Os Grous de Bian Jingzhao

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Lu Yan, o lendário erudito e poeta, conhecido entre daoístas e na cultura secular como Lu Dongbin, um dos Oito imortais, é o protagonista de incontáveis histórias que tantas vezes roçam o assombro. Uma delas refere um certo dia em que entrou numa estalagem, bebeu quanto quis mas ao sair não pagou e em vez disso, pintou na parede do estabelecimento dois grous.

A pintura atraía muitos clientes e um deles, por admiração ao pintor quis pagar a dívida de Lu Dongbin, quando o fez, porém, os grous soltaram-se da parede e voaram para não mais serem vistos. Os grous, aliás, estão sempre próximos dos Oito imortais com quem partilham a imortalidade, como se pode ver na representação de He Xiangu, a única mulher do grupo dos Oito, no álbum feito por Zhang Lu (1464-1538) que está no Museu de Xangai (tinta e cor sobre papel salpicado de ouro, 31,6 x 59,3 cm), onde ela vai levada no dorso de um desses pássaros.

O avistamento de uma dessas aves mereceria uma comemoração. Num célebre rolo horizontal (tinta e cor sobre seda, no Museu Provincial de Liaoning) o imperador Huizong (1082-1135) guardou uma dessas visões inesquecíveis, quando vinte grous surgiram voando no azul do céu sobre os telhados do palácio imperial, no do dia vinte e seis de Fevereiro do ano de 1112, como ele mesmo escreve. E um poema acompanha a pintura:

«No puro amanhecer
grous de múltiplas tonalidades
acariciam os beirais dos telhados,
Os pássaros imortais, proclamando bons auspícios,
chegam de súbito numa atitude favorável.
Flutuando ao acaso, os habitantes originais
das três ilhas eternas afluem aos pares
exibindo as suas formas milenares.
Parecem espelhar o luan azul
que fez o ninho no alto
dos preciosos pavilhões.
Será que estes são os gansos vermelhos
que se reuniam no Lago celeste?
Demoram-se, chamam e gritam
no Palácio púrpura,
Fazem-se notar até entre
a sempre ocupada gente comum.»

Bian Jingzhao (1354-1428), também conhecido como Bian Wenjin, pintor da corte de Yongle e Xuande daria continuidade à representação das aves acarinhadas por Huizong, que as recriou noutras pinturas, mostrando-as em poses diversas. Nessa altura esses pássaros já se tinham tornado uma presença familiar nos jardins imperiais e nos retiros elegantes dos letrados. Certas qualidades dos grous como a longa vida ou a lealdade, por acasalarem com um só parceiro para a vida, faziam deles um desejado augúrio de mensagens políticas positivas.

Nos dois rolos verticais que estão no Museu do Palácio Nacional em Pequim, Bian juntou bambus e grous para duplicar o simbolismo através de um meticuloso realismo. Como em Dupla claridade (Shuangqing, tinta e cor sobre papel, 109 x 44,6 cm) feito com o mestre da pintura de bambus, Wang Fu (1362-1416). Sofisticados destinatários dessas pinturas sabiam que os grous de Bian Jingzhao eram auspiciosos, sem precisarem de os ver a voar.

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