Inteligência artificial generativa

Recentemente, uma estação de televisão de Hong Kong transmitiu um programa onde os entrevistados eram convidados a assistir a várias reportagens e identificar quais dos jornalistas eram pessoas reais e quais eram criados por inteligência artificial generativa (IAG). Veio a perceber-se que a maioria das pessoas teve dificuldade de distinguir entre os dois.

A realização deste programa decorreu da recente ascensão galopante da inteligência artificial, especialmente da tecnologia de vídeo IAG. Através da tecnologia de síntese de imagem e som, combinada com o tratamento das matérias em análise, a IAG pode gerar conteúdos de vídeo de alta qualidade, reduzindo significativamente os custos e o tempo de produção e tornando-se muito atractiva.

Esta tecnologia inovadora de produção de vídeo tem imensas possibilidades de aplicação a muitos níveis do nosso dia a dia. Por exemplo, pode ser usada para nos pôr em contacto com parentes falecidos e permitir voltarmos a “encontrá-los”. A comunicação social publicou uma notícia sobre uma mulher que não conseguiu ver o pai antes dele falecer porque se atrasou no regresso a casa, facto que muito lamentou. Sentia-se muito triste sempre que via os registos de conservas que mantinha com o pai no WeChat. Posteriormente, viu na Internet um serviço de IAG para “ressuscitar” familiares, e entregou a esta empresa os registos das gravações e das fotos do pai. Acabou por receber um vídeo de cerca de 30 segundos, que lhe permitiu voltar a “ver” o pai e a ouvir a sua voz, compensando-a dos momentos que perdeu.

No entanto, a tecnologia IAG também trouxe efeitos adversos que não podem ser ignorados, como vídeos com conteúdos falsos, roubo de imagem de pessoas reais e disseminação de informações falsas, etc. Esses casos mostraram uma significativa tendência de crescimento em 2022. Tomando os Estados Unidos como exemplo, em comparação com o mesmo período de 2021, a proporção de casos de fraude nesta área aumentou de 0,2 por cento para 2,6 por cento; em países desenvolvidos, como o Reino Unido, a Alemanha e a Itália, os casos de fraude semelhantes representaram 5 por cento do total.

Registaram-se também casos de fraude na Região Administrativa Especial de Hong Kong relacionados com manipulação de identidade. Em Janeiro de 2024, circulou na Internet um vídeo que “mostrava” o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Lee Ka-chiu, reunido com os meios de comunicação social. No vídeo, o “Chefe do Executivo” incentivava os residentes de Hong Kong a investirem num programa de aplicação (ou seja, aplicação móvel) e afirmava que os lucros obtidos estariam isentos de impostos. O golpista alegava que, investindo 2.000 dólares de Hong Kong (HKD), se poderia obter um retorno mensal de 90.000 HKD. A voz era muito semelhante à de Lee Ka-chiu, tornando-se difícil perceber o engano. Mais tarde, o Governo de Hong Kong esclareceu a origem criminosa do vídeo e o roubo de identidade com o objectivo de enganar as pessoas. O caso foi entregue à polícia para investigação.

Estes exemplos alertam-nos para o facto de que as imagens que vemos e os sons que ouvimos através dos meios electrónicos podem não provir necessariamente de fontes fidedignas. Se estas tecnologias forem utilizadas para cometer crimes, as consequências serão desastrosas. Portanto, a forma de legislar e regular a aplicação da IAG passará a ser uma questão crucial.

Já em 2021, o “Office of the Privacy Commissioner for Personal Data” (Gabinete do Comissariado para a Privacidade dos Dados Pessoais) elaborou as “Directrizes para os Padrões Éticos do Desenvolvimento e Utilização da Inteligência Artificial”. As directrizes centravam-se na protecção de dados pessoais. Mas é preciso entender que as directrizes não são leis. Se uma empresa não respeitar estas orientações, não está a cometer uma ilegalidade e o Governo de Hong Kong não a pode processar.

Em contrapartida, a China implementou as “Medidas Provisórias para a Gestão de Serviços de Inteligência Artificial Generativa” a partir de 15 de Agosto de 2023, tornando-se o primeiro conjunto de leis do meu país sobre esta matéria. As medidas estipulam que os prestadores de serviços de inteligência artificial generativa e/ou os utilizadores devem evitar difundir informações falsas e prejudiciais e respeitar os direitos de propriedade intelectual de terceiros, os segredos comerciais, o direito de privacidade, etc., e impedir a utilização de tais serviços em acções de monopólio e de concorrência desleal, etc.

A IAG encontra-se ainda numa fase de desenvolvimento em Macau e muitos dos seus residentes utilizam-na apenas para criar vídeos, belas fotos, para escrever, etc. Há algum tempo, a Polícia Judiciária de Macau afirmou nunca ter recebido qualquer queixa relacionada com fraudes nesta área, mas os residentes da cidade devem ter cuidado e verificar os pedidos de entregas de dinheiro feitos por supostos parentes e amigos através de gravações de vídeo ou de voz.

Na era actual de rápido desenvolvimento tecnológico, as imagens que vemos e os sons que escutamos podem não ser reais. É inevitável legislar a IAG e estabelecer responsabilidades legais. Além disso, a sociedade de Macau poderá ter de ponderar a necessidade de adoptar um sistema de licenciamento para supervisionar as empresas de IAG e o pessoal que trabalha nesta área. No entanto, a legislação e a regulamentação não podem ser feitas num curto espaço de tempo. A principal prioridade é que a sociedade de Macau reforce a publicidade e a educação para sensibilizar o público para a prevenção de fraudes relacionadas com a IAG. Ao mesmo tempo, nós próprios devemos estudar mais este fenómeno, estar mais vigilantes e evitar ser enganados, para que todos os habitantes de Macau possam vir a beneficiar.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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