Era uma vez

[dropcap style=’circle’]E[/drocap]ra uma vez um Adão e uma Eva que perdidos no pecado que uma maçã pecaminosa traria, se perderam na fornicação eterna e criaram a humanidade com base em duas fontes de informação genética.
Os filhos, fornicadores por igual, povoaram todo o planeta com ainda mais fornicadores e sodomizadores. E assim conseguimos chegar à população que temos hoje.
Esta é a estória de dois desses indivíduos: homem e mulher. Imagino ela, uma boémia parisiense do início do século XX, mas na contemporaneidade dos tempos, que o Miller tão bem sabe descrever e que raramente se encontram fora de livros. Ele não é muito diferente, transpirando sexo de todas as maneiras e feitios, envolve-se no gozo e na abstracção que o foder lhe dá.
Conheceram-se numa noite de copos, numa saída à discoteca, eram amigos do amigo do amigo. Ela nem queria sair de todo porque acordou cheia de jeitos indomáveis no cabelo, potencialmente ridículos. Ele normalmente estava sempre pronto para sair à noite, nem que fosse pelo entusiasmo de encontrar uma nova aventura sexual, na perspectiva de agitar a tão necessitada e desejada adrenalina.

[quote_box_left]A escolha, o comportamento, nunca é devidamente justificado. São coisas que acontecem que se poderiam explicar pelo esoterismo, a razão ou o inevitável. Não interessa, o sexo iria acontecer[/quote_box_left]

De uma química duvidosamente automática, corpos embriagados envolvem-se na esperança de encontrar algo de muito seu, mas de muito universal ao mesmo tempo. O desejo sexual, a libido, que tão vulgarmente se mostra nestes lugares escuros com a ocasional luz intermitente e ofuscante em combinação com um sangue embriagado, oferece um entorpecimento dos sentidos inevitável. A decisão é feita com o olhar, com o cheiro de um perfume barato, o dela, e um perfume caro, o dele. Todos os sentidos confusos de ter um novo corpo por perto, tão perto. Poderia ter começado com um toque de mãos mas nesta narrativa começou com um beijo, no canto da boca que facilmente se deslocou para um intermitente toque de língua. Ambos com um hálito terrível, de quem passou a noite a comer snacks com especiarias especialmente fortes, e muito álcool. Ela fuma, por isso com um sabor a cinzeiro à mistura. Uma troca de saliva poderosa, ensopando a boca de cada um, ensopando o sexo de cada um. O toque e o cheiro e todo o apalpanço que é feito também contribuem para este molhar. O toque das barrigas com camadas de roupa e as mãos na cintura que descem para o rabo se a pouca vergonha pública assim o permitir. Os heróis desta estória já estão encostados a uma parede para restabelecer o equilíbrio. A respiração ofegante de sinais de um tesão descontrolado. Ela já o sente. Ele a sentiria se não fossem as calças de ganga a ocultar a lubrificação e a sua forma assimétrica, com os lábios maiores de tamanho distinto. Por mais que o sangue estivesse a alimentar a tensão nas zonas erógenas do corpo e o desejo crescesse cada vez mais, estavam em público, no meio de estranhos. Diria a convenção que não se podiam despir nem de se sentirem totalmente, ali. Os movimentos de anca já faziam adivinhar o desfecho daquela noite, uma noite como outra qualquer.
A escolha, o comportamento, nunca é devidamente justificado. São coisas que acontecem que se poderiam explicar pelo esoterismo, a razão ou o inevitável. Não interessa, o sexo iria acontecer.
Chega o momento que têm que decidir: onde? Onde vão foder, fazer amor, a nomenclatura que preferirem. Poderia ser ali mesmo, na escuridão que um canto de discoteca proporciona, ou irem para casa de um dos dois. Mas como raio iriam quebrar toda a tensão desenvolvida até então, para apanharem um táxi, encontrarem um quarto e começarem o crescendo todo de novo? São as vicissitudes da vida. Com muito custo e de uma praticabilidade feroz saíram do transe e puseram-se a andar. Foram para casa dela.
Chegaram e restabeleceram a química, agora a custo, porque as luzes fluorescentes desvendavam as caras cansadas de uma noite de copos e do avanço da madrugada. O melhor seria acender um candeeiro para ajudar a criar aquele ambiente íntimo, mais romântico. Mas ela não tinha nenhum.
Começam a despir-se a restabelecer a ânsia anterior. A nudez, o cheiro e o desejo. Uma dança de corpos entrelaçados e de sexos molhados e preparados para a primeira penetração. Ela em êxtase puro e ele igualmente hipnotizado pelo desejo de entrar. O momento que se aproxima, cada vez mais próximos e… ejaculação, muito precoce.

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