Tânia dos Santos Sexanálise VozesApetites Sexuais [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]xistem expectativas (talvez demasiadas) para a intensidade do desejo sexual de acordo com género, orientação sexual e faixa etária. Estamos habituados a pensar na sexualidade dos jovens adultos como o vibrante tempo de um apogeu sexual sem igual, que mais tarde entra em declínio. Por razões de cariz biológico e social, há quem se veja menos inclinado à dita actividade quando rugas e momentos de impotência atacam. Compreensível. Nas minhas viagens já comuns e tempos de lazer obrigatórios à frente de um ecrã cheio de possibilidades cinematográficas, vi-me especialmente interessada nestas representações de amor e de sexo na terceira idade quando surgiu a oportunidade de rever os meus queridos Shirley Maclaine e Christopher Plummer num romance-drama septuagenário. Uma apaixonada por cinema de algumas décadas atrás como sou e conhecedora das suas carreiras no seus tempos áureos, ver dois grandes actores nos seus corpos actuais, que lembram o da minha avó (por razões óbvias), foi estranho, mas ainda assim, agradável de se ver. Surpreendeu-me especialmente a tentativa de recriação da famosa cena na Fonte de Trevi do filme La Dolce Vita de Federico Fellini, enquanto viajavam em Roma, no seu momento de loucura ‘carpe diem’. Com uma sexualidade assumida e um decote de dimensões invejáveis, Maclaine e Plummer vibram com a possibilidade de um final feliz, para todo o sempre e além. Com aquele brilhozinho nos olhos que persiste há décadas. Apesar de diversas fontes de entretenimento terem-se debruçado sobre esta temática da sexualidade dos mais velhos (vários filmes e séries ultimamente), muitos ainda atribuem o rótulo de tarados a quem se considera que a vontade para sexo já deveria ter caído em desuso. Está mal, porque a fornicação não é coisa dos mais novos. Até mesmo aqueles com distúrbios na aprendizagem, a sexualidade e o desejo existem e não são fáceis de explicar nem eles próprios do entenderem. Muitos são os técnicos que trabalham com esta população e que tentam incutir a uma sociedade superficial e dada à juventude que todos eles têm certas vontades. Parece que a taradice também fica para quem não se enquadra nas expectativas do indivíduo ‘funcional’ (seja lá o que isso for). Em Londres trabalha uma amiga onde se estabelecem programas de educação sexual para pais de jovens com dificuldades mentais, também sugerindo o recurso a profissionais do sexo, ademais a formação destes prestadores de serviços para lidar com os desafios das pessoas diferentes, com concepções sexuais diferentes, mas deveras com o mesma vontade de sexar como qualquer um de nós. Isto das expectativas lixam-nos a vida, sem dúvida. Vai dos homens serem ‘uber’ sexuais e estarem sempre prontos, a mulheres serem recatadas e constantemente com dores de cabeça. E se o contrário acontecer é porque os homens são impotentes e as mulheres uma safadas. Por mais críticos que sejamos relativamente à sexualidade em geral, parece impossível não nos deixarmos infectar com estes macaquinhos na cabeça. Quantas (quantas!) vezes não ouvi das minhas queridas amigas discursos que os perpetuam? Eu incluída. Há um sentimento de surpresa e confusão se um homem está sem vontade. Proveniente de muitas coisas, muitas vidas. Mas confusão porque nos põe num papel de pro-actividade que nos torna nas taradas da relação. Se mentes tradicionais vêem promiscuidade, eu vejo empowerment. Porque se há injustiça neste mundo, são destas mesmas mulheres que se vêem numa encruzilhada moral por quererem mais sexo e não se sentirem na posição de incitar. Um empowerment sexual genuíno de consequências, às vezes, frustrantes, mas possíveis de serem solucionadas. A forma mais original li de alguns terapeutas sexuais que sugerem dar de comer um ao outro (literalmente, dar comida à boca) para a restabelecer o apetite sexual no casal. A ligação que não me foi muito clara, mas de apetite em apetite alguma coisa se arranja.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPara além do arco-íris [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]sta semana vou fugir do que já tinha planeado abordar pela minha necessidade de celebrar o mais recente acontecimento que em muito contribui para a compreensão do sexo pelo mundo. Refiro-me aos arco-íris que têm sido orgulhosamente partilhados no que se julga ser um importante passo para a normalização do que durante muito tempo, e que infelizmente ainda por vezes, se julgava anormal ou anti-natural. A homossexualidade nas suas formas de activismo político e sexual adicionam uma constante procura de bem-estar pessoal e de contestação. E ainda bem, porque tenho a certeza que a sexualidade e o seu desenvolvimento não ficarão por aqui. O meu filme de análise será o Rocky Horror Picture Show. Filme musical de culto dos anos 70 que explora o género e a sexualidade nas suas ambiguidades como também nas suas concepções pré-estabelecidas. Para quem não conhece, imaginem pura liberdade e criatividade sexual, com criaturas extra-terrestres de um tal planeta longínquo chamado Transilvânia que usam saltos altos e cantam canções, em interacção com um casal de jovem adultos, ainda virgem (mas não por muito tempo). De absurdo tem tanto quanto de divertimento… um divertimento muito sexy. Temos a jovem e muito sensual Susan Sarandon que passa a maioria do tempo em roupa interior e o Tim Curry que usa saltos altos com uma confiança que muitas mulheres matariam por ter. Num espectacular acto final com todos os envolvidos de corpete e cinto de ligas, cantam refrões de incentivo ao prazer infindável numa orgásmica procura pela luxúria. O mais excitante (de cariz sexual ou não) é toda a confusão que persiste no género e orientação sexual durante todo o filme. Aqui, o espectro de orientação sexual proposta por Kinsley parece-me relevante para entender alguns enigmas do desejo. Kinsley, em busca de padrões sexuais comuns, encontrou grandes disparidades nos vários depoimentos de homens e/ou mulheres chegando, por isso, à conclusão que há quem possa ser mais ou menos heterossexual ou homossexual. A adicionar e para complicar, estudos antropológicos de género também mostram a possibilidade sermos mais ou menos homens ou mulheres, ou seja, existem felizmente estas ‘gray areas’ que desenvolvem um mar de possibilidades para quem queremos ser, na pura das honestidades. A categorização, processo psicológico que facilita o nosso entendimento do mundo, é sentida demasiadas vezes de forma estática que reduz as possibilidades de contestação a percepções de todo o tipo, neste caso, de como o sexo é sentido. Assim, a inclusão da homossexualidade nos direitos formais legislativos, que progressivamente se alastra no mundo, não é só um triunfo de uma minoria, mas da maioria. A normalização de formas de relacionamento outrora consideradas estranhas contribui para fluidez sexual de todos nós, e para as nossas fantasias hetero, bi ou homo que por vezes são expressas com vergonha ou confusão. Este desejo de fluidez de espectro, e este artigo, dedico a todos os amigos e amigas que sempre me confidenciam dilemas, conflitos interiores, e, em muitas conversas sobre sexo, com quem muito aprendi. Para todos aqueles que julgam que casamento entre pessoas do mesmo sexo trará catastróficos desequilíbrios na natureza, não faz mal, porque pelo menos será por amor e pelo acto glorioso que é a fornicação.
Tânia dos Santos Manchete SexanáliseExtâse Hedy Lamarr tinha 18 anos quando protagonizou o filme Ecstasy em 1933 [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]edy Lamarr protagoniza em 1933 o primeiro orgasmo feminino no grande ecrã, e, numa ousadia não-pornográfica, cenas de nudez a correr atrás de um cavalo. Trata-se do filme Ecstasy, filme mudo de uma natureza progressiva surpreendente que leva a jovem actriz de 18 anos a representar a complicada realidade da necessidade sexual e romântica, quando se vê casada com um senhor muito simpático, mas impotente. Pessoalmente, na expectativa pela grandiosidade do momento dito orgásmico, tive que timidamente rebobinar a fita para confirmar se esse era mesmo de um orgasmo que se tratava. Orgasmo discreto. Li algures pelo mundo cibernético que nossa querida Hedy Kiesler (Lamarr, só em Hollywood, para fugir do estigma do seu filme europeu de natureza erótica) sofreu de umas picadas no rabinho provocadas por alfinetes de dama, para atingir a expressão de clímax satisfatória ao realizador. O que nos diz sobre o orgasmo feminino? Nada que não saibamos: uma possível expressão de sofrimento (de expressão somente) parte do imaginário erótico e romântico desde há muito tempo. Apesar do seu já mediatismo em 1933, continua a ser tratado com as suas suposições cliché, com alguma complicação e desconhecimento. Para os homens mais altruístas tratado como uma meta cumulativa, a prova de que o seu envolvimento na actividade sexual satisfaz, para as mulheres, por vezes tratado da mesma forma. Ora isto obriga-me a fazer uma afirmação um tanto ou quanto óbvia: sexo não é orgasmo. É-me incrivelmente difícil não remeter a outras realidades cinematográficas neste tema tão pertinente, e.g., orgasmatron. E ainda mais difícil será não falar do orgasmo masculino, mas desse gostaria de dedicar toda uma outra secção, e ao Woody Allen também. Lá está, se pensarmos no sexo que a evolução nos ensina, talvez nos vejamos presos à ideia de que o orgasmo masculino é o culminar: esperma, bebés, etc., etc. e por isso deixa-nos a questão muito pertinente: para que serve o orgasmo feminino? Teoricamente se desenvolveram algumas ideias sobre o assunto, como a teoria da fidelidade, i.e., quando mais satisfeita com o tal parceiro orgásmico, menor a probabilidade de desenvolver relacionamentos extra-conjugais… Entre outras introspecções teóricas das quais o meu feminismo se queixou um pouco. Mais complicado nas entranhas do mistério feminino ainda é a diferenciação de Freud entre orgasmo vaginal e clitoriano, ainda desenvolvendo umas ideias das quais me dou autorização de julgar loucas, a mais surpreendente sendo que a inexistência de orgasmos vaginais poderá trazer consequências psíquicas graves, como a tão famosa histeria. Mais controverso e contemporâneo ainda, não é só a ideia do orgasmo vaginal mas a da existência de um ponto G e ademais uma ejaculação vaginal aquando encontrado. É claro que toda esta informação anda à deriva entre o pensamento socio-psicológico científico do século XIX, revistas cor-de-rosa ou cor-de-azul-bebé e da comunidade científica actual. Eu que gosto de pregar o sexo de um entendimento social, considero o orgasmo feminino o resultado directo do constante opinanço entre todos os actores de nível mais ou menos especializado. [quote_box_right]Se pensarmos no sexo que a evolução nos ensina, talvez nos vejamos presos à ideia de que o orgasmo masculino é o culminar: esperma, bebés, etc., etc. e por isso deixa-nos a questão muito pertinente: para que serve o orgasmo feminino?[/quote_box_right] Parece que é consensual o entendimento do orgasmo clitoriano, o vaginal, nem por isso. Se há quem defenda que não existe, outros usam a expressão com alguma facilidade e legitimidade e com pouco conhecimento sobre o assunto. Na comunidade científica bem que podia existir uma preocupação especial em defini-lo. São muitos os estudos que se baseiam em auto-relatos onde, por isso, a única evidência para a existência do orgasmo de tipo vaginal é a dita participante dizer que os tem. Certo. Sexo com penetração com alguma sorte nos traz um orgasmo, se a causa é de facto uma zona especial no interior das paredes da vagina, o mais provável é que não seja: é o clitóris a fazer o seu trabalho de novo, resultado de uns bons movimentos de anca e as coreografias que a actividade de fazer o amor incita. Há evidência em algumas mulheres (poucas) acerca da existência de uma possível estrutura nervosa dentro das paredes da vagina que de alguma forma se conecta com… o clitóris. Por isso querida Humanidade: no orgasmo feminino a chave está no clitóris, no clitóris e no clitóris. O interruptor de prazer infindável também conhecido como ponto G, esse já vi referido como o UFO ginecológico. Foram muitas as pessoas que perderam tempo em autópsias para perceber se há uma condição fisiológica para a crença dos tempos modernos. Não há. E agora sinto-me numa daquelas posições estranhas, a destruir fantasias, o irmão mais velho que diz que o Pai Natal não existe. Na verdade nem sei até que ponto as pessoas já sabem disto ou não, mas que a internet está cheia da ideia errada, está. De qualquer forma, não quero de maneira nenhuma menosprezar todo o acto sexual a uma massagem no clitóris, nada disso. Há que atentar a um holismo do sexo, desde preliminares até aos ocasionais mimos pós-coito. O segredo do orgasmo feminino não está tanto na posição geográfica mas de toda a retroalimentação da hormona oxitocina que se exalta das mais variadas maneiras e feitios, de acordo com os desejos de cada um. Existem estudos sobre diferentes tipos de orgasmo que baseiam a sua taxonomia na sensação e intensidade e que variam de acordo com coisas tão simples como ouvir a voz do seu amado, umas fantasias criativas ou outra qualquer taradice, enfim, you name it. Para o lado que o apetite vos virar.
Tânia dos Santos SexanáliseDe sexo a sexo [dropcap style=”circle”]O[/dropcap] sexo caracteriza-se pela versatilidade inusitada a que se propõe, na sua semântica ou na morfologia da sua actividade, este alicerça a vida de muito boa gente que se entrega ao complicado universo de relações humanas. O sexo encontra-se no entendimento de género, no desejo e no afecto, no marketing e no consumo. Sob o véu que o tabu (ainda) carrega, a sexualidade mostra-se nas mais inocentes formas de agir e nos mais ingénuos dos entendimentos. Teria escrito uma carta de agradecimento a Freud pelo seu esforço e contributo à fornicação, ademais, pela fantástica capacidade de se incluir na cultura popular pós-moderna com os mistérios que a sexualidade se envolve. Se o sexo (e o desejo) é popular, ao seu mistério agradecemos. Tenho dificuldade em ir em conversas onde o sexo, na sua complexidade conhecida, é reduzido a um instinto. Sim, é verdade que há a necessidade de uma legitimidade biológica para fugir de concepções sexuais de uma absurdidade metafísica sem igual. Contudo, a vantagem de aplicar um modelo inserido na dinâmica de relações e actos de comunicação a que o mundo se rege, insiste no glamour que o sexo merece e que dele nos entusiasma. Afinal o que seria do sexo do séc. XXI sem pornografia, comédias românticas, revistas femininas ou viagra? A verdade é que não sabemos e nunca havemos de descobrir. O sexo contemporâneo vive na imaginação individual e colectiva, nos paradigmas intelectuais a que se insistem e, consequentemente, na sua tão excitante discussão ideológica. O sexo presenteia, satisfaz, magoa e ofende. A sede que nos leva a beber um copo de água dificilmente chega a ter tão confusas proporções. Um professor e amigo sugere que a sexologia dificilmente deveria ser abordada como uma terapêutica de cariz individual mas inserida nas problemáticas conjugais (porque se temos sex problems, temos marital problems). A inserção do sexo na problemática relacional tem de ser melhor considerada, especialmente porque transpõe os limites de uma cama conjugal, para as extras- e para todas as outras relações, sugestões e pressões sociais que põem em desconforto aquilo que a actividade deveria ser: saudável e confortável, para todos os envolvidos. Fantasiar sexualmente é um exercício adorável. Um manifesto à criatividade sexual e íntima urge em ser escrito e declamado entre mulheres e homens conjuntamente. Strap-ons, ménage à trois, aquilo das 50 sombras de qualquer coisa, clareamento anal caseiro. De Olhos Bem Fechados do Kubrick. Lovely jubbly. Pano para muitas mangas. [quote_box_right]E é isto: na sede pela competição quantitativa e qualitativa pela performance, o sexo salpica-se de uma crueldade movida pelo desejo de ser o melhor. Surpresa! Parece que não há grande consenso sobre o significado de ser bom na cama (ou fora dela). O pessoal faz como pode[/quote_box_right] O problema (como tantos outros) é que as representações do sexo estão muito longe de ser unânimes. Ainda bem e ainda pior, é que a sua diversidade leva a um desentendimento por vezes interessante, por vezes problemático, mas que poucas pessoas têm consciência da sua natureza. E não, os homens não são de Marte e nem as mulheres são de Vénus (literatura encontrada em bibliotecas masculinas que em nada lhes poderá ter ajudado a um relacionamento heterossexual feliz). Homens e mulheres são o que se fazem deles, na tentação irresistível de fazer generalizações. Já se sabe que os homens medem o seu Júnior na esperança de atingir um heroísmo sexual isento de esforço, e as mulheres discutem os seus tamanhos no café, espalhando a fama dos detentores de um tal objecto fálico que facilmente se compra numa sex shop, em muito melhores condições. E é isto: na sede pela competição quantitativa e qualitativa pela performance, o sexo salpica-se de uma crueldade movida pelo desejo de ser o melhor. Surpresa! Parece que não há grande consenso sobre o significado de ser bom na cama (ou fora dela). O pessoal faz como pode. A proposta é simples: um tema daqueles que precisam de ser discutidos, por cada conjunto de palavras que teimam em ser escritas. Uma tentativa de integrar as ideias e as experiências do sexo na sua pluralidade, ou, pelo menos, pensar nelas. Ideias carregadas na bagagem de quem salta por aqui, ali, por Macau e por acolá. Exercícios de semi-associação livre do tal tema do sexo.