Metro Ligeiro | Transporte vai continuar a ser gratuito até ao fim de Janeiro

André Cheong, secretário para a Administração e Justiça, assegurou que o período experimental de funcionamento do Metro Ligeiro será alargado até ao dia 31 de Janeiro, o que implica que as viagens vão continuar a ser grátis. Face às avarias ocorridas, o governante exige respostas rápidas e acção da empresa gestora para garantir a segurança dos passageiros

 
[dropcap]A[/dropcap] ocorrência de uma terceira avaria do Metro Ligeiro no espaço de um mês levou ontem o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, a prestar explicações. O governante adiantou também que as viagens no Metro Ligeiro vão continuar a ser grátis até 31 de Janeiro.
Sobre as avarias, André Cheong pediu respostas rápidas à empresa gestora de forma a garantir, em primeiro lugar, a segurança dos utilizadores. “Face a essa situação e aos transtornos causados à população pedimos desculpas. Temos de, em primeiro lugar, assegurar a segurança dos passageiros. Exigimos que a companhia responsável inicie já uma análise sobre a situação e possa apresentar uma proposta de resolução. O objectivo é constatar um problema de funcionamento e resolvê-lo de imediato. Se descobrirmos que se trata de uma falha mecânica ou de gestão, veremos quais são as medidas a serem adoptadas de forma atempada.”
Apesar dos alertas, André Cheong desvalorizou a ocorrência de avarias. “O Metro Ligeiro é uma novidade em Macau e todos sabemos que, mesmo a nível internacional, sempre que este tipo de transporte funciona pela primeira vez há sempre pequenos entraves e problemas que podem surgir. É um complexo sistema de transporte e carecemos de tempo para a sua articulação.”

Exigidas explicações

As sucessivas avarias do sistema de Metro Ligeiro levaram, entretanto, o deputado Lei Chan U a interpelar o Governo sobre o assunto. O legislador ligado aos Operários questiona as causas dos incidentes e os resultados do sistema de contingência do Metro Ligeiro. Lei Chan U pretende também saber se o relatório de análise às avarias será tornado público.
Ng Chio Wai, membro do Conselho Consultivo de Serviços Comunitários da Ilhas e membro da direcção da associação Aliança do Povo de Instituição de Macau defendeu, citado pelo Jornal do Cidadão, que tanto o Governo como a empresa gestora do Metro Ligeiro devem explicações ao público. O responsável disse ainda que é importante a criação de um sistema de contingência e de fiscalização.
Ng Chio Wai alertou para o facto de a ocorrência de três avarias ter prejudicado a imagem do sistema de transporte e argumentou que a abertura do Metro Ligeiro aconteceu para cumprir compromissos políticos.
Entretanto, o Corpo de Bombeiros, através do seu comandante, Leong Iok Sam, esclareceu as razões pelas quais não foram prestados esclarecimentos aos meios de comunicação social aquando da terceira avaria do Metro Ligeiro. “Os nossos funcionários têm estado ocupados e por isso não conseguimos atender as chamadas. Mas vamos continuar a melhorar os nossos serviços”, disse, citado pelo jornal Cheng Pou.

31 Dez 2019

Quem gastou mais?

[dropcap]H[/dropcap]o Iat Seng começa o seu primeiro mandato como Chefe do Executivo a lançar farpas a Alexis Tam por ter gasto demasiado enquanto secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Ho Iat Seng vai mais longe e diz que o excesso de despesas na Administração também pode ser equiparado ao crime de corrupção, deixando no ar algo que ainda não percebemos exactamente o que é.

Convém lembrar que, antes dos gastos de Alexis Tam, já o Governo havia esbanjado imensas patacas em empresas de capitais públicos, aquelas que ninguém percebe exactamente o que fazem ou onde investem, ou em derrapagens orçamentais de obras públicas. Não faltam exemplos na Administração de despesismo.

Acusar agora Alexis Tam de gastar muito, tendo em conta que este teve a tutela da saúde, da educação, da cultura e do turismo é deveras estranho. Convém lembrar que só as áreas da saúde e da educação representam enormes gastos em qualquer orçamento, de qualquer país ou região. Macau continua a não ter um novo hospital público, mas mesmo assim Alexis Tam fez por contratar mais médicos e inaugurar novas infra-estruturas. Além do mais, se Alexis Tam esbanjou tanto dinheiro, porquê escolhê-lo para a Delegação Económica e Comercial de Macau em Lisboa e Bruxelas?

30 Dez 2019

Metro Ligeiro | Sistema de transporte regista outra falha de funcionamento

O Metro Ligeiro voltou a parar temporariamente devido a falha no fornecimento de energia. O serviço foi restabelecido cerca de uma hora e meia depois. Esta foi a segunda falha de funcionamento do Metro Ligeiro, depois da avaria verificada no dia da inauguração

 

[dropcap]A[/dropcap] entrada em funcionamento do Metro Ligeiro está a ser marcada por uma série de percalços técnicos. Depois da avaria registada no dia de inauguração, eis que o sistema de transporte registou ontem uma nova falha, obrigando os passageiros a saírem das carruagens e a percorrem a pé o resto do percurso até à próxima estação.

De acordo com um comunicado emitido pela Sociedade do Metro Ligeiro de Macau, a suspensão temporária ter-se-á devido a uma falha no fornecimento de energia por volta das 13h, registada entre as estações Posto Fronteiriço de Lótus e Cotai Oeste da Linha Taipa. As duas estações estiveram fechadas até às 14h35, mas depois o serviço voltou a funcionar normalmente.

Nessa altura, a fim de retirar os passageiros em segurança, o Centro de Operação e Controlo do Metro Ligeiro organizou a saída ordenada dos passageiros até à plataforma mais próxima da estação, tendo contado também com o apoio do Corpo de Bombeiros.

O incidente será ainda alvo de investigações para apurar ao detalhe a sua causa, aponta o mesmo comunicado. Vários vídeos da saída dos passageiros foram amplamente partilhados nas redes sociais.

Avaria junto ao Ocean Garden

No que diz respeito à primeira avaria, registada no passado dia 11 de Dezembro, aconteceu junto à zona residencial dos Ocean Garden, tendo soado um alarme na composição com duas carruagens, que travou subitamente. A composição voltou a circular, mas, segundo a operadora do Metro Ligeiro, parou logo a seguir na estação do posto fronteiriço da Flôr de Lótus, onde os passageiros foram retirados “por razões de prudência”.

A decisão foi tomada devido ao “alerta do sistema de monitorização de segurança”, disse a empresa, sem divulgar mais pormenores.

Alguns passageiros tiveram de esperar algum tempo para voltar a embarcar, admitiu a Sociedade do Metro Ligeiro de Macau, S.A., porque as composições seguintes estavam cheias.

Num comunicado divulgado posteriormente ao incidente, a empresa prometeu “proceder à revisão de todas as medidas” implementadas no primeiro dia de operação e sublinhou que o apoio dado aos passageiros pelos trabalhadores “ainda pode ser melhorado”.

30 Dez 2019

Metro Ligeiro | Sistema de transporte regista outra falha de funcionamento

O Metro Ligeiro voltou a parar temporariamente devido a falha no fornecimento de energia. O serviço foi restabelecido cerca de uma hora e meia depois. Esta foi a segunda falha de funcionamento do Metro Ligeiro, depois da avaria verificada no dia da inauguração

 
[dropcap]A[/dropcap] entrada em funcionamento do Metro Ligeiro está a ser marcada por uma série de percalços técnicos. Depois da avaria registada no dia de inauguração, eis que o sistema de transporte registou ontem uma nova falha, obrigando os passageiros a saírem das carruagens e a percorrem a pé o resto do percurso até à próxima estação.
De acordo com um comunicado emitido pela Sociedade do Metro Ligeiro de Macau, a suspensão temporária ter-se-á devido a uma falha no fornecimento de energia por volta das 13h, registada entre as estações Posto Fronteiriço de Lótus e Cotai Oeste da Linha Taipa. As duas estações estiveram fechadas até às 14h35, mas depois o serviço voltou a funcionar normalmente.
Nessa altura, a fim de retirar os passageiros em segurança, o Centro de Operação e Controlo do Metro Ligeiro organizou a saída ordenada dos passageiros até à plataforma mais próxima da estação, tendo contado também com o apoio do Corpo de Bombeiros.
O incidente será ainda alvo de investigações para apurar ao detalhe a sua causa, aponta o mesmo comunicado. Vários vídeos da saída dos passageiros foram amplamente partilhados nas redes sociais.

Avaria junto ao Ocean Garden

No que diz respeito à primeira avaria, registada no passado dia 11 de Dezembro, aconteceu junto à zona residencial dos Ocean Garden, tendo soado um alarme na composição com duas carruagens, que travou subitamente. A composição voltou a circular, mas, segundo a operadora do Metro Ligeiro, parou logo a seguir na estação do posto fronteiriço da Flôr de Lótus, onde os passageiros foram retirados “por razões de prudência”.
A decisão foi tomada devido ao “alerta do sistema de monitorização de segurança”, disse a empresa, sem divulgar mais pormenores.
Alguns passageiros tiveram de esperar algum tempo para voltar a embarcar, admitiu a Sociedade do Metro Ligeiro de Macau, S.A., porque as composições seguintes estavam cheias.
Num comunicado divulgado posteriormente ao incidente, a empresa prometeu “proceder à revisão de todas as medidas” implementadas no primeiro dia de operação e sublinhou que o apoio dado aos passageiros pelos trabalhadores “ainda pode ser melhorado”.

30 Dez 2019

Ho Iat Seng promete rapidez nas leis sobre nova fronteira em Hengqin

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, referiu no passado dia 26 de Dezembro que os trabalhos referentes ao novo posto fronteiriço de Hengqin serão céleres. Citado por um comunicado oficial, o governante prometeu “entregar, o mais rápido possível, a proposta de lei à Assembleia Legislativa (AL) [relativa aos poderes de jurisdição da RAEM sobre o referido posto fronteiriço]”.

Além disso, o ex-presidente da AL alertou que “a proposta de lei será relativamente simples”, acreditando que “a apreciação e aprovação pela AL não serão morosas”. Na mesma declaração, o Chefe do Executivo adiantou que “o intercâmbio entre a China Interior e Macau, bem como a vida da população, são prioridades do novo Governo”.

Nesse sentido, Ho Iat Seng referiu ter feito uma visita de cortesia a Cantão e Zhuhai, onde reuniu com “os dirigentes do comité e Governo provincial de Guangdong para apresentar a nova equipa governativa, uma oportunidade para ambas as partes se conhecerem”.

Ho Iat Seng também realizou uma visita ao projecto do “Novo Bairro de Macau” que irá nascer na Ilha de Hengqin. Neste contexto, o governante salientou que “o volume de trabalho já desenvolvido pela Macau Renovação Urbana, S.A. será brevemente divulgado ao público”. No entanto, “ainda é necessário coordenar com a China Interior alguns pormenores sobre o terreno, assim que estes forem aprovados poder-se-á arrancar com a obra”.

Mais reuniões com secretários

Na mesma ocasião, Ho Iat Seng prometeu dar “primazia à realização de reuniões com os secretários, com o objectivo de definir as prioridades de cada uma das tutelas”. Nesse sentido, o Chefe do Executivo pretende “realizar, no futuro, mais reuniões com os secretários”, algo que encara como uma “tarefa primordial que é necessário reforçar”.

No que diz respeito à apresentação do relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2020, Ho Iat Seng salientou que “as secretarias e direcções de serviços vão rever os trabalhos em mão ainda por concluir e apresentar projectos que podem ser concretizados no próximo ano, seguindo-se a compilação dos respectivos conteúdos”.

Quanto ao Conselho Executivo, os seus membros reuniram no passado dia 20 de Dezembro, dia da tomada de posse do novo Governo. No entanto, Ho Iat Seng explicou que, “por motivos de agenda apertada no dia, apenas houve tempo para os membros do Conselho Executivo se apresentarem entre eles e conhecerem o discurso do Presidente Xi Jinping proferido naquela manhã, durante um encontro que se realizou por volta do meio-dia”.

O Chefe do Executivo revelou que pretende “confirmar com o Conselho Executivo o respectivo regimento e o sistema de porta-voz daquele organismo”.

30 Dez 2019

Novo Governo | Ho Iat Seng inicia funções e lança farpas a Alexis Tam

No primeiro dia de trabalho como Chefe do Executivo, Ho Iat Seng deixou um alerta: é preciso controlar as despesas da Administração. O exemplo dado para ilustrar o despesismo foi a forma como Alexis Tam liderou os gastos na tutela dos Assuntos Sociais e Cultura. O Chefe do Executivo defendeu ainda mais patriotismo para quadros qualificados

 

[dropcap]A[/dropcap]lexis Tam liderou, entre 2014 e 20 de Dezembro deste ano, uma das secretarias mais importantes da Administração e a que mais questões tem levantado junto da população e de deputados, por conter as pastas da saúde e do turismo. No passado dia 26 de Dezembro, que marcou oficialmente o primeiro dia de trabalho de Ho Iat Seng na qualidade de Chefe do Executivo, este acusou o ex-secretário de ter esbanjado o erário público.

“Ser esbanjador é o maior crime, é o que posso dizer. A corrupção não é o único crime. Apenas um dos elementos. Mas ser esbanjador está também entre os maiores crimes”, disse, citado pela TDM.

As declarações de Ho Iat Seng surgiram após uma entrevista ao canal Ou Mun da TDM (em língua chinesa) na qual o novo chefe do Executivo acusou a tutela do ex-secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, de despesismo e esbanjamento. Segundo a TDM – Rádio Macau, que cita o canal chinês, o líder do Governo falou em gastos desnecessários e gestão de desperdício, que, segundo Ho Iat Seng, podem ser equiparados ao crime de corrupção.

Ho Iat Seng, que anteriormente foi presidente da Assembleia Legislativa (AL), lembrou na mesma entrevista que, por diversas vezes, disse “que o desperdício de recursos é um problema corrente” e que a tutela de Alexis Tam absorvia 35 por cento do orçamento anual [da Administração] – “pelo menos 30 mil milhões de patacas” – e ainda assim era alvo de “várias queixas do público”, o que, considera o líder do Governo, acaba por ser “um problema”.

Apesar das críticas, Ho Iat Seng escolheu Alexis Tam para ser o chefe da Delegação Económica e Comercial em Lisboa e junto da União Europeia, em Bruxelas, durante um ano, em substituição de O Tin Lin.

Novo gabinete para Sónia

O controlo das despesas públicas sempre foi uma das bandeiras de Ho Iat Seng durante a campanha eleitoral. Eleito a 25 de Agosto e tendo tomado posse no passado dia 20 de Dezembro, por ocasião da visita do Presidente Xi Jinping a Macau, o governante tem agora a possibilidade de pôr em prática o que prometeu, com a criação do novo Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos da RAEM. O novo organismo público será chefiado pela ex-secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan.

Citado por um comunicado oficial, o Chefe do Executivo assegurou que ouviu “sempre os deputados defenderem a necessidade de supervisão do investimento de capital público” e que já exigiu “a todos os serviços públicos maior atenção quanto às despesas públicas”.

Ainda de acordo com o mesmo comunicado, o novo líder do Governo salientou que “o investimento de capital público envolve muito erário público quer em entidades e empresas em Macau e na China Interior, havendo a necessidade de se criar um organismo responsável pela supervisão e planeamento, no sentido de uniformizar o funcionamento deste tipo de entidades e empresas e criar requisitos e critérios iguais para os fundos que possuem autonomia administrativa e financeira”.

Nos últimos anos foram vários os deputados que questionaram na AL a injecção de milhões por parte do Governo em empresas de capitais públicos, principalmente aquelas cuja actividade era pouco transparente ou clara, sendo que algumas chegaram mesmo a declarar falência sem se perceber onde foram investidos os montantes injectados pela Administração.

Antes de assumir o cargo, na passada sexta-feira, a tónica do discurso de Ho Iat Seng centrou-se no combate à corrupção, na edificação de um Governo transparente e ainda na reforma da Administração Pública através da racionalização de quadros e da simplificação administrativa, reformas essas que deverão ser iniciadas a partir de Abril de 2020.

30 Dez 2019

Novo Governo | Ho Iat Seng inicia funções e lança farpas a Alexis Tam

No primeiro dia de trabalho como Chefe do Executivo, Ho Iat Seng deixou um alerta: é preciso controlar as despesas da Administração. O exemplo dado para ilustrar o despesismo foi a forma como Alexis Tam liderou os gastos na tutela dos Assuntos Sociais e Cultura. O Chefe do Executivo defendeu ainda mais patriotismo para quadros qualificados

 
[dropcap]A[/dropcap]lexis Tam liderou, entre 2014 e 20 de Dezembro deste ano, uma das secretarias mais importantes da Administração e a que mais questões tem levantado junto da população e de deputados, por conter as pastas da saúde e do turismo. No passado dia 26 de Dezembro, que marcou oficialmente o primeiro dia de trabalho de Ho Iat Seng na qualidade de Chefe do Executivo, este acusou o ex-secretário de ter esbanjado o erário público.
“Ser esbanjador é o maior crime, é o que posso dizer. A corrupção não é o único crime. Apenas um dos elementos. Mas ser esbanjador está também entre os maiores crimes”, disse, citado pela TDM.
As declarações de Ho Iat Seng surgiram após uma entrevista ao canal Ou Mun da TDM (em língua chinesa) na qual o novo chefe do Executivo acusou a tutela do ex-secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, de despesismo e esbanjamento. Segundo a TDM – Rádio Macau, que cita o canal chinês, o líder do Governo falou em gastos desnecessários e gestão de desperdício, que, segundo Ho Iat Seng, podem ser equiparados ao crime de corrupção.
Ho Iat Seng, que anteriormente foi presidente da Assembleia Legislativa (AL), lembrou na mesma entrevista que, por diversas vezes, disse “que o desperdício de recursos é um problema corrente” e que a tutela de Alexis Tam absorvia 35 por cento do orçamento anual [da Administração] – “pelo menos 30 mil milhões de patacas” – e ainda assim era alvo de “várias queixas do público”, o que, considera o líder do Governo, acaba por ser “um problema”.
Apesar das críticas, Ho Iat Seng escolheu Alexis Tam para ser o chefe da Delegação Económica e Comercial em Lisboa e junto da União Europeia, em Bruxelas, durante um ano, em substituição de O Tin Lin.

Novo gabinete para Sónia

O controlo das despesas públicas sempre foi uma das bandeiras de Ho Iat Seng durante a campanha eleitoral. Eleito a 25 de Agosto e tendo tomado posse no passado dia 20 de Dezembro, por ocasião da visita do Presidente Xi Jinping a Macau, o governante tem agora a possibilidade de pôr em prática o que prometeu, com a criação do novo Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos da RAEM. O novo organismo público será chefiado pela ex-secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan.
Citado por um comunicado oficial, o Chefe do Executivo assegurou que ouviu “sempre os deputados defenderem a necessidade de supervisão do investimento de capital público” e que já exigiu “a todos os serviços públicos maior atenção quanto às despesas públicas”.
Ainda de acordo com o mesmo comunicado, o novo líder do Governo salientou que “o investimento de capital público envolve muito erário público quer em entidades e empresas em Macau e na China Interior, havendo a necessidade de se criar um organismo responsável pela supervisão e planeamento, no sentido de uniformizar o funcionamento deste tipo de entidades e empresas e criar requisitos e critérios iguais para os fundos que possuem autonomia administrativa e financeira”.
Nos últimos anos foram vários os deputados que questionaram na AL a injecção de milhões por parte do Governo em empresas de capitais públicos, principalmente aquelas cuja actividade era pouco transparente ou clara, sendo que algumas chegaram mesmo a declarar falência sem se perceber onde foram investidos os montantes injectados pela Administração.
Antes de assumir o cargo, na passada sexta-feira, a tónica do discurso de Ho Iat Seng centrou-se no combate à corrupção, na edificação de um Governo transparente e ainda na reforma da Administração Pública através da racionalização de quadros e da simplificação administrativa, reformas essas que deverão ser iniciadas a partir de Abril de 2020.

30 Dez 2019

Governo | Ho Iat Seng cria novo gabinete liderado por Sónia Chan

Sónia Chan, ex-secretária para a Administração e Justiça, vai liderar o novo Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos, uma das primeiras medidas de Ho Iat Seng na qualidade de Chefe do Executivo. Trata-se de um organismo com a responsabilidade de gestão das empresas de capitais públicos e de fundos autónomos

 

[dropcap]A[/dropcap] ex-secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, deixa um cargo que ocupou durante o último mandato de Chui Sai On para supervisionar um novo organismo público que visa fazer a gestão de algo que tem gerado muitas polémicas à Administração: as empresas de capitais públicos.

Foi ontem publicado em Boletim Oficial (BO), numa edição extraordinária devido às nomeações para o novo Governo, o despacho que dá conta da criação do Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos, que terá “natureza de equipa de projecto” e que vai “funcionar na directa dependência e sob orientação do Chefe do Executivo”.

O mesmo despacho, já assinado por Ho Iat Seng, dá conta que o novo Gabinete “tem por objectivos rever o regime de supervisão e gestão dos activos públicos da RAEM, bem como promover os trabalhos legislativos e acompanhar as medidas de aperfeiçoamento”.

A gestão dos activos públicos passa por “analisar e estudar o modo de funcionamento e gestão de empresas cuja participação financeira é detida, directa ou indirectamente, pela RAEM ou por outras pessoas colectivas de direito público (adiante designado por empresas de capitais públicos) e de fundos que possuem autonomia administrativa e financeira (adiante designado por fundos autónomos), bem como submeter opiniões ou sugestões ao Chefe do Executivo”.

Sónia Chan, que irá desempenhar este cargo por um período de dois anos, terá também como funções “estudar o aperfeiçoamento do regime global de gestão dos activos, nomeadamente bens imóveis, que a RAEM ou outras pessoas colectivas de direito público possuem”. A ex-secretária é também encarregue de “constituir um sistema de supervisão e gestão centralizado e unificado dos activos públicos”.

De notar que, de fora desta gestão fica o Fundo de Pensões e o Fundo de Segurança Social. Lio Chi On será o coordenador-adjunto deste gabinete, que tem uma duração de três anos, renovável.

Das falências

A necessidade de maior regulamentação das empresas de capitais públicos tem sido um pedido frequente dos deputados da Assembleia Legislativa. Um dos casos mais polémicos deu-se com a situação financeira da Tai Lei Loi – Sociedade de Fomento Predial, que declarou falência em 2016 depois de o Governo ter injectado, em 1995, 417,12 milhões de patacas para a constituição da empresa. A Tai Loi Lei acumulou prejuízos na ordem dos 360 milhões de patacas até declarar falência “desconhecendo-se o montante do capital que o Governo conseguiu recuperar desse investimento”.

Antes de assumir o cargo de secretária, em 2014, Sónia Chan desempenhava funções como coordenadora do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais. Licenciada em Direito pela Universidade de Zhongshan e mestre em Direito Penal pela Universidade Popular da China, Sónia Chan entrou para a Função Pública em 1993. Lio Chi On foi assessor do gabinete de Sónia Chan entre 2014 e 2019. Desde 2015 que é membro do conselho consultivo do Fundo de Pensões e do conselho para a Renovação Urbana.

21 Dez 2019

Governo | Ho Iat Seng cria novo gabinete liderado por Sónia Chan

Sónia Chan, ex-secretária para a Administração e Justiça, vai liderar o novo Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos, uma das primeiras medidas de Ho Iat Seng na qualidade de Chefe do Executivo. Trata-se de um organismo com a responsabilidade de gestão das empresas de capitais públicos e de fundos autónomos

 
[dropcap]A[/dropcap] ex-secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, deixa um cargo que ocupou durante o último mandato de Chui Sai On para supervisionar um novo organismo público que visa fazer a gestão de algo que tem gerado muitas polémicas à Administração: as empresas de capitais públicos.
Foi ontem publicado em Boletim Oficial (BO), numa edição extraordinária devido às nomeações para o novo Governo, o despacho que dá conta da criação do Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos, que terá “natureza de equipa de projecto” e que vai “funcionar na directa dependência e sob orientação do Chefe do Executivo”.
O mesmo despacho, já assinado por Ho Iat Seng, dá conta que o novo Gabinete “tem por objectivos rever o regime de supervisão e gestão dos activos públicos da RAEM, bem como promover os trabalhos legislativos e acompanhar as medidas de aperfeiçoamento”.
A gestão dos activos públicos passa por “analisar e estudar o modo de funcionamento e gestão de empresas cuja participação financeira é detida, directa ou indirectamente, pela RAEM ou por outras pessoas colectivas de direito público (adiante designado por empresas de capitais públicos) e de fundos que possuem autonomia administrativa e financeira (adiante designado por fundos autónomos), bem como submeter opiniões ou sugestões ao Chefe do Executivo”.
Sónia Chan, que irá desempenhar este cargo por um período de dois anos, terá também como funções “estudar o aperfeiçoamento do regime global de gestão dos activos, nomeadamente bens imóveis, que a RAEM ou outras pessoas colectivas de direito público possuem”. A ex-secretária é também encarregue de “constituir um sistema de supervisão e gestão centralizado e unificado dos activos públicos”.
De notar que, de fora desta gestão fica o Fundo de Pensões e o Fundo de Segurança Social. Lio Chi On será o coordenador-adjunto deste gabinete, que tem uma duração de três anos, renovável.

Das falências

A necessidade de maior regulamentação das empresas de capitais públicos tem sido um pedido frequente dos deputados da Assembleia Legislativa. Um dos casos mais polémicos deu-se com a situação financeira da Tai Lei Loi – Sociedade de Fomento Predial, que declarou falência em 2016 depois de o Governo ter injectado, em 1995, 417,12 milhões de patacas para a constituição da empresa. A Tai Loi Lei acumulou prejuízos na ordem dos 360 milhões de patacas até declarar falência “desconhecendo-se o montante do capital que o Governo conseguiu recuperar desse investimento”.
Antes de assumir o cargo de secretária, em 2014, Sónia Chan desempenhava funções como coordenadora do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais. Licenciada em Direito pela Universidade de Zhongshan e mestre em Direito Penal pela Universidade Popular da China, Sónia Chan entrou para a Função Pública em 1993. Lio Chi On foi assessor do gabinete de Sónia Chan entre 2014 e 2019. Desde 2015 que é membro do conselho consultivo do Fundo de Pensões e do conselho para a Renovação Urbana.

21 Dez 2019

Exposição | Relação China/Portugal no Museu de São Roque, em Lisboa

Foi ontem inaugurada na galeria do Museu de São Roque, em Lisboa, a exposição “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, que relembra, entre outras efemérides, o aniversário da transferência de administração de Macau. Jorge Alves, curador, fala ao HM da mostra que revela uma visão global das relações entre China e Portugal, sem esquecer o papel de Macau como importante entreposto comercial

 

[dropcap]A[/dropcap]té ao dia 5 de Abril do próximo ano poderá ser visitada no Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia (SCM), em Lisboa, a exposição intitulada “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, com cerca de meia centena de obras que espelham “as relações luso-chinesas na sua dimensão global, centrando-se na primeira metade do século XVIII – um dos períodos mais intensos e relevantes do relacionamento entre Portugal e a Europa, e a China”. Além de celebrar os 20 anos da transferência de transição de Macau para a China, a mostra marca também o 40º aniversário das relações diplomáticas entre Portugal e a China e os 450 anos de existência da SCM de Macau.

A exposição foi ontem inaugurada e, à margem do evento, o HM falou com o seu curador, Jorge Santos Alves, que nos falou do carácter exclusivo de algumas peças, “uma boa parte delas nunca antes expostas ou pouco vistas em Portugal”. Estas pretendem mostrar “as quatro principais dimensões do relacionamento entre Portugal e a China”.

A mostra contém uma “parte temática”, que mostra ao público o trabalho das embaixadas e o relacionamento político e diplomático que se estabelecia com o império chinês.

“Havia uma dimensão económica e comercial muito importante na época, baseada na importação de mercadorias chinesas pela Europa e Portugal, incluindo um importante produto que é o chá. Temos na exposição moedas de prata que eram trocadas pelo chá nos mercados, objectos que entram no nosso quotidiano, como os bules.”

Jorge Santos Alves destaca ainda o facto de os objectos mostrarem que estas trocas comerciais se faziam não apenas entre Macau e Cantão, mas também através de Lisboa, “com viagens organizadas em Portugal”.

Religião e diplomacia

A mostra no Museu de São Roque conta também o importante papel que os jesuítas tiveram na China da época e que protagonizaram enormes avanços culturais, científicos e tecnológicos através do armamento, instrumentos musicais ou matemática, entre outros elementos. Há ainda uma parte dedicada aos ritos cristãos, no sentido de perceber se os chineses os podiam ou não seguir. “Este é um debate que perturba um pouco as relações entre China e Portugal”, esclarece Jorge Santos Alves.

A exposição fecha com um núcleo inteiramente dedicado à Macau da primeira metade do século XVIII, quando se vivem “grandes desafios”, graças “ao ajustamento a novos parâmetros políticos que vêm de Portugal, com a nomeação de governadores e a entrada em cena de companhias de comércio da Europa e dos EUA”.

Nesta época, “a comunidade macaense foi absolutamente relevante na sobrevivência da cidade, a nível da diplomacia e tradução”, o que permitiu manter “este relacionamento de Macau com a China e entre Portugal e a China”. “Foi no século XVIII e diria que até aos dias de hoje”, defendeu Jorge Santos Alves.

A exposição do Museu de São Roque é também composta por vários retratos. Um deles foi cedido pela SCMM e é de Francisco Xavier Roquette, português metropolitano que foi viver para Macau e que deixou o maior testamento à SCMM. “Este quadro é também uma homenagem a Macau, portugueses e luso-asiáticos que garantiram ao longo do tempo a sobrevivência de Macau”, disse o curador.

Contudo, a obra que Jorge Santos Alves destaca é “um quadro feito por um jesuíta francês de uma concubina e que é um exemplo perfeito, quer pelo valor e beleza do quadro, quer pelo significado do diálogo cultural entre Europa e China no século XVIII”.

20 Dez 2019

Exposição | Relação China/Portugal no Museu de São Roque, em Lisboa

Foi ontem inaugurada na galeria do Museu de São Roque, em Lisboa, a exposição “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, que relembra, entre outras efemérides, o aniversário da transferência de administração de Macau. Jorge Alves, curador, fala ao HM da mostra que revela uma visão global das relações entre China e Portugal, sem esquecer o papel de Macau como importante entreposto comercial

 
[dropcap]A[/dropcap]té ao dia 5 de Abril do próximo ano poderá ser visitada no Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia (SCM), em Lisboa, a exposição intitulada “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, com cerca de meia centena de obras que espelham “as relações luso-chinesas na sua dimensão global, centrando-se na primeira metade do século XVIII – um dos períodos mais intensos e relevantes do relacionamento entre Portugal e a Europa, e a China”. Além de celebrar os 20 anos da transferência de transição de Macau para a China, a mostra marca também o 40º aniversário das relações diplomáticas entre Portugal e a China e os 450 anos de existência da SCM de Macau.
A exposição foi ontem inaugurada e, à margem do evento, o HM falou com o seu curador, Jorge Santos Alves, que nos falou do carácter exclusivo de algumas peças, “uma boa parte delas nunca antes expostas ou pouco vistas em Portugal”. Estas pretendem mostrar “as quatro principais dimensões do relacionamento entre Portugal e a China”.
A mostra contém uma “parte temática”, que mostra ao público o trabalho das embaixadas e o relacionamento político e diplomático que se estabelecia com o império chinês.
“Havia uma dimensão económica e comercial muito importante na época, baseada na importação de mercadorias chinesas pela Europa e Portugal, incluindo um importante produto que é o chá. Temos na exposição moedas de prata que eram trocadas pelo chá nos mercados, objectos que entram no nosso quotidiano, como os bules.”
Jorge Santos Alves destaca ainda o facto de os objectos mostrarem que estas trocas comerciais se faziam não apenas entre Macau e Cantão, mas também através de Lisboa, “com viagens organizadas em Portugal”.

Religião e diplomacia

A mostra no Museu de São Roque conta também o importante papel que os jesuítas tiveram na China da época e que protagonizaram enormes avanços culturais, científicos e tecnológicos através do armamento, instrumentos musicais ou matemática, entre outros elementos. Há ainda uma parte dedicada aos ritos cristãos, no sentido de perceber se os chineses os podiam ou não seguir. “Este é um debate que perturba um pouco as relações entre China e Portugal”, esclarece Jorge Santos Alves.
A exposição fecha com um núcleo inteiramente dedicado à Macau da primeira metade do século XVIII, quando se vivem “grandes desafios”, graças “ao ajustamento a novos parâmetros políticos que vêm de Portugal, com a nomeação de governadores e a entrada em cena de companhias de comércio da Europa e dos EUA”.
Nesta época, “a comunidade macaense foi absolutamente relevante na sobrevivência da cidade, a nível da diplomacia e tradução”, o que permitiu manter “este relacionamento de Macau com a China e entre Portugal e a China”. “Foi no século XVIII e diria que até aos dias de hoje”, defendeu Jorge Santos Alves.
A exposição do Museu de São Roque é também composta por vários retratos. Um deles foi cedido pela SCMM e é de Francisco Xavier Roquette, português metropolitano que foi viver para Macau e que deixou o maior testamento à SCMM. “Este quadro é também uma homenagem a Macau, portugueses e luso-asiáticos que garantiram ao longo do tempo a sobrevivência de Macau”, disse o curador.
Contudo, a obra que Jorge Santos Alves destaca é “um quadro feito por um jesuíta francês de uma concubina e que é um exemplo perfeito, quer pelo valor e beleza do quadro, quer pelo significado do diálogo cultural entre Europa e China no século XVIII”.

20 Dez 2019

Cinemateca Paixão fecha portas nos próximos dias 

Questões contratuais com o edifício na Travessa da Paixão terão ditado o fecho da Cinemateca, adiantaram realizadores ao HM. Albert Chu, presidente da Associação Audiovisual Cut, concessionária do espaço, confirma o encerramento, mas só fala depois do comunicado oficial do Instituto Cultural

 

[dropcap]A[/dropcap] Cinemateca Paixão vai fechar portas ainda este ano devido ao facto de o contrato de arrendamento do espaço, situado na Travessa da Paixão, não ter sido renovado a tempo. A informação foi confirmada ao HM pela realizadora Tracy Choi e por um outro realizador, que não quis ser identificado.

“Penso que o encerramento se deve ao facto de o Instituto Cultural (IC) não ter planeado bem a questão”, começou por dizer Tracy Choi. “Eles sabiam que o contrato iria terminar no final deste ano, mas demoraram a tomar uma decisão, o que não deu tempo para assinar um novo contrato”, acrescentou.

Albert Chu, director artístico da Cinemateca Paixão e presidente da Associação Audiovisual Cut, concessionária do espaço, confirmou ao HM o fecho da sala de cinema, mas recusou-se a prestar esclarecimentos adicionais.

“Há uma mudança e há uma razão formal que o IC vai apresentar em breve. É melhor para nós não fazermos  qualquer comentário antes dessa declaração”, apontou.

Público crescente

A Cinemateca Paixão abriu portas em 2017 e desde então que tem vindo a apresentar um cartaz repleto de ciclos de cinema especiais, dedicados a realizadores internacionais de renome como Pedro Almodôvar ou Reiner Werner Fassbinder, sem esquecer o destaque dado a realizadores asiáticos e locais. Tracy Choi relembra o facto de esta sala de cinema ter vindo a receber cada vez mais pessoas nos últimos três anos.

“Começámos a ter um público cada vez mais numeroso, com exibições todos os meses. E agora não há qualquer sala disponível onde possamos fazer isto. Espero que a Cinemateca Paixão possa abrir em breve porque já tinha todas as estruturas necessárias”, adiantou.

Outro realizador, ligado à Associação Audiovisual Cut, e que não quis ser identificado, disse ao HM que desde Novembro que havia um sinal de que as coisas não estavam bem.

“Comecei a questionar quais seriam os planos da Cinemateca para o novo ano, porque há sempre um avanço em relação à agenda para os meses seguintes. E percebi as caras de desapontamento da equipa. No início não responderam, porque não tinham a certeza de que iria ser assim. Mas agora estamos no final do ano e o que lhe posso dizer é que a razão oficial para o fecho por parte do IC é a renovação do local, o que é um motivo falso.”

Este realizador explicou ainda que “as pessoas que estão na liderança [do IC] não levaram a cabo os devidos procedimentos para continuar com a abertura do espaço”.

“O IC vai anunciar a renovação do espaço para manter este suspense, mas é temporário. Mas sabemos que não trabalham de forma muito rápida. Não me parece que seja o fim da Cinemateca, mas 2019 deve ser o fim da primeira edição do projecto. Acredito que não abra no espaço de um ano e meio”, concluiu. O HM contactou o IC sobre esta questão, mas até ao fecho da edição não foi possível obter uma resposta.

20 Dez 2019

Associação Novo Macau diz ter sido vítima de ameaças e perseguições

Kam Sut Leng, presidente da Associação Novo Macau, denunciou na sua página no Facebook ter sido perseguida e alvo de ameaças, além de que, nos últimos dias, foi notada uma presença permanente de cinco a seis pessoas junto ao escritório da associação. Sulu Sou e Scott Chiang consideram a situação inaceitável e exagerada

 

[dropcap]A[/dropcap] Associação Novo Macau (ANM) diz ter sido vítima de ameaças, vigias e perseguições nunca antes vistas, numa altura em que o Presidente chinês Xi Jinping realiza uma visita oficial ao território, por ocasião dos 20 anos da RAEM.

Kam Sut Leng, presidente da ANM, começou por denunciar a situação na sua página de Facebook. “A situação ficou mais grave hoje [quarta-feira], porque acabei de sair do gabinete e fui seguida por duas motas. Um dos condutores colocou-se atrás de mim e disse para irmos dar uma volta, continuando a relatar ao outro condutor a minha localização. Quando cheguei ao escritório as duas motas ensanduicharam-me e um deles perguntou: ‘Linda, para onde vais? Vamos beber um copo’. Agora não posso voltar a casa porque tenho receio de que saibam onde vivo”, disse.

Ao HM, Kam Sut Leng disse notar que as acções destas cinco ou seis pessoas que têm estado junto ao escritório da Novo Macau foram tudo menos discretas. “Normalmente quando temos reuniões ou organizamos protestos há sempre polícias à paisana, mas desta vez fiquei com a sensação que as coisas eram diferentes. Alguns colegas nossos perguntaram o que é que estavam a fazer lá fora, mas eles disseram que eram turistas e que estavam a jogar no telemóvel. Gravámos um vídeo e eles assumiram uma postura mais discreta”, relata.

A presidente da ANM disse ainda que esta terça-feira estas mesmas pessoas fotografaram quem saía e entrava do escritório. À TDM Rádio Macau, o deputado Sulu Sou, e vice-presidente da ANM, explicou que “nos últimos dias havia pessoas no exterior do escritório”. “Ficavam lá o dia todo, de manhã até à noite, mudando de posição ao longo do dia”, acrescentou o deputado, que considera esta postura “inaceitável”.

“Recordo sempre ao Governo que compreendo que tem de preparar uma estratégia ao nível da segurança pública para a visita do Presidente, mas devem fazê-lo de uma forma razoável. Não precisam de reagir de forma exagerada ou ser demasiado sensíveis. Isso só vai criar problemas desnecessários do ponto de vista político”, disse à TDM Rádio Macau.

Mais respeito

Kam Sut Leng disse ao HM que não se recorda de ver algo do género acontecer. “Todas estas coincidências nos fazem crer que se tratam de autoridades da China. Ainda estamos a pensar se falamos ou não com a polícia, porque não quero que os nossos trabalhos sejam afectados”, frisou.

Também Scott Chiang, activista da ANM, disse ao HM que esta situação é excessiva e que nunca sentiram ameaças de forma “tão explícita e directa”. “É totalmente desnecessário e contraproducente face à política ‘Um País, Dois Sistemas’. Macau é supostamente o ‘bom filho’. Não deveriam garantir à RAEM um pouco mais de espaço para respirar e respeito?”, questionou o activista.

Au Kam San, ligado ao campo pró-democrata e ex-membro da ANM, disse à publicação Macau Concelears que estes actos são “irracionais”. “Mesmo que seja altura da visita de Xi Jinping, não é preciso perseguir pessoas. Houve activistas que foram coagidos a deixar Macau”, disse o deputado, que adiantou não ter sofrido quaisquer ameaças. “Talvez eu não seja uma figura tão sensível, não sinto que haja alguém a seguir-me”, rematou.

20 Dez 2019

António Júlio Duarte, fotógrafo de Macau em mudança: “Era uma terra adormecida… parada no tempo…”

Primeiro fotografou Macau durante os anos 90, quando o pequeno território lhe pareceu parado no tempo à espera de algo. No ano da transferência de administração de Macau, António Júlio Duarte voltou para registar com a lente um ano especial que ficaria para a História. Mais tarde, publicou livros de fotografia sobre o desenvolvimento que Macau conheceu, sem esquecer a campanha eleitoral protagonizada por Chui Sai On em 2009, que cobriu para o Hoje Macau

 

[dropcap]N[/dropcap]ão estava previsto, mas a vida profissional do fotógrafo António Júlio Duarte ficou ligada a Macau. Desde as primeiras fotografias, tiradas na década de 90, às imagens captadas no ano da transferência de soberania, sem esquecer a era RAEM, o trabalho de António Júlio Duarte tem acompanhado a evolução do território.

Em Lisboa, o fotógrafo recorda o primeiro momento em que pisou Macau. “A primeira vez que fui a Macau foi em 1990 e um bocado por acaso: fui por mim. Tinha interesse em viajar e trabalhar no Extremo Oriente, na altura tinha pessoas conhecidas em Macau e decidi ir. Depois de Macau fui para outros lados. Tinha pessoas lá e isso era bom para um primeiro contacto com o Oriente.”

António Júlio Duarte recorda-se sobretudo da melancolia. “Fotografei essencialmente pessoas nos jardins. Na altura pareceu-me uma terra um bocado adormecida, perdida no tempo, mas isto é relativo, porque a Ásia está sempre um bocado à frente daquilo que se passa no resto do mundo. Deve ser uma das razões pelas quais trabalho lá.”

“Mas, dos contactos que tive com a comunidade portuguesa, havia ali uma certa melancolia que não é comum ao resto da Ásia, talvez por causa dessa presença portuguesa, que é uma coisa que me irrita profundamente”, acrescentou.

Em 1995 o fotógrafo publicaria o livro “East West”, com fotografias de Macau, um território “que se tornou numa espécie de sítio onde gosta de trabalhar”. À época, achou “o território triste, e as fotografias que fiz nessa altura são todas muito melancólicas”. “Estava a aproximar-se uma grande mudança, talvez fosse por isso”, frisou.

António Júlio Duarte acabaria por protagonizar, ainda antes da transferência de administração, uma exposição em Macau com o apoio da Fundação Oriente (FO).

Formado na escola Ar.Co, em Lisboa, e no Royal College of Arts de Londres, António Júlio Duarte acabaria por ser novamente convidado pela FO para fotografar o último ano da administração portuguesa, liderada pelo Governador Vasco Rocha Vieira.

Na década de 90, António Júlio Duarte diz ter ficado surpreendido com o distanciamento entre as comunidades chinesa e portuguesa. “Era quase como se houvesse duas cidades paralelas que raramente se tocam. Essa é uma das razoes pelas quais Macau me fascina, por causa dessa estranheza que vem daí, de haver dois povos que raramente comunicam com uma grande barreira linguística grande, num espaço tão pequeno como é Macau.”

Quando regressa, em 1999, António Júlio Duarte depara-se com uma cidade em constante mutação. “Havia a conclusão de obras grandes, uma preocupação do Governo português em deixar obra feita, a fim de permitir que Macau tivesse uma maior autonomia. Mas também foi uma altura conturbada em Macau, com o fim do monopólio do jogo.” O fotógrafo recorda “clima de inquietação no ar”.

Depois de 1999, António Júlio Duarte dedicou-se a fotografar os casinos de Macau, símbolo de um fulgor económico, imagens que constam no livro “White Noise”, publicado em 2011. “O território já se tinha tornado noutra coisa qualquer, e foi isso que me interessou”, aponta.

Fotografar Chui Sai On

Em 2009, o fotógrafo abraçou um projecto político ao fotografar a campanha eleitoral de Chui Sai On para o cargo de Chefe do Executivo, para o qual foi eleito para um primeiro mandato. Daí nasceu o livro “O Candidato”, graças a um trabalho realizado na redacção do HM.

“Entre 2008 e 2011 fui com mais frequência a Macau por causa de um colectivo de fotógrafos que existia em Lisboa na altura que era o KameraPhoto, em que produzíamos mais trabalho ligado à prática jornalística. Havia essa campanha eleitoral e achei que era bom trabalhar sobre isso pelo lado quase ficcional que tinha, pelo facto de ser um único candidato fazer uma campanha de sensibilização à população como se fosse uma campanha eleitoral com todo o aparato de uma campanha em qualquer outro ponto do mundo.”

O que atraiu o fotógrafo foi “esse lado de figura inatingível”. “Havia todo um mecanismo de segurança à volta da campanha e do próprio candidato que para mim não fazia nenhum sentido, sendo Macau pequeno e seguro. Havia a construção dessa máquina mediática e de segurança à volta de uma coisa que na realidade não existe. Por isso é que no trabalho eu fotografo quase sempre Chui Sai On de costas, porque não quero trabalhar sobre ele mas sobre esta figura, do aparato, e sobre o candidato, numa coisa mais abstracta”, recorda.

“Mercúrio” nasceria em 2015 enquanto projecto fruto de uma parceria com a Galeria Pedro Alfacinha e produzido pela Galeria Zé dos Bois. “Foi feito sempre em ambientes nocturnos mas são coisas muito abstractas, não necessariamente documentais. Esse foi um fechar de ciclo, e de momento não tenho planos para Macau.”

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 

 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.

“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.

João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.

“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”

O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”

Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.

“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.

“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”

Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”

Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”

Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.

Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.

“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”

 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.

Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”

Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.

Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.

“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.

Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.

Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”

Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.

“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”

Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.

“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.

 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.

Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.

O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”

Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”

Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 
 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.
João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.
“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.
João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.
“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”
O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”
Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.
“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.
“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”
Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”
Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”
Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.
Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.
“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”
 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.
Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”
Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.
Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.
“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.
Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.
Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”
Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.
“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”
Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.
“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.
 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.
Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.
O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”
Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”
Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

20 Dez 2019

Garcia Leandro, ex-Governador de Macau (1974-1979): “Macau foi a antecipação do futuro”

A sua Administração criou as bases para muito do que Macau tem hoje, incluindo a composição da Assembleia Legislativa. O trabalho foi tanto, com a implementação do Estatuto Orgânico de Macau, que o General Garcia Leandro teve um esgotamento. Duas décadas depois da transição, o ex-Governador defende que houve um certo desconhecimento por parte de alguns negociadores chineses face às especificidades de Macau, enquanto que, da parte dos portugueses, houve falta de estabilidade política. Hoje é presidente da Fundação Jorge Álvares

 

 

[dropcap]O[/dropcap] início desta fundação ficou marcado por uma polémica, pois Jorge Sampaio não concordou com a sua criação. 20 anos depois, a fundação ainda vive à sombra disso?

Tenho muito pena que essa polémica tenha existido, principalmente por ter envolvido duas pessoas que trabalharam muito por Portugal: o último Governador, general Vasco Rocha Vieira, e o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio. Mas a fundação também sofreu com o que vinha detrás, ou seja, a polémica com a Fundação Oriente (FO). Mas não me incomodam nada essas coisas conjunturais de há 20 anos. O que me interessa são os objectivos da fundação e estes passaram por criar um conjunto, composto pela fundação e outras instituições, que permitisse reforçar as ligações com Macau e com a China para o futuro. Na perspectiva do último Governador de Macau, [a fundação olhava para] o trabalho que foi feito até ao dia 20 de Dezembro de 1999, mas também servia projectar o futuro. Até porque, de todos os antigos territórios ultramarinos, Macau foi aquele cuja saída foi feita da melhor forma e com mais dignidade, com uma relação óptima entre Portugal e a China que foi um exemplo para o mundo. Não tem comparação com o que se passou em Hong Kong. Criou-se uma uma instituição científica, histórica e académica aqui, [o Centro Cultural e Científico de Macau], o Instituto Internacional de Macau (IIM) e a fundação. Temos vindo a reforçar muito as relações com a China e Macau. Os chineses, na Administração da RAEM, têm estado todos connosco. A senhora O Tin Lin [chefe da delegação económica e comercial de Macau em Lisboa] trabalhou connosco, e agora vem o novo representante da RAEM em Lisboa, o doutor Alexis Tam, que tem uma influência local muito importante. Macau foi, ao longo da história, a antecipação do futuro, porque foi sempre uma mistura de toda a gente. Fazia parte do império comercial do Oriente, composto por Goa, Malaca, Macau, Cantão e o Japão. Durante muito tempo só se entrava na China através de Macau, e não se passava de Cantão. Isso só se perde quando os ingleses, depois da Guerra do Ópio, em 1841 ou 1842 ocupam Hong Kong e começa-se a perder a influência portuguesa, e Macau começou a perder importância. O que é espantoso é que volta a ganhar importância depois do 25 de Abril de 1974.

Como?

Foi o que eu vivi, numa época muito, muito difícil politicamente, financeiramente… tudo era difícil. Havia instabilidade, medo. O Estatuto Orgânico de Macau (EOM) de 1976 é o que dá a grande estabilidade porque deu autonomia administrativa, política, financeira e económica a Macau. Criaram-se condições para localmente se poder gerir os interesses de Macau sem ter de pedir tudo a Lisboa. Isso através do Governador e da Assembleia Legislativa (AL).

Isso fez de Macau um novo interposto comercial.

Sim. Por exemplo, as corridas de cavalos, a universidade, ambos na Taipa. Foram ambos contratos meus. Eu não tive de pedir a Lisboa, mas se tivesse de pedir nunca mais tínhamos cavalos nem a universidade. O EOM nunca foi alterado e teve sequência ao longo dos anos através dos governadores portugueses e muita coisa nunca foi alterada pelos chineses. O EOM trouxe uma AL semi-eleita, com o presidente eleito pelos seus pares. Fez-se a indexação da pataca ao dólar de Hong Kong e foi a questão da Autoridade Monetária e Cambial. E fiz uma reforma tributária, em 1977 e 1978, que não cheguei a acabar. Quando fui lá em 2011 ainda não tinham mudado. As forças de segurança também continuam com as mesmas bases. Mesmo a Lei Básica foi beber muito ao EOM, com as devidas actualizações. A grande alteração que o Governo da RAEM fez foi a liberalização do jogo. O Governo da RAEM não resolveu todos os problemas sociais, nomeadamente a habitação, que ainda é muito complicado, porque ou há um tecido urbano que está muito envelhecido ou há um tecido urbano mais moderno sujeito a uma grande especulação imobiliária.

Numa recente palestra em Lisboa, onde esteve presente, Jorge Rangel, presidente do IIM, falou da possibilidade de ocorrência de protestos em Macau caso não haja soluções para a habitação.

É. Ele aqui já tinha alertado para o facto de os problemas de Hong Kong serem, antes dos estudantes e da lei da extradição, a especulação imobiliária e o descontentamento daquelas pessoas perante a impossibilidade de pagar rendas. Esse problema pode surgir em Macau se não for resolvida a questão da habitação e julgo que o Governo de Macau já percebeu isso, tal como também não vai fazer uma proposta de lei da extradição. São coisas que perceberam que não podem fazer.

Voltando ao EOM. O deputado Sulu Sou chegou a defender o fim da composição do hemiciclo instituída com a sua Administração. Vinte anos depois haverá espaço para um aumento dos deputados eleitos pela via directa?

Não me quero meter em assuntos que são responsabilidade do Governo local. Mas posso explicar porque é que fiz daquela maneira. Quando se dá o 25 de Abril e depois se faz o EOM, há um grande choque, com a comunidade portuguesa e chinesa. Em primeiro lugar a comunidade chinesa não estava habituada a entrar na vida política activa.

Não havia votos, na altura?

Havia um partido único, a Acção Nacional Popular, e antes do 25 de Abril a União Nacional, e apenas os portugueses votavam. Quando disse “vamos votar”, consultei todos os que podia consultar e diziam-me que as pessoas não iam votar a sério se fosse pelo sufrágio directo, que tinha de se inventar outra maneira de levar os chineses para a política. Os chineses têm uma grande actividade associativa, e foi através das associações que se conseguiu trazer as pessoas para votar. Arranjaram-se então uns votos por sufrágio directo, outros votos pelas associações em representação de interesses económicos, culturais. Depois sou avisado de outra coisa, de que não iriam aparecer jovens, mulheres ou pessoas independentes em relação ao poder económico”. Para os lugares que ficaram para o Governador nomear, escolhi pessoas realmente independentes. Mas isso foi feito no tempo da Administração portuguesa quando aquela gente não estava habituada a votar e os portugueses estavam habituados a um partido único. Isso manteve-se até final da Administração portuguesa, e a diferença que fizeram foi aumentar o número de deputados. A estrutura é a mesma. Com a Administração chinesa é mais uma situação que ainda não mudaram. Porquê? Não vou comentar porque é estar a meter foice em seara alheia. Vamos esperar.

Muito se fala das diferenças em termos de civismo e cultura política entre Macau e Hong Kong. Essa ausência de eleições foi o grande contributo para esse alheamento existente em Macau?

Em Hong Kong era pior, não havia votos. Os membros dos Conselho Legislativo e Executivo eram todos nomeados por escolha do Governo ou por inerência, só havia dois lugares eleitos nas câmaras municipais. Fizemos o EOM em 1976 e quando Hong Kong tenta ter um parlamento eleito é 20 anos depois, quando os ingleses estão quase a sair de lá.

Então como explica estas diferenças?

Hong Kong tem uma maior massa crítica pois são sete milhões de pessoas. Além disso, Hong Kong tem uma grande presença de empresas estrangeiras e de turistas. A população jovem na China, Macau e Hong Kong está a ser cada vez mais educada. E os jovens são relativamente fáceis de mobilizar para ideais colectivos e sentem que querem ter alguma independência da China. Eles têm uma autonomia mas não deixam de ser parte da China. O acordo assinado entre o Reino Unido e a China, bem como entre Portugal e a China, determina que os territórios são China, com autonomia, mas isso não significa que não se devam ter boas relações com o país. A China evoluiu muito rapidamente e deu um salto muito grande com “Um País, Dois Sistemas”. Não só começa a afirmar-se como potência mundial, com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, como começa a ter inimigos e a China percebe isso.

Como deve ser a resposta a isso?

Nunca houve na história mundial um Governo a governar 1,4 milhões de habitantes. E como raciocinam? De uma maneira simples: a China pensa que ninguém vai atacar o país frontalmente, mas podem actuar nos pontos fracos, que são as economias mistas e autonomias mistas, e aí Macau e Hong Kong aparecem como áreas sensíveis. Os chineses estão extremamente preocupados com o que pode acontecer aí. Tudo estava bem até o Governo de Hong Kong decidir apresentar a proposta de lei da extradição. Querem eleger também o Chefe do Executivo pelo sufrágio directo e universal. Tudo bem, mas é um problema que não é nosso, nem temos de andar a fazer comparações ou a extrapolar.

Até porque a Lei Básica de Macau não prevê o sufrágio universal.

A de Hong Kong também não. Aliás, as negociações sobre o futuro de Macau começaram depois das de Hong Kong. Os chineses quiseram copiar muitas coisas do processo de Hong Kong e foi através de nós que as coisas foram corrigidas, mas aí não se deixou de manter o sistema de que não eram eleitos. [O Chefe do Executivo] pode vir a ser [eleito pelo sufrágio universal], mas dentro de regras que não sabemos quais são. Mas uma coisa é certa: a China vai-se enquadrando cada vez mais no mundo e adaptando-se.

No período de descolonização, em 1975, consta que elaborou um relatório sobre o facto de algumas forças partidárias em Portugal defenderem a entrega de Macau. Confirma isso?

Comigo não houve diálogo nenhum. Não produzi qualquer relatório sobre o assunto. Nunca o assunto foi falado comigo, nunca Macau entrou na comissão de descolonização da ONU, onde havia representantes para o antigo Ultramar. Há mais de 40 anos que ando a tentar saber quem é que teve essas conversas. Não sei, não encontro. Um dia falei com duas pessoas que estão citadas no meu livro, o professor Veiga Simão, embaixador da ONU em 1974-1975, e perguntei-lhe se tinha tratado de alguma coisa. Disse-me que não. Anos mais tarde, em 2009, apareceu um professor chinês do Canadá que me parecia ser um especialista sobre o assunto, e perguntei se existia alguma conversação. Ele disse-me que não sabia de nada. Se houve alguma coisa foi de modo informal na ONU. Até porque os representantes portugueses tinham bem a noção, quer Almeida Santos quer o General Costa Gomes do caso muito específico de Macau. E a China, em 1972, tinha dito que Macau e Hong Kong não eram assunto para o comité de descolonização, que eram um assunto para resolver com o tempo, através das relações bilaterais entre Portugal e a China. O dizer que não entrava para o comité de descolonização queria dizer: “isto [Macau e Hong Kong] não será independente, é nosso”. Os dois casos de Macau e Hong Kong são completamente diferentes, até na sua história.

Em que sentido?

Entrámos em Macau no século XVI, a maioria da população era chinesa, mas Hong Kong foi ocupada depois de uma guerra. Não existia nada em Macau, era terra de ninguém. Pagávamos renda e em 19877 deixámos de pagar e ficámos sem futuro definido. Quando é que aquilo acabava? Não estava escrito. Os ingleses conquistaram Hong Kong e depois Kowloon mas esse espaço era relativamente pequeno, então ocuparam os Novos Territórios. Mas deixaram no contrato com a China de que a sua permanência nos novos territórios só durava até 1 de Julho de 1997. A senhora Tatcher, em 1982, vai a Pequim pedir para continuar além deste período, mas Deng Xiaoping deu-lhe a resposta óbvia: “nem pense nisso”. As duas histórias de Macau e Hong Kong são completamente diferentes, até no relacionamento com a população, não tem nada a ver. Por isso é que as nossas negociações correram melhor, também porque nós Portugal não tínhamos grandes interesses económicos a defender em Macau. Não tínhamos grandes empresas portuguesas, apenas tínhamos o BNU. Mas os ingleses tinham muitos interesses económicos e por isso são mais difíceis as negociações.

A transição fez-se então no momento certo.

Os chineses estavam muito interessados em resolver o problema de Taiwan, Hong Kong e Macau. E por uma questão de respeito e consideração pelos mais pequenos, a vontade deles era resolver Taiwan primeiro, mas as coisas não correram bem porque foi muito apoiado pelos americanos, muito desenvolvido economicamente e armado e tornou-se muito autónomo da China. Com Hong Kong tinham o limite de 1997. Quando as negociações começam, o doutor Mário Soares, na altura Presidente da República, queria passar o final para o ano 2000. Os chineses disseram que tudo aquilo tinha de acabar antes do ano 2000. Foi na altura possível, dentro de uma lógica histórica que são as mudanças da história, que não é imutável.

Se tivesse de apontar erros de parte a parte, quais apontaria, no processo de transição?

Os erros que houve da nossa parte foi alguma instabilidade da governação. Alguns escândalos que houve.

O caso do fax de Macau, por exemplo.

Sim, mas antes disso. O Governador Almeida e Costa dissolveu a AL, Pinto Machado esteve lá pouco tempo. Houve vários problemas e houve sempre um certo rumor e desconfiança de escândalos financeiros, corrupção. Da parte da China houve estabilidade mas houve um erro de percepção, pois os negociadores queriam tratar do processo da mesma maneira que trataram em Hong Kong, mas foram corrigindo a pouco e pouco. Nós mantivemos, com os últimos governadores, começando por mim, uma sequência de governação. Depois com acidentes de percurso, as pessoas e os problemas mudam. A China tratou cuidadosamente de Portugal mas com algum desconhecimento de qual era a especificidade de Macau e dos portugueses e estavam a tentar copiar o modelo de Hong Kong.

Ficou sempre essa ideia de uma administração portuguesa corrupta em Macau?

Há muita coisa feita pela comunicação social. Pode-se ter 40 pessoas muito boas, mas se tiver duas ou três que falham são essas que aparecem nos jornais. Isso passou-se em Macau e em Portugal também. A imprensa é livre, e controlar a imprensa é das piores coisas que se pode fazer, porque acaba sempre mal.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | O relatório “secreto” sobre os meses que antecederam a transferência

Em Outubro de 1999 dois representantes da Casa Civil do Presidente da República deslocaram-se a Macau para acompanhar os preparativos da cerimónia e avaliar o ambiente vivido às portas da transição. O relatório oficial revela laivos de esperança, uma redução do “clima de intriga” e a possibilidade de os chineses poderem aguardar pelos julgamentos dos líderes das seitas para “ensaiarem avaliações públicas negativas” sobre o sistema de justiça deixado pelos portugueses

[dropcap]A[/dropcap] dois meses do dia 20 de Dezembro de 1999 ainda muito havia a fazer para que a cerimónia da transferência de soberania corresse sem sobressaltos. Para se ter uma ideia, entre os dias 11 e 17 de Outubro desse ano, faltavam questões como, por exemplo, fechar a lista de convidados nacionais e estrangeiros para a cerimónia, entre outras questões protocolares.

A informação consta num relatório, intitulado “Notas sobre a deslocação a Macau”, assinado por Pedro Reis e António Manuel, da Casa Civil do Presidente da República, e que consta nos arquivos da Presidência da República, em Lisboa. O documento, consultado pelo HM, revela ainda que nessa visita esteve também presente a primeira dama, Maria José Rita, mulher de Jorge Sampaio.

“O doutor Eurico Pais foi nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o ‘Mestre de Cerimónias’ e responsável por toda a parte protocolar. Chamou-nos a atenção para algumas dificuldades que têm fundamentalmente a ver com a definição urgente da lista de convidados, nacionais e estrangeiros, para iniciar o respectivo ‘seating’ de todas as cerimónias.”

O relatório da Presidência dá ainda conta que “a parte logística não era um ‘ponto forte’ do MNE”, pelo que “talvez fosse bom perceber o que se espera da Presidência e, mais importante, definir o que realmente da nossa parte há a fazer.”

“Ficámos com algumas preocupações em relação à parte protocolar. Julgamos que poderá ser, neste sector, que os problemas surjam”, acrescenta-se. Houve também duas reuniões com João Costa Antunes, à data responsável pelo Gabinete da Transferência.

“Tivemos a sensação de que o gabinete funciona bem, sabe, em rigor, o que tem de fazer, e as obras relativas às infra-estruturas necessárias estão a decorrer dentro de todos os prazos. Houve o cuidado de contratar como consultor o responsável pelas cerimónias de Hong Kong que, segundo o gabinete de cerimónias de Macau, tem sido uma ajuda preciosa em termos de informações, evitar erros cometidos e melhoramento de aspectos específicos”, aponta o relatório.

Menos “intriga”

Mas nem só de questões protocolares se fez esta visita. O relatório dá conta da realização de encontros não apenas com o gabinete do Governador, Vasco Rocha Vieira, mas com jornalistas do território. Os responsáveis da Casa Civil dizem ter percepcionado uma mudança de ambiente junto da comunidade portuguesa.

“Destes contactos resultou uma ideia geral de que a situação está bastante mais distendida e o clima de intriga abrandou substancialmente. ‘Há menos portugueses’, ironizou José Rocha Dinis”, época director do Jornal Tribuna de Macau, hoje seu administrador.

O documento dá também conta que, à época, “era muito comum a ideia de que o facto de os chineses terem reforçado as medidas de controlo da fronteira contribuiu para o desaparecimento do clima de insegurança que, de algum modo, alimentava o mau ambiente do território”.

“Uma mudança muito significativa em relação ao ambiente que se vive é a de um grande cepticismo em relação ao futuro ter sido substituído por uma moderada esperança”, lê-se ainda no relatório.

A justiça e as seitas

Outro ponto destacado pelo documento dá conta do início dos julgamentos “dos principais acusados das seitas”, onde se inclui de Wan Kuok Koi, também conhecido como o “Dente Partido” e ex-líder da 14K, detido em Maio de 1998 e condenado a 23 de Novembro de 1999.

Estes julgamentos fizeram com que, em 1999, a justiça fosse o tema que alimentava “as principais controvérsias”.

“Numa ‘terra de advogados’ é natural que as questões de justiça sejam sempre muito discutidas e, raramente, de forma isenta. É evidente que o ideal seria o decurso dos julgamentos ter um ritmo tão rápido quanto possível para assegurar justiça e um desfecho inquestionável face às provas reunidas (que aliás não parecem ser tão impenetráveis quanto seria desejável)”, refere o relatório.

O documento deixa ainda um aviso: “Os chineses parecem muito atentos ao decurso destes julgamentos para ensaiaram avaliações públicas negativas quanto ao sistema de justiça que deixamos no território.”

No encontro com os jornalistas foi também levantado o problema da Teledifusão de Macau (TDM), uma vez que a estação, apesar de ter contratos assinados até 2004, acumulava “prejuízos muito sérios”, além de que “o nível de audiência dos canais portugueses é residual”.

Uma questão de presidentes

No encontro com os funcionários da Casa Civil os jornalistas presentes também discutiram presença de Jorge Sampaio na cerimónia de transferência. “Ninguém duvida [dela]”, lê-se.

“[Os jornalistas] percebem o ‘esforço’ de negociação face aos chineses. Não garantem que essa pressão seja suficiente, mas acreditam que os chineses estão dispostos a ‘fechar’ bem o processo, pelo que haverá acordo e visita do Presidente da República.”

No encontro com o Gabinete do Governador, foram discutidas questões colocadas pela Presidência da República Popular da China (RPC). Questionava-se “se o Presidente da República de Portugal estará à chegada do Presidente da RPC, dando-se o inverso na cerimónia de partida  do Presidente português”. O Gabinete de Vasco Rocha Vieira afirmava que seria “de ponderar esta hipótese”, em nome da “amizade luso-chinesa”.

As autoridades chinesas sugeriram também “o estudo da hipótese de um encontro entre os dois presidentes, bem como a possível participação do presidente chinês na cerimónia portuguesa. Sendo desejo dos chineses a presença do Presidente da República na cerimónia chinesa, então deveria a delegação chinesa estar, igualmente, presente na cerimónia portuguesa”.

Num documento datado de 10 de Dezembro de 1999, já se encontrava definido o programa oficial a cumprir por Jorge Sampaio, que chegou a Macau no dia 17, partindo já no dia 20, às 00h30, para Banguecoque.

Nesse dia, Jorge Sampaio falaria numa cerimónia que constituía “um momento essencial e único da História de Macau”. Para Portugal não se tratava “apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a RPC do exercício de soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa”.

Vasco Rocha Vieira despedia-se do território com poesia. “Saudade de Macau. Saudade do seu futuro. Até sempre.”

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | O relatório “secreto” sobre os meses que antecederam a transferência

Em Outubro de 1999 dois representantes da Casa Civil do Presidente da República deslocaram-se a Macau para acompanhar os preparativos da cerimónia e avaliar o ambiente vivido às portas da transição. O relatório oficial revela laivos de esperança, uma redução do “clima de intriga” e a possibilidade de os chineses poderem aguardar pelos julgamentos dos líderes das seitas para “ensaiarem avaliações públicas negativas” sobre o sistema de justiça deixado pelos portugueses

[dropcap]A[/dropcap] dois meses do dia 20 de Dezembro de 1999 ainda muito havia a fazer para que a cerimónia da transferência de soberania corresse sem sobressaltos. Para se ter uma ideia, entre os dias 11 e 17 de Outubro desse ano, faltavam questões como, por exemplo, fechar a lista de convidados nacionais e estrangeiros para a cerimónia, entre outras questões protocolares.
A informação consta num relatório, intitulado “Notas sobre a deslocação a Macau”, assinado por Pedro Reis e António Manuel, da Casa Civil do Presidente da República, e que consta nos arquivos da Presidência da República, em Lisboa. O documento, consultado pelo HM, revela ainda que nessa visita esteve também presente a primeira dama, Maria José Rita, mulher de Jorge Sampaio.
“O doutor Eurico Pais foi nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o ‘Mestre de Cerimónias’ e responsável por toda a parte protocolar. Chamou-nos a atenção para algumas dificuldades que têm fundamentalmente a ver com a definição urgente da lista de convidados, nacionais e estrangeiros, para iniciar o respectivo ‘seating’ de todas as cerimónias.”
O relatório da Presidência dá ainda conta que “a parte logística não era um ‘ponto forte’ do MNE”, pelo que “talvez fosse bom perceber o que se espera da Presidência e, mais importante, definir o que realmente da nossa parte há a fazer.”
“Ficámos com algumas preocupações em relação à parte protocolar. Julgamos que poderá ser, neste sector, que os problemas surjam”, acrescenta-se. Houve também duas reuniões com João Costa Antunes, à data responsável pelo Gabinete da Transferência.
“Tivemos a sensação de que o gabinete funciona bem, sabe, em rigor, o que tem de fazer, e as obras relativas às infra-estruturas necessárias estão a decorrer dentro de todos os prazos. Houve o cuidado de contratar como consultor o responsável pelas cerimónias de Hong Kong que, segundo o gabinete de cerimónias de Macau, tem sido uma ajuda preciosa em termos de informações, evitar erros cometidos e melhoramento de aspectos específicos”, aponta o relatório.

Menos “intriga”

Mas nem só de questões protocolares se fez esta visita. O relatório dá conta da realização de encontros não apenas com o gabinete do Governador, Vasco Rocha Vieira, mas com jornalistas do território. Os responsáveis da Casa Civil dizem ter percepcionado uma mudança de ambiente junto da comunidade portuguesa.
“Destes contactos resultou uma ideia geral de que a situação está bastante mais distendida e o clima de intriga abrandou substancialmente. ‘Há menos portugueses’, ironizou José Rocha Dinis”, época director do Jornal Tribuna de Macau, hoje seu administrador.
O documento dá também conta que, à época, “era muito comum a ideia de que o facto de os chineses terem reforçado as medidas de controlo da fronteira contribuiu para o desaparecimento do clima de insegurança que, de algum modo, alimentava o mau ambiente do território”.
“Uma mudança muito significativa em relação ao ambiente que se vive é a de um grande cepticismo em relação ao futuro ter sido substituído por uma moderada esperança”, lê-se ainda no relatório.

A justiça e as seitas

Outro ponto destacado pelo documento dá conta do início dos julgamentos “dos principais acusados das seitas”, onde se inclui de Wan Kuok Koi, também conhecido como o “Dente Partido” e ex-líder da 14K, detido em Maio de 1998 e condenado a 23 de Novembro de 1999.
Estes julgamentos fizeram com que, em 1999, a justiça fosse o tema que alimentava “as principais controvérsias”.
“Numa ‘terra de advogados’ é natural que as questões de justiça sejam sempre muito discutidas e, raramente, de forma isenta. É evidente que o ideal seria o decurso dos julgamentos ter um ritmo tão rápido quanto possível para assegurar justiça e um desfecho inquestionável face às provas reunidas (que aliás não parecem ser tão impenetráveis quanto seria desejável)”, refere o relatório.
O documento deixa ainda um aviso: “Os chineses parecem muito atentos ao decurso destes julgamentos para ensaiaram avaliações públicas negativas quanto ao sistema de justiça que deixamos no território.”
No encontro com os jornalistas foi também levantado o problema da Teledifusão de Macau (TDM), uma vez que a estação, apesar de ter contratos assinados até 2004, acumulava “prejuízos muito sérios”, além de que “o nível de audiência dos canais portugueses é residual”.

Uma questão de presidentes

No encontro com os funcionários da Casa Civil os jornalistas presentes também discutiram presença de Jorge Sampaio na cerimónia de transferência. “Ninguém duvida [dela]”, lê-se.
“[Os jornalistas] percebem o ‘esforço’ de negociação face aos chineses. Não garantem que essa pressão seja suficiente, mas acreditam que os chineses estão dispostos a ‘fechar’ bem o processo, pelo que haverá acordo e visita do Presidente da República.”
No encontro com o Gabinete do Governador, foram discutidas questões colocadas pela Presidência da República Popular da China (RPC). Questionava-se “se o Presidente da República de Portugal estará à chegada do Presidente da RPC, dando-se o inverso na cerimónia de partida  do Presidente português”. O Gabinete de Vasco Rocha Vieira afirmava que seria “de ponderar esta hipótese”, em nome da “amizade luso-chinesa”.
As autoridades chinesas sugeriram também “o estudo da hipótese de um encontro entre os dois presidentes, bem como a possível participação do presidente chinês na cerimónia portuguesa. Sendo desejo dos chineses a presença do Presidente da República na cerimónia chinesa, então deveria a delegação chinesa estar, igualmente, presente na cerimónia portuguesa”.
Num documento datado de 10 de Dezembro de 1999, já se encontrava definido o programa oficial a cumprir por Jorge Sampaio, que chegou a Macau no dia 17, partindo já no dia 20, às 00h30, para Banguecoque.
Nesse dia, Jorge Sampaio falaria numa cerimónia que constituía “um momento essencial e único da História de Macau”. Para Portugal não se tratava “apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a RPC do exercício de soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa”.
Vasco Rocha Vieira despedia-se do território com poesia. “Saudade de Macau. Saudade do seu futuro. Até sempre.”

20 Dez 2019

Carlos Gaspar: “Tínhamos garantias de que Pequim estava preparado para cumprir ‘Um País, Dois Sistemas’”

[dropcap]O[/dropcap] actual presidente do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, e ex-assessor de Jorge Sampaio para a questão de Macau, Carlos Gaspar, recordou ao HM que, apesar de Portugal ter “aceite livremente” o acordo que deu origem à transferência de poderes de administração do território de Macau para a China, “foi difícil” para o país “ter perdido” o território.

“Há uma história que contam para explicar porque é que a Rainha de Inglaterra não foi a Hong Kong. É uma frase prosaica, de um oficial da armada britânica, que diz que o seu soberano não gosta de dar coisas a ninguém. E nós também não”, acrescentou Carlos Gaspar.

Carlos Gaspar assegurou ainda que, não fosse a abertura económica da China, não haveria a transferência de administração de Macau e Hong Kong. “A transferência de poderes em Macau e Hong Kong foi possível porque houve um período de liberalização do regime comunista na República Popular da China com Deng Xiaoping, e é nesse contexto que essa transferência de poderes é admissível.”

“Quando assinámos os acordos que definem o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, tínhamos garantias suficientes de que o regime político em Pequim estava preparado para cumprir esse princípio, e continuamos a acreditar que seja assim”, frisou Carlos Gaspar.

Macau no conflito sino-soviético

No seu mais recente livro, “O Regresso da Anarquia – Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a ordem internacional”, Carlos Gaspar recorda como Macau era uma questão “relevante” no conflito sino-soviético.

“Os soviéticos acusavam os chineses de permitirem, ao contrário dos indianos, que tinham expulsado os portugueses de Goa pela força, que a China tolerava os colonialistas portugueses em Macau e era uma questão sensível.”

No entanto, aquando do 25 de Abril de 1974, a que se seguiu um período de descolonização em África, “nunca houve forças políticas portuguesas que defendessem a devolução de Macau à China”.

“O Partido Comunista Português (PCP) poderia ter levantado essa questão para embaraçar a China, pois estávamos em pleno conflito sino-soviético, mas o PCP não o fez de forma aberta. Não temos nenhuma indicação de que pessoas concertas defenderam essa posição em Macau ou que tivessem instruções políticas para o fazer. Mas talvez um dia venhamos a ter”, frisou Carlos Gaspar.

20 Dez 2019

Carlos Gaspar: "Tínhamos garantias de que Pequim estava preparado para cumprir ‘Um País, Dois Sistemas’”

[dropcap]O[/dropcap] actual presidente do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, e ex-assessor de Jorge Sampaio para a questão de Macau, Carlos Gaspar, recordou ao HM que, apesar de Portugal ter “aceite livremente” o acordo que deu origem à transferência de poderes de administração do território de Macau para a China, “foi difícil” para o país “ter perdido” o território.
“Há uma história que contam para explicar porque é que a Rainha de Inglaterra não foi a Hong Kong. É uma frase prosaica, de um oficial da armada britânica, que diz que o seu soberano não gosta de dar coisas a ninguém. E nós também não”, acrescentou Carlos Gaspar.
Carlos Gaspar assegurou ainda que, não fosse a abertura económica da China, não haveria a transferência de administração de Macau e Hong Kong. “A transferência de poderes em Macau e Hong Kong foi possível porque houve um período de liberalização do regime comunista na República Popular da China com Deng Xiaoping, e é nesse contexto que essa transferência de poderes é admissível.”
“Quando assinámos os acordos que definem o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, tínhamos garantias suficientes de que o regime político em Pequim estava preparado para cumprir esse princípio, e continuamos a acreditar que seja assim”, frisou Carlos Gaspar.

Macau no conflito sino-soviético

No seu mais recente livro, “O Regresso da Anarquia – Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a ordem internacional”, Carlos Gaspar recorda como Macau era uma questão “relevante” no conflito sino-soviético.
“Os soviéticos acusavam os chineses de permitirem, ao contrário dos indianos, que tinham expulsado os portugueses de Goa pela força, que a China tolerava os colonialistas portugueses em Macau e era uma questão sensível.”
No entanto, aquando do 25 de Abril de 1974, a que se seguiu um período de descolonização em África, “nunca houve forças políticas portuguesas que defendessem a devolução de Macau à China”.
“O Partido Comunista Português (PCP) poderia ter levantado essa questão para embaraçar a China, pois estávamos em pleno conflito sino-soviético, mas o PCP não o fez de forma aberta. Não temos nenhuma indicação de que pessoas concertas defenderam essa posição em Macau ou que tivessem instruções políticas para o fazer. Mas talvez um dia venhamos a ter”, frisou Carlos Gaspar.

20 Dez 2019

Costa Nunes | Falta de provas iliba suspeito de abusos sexuais 

Chegou ao fim o processo do alegado caso de abusos sexuais no jardim de infância D. José da Costa Nunes. A TDM Rádio Macau noticiou ontem que um juiz de instrução criminal decidiu ilibar o suspeito da prática do crime. Miguel de Senna Fernandes diz que as autoridades fizeram a melhor investigação possível, mas um dos pais disse que este resultado “era óbvio desde o início”

 

[dropcap]U[/dropcap]m juiz de instrução criminal decidiu ilibar o antigo funcionário do jardim de infância D. José da Costa Nunes da prática do crime de abuso sexual por falta de provas. De acordo com a TDM Rádio Macau, o despacho de não pronúncia e o consequente arquivamento do caso foi decidido no final de Novembro.

As autoridades já tinham dado o caso como encerrado, mas em Maio deste ano um grupo de pais de crianças envolvidos neste processo decidiram pedir a abertura da instrução por não concordarem com a decisão do Ministério Público (MP) e por considerarem que houve falhas na investigação.

Ao HM, um dos pais ligados ao caso, e que não quis ser identificado, mostra-se descontente com este desfecho, sem estar, no entanto, surpreendido. “Era algo óbvio desde o início. Macau não está nem tem condições para lidar com este tipo de casos”, disse. “Não vale a pena remar contra as autoridades. Macau é assim, é triste mas é a realidade”, acrescentou.

Além do despedimento do funcionário, este caso levou também ao afastamento da psicóloga da instituição e de uma educadora.

Mais atento

Miguel de Senna Fernandes, presidente da entidade que tutela o jardim de infância, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), disse que não se pode apontar o dedo às autoridades.

“As coisas como são, o sujeito está livre, não há nenhum processo contra ele e pode sair em liberdade. Não há nada de mal na justiça porque aplica-se um princípio, pois se não existem provas não se podem presumir que haja provas. Isto independentemente das razões ou das emoções que existam à volta deste processo.”

O presidente da APIM garantiu estar mais atento face a este tipo de situações. “Acredito que a polícia fez o que era possível fazer e levou a cabo a melhor investigação possível. O caso teve um impacto enorme. Não comento se a investigação foi ou não bem feita, acredito que se fez o melhor possível”, concluiu.

19 Dez 2019

Costa Nunes | Falta de provas iliba suspeito de abusos sexuais 

Chegou ao fim o processo do alegado caso de abusos sexuais no jardim de infância D. José da Costa Nunes. A TDM Rádio Macau noticiou ontem que um juiz de instrução criminal decidiu ilibar o suspeito da prática do crime. Miguel de Senna Fernandes diz que as autoridades fizeram a melhor investigação possível, mas um dos pais disse que este resultado “era óbvio desde o início”

 
[dropcap]U[/dropcap]m juiz de instrução criminal decidiu ilibar o antigo funcionário do jardim de infância D. José da Costa Nunes da prática do crime de abuso sexual por falta de provas. De acordo com a TDM Rádio Macau, o despacho de não pronúncia e o consequente arquivamento do caso foi decidido no final de Novembro.
As autoridades já tinham dado o caso como encerrado, mas em Maio deste ano um grupo de pais de crianças envolvidos neste processo decidiram pedir a abertura da instrução por não concordarem com a decisão do Ministério Público (MP) e por considerarem que houve falhas na investigação.
Ao HM, um dos pais ligados ao caso, e que não quis ser identificado, mostra-se descontente com este desfecho, sem estar, no entanto, surpreendido. “Era algo óbvio desde o início. Macau não está nem tem condições para lidar com este tipo de casos”, disse. “Não vale a pena remar contra as autoridades. Macau é assim, é triste mas é a realidade”, acrescentou.
Além do despedimento do funcionário, este caso levou também ao afastamento da psicóloga da instituição e de uma educadora.

Mais atento

Miguel de Senna Fernandes, presidente da entidade que tutela o jardim de infância, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), disse que não se pode apontar o dedo às autoridades.
“As coisas como são, o sujeito está livre, não há nenhum processo contra ele e pode sair em liberdade. Não há nada de mal na justiça porque aplica-se um princípio, pois se não existem provas não se podem presumir que haja provas. Isto independentemente das razões ou das emoções que existam à volta deste processo.”
O presidente da APIM garantiu estar mais atento face a este tipo de situações. “Acredito que a polícia fez o que era possível fazer e levou a cabo a melhor investigação possível. O caso teve um impacto enorme. Não comento se a investigação foi ou não bem feita, acredito que se fez o melhor possível”, concluiu.

19 Dez 2019

Mattie Do, primeira e única mulher realizadora do Laos: “Vivenciei a morte em primeira mão”

A história da ligação de Mattie Do com o cinema é tudo menos comum. A ex-professora de ballet deixou Los Angeles para regressar ao Laos por questões familiares, mas acabou a fazer filmes. A única e primeira mulher a fazer cinema neste país do sudeste asiático esteve na última edição do Festival Internacional de Cinema de Macau a apresentar “The Long Walk”, um filme que começou a ser feito no território

 

[dropcap]Q[/dropcap]ual a sensação de estar neste festival com o seu filme, tendo em conta que o projecto nasceu em Macau? Como foi esse processo?

É uma grande emoção. É tão bom estar de volta. Eu e a minha equipa rimo-nos quando aqui chegámos por sentimos este lugar como nosso, como se estivéssemos em casa, porque nós estivemos aqui na primeira edição. Lembro-me de ver as dores de crescimento deste festival desde o dia em que começou e tem sido incrível porque quando falámos do filme, e é um filme algo conceptual e complicado, as pessoas diziam sempre “isso é um filme de loucos, não sei como é que será feito”. Depois disso conhecemos muitos parceiros enquanto aqui estivemos e no momento em que terminámos a produção eles queriam que o nosso projecto fizesse parte do festival. Eu vim literalmente da selva e em dez dias estava em Macau a mostrar clips da fase de produção. Tinha escaldões e o aspecto de um animal qualquer acabado de chegar da selva. E agora estou aqui no tapete vermelho. Depois de terminarmos o filme, acabámos por ser seleccionados para estar no festival, por isso este sítio é muito familiar para nós e estão todos muito contentes por nos receber outra vez.

Pode falar-nos mais de “The Long Walk”?

Há muitos elementos deste filme que vieram da minha vida real. Perdi (para um cancro) a minha mãe quando tinha 25 anos e ela morreu em minha casa. Ela estava connosco e a forma como retrato a morte no geral é muito feia, nada romantizada, porque vivenciei a morte em primeira mão. Também passei pela morte do meu cão, que morreu há dois ou três anos depois de o mandarmos abater, porque ele já estava muito velho e tinha uma doença terminal. Isso afectou muito a minha vida. Vivi com muita tristeza, e com muito arrependimento acerca daquilo que podia ter feito de diferente e, na verdade, o meu cão já tinha 17 anos, e a minha mãe tinha um cancro de nível 4, portanto não havia nada que pudéssemos ter feito. Mas são coisas que ficam contigo e acabas sempre por pensar “se tivéssemos ido ao médico mais cedo” ou “se eu pudesse mudar algo”, mas não é possível. Não podemos mudar o tempo e foi por isso fiz este filme, de certa forma para lidar com a minha dor e com a minha perda. Outro aspecto, o de ser deixado para trás, não é apenas o facto de sentir que eu fui deixada para trás pela minha mãe e pelo meu cão, mas que o próprio Laos foi deixado para trás. O Laos é um país com mais de 450 anos de história mas muitos de nós, eu incluída, vivemos em ruas onde a estrada é de terra batida. A nossa cultura é muitas vezes esquecida e o mundo muitas vezes nem se apercebe que existimos. Mas quando nos visitam, muita gente age como se fosse a nossa salvação e dizem-nos o que precisamos de fazer para resolver todos os nossos problemas. Obviamente que muitos aspectos melhoraram, mas muitas vezes sinto alguma repulsa pelo estado de desenvolvimento do Laos que acaba por lentamente entrar novamente num estado de entropia… e é isto o filme.

Porquê filmes de terror?

Adoro o género. Cresci a ver filmes de terror, mas não foram assim tantos. A dada altura tornei-me bailarina e por isso não tinha muito tempo para ver filmes. No entanto, todas as histórias dos bailados pendiam para aí também. “Giselle” tinha fantasmas, “Le Coirsaire” é um thriller com piratas. Por isso estas sempre foram as minhas influências. Gosto de terror, mas também acho que é mais divertido. Não podemos levar-nos demasiado a sério, somos realizadores, fazemos filmes, não salvamos vidas como os médicos ou educamos as futuras gerações como os professores. Quero divertir-me quando faço um filme, mas, ao mesmo tempo, se quiser passar uma mensagem, esta é uma forma maravilhosa de ser bastante séria, porque através do terror posso exagerar os elementos e as pessoas podem ver uma versão exagerada daquilo que pode vir a acontecer. Não temos de ser tão sérios, podemos ser mais arrojados, podemos passar uma mensagem para o público que é, digamos, “escalada”.

Quais os principais desafios com os quais se deparou no processo de produção e filmagens?

Toda a minha vida senti dificuldades a fazer filmes (risos). Temos de encontrar sempre soluções independentemente do que aconteça. Como realizadora não tenho muito acesso a coisas que os outros realizadores têm no resto do mundo, porque no Laos não existe uma indústria cinematográfica muito desenvolvida, não temos profissionais qualificados, não temos sequer actores. O actor mais velho do filme é talvez o mais experiente, todos os outros são pessoas normais que encontrei nas aldeias. Mas as dificuldades, para mim, não são desafios, pois tenho de lidar com elas diariamente. E se é um problema então não deveria fazer filmes, de todo. Para mim os desafios sempre foram a norma, e as soluções são sempre algo criativo. Tenho uma forma muito própria de trabalhar, sou muito próxima da minha equipa e conheço todos pelo primeiro nome. Para mim o mais importante, não importa o orçamento que tenha, é ter esta intimidade com a equipa e depois fazer histórias interessantes. Isto porque a única razão pela qual sou realizadora é para contar histórias que nunca foram reveladas antes, não percebo porque é que as pessoas reciclam histórias vezes sem conta. Estou farta disso!

Porque decidiu voltar ao Laos depois de viver em Los Angeles, e como foi a sua entrada na indústria do cinema?

Não decidi fazer filmes, de todo. Simplesmente aconteceu. Foi uma reviravolta! (risos). O que aconteceu é que regressei ao Laos para cuidar do meu pai, que estava numa relação turbulenta. Não era uma artista na altura, era professora de ballet, e toda a minha família estava ocupada com aquilo que chamam de trabalhos a sério, e professora de ballet não o era. Conhecemos um grupo de pessoas que nos pediram para escrever a história de um filme, e o meu marido disse “claro que sim, porque sou escritor”, e foi assim que me tornei realizadora.

Qual a importância de ser a primeira e única mulher do Laos a fazer cinema? Isso pode encorajar outras pessoas a fazer o mesmo?

Literalmente a minha carreira como professora de ballet levou-me a fazer filmes, e na verdade estabeleci um passo importante na indústria de cinema do Laos. Espero que a minha história leve mais mulheres a fazer cinema e também para mim o mais importante é que posso contar histórias com uma perspectiva feminina.  Uma das razões pelas quais gosto de fazer os meus filmes é porque são histórias de raparigas.

Como olha para o cinema asiático que se faz actualmente?

Estou muito interessada na nova geração de cinema. Sinto mesmo que estou numa nova marca de cinema, porque surgi do nada quando conheci os meus amigos asiáticos que são também novos realizadores. É tudo muito rock and Roll comigo, e adoro isso. Por um tempo, quando comecei a fazer filmes, senti que havia uma forte percepção do que é o cinema asiático e do que deveria ser. Havia a ideia de que para estar num festival de cinema asiático tínhamos de fazer um determinado tipo de filme, e eu sempre odiei isso.

18 Dez 2019