Via do MeioFalando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 Hoje Macau - 6 Mar 2023 Tradução de André Bueno (continuação) 141. Compartilhar com os outros o peso de suas faltas, e não dividir a glória de seus méritos: isso atrairá ciúmes mútuos. Passar junto com os outros suas atribulações e dificuldades, mas não dividir com eles sua paz e alegria: isso leva a inimizade mútua. 142. Um Educado que caiu na pobreza não pode ajudar os outros com bens materiais; mas ao encontrar alguém que perdeu o Caminho, pode lhe dizer algumas palavras boas e ajudá-lo; ao encontrar alguém que passa pela adversidade, pode dizer palavras amáveis e resgatá-lo. Isso se constitui num bem incomensurável. 143. Famintos, buscamos ajuda de alguém; satisfeitos, vamos embora. Frente ao poderoso, nos apressamos e aproximamos; frente ao pobre, o abandonamos. A natureza das relações humanas tem seus problemas. 144. Uma pessoa virtuosa aclara sua visão, de modo a ser sóbrio, e é cuidadoso em não ser apressado com sua conduta reta e justa. 145. A virtude segue a tolerância, e a tolerância cresce com o conhecimento. Assim, quem deseja aprofundar a virtude, não pode deixar de lado a tolerância; e se aspira à tolerância, não pode se contentar com pouco conhecimento. 146. Quando a luz da lâmpada é tênue como um vaga-lume, e as dez mil flautas não produzem nenhum som; esse é o estado de ‘alegria e repouso’* que alguém pode alcançar. No meio da madrugada, quando não há nenhum barulho; é como emergir no próprio caos original, antes da criação. Se aproveitarmos esses momentos para refletir sobre nós mesmos, perceberemos que ouvidos, bocas e nariz não são mais que correntes e grilhões, e que nossos desejos e vontades nos desviam do verdadeiro entendimento. *Serenidade, equilíbrio interno e desprendimento do ambiente advindos da meditação. 147. Aquele que exercita a introspecção, converte as coisas em remédios e agulhas de pedra; o que critica e culpa os demais, faz com que o pensamento seja como uma adaga ou uma lança. Uma atitude abre o Caminho para todos os bens; outra, para todos os males. Ambas estão tão separadas como o Céu e a Terra. 148. As obras e os escritos perecem com seus criadores, mas o espírito delas permanece por dez mil anos. Um grande nome e a riqueza podem mudar o mundo; mas para a sinceridade moral, mil anos são apenas um dia. O Educado nunca deve trocar o valioso pelo vão. 149. Ao jogar uma rede de pesca, às vezes cai nela uma folha; o louva-deus vem comê-la, mas vira presa de um pardal. Existem engrenagens nas engrenagens, e mudanças nas mudanças; de nada vale a astúcia vã do ser humano. 150. Uma pessoa sem pensamentos sinceros é como um adorno de vestir, superficial e vazio. Uma pessoa que trata o mundo sem maleabilidade e atenção é como um boneco de madeira: duro, encontra obstáculos em todos os lugares. 151. Águas tranqüilas não têm ondas; um espelho limpo não tem pó. O coração não precisa ser limpo; apenas afaste os pensamentos impuros, e ele ficará puro. A felicidade não pode ser encontrada; apenas afaste a dor do coração, e ela surge. 152. Apenas um pensamento pode ir contra as proibições dos deuses e espíritos; apenas uma palavra pode acabar com a comunhão do Céu da Terra; apenas uma única ação pode desgraçar nossos filhos e netos. Devemos ser cuidadosos e conscientes de nossos atos. 153. Existem coisas que, quanto mais buscamos, mais nos escapam ao entendimento; do mesmo modo, quando não estamos mais ansiosos por elas, elas aparecem de modo natural a nossa frente. Existem pessoas que recusam ajuda, mas ao deixá-las por si mesmas, elas abandonam seus interesses. Não se deve pressionar, nem provocar, aqueles que são muito obstinados. 154. Ainda que sua moralidade seja alta como as nuvens, e seus escritos puros como neve branca; se essas coisas não foram modeladas pela virtude, ao fim, todas as suas ações se basearam no egoísmo, e toda a sua técnica e capacidade serão Nada. 155. Retire-se do seu posto de trabalho quando está no auge da prosperidade, e se transfira para um lugar tranqüilo e retirado. 156. Quanto à virtude, seja atento e cuidadoso com as mínimas coisas; Quanto à generosidade, exercite-a com quem não pode retribuir. 157. Ser amigo de um mercador não é tão bom quanto ser amigo de um asceta; ser recebido nas portas vermelhas* não é tão bom quanto freqüentar casas brancas**; escutar as conversas nas ruas não é tão bom quanto ouvir o canto dos pássaros ou as canções dos pastores; e comentar os erros das pessoas de hoje não é tão bom quanto refletir sobre a virtude dos antigos. *Portas Vermelhas: Casas de pessoas ricas ou importantes. ** Casas brancas: residências humildes ou pobres. 158. A virtude é a base do sucesso; sem raízes não há frutos, sem alicerce não há casa que dure. 159. Um bom coração é a raiz da prosperidade das gerações futuras; sem raiz, não há crescimento, folhas e plantas não florescem. 160. Os antigos diziam: ‘abandone seu lugar sem guardar nada, e passe pelas portas com uma cuia de esmolas, como o filho de um pobre’. Também diziam: ‘o filho de um pobre não deve dizer que é rico, como um louco sonhador; onde já se viu uma estufa com fogo, mas sem fumaça?’ O primeiro provérbio nos aconselha a conhecer a nós mesmos; o segundo, a nos guardar contra soberba. Ambos devem servir de guia em nossos estudos. 161. Seguir o Caminho é algo para todos, mas cada um tem o seu próprio. O estudo [do Caminho] é como cozinhar, ou fazer os trabalhos cotidianos; deve-se estar preparado e atento. 162. Aquele que age de boa fé atua com sinceridade, mesmo que os outros não sejam sinceros; Aquele que suspeita de tudo age com falsidade, mesmo que os outros não sejam falsos. 163. Uma pessoa de pensamento generoso é como o vento da primavera que faz florescer a Terra, e que faz as Dez mil coisas se desenvolverem. Uma pessoa de pensamento egoísta é como a neve do norte, sombria e gelada, que traz a morte a tudo que toca. 164. Ao se fazer o bem não se vê os benefícios; é como um melão, que cresce no mato sem ser notado. Ao se fazer o mal não se vê os danos; é como geada, que cai no pátio no fim da primavera, e quase não se nota o avanço da decadência. 165. Ao encontrar um velho amigo, o afeto é maior do que antes; Ao encontrar conhecimento oculto e secreto, a ansiedade deve ser controlada; Ao tratar dos mais velhos e incapazes, nossa cortesia e respeito devem ser ainda maiores. 166. Aquele que é realmente diligente se aprimora na virtude e na moral; mas existem aqueles que só são diligentes para escapar da pobreza. Aquele que realmente é simples é indiferente a comodidades e riquezas; mas existem pessoas que utilizam a simplicidade para disfarçar sua obtusidade. É uma pena que aquilo que o Educado usa pra se cultivar, as pessoas pequenas usam para suas mesquinharias. 167. Quem se move, impulsionado pela animação, acaba ficando parado; uma roda não gira pra trás. Quem se baseia apenas na percepção, acaba ficando confuso e nada compreende. Guarde: uma lâmpada não ilumina para sempre. 168. O apropriado é perdoar os erros alheios, e evitar cometê-los. O apropriado é ter paciência com nossas adversidades, mas não com a que os outros sofrem. 169. Aquele que evita as convenções é especial; mas aquele que as busca para se diferenciar é um excêntrico. Aquele que não se contamina com coisas banais é puro; mas aquele que se desliga de tudo que é banal é um radical. 170. Ao praticar o Humanismo, o apropriado é ir do pouco ao muito; do contrário, as pessoas se esquecerão rápido dos benefícios recebidos. Ao exercer a autoridade, é apropriado ir da severidade a tolerância; do contrário, as pessoas se ressentirão amargamente. 171. Sem pensamentos impuros, a verdadeira essência do coração aflora. Buscar a verdadeira essência, sem um coração tranquilo, é como fazer ondas na água querendo ver o reflexo da lua. Se os pensamentos são puros, o coração estará sempre limpo. Buscar um coração brilhante, sem pensamentos puros, é como buscar brilho em um espelho empoeirado. 172. Se tenho fama e poder, as pessoas me saúdam; mas o que elas buscam, mesmo, é meu cinto de oficial e meus distintivos. Se me acho na pobreza, as pessoas me desprezam; mas o que elas desprezam, mesmo, são minhas roupas gastas e humildes. Assim, se de fato não meu saúdam, porque me sentir lisonjeado? Se não me desprezam, porque me sentir afrontado? 173. Diz um provérbio: ‘Deixe um pouco de arroz pros ratos, e apague a lâmpada para os cupins’. Essa atitude compassiva dos antigos é o que faz com que a humildade prospere e floresça. Sem essa atitude, as pessoas não são mais do que uma casca vazia, um templo sem alma. 174. A essência do coração é como a essência do Céu: um pensamento de felicidade, e aparecem estrelas e nuvens de bom auspício; um pensamento desagradável, e desatam trovões e chuvas violentas. Um pensamento bom traz ventos suaves e orvalho doce; um pensamento incômodo é como o sol ardente, ou o gelo do outono. Como harmonizar os extremos? Seguindo as mutações do universo: depois que algo floresce, há a continuidade. Assim, de forma livre e sem obstáculos, se unem as essências do Céu e da Terra. 175. Sem ocupação, a mente facilmente obscurece; então, é necessária a tranqüilidade para aclarar as idéias. Ocupada demais, a mente facilmente se agita; então, é necessário aclarar a mente para devolver a tranqüilidade ao espírito. 176. Quem contempla as coisas está fora delas, e compreende os ganhos e as perdas de suas possíveis ações. Quem realiza as coisas está submerso nelas, e ignora as perdas e os ganhos de suas ações. 177. Um Educado, com alto cargo, deve ser incorruptível, mas deve ser amável e modesto. Não deve comprometer sua integridade de modo algum, nem buscar algo em proveito próprio. Não deve ser extremado, nem perder a centralidade, muito menos provocar enxames de insetos venenosos.* *Literalmente: atrair gente corrupta. 178. Aquele que alardeia moralidade atrai maledicência; quem se gaba de virtude e saber, receberá censura. Por isso, o Educado se afasta tanto da má quanto da boa reputação; ele apenas preserva sua integridade e gentileza, e onde mora, sua conduta é tida como exemplo. 179. Ao encontrar uma pessoa equivocada, use a sinceridade para mudar sua mente; ao encontrar uma pessoa violenta, use a calma e a gentileza para conquistá-la; ao encontrar uma pessoa malvada e egoísta, use seu bom nome e a energia moral para ensiná-la. Assim, não haverá nada, debaixo do Céu, que você não possa mudar com sua influência. 180. Um pensamento de bondade pode harmonizar o Céu e a Terra; Um coração, sem manchas, estende a fragrância de sua pureza por cem gerações. (continua) * O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas