Hoje Macau China / ÁsiaImobiliário | Investimento aumenta 11,6 por cento [dropcap]O[/dropcap]Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) anunciou esta quinta-feira que o investimento em imóveis da China cresceu 11,6 por cento em termos anuais nos primeiros dois meses deste ano. O crescimento foi maior que o de 9,5 por cento em 2018. Segundo o GNE, o investimento imobiliário total neste período chegou a 1,2 biliões de yuans, com 72,1 por cento a serem destinados a edifícios residenciais. Em Janeiro e Fevereiro, o investimento em residências subiu 18 por cento em termos anuais, para 871,1 mil milhões de yuans, 4,6 pontos percentuais superiores ao ritmo de 2018. Durante o mesmo período, as construtoras imobiliárias chinesas construíram prédios num total de 6,75 mil milhões de metros quadrados em área útil, um aumento anual de 6,8 por cento.
Hoje Macau China / ÁsiaAutomóveis | Vendas recuam mais de 17 por cento [dropcap]A[/dropcap]venda de automóveis na China registou uma queda homóloga de 17,5 por cento, nos dois primeiros meses do ano, reflectindo o abrandamento na economia chinesa, numa altura de crescentes fricções comerciais com os Estados Unidos. Segundo a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis, entre Janeiro e Fevereiro venderam-se 3,2 milhões de veículos utilitários desportivos, ‘minivans’ e ‘sedans’. Em 2018, a venda de automóveis na China caiu 5,8 por cento, para 22,35 milhões de veículos, no primeiro declínio anual desde 1990, coincidindo com outros indicadores negativos da economia chinesa. Trata-se de um retrocesso para as principais construtoras do sector, que anunciaram planos de milhares de milhões de euros, visando cumprir com as metas do Governo chinês para o desenvolvimento de veículos eléctricos. Nos dois primeiros meses do ano, as marcas chinesas registaram uma queda de 23 por cento nas vendas, para 1,3 milhão de unidades, fixando a sua participação no mercado doméstico em 41,8 por cento, uma descida homóloga de 3 por cento. O crescimento nas vendas de veículos puramente eléctricos e híbridos, que Pequim está a subsidiar, subiu 98,9 por cento, em relação ao ano anterior, para 148 mil unidades. As vendas de utilitários desportivos diminuíram 18,6 por cento, para 141.000 unidades.
Hoje Macau China / ÁsiaIndústria | Produção recua para ritmo mais lento desde 2002 A produção industrial da China cresceu ao ritmo mais lento dos últimos 17 anos, nos meses de Janeiro e Fevereiro, acompanhando o constante abrandamento do crescimento económico A guerra comercial com os Estados Unidos aparece como um dos factores decisivos para a mudança de ritmo [dropcap]A[/dropcap]produção industrial da China recuou, no início deste ano, para o ritmo mais lento dos últimos 17 anos, face às disputas comerciais com os Estados Unidos e à queda na procura doméstica. Nos dois primeiros meses do ano, aquele importante indicador da segunda maior economia mundial subiu 5,3 por cento, a aceleração mais lenta desde o início de 2002. O Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) da China publica os dados económicos de Janeiro e Fevereiro em conjunto, para evitar distorções resultantes das férias do Ano Novo Lunar. No ano passado, a economia chinesa cresceu 6,6 por cento, o ritmo mais lento em quase três décadas. A actividade económica recuou à medida que a procura doméstica caiu e o país entrou em disputas comerciais com Washington. “Devido aos atritos comerciais, muitas fábricas apressaram-se para completar ordens de compra e venda antes do Ano Novo Lunar. Agora estão a aguardar com cautela para ver se as tarifas serão suspensas”, afirmou Lin Longpeng, analista chefe de mercado da seguradora Guotai Junan Securities, com sede em Shenzhen, no sul da China. Nos dois primeiros meses do ano, as vendas a retalho registaram um crescimento de 8,2 por cento, face ao período homólogo, próximo do nível mais baixo dos últimos 15 anos. O investimento em activos fixos – gastos com imobiliário, fábricas, maquinaria e obras públicas – subiu 6,1 por cento no ano até Fevereiro, em termos homólogos. Da estabilidade Em comunicado, o GNE considerou que a economia chinesa apresentou um desempenho “razoável”, revelando um impulso “em geral estável e crescente”, o que indica uma “tendência positiva gradual”. “Em geral, a economia chinesa está a progredir bem (…), com esforços redobrados para promover um desenvolvimento de alta qualidade e implementar políticas que visam manter a estabilidade no número de postos de trabalho, sector financeiro, comércio externo e investimento”, afirmou.
Hoje Macau SociedadeFIC | Governo garante apoio às indústrias culturais e criativas [dropcap]O[/dropcap]Executivo garantiu que vai continuar a promover e a apoiar as indústrias culturais e criativas, um dos sectores em que tem apostado no âmbito da diversificação económica. “O Governo irá continuar a promover e a apoiar, através de políticas, as indústrias culturais e criativas, articulando com o trabalho de diversificação adequada da economia”, afirmou, em comunicado, Chui Sai On. O governante encontrou-se esta semana com responsáveis da Associação de Caligrafia de Deleite, tendo recordado que o “Governo disponibiliza recursos e assistência aos artistas (…) através do Fundo das Indústrias Culturais e outras entidades”. Em 2018, o Governo da RAEM concedeu 77 milhões de patacas a 24 projectos e dois programas na área das indústrias culturais. O Fundo das Indústrias Culturais (FIC) foi criado em 2013 com o objectivo de apoiar financeiramente projectos que contribuam para o desenvolvimento das indústrias culturais de Macau, de modo a impulsionar o desenvolvimento diversificado adequado da economia local. A diversificação da economia de Macau é uma ambição de Pequim patente nas “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau”, documento revelado no mês passado pelo Governo central.
João Luz EventosCinemateca Paixão | Segundo aniversário celebrado com ciclo secreto de filmes O segundo aniversário da Cinemateca Paixão será marcado pela exibição de um ciclo secreto composto por oito filmes. Entre os dias 30 de Março e 28 de Abril, o público apenas saberá, com certeza, que películas vão ser projectadas quando as luzes se apagarem [dropcap]O[/dropcap]elemento surpresa é o trunfo para a celebração do segundo aniversário da Cinemateca Paixão. A festa da sétima arte, com datas marcadas entre 30 de Março a 28 de Abril, terá como prato principal um ciclo secreto composto por “oito notáveis clássicos do cinema”, afirma a organização em comunicado. “Não fui curadora do programa, mas quando discutimos ideias para o segundo aniversário achámos que as projecções surpresas seriam uma boa ideia. São oito filmes de géneros diferentes, que serão exibidos duas vezes. Também vamos ter palestras e exposições para celebrar o aniversário”, conta Vivianna Cheong, chefe de programação e marketing da Cinemateca Paixão. Até às projecções, serão ainda dadas algumas pistas sobre os filmes que vão passar pelo ecrã da cinemateca. O ciclo será composto por “promissores filmes de estreia, comoventes e nostálgicas histórias de amor, arrepiantes obras-primas do terror, comédias de época e cinema do mundo, até marcos do cinema de ficção científica”, lê-se no comunicado. Em relação às sessões secretas, a directora de operações da Cinemateca, Rita Wong, explica que a noção de “nova perspectiva” tem um papel fundamental no programa de aniversário. “O público entra na sala sem qualquer ideia prévia. Ao fazer a lista de obras, com a curadora convidada Penny Lam, decidimos escolher obras populares e de renome. Tal como o slogan do festival indica, tratam-se de narrativas que ‘transcendem o tempo’. Além disso, são apresentas em sessões secretas, o que acrescenta um sentido de aventura. Espero que o público nos acompanhe nesta aventura cinematográfica”, aponta Rita Wong. Anos recheados Desde que abriu portas, a Cinemateca Paixão tem mantido actividade constante. “Ao longo dos dois últimos anos, organizámos mais de 20 festivais de cinema, apresentámos estreias e exibimos filmes locais. O nosso objectivo é providenciar um ‘hub’ de cinema para os fãs da sétima arte e apresentar trabalhos de relevo a novas audiências. A conjugação destes dois tipos de público tem reflexo na nossa programação, que tanto pode ser peculiar e artística, como apresentar obras que metem a audiência bem-disposta”, refere Rita Wong. À passagem de dois anos de actividade, a directora da Cinemateca Paixão mostra-se feliz com a aderência do público e acrescenta achar possível “ir ainda mais longe”. Um dos outros rostos da casa que se dedica à paixão pela sétima arte é Albert Chu, director artístico da Cinemateca, que também aproveitou a ocasião para dirigir algumas palavras à audiência. “Gostaria de manifestar a minha profunda gratidão pelo apoio do público ao longo destes dois anos. É minha convicção que estamos a crescer juntos. Com a nossa curadoria de festivais de cinema aspiramos a mostrar grandes filmes que possam inspirar uma profunda reflexão. O que nos dá o cinema? Certamente a sua fascinante cinematografia, as suas histórias e contextos. Mas também, entre outras coisas, as memórias que suscita e o pensamento crítico que evoca. É muito encorajador ver caras novas entre o público. Espero que juntos cheguemos mais longe, público e Cinemateca.” Os bilhetes para o ciclo secreto de cinema vão ser postos à venda a partir de amanhã e custam 60 patacas.
Diana do Mar SociedadeDireitos humanos | EUA dão nota global positiva, mas apontam focos de preocupação Washington considera que Macau adoptou medidas para investigar e punir abusos aos direitos humanos, mas deixou reparos no capítulo das liberdades de expressão e de imprensa, sinalizando restrições nomeadamente à boleia de novas leis [dropcap]E[/dropcap]m termos globais, é positiva a avaliação que o Departamento de Estado norte-americano faz relativamente aos direitos humanos em Macau, mas persistem receios nomeadamente em relação às restrições e/ou limitações a direitos e liberdades, aos condicionamentos à participação política e ao fenómeno do tráfico humano. No relatório anual sobre os direitos humanos no mundo, publicado na noite de terça-feira, o Departamento de Estado norte-americano assinala, desde logo, que “o Governo adoptou medidas para investigar e punir responsáveis por abusos” e destaca a ausência de registo de prisioneiros políticos, de práticas de tortura, detenções arbitrárias e/ou ilegais ou impunidade por parte das forças de segurança. No entanto, deixa uma série de alertas relativamente a condicionantes ao exercício das liberdades de expressão e de imprensa, apontando que, embora estejam consagradas na lei, “o Governo procurou ocasionalmente restringi-las”. Restrições que, em alguns casos, aparecem associadas a novas iniciativas legislativas, com o Departamento de Estado norte-americano a fazer referência a duas: a recém-aprovada alteração à lei sobre a utilização e protecção da bandeira, emblema e hino nacionais e a proposta de Lei de Bases da Protecção Civil que introduz o crime de falso alarme social, punível com pena até três anos de prisão. O caso Au Kam San Apesar de reconhecer que, regra geral, o Executivo respeita o direito à privacidade, Washington observa que, “houve políticos que afirmaram suspeitar que o Governo monitorizou as comunicações no passado” e reavivou, em paralelo, o caso do deputado Au Kam San, indiciado por difamação, em Outubro, após ter recusado pedir desculpa por ter alegado que a Polícia Judiciária tinha o seu telefone sob escuta em 2009. Ao mesmo tempo, embora constatando que o Governo não restringe, não interrompe o acesso à Internet e não censura conteúdos ‘online’, o Departamento de Estado norte-americano menciona os reparos de “activistas críticos” de que não divulga na íntegra o tipo de tecnologias de vigilância que utiliza, deixando a população com “fraca capacidade” para confirmar se as autoridades respeitam a lei. Outros receios emergem relativamente aos livros, com os Estados Unidos a recordarem as notícias de que o Gabinete de Ligação do Governo Central em Hong Kong detém, indirectamente, a livraria Plaza Cultural. Algo que, realça Washington, “levanta preocupações” quanto à possibilidade de Pequim restringir a venda de obras consideradas sensíveis. Já no tocante à liberdade de imprensa, Washington constata que “os ‘media’ locais expressaram uma ampla variedade de pontos de vista, mas que o Governo deu passos para limitar a cobertura de notícias desfavoráveis”. Ao mesmo tempo, o Departamento de Estado admite a prática de autocensura por órgãos de comunicação social, pelo menos “parcialmente”, por serem subsidiados pelo Governo. O cancelamento da participação de três escritores estrangeiros na edição do ano passado do Festival Literário – Rota das Letras, após indicação do Gabinete de Ligação de que poderiam ter entrada vedada em Macau, também é referido no âmbito da liberdade académicas e eventos culturais. Já sobre o direito de reunião e manifestação, o Departamento de Estado norte-americano nota que, apesar de ser normalmente respeitado pelo Governo, existem “alguns esforços para desencorajar a participação”. “Críticos alegam que as autoridades estão a levar a cabo um esforço concertado para, por via da intimidação ou de processos-crime contra os participantes de protestos pacíficos, desencorajar o seu envolvimento”. Neste ponto, recupera o exemplo de Sulu Sou, que viu o mandato como deputado suspenso temporariamente devido a um protesto pacífico contra o Chefe do Executivo, fazendo menção às alegações de vozes críticas de que o caso teve motivações políticas por detrás. Participação política Outro calcanhar de Aquiles, aos olhos de Washington, prende-se com a limitada participação política dos residentes. “A lei limita a capacidade dos cidadãos para mudarem o Governo através de eleições regulares, livres e justas” e “apenas uma pequena fracção da população desempenha um papel na selecção do Chefe do Executivo”, diz o Departamento de Estado norte-americano, precisamente no ano em que será escolhido um novo líder do Governo. O relatório reserva ainda espaço ao poder legislativo, com os Estados Unidos a anotarem as limitações dos deputados em termos de iniciativa legislativa e fazerem referência ao juramento de fidelidade à Lei Básica exigido aos candidatos a um assento na Assembleia Legislativa. No campo da discriminação, o Departamento de Estado norte-americano salienta que o fenómeno persiste, ao contrário do que prescreve a lei, citando notícias que apontam para desigualdades de género nomeadamente no mundo do trabalho, com as mulheres concentradas em postos inferiores e em áreas mais mal pagas. Os Estados Unidos falam ainda de relatos sobre discriminação contra minorias étnicas, reproduzindo as críticas da ONU quando à ausência de uma lei que defina e criminalize a discriminação racial. Os Estados Unidos renovam também preocupações relativamente às crianças. Em concreto, sobre a envolvimento de menores na prostituição, bem como ao tráfico humano em geral. “As crianças e os trabalhadores migrantes são vulneráveis ao tráfico com fins sexuais e laborais”, diz o documento, apontando que, embora o governo tenha investigado casos, não há registo de condenações no ano passado. Governo contesta “comentários irresponsáveis” O Governo manifestou ontem a sua “forte oposição” ao relatório do Departamento de Estado norte-americano, criticando os “comentários irresponsáveis” sobre os direitos humanos na RAEM, um “assunto interno da China”. Num breve comunicado, o Gabinete do Porta-voz do Governo afirma que “a população da RAEM goza de amplos direitos e liberdades, plenamente garantidos, nos termos da Constituição e da Lei Básica”, uma “realidade testemunhada por todas as pessoas sem preconceitos”.
Hoje Macau SociedadeAPAVT | Distância e desconhecimento afastam portugueses de Macau [dropcap]O[/dropcap]presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) afirmou ontem que a distância e o desconhecimento contribuem para a escassez de turistas portugueses em Macau e defendeu a integração deste destino em viagens à Ásia. “Portugueses a visitar Macau ainda não há muitos”, reconheceu o presidente da APAVT, Pedro Costa Ferreira, justificando que a distância é “grande” e “há algum desconhecimento”. Macau beneficia, até ao final do ano, do título de “Destino Preferido”, tendo o certificado sido ontem entregue em ambiente festivo à directora dos Serviços de Turismo, Maria Helena de Senna Fernandes, na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL). A atribuição deste título resulta de um acordo entre o Turismo de Macau e a APAVT e consiste numa série de acções destinadas a contribuir para a promoção de Macau. Em declarações à Lusa, Pedro Costa Ferreira defendeu que a integração de Macau em viagens à Ásia seria uma mais-valia para o mercado emissor português, explicando que há dois factores que têm de se movimentar ao mesmo tempo: um maior esforço de Macau na visibilidade junto do consumidor final e um maior conhecimento do destino por parte dos agentes de viagem que têm de se sentir “familiarizados”. Questionado sobre se uma ligação aérea directa entre Portugal e China teria impacto no crescimento do turismo, o presidente da APAVT admite que as ligações directas são importantes, mas acrescentou que nos voos de longa distância para a Ásia, as conexões “são muito boas”.
João Luz SociedadeControvérsia entre Richard Suen e Las Vegas Sands marca sessão de julgamento [dropcap]O[/dropcap]s advogados de Richard Suen e da Las Vegas Sands Corp. discordaram em tribunal sobre a compensação que o empresário de Hong Kong deve receber por ter auxiliado a empresa de jogo a conseguir licenças para explorar casinos em Macau há quase duas décadas. A disputa que se desenrola num tribunal em Las Vegas tem como ponto fulcral uma enorme disparidade quanto aos valores a pagar a Suen. Nas declarações de abertura, os advogados do empresário de Hong Kong sugeriram que o seu cliente tem direito a quase 347 milhões de dólares, o equivalente a 2,8 mil milhões de patacas. Do outro lado da barricada, o advogado da Sands entende que a empresa não deve pagar além de 3,8 milhões de dólares, ou pouco mais de 30 milhões de patacas. O júri do tribunal do Estado do Nevada, composto por oito elementos, terá de decidir entre os valores profundamente divergentes pedidos pelas duas partes. Neste momento, a batalha judicial encontra-se focada apenas no valor que Richard Suen receberá, depois da justiça ter dirimido pretensões até ao Supremo Tribunal do Nevada. Depois das alegações dos advogados de ambas as partes, os membros do júri ouviram as primeiras sete horas de testemunhos em vídeo dos julgamentos anteriores, onde se contam declarações de Sheldon Adelson. O visionamento de vídeos deverá continuar na sessão de hoje. Papel facilitador No início da sessão, o advogado de Suen deu uma explicação para a forma como a Sands se tornou candidata à concessão para abrir casinos em Macau. O causídico explicou o conceito de guanxi, que se refere a relações em que se forma uma espécie de lobbying informal, algo apontado como fundamental para que a empresa de Sheldon Adelson conseguisse chegar perto dos focos de decisão no Executivo de Macau e no Governo Central. Nesse sentido, o representante do empresário de Hong Kong defendeu que, apesar de não haver um contrato formal, ficou estabelecido que Suen receberia 5 milhões de dólares de comissão, assim como 2 por cento dos lucros gerados pela Sands em Macau.
Hoje Macau SociedadeHong Kong | Allan Zeman processado devido a venda de terreno em Macau O presidente não executivo da Wynn Macau, Allan Zeman, está a ser processado em Hong Kong devido a alegada falta de pagamento de comissões na venda de um terreno em Macau. Os autores do processo pedem 71,8 milhões de dólares de Hong Kong ao magnata [dropcap]F[/dropcap]rívolas e sem fundamento. É assim que Allan Zeman qualifica as acusações de que é alvo e que estão na origem de um processo por alegada falta de pagamento de comissões referentes a um acordo para venda de um terreno em Macau. O negócio em causa terá acontecido há mais de uma década. A notícia avançada pelo South China Morning Post refere que os dois autores do processo, Raymond John Gulliver e David Solomon Vereker, pedem 71,8 milhões de dólares de Hong Kong a Allan Zeman, presidente não executivo da Wynn Macau e presidente do Lan Kwai Fong Group. Entretanto, o magnata passou o caso à sua equipa de advogados, não sem antes negar qualquer responsabilidade no caso. “Dada a natureza séria das alegações feitas e os factos questionáveis por detrás das acusações, passei de imediato o caso aos meus advogados para o tratarem de forma apropriada”, referiu Zeman em comunicado. O fundador do distrito nocturno de Lan Kwai Fong acrescentou ainda que ficou “chocado com a frivolidade das alegações”. Valor da palavra O caso, que se encontra em apreciação no High Court da região vizinha, centra-se numa disputa sobre um terreno não especificado. De acordo com a documentação do processo, o pedido feito por Gulliver e Vereker tem como base um acordo oral estabelecido com Zeman entre Agosto e Setembro de 2008. Allan Zeman “devia pagar aos autores do processo 20 por cento de comissão, taxa, ou outra forma de pagamento, pela venda de um terreno em Macau”, lê-se na documentação citada pelo South China Morning Post. O documento, além de não especificar a localização do terreno, não dá informação detalhada sobre Raymond John Gulliver e David Solomon Vereker além da morada em New South Wales, na Austrália. Os dois homens alegam que Zeman lhes deve 71,8 milhões de dólares de Hong Kong e pedem a divulgação da lista de comissões e taxas que o magnata recebeu na sequência da alegada venda.
Diana do Mar SociedadeEmpresa de capitais públicos para o Metro Ligeiro está para breve [dropcap]O[/dropcap]Conselho Executivo deu luz verde ao projecto de regulamento administrativo sobre a constituição da Sociedade do Metro Ligeiro. A empresa de capitais públicos, que vai gerir o futuro sistema de transporte, vai nascer a meses da entrada em funcionamento da linha da Taipa, prevista para a segunda metade do ano. A entrada em cena da nova empresa, com capitais exclusivamente públicos, implica a retirada do Gabinete de Infra-estruturas e Transportes (GIT) que, como confirmado ontem, vai ser extinto. “Não pode haver duas entidades a fazer a mesma coisa”, afirmou ontem o coordenador do GIT, Ho Cheong Kei, na conferência de imprensa do Conselho Executivo. Na sequência do desaparecimento do GIT, organismo com natureza de equipa de projecto criado em 2007, os 93 funcionários têm agora duas opções em cima da mesa: mantêm-se na função pública ou transitam para a nova empresa. “É uma decisão de acordo com as duas partes”, explicou Ho Cheong Kei, dando conta de que se encontra na mesma situação: “Espero poder continuar a acompanhar o processo. Se o [meu] superior achar que não sou adequado [para mudar para nova empresa] estou disponível para servir em qualquer cargo”. A Sociedade do Metro Ligeiro “só poderá operar” após firmado o contrato de concessão, pelo qual será preciso aguardar para se perceber exactamente qual será a relação entre a nova empresa e a MTR, de Hong Kong, à qual foi entregue as operações do metro ligeiro nos primeiros cinco anos de funcionamento. “Temos de aguardar pelo conteúdo para depois podermos ter os detalhes”, afirmou Ho Cheong Kei. A empresa que vai explorar o metro ligeiro vai ser exclusivamente de capitais públicos porque vai ter “prejuízo certo”, como reconheceu o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, que estimou anteriormente os gastos anuais de operação e manutenção em aproximadamente 900 milhões de patacas. “São apenas estimativas”, manteve o coordenador do GIT. De resto, como anunciado anteriormente, a nova sociedade anónima vai arrancar com um capital social de 1,4 mil milhões de patacas. A RAEM figura como sócio maioritário (96 por cento) da empresa que tem ainda como accionistas o Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (3 por cento) e o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e Tecnologia (1 por cento).
Diana do Mar PolíticaCartas de condução | Novo Macau quer falar com Chefe do Executivo sobre reconhecimento [dropcap]A[/dropcap]Novo Macau, a par com o deputado Sulu Sou, endereçou uma carta ao Chefe do Executivo a solicitar um encontro formal para debater o reconhecimento mútuo das cartas de condução com a China.Com o pedido, que surge na sequência do recente protesto que levou centenas às ruas, a maior associação pró-democracia de Macau diz procurar, através da reunião com Chui Sai On, “um diálogo sincero para estreitar a divergência social”. Em comunicado, enviado ontem às redacções, a Novo Macau “manifesta a esperança de ter um diálogo cândido” com o Chefe do Executivo, designadamente sobre o reconhecimento mútuo das cartas de condução entre Macau e a China, cujas negociações decorrem há pelo menos um ano. No encontro com o líder do Governo, que espera que tenha lugar “o mais breve possível”, a Novo Macau pretende ainda “avaliar de que forma essas disputas vão afectar a maneira como os residentes encaram o plano da Grande Baía” e “as opções viáveis para as dirimir”. Argumentando que conta com o apoio das famílias das vítimas dos “graves acidentes” causados por condutores da China, que têm deixado a comunidade “ansiosa”, promete “dar o melhor” para minimizar as divergências sociais e solucionar os conflitos, “através da comunicação directa” com o líder do Governo.
João Santos Filipe PolíticaChefe do Executivo | Eleições custam 32 milhões de patacas A Comissão dos Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo vai reduzir os locais de voto do Colégio Eleitoral de cinco para três, a pensar nos gastos. Em relação a 2014 há um aumento dos custos em 120 mil patacas [dropcap]A[/dropcap]s eleições para o próximo Chefe do Executivo vão ter um orçamento de 32,4 milhões de patacas. A revelação foi feita por Song Man Lei, presidente da Comissão dos Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo (CAECE), após a reunião de ontem. Segundo os dados apresentados, o orçamento vai ser de 32,4 milhões de patacas, quando nas eleições de 2014 foi de 32,3 milhões de patacas. Song Man Lei fala de uma diferença de 120 mil patacas e diz ter havido esforços para controlar o orçamento. “O orçamento cobre os recursos humanos e precisamos de adquirir alguns materiais e também o sistema electrónico para a contagem dos votos. Temos de contar ainda com as obras de instalação in loco, como a divisão dos espaços, entre outras coisas”, disse Song Man Lei. Porém, a presidente da CAECE apontou alguns desafios, que fazem com que tenha de haver um aumento, mesmo que ligeiro, no orçamento. “Como sabem nos últimos anos houve inflação e outros factores económicos. Mesmo assim podemos ver que o presente orçamento é quase igual ao da eleição anterior”, apontou. Uma das grandes diferenças face a 2014 passa por reduzir os locais de voto para o Colégio Eleitoral de cinco para três, embora esta medida ainda esteja dependente das garantias de segurança in loco e de bons acessos, ao nível de transportes públicos. “Reduzimos os locais de voto. Assim conseguimos diminuir os pagamentos de rendas. Quanto aos materiais que utilizámos na eleição de 2014, vamos reutilizar o que for possível para a presente eleição. Com isso conseguimos poupar algum dinheiro”, explicou a presidente da CAECE. Limite de 23 milhões O orçamento para as eleições não inclui os gastos dos possíveis candidatos durante as campanhas. Em relação a este assunto, as despesas estão limitadas a 23,46 milhões de patacas por candidato. Segundo a lei, os limites para os gastos dos candidatos correspondem a 0,02 por cento do valor global das receitas do Orçamento Geral da RAEM. Para 2019, as receitas foram estimadas em 117,3 mil milhões de patacas, pelo que 0,02 representa 23,46 milhões. Outra das questões com que Song Man Lei foi confrontada foi o facto de um responsável do Gabinete de Ligação ter dito, em Pequim, que as eleições estavam agendadas para Agosto. No entanto, a presidente da CAECE rejeitou fazer comentários sobre a situação, e disse apenas que a comissão vai trabalhar para que esteja tudo pronto para a data decidida pelo actual Chefe do Executivo.
Hoje Macau PolíticaAL | Lei dos Assistentes Sociais votada terça-feira [dropcap]O[/dropcap]Regime da Qualificação Profissional dos Assistentes Sociais vai ser votado na especialidade na próxima terça-feira, depois de mais de um ano de discussão. O parecer sobre a análise da comissão foi assinado ontem pelos deputados, pelo que agora falta a aprovação final do documento. A informação foi avançada, ontem, pelo deputado Chan Chak Mo, presidente da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa e confirmada, horas mais tarde, pelo portal do hemiciclo.
Diana do Mar SociedadeAmbiente | Proposta de lei prevê cobrança de taxa sobre sacos de plástico O Governo avançou com uma proposta de lei que vai obrigar o comércio a cobrar pelo fornecimento de sacos de plástico, uma medida há muito exigida por activistas ambientais. O valor da taxa vai ser determinado por despacho do Chefe do Executivo [dropcap]T[/dropcap]rês anos depois de uma consulta pública sobre a introdução de restrições ao uso de sacos de plástico, o Governo elaborou uma proposta de lei que prevê que os estabelecimentos comerciais cobrem obrigatoriamente uma taxa na hora de fornecer sacos de plástico aos clientes. Os principais contornos do diploma, que segue agora para a Assembleia Legislativa, foram apresentados ontem pelo porta-voz do Conselho Executivo. Leong Heng Teng escusou-se, porém, a adiantar o valor a cobrar pelo fornecimento de cada saco de plástico nos actos de venda a retalho, a fixar por despacho do Chefe do Executivo. Não obstante, sinalizou que a proposta de uma pataca, “basicamente, recolheu concordância” aquando da auscultação pública. As verbas resultantes do pagamento da taxa vão reverter a favor dos estabelecimentos comerciais, modelo definido como “o mais apto” para Macau. Estes são, contudo, livres, à luz da lei, de cobrarem um valor acima do fixado, embora o director dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), Raymond Tam, não o recomende: “Não há uma pena [se cobrarem mais], mas isso vai prejudicar a sua imagem”. Das excepções O diploma, que “visa estabelecer normas sobre as restrições ao fornecimento de sacos de plástico em actos de venda a retalho”, prevê, no entanto, uma série de “situações excepcionais” que beneficiam de isenção de pagamento da taxa. À luz da proposta de lei, “designadamente por razões de higiene e segurança”, os sacos de plástico vão continuar a ser distribuídos gratuitamente quando em causa estiverem, por exemplo, produtos alimentares e medicamentos não embalados. Os estabelecimentos comerciais, como supermercados, lojas ou até bancas de mercados, que infrinjam as restrições ao fornecimento de sacos de plástico incorrem numa multa de mil patacas. Já caso violem o dever de colaboração com as autoridades arriscam uma multa dez vezes superior: dez mil patacas. A fiscalização compete à DSPA que pode solicitar a colaboração de outras entidades públicas, nomeadamente dos Serviços de Alfândega, da PSP ou dos Serviços de Finanças, se necessário. “É o primeiro passo para reduzir o impacto negativo dos sacos de plástico no meio ambiente”, afirmou o director da DSPA, realçando que o Governo tem vindo a “empenhar-se nos trabalhos de redução do plástico”, incluindo dentro da própria Administração, com o incentivo, por exemplo, do uso de máquinas de água em detrimento da distribuição de garrafas. Não há, no entanto, actualmente, alternativa à vista para as saquetas de plástico que são distribuídas pelos Serviços de Saúde quando os pacientes aviam medicamentos. Para metade Segundo dados facultados pelo director da DSPA, 23 por cento das 1.400 toneladas de lixo produzidas diariamente em 2017 eram plástico, dos quais 13 por cento eram sacos e dois por cento garrafas. Já 1,5 por cento dizia respeito a caixas de ‘take-away’. A cobrança de uma taxa pelo fornecimento de sacos de plástico tem produzido “resultados muito salientes” nos territórios vizinhos, com reduções no uso na ordem dos 80 por cento na fase de arranque da medida, realçou o director da DSPA que, adoptando uma estimativa “mais conservadora”, espera um corte, pelo menos, para metade no início da aplicação da medida.
João Santos Filipe PolíticaFormação | Farmacêuticos só com licenciatura [dropcap]O[/dropcap]s ajudantes técnicos de farmácia só vão ser considerados farmacêuticos se tirarem o curso universitário, com a duração de quatro anos, ou equivalente. A impossibilidade de transição de uma classe profissional para a outra, no âmbito da nova lei do regime legal da qualificação e inscrição para o exercício de actividade dos profissionais de saúde, esteve ontem em discussão na Assembleia Legislativa, numa reunião da 2.ª Comissão Permanente. Devido à eventual semelhança de funções, os deputados haviam questionado o Governo se os ajudantes técnicos de farmácia poderiam ser considerados farmacêuticos devido à experiência e eventuais formações. Contudo, o Executivo explicou que a transição só pode ser feita se houver frequência com sucesso de uma licenciatura. Ainda em relação à divisão por classes dos profissionais de saúde, o Governo explicou que além das 15 classes definidas pela lei, que incluem médicos, farmacêuticos, dentista, entre outros, que vai ponderar criar outros mecanismos de registo para as que não estão incluídas.
João Santos Filipe PolíticaSaúde | Lei Chin Ion avisa que uso de vales na China contraria objectivos O director dos SSM admite que utilização dos vales de saúde no Interior da China está a ser ponderada, mas sublinha que o objectivo inicial do programa é contrário a esta ideia [dropcap]L[/dropcap]ei Chin Ion, director dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), avisou ontem que o programa de vales de saúde foi criado para impulsionar o sector da medicina privada e que a sua utilização no Interior da China contraria esse objectivo. As declarações foram feitas, ontem, à saída de uma reunião com os deputados da Assembleia Legislativa. “Queremos reiterar que a opinião do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura não é para a utilização dos vales no Interior da China. O que se está a fazer agora é a ponderação da utilização, mas de forma prudente”, começou por ressalvar o director do SSM. “O objectivo dos vales de saúde é ajudar os médicos privados de Macau. A utilização dos vales no Interior da China não é adequada. Por um lado, é uma medida de difícil implementação e, por outro, é contrária ao nosso objectivo de ajudar os médicos privados, os médicos de Macau”, acrescentou. Anteriormente, Alexis Tam afirmou que a utilização de vales de saúde no Interior da China ia ser estudada. O director dos SSM confirmou que foram estabelecidos contactos com os governos de Guangdong, Zhuhai e Zhongshan, o que poderá indicar alguma reciprocidade face ao facto dos seguros do Interior da China irem abranger os residentes de Macau que vivam do outro lado da fronteira. “Pode haver uma forma diferente de apoiar os residentes de Macau que vivem no Interior da China. Estamos em contacto com os Governos da Província de Guangdong, Zhuhai e Zhongshan para que os residentes de Macau que vivem no Interior possam estar cobertos pelo seguro de saúde de lá e terem acesso à assistência médica”, explicou. Limitações internas Ao mesmo tempo, Lei Chin Ion apontou que mesmo em Macau há limitações nos vales de saúde, uma vez que a intenção é ajudar o sector local: “Os vales de saúde têm certas limitações. Por exemplo, só podem ser utilizados nos médicos privados. Nem no Hospital Kiang Wu podem ser usados, porque o hospital recebe o subsídio do Governo. Também não podem ser utilizados para a compra de medicamentos ou equipamentos de saúde” sublinhou. Este apoio faz parte do Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde, que permite aos residentes permanentes receberem 600 patacas por ano para despesas de saúde. O valor pode ser acumulado durante um período de dois anos, de acordo com as últimas actualizações do programa. Outra das questões abordas por Lei Chin Ion foi a construção do centro de saúde na Ilha da Montanha. “Vai ser construído pela parte de Zhuhai e vai destinar-se aos residentes de Macau, que morem na Ilha da Montanha. Os serviços prestados vão ser como nos Centros de Saúde de Macau. 2021 é uma data de conclusão aproximada”, disse. Lei Chin Ion vai fazer vontade do novo Governo Em Dezembro deste ano, o sucessor de Chui Sai On vai assumir o cargo de Chefe do Executivo. Confrontado sobre se estaria disposto a continuar no cargo com um novo líder do Governo, Lei Chin Ion afirmou que vai acatar as orientações do Governo: “Vou seguir as ordens”, disse. A nomeação de Lei Chin Ion como director dos Serviços de Saúde termina em 2020.
Sofia Margarida Mota Entrevista EventosEntrevista | “Sou um grande viajante” – Miguel Sousa Tavares, escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares está em Macau para participar no festival literário Rota das Letras. Hoje fala sobre a obra da sua mãe, Sophia de Mello Breyner, e no domingo é a vez de discorrer sobre os livros que escreveu e as viagens que fez. O autor e jornalista apontou ao HM os desafios que enfrentam os escritores dos dias de hoje e comentou, à sua maneira, os temas que estão a marcar o mundo [dropcap]E[/dropcap]stá em Macau para participar no Festival Literário Rota das Letras, que este ano é dedicado à poesia e destaca o trabalho da sua mãe, Sophia de Mello Breyner. Como é ser o filho da poetisa e falar do seu trabalho? Não sou filho da Sophia de Mello Breyner, sou filho da minha mãe, mas as pessoas acham sempre que é diferente, mas não é. Eu olho sempre para a minha mãe, embora sabendo que tive a sorte de ser filho de uma mãe diferente. As recordações que tenho não são da Sophia de Mello Breyner, mas da minha mãe Sophia. Continuo sempre a olhar para ela como filho e isso dá-me uma posição privilegiada para perceber a poesia dela, porque sei exactamente o que é que ela queria dizer quando escreveu o que escreveu. A maior parte dos leitores atentos dela, imaginam e julgam saber tudo, mas o tudo não é tudo e acho que sei tudo. Eu estava lá, eu vivi e vi-a viver as coisas e sei exactamente porque é que ela escrevia o que escrevia. Que expectativas tem para este festival? Espero que tenha atravessado meio mundo para acrescentar alguma coisa ao festival e não desiludir as pessoas. Estou muito curioso. Quanto à mesa dedicada a Sophia de Mello Breyner, vou ensaiar uma coisa difícil: não falar da minha relação de filho e falar da relação da poesia da minha mãe com a de Fernando Pessoa. Isto é uma coisa que me intrigou muito durante muito tempo, o saber porque é que ela a certa altura teve uma obsessão pelo Fernando Pessoa. Quanto à mesa sobre mim, estou nas mãos de quem me for interrogar. Só sei que é à volta do tema viagens e escrita. É a sua praia? Sim. Sou um grande viajante. Quando digo isto não me refiro a uma pessoa que acumula muitas viagens e muitos países. Basta-me ir a Cacilhas, que se for com espírito de viagem já estou a viajar. O grande viajante é aquele que está pronto a receber e que gosta do que é estranho, do que é alheio, do que é diferente e que aproveita isso mesmo. A minha mãe dizia sempre que eu era incapaz de viajar sem aproveitar. Sempre que viajava eu escrevia. Até em lua-de-mel aproveitava e depois escrevia. Como casei várias vezes tenho várias reportagens de viagem à conta das luas-de-mel. Pode revelar alguns detalhes sobre o seu próximo livro? Já tenho uma parte escrita, mas para já está na gaveta. Vai ser um romance histórico que se passa no séc. XVII no Brasil. FOTO: Sofia Margarida Mota De onde vem esse gosto por romances históricos? Primeiro, eu adoro história. Segundo, para quem escreve romances, a história é uma grande muleta. Temos um substracto que é a própria história e em cima disso criamos outra história. Sempre achei que o problema do romance português, muitas vezes, é não ter história. Há muito escritor que acha que escreve tão bem que não precisa de ter história nenhuma. Eu acho que o romance tem que ter uma história. O meu modelo absoluto de romance é o “Guerra e Paz” de Liev Tolstói. Acho que nunca na vida se escreverá nada como o “Guerra e Paz”. É o modelo do romance perfeito porque é uma história insertada em cima de uma outra história, a da invasão napoleónica da Rússia. O facto de existir uma muleta, não quer dizer que seja mais fácil. Há a parte toda de pesquisa, que é muito difícil e que gosto muito de fazer. Faço-o quer documentalmente, quer indo aos sítios. Para este romance já fui ao Brasil três vezes. Tenho o trabalho de campo feito. Como vê o panorama actual da literatura portuguesa, quer na prosa quer na poesia? Sou muito mais leitor de romance do que de poesia. Acho que o romance português está a atravessar uma fase muito boa. Temos vários estilos diferentes, com novos autores diferentes e muito ricos e que estão a conseguir chegar ao mercado. Isto, apesar das dificuldades que a língua portuguesa tem. É difícil, e falo por experiência própria, conseguir traduzir o português lá fora. Somos a sexta língua mais falada no mundo graças aos brasileiros. O facto é que nos países onde conta estar-se traduzido, ou seja, nos países anglo-saxónicos ou franceses, há muito poucos tradutores de língua portuguesa e é muito difícil conseguir-se a esses públicos. Mas esta nova geração tem conseguido, apesar das edições que se fazem lá fora serem pequenas. Estamos a viver uma crise que tem que ver com a crise económica e não só. A partir da crise de 2008, a primeira coisa que as pessoas sacrificaram foram os produtos culturais, tendo o livro à cabeça. Tivemos uma quebra nas edições em Portugal de cerca de 30 por cento que nunca se recuperou. Em cima disso, a força das redes sociais funcionou contra o livro, funcionou contra a imprensa escrita, jornais, revistas etc., e hoje em dia também contra a televisão. São públicos que se perderam. No mercado português perdemos 200 mil espectadores das televisões generalistas por ano. Isto aplicado ao mercado literário é terrível. Nunca mais se atingiu o número de vendas de livros que existia antes de 2008. A nova geração lê muito pouco. Creio que em Portugal não deve haver um escritor que viva apenas da escrita. Isso leva-nos a outra questão sobre o papel da internet e das redes sociais na informação e cultura da sociedade contemporânea. Esta semana vou ter um artigo no Expresso sobre isso, sobre aquilo que acho que é um movimento de grande ignorância colectiva e que a internet está a proporcionar. Eu, como toda a gente, vivo da internet. A internet simplificou-me a vida, mas eu distingo a internet útil da inútil que é sobretudo a relacionada com as redes sociais. As redes sociais contribuem para a desinformação das pessoas, contribuem para a ignorância e contribuem para a preguiça que gera a mediocridade. As pessoas estão convencidas que estão informadas e não estão. Por exemplo, em termos de informação, há uma quantidade de miúdos que só sabem os títulos das notícias, não avançam para a leitura do artigo e estão convencidos que estão informados. Isto é terrível. Qual a solução para este fenómeno? Não sei. Não faço a mais pequena ideia. Desde o início que temi que isto fosse acontecer. Lembro-me de ter discussões com as pessoas que eram muito entusiastas das redes sociais e sempre achei que seria necessário existir uma intermediação. Não é uma questão de haver elites contra as massas, mas é, de facto, uma questão em que são precisas pessoas que pensaram, escreveram, leram e que transmitem esse saber e a sua criatividade a um destinatário. Ninguém nasce informado, sem ter lido, sem ter discutido, sem ter pensado. Hoje em dia, o comum das pessoas acha que sim, acha que não é preciso informação nem leituras e isso é terrível. Falando de actualidade, qual a sua opinião sobre o Brexit e este impasse que se está a viver? Sempre tive uma grande admiração pela Inglaterra porque acho que em cada circunstância histórica foi um país que soube sempre encontrar os líderes. Agora olho para a elite política inglesa actual e a única pessoa que tem capacidade dirigente é a rainha, mas ela não tem poderes políticos. O resto, os tipos que promoveram o Brexit – Boris Johnson, Nigel Farage – são nulidades e a Theresa May é uma nulidade total e absoluta. É uma pessoa que era contra o Brexit e está a tirar a Inglaterra da União Europeia (UE) através de uma quantidade de esquemas. Ela é a essência daquilo que eu mais odeio num político, que é quando um político está a fazer aquilo em que não acredita e que passou a acreditar apenas para se manter no poder. O Cameron é um idiota que se lembrou de perguntar aos ingleses se eles queriam votar na saída da UE. Depois aconteceu outra coisa absolutamente idiota: os que queriam ficar na UE ficaram em casa, não foram votar. A geração do futuro não foi votar e a geração mais velha foi votar no futuro da outra. E votou contra o futuro da geração mais nova. Acho que estamos todos fartos da Inglaterra, estamos todos fartos do Brexit. Aliás, isto vai acabar para a semana, de uma maneira ou de outra. Todos se estão a preparar para não haver acordo nenhum. Que consequências podemos esperar da falta de acordo? É pior para a Inglaterra. Acho que vão descobrir rapidamente que já não existe Império Britânico e que tudo aquilo é um disparate. Para a Europa é grave porque a Inglaterra é essencial para a segurança e para a defesa da Europa – se é que a Europa algum dia vai ter um projecto de defesa, que acho que devia ter sobretudo agora que os Estados Unidos da América (EUA) são governados por um doido. A Europa não tem andado muito “apagada” dentro da conjuntura internacional? Apesar de tudo, está-se a portar melhor. Com o que aconteceu nos EUA em que não sabem se a NATO é para existir ou não, com a Inglaterra a pensar se quer ou não ficar na Europa, acho que a Europa se tem mantido firme, por exemplo em relação ao Brexit. Ao mesmo tempo, a Europa tem enfrentado movimentos nacionalistas de extrema-direita e tem-se aguentado. Agora foi capaz de fazer frente à Hungria. Como vê a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China? Acho que a guerra comercial vai acabar bem, ou seja, apesar de tudo, o Trump tem alguma razão em relação à China. Os chineses estão a mudar algumas coisas, estão a reconhecer que não podiam continuar a fazer tudo como até aqui. Vão-se entender porque são dois grandes mercados que precisam um do outro. E quanto ao crescimento da influência chinesa no mundo? Sou um mau conhecedor da China. Por exemplo, esta história da Huawei. Não sei até que ponto os americanos têm razão. Se de facto aquilo que os americanos suspeitam acerca dos telemóveis da nova geração, os 5G, for verdade, os chineses têm uma bomba atómica nas mãos. Se não for verdade, é uma grande jogada comercial. No que respeita à actualidade portuguesa. O que podemos esperar das próximas eleições legislativas? O PS vai ganhar tranquilamente, a menos que haja uma catástrofe que envolva, por exemplo, incêndios monumentais. O único tipo preparado para ser oposição, o Rui Rio, tem o carisma de um cepo. Mas é o único que tem alguma ideia naquela cabeça. A Assunção Cristas tem zero de ideias, o CDS não tem uma única ideia. O PCP é igual a si mesmo e ainda não percebeu que o Muro de Berlim já caiu e o Bloco de esquerda quer ir para o Governo, mas parte do partido não quer. Portugal não tem interesse nenhum politicamente. Como vê a situação da banca em Portugal e o facto de estar a ser constantemente salva por injecções de capital do Estado? Dizíamos que era muito importante ter uma banca portuguesa, que era uma questão de soberania. Hoje em dia, só quero que a banca seja chinesa, seja de Burquina Faso, seja da Polinésia, seja o que for desde que não seja portuguesa, nem privada nem pública, nem nada. Já gastámos 18 mil milhões de euros para acorrer à banca. Somos o segundo ou terceiro país da UE, a seguir à Islândia e à Irlanda que mais dinheiro gastou com a banca. É uma coisa inacreditável. E os outros já deram a volta e nós não. Basicamente, a justiça portuguesa é incompetente e não está preparada para estes casos. Está habituada a demorar anos com os processos. É inconcebível a leviandade com que a banca foi gerida em Portugal, antes e depois das intervenções.
João Santos Filipe Manchete SociedadeViolência doméstica | Julgamento de Iao Mong Ieng adiado para 17 de Junho [dropcap]L[/dropcap]ao Mong Ieng – vítima de violência doméstica que ficou praticamente cega e desfigurada depois de um ataque com óleo – escolheu ser operada para tentar reconstruir parcialmente a vista, no Reino Unido, no final de Maio. A informação foi revelada pela deputada Agnes Lam, ontem à saída de uma reunião na Assembleia Legislativa, no mesmo dia em que se soube que o julgamento foi adiado de 18 de Março para 17 de Junho. A mulher, de 31 anos, sofreu queimaduras graves em mais de 40 por cento do corpo, em Julho do ano passado, quando foi atacada pelo marido. O caso de violência doméstica foi registado depois de Lao ter pedido o divórcio. Esta opção é contrária às recomendações dos Serviços de Saúde de Macau, que consideram que a melhor solução passaria por uma osteo-odonto-queratoprótese, que seria realizada em Singapura. Este tratamento envolve a utilização de tecido dentário, que é implementado na zona das bochechas e que permite recuperar lesões superficiais na córnea. No entanto, a família mostrou-se sempre favorável à opção de tentar uma cirurgia de reconstrução parcial da vista, no Reino Unido e com esse propósito foi feita uma campanha de recolha de fundos, através do Centro do Bom Pastor. Contas feitas, foram amealhados 1,3 milhão de patacas. Uma vez que a opção é contrária à dos Serviços de Saúde, o tratamento não vai ter apoio do Governo, ao contrário do que aconteceria se tivesse sido escolhido o tratamento de Singapura. Em relação ao caso de violência doméstica, o agressor enfrenta uma acusação pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física. O julgamento agendado para 18 de Março, foi entretanto adiado para 17 de Junho.
João Luz SociedadeEnergia | Petrolífera chinesa anuncia exploração na Grande Baía [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] presidente da gigante China National Offshore Oil Corp (CNOOC), Yang Hua, anunciou que a petrolífera irá focar investimento na área da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau. A petrolífera propõe-se explorar petróleo e gás natural e construir o primeiro poço de águas profundas da região, onde se estima que exista uma reserva de gás natural com mais de 100 mil milhões de metros cúbicos, de acordo com o jornal China Daily. A companhia, cujo maior accionista é o Governo chinês, prevê ainda a construção de um complexo de exploração petrolífera nos próximos anos. De acordo com Yang, citado pelo China Daily, a zona da Grande Baía é uma das regiões onde a CNOOC vê maior potencial de investimento para a exploração offshore de gás e petróleo, assim como para a refinação de petróleo, construção de pipelines de gás natural e terminais de gás natural líquido. “Vamos continuar a aumentar a exploração e a descobrir mais poços e petróleo e gás natural para assegurar a segurança energética nacional e a estabilidade do fornecimento de energia”, avançou o presidente da CNOOC, também delegado na Assembleia Popular Nacional. A CNOOC foi responsável, em 2018, pelo abastecimento de mais de 18,2 mil milhões de metros cúbicos de gás natural à zona da Grande Baía, o que representou mais de 70 por cento do gás consumido na região.
Hoje Macau PolíticaBrexit | Risco de saída sem acordo nunca foi tão elevado, alerta Barnier [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] negociador-chefe da União Europeia para o ‘Brexit’ defendeu ontem que a responsabilidade de solucionar o impasse no processo pertence unicamente ao Reino Unido, reconhecendo que o risco de uma saída desordenada nunca foi tão elevado. “Estamos num momento muito preocupante, porque o risco de ‘não acordo’ nunca foi tão elevado. Recomendo não subestimar este risco, nem as suas consequências. Recomendo que todos os actores envolvidos se prepararem. […] Não desejámos este cenário, nunca trabalhámos para um cenário de ausência de acordo, mas estamos preparados para enfrentar esta situação”, declarou Michel Barnier. Intervindo num debate sobre o processo do ‘Brexit’ no Parlamento Europeu (PE), em Estrasburgo (França), horas depois de o parlamento britânico ter voltado a rejeitar o Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia (UE), com 391 votos contra e 242 votos a favor, Michel Barnier considerou que o novo ‘chumbo’ “prolonga e agrava” a incerteza sobre a saída daquele país do bloco comunitário. “O voto de ontem prolonga a agrava uma incerteza maior. É uma incerteza que toca particularmente o Reino Unido e a Irlanda, mas que afecta todos nós. A responsabilidade do ‘Brexit’ pertence unicamente ao Reino Unido e a responsabilidade para sair deste impasse pertence também ao Reino Unido”, afirmou. Sem acordo A primeira-ministra britânica não conseguiu fazer passar o Acordo de Saída, apesar dos três documentos adicionados na segunda-feira, que segundo o Governo britânico proporcionavam as garantias adicionais reclamadas pela Câmara dos Comuns relativamente à natureza temporária da solução de último recurso para a fronteira irlandesa inscrita naquele texto. “Fomos ao limite do que podíamos fazer para ajudar o Governo a conseguir o apoio da Câmara dos Comuns. Sempre com três objectivos em mente: preservar a paz na ilha da Irlanda, preservar o Acordo de Sexta-feira Santa e a integridade do nosso mercado único”, sublinhou. O negociador-chefe comunitário reiterou que o texto, negociado durante meses “com o Governo do Reino Unido e não contra ele”, é o “único disponível” se aquele país “ainda quiser deixar a UE e de forma ordenada”. Vincando que “não haverá novas garantias ou interpretações suplementares” ao Acordo de Saída, e que UE não pode “ir mais longe”, o político francês garantiu que a UE vai continuar a respeitar as decisões do Reino Unido e a manter-se tranquila até ao fim da negociação com Londres.
Hoje Macau VozesNovíssimas relações internacionais [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntre outros resultados, as visitas de Estado decorrem dentro dos limites da amenidade que propiciou a sua calendarização por acordo entre as partes: visitados e visitantes. Tolerâncias de ponto, bandeiras, cartazes, etc., fazem parte da parafernália festiva que os governos anfitriões colocam à disposição do seu Povo, para festejar os visitantes. Aos serviços de protocolo que acompanham a visita, compete o cuidado protocolar de não permitir o relaxamento dos horários previamente fixados que ponham em risco o cumprimento do programa previamente concebido e acordado. E os serviços de segurança, de visitantes e visitados, não se devem preocupar somente com as ameaças de bomba, ou outro tipo de atentados, mas também com o cumprimento das regras básicas de segurança, por toda a comitiva visitante, e, principalmente, pelo seu peso simbólico, pelo seu líder. As Viagens de Soberania aos territórios ultramarinos, iniciadas pelo Príncipe D. Luís Filipe, filho de D. Carlos e D. Amélia, e prosseguidas pelo General Carmona, revestiam-se de aparato semelhante ao das Visitas de Estado. Em 1954, na visita de Craveiro Lopes a S. Tomé e Príncipe, devido à deterioração dos alimentos, por insuficiência de capacidade de refrigeração, o início do banquete de honra, no Palácio do Governador, sofreu enorme atraso. Ainda estava a sopa a ser servida, quando soou o despertador de bolso do Dr. João de Mendonça, do Protocolo do MNE e proprietário da roça Boa Entrada, em S. Tomé que, hirto e de dedos entrelaçados como anzóis sobre o peito, alertava o Chefe de Estado que chegara ao fim o tempo previsto para a refeição festiva e pomposa. Recebeu o zeloso diplomata ordem de que cessava ali mesmo as funções que desempenhava na viagem presidencial. E era mandado regressar imediatamente a Lisboa. No mesmo ano, a seguir, Craveiro Lopes visitou Angola. À chegada a Luanda, prestadas as honras militares, seguiu-se o cortejo para a entrega das chaves da cidade ao Presidente da República, nos Paços do Concelho. As autoridades locais fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que se registasse o mais amplo e caloroso apoio popular ao Chefe de Estado. A sessão solene na Câmara Municipal de Luanda tinha terminado a meio da manhã. Por volta das quatro da tarde, da caixa aberta de uma camioneta de carga, estacionada no trajecto percorrido pelo cortejo presidencial nessa manhã, ouvia-se um coro de vozes desgastadas pelo calor e pelo cansaço: CA–MO–NA, CA-MO–NA, CA-MO-NA… O respectivo cabo de sipaios não sabia, desde antes da passagem do cortejo, do Chefe do Posto Administrativo de onde viera aquela deputação para a recepção ao Presidente da República… Carmona, de seu nome completo, António Óscar de Fragoso Carmona, antecedeu Francisco Higino Craveiro Lopes na Presidência da República. Falecera em 18 de Abril de 1951… Ambos morreram no posto de Marechal. A primeira visita de Estado ao Brasil foi equacionada para Junho de 1908. Residiam no Brasil dois milhões de portugueses. O Regicídio (1 de Fevereiro de 1908) inviabilizou-a. Com a aproximação da data do Centenário da Independência do Brasil (7 de Setembro de 1922), intensificou-se o desejo do país irmão em receber o Chefe de Estado de Portugal. O convite formal do Presidente do Brasil, Dr. Epitácio Pessoa, chegou às mãos do Presidente da República, Dr. António José de Almeida, ainda no decurso do ano de 1921. A 6 de Julho desse ano, foi escolhido o navio “Porto” para transportar o Chefe de Estado e comitiva ao Brasil, no ano seguinte. Era o antigo navio alemão Prinz Heinrich, um dos 72 navios alemães apresados em Portugal durante a guerra de 14/18, a pedido da Inglaterra, o que valeu a Portugal a declaração de guerra dos alemães. Era um navio velho, cheio de mazelas, a pedir reformas e a precisar de ser adaptado às suas próximas funções. Tinha sido construído em 1894. Da sua “folha de serviços”, consta o transporte do Soldado Desconhecido, dos campos de batalha europeus para o Mosteiro da Batalha. A um mês e dois dias do Centenário da Independência do Brasil, o Governo despertou para a urgência de se efectuarem as reparações de que o navio “Porto” necessitava. Entrara-se já no mês de Agosto de 1922 e os Metalúrgicos estavam em greve. Contrataram-se outros operários e era preciso marcar o dia da partida, sem que houvesse a mínima ideia do que era preciso fazer e de quando estariam concluídas as reparações. Os festejos tinham início em 7 de Setembro, no Brasil. Decidiu-se o embarque para 20 de Agosto, adiou-se para 22, depois para 24 e, por fim, para 26. O “Porto”, logo após sair da barra de Lisboa, deu sinais de avaria. Foi necessário demandar as Canárias. A viagem prosseguiu com sucessivas avarias e paragens. A entrada na baía da Guanabara deu-se no dia 17 de Setembro de 1922. Dez dias após a data do Centenário da Independência. Quando as representações dos outras países retiravam ou já tinham retirado… Estes episódios, e outros mais, tiveram origem em motivos alheios à vontade dos Chefes de Estado que neles se envolveram. Novidade nas relações internacionais de Portugal é o actual Presidente da República Portuguesa, em visita a um País Amigo e Irmão, ser o responsável por atrasos injustificáveis, apenas porque lhe apeteceu ir fora do veículo, de porta aberta, com um pé no estribo e o outro não sei onde. Duas horas para percorrer 10 Km e que estragaram o programa… É lícito a um Chefe de Estado, em visita de Estado a um País Amigo, fazer o que lhe apetece, ainda que transgredindo e coagindo o motorista, da viatura colocada ao seu serviço, a transgredir as normas de circulação automóvel em vigor? Pode um Chefe de Estado, em visita de Estado a um País Amigo, conhecedor do programa e respectivos horários, só porque lhe apetece, borrifar-se nos programas, nos horários, nas normas protocolares e de segurança? Travessuras em idade serôdia poderão ser indício de Alzheimer? Jorge Morbey
Luís Carmelo PolíticaGeração Z: inocências e tentações [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s palavras são nuvens que desarrumam o pano de fundo. Ao trabalhar com elas, talvez o mais importante seja a arte de saber mergulhar na própria desarrumação, do mesmo modo que, ao entrar na rebentação das ondas, há sempre um caudal que nos arrasta e um outro que nos faz seguir e olhar em frente. D. de Kerckhove escreveu há duas décadas uma frase lapidar sobre esta entrada no oceano: “Os gregos inventaram o teatro para recuperar a proximidade que tinha sido estilhaçada pelo alfabeto”*. Por outras palavras: as escritas clássicas, todas elas (incluindo as escritas do corpo), ensinaram-nos a separar as águas e a cativar, ao mesmo tempo, a distância e a solidão. Ao invés, as escritas digitais deixaram de desarrumar, pois elas são o próprio pano de fundo: céu táctil onde deslizam os dedos e a mente no seu todo sem grande preocupação de ‘inscrever’ e sobretudo de singularizar, mas antes de reduplicar formatos que são já tendencialmente dados em fluxo e/ou gerados pelos sistemas algorítmicos. Uma revolução neural que domestica (cada vez mais) os dispositivos na sua relação com o corpo, quase inviabilizando aquela ideia milenar de que os humanos, sendo sociais, sabem estar a sós consigo mesmos. Esta impossibilidade de se ser a sós no quotidiano do mundo digital (e de entrever uma distância, ainda que ilusória, entre si e o mundo – apanágio de ouro dos modernos) parece aflitiva. Seja como for, estou certo de que ela se irá tornar de tal modo corrente que a própria percepção da aflição (que hoje alimentamos) irá evoluir muito rapidamente para uma nova noção de normalidade. Questão de tempo. Em O Fantasma sai de cena (2007), P. Roth atirou o seu protagonista de maneira abrupta para as ruas de Nova Iorque, dando assim conta da estranheza (profunda) que era ver toda aquela gente agarrada ao novo suplemento da mente chamado “smartphone”. Ninguém era capaz de estar consigo mesmo: ou se projectavam nas imagens digitais, ou falavam com outrem. Fluxo puro. E isto aconteceu há apenas uma dúzia de anos. Era a fase do pasmo. Uma década depois, vemo-nos a cair (e com prazer, curiosamente) para dentro do aquário digital de tal modo que quase deixou de existir um espaço ‘de fora’ (que permitisse observar com distância, tal como acontecia no romance do Roth) e um espaço ‘de dentro’. Todo o mundo como que submergiu e se transformou na água do fantasmático agora-já-aqui, o novo deus sem forma e movido pelo espírito santo da IA. A geração pós-millenial – a geração Z – encarna como ninguém este aquário supremo e, para ela, a grande aflição seria poder imaginar um mundo sem os dispositivos que permitissem a alucinação, mas uma alucinação desprovida das peias, das vanguardas e das rockadas dos avós babyboomers. Estamos a viver uma (belíssima) transição meteórica de que conhecemos razoavelmente os pontos (plurais) de partida, mas de que temos particular dificuldade em perceber a natureza dos pontos de chegada. Tudo à nossa volta é um indefinido batimento de claras em castelo: uma progressão enigmática ‘in media res’. Dir-se-á que estaremos a viver um novo Iluminismo (no sentido de uma ponte inorgânica entre mundos muito distintos), mas com uma carga cinética, convulsiva e de velocidade tal que supera todas as capacidades de o poder imobilizar, para depois sobre ele reflectir. Não, não haverá mais Kants. Giambattista Vico em Scienza Nuova (1725) dividiu a humanidade em três grandes fases e na primeira os seres humanos eram vistos como meras “substâncias animadas por deuses”. Nos dias de hoje e nos tempos que se seguirão, estou em crer que este tipo de passividade animada (agora pelas divindades da virtualidade) se irá expandir cada vez mais. Novos tipos de patologias e novas formas de propriocepção estarão a caminho. Uma nova antropologia e uma nova cultura que abandonará as linguagens com que aprendemos a trocar o desconhecido pelo conhecido e a significar a experiência estarão a caminho. Este suave vórtice que se prenuncia tem um lado virtuoso que é o de perceber, até que ponto, tudo o que a espécie imaginou e desejou, ao longo de milénios (nos mitos, na literatura, no cinema, etc.), corresponderá a algo, ainda que em parte, concretizável. Os desejos potenciais do humano, pondo de lado a imortalidade (embora esteja hoje em voga o novo mito da juventude eterna; basta espreitar para dentro dos ginásios para o compreender), irão debater-se com novos e inovadores patamares de ‘realidade’. Veremos o que resultará desses novos interfaces. Provavelmente já não estaremos neste planeta para o aferir e verificar em pleno. Mas deverá ser um exercício fascinante. Assim será, pelo menos para quem, talvez de forma inocente, ainda cultiva alguns restos de optimismo. É o meu caso. *Kerckhove,D., A Expo e os princípios @ (Entrevista) Indy – O Independente, Lisboa,18-09-1998, pp. 13.17.
Gisela Casimiro EstendaisBlack mirror, Black face [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ou uma pessoa sensível. Tive, durante a maior parte da minha vida, um estômago de avestruz e uma pele que nunca me deu trabalho excepto pela cor que tenho. Não sou muito picuinhas com os produtos de beleza. A regra de ouro é hidratação completa, de cima a baixo, todos os dias. Aquele antigo ditado português que diz: put the cream, sabem? Sou discreta na minha sensibilidade, mesmo quando é a pele a sofrer. Mas a verdade é que a minha pele, o meu rosto, raras vezes são tela para maquilhagem, embora goste da dita e aprecie vê-la bem aplicada. Não tenho quase nenhuma, pelo menos comparando com a maioria das mulheres (e alguns homens), e guardo-a para ocasiões especiais; nunca faço uma make completa, escolho sempre as coisas mais básicas, e só tive uma embalagem de base na vida. Talvez por isso me recorde demasiado bem da primeira vez que fui maquilhada por uma amiga, antes de uma saída à noite; depois, por uma conselheira de beleza numa loja da especialidade (achei que não parecia eu em nenhuma das vezes), por maquilhadoras profissionais, que também trabalham em teatro, antes de participar num programa de televisão (adorei). Talvez seja como habituarmo-nos a ouvir a nossa voz gravada, melhora com o tempo. Não impede que saiba quais são as tendências, que conheça a linha de produtos de palete inclusiva de Rihanna, ou assista aos populares vídeos da Vogue, em que podemos ver celebridades como Pablo Vittar aplicar maquilhagem em dez ou quinze minutos (que nunca o são realmente, com todo o fast forward e as coisas que a dita diz já ter feito antes de começar a gravar). O Carnaval passou. Este ano não o celebrei, mas reflecti bastante sobre. O melhor foi ver as fotos e vídeos dos filhos dos amigos, mascarados, e os filhos dos desconhecidos, nos comboios, na rua, em todo o lado. O pior foi ver escolas, como no caso de Matosinhos, em que professores e demais funcionários se mascararam de negros e, inclusive, foram dadas indicações aos alunos para irem vestidos como tal. É o negro ainda uma coisa, e coisa tão passível de ser objectificada e banalizada, que pode ser descaracterizada assim tão gratuitamente? Como pode uma criança africana ou afro descendente ir para a escola de negro, quando é negra o tempo todo e, mesmo se calha esquecer-se por um momento, e a achar-se apenas humana, a própria escola a recorda, limita, ostraciza? Finalmente comprei uma máscara de carvão activado, algo que há muito me suscitava curiosidade, por este ingrediente ser agora usado em tudo e para tudo; confesso que, também, por me lembrar o black face. Em frente ao espelho, apliquei a dita seguindo meticulosamente as instruções da embalagem e, depois, removi-a, lentamente e sempre na mesma direcção. Saiu quase inteira. Pousei aquele retrato dermatológico na bancada do lavatório e pensei, eis a minha black face. A minha amiga Diana chama-lhe mask face (ela entende muito de maquilhagem). Achei o termo interessante, bem melhor que black face. Não conheço, de facto, nenhum negro, nem aqueles descritos como tendo um tom de pele preto-azulado, cuja fisionomia seja sequer próxima da daquele rosto inanimado que me olhava. Deitei-a fora e retive esta palavra: máscara. Ainda se crê, em pleno 2019, que ser negro é uma fantasia para usar nos três dias de Carnaval, ou no Halloween. Pinta-se a cara porque dá menos trabalho do que pintar também as mãos e o resto, afinal nem é preciso prestar-se a tamanha cerimónia, isto é uma coisa temporária, o resultado fica à vista de todos, literalmente in your face. Agora sou negra, agora já não sou. Obrigada, água micelar. Obrigada, toalhita desmaquilhante. Se eu, por nunca usar maquilhagem, me esqueço dela quando a tenho, da minha identidade nunca me dispo nem esqueço. Se, há uns anos, desamiguei uma antiga colega do secundário por ter postado fotos, no seu Facebook, em que ela e uma colega de trabalho se mascaravam de negras, com caras pintadas de preto ou castanho escuro, perucas afro e nomes a quererem-se tribais, exóticos ou impronunciáveis, para completar os figurinos, hoje já não o faço. Outro dia, no espaço de minutos, vi uma foto de perfil de alguém mascarado de índio, a qual lhe mereceu inúmeros elogios e, depois, a foto de três pessoas, uma das quais conheço, vestidas de negras, não menos caricaturadas e caricatas do que a polémica vestimenta berbere de Madonna há uns meses numa cerimónia de prémios. Em sua defesa, a rainha da Pop disse (mas) “I love my dress”. E ninguém pode acusar Madonna de racismo, afinal tem mais filhos adoptivos (4, negros, do Malawi) do que biológicos (2). Eu também sei que essas pessoas, as mascaradas no meu feed, adoram negros, adoram índios, e até têm amigos que são. Mas ofendem, insultam. Provavelmente mais por ignorância do que por qualquer outro motivo. Teimosia, também. Como se a afronta, por não ser intencional, tivesse de ser tolerada por quem é dela alvo. Poderia encontrar uma falsa lógica nestes episódios que mais lembram a série Black Mirror, por estas pessoas nunca terem convivido com membros da comunidade indígena e os mesmos lhes parecerem uma qualquer criação romanesca. Mas qual a desculpa para todas as outras etnias? As que andam por todo o lado? Ou não se repara nelas excepto quando se tenta, e mal, imitar quem nos parece ser e se quer considerar “todos iguais”? Os mesmos que continuamos a tratar de formas diferentes. Porque se o nosso primo ou a nossa avó não são um disfarce, porque é que mais alguém seria? E nós, somos? Ou vocês, que eu sendo negra já o sou, claramente. Acredito que temos de continuar a educar-nos uns aos outros, a explicar de forma mais ou menos directa as razões de índios e negros não serem fantasias de Carnaval (existe, no youtube, um vídeo excelente de Fernanda Carlone, que recomendo, por responder à pergunta “O que é o black face e qual é o mal?”, que muitas pessoas ainda fazem). Acredito que temos de denunciar, reportar, criticar. Acredito que aceitar a diferença é aceitar uma opinião diferente também, ainda que seja sobre a nossa/vossa boa intenção. Recentemente, a Gucci retirou do mercado uma camisola de gola alta que subia até ao nariz, deixando um buraco na boca, delineada como se por um grosso batom vermelho. A Burberry achou engraçado criar uma linha de hoodies com nós de forca como colares. O público não entendeu a piada. Katy Perry criou uma linha de sapatos com caras africanas, negras e, arrisco dizer, albinas também, inspiradas talvez em peças de arte do continente. A Prada tinha um porta-chaves também considerado racista, a velha dicotomia macaco/negro. Ninguém viu o mal em nenhum destes produtos até terem sido postos à venda, talvez por não haver pessoas negras em posições suficientemente relevantes ou, de todo, nestas empresas, que se revoltassem e demonstrassem a razão de serem ofensivos. O público, no entanto, não perdoa, e a ameaça de boicote é real. O problema começa bem antes da criação: começa na contratação de conselheiros e designers de outras etnias, numa indústria ainda predominantemente branca, que possam interromper a sequer criação de tais peças e inspirar uma criatividade histórica, social e culturalmente consciente. Um outro problema é a compra e venda de marcas de sucesso criadas por africanos, a brancos, que o fazem como forma de acabar com a concorrência, no entanto aniquilando também marcas para todos em prol da continuação da expansão de marcas apenas para alguns. A responsabilidade é de todas as partes, pois o que afecta uma minoria afecta todas, e as minorias têm de saber que um legado é mais importante do que um lucro imediato. Daqui a uns dias faço outra máscara. E quando é que eu posso trocar a minha pele por outra? Não que eu quisesse. Seria mais fácil? Com certeza. Seria melhor? Não. O melhor de cada um é o que cada um já é ou pode vir a ser. Eu não serei mais caucasiana do que alguma vez terei olhos azuis (os sapatos de Katy Perry têm-nos, curiosamente). No seu poema “A woman speaks”, Audre Lorde termina com “I am woman / and not white.” Que é como quem diz, há outras cores para seres humanos, e há outras cores para géneros. Há outras possibilidades para fantasias. Há, também, a necessidade de estarmos em contacto com a realidade, pois ela dura bem mais do que uma qualquer efeméride. Se o Carnaval é cultura e tradição, convém lembrar que ser-se humano não o é menos. Algumas homenagens não são senão hipocrisias e o perpetuar de histórias que são muito diferentes conforme quem as conta. No próximo ano, se Carnavalar não ofenda. O tempo passado em frente ao espelho a mascarar-se de alguém que nem existe talvez possa ser passado a olhar o outro e a tentar conhecer, ouvir, estar lá para quem é, não duvidem, bem real. Há coisas que não podemos nem devemos mudar. Mas façamos algo por aquelas que estão nas nossas mãos, nos nossos rostos e, sobretudo, nas nossas vozes e consciências. Porque há coisas que não podemos nem devemos aceitar.
António Cabrita Diários de PrósperoÀ procura de sabato [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o meu velho liceu, havia um alpendre com uma mesa de ping-pong. Comprei a raquete, aquela raquete. E durante seis meses treinei afincadamente, evoluindo para níveis que me pareciam excelentes. Contava ir apresentar-me ao Benfica e tornar-me atleta federado. Um dia, o meu parceiro de jogo fora à aula e deixara a raquete dele comigo e passa por ali um aluno do sétimo – filho de sueco contou-me depois e alto e enxuto como uma vírgula. Pisca-me o olho, Eh puto (eu era do quinto) vai uma partidinha. Aceitei, antevendo a vitória. E levei 21-3. A limpeza, a elegância e técnica do jogo dele eram imparáveis. Reclamei desforra. Despachou-me com 21-2. Vendo-me baratinado, consolou-me: Deixa lá, quando jogava com o meu pai ele também me dava 21-2, 21-3, ele chegou a ser atleta de competição e foi jogar à China, com os melhores do mundo, mas depois abandonou o ping-pong porque, diz, é um desporto muito incompleto. Cheguei a casa e arrumei a raquete, que caiu para trás da estante e foi esquecida; desde então sempre que jogo ping-pong ao fim de dez minutos, começo a ver duas bolas, o enfado multiplica-se em efeitos ópticos. Vem isto a propósito da escrita, onde continuo a levar 21-2 com regularidade. Só que aqui não desisto porque me lembro de duas senhoras a quem tiro o chapéu. Diz uma, a Duras: «A partir do momento em que estamos perdidos e que não se sabe mais o que escrever, o que mais perder, aí é que se escreve. Entretanto o livro está ali, e incomoda e grita, exige ser terminado, exige ser escrito. E a pessoa vê-se obrigada a colocar-se ao seu serviço». E refere, a outra, a Lispector: «Por destino tenho de ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem». Acreditar nisto é o mesmo que acreditar em farófias, mas as farófias (graças a Deus, que é ateu) existem e tecem mapas imaginários nas nossas papilas gustativas – em pura auto-profecia. Entretanto, já tenho a idade suficiente para ter testemunhado estranhas mutações nos gostos literários. Há poucas semanas fui literalmente fulminado pela observação de uma jovem amiga de trinta anos, escritora, que me confessou que não entrava no Hemingway porque lhe parecia demasiado denso. Outro que deve ser demasiado denso é o Ernesto Sabato, mesmo para os sul-americanos. A propósito de uma crucial edição do Relatório Sobre os Cegos que vai ter lugar em Portugal, andei duas horas a catar na estante algum artigo escrito sobre ele. E nada achei de substantivo. O Carlos Fuentes, no volume sobre a literatura sul-americana, menciona-o de raspão, não lhe dedicando duas linhas. Nenhum dos ensaios críticos de Cortázar lhe foi dedicado; não descortinei qualquer artigo de Juan José Saer sobre ele, e nos livros de crítica do Piglia também avulta pela ausência. Estou chocado. O Gombrowicz nos Diários Argentinos sobrevoa-o três vezes, sem detalhe… Em Portugal, o Mega Ferreira escreveu uma panorâmica sobre a Ficção Hispano-Americana de 250 páginas, nem uma linha sobre o Sabato. Vou espreitar nos ensaios e artigos do Bolano, mas vejo a coisa mal parada. Lá descubro duas páginas, no brasileiro Davi Arrigucci Jr., onde, pelo menos, se sinalizam duas coisas relevantes: «à visão clara, ao mesmo tempo que dolorosa da realidade argentina, Sabato justapõe o mergulho nocturno no subconsciente, nas zonas oníricas e abissais, nos aspectos demoníacos da personalidade, juntamente com a indagação metafísica do sentido da existência humana. O resultado é uma espécie de delírio lúcido, uma arte dionisíaca aferrada à expressão de um pesadelo (…) A busca de uma obra poética total parece confirmar-se na tentativa de Sabato de um romance como um poema metafísico, em lugar de um mero documento». É isso, Heróis e Túmulos, e o seu bloco mais delirante, Relatório sobre os Cegos, é a translação possível no século XX de Paraíso Perdido, de Milton, depois de Lautreamont, Dostoievski, do surrealismo, e, já agora, de Robert Arlt. Mas ei-lo que sofre da abstenção dos seus pares. Se o Sabato é “sabotado” desta maneira, não há esperança; creio que o melhor é dedicar-me à roleta, levar a banca do casino do Mónaco às cordas numa noite e no dia seguinte, já multimilionário, suicidar-me numa festa de arromba, porque ao menos aí a trivialidade e o sem-sentido ganharão um semblante. O que falta ao admirável Sabato para ser mais estimado? Desconfio que a postura lúdica – naquele universo catártico, enredado em três livros de ficção, até as coincidências se tornam simetrias e vemo-nos mergulhados em atmosferas onde os lobos não se vestem de cordeiros. E, embora tal condensação trágica seja apreciada, isso afasta os muito sensíveis: afinal os mundos paralelos em Sabato traduzem a toxidade do nosso, o que assusta. Faltar-lhe-á a leveza e o engenho que sobrava a Ramón Gómez de La Serna que escreveu quatro páginas sobre a sua paixão por pregos e ao fim destas ficamos convencidos que podiam ser quinhentas? Num livro sobre Ramon observa Francisco Umbral: «O escritor puro é aquele que às vezes não tem nada para dizer, mas continua escrevendo (…) E diria que é aí, quando já não tem nada que dizer, no puro rebordo do ofício, que ele dá o melhor de si como escritor. Aquele que só escreve quando tem algo para dizer, é um senhor que diz coisas, mas não necessariamente um escritor.» É tremendo mas, ao contrário deste escriba, Sabato – que queimou vários dos manuscritos que escreveu – tem sempre algo para dizer. E com ele não há o risco de nos assaltar a sensação incómoda denunciada por Mark Twain: «Estou seguro de que a música de Wagner não é tão má como soa», porque à partida seria um erro nosso tomar a sua obra por música de câmara.