Macau Visto de Hong Kong VozesMultar a inconsciência (II) David Chan - 16 Set 2025 Na semana passada, analisámos as medidas levadas a cabo em Shenzhen, na China continental, sob a forma de multas aplicadas ao abrigo dos “Regulamentos sobre o Estabelecimento em Shenzhen Dapeng, da Primeira Portaria de Prevenção de Desastres Naturais na China.” Esta medida punitiva foi aplicada pela primeira vez na China no quadro desta regulamentação. As multas foram passadas a dois turistas por terem “invadido uma área restrita” durante um alerta azul levantado pelos Serviços de Meteorologia. Hong Kong e Macau também têm legislação para proibir as entradas em áreas restritas. Estas regulamentações partilham uma característica: destinam-se a impedir a entrada em áreas restritas sem autorização. No entanto, não existe legislação para regular a prática de actividades perigosas como a perseguição e tufões e o surf. Em Setembro de 2013, o Tufão Usagi atingiu Hong Kong. Algumas pessoas arriscaram a vida para mergulharem na tempestade, serem empurrados pelo vento ao ponto de não conseguirem andar, ficarem completamente encharcados e mesmo assim ainda exclamaram, “Que fixe! Isto é tão emocionante!” Um rapaz chegou a declarar, “Jovens, se não viverem agora, vão viver quando?” Uma mulher tirou fotografias junto ao Usagi. Enquanto os jovens desfrutavam da ventania, os pais levavam os filhos à praia para “observar as ondas.” No Cais Star Ferry em Tsim Sha Tsui, ondas gigantescas embatiam contra a costa a cada meia dúzia de segundos e os “observadores de ondas” estavam extremamente excitados e aplaudiam alto e bom som. Alguns casais chegaram a dançar no meio da borrasca, enquanto outros apenas tiravam fotografias de ondas com dois andares de altura. Durante um desastre natural, se alguém descuidar a segurança, em prol do prazer pessoal, tiver um comportamento perigoso em áreas consideradas passíveis de desastre ou ficar preso e precisar de ser resgatado põe a sua vida em perigo e a dos outros. Sabe-se que quem trabalha em operações de resgate em circunstâncias muito duras tem uma alta probabilidade de correr graves riscos. Em 2017, o bombeiro de Hong Kong Yau Siu-ming morreu durante um salvamento em Ma On Shan. Uma das pessoas que estavam a ser resgatadas era um oficial da polícia fora de serviço. Embora mais tarde se tenha desculpado perante a família do falecido, declarando que tinha sobrevalorizado as suas capacidades e não tinha prestado atenção ao aviso “Não é Permitida a Entrada”, nada disto impediu a morte de Yau. A sociedade pode aprovar várias leis para punir quem tem comportamentos perigosos como mergulhar no centro das tempestades, observar ondas, tirar fotografias durante a passagem de tufões e descuidar a segurança pessoal durante a ocorrência de desastres naturais, e exigir que paguem as custas das operações de resgate. Contudo, existem vários pontos que devem ser considerados quando se legisla. Primeiro, como definir comportamento perigoso? A legislação que proíbe, durante a ocorrência de desastres naturais, as entradas em áreas de risco, a circulação em pontes, a entrada em parques naturais é fácil de aplicar. É simplesmente proibida a entrada em áreas restritas. Comportamentos perigosos como expor-se às intempéries, observar ondas, tirar fotos durante a passagem de tufões, embora fáceis de entender, são difíceis de definir do ponto de vista legal. Por exemplo, uma pessoa pode estar na praia durante um tufão a observar o horizonte, mas será que sente o vento? Está a observar as ondas, ou estará a fazer qualquer outra coisa? Quanto mais simples for o comportamento mais difícil é de definir do ponto de vista legal. Sem definição de actos específicos, é difícil regulamentá-los legalmente e ainda mais processar alguém por essas práticas. Porque estes actos são tão simples, não é fácil listar todos os comportamentos perigosos quando se fazem propostas de lei e algumas omissões são inevitáveis. É previsível que as leis destinadas a regulamentar comportamentos perigosos, precisem de ser continuamente revistas depois da promulgação para abranger uma maior variedade de comportamentos perigosos. Tanto a China como Macau utilizam a lei estatutária, que exige alterações legais através de procedimentos regulamentais. Quanto mais as leis são revistas, maior é o número de procedimentos envolvidos e maiores são as custas. Hong Kong implementa o sistema de direito consuetudinário através da Lei Básica. Os tribunais podem rever a definição dos diferentes comportamentos perigosos com base nos precedentes. Embora este quadro legal reduza o número de vezes que o Governo de Hong Kong tem de rever as leis, as custas permanecem mais ou menos iguais; simplesmente passa da alteração de portarias para a definição de comportamentos perigosos através da jurisprudência. Quer se trate de resgatar pessoas que entraram em áreas de risco ou de salvar os que se envolvem em actividades perigosas durante a ocorrência de desastres naturais, as equipas de salvamento precisam de muita gente e de uma grande quantidade de equipamento especializado. Os custos das operações de resgate são elevados e estão para além do alcance das pessoas comuns. Ao passo que podemos promulgar leis que obriguem quem descuida a sua própria segurança a arcar com as despesas do salvamento, como é que se pode obrigar a pagar que não tem dinheiro? Em último caso, quando alguém não pode pagar, terá de ser o Governo a cobrir as custas. Os fundos governamentais são alimentados pelos contribuintes. Por conseguinte, em última análise, é a sociedade que suporta o fardo. Não está certo que a sociedade pague os danos provocados por aqueles que se envolvem em actividades perigosas. Mesmo sem legislação, todos devem compreender que durante um desastre natural, descuidar a segurança pessoal e praticar caminhadas, surf ou ski aquático coloca o próprio em risco mas também quem o vai resgatar. Em vez de punir aqueles que arriscam comportamentos perigosos, é preferível educar as pessoas sobre os perigos envolvidos e também sobre os danos potenciais a terceiros. Por consideração para connosco próprios e para com os outros, devemos mantermo-nos a salvo durante a ocorrência de desastres naturais. Mantermo-nos a salvo sem precisar de resgate é um serviço que prestamos à sociedade. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo