Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 *

Tradução de André Bueno

(continuação)

11.
Aqueles que comem e bebem, de modo simples, são claros como gelo e puros como jade.
Aqueles que usam roupas finas, e comem sofisticadamente, encontram deleite na adulação de seus escravos.
As aspirações nobres vêm da pureza do coração, e a virtude pode ser alcançada abandonando-se os prazeres materiais.

12.
Seja reservado, mas também tolerante e generoso, e as pessoas não ficarão ressentidas.
Assim, suas obras durarão muito tempo, e as pessoas o recordarão com saudade.

13.
Dê um passo atrás, e deixe passar aquele que está no seu Caminho.
Essa é uma das condutas sociais mais agradáveis e seguras.

14.
Para viver de modo verdadeiro, não é preciso nenhum talento; apenas abandone os sentimentos vulgares, e isso a tornará uma pessoa autêntica.
Para seguir nos estudos, não é preciso nenhuma habilidade especial: apenas afaste as preocupações que o perturbam, e isso o aproximará do mundo dos sábios.

15.
Para fazer amigos, precisa-se de certa cortesia.
Para fazer-se verdadeiro, necessita-se de um coração puro.

16.
Não se adiante aos outros para receber favores e benesses; não recue por agir de modo correto; não se exceda na sua posição; não aceite favores; não se detenha num problema até esgotar o seu talento.

17.
Ao conduzir o povo, o Educado deve ser respeitoso e deixar a passagem livre. Ele dá um passo atrás, para depois avançar resoluto. Tratar as pessoas generosamente é parte da própria felicidade, e ajudar aos outros é ajudar a si mesmo.

18.
Todos os méritos e conquistas podem ser arruinados com apenas uma palavra desastrosa;
Todos os crimes e pecados podem ser absolvidos com apenas uma palavra de arrependimento verdadeiro.

19.
Uma boa reputação e uma moral elevada não devem servir somente a si mesmo, mas devem ser compartilhadas; assim, afastam-se os perigos.
Uma má reputação e uma conduta vergonhosa não devem afetar aos outros, senão a si mesmo; assim, se ocultam os talentos e se cultiva a virtude.*
*[No caso, a má reputação não é causada, necessariamente por um defeito moral da pessoa: ele pode ser vítima de uma intriga, e por isso, deve resguardar-se.]

20.
Em tudo que faço, deixo sempre uma pequena parte incompleta; assim, Deus não se incomodará, e os espíritos não me perturbarão.
Se em todos os negócios eu buscar a perfeição, e se em todas as coisas mundanas eu desejar ir além, não estarei incorrendo em nenhum erro íntimo, mas atrairei muita desgraça externa sobre mim.

21.
Nas disputas, existem regras de cortesia;
Na vida cotidiana, se encontra o Caminho;
Se as pessoas praticassem a sinceridade e a harmonia, usando palavras boas e ponderadas, pais e filhos não estariam separados.
A troca de idéias e o diálogo são melhores do que os exercícios respiratórios e as meditações.

22.
Uma pessoa ativa é como um relâmpago no meio das nuvens, ou como uma luz no meio da tormenta.
Uma pessoa inativa é como brasa que se apaga, ou uma árvore morta.
A essência do Caminho está no movimento da quietude, e na quietude do movimento, do mesmo modo com um pássaro atravessa as nuvens imóveis no Céu, ou um peixe nada pelas águas quietas do lago.

23.
Ao censurar alguém pelas suas faltas, cuide com seu temperamento;
Ao ensinar a moral para alguém, considere suas propensões.

24.
O besouro que vive no excremento é sujo, mas um dia vira cigarra, e bebe do vento outonal.
A erva podre não brilha, mas nela nascem os vaga-lumes que cintilam abaixo da lua de verão.
Assim, a pureza pode surgir da impureza, e o claro pode vir do obscuro.

25.
Presunção e arrogância são os extremos; controle-os, e cultivará atitudes saudáveis.
Desejos e enganos vêm de pensamentos impróprios; largue-os, e realizará sua verdadeira natureza.

26.
Quem come apenas para se saciar desfruta a verdadeira saciedade, e a gula desaparece.
Quem faz sexo apenas para se saciar desfruta a verdadeira calma, e a luxúria desaparece.
Por isso, se uma pessoa puder se arrepender de seus erros e se desfazer de suas obsessões, então sua natureza se acalmará e se centrará, e suas ações serão sempre sem erro.

27.
Ao estar na Corte, não se esqueça do cheiro da montanha e dos bosques;
Ao estar só no meio da floresta, não esqueça do cheiro dos livros.

28.
Ao viver em sociedade, não busque com ansiedade o êxito; não cometer erros já um mérito.
Ao tratar os outros com Humanismo*, não espere gratidão em troca; se eles não virarem seus inimigos, isso já é gratidão.
*Ren 仁, o Humanismo Confucionista, também traduzido como ‘Altruísmo’ ou ‘Benevolência’.

29.
Se mortificar por ações virtuosas é moralmente belo, mas sofrimento demais traz um grande desassossego interior.
Desprezar o poder e a riqueza é uma qualidade notável, mas privações demais dificultam a própria caridade com os outros.

30.
Ao julgar alguém que arruinou-se, compreenda seus propósitos.
Ao julgar alguém que alcançou sucesso, conheça seus fins.

31.
Aquele que tem um alto posto deve ser generoso e evitar a intriga; do contrário, agirá como uma pessoa inferior. Como poderia, assim, desfrutar de seu cargo?
Aquele que for Educado deve ocultar seus talentos, e evitar a presunção; de outro modo, ele agirá como um bobo. Como poderia, assim, evitar a ruína?

32.
Quem morou em um lugar baixo, sabe o perigo de ir para o alto. Quem esteve na escuridão, sabe o quão deslumbrante é a luz.
Para manter-se sossegado, conheça as preocupações que o afligem. Quem sabe cultivar o silêncio, sabe quanto é incômodo o falatório.

33.
Ao abandonar os desejos de poder e riqueza, livra-se das tentações do mundo.
Ao extrair do coração as limitações da moralidade, pode-se entrar no reino da sabedoria.

34.
O desejo não dana o coração puro, mas pensar em si mesmo, apenas, é uma praga.
O prazer não é um obstáculo ao Caminho da virtude, mas o uso inadequado da inteligência é.

35.
Os sentimentos humanos mudam, o Caminho da vida é difícil.
Ao se deparar com um obstáculo, saiba dar um passo atrás.
Ao avançar sem problemas, deve-se abrir Caminho para os que vêm atrás.

36.
Ao lidar com os maus, não é difícil ser correto, difícil é não odiá-los.
Ao lidar com os sábios, não é difícil ser respeitoso, o complicado é agradá-los.

37.
Conserve a simplicidade natural, não busque o sofisticado, e deixe uma influência pura no mundo.
Se satisfaça com o simples, abandone os luxos, e deixe um nome puro no mundo.

38.
Para conquistar os demônios, primeiro conquiste o próprio coração. Quem conquista seu coração, submete os demônios.
Para controlar a violência, primeiro se controlam os motivos. Se o espírito estiver calmo, a violência externa não poderá invadi-lo.

39.
Ensinar as crianças é como educar boas moças; o mais importante é mostrar a sabedoria de escolher boas amizades.
Ser íntimo dos maus é como jogar má semente em boa Terra; com o tempo, a colheita será arruinada.

40.
Ao estar de posse de coisas materiais, não se apresse a tê-las em demasia. Fazer isso o jogará num poço profundo e difícil de sair.
Ao estar de posse da virtude, não retroceda nem um passo diante das dificuldades. Fazer isso o levará longe, a mil montanhas de distância.
(continua)

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

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