Falando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚

Tradução de André Bueno

41.
Uma pessoa de pensamento magnânimo trata a si mesmo, e aos outros, com respeito; e por isso, sua grandeza está em toda parte.
Uma pessoa de pensamento mesquinho trata a si mesmo, e aos outros, com pequenez; e por isso, sua malícia está em toda parte.
Uma pessoa virtuosa evita o luxo e a ostentação, e se afasta do aborrecimento e do pessimismo.

42.
Outros têm riquezas, eu tenho o humanismo. Outros têm cargos importantes, eu tenho a beleza interior. Um Educado não se apega as aparências.
Uma pessoa verdadeira pode conquistar o Céu, sua vontade dirige seus pensamentos e emoções. [Por isso] O Educado não se sujeita aos ganhos materiais.

43.
Estar no mundo, sem ideais dignos, é como limpar a roupa com pó, ou lavar os pés com lodo; como realizar-se [interiormente], dessa forma?
Atuar no mundo, sem saber adaptar-se, é como ser uma mariposa que se lança na lama, ou como um carneiro que prende os chifres na cerca; como encontrar paz e alegria dessa forma?

44.
Todos que estudam devem recolher seus pensamentos dispersos, e concentrá-los numa única direção.
Se ao cultivar a virtude, espera-se uma boa reputação, com certeza falhará.
Se ao estudar, pretendem-se apenas belos poemas, com certeza nada se arraigará no coração.

45.
Todas as pessoas têm a capacidade da compaixão. Wei Mo*, um açougueiro, ou um carrasco não se distinguem em sua natureza humana. Em todo o lugar, existe algum tipo de comunhão com a natureza.
Um palácio de ouro ou uma cabana não se distinguem na Terra que as assenta. Mas o desejo obstrui a generosidade pura, e se impondo a ela, separam-se uma da outra como se estivessem a mil li** de distância.
*Vimalakirti, santo budista.
** Li=500 metros

46.
Para ir pelo Caminho da virtude, a mente precisa ser como madeira e pedra*. Se a tentação pela fama e riqueza for maior, com o tempo se fica no mundo dos desejos.
Aquele que quer ajudar o mundo, deve desejar como as nuvens e as águas**. Mas se a tentação pela notoriedade for insaciável, ele atrairá perigo.
*Pureza e Fortaleza, respectivamente.
**Apenas seguir o curso, sem impor a vontade própria.

47.
As ações de uma pessoa correta são serenas, seus sonhos são calmos.
As ações de uma pessoa má são perversas, e suas conversas sempre têm intenções nefastas.

48.
Quando o fígado está doente, os olhos não vêem; quando os rins ficam doentes, os ouvidos não podem escutar. A doença está em um lugar eu não se pode ver, mas seus efeitos são visíveis.
Assim, o Educado, se não deseja que suas faltas apareçam no exterior, corrige primeiro seus erros interiores.

49.
Estar feliz ou não depende de quantas preocupações se têm.
Estar entristecido depende do quanto o coração está disperso.
Só quem está cheio de preocupações sabe que ter poucas levam a felicidade.
Só quem tem um coração tranqüilo sabe que a agitação atrai problemas.

50.
Em tempos tranqüilos, seja correto como um quadrado. Em tempos de desordem, seja correto como um círculo*. Em tempos de decadência, combine o quadrado e o círculo.
Ao lidar com gente boa, seja correto e generoso; ao lidar com gente má, seja correto e rigoroso; ao lidar com gente comum, combine generosidade e rigor.
*Quadrado=retidão, Círculo=flexibilidade

51.
Não me recordo do que fiz pelos outros.
Não me esqueço dos erros que cometi.
Não me esqueço da bondade dos outros.
Não me recordo das ofensas dos outros.

52.
Um benfeitor não considera suas ações boas, nem que ajudou alguém.
Desse modo, um punhado de grãos se transforma num celeiro.
O ganancioso pensa no retorno do que dá, e calcula seus lucros sobre quem ajuda.
Desse modo, uma fortuna eterna não vale uma moeda de cobre.

53.
Cada um tem sua vida, com ou sem fortuna; como saber quem é mesmo afortunado?
Cada um tem sua cabeça, com ou sem estudo; como exigir dos outros o entendimento?
Desse modo, se pode comparar as pessoas, e observar suas condutas.

54.
Somente uma pessoa de bom coração pode apreciar a sabedoria dos antigos pelo estudo dos clássicos.
Os maus roubam os antigos, usam-nos em benefício pessoal, e disfarçam com palavras boas as suas ações nefastas.

55.
Para quem vive no luxo e na extravagância, a riqueza nunca é suficiente.
Para quem vive na frugalidade, o pouco que se têm pode ser repartido.
Uma pessoa de talento se esforça, mas só consegue o ressentimento da sociedade.
Uma pessoa simples age de modo simples, e dessa maneira, vive sem preocupação e mantém-se imaculado.

56.
Estudar, sem buscar a virtude dos sábios, é ser um mero copista; ter um cargo oficial, sem amar o povo, é ser um ladrão bem vestido.
Dar lições de virtude, sem praticá-la, é como recitar os clássicos sem compreendê-los; realizar um trabalho, sem visar à virtude, é tão efêmero como a vida das flores ante os olhos.

57.
No coração das pessoas existe um livro da verdade; mas o texto está incompleto, e as folhas estão rasgadas.
O espírito das pessoas guarda uma melodia da verdade; mas ela está encoberta por músicas e danças sensuais e superficiais.
A busca da virtude deve apagar todas as coisas externas e penetrar na raiz das coisas, na origem de sua natureza íntima.
Só assim se alcançará um verdadeiro aprendizado.

58.
No meio das dificuldades, pode-se encontrar a alegria.
No orgulho dos próprios estratagemas, pode-se encontrar a decepção.

59.
Se a riqueza e a reputação vierem do cultivo da virtude, elas serão como flores nas montanhas e bosques; florescem naturalmente e em abundância.
A riqueza obtida pela artimanha é como as flores dos jardins e canteiros; florescem rápido, e acabam logo.
A riqueza obtida pelo poder e autoridade é como as flores de vasos e jarros; sem raízes fortes, apenas aguardam o dia de sua morte.

60.
Quando chega a primavera, o clima é agradável, as flores cobrem a Terra de cores, e os pássaros entoam belos cantos.
Os letrados se alegram de estar nas listas dos aprovados nos exames públicos, e voltam a se vestir e comer bem.
Mas, se nesse tempo eles não prestarem atenção em dizer palavras justas, e realizar ações meritórias, ainda que vivam cem anos nesse mundo, suas vidas inteiras não terão mais significado do que viver um dia apenas.

* O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas

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