Comunidade portuguesa em Macau | Novo livro apresentado hoje em Portugal 

É hoje lançado, no auditório Carvalho Guerra da Universidade Católica Portuguesa do Porto, um novo livro sobre a comunidade portuguesa de Macau, que traça um quadro histórico das idas e vindas dos portugueses a Oriente e das suas motivações. “Portugueses em Macau” é uma obra da autoria de Susana Costa e Silva e Victor Teixeira e conta com o apoio do Instituto de Estudos Europeus de Macau

 
[dropcap]E[/dropcap]migrámos para Macau, fizemos negócios, desistimos, regressámos, voltámos novamente. As gerações mais velhas ficaram para sempre, as mais novas buscam novas experiências profissionais e crescimento pessoal. A comunidade portuguesa em Macau tem sido constituída por diferentes cenários e motivações ao longo dos séculos, que são agora vistos à lupa num novo livro.
O projecto académico “Portugueses em Macau”, da autoria de Susana Costa e Silva e Victor Teixeira, ex-residentes do território e professores da Universidade Católica Portuguesa (UCP), é hoje lançado no auditório Carvalho Guerra, na UCP do Porto. A apresentação insere-se numa palestra intitulada “Macau, 20 anos depois do handover”.
Apesar dos muitos estudos feitos sobre a comunidade portuguesa em Macau, os autores ressalvam o facto de esta obra procurar ser transversal às várias fases de emigração dos portugueses.
“Apesar de já se ter escrito muita coisa sobre Macau, não existe aquilo que é uma articulação da história da presença e da população portuguesa, com uma caracterização sociológica daquilo que são os portugueses, os macaenses e outras identidades portuguesas. Não havia um estudo que se articulasse com a história da presença portuguesa depois do handover”, começou por dizer Victor Teixeira.
O livro traça, assim, um retrato de antigas gerações de emigrantes e dos jovens que decidem mudar-se, nos dias de hoje, de armas e bagagens para Macau. “Este trabalho resulta de um interesse manifestado pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), que deu o suporte à ideia quando estávamos em Macau. Há um enquadramento histórico dos portugueses que chegaram a Macau até à idade contemporânea, enquanto que eu procurei compreender os portugueses que chegaram há muito tempo em Macau e aqueles que, tendo a oportunidade de regressar a Portugal aquando do handover, resolveram ficar”, adiantou Susana Costa e Silva.

O crescimento profissional

Tendo como base inúmeras entrevistas realizadas a portugueses que residem em Macau, Susana Costa e Silva identificou factores “ligados ao crescimento pessoal, mais ao nível micro, factores ligados ao crescimento profissional e um nível mais macro factores que se relacionam com interesse ou não pelo território. A facilidade dos portugueses de se ligarem ao Oriente, de aprenderem culturas diferentes”.
A ida para Macau no contexto de crise económica que se viveu em Portugal foi uma das fases de emigração identificada pelos autores, protagonizada por profissionais qualificados que partiram em busca de novas oportunidades.
Estes “procuraram num território longínquo do ponto de vista geográfico, mas que do ponto de vista cultural não é tão longínquo assim”. “Concluímos que há sempre um elo de ligação ao território, um familiar ou até algum conhecido, há uma rede que faz com que os factores de atracção de Macau sejam mais significativos do que em relação a outras localizações”, frisou a autora. “São as motivações profissionais e não de ligação afectiva que atraíram esta nova leva de jovens para Macau”, disse ainda Susana Costa e Silva.
Além disso, a ida para Macau representa uma oportunidade posterior de emigração para outros países. “O facto de terem estado em Macau faz com que haja outras oportunidades a Oriente que se afigurem atractivas, tal como a própria China ou Xangai. Isso acontece sobretudo nas gerações mais novas. Entrevistámos várias pessoas que disseram que já não saem de Macau, e os que ficam em Macau para sempre tem mais de 55 anos. Os mais jovens não têm essa ligação a Macau tão enraizada e vão mais à aventura em busca de oportunidades profissionais”, disse Susana Costa e Silva.

