de outras coisas.”

A FCM assume trabalhar em rede, com entidades como o Turismo de Macau ou a Fundação Oriente. Dela fazem parte figuras históricas de Macau como os antigos governadores Vasco Rocha Vieira e o General Garcia Leandro, este último também presidente da Fundação Jorge Álvares. Apesar dos objectivos comuns, o director-geral da FCM assegura: “não recebemos um euro da Jorge Álvares”. É aqui que Mário Matos dos Santos assume um sonho antigo: fazer uma espécie de frente unida com todas as entidades que defendem e preservem a identidade macaense.

“Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá.” Na agenda está planeado, para Dezembro, um congresso com as Casas de Macau de todo o mundo, que teve até agora apenas uma edição. “Este congresso iria tentar juntar todas as instituições que lutam por Macau, poderíamos fazer uma frente comum e integrarmo-nos. Há uma propensão para que, no futuro, estas instituições se unam todas, e para isso queremos fazer um congresso para defender Macau.”

Os chineses e o Encontro

Da história da Casa de Macau em Portugal faz parte o célebre episódio em que alunos de Macau se barricaram nas suas instalações, no pós 25 de Abril. “Tivemos aí problemas, alguns desses alunos têm hoje posições importantes, mas é a vida. O que sucedeu aqui foi aquilo que sucedeu em Portugal na altura, foi (feito por) gente que estava ou se sentia deprimida, embora a Casa de Macau fosse financiada pelo Governo, mas sucedeu este incidente”, recordou.

Dos anos de existência, o director-geral da FCM recorda uma enorme liberdade para criar coisas e um grande esforço. “Temos um autêntico museu aqui, porque temos de ter muita dignidade naquilo que mostramos. Achamos que a filosofia macaense deve ser continuada, as pessoas ainda não perceberam que estamos ali há séculos. É importante promover a ideia de que Macau é dinâmica, que está a mexer-se. A nossa presença tem de ser mantida, continuada e preservada.”

Para o futuro, Mário Matos dos Santos deseja “alargar o espólio da Casa de Macau à sociedade civil portuguesa, ao meio universitário e apoiar ,mais iniciativas.”

Além dos habituais eventos, a FCM lançou, há um ano, a revista “A Cabaia”, em formato digital, apostando nas redes sociais onde é visitada por inúmeros jovens descendentes de macaenses.

Nas suas instalações funciona actualmente a Associação Novos Amigos da Rota da Seda (ANRS), presidida pela economista Maria Fernanda Ilhéu. Quando questionado se gostaria de receber mais apoio do Governo de Macau, Mário Matos dos Santos assegura: “gostaria muito que fosse assim”. “É por isso que estamos ligados à ANRS, que está ligada à Embaixada da China. Procuramos ter tentáculos em todo o lado, no bom sentido”, acrescentou.

Sobre a nova edição do Encontro das Comunidades Macaenses, que acontece já em Outubro, o director-geral da FCM volta a desejar uma maior união das entidades ligadas à cultura macaense.

“A comunidade deveria discutir o futuro e encontrar caminhos para que a diáspora prevaleça. As casas de Macau em todo o mundo, sobretudo nos EUA e Canadá, são absorvidas. Além da gastronomia, que é importante, e da afectividade, aquela gente vai perdendo (a identidade macaense). As pessoas estão preocupadas em manter a identidade, mas vão-se integrando cada vez mais. Era preciso entrar neste campo”, remata.

Neste ponto, Mário Matos dos Santos considera que o Encontro se realiza porque as autoridades chinesas assim o proporcionam. “Se não fosse os chineses não havia Encontro das Comunidades. É esse contrapeso que existe lá e que os chineses querem cultivar porque têm interesse. Veja-se o que se passa em Hong Kong, e em Macau não houve nada pelos motivos que sabemos. Macau é um contraponto para a China e isso justifica o grande investimento chinês que existe em Portugal, selectivo, mas que é grande”, conclui.

27 Set 2019

Fundação Casa de Macau | Dirigente deseja juntar instituições ligadas à cultura macaense 

A Fundação Casa de Macau celebra 23 anos de existência, quase tantos como a RAEM. Mário Matos dos Santos, director-geral, fala dos novos projectos, da presença nas redes sociais e da vontade de unir as entidades que, por todo o mundo, lutam para preservar a identidade macaense. “Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá”, aponta

 
[dropcap]M[/dropcap]ário Matos dos Santos, director-geral da Fundação Casa de Macau (FCM), tem vindo a ceder às tentações do mercado imobiliário em Portugal. A entidade, que tem sede num andar na zona do Príncipe Real, em Lisboa, valeria milhares de euros caso fosse vendida. Mas as emoções geradas pela história do espaço falam mais alto. Noutra zona de Lisboa funciona a Casa de Macau em Lisboa, com mais anos de existência, cujo edifício é propriedade da fundação.
“Aquele edifício é nosso, isto aqui é nosso, é a nossa alma mater”, contou ao HM Mário Matos dos Santos. “Foi aqui que isto começou, e tirar daqui a fundação seria aliciante, nem imagina. Porque isto teve um valor de aquisição, e se lhe disser o valor de venda, nem vale a pena falar. Aqui as coisas valem 11 mil euros por metro quadrado. Por uma questão afectiva (não quero vender).”
Fundada há 23 anos, em Julho de 1996, para assegurar a continuidade da Casa de Macau em Portugal, a FCM existe hoje como um centro cultural que promove a apresentação de livros e conferências e tem disponível ao público uma biblioteca com cerca de sete mil livros, consultados, na sua maioria, por alunos de mestrado. Muitas das obras vieram de Macau, à boleia da transferência de soberania, e outras foram sendo doadas por macaenses.
A FCM e a Casa de Macau de Portugal são, portanto, irmãs. A primeira quer ser um polo cultural, a segunda um polo de convívio, onde ainda hoje se realiza o tradicional chá gordo.
“Gostaria muito que percebessem que a fundação trabalha para Macau. Nós temos esse empenho que é garantir que a Casa de Macau não passe dificuldades muito grandes. Custa-nos manter porque vivemos de aplicações financeiras e hoje em dia é muito difícil sobreviver, porque o universo da banca alterou-se na Europa. Temos de ir à procura de outras coisas.”
A FCM assume trabalhar em rede, com entidades como o Turismo de Macau ou a Fundação Oriente. Dela fazem parte figuras históricas de Macau como os antigos governadores Vasco Rocha Vieira e o General Garcia Leandro, este último também presidente da Fundação Jorge Álvares. Apesar dos objectivos comuns, o director-geral da FCM assegura: “não recebemos um euro da Jorge Álvares”. É aqui que Mário Matos dos Santos assume um sonho antigo: fazer uma espécie de frente unida com todas as entidades que defendem e preservem a identidade macaense.
“Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá.” Na agenda está planeado, para Dezembro, um congresso com as Casas de Macau de todo o mundo, que teve até agora apenas uma edição. “Este congresso iria tentar juntar todas as instituições que lutam por Macau, poderíamos fazer uma frente comum e integrarmo-nos. Há uma propensão para que, no futuro, estas instituições se unam todas, e para isso queremos fazer um congresso para defender Macau.”

Os chineses e o Encontro

Da história da Casa de Macau em Portugal faz parte o célebre episódio em que alunos de Macau se barricaram nas suas instalações, no pós 25 de Abril. “Tivemos aí problemas, alguns desses alunos têm hoje posições importantes, mas é a vida. O que sucedeu aqui foi aquilo que sucedeu em Portugal na altura, foi (feito por) gente que estava ou se sentia deprimida, embora a Casa de Macau fosse financiada pelo Governo, mas sucedeu este incidente”, recordou.
Dos anos de existência, o director-geral da FCM recorda uma enorme liberdade para criar coisas e um grande esforço. “Temos um autêntico museu aqui, porque temos de ter muita dignidade naquilo que mostramos. Achamos que a filosofia macaense deve ser continuada, as pessoas ainda não perceberam que estamos ali há séculos. É importante promover a ideia de que Macau é dinâmica, que está a mexer-se. A nossa presença tem de ser mantida, continuada e preservada.”
Para o futuro, Mário Matos dos Santos deseja “alargar o espólio da Casa de Macau à sociedade civil portuguesa, ao meio universitário e apoiar ,mais iniciativas.”
Além dos habituais eventos, a FCM lançou, há um ano, a revista “A Cabaia”, em formato digital, apostando nas redes sociais onde é visitada por inúmeros jovens descendentes de macaenses.
Nas suas instalações funciona actualmente a Associação Novos Amigos da Rota da Seda (ANRS), presidida pela economista Maria Fernanda Ilhéu. Quando questionado se gostaria de receber mais apoio do Governo de Macau, Mário Matos dos Santos assegura: “gostaria muito que fosse assim”. “É por isso que estamos ligados à ANRS, que está ligada à Embaixada da China. Procuramos ter tentáculos em todo o lado, no bom sentido”, acrescentou.
Sobre a nova edição do Encontro das Comunidades Macaenses, que acontece já em Outubro, o director-geral da FCM volta a desejar uma maior união das entidades ligadas à cultura macaense.
“A comunidade deveria discutir o futuro e encontrar caminhos para que a diáspora prevaleça. As casas de Macau em todo o mundo, sobretudo nos EUA e Canadá, são absorvidas. Além da gastronomia, que é importante, e da afectividade, aquela gente vai perdendo (a identidade macaense). As pessoas estão preocupadas em manter a identidade, mas vão-se integrando cada vez mais. Era preciso entrar neste campo”, remata.
Neste ponto, Mário Matos dos Santos considera que o Encontro se realiza porque as autoridades chinesas assim o proporcionam. “Se não fosse os chineses não havia Encontro das Comunidades. É esse contrapeso que existe lá e que os chineses querem cultivar porque têm interesse. Veja-se o que se passa em Hong Kong, e em Macau não houve nada pelos motivos que sabemos. Macau é um contraponto para a China e isso justifica o grande investimento chinês que existe em Portugal, selectivo, mas que é grande”, conclui.

27 Set 2019

Empreendedorismo | CEO da Fábrica de Startups destaca maiores relações com DSE

Meia centena de empresas de Macau já passaram pelos corredores da Fábrica de Startups, em Portugal, onde têm acesso privilegiado ao modelo de negócios português. Mas da parceria com a Direcção dos Serviços de Economia deverão nascer novos projectos, disse ao HM o CEO da Fábrica de Startups, António Lucena de Faria. Quanto ao projecto da Grande Baía, faltam informações concretas fora da China, defende

 

[dropcap]A[/dropcap] Fábrica de Startups, localizada em Portugal, esteve recentemente no território no âmbito da participação na Macau International Start-up Week, que decorreu no início do mês. Mas a plataforma portuguesa ligada ao empreendedorismo, e que ajuda empresas a potenciarem os seus negócios, esteve também em quatro cidades que fazem parte do projecto Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

Das três empresas portuguesas que acompanharam a Fábrica de Startups nesta viagem, duas tiveram especial sucesso. Uma é a Citycheck, que desenvolveu uma aplicação de viagens destinada a crianças que viajam com os seus pais, e que lhes permite saber tudo, de forma lúdica, sobre o local que estão a visitar. Outra, a SEAentia, projecto na área da aquacultura, que também despertou a atenção de investidores chineses, conforme disse ao HM António Lucena de Faria.

“Começámos com apresentações em Macau, e penso que esse evento foi muito interessante e um excelente esforço, com excelentes resultados. Esta iniciativa começou pequenina mas está a crescer, sendo algo muito importante para Macau e os seus empreendedores”, apontou. Nas quatro cidades chinesas, houve um contacto mais directo e diário com centros de inovação.

“Estou convencido de que os empreendedores de Portugal terão muitos benefícios no âmbito destas relações e no desenvolvimento dos seus projectos nessa zona, e vice-versa. Os empreendedores da região também podem conhecer melhor a Europa através de Portugal ou a América Latina através da Fábrica de Startups no Brasil”, apontou.

Apesar de reconhecer que as empresas de Macau são mais privilegiadas face às startups portuguesas e europeias, por dominarem a língua e por estarem próximas do mercado chinês, António Lucena de Faria acredita que é necessário apostar nas parcerias exteriores.

“Não há muitas startups em Macau e é preciso continuar a desenvolver (esse aspecto). Uma das formas para acelerar esse processo seria através de parcerias entre startups de Macau e empreendedores vindos de outras partes do mundo. Isto para que não sejam apenas os empreendedores de Macau, que não são muitos, a explorar as oportunidades neste grande mercado que é a China, mas sim também outros empreendedores”, frisou o CEO da Fábrica de Startups.

Parceria com a DSE

A visita realizada a Macau este mês parte de uma parceria entre a Fábrica de Startups e a Direcção dos Serviços de Economia (DSE), que já promoveu a ida de 50 empresas do território a Portugal para terem acesso a novos modelos de negócio, a fim de expandirem as suas ideias.

“Temos sempre empreendedores para estar aqui connosco e fazemos uma explicação de como os modelos de negócio se podem adaptar a esta realidade. Em Portugal temos mecanismos de financiamento que estão abertos a empresas de Macau, estas apenas têm de ter alguma actividade significativa em Portugal, nem precisam de ter cá a sede”, exemplificou.

Em Maio, no âmbito da visita do Chefe do Executivo, Chui Sai On, a Portugal, a Fábrica de Startups recebeu a visita da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, e de membros do Conselho Executivo. Para António Lucena de Faria, esta visita serviu para reforçar a cooperação.

“O programa com a DSE está a avançar e temos tido até um incremento da actividade. Isso foi o que de mais significativo aconteceu com a visita, pois temos mais pessoas connosco e fomos a Macau duas vezes nos últimos meses. Temos outros planos, outras ideias, e a breve trecho vão aparecer outras iniciativas, porque há uma oportunidade enorme.”

Esta segunda-feira chegaram à Fábrica de Startups quatro empreendedores de Macau. “Temos tido projectos surpreendentes ao nível da tecnologia. Temos aqui dois jovens de Macau que nos trouxeram um projecto na área da realidade virtual aumentada, projectos na área dos têxteis que deram origem a parcerias com fábricas do norte para fazer depois o lançamento na China.

Temos trabalhado muito na área do turismo”, adiantou António Lucena de Faria. Os projectos que vão de Macau para Portugal neste âmbito apresentam uma enorme diversidade, aponta a directora de marketing da Fábrica de Startups, Marta Silva. “Temos recebido um pouco de tudo, de diversas indústrias e em diferentes fases de desenvolvimento. Recebemos projectos numa fase inicial onde o objectivo é perceber como dar os primeiros passos na criação de um negócio.

Mas também já temos recebido projectos mais avançados com a clara estratégia de internacionalização e crescimento.” Empresas como a Zlogyo apresentam um “carácter inovador” e uma “tecnologia que se destacava da concorrência que encontrou em Portugal”. “As empresas destacam-se ainda pelo potencial de crescimento, como a DianDian, que pretende garantir a gestão de clientes de pequenas e médias empresas. Quanto ao potencial de internacionalização destacamos a Le Maison de Marriage, cujo destino de Portugal é muito aliciante ou a goddessArmour, que explorar a possibilidade de aproveitar a qualidade das matérias primas portuguesas.”

A responsável pela área do marketing da Fábrica de Startups destaca também “o sector das artes, que tem vindo a receber muita atenção de empreendedores”, sem esquecer áreas como a dança, realização de filmes ou música electrónica.

Em busca do desconhecido

Apesar de destacar o enorme potencial que a zona da Grande Baía possui para empresas ocidentais, António Lucena de Faria assume que há ainda uma grande falta de informação sobre a essência deste projecto de Pequim, que muitos consideram vir a ser semelhante à zona de Silicon Valley, nos Estados Unidos.

“Esse é um grande desafio, de dar a conhecer e partilhar o que está a acontecer. Nós, que andamos neste ecossistema do empreendedorismo já há alguns anos, e que conhecemos bem o que são os grandes ecossistemas que existem no mundo inteiro, e não apenas nos EUA, a verdade é que ficamos surpreendidos com o que vimos aí. Mas a informação é muito pouca fora da China e de Macau. A maior parte das pessoas aqui não tem consciência do que se passa na Grande Baía”, apontou.

Para António Lucena de Faria, trata-se de um “projecto embrionário com uma grande ambição, que é a de ter as condições que já existem na zona de Silicon Valley. Para mim faz todo o sentido que isso se continue a desenvolver e nós aqui em Portugal começamos a olhar com mais atenção para esse plano. Vejo (o projecto da Grande Baía), com muito interesse, há ideias extraordinárias, grandes investimentos, mas ficamos com essa ideia de que é ainda um plano recente.”

“O tempo vai consolidando estas iniciativas e transformar a Grande Baía numa zona atractiva, não só para as empresas portuguesas mas outras que queiram aproveitar essas condições únicas e desenvolver os seus negócios”, rematou António Lucena de Faria.

26 Set 2019

Empreendedorismo | CEO da Fábrica de Startups destaca maiores relações com DSE

Meia centena de empresas de Macau já passaram pelos corredores da Fábrica de Startups, em Portugal, onde têm acesso privilegiado ao modelo de negócios português. Mas da parceria com a Direcção dos Serviços de Economia deverão nascer novos projectos, disse ao HM o CEO da Fábrica de Startups, António Lucena de Faria. Quanto ao projecto da Grande Baía, faltam informações concretas fora da China, defende

 
[dropcap]A[/dropcap] Fábrica de Startups, localizada em Portugal, esteve recentemente no território no âmbito da participação na Macau International Start-up Week, que decorreu no início do mês. Mas a plataforma portuguesa ligada ao empreendedorismo, e que ajuda empresas a potenciarem os seus negócios, esteve também em quatro cidades que fazem parte do projecto Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
Das três empresas portuguesas que acompanharam a Fábrica de Startups nesta viagem, duas tiveram especial sucesso. Uma é a Citycheck, que desenvolveu uma aplicação de viagens destinada a crianças que viajam com os seus pais, e que lhes permite saber tudo, de forma lúdica, sobre o local que estão a visitar. Outra, a SEAentia, projecto na área da aquacultura, que também despertou a atenção de investidores chineses, conforme disse ao HM António Lucena de Faria.
“Começámos com apresentações em Macau, e penso que esse evento foi muito interessante e um excelente esforço, com excelentes resultados. Esta iniciativa começou pequenina mas está a crescer, sendo algo muito importante para Macau e os seus empreendedores”, apontou. Nas quatro cidades chinesas, houve um contacto mais directo e diário com centros de inovação.
“Estou convencido de que os empreendedores de Portugal terão muitos benefícios no âmbito destas relações e no desenvolvimento dos seus projectos nessa zona, e vice-versa. Os empreendedores da região também podem conhecer melhor a Europa através de Portugal ou a América Latina através da Fábrica de Startups no Brasil”, apontou.
Apesar de reconhecer que as empresas de Macau são mais privilegiadas face às startups portuguesas e europeias, por dominarem a língua e por estarem próximas do mercado chinês, António Lucena de Faria acredita que é necessário apostar nas parcerias exteriores.
“Não há muitas startups em Macau e é preciso continuar a desenvolver (esse aspecto). Uma das formas para acelerar esse processo seria através de parcerias entre startups de Macau e empreendedores vindos de outras partes do mundo. Isto para que não sejam apenas os empreendedores de Macau, que não são muitos, a explorar as oportunidades neste grande mercado que é a China, mas sim também outros empreendedores”, frisou o CEO da Fábrica de Startups.

Parceria com a DSE

A visita realizada a Macau este mês parte de uma parceria entre a Fábrica de Startups e a Direcção dos Serviços de Economia (DSE), que já promoveu a ida de 50 empresas do território a Portugal para terem acesso a novos modelos de negócio, a fim de expandirem as suas ideias.
“Temos sempre empreendedores para estar aqui connosco e fazemos uma explicação de como os modelos de negócio se podem adaptar a esta realidade. Em Portugal temos mecanismos de financiamento que estão abertos a empresas de Macau, estas apenas têm de ter alguma actividade significativa em Portugal, nem precisam de ter cá a sede”, exemplificou.
Em Maio, no âmbito da visita do Chefe do Executivo, Chui Sai On, a Portugal, a Fábrica de Startups recebeu a visita da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, e de membros do Conselho Executivo. Para António Lucena de Faria, esta visita serviu para reforçar a cooperação.
“O programa com a DSE está a avançar e temos tido até um incremento da actividade. Isso foi o que de mais significativo aconteceu com a visita, pois temos mais pessoas connosco e fomos a Macau duas vezes nos últimos meses. Temos outros planos, outras ideias, e a breve trecho vão aparecer outras iniciativas, porque há uma oportunidade enorme.”
Esta segunda-feira chegaram à Fábrica de Startups quatro empreendedores de Macau. “Temos tido projectos surpreendentes ao nível da tecnologia. Temos aqui dois jovens de Macau que nos trouxeram um projecto na área da realidade virtual aumentada, projectos na área dos têxteis que deram origem a parcerias com fábricas do norte para fazer depois o lançamento na China.
Temos trabalhado muito na área do turismo”, adiantou António Lucena de Faria. Os projectos que vão de Macau para Portugal neste âmbito apresentam uma enorme diversidade, aponta a directora de marketing da Fábrica de Startups, Marta Silva. “Temos recebido um pouco de tudo, de diversas indústrias e em diferentes fases de desenvolvimento. Recebemos projectos numa fase inicial onde o objectivo é perceber como dar os primeiros passos na criação de um negócio.
Mas também já temos recebido projectos mais avançados com a clara estratégia de internacionalização e crescimento.” Empresas como a Zlogyo apresentam um “carácter inovador” e uma “tecnologia que se destacava da concorrência que encontrou em Portugal”. “As empresas destacam-se ainda pelo potencial de crescimento, como a DianDian, que pretende garantir a gestão de clientes de pequenas e médias empresas. Quanto ao potencial de internacionalização destacamos a Le Maison de Marriage, cujo destino de Portugal é muito aliciante ou a goddessArmour, que explorar a possibilidade de aproveitar a qualidade das matérias primas portuguesas.”
A responsável pela área do marketing da Fábrica de Startups destaca também “o sector das artes, que tem vindo a receber muita atenção de empreendedores”, sem esquecer áreas como a dança, realização de filmes ou música electrónica.

Em busca do desconhecido

Apesar de destacar o enorme potencial que a zona da Grande Baía possui para empresas ocidentais, António Lucena de Faria assume que há ainda uma grande falta de informação sobre a essência deste projecto de Pequim, que muitos consideram vir a ser semelhante à zona de Silicon Valley, nos Estados Unidos.
“Esse é um grande desafio, de dar a conhecer e partilhar o que está a acontecer. Nós, que andamos neste ecossistema do empreendedorismo já há alguns anos, e que conhecemos bem o que são os grandes ecossistemas que existem no mundo inteiro, e não apenas nos EUA, a verdade é que ficamos surpreendidos com o que vimos aí. Mas a informação é muito pouca fora da China e de Macau. A maior parte das pessoas aqui não tem consciência do que se passa na Grande Baía”, apontou.
Para António Lucena de Faria, trata-se de um “projecto embrionário com uma grande ambição, que é a de ter as condições que já existem na zona de Silicon Valley. Para mim faz todo o sentido que isso se continue a desenvolver e nós aqui em Portugal começamos a olhar com mais atenção para esse plano. Vejo (o projecto da Grande Baía), com muito interesse, há ideias extraordinárias, grandes investimentos, mas ficamos com essa ideia de que é ainda um plano recente.”
“O tempo vai consolidando estas iniciativas e transformar a Grande Baía numa zona atractiva, não só para as empresas portuguesas mas outras que queiram aproveitar essas condições únicas e desenvolver os seus negócios”, rematou António Lucena de Faria.

26 Set 2019

Albano Silva Pereira, fotógrafo, curador e director do Centro de Artes Visuais

Albano Silva Pereira está em Macau como curador da exposição “Língua Franca – 2ª Exposição Anual de Artes entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, que inaugura na quinta-feira e estará patente no Antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino e Vivendas Verdes da Avenida do Coronel Mesquita n.° 55-57. O HM aproveitou para falar com o homem que fez a fotografia portuguesa em termos expositivos, criador dos míticos Encontros Fotográficos de Coimbra e director do Centro de Artes Visuais. Na primeira pessoa, o artista e curador fala do amigo Robert Frank, da vertigem das redes sociais e da fotografia como ferramenta de diálogo

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau a organizar a “Língua Franca – 2ª Exposição Anual de Artes entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. Tem outros projectos em mente para Macau?
Para mim, este projecto até nem é o mais aliciante. Aliás, este está feito. O mais aliciante é o futuro. Criei um projecto dos mais destacados em termos mundiais durante 30 anos, para onde veio gente de todo o mundo. Com a minha experiência e conhecimento, posso criar aqui uma plataforma onde o turismo, a animação e, sobretudo, o diálogo mundial e universal podem ser produzidos. Isso é o que me interessa. Quero cumprir este projecto (Língua Franca) dentro da minha filosofia. Depois gostaria de ter condições práticas e estabelecer um diálogo institucional no sentido de criar aqui a dois, três anos, uma bienal de grande qualidade mundial.

Olhando para trás, para a forma como as coisas começaram, como vê a evolução dos Encontros de Fotografia? Acha que podem ir além de si?
Além de mim já vai, porque há um equipamento de 1600 metros quadrados na cidade de Coimbra, o Centro de Artes Visuais, que é uma afirmação da arquitectura portuguesa, do João Mendes Ribeiro, e a reutilização de um espaço do século XVII que era o Colégio das Artes. Começou com os Encontros de Fotografia e hoje é o Centro de Artes Visuais e não é por acaso, porque o tempo deu-me razão. Talvez o polo mais importante dos Encontros de Fotografia seja o prestígio, que não tem a ver com números, mas com ideias. Eu venho do cinema ao mais alto nível, Manoel de Oliveira é o topo e eu fui durante muitos anos o seu braço-direito. Trabalhei também com Wenders, por exemplo. Na altura, já trabalhava com fotografia, portanto, as minhas referências culturais e filosóficas eram sempre experimentais e pioneiras dentro das grandes correntes modernas da arte contemporânea. Eu trabalho a fotografia como arte, na tradição da estética alemã da Bauhaus e mesmo do século XIX. Digo isto com todo o respeito pelo jornalismo, a fotografia de moda, de publicidade, e por essa grande riqueza da fotografia que é a multiplicidade de estéticas e de objectos. Portanto, tive critério e a melhor escola em 1970.

Como se manifestou esse background?
O exercício da programação e das estratégias que tomei assentaram numa fórmula perfeita na utilização da fotografia. Primeiro: um critério rigoroso na divulgação dos grandes mestres da fotografia contemporânea. Acabou de morrer, na semana passada, um dos mestres e um grande amigo que me deu grande prestígio internacional. Porque ninguém fazia Frank. Em 1986 ninguém fazia Frank, o Frank estava morto, a fotografia tinha acabado, este foi um marco decisivo e estratégico em termos internacionais. Depois dos Encontros de Fotografia de Coimbra, o trabalho de Robert Frank foi exposto na National Gallery, em Washington, na Tate em Londres. Quando se faz Frank todas as portas se abrem. Isto é como a Fórmula 1, se tiver aqui o Vettel você já não tem mais problemas, os outros põem-se em fila e vêm atrás.

Portanto, exibir Robert Frank foi o começo.
Sim. Mas, por outro lado, criei uma estratégia pedagógica em relação à história da fotografia com nomes absolutamente extraordinários, Jacques Henri Lartigue, Strand, August Sander, Bauhaus, mostrei as grandes linhas estéticas da história da fotografia. Também adaptei cada exposição a cada espaço, que utilizava criteriosamente e dispunha no mapa da cidade. Coimbra é uma cidade com um património arqueológico e histórico imenso, a começar pela Universidade. Abri os primeiros museus da universidade à fotografia. O Museu de Zoologia, Museu de Antropologia, Museu da Ciência Laboratório Chimico, igrejas. Dispus pelo território da cidade um conjunto de exposições e as pessoas vinham mais de fora do que de Coimbra. Chegámos a ter 100 mil visitantes, no final da década 1990. Outro factor foi o risco, aposta na contemporaneidade, no desenvolvimento da fotografia. Nunca olhámos para o passado, apesar de divulgarmos a arqueologia e história da fotografia, como o trabalho do grande pesquisador, viajante, antropólogo e etnólogo do século XIX Cunha Moraes. Construímos investigação à volta de colecções que não havia. Estabelecemos diálogos e pontes que na Europa eram raros. Os franceses eram muito franceses, os ingleses eram demasiado ingleses, os alemães nem se fala. Essa capacidade de diálogo que os portugueses demonstraram ainda hoje, por exemplo na cena política mundial, é um património português, uma virtualidade da cultura portuguesa.

Como vê o hoje e o amanhã dos Encontros da Fotografia?
Não tenho dúvida nenhuma de que tenho feito escola, até são os fotógrafos que o dizem. Todos os fotógrafos portugueses nasceram nos Encontros de Fotografia. Jorge Molder e Paulo Nozolino foram pioneiros comigo. Daniel Blaufuks, António Júlio Duarte, André Cepeda, Inês Gonçalves, José Rodrigues, os novos beberam todos em nós. É evidente que eu um dia morro, estou cada vez mais perto. Obviamente, o lugar de director artístico, de programador, de curador é essencial numa instituição destas. É evidente que aquilo que eu faço é à imagem da minha filosofia.

No meio da agenda preenchida com curadoria e produção, também fotografa.
Eu também sou fotógrafo e artista. Faço exposições e não é em qualquer lado. No Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, acabei de ser um dos finalistas do Prémio BES. Gosto de fazer curadoria, é a minha vida. Mas prefiro fotografar e filmar. No meu Instagram pode ver. Estou a fazer um arquivo da minha viagem, que vai ser uma exposição no próximo ano. Estou a produzir uma exposição em termos de curadoria, mas estou a produzir também uma exposição com o meu olhar pessoal sobre isto.

Robert Frank morreu há duas semanas, uma figura incontornável da fotografia e um amigo próximo. Como começou esta amizade?
Em 1985, o Frank estava, entre aspas, morto e havia mesmo muita gente que pensava que ele tinha mesmo morrido. Ele é um ser mítico, é um dos últimos sobreviventes da geração Beat, do Kerouac, Ginsberg, Burroughs, de onde eu descendo. Quando comecei a organizar o festival Encontros de Fotografia para mim havia uma meta fundamental em termos internacionais e curriculares: fazer Frank. O equivalente em cinema português a ser assistente do Manoel de Oliveira. Nesse aspecto, sempre fui ambicioso.

Mas como chegou a Frank?
Muito complicado. Ninguém tinha contactos telefónicos, nada. Muita gente dizia que já tinha morrido, porque a fotografia tinha acabado para ele. Em 1986 expus nos Encontros de Fotografia um dos tops da fotografia contemporânea norte-americana, o Duane Michals. Tornamo-nos amigos e um dia disse-lhe que adorava fazer uma exposição do Frank, e que queria saber como seria possível. O Frank fazia, praticamente, edições únicas, isto são bichos muito complicados, com acessos muito difíceis. Não havia cópias, não havia outros originais numerados. Um dia o Michals diz-me: “olha, encontrei o Frank, está vivo e deu-me o telefone porque tem curiosidade em falar contigo. Disse-lhe quem eras, que tinha uma relação muito especial contigo.” Começámos a falar ao telefone, foi como um namoro. Ele é um homem fulgurante, um poeta, um homem isolado, amargurado com o mundo, morreram-lhe os dois filhos, emigrante judeu, tem esses elementos que são decisivos no comportamento dele. A casa dele em Mabou (Canadá, Nova Escócia) parece a casa de um pescador, não se distingue em nada dos 4 ou 5 pescadores de Mabou. É um sítio ermo, desértico, onde ele passava a maior parte do tempo. Bastava aquele indivíduo dar uma ordem à galeria, uma das mais famosas do mundo (Pace/MacGill Gallery), para fazer uma impressão do portfolio do “The Americans”. Uma fotografia do “The Americans” foi vendida pela Christie’s em 2009, antes da exposição no Met, por 624 mil dólares. Da minha colecção, fui obrigado, para o CAV sobreviver, a vender uma por 180 mil dólares. Até a própria casa dele em Nova Iorque, na Bleeker Street, é inacreditável. Frank foi o homem mais austero que vi na vida, despojado. Qualquer outro fotógrafo com a qualidade e o génio fazia dinheiro.

Qual o catalisador para a amizade com Frank?
Há várias particularidades. Eu diria que sou como um filho dele, ou o outro é o Vicente Todolí. Eu venho do cinema, faço fotografia, o mesmo percurso que o Frank. Sou também um marginal, não tão austero como ele, mas também com costela judia e depois, ou temos, ou não temos a tragédia nos olhos. Ele tem e eu também. Depois também entra em jogo a sensibilidade estética, o coração, como ele dizia “feelings, memories”, palavras fundamentais no discurso do Frank. Depois é um génio, ele é um poeta, um grande poeta. Um homem que recusa o grande dinheiro, a facilidade de ter milhões. Ele fez o “Pull My Daisy”, com o Kerouac e o Ginsberg. Fez o “Cocksucker Blues” a convite dos Rollings Stones. Ele já era grande nos anos 60 e optou por fugir à fama, não estamos aqui a brincar. Toda a vivência do Frank, seja ela estética ou de vida, tem uma unidade perfeita e coerente entre a filosofia de vida e a obra dele. Seja no cinema ou na fotografia. É por isso que ele é único. É um homem autêntico, com uma enorme autenticidade entre a obra e a humanidade dele. Pode medir a grandeza pelo impacto que teve a morte dele no mundo inteiro, toda a gente soube que Robert Frank morreu. Morreu na caminha em Mabou, com 94 anos.

E o impacto que teve em si?
Foi muito. Não é que não estivesse à espera. Porque todos os anos o vejo e há uns anos para cá, estávamos a construir um novo projecto, muito pessoal entre mim e ele e já tinha percebido há 5 ou 6 anos que estava a perder a memória. Dizia uma coisa agora e passado uma hora dizia outra. Nunca foi um perfeccionista, mas foi um génio. Na fase do “The Americans” era perfeito, não em termos técnicos, mas porque conseguia ligar a técnica com a ideia, com a sua filosofia de vida.

Autenticidade e técnica com linguagem que é rara nos dias dos telemóveis e redes sociais…
Hoje toda a gente está convencida que é artista e bom fotógrafo devido ao Instagram e porque tem filtros para tudo. Isto é uma miragem, que pode ter algum efeito prático, mesmo que sem coerência, mas, pelo menos, pode ser educativo. As aplicações são a maior traficância que existe para as pessoas se iludirem de que são grandes fotógrafas.

Pode ser a morte da fotografia?
Eu diria que se há morte aqui ela é indolor e não tem cheiro. É uma morte consumista, sem sentido. Não me seduz essa morte. Seduz-me mais a morte do Mishima, o suicídio. É a sociedade em que estamos. O mundo está vertiginosamente a alterar padrões e valores. Mas as galerias vão continuar a ter gente. Há um lado perverso, mas interessante no Instagram e no Facebook que é a utilização da imagem. Quando se vê uma boa imagem tenta-se fazer melhor e para isso têm de se ir aos museus e às galerias para aprender. Por outro lado, mostra-se aos amigos que se é culto e vai-se ao Louvre tirar uma selfie.

Para quem entende a fotografia como arte, presumo que também o fotojornalismo seja algo trágico. Qual a sua opinião da popularidade do World Press Photo?
Eu conto-lhe uma pequena história que explica a minha perspectiva. Um dia o director do Festival d’Arles, François Hébel, que também era director da Magnum, convidou-me para ver uma exposição porque queria saber a minha opinião. Era a primeira exposição do Sebastião Salgado em Arles, “Sahel”. Vi, naturalmente, com atenção, não é que as fotografias do Salgado ou do World Press precisem de muita atenção porque o centro está bem identificado: o sofrimento e a tragédia. Transmitem a lágrima através da técnica fotográfica, a sede, a fome a exploração e por aí adiante. Há coisas que são obscenas, perversas. Pode-se fotografar pessoas em situações difíceis, mas com dignidade, sem exploração dramática. Vi essa exposição, “Sahel”, em silêncio por uma questão de gentileza e respeito por alguém que me leva a almoçar e a ver uma exposição. Saí e disse-lhe que preferia não falar sobre o que tinha visto, porque não gostava. Era a antítese da utilização de uma máquina fotográfica porque pressuponho que antes da estética está a ética. Não sou vendedor de banha da cobra. Naquela exposição o drama é sede e fome, mas particularmente sede, retratadas em criancinhas esqueléticas. Numa fotografia, uma criança punha o ouvido encostado à mangueira onde passava água. E disse-lhe o seguinte: “Estou convencido que não fazia a boa fotografia, a fotografia plasticamente perfeita em termos de luz, de preto e branco. Furava a mangueira, em vez de ter tirado a fotografia. O que o Sebastião Salgado e a World Press fazem é a rentabilização comercial da fotografia de exploração de tragédia, guerra, fome, ciclones, etc. Não digo que não há bons fotógrafos de agência de grande dignidade, a história da fotografia mostra isso, em Capa e por aí em diante.

Não concorda que o fotojornalismo passe da página para a galeria, portanto.
Quando os fotojornalistas se tornam artistas e disputam o preço do print e do tamanho na galeria é perverso. Não é essa a função da fotografia, não estou a dizer com isto que não se possa mostrar. Mas, na minha opinião, toda aquela fotografia é má, muitas vezes obscena, é feita com uma estética artificial, de grande angulares, cores, é tudo fabricado.

24 Set 2019

IPOR | ‘Vistos gold’ e investimento chinês fazem disparar tutorias de português

O director do IPOR disse à agência Lusa que o número de tutorias de português quase duplicou este ano, muito devido aos ‘vistos gold’ e ao investimento chinês nos países lusófonos. Joaquim Coelho Ramos revelou ainda que o instituto, que completa hoje 30 anos, irá abrir uma delegação em Pequim até Novembro e um centro de línguas em Chengdu ainda este ano

 

[dropcap]A[/dropcap]inda faltam mais de três meses para terminar o ano e o número de horas de tutorias de aprendizagem da língua portuguesa, em relação a 2018, já cresceu quase para o dobro, ultrapassando o meio milhar de horas, salientou, em entrevista, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), Joaquim Coelho Ramos. “Só nos primeiros dois meses deste ano económico ultrapassámos o número de tutorias do ano passado todo”, reforçou o responsável pela instituição que assinala hoje 30 anos de vida em Macau e de actividade na Ásia.

Se em 2015 foram apenas contabilizadas 23 horas de tutorias, em 2018 registaram-se 289, contra as 520 deste ano. “Quando perguntamos nas fichas de inscrição as ‘razões’ reparamos que muitos dos interessados são, por exemplo, empresários com vontade de investir ou em Portugal ou num país de língua portuguesa”, assinalou o director, em funções desde Agosto de 2018. “Estão com investimentos em Portugal ou de alguma maneira inseridos na dinâmica dos ‘vistos gold’”, acrescentou.

O ‘visto gold’ é uma autorização de residência para actividade de investimento em Portugal concedida a estrangeiros fora da UE.

As aulas ministradas à distância, por videoconferência, são cada vez mais populares. “Aqueles que não têm disponibilidade para assistir a uma aula, sempre na mesma hora e no mesmo dia, pretendem algo flexível, mas que produza resultados”, frisou. Tal acontece seja a partir de Hong Kong ou de Shenzhen, onde muitos residem, ou a partir do Dubai, se se encontrarem em viagem: “Para isso basta combinar com o professor”, explicou Joaquim Coelho Ramos.

Tendo em conta a expansão da procura dos serviços do IPOR não é de estranhar que o mesmo se passe em termos territoriais e representações. Assim sendo, em Novembro abre uma delegação do IPOR em Pequim e um centro de línguas em Chengdu até final do ano.

Em relação à delegação na capital chinesa, a ideia é “começar já dentro de um mês, mês e meio, (…) em produção já em finais de Outubro”, ainda que o cenário “mais realista” aponte para “início de Novembro”, esclareceu Joaquim Coelho Ramos. O projecto começou a ser trabalhado no início do ano e neste momento “ir trabalhar para a China depende apenas de questões administrativas”, adiantou.

Outono em Pequim

Em Maio, aquando da visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um protocolo assinado entre o Camões-Instituto da Cooperação e da Língua e a Sociedade de Jogos de Macau definiu a constituição de um fundo para apoiar a difusão e promoção da língua portuguesa na República Popular da China.

A abertura de uma delegação em Pequim é justificada “pelos pedidos constantes para formação em língua portuguesa não conferente de grau académico”, mas sim “para efeitos pragmáticos”, casos do “português económico e de introdução à língua portuguesa comunicacional”, indicou o responsável do IPOR.

“Há muita gente a fazer cursos de português à distância através de videoconferência” e existem “muitos pedidos de regiões da China continental”, afirmou o director do IPOR. Razão pela qual, após análise do mercado, se entendeu que era importante ter uma presença física em Pequim.

A mais-valia da delegação em Pequim, que não só garante um ensino personalizado e uma aprendizagem certificada, é também explicada por se poder assegurar localmente a formação de professores.

