Paulo Cardinal | “Defender a Lei Básica e a Declaração Conjunta já não é conveniente”

Passaram-se meses, mas as razões não aparecem. Quase um ano depois de ter sido dispensado da Assembleia Legislativa (AL), o jurista ainda não percebe porque foi despedido. No entanto, recusa ter qualquer plano de vingança contra Ho Iat Seng e admite que poderia haver candidatos a Chefe do Executivo piores do que o actual presidente da AL

[dropcap]O[/dropcap] que sentiu quando foi informado que o seu contrato não ia ser renovado?
Foi um profundo choque, uma surpresa total, encarnando uma injustiça. Ainda hoje não encontrei uma resposta com a verdadeira razão do que sucedeu. Estive a trabalhar na Assembleia Legislativa 26 anos, como assessor, assessor-coordenador e, estando plenamente de consciência tranquila quanto ao cumprimento dos meus deveres e funções, só posso dizer que foi uma surpresa total. Vivi um sentimento de injustiça profunda relativamente ao sucedido.

Como lhe foi comunicado que o seu contrato não ia ser renovado?
A forma anónima e indigna como me comunicaram a minha demissão, depois de 26 anos na Assembleia Legislativa, foi através de uma mera carta, que foi entregue por uma pessoa que estava a tremer das mãos, enquanto eu lia o que lá estava. Foi uma decisão que me foi comunicada dois ou três dias antes de ir de férias a Portugal.

Houve quem considerasse que a conferência de imprensa em que Ho Iat Seng comentou a sua saída, sugerindo que era o melhor para si e que poderia abrir um escritório de advogados, foi enxovalhante. Concorda?
Não me senti enxovalhado porque para isso teria de estar numa situação em que estaria disponível para o sentir. E eu não estava. Sei o que fiz e estou de consciência tranquila […] Mas ninguém gosta de ser empurrado com alguém a dizer: “olhe, você aqui está a desperdiçar os seus talentos. Portanto, leva um pontapé para ir fazer melhor”. Não gostei.

A razão apontada foi a reorganização da assessoria jurídica da AL…
Não consigo entender esse motivo e não sou apenas eu. A generalidade da comunidade portuguesa, e não só, também recusa esse motivo. É por isso que surge a enorme onda de solidariedade e as respostas que foram sendo dadas, com expressões públicas de apoio do presidente da Associação dos Advogados de Macau, o Dr. Jorge Neto Valente, a presidente da Casa de Portugal. Dra. Amélia António, o Cônsul-Geral, Dr. Vítor Sereno, entre muitos advogados, juristas, jornalistas, comentadores, etc..

FOTO: Sofia Margarida Mota

A posterior contratação de dois juristas foi o reconhecimento do erro?
Acho que sim, essa justificação caiu quando a mesa da Assembleia Legislativa, ciente do erro que tinha cometido, decidiu contratar mais dois colegas. […] Num momento dizem que há uma reorganização, um rejuvenescimento e que por isso têm de deixar sair duas pessoas. Passado pouco tempo foram contratar mais pessoas e ainda bem que contrataram portugueses.

“A verdade é que os despedimentos foram visionados por muita gente que pensa pela sua cabeça como um ataque aos portugueses.”

Porque foca o facto de serem portugueses?
Claramente que uma das leituras possíveis sobre este caso era sinalizar que, por ventura, os portugueses já não seriam tão necessários neste tipo de cargos. Principalmente se fossem portugueses com a postura adequada ao cargo de assessor jurídico.

Que postura é essa?
Ser assessor não é apenas dizer que sim antecipadamente ao que é pedido. Um assessor tem que estudar as questões e, independentemente da nossa opinião ser conveniente para quem a pede, nós temos de transmitir a nossa visão tecno-jurídica. Depois o decisor político age em conformidade ou não, consoante o que entender. Faz parte das funções do assessor jurídico dizer que não quando é para dizer que não e justificar e apresentar opiniões.

Saneamento Político

Em relação à sua saída houve quem falasse em saneamento político. Concorda?
Não sei se a decisão terá sido da assembleia ou de outrem. E dada a opacidade do processo, neste momento, é legitimo pensar-se tudo. Dado que a única explicação avançada não colhe e não tem qualquer ligação com a realidade, isso dá origem a várias teses, sobretudo numa comunidade como a de Macau, pequena, uma paróquia, em que toda a gente conhece toda a gente.

Mas terá sido um saneamento?
Não posso afirmar que sim, porque não conheço o que se passou. Mas é uma possibilidade, nomeadamente tendo em conta o que se vai dizendo por aí… Pode ter a ver com algumas posições que fui tomando, como cidadão. Sempre tive uma intervenção cívica, mas foi uma intervenção feita sempre de cara limpa, aberta, dando o meu nome e chamando a atenção para algumas situações que a meu ver não estavam correctas. Nomeadamente nesta preservação do Segundo Sistema, dos direitos fundamentais, da legalidade, etc.. Tenho de admitir a tese de saneamento político como possível.

Essa intervenção cívica foi o principal motivo?
É difícil face a esta poluição de ideias, insinuações, escolher uma razão principal. Sei que tinha intervenção cívica e que sempre me assumi publicamente. Criticava quem quer que fosse, o TUI, quando achei que devia criticar, o secretário para a Segurança, quando achei que devia criticar, o Chefe do Executivo, quando achei que devia criticar. Portanto, será que isso causa incómodo? Com certeza. Se achava que me ia custar o trabalho? Não. Obviamente que fazia sempre uma análise, mas achava que era o meu dever enquanto cidadão de Macau não ficar calado. Estava a exercer os meus direitos fundamentais e a minha organização cívica.

Era um voz incómoda?
Penso que sim. Era uma voz incómoda, mas quem vive em democracia ou proto-democracia tem de saber viver com vozes incómodas, sobretudo quando essas vozes surgem de uma forma aberta, transparente e assumem posições. Não era uma voz incómoda por andar a fazer chegar por portas travessas documentos a A ou a B.

As intervenções podem ter sido encaradas de forma negativa?
As pessoas precisam de compreender que as poucas intervenções que tive nas televisões ou nos jornais tiveram sempre em vista a defesa da legalidade, da Lei Básica e da Declaração Conjunta. Mas, parece que hoje em dia defender a Lei Básica e a Declaração Conjunta já não é conveniente ou politicamente correcto.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Chegou a falar na existência de Um País, Um Sistema e Meio…
Em função das pressões que Macau tem vindo a sofrer, tal como Hong Kong, onde é mais evidente, o Segundo Sistema está a ser atacado, é uma espécie de queijo que vai sendo abocanhado aos bocadinhos e, por ventura, hoje já não se pode falar em Um País, Dois Sistemas, mas em Um País e Um Sistema e Meio. No futuro espero que isto não resulte em Um País, Um Sistema, porque não é isto que está acordado entre Portugal e a República Popular da China. Não é isto que está prometido à comunidade internacional e sobretudo não é isto que está prometido à comunidade de Macau.

Ajudas a Sulu Sou?

Foi acusado de ajudar Sulu Sou. Aconteceu alguma coisa deste género?
Se isto não fosse um caso muito sério, seria uma anedota, mas de mau gosto, e eu ria-me. Mas não me consigo rir. Ajudei muitos deputados ao longo dos meus anos na Assembleia Legislativa. E ajudei porque é o meu dever ajudar. O Sulu Sou não foi um deles.

E se o auxílio tivesse sido pedido. Estava obrigado a ajudar Sulu Sou?
Nos termos da Lei Orgânica e no Estatuto do Deputado, Sulu Sou teria todo o direito de pedir o meu auxílio para esta questão. Nos termos da Lei Orgânica da AL, à qual eu estava vinculado, seria o meu dever funcional e laboral ter providenciado essa ajuda. É também importante perceber que este conflito não é entre a AL, por um lado, e pessoas de fora, por outro. É um conflito interno. É um conflito entre um deputado legitmamente eleito e alguns órgãos da AL. Aqui não há dúvidas, caso ele tivesse pedido o meu auxílio e a minha cooperação técnica eu tinha o dever de o fazer. Mas garanto aqui que isso não aconteceu. O deputado Sulu Sou não me pediu qualquer auxílio e eu lhe não prestei qualquer auxílio.

“Tenho de admitir a tese de saneamento político como possível.”

E porque circulou essa informação em Macau?
É uma tentativa de assassinato de carácter, mas é algo absolutamente falso. Digo isto olhos nos olhos a quem quer que seja. É absolutamente falso que tenha passado um único documento confidencial ao deputado Sulu Sou. E até digo mais, posso deixar que invadam a minha privacidade e que tenham acesso a telemóveis e computador. Depois apresentem-me qualquer email, mensagens de skype, mensagens de whataspp, telefonemas, o que quer que seja que tenha trocado com o deputado Sulu Sou. Não vão encontrar nada.

Não se importa que invadam a sua privacidade?
Deixo a minha privacidade cair. E quem eventualmente que tenha acesso às trocas de informações que as traga a público. Só que não vão trazê-las porque é tudo absolutamente falso. Nunca contactei o deputado Sulu Sou. Nunca passei um documento confidencial ao Sulu Sou. Tenho 26 anos de trabalho na AL, estive envolvido em processos altamente complexos, altamente sigilosos, alguns envolvendo o Chefe de Estado português, outros envolvendo altas personalidades da RPC e nestes anos todos nunca houve uma nódoa, nunca houve uma névoa de suspeita, nunca me imputaram que tivesse violado os deveres de sigilo. É tudo absolutamente falso, indigno, é uma tentativa de assassinato de carácter.

ATENTADO DE CARÁCTER

E como surge esta história?
Parte resulta da miséria humana de uma colega. Não tendo mais nada que fazer e vendo-se confrontada com sucessivos erros ou incapacidades, mais não teve do que dizer que afinal havia espiões e sabotadores na Assembleia Legislativa. Dizendo isso com uma total irresponsabilidade, sem o mínimo de provas e não querendo saber de eventuais consequências.

Fala de uma colega na assessoria jurídica?
Sim, sim. Essa pessoa dizia isso em reuniões da Assembleia Legislativa, em reuniões da Assembleia com pessoas de fora e a pessoas cá fora, quando as encontrava na rua. Ela dizia sempre, a plenos pulmões, que tinha havido um caso em que eu tinha passado documentos confidenciais a um determinado deputado, a Sulu Sou. É uma história de miséria humana.

Mas essa pessoa foi responsável pelo seu despedimento?
Se esteve na origem do meu despedimento ou dispensa, não sei. Mas quem decidiu a minha dispensa não foi essa senhora, essa colega. A responsabilidade deste afastamento terá de recair sobre aqueles que formalmente desempenham o poder, seja a decisão tomada imediatamente por eles, seja a decisão encomendada e tomada por outrem, fora da AL.

Alguma vez apresentou queixa contra essa colega?
Não quero falar muito sobre esse assunto, porque acho que é uma questão rasteira. É uma questão quase de esgoto. O que posso dizer é que me foi testemunhado por várias pessoas de diversos sectores. Essa colega dizia e insistia que tinha havido sabotagem e traição e que eu teria passado documentos confidenciais a um deputado, em concreto a Sulu Sou.

Quer dizer o nome da colega?
Não, não quero sujar a minha boca.

Poderia haver uma promoção para a carreira dessa pessoa?
Penso que não. Ela já está num patamar elevado. Não sei o que vai na cabeça de pessoas com esta natureza. Felizmente não tenho este perfil. Acho que nem vale a pena dizer que se não fosse eu e o Dr. Paulo Taipa, há uns anos, que ela teria perdido o emprego. Fiz isso e fiz de bom grado. E faria outra vez.

PORTAS FECHADAS NA CARA

Depois de terminar o seu contrato foi noticiado que estava com dificuldades em encontrar um trabalho na área em Macau. Como está a situação?
Ainda não tenho nada firme. Tenho algumas possibilidades, mas nada concretizado. Na altura houve muitas pessoas que me disseram que não haveria nenhum problema, em função do meu currículo, da minha experiência, dos quase 30 anos em Macau, dos 26 anos na Assembleia Legislativa, dos 2 anos no Gabinete de Modernização Legislativa, docente na Faculdade de Direito da Macau, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, etc., etc. As pessoas diziam-me que em Janeiro de 2019 o problema seria escolher sítio onde queria trabalhar, o que seria normal, em função da minha experiência e currículo. Não foi isso que aconteceu.

É normal este tipo de situação?
Penso que não, sem modéstias exageradas. Tenho quase 30 anos de trabalho em Macau, em funções altamente especializadas e complexas, tenho docência universitária em instituições de ensino, tenho seis ou sete livros publicados, tenho agora mais um que vai sair esta semana… Não é normal que uma pessoa com este tipo de habilitações não encontre emprego.

“Sei que tinha intervenção cívica […] Se achava que me ia custar o trabalho? Não.”

E qual a razão desta dificuldade?
Macau é uma paróquia e não prima propriamente por uma coragem exacerbada. Macau pela sua dinâmica, de comunidade pequena, fechada e por tudo girar à volta do centro gravitacional do poder eventualmente traz estas consequências. Se alguém entra numa zona de desconforto, não quero chamar-lhe lista-negra, depois as portas, as janelas e os portões poderão ficar fechados, ou eventualmente por abrir.

Fecharam-lhe muitas portas na cara?
Sim, fecharam-me algumas. Algumas pediram currículos e houve tentativas de gente com grande solidariedade… Houve muitas pessoas da comunidade portuguesa e chinesa, pessoas altamente colocadas, que me tentaram ajudar. E acredito que me tentaram mesmo ajudar, mas não foi possível.

Existe medo de incomodar aquele que poderá ser o próximo CE?
É uma interpretação possível. Não tenho dados que me permitam afirmar que isso aconteceu.

E porquê?
Não sei. Só posso especular. Talvez não tenham querido colocar em causa uma pessoa com mais poder. Será que a decisão de não renovar os contratos foi de alguém que não é de Macau? Não sei. Como o processo foi extremamente opaco e a única justificação que houve caiu imediatamente, dá azo a toda esta especulação.

Terá a ver com a colagem que foi feita ao deputado Sulu Sou?
É evidente que quando há uma colagem falsa a um deputado que é visto como uma espécie de quisto, um tumor cancerígeno, como é visto o deputado Sulu Sou, isso não ajuda. Eu nunca percebi porque é que o Sulu Sou foi eleito como a grande ameaça ao regime. Garanto olhos nos olhos que a primeira vez que falei com o deputado Sulu Sou foi já depois de ele ter regressado do processo de suspensão. A primeira vez que falei com o deputado Sulu Sou foi para lhe dar os parabéns por ter regressado à AL.

Mas revê-se em algumas posições de Sulu Sou…
É uma questão distinta. Se eu como cidadão, na minha intervenção cívica, me revejo em muitas das posições de Sulu Sou, é evidente que sim. Quem gosta da democracia, dos direitos fundamentais obviamente que tem de sentir-se identificado com muitas das propostas de Sulu Sou. Isso significa que estava feito com ele, que atraiçoava ou que era espião, sabotava ou passava informação confidencial? Não faz sentido nenhum. Não tive intervenção nenhuma no processo Sulu Sou. Não fui a nenhuma reunião, não tinha acesso a documentos confidenciais. Não é só a questão de ter passado documentos. Eu nem tinha acesso a qualquer documento confidencial. É uma efabulação triste e com resultados.