Difícil avaliação

Victor Teixeira fala de diversos comportamentos dentro de uma só comunidade. “Temos uma comunidade quase difícil de avaliar. Conhecemos algumas figuras dos restaurantes, jornalistas, advogados, mas existe uma massa grande de população que se casou e que vive na grande zona chinesa da cidade, que submergiu e que é muito difícil de apanhar. Existem muitos que não gostam de aparecer e há muitos que vão ficando na sua vida.”
Actualmente “a comunidade é composta por portugueses temporários, não é uma comunidade que vive a sua vida toda em Macau e o crescimento da comunidade depende de muitos factores económicos ou de novas fases”, adiantou o professor universitário, frisando que “nos últimos dois anos temos assistido ao regresso de muitos portugueses desta vaga após 2008 e de muitos dos que estavam em Macau antes de 1999”.
Desta forma, “é muito vasto e instável do ponto de vista estatístico e numérico desenharmos uma tendência (de evolução da comunidade), porque é uma população oscilante, sobretudo do pós século XXI”.
Contudo, nem sempre foi assim. Tempos houve em que os portugueses emigraram para Macau por questões de negócio do Império ou para cumprirem serviço público ou militar. O próprio posicionamento de Macau no Império português foi mudando.
“Há vários exemplos, várias fases. Numa primeira fase é uma extensão daquilo que são os negócios da Índia, Malaca e uma abertura do Japão até 1639. Existia o tráfego com o Japão e com o sudeste asiático, e Macau era uma terra de oportunidades, de aventureiros e mercadores, a parte informal do império formal. A população tinha o atractivo essencialmente de negócios”, disse Victor Teixeira.
Em 1884, com a chegada do Governador Ferreira do Amaral, o panorama altera-se. Aí criam-se os interesses próprios de Macau, que passa a ser uma ponte entre a China e o Império Ultramarino. “Os portugueses em Macau vão-se fixando, uns morrem lá, outros regressam, sentem a população do ponto de vista do negócio, de outras actividades relacionadas com a Índia e com o sudeste asiático”, aponta o académico.
Ferreira do Amaral é assassinado já no século XIX e, uma vez que os ingleses já se encontram em Hong Kong desde 1842, Macau “muda também e passa a ser uma cidade que acorda de uma letargia desse comércio com Goa”. “Vai conhecer uma nova reorganização do ponto de vista de inserção no Império, vai ter uma regularização em termos institucionais embora não seja factor de atracção como Hong Kong ou Pequim”, acrescentou Victor Teixeira.
Em 1966 dá-se o movimento “1,2,3” que marca “o começo do abandono do estatuto perpétuo da administração portuguesa em Macau”, seguindo-se, gradualmente, “o abandono de algumas franjas portuguesas e de macaenses até 1999”.

E o futuro?

Victor Teixeira não tem dúvidas de que, até 2049, haverá comunidade portuguesa em Macau, protegida legalmente e respeitada. “Pelo menos até 2049 está tudo enquadrado na Lei Básica. E é óbvio que é observado e cumprido pela China, de acordo com as palavras dos dirigentes e da comunidade portuguesa, da existência de uma simpatia e um desejo que os portugueses permaneçam em Macau. Não podemos escamotear isso, existe teórica e juridicamente esse respeito e vontade. Mas se me perguntar, na prática, penso que existe uma vontade da comunidade portuguesa e macaense de se manterem além de 2049”, concluiu Victor Teixeira.

Desafios na Grande Baía

O advogado Óscar Madureira, ex-residente de Macau e professor na UCP, é outro dos oradores da palestra de hoje, que visa mostrar ao público português mais sobre a RAEM. “Achamos que ainda existe pouca visibilidade”, disse o causídico ao HM, que vai falar sobre o sistema jurídico local.
Sobre este tema, Óscar Madureira defendeu que existem alguns desafios no contexto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, mas não só. “Há alguns desafios que estão na calha, um deles é o da modernização do Direito que é transversal à maioria das jurisdições. Quanto a Macau no contexto da Grande Baía, temos de ver como é que, em termos jurídicos e políticos, o sistema jurídico de Macau se vai integrar. Há outros dois sistemas jurídicos que são muito díspares”, concluiu. A palestra de hoje conta também com a presença de Isabel Castro, ex-editora do HM e ex-directora do Ponto Final, Jorge Pereira, Sara Medina e Manuel Fontaine.

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