“Há uma vantagem em ter sempre um canal aberto” em todas as situações em que instituições como as universidades solicitem ajuda directamente ao IPOR em Pequim, com a possibilidade ainda de se garantir algum reforço a partir de Macau, sublinhou Joaquim Coelho Ramos. “O interesse está a crescer e era importante operacionalizar a resposta, e é isso que esta delegação vai fazer”, acrescentou.

Por outro lado, até final do ano, o IPOR quer abrir um centro de língua portuguesa em Chengdu, cidade chinesa da província de Sichuan, onde o instituto tem ministrado o ensino de português a médicos, enfermeiros e técnicos do Centro Internacional de Formação na área da Saúde e do Planeamento Familiar.

De resto, a província de Sichuan tem mantido uma relação estreita com os países de língua portuguesa, para onde a respectiva autoridade da saúde começou a enviar, desde 1976, equipas médicas. “É um desafio” com dados “muito sólidos” que justificam a decisão, argumentou, lembrando o envolvimento destes profissionais de saúde nesses projectos de cooperação nos países lusófonos.

Três desafios

O director IPOR disse ainda que o crescimento “muito significativo” da procura pelo ensino do português a um público infantojuvenil já obrigou a instituição a criar uma lista de espera.

“Outra área que temos notado um crescimento muito significativo (…) é nas oficinas para o público infantojuvenil. (…) Estamos a falar do ensino de língua portuguesa entre os 6 e os 14 anos, é a franja em que temos sentido um crescimento maior, essencialmente para crianças e jovens de famílias chinesas”, destacou Joaquim Coelho Ramos.

O número mais que triplicou em relação a 2018, passando de 30 a 40 inscrições para mais de 120. “Não estávamos à espera deste crescimento (…), um tipo de ‘boom’” que coloca “um problema”, explicou o responsável. A instituição foi obrigada a criar uma lista de espera e para ajustar a oferta está a proceder à contratação de professores a tempo parcial.

A estratégia do IPOR tem várias frentes e tem como base “uma equipa e profissionais dedicados que trabalham em conjunto”, assente ainda em várias parcerias, frisou.

“Houve uma tentativa de aproximação do IPOR com as instituições locais. Acreditamos que o segredo do sucesso é não estar sozinho. Este tipo de colaboração tem tido resultados por exemplo, ao nível científico e pedagógico com o Instituto Politécnico de Macau, com cursos intensivos de Verão, na produção de materiais didácticos, e também com a Universidade de Macau, num trabalho voltado para o português como língua para fins específicos”, assinalou.

O responsável enumerou três desafios que se colocam actualmente à instituição. Um deles passa pela formação interna. “Neste momento, por exemplo, temos de pensar em dar formação complementar de pedagogia didáctica da língua portuguesa para crianças e jovens. Até agora tínhamos um paradigma muito forte no ensino de adultos, esse paradigma continua, mas há um novo desafio”, frisou.

Outra área fundamental que constitui o desafio estratégico do IPOR passa pela actualização dos recursos tecnológicos, com uma atenção à estatística e análise de dados: “um instituto deste tipo que consegue antecipar uma tendência de procura é um instituto que vai dar uma melhor resposta”, defendeu.

Materiais à medida

Por fim, Joaquim Coelho Ramos definiu como prioridade “a organização daquilo que já é a memória do IPOR”, de forma a promover “a preservação, divulgação e disponibilização do acervo da instituição”, e anunciou que depois do guia lexical (um ‘dicionário’ altamente especializado dedicado a uma área específica) de conversação português-vietnamita, o IPOR está prestes a lançar outros. “Temos trabalhado em guias lexicais para a área da saúde, contabilidade e auditoria (…) e agora está para breve a apresentação pública do guia lexical para o jornalismo e para a administração”, avançou Joaquim Coelho Ramos. “A muito breve prazo, estamos a falar de uma semana, semana e meia, [será divulgado] um para o sector do turismo”, indicou.

Joaquim Coelho Ramos esclareceu que os guias “já estão produzidos, falta a data da apresentação pública”. O investimento na produção destes guias, com termos contextualizados, mas também expressões e por vezes frases focadas em temas e áreas de trabalho específicas, são importantes no âmbito da “aplicação no terreno” da língua portuguesa e no “desenvolvimento pessoal entre os professores e os alunos”, acrescentou. A atenção ao produto final, de uma forma muito pragmática, está ilustrada num detalhe, assinalou: “o guia lexical para a saúde foi impresso num tamanho que permite ser guardado no bolso da bata de um médico”.

Outra área de trabalho na qual o IPOR se tem focado “é na produção de materiais didácticos, na bibliografia e no digital”, assegurou. A justificação destas apostas é simples, concluiu: “As pessoas estão a olhar para a língua portuguesa como um instrumento pragmático, de acção directa no mercado”.

O IPOR conta com 27 funcionários a tempo inteiro que, com o apoio de algumas colaborações, procuram assegurar a vocação prioritária de promover o ensino da língua portuguesa, com uma vertente complementar focada na acção cultural.

Fundado a 19 de Setembro de 1989 pela Fundação Oriente e pelo Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, o IPOR exerce a sua actividade, além de Macau, em países como o Vietname, Tailândia e Austrália, estando para breve a concretização também de projectos em Pequim, Chengdu e Nova Deli.

19 Set 2019

IPOR | ‘Vistos gold’ e investimento chinês fazem disparar tutorias de português

O director do IPOR disse à agência Lusa que o número de tutorias de português quase duplicou este ano, muito devido aos ‘vistos gold’ e ao investimento chinês nos países lusófonos. Joaquim Coelho Ramos revelou ainda que o instituto, que completa hoje 30 anos, irá abrir uma delegação em Pequim até Novembro e um centro de línguas em Chengdu ainda este ano

 
[dropcap]A[/dropcap]inda faltam mais de três meses para terminar o ano e o número de horas de tutorias de aprendizagem da língua portuguesa, em relação a 2018, já cresceu quase para o dobro, ultrapassando o meio milhar de horas, salientou, em entrevista, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), Joaquim Coelho Ramos. “Só nos primeiros dois meses deste ano económico ultrapassámos o número de tutorias do ano passado todo”, reforçou o responsável pela instituição que assinala hoje 30 anos de vida em Macau e de actividade na Ásia.
Se em 2015 foram apenas contabilizadas 23 horas de tutorias, em 2018 registaram-se 289, contra as 520 deste ano. “Quando perguntamos nas fichas de inscrição as ‘razões’ reparamos que muitos dos interessados são, por exemplo, empresários com vontade de investir ou em Portugal ou num país de língua portuguesa”, assinalou o director, em funções desde Agosto de 2018. “Estão com investimentos em Portugal ou de alguma maneira inseridos na dinâmica dos ‘vistos gold’”, acrescentou.
O ‘visto gold’ é uma autorização de residência para actividade de investimento em Portugal concedida a estrangeiros fora da UE.
As aulas ministradas à distância, por videoconferência, são cada vez mais populares. “Aqueles que não têm disponibilidade para assistir a uma aula, sempre na mesma hora e no mesmo dia, pretendem algo flexível, mas que produza resultados”, frisou. Tal acontece seja a partir de Hong Kong ou de Shenzhen, onde muitos residem, ou a partir do Dubai, se se encontrarem em viagem: “Para isso basta combinar com o professor”, explicou Joaquim Coelho Ramos.
Tendo em conta a expansão da procura dos serviços do IPOR não é de estranhar que o mesmo se passe em termos territoriais e representações. Assim sendo, em Novembro abre uma delegação do IPOR em Pequim e um centro de línguas em Chengdu até final do ano.
Em relação à delegação na capital chinesa, a ideia é “começar já dentro de um mês, mês e meio, (…) em produção já em finais de Outubro”, ainda que o cenário “mais realista” aponte para “início de Novembro”, esclareceu Joaquim Coelho Ramos. O projecto começou a ser trabalhado no início do ano e neste momento “ir trabalhar para a China depende apenas de questões administrativas”, adiantou.

Outono em Pequim

Em Maio, aquando da visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um protocolo assinado entre o Camões-Instituto da Cooperação e da Língua e a Sociedade de Jogos de Macau definiu a constituição de um fundo para apoiar a difusão e promoção da língua portuguesa na República Popular da China.
A abertura de uma delegação em Pequim é justificada “pelos pedidos constantes para formação em língua portuguesa não conferente de grau académico”, mas sim “para efeitos pragmáticos”, casos do “português económico e de introdução à língua portuguesa comunicacional”, indicou o responsável do IPOR.
“Há muita gente a fazer cursos de português à distância através de videoconferência” e existem “muitos pedidos de regiões da China continental”, afirmou o director do IPOR. Razão pela qual, após análise do mercado, se entendeu que era importante ter uma presença física em Pequim.
A mais-valia da delegação em Pequim, que não só garante um ensino personalizado e uma aprendizagem certificada, é também explicada por se poder assegurar localmente a formação de professores.
“Há uma vantagem em ter sempre um canal aberto” em todas as situações em que instituições como as universidades solicitem ajuda directamente ao IPOR em Pequim, com a possibilidade ainda de se garantir algum reforço a partir de Macau, sublinhou Joaquim Coelho Ramos. “O interesse está a crescer e era importante operacionalizar a resposta, e é isso que esta delegação vai fazer”, acrescentou.
Por outro lado, até final do ano, o IPOR quer abrir um centro de língua portuguesa em Chengdu, cidade chinesa da província de Sichuan, onde o instituto tem ministrado o ensino de português a médicos, enfermeiros e técnicos do Centro Internacional de Formação na área da Saúde e do Planeamento Familiar.
De resto, a província de Sichuan tem mantido uma relação estreita com os países de língua portuguesa, para onde a respectiva autoridade da saúde começou a enviar, desde 1976, equipas médicas. “É um desafio” com dados “muito sólidos” que justificam a decisão, argumentou, lembrando o envolvimento destes profissionais de saúde nesses projectos de cooperação nos países lusófonos.

Três desafios

O director IPOR disse ainda que o crescimento “muito significativo” da procura pelo ensino do português a um público infantojuvenil já obrigou a instituição a criar uma lista de espera.
“Outra área que temos notado um crescimento muito significativo (…) é nas oficinas para o público infantojuvenil. (…) Estamos a falar do ensino de língua portuguesa entre os 6 e os 14 anos, é a franja em que temos sentido um crescimento maior, essencialmente para crianças e jovens de famílias chinesas”, destacou Joaquim Coelho Ramos.
O número mais que triplicou em relação a 2018, passando de 30 a 40 inscrições para mais de 120. “Não estávamos à espera deste crescimento (…), um tipo de ‘boom’” que coloca “um problema”, explicou o responsável. A instituição foi obrigada a criar uma lista de espera e para ajustar a oferta está a proceder à contratação de professores a tempo parcial.
A estratégia do IPOR tem várias frentes e tem como base “uma equipa e profissionais dedicados que trabalham em conjunto”, assente ainda em várias parcerias, frisou.
“Houve uma tentativa de aproximação do IPOR com as instituições locais. Acreditamos que o segredo do sucesso é não estar sozinho. Este tipo de colaboração tem tido resultados por exemplo, ao nível científico e pedagógico com o Instituto Politécnico de Macau, com cursos intensivos de Verão, na produção de materiais didácticos, e também com a Universidade de Macau, num trabalho voltado para o português como língua para fins específicos”, assinalou.
O responsável enumerou três desafios que se colocam actualmente à instituição. Um deles passa pela formação interna. “Neste momento, por exemplo, temos de pensar em dar formação complementar de pedagogia didáctica da língua portuguesa para crianças e jovens. Até agora tínhamos um paradigma muito forte no ensino de adultos, esse paradigma continua, mas há um novo desafio”, frisou.
Outra área fundamental que constitui o desafio estratégico do IPOR passa pela actualização dos recursos tecnológicos, com uma atenção à estatística e análise de dados: “um instituto deste tipo que consegue antecipar uma tendência de procura é um instituto que vai dar uma melhor resposta”, defendeu.

Materiais à medida

Por fim, Joaquim Coelho Ramos definiu como prioridade “a organização daquilo que já é a memória do IPOR”, de forma a promover “a preservação, divulgação e disponibilização do acervo da instituição”, e anunciou que depois do guia lexical (um ‘dicionário’ altamente especializado dedicado a uma área específica) de conversação português-vietnamita, o IPOR está prestes a lançar outros. “Temos trabalhado em guias lexicais para a área da saúde, contabilidade e auditoria (…) e agora está para breve a apresentação pública do guia lexical para o jornalismo e para a administração”, avançou Joaquim Coelho Ramos. “A muito breve prazo, estamos a falar de uma semana, semana e meia, [será divulgado] um para o sector do turismo”, indicou.
Joaquim Coelho Ramos esclareceu que os guias “já estão produzidos, falta a data da apresentação pública”. O investimento na produção destes guias, com termos contextualizados, mas também expressões e por vezes frases focadas em temas e áreas de trabalho específicas, são importantes no âmbito da “aplicação no terreno” da língua portuguesa e no “desenvolvimento pessoal entre os professores e os alunos”, acrescentou. A atenção ao produto final, de uma forma muito pragmática, está ilustrada num detalhe, assinalou: “o guia lexical para a saúde foi impresso num tamanho que permite ser guardado no bolso da bata de um médico”.
Outra área de trabalho na qual o IPOR se tem focado “é na produção de materiais didácticos, na bibliografia e no digital”, assegurou. A justificação destas apostas é simples, concluiu: “As pessoas estão a olhar para a língua portuguesa como um instrumento pragmático, de acção directa no mercado”.
O IPOR conta com 27 funcionários a tempo inteiro que, com o apoio de algumas colaborações, procuram assegurar a vocação prioritária de promover o ensino da língua portuguesa, com uma vertente complementar focada na acção cultural.
Fundado a 19 de Setembro de 1989 pela Fundação Oriente e pelo Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, o IPOR exerce a sua actividade, além de Macau, em países como o Vietname, Tailândia e Austrália, estando para breve a concretização também de projectos em Pequim, Chengdu e Nova Deli.

19 Set 2019