Como viu o primeiro processo de suspensão da RAEM?
Como jurista, acho que se assistiu a uma violação consecutiva de várias normas da Lei Básica, do Estatuto dos Deputados e do Regimento. Esse processo está inquinado porque houve várias violações consecutivas a normas a que se devia obediência e não foram obedecidas. Quem ler com cuidado o acórdão do Tribunal de Segunda Instância nota que o TSI não se coíbe de mostrar insatisfação, ou discordância, com actos da AL. Por exemplo, quando diz que a comissão elaborou um documento a que decidiu chamar parecer, mas parecer vem entre aspas, e decidiu, quer dizer que não é um verdadeiro parecer. É assim que faço a minha interpretação. […] Há vários passos do TSI que permitem aquilo que qualquer aluno mediano do primeiro ano veria, houve várias violações ao Regimento, ao Estatuto do Deputado e à Lei Básica. Não sei com que fins, não compreendo, mas houve.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Porque só decidiu falar agora?
À maneira tradicional de Macau, depois de eu sair haveria outro tipo de condições para me dizerem que foi por isto ou aquilo. Outra questão foi a serenidade. Volto a dizer: foi uma surpresa, um choque, houve um sentimento de injustiça profunda. Sei o que fiz e o que não fiz. Não merecia ter saído. Precisava de serenidade e não queria dar uma entrevista para lavar a roupa suja, atacar pessoas, e para me limitar a vomitar vingança. Não queria isso. E houve outra razão.

Qual?
Tudo indica que Ho Iat Seng é o putativo Chefe do Executivo. Portanto, é o melhor momento para vir falar. Não tenho receio, esqueletos no armário. No momento em que ele está em crescimento ao nível de poder, venho falar.

A CORRIDA DE HO IAT SENG

Ho Iat Seng é o principal candidato a Chefe do Executivo…
Relativamente a Ho Iat Seng tenho que fazer alguns pontos prévios. Nestas circunstâncias, se eu vier dizer mal de Ho Iat Seng não há qualquer credibilidade porque é tido como uma vingança. Dizer bem também não me apetece muito. Mas sobretudo não me apetece dizer bem porque poderia dar a imagem que estava a tentar entrar novamente nas boas graças do futuro Chefe de Macau. Eu não quero entrar nas boas graças dele, nem nas más. Mas, primeiro, fui afastado de uma forma absolutamente injusta. Segundo, eu não estou no meu grande escritório de advocacia. Portanto, era falso e eu não tinha um grande escritório à espera. Também foi dito que concordei em sair. Eu não concordei nem discordei nem sair. Foi-me comunicada a saída. Quanto ao resto, Ho Iat Seng sempre foi uma pessoa muito educada, com um trato muito civilizado. Isso aumenta ainda mais a surpresa.

Ho Iat Seng é o candidato ideal para Chefe do Executivo?
Penso que haveria outros candidatos que teriam melhores aptidões, melhor potencial, mas também tenho consciência que haveria outros candidatos, que foram falados, que teriam piores aptidões. Caso Ho Iat Seng seja eleito, como cidadão de Macau, tenho necessariamente de lhe desejar as melhores felicidades. Quanto melhor for o desempenho do seu cargo, melhor sai servida a população.

O que espera do futuro Governo?
Se Ho Iat Seng o eleito Chefe do Executivo, ou outro, gostava de ver esta insalubridade que assola a sociedade de Macau desaparecer, ou pelo menos diminuir. Gostava de ver os direitos fundamentais serem melhor garantidos e que diplomas sobre direitos fundamentais, como o diploma do Direito de reunião e manifestação ou de protecção de dados fundamentais […] não sejam utilizados para persecutórios contra quem exerce esses direitos fundamentais. Gostava de ver o regresso a uma cultura de Rule of Law e não Rule by Law. […] Tivemos essa cultura e está a desaparecer.

“Penso que haveria outros candidatos que teriam melhores aptidões. […] Quanto melhor for o desempenho do cargo dele [Ho Iat Seng], melhor sai servida a população.”

Preocupa-o a tendência securitária?
Era importante que fosse feito um retrocesso desta tendência, que roça a paranóia. Era importante que se vivesse como antes, em que se deixava as pessoas emitirem as suas opiniões, que podem ser distintas das outras, porque tudo isto faz parte da democracia e do segundo sistema. Não temos de ter receio.

O facto de Ho Iat Seng ter mantido a nacionalidade portuguesa como presidente da Assembleia Legislativa tem relevância?
Não sei. Ele é português?

Um português pode ser Chefe do Executivo e presidente da Assembleia Legislativa?
Nos termos da Lei Básica e, se a memória não me atraiçoa, para ser Chefe do Executivo é preciso ter nacionalidade chinesa. Esse requisito da nacionalidade também se estende a outros cargos, como o presidente do TUI , por exemplo, ou o presidente da AL. Julgo saber que a lei da nacionalidade da RPC não permite a dupla nacionalidade. Mas não sou um perito e não estou aqui num exercício de vingança contra ninguém, menos ainda contra Ho Iat Seng. Ele encarnou e formalizou a decisão da minha saída. Não esqueço, não perdoo, mas já estou noutra.

O facto de Marcelo Rebelo de Sousa visitar brevemente Macau, contribuiu para que falasse nesta altura?
É uma coincidência feliz. É o Presidente de uma república que é verdadeiramente democrática e que verdadeiramente elege os direitos fundamentais como prioridade. Também acabámos de celebrar o 25 de Abril há pouco tempo e todos estes factores e coincidências apontaram no sentido de falar.

O que espera da visita do Presidente em relação ao seu caso?
Nada. O meu caso está decidido. Estive reunido com vários membros do Governo português, dois ou três ministros, falei do meu caso, mas não pedi ajuda para resolverem o assunto. Nunca pedi isso. Tinha consciência que não poderia voltar para a AL e se me convidarem para voltar, eu não volto. Falei no sentido de dizer que há uma situação que sinaliza, que simboliza, que é um sinal de alerta de alarme para quem, independentemente das funções, defende a democracia, os direitos fundamentais e para quem é português.

FOTO: Sofia Margarida Mota

ATAQUE E RETROCESSO

Trata-se de um ataque à comunidade portuguesa?
Continuo convicto que na altura houve um ataque a pessoas portuguesas que primavam a sua actuação pela isenção e que não vergavam. É uma leitura possível do caso e foi nesse aspecto geral que falei com, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, quando ele passou por Macau. Nunca pedi, nem em Portugal nem aqui ao ministro, que me ajudasse a resolver o assunto para eu voltar à AL. Não, penso é que sinaliza e é um sinal de alerta para o que poderá vir a caminho.

O objectivo passava por vos mandar para fora de Macau
Houve um ponto importante do Cônsul Vitor Sereno, que com uma grande capacidade de antecipação – e na altura nem eu percebi o verdadeiro alcance das declarações dele – disse que Paulo Cardinal e Paulo Taipa saem da assembleia, mas têm muito a dar em Macau e devem continuar em Macau. Na altura achei aquilo um bocadinho estranho. Depois percebeu-se. Não só vão sair da AL, como por ventura há a ideia de os mandar embora. São pessoas incómodas, pessoas que não devem continuar aqui. Ele antecipou isso e deu o recado, em boa hora.

Mas depois foram contratados dois portugueses…
A verdade é que os despedimentos foram visionados por muita gente que pensa pela sua cabeça como um ataque aos portugueses. Em relação às contratações, tenho de dar os parabéns a Ho Iat Seng, que reconheceu o erro, recuou e foi contratar mais uma ou duas pessoas. Do mal, o menos.

Espera continuar por Macau?
Enquanto puder estar aqui, estou aqui. Sou cidadão de Macau há quase 30 anos, trabalho aqui, casei aqui, o meu filho nasceu aqui. Fui injustiçado. Mas era o que mais faltava sair com um pontapé no rabo ou tipo chiclete que se usa e deita fora, sem demora. Enquanto puder e tiver condições vou continuar em Macau. Dei muito a Macau e Macau deu-me muito.

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