Seis meses depois, Boracay procura recuperar do fecho

Boracay abriu aos turistas na passada sexta-feira. As festas de praia estão proibidas e o número diário de turistas passa a fixar-se em 19 mil. Interrompida a principal actividade económica, a população passou a sofrer ainda mais privações. Joven Antolin não cruzou os braços e perante a adversidade serviu mais de 26 mil refeições a famílias carenciadas durante o período em que a ilha esteve encerrada

 

[dropcap]A[/dropcap]cabaram-se as festas. Boracay reabriu ao turismo, com novas e apertadas regras. Para já, foi anunciado que as festas na praia têm os dias contados, assim como a ingestão de bebidas alcoólicas e o consumo de tabaco. Outra das mudanças face ao que era habitual nos areais de Boracay é a proibição de vendedores, massagistas, espectáculos de fogo e, para já, desportos aquáticos. Também a quantidade imensa de barcos que habitualmente ficavam ancorados à beira-mar foram forçados a atracar noutras paragens.
Além destas alterações, foi fixado um número mínimo de turistas permitidos diariamente na ilha (19 mil), enquanto o número máximo de trabalhadores passou a ser 15 mil por dia.

É de referir que no ano passado, Boracay foi visitada por dois milhões de turistas, o que apurou mil milhões de dólares de lucro, em grande parte às custas de um desastre ambiental que estava à vista de todos.

Antes do encerramento da ilha, as autoridades filipinas descobriram que cerca de um terço dos 600 a 700 resorts operavam sem licença. Deste universo, apenas foi permitida a reabertura a 157 hotéis, oferecendo 7308 quartos aos primeiros turistas que regressaram a um dos mais procurados destinos turísticos da Ásia.
O Executivo de Duterte tem planos para alargar a “restauração” a outros pontos de grande procura no arquipélago, que tem mais de sete mil ilhas.

A nova visão do Governo filipino para Boracay irá também afectar a indústria do jogo, nomeadamente o grupo Galaxy que se preparava para abrir um casino na ilha, com um investimento previsto de cerca de 500 milhões de dólares norte-americanos. O casino seria aberto em parceira com um grupo filipino, que face à notícia de que não seria permitido jogo em Boracay emitiu um comunicado dirigido à Bolsa de Valores das Filipinas a dizer que não tem mais informações a acrescentar sobre o projecto, além do que foi noticiado nos meios de comunicação social.

Vida suspensa

Na passada sexta-feira terminou o calvário de um povo que ficou, de um dia para o outro, sem sustento. Durante seis meses, os empregos e salários ficaram em suspenso. Não houve turistas a quem dar massagens ou refeições para servir nos restaurantes. Em nome da protecção ambiental, a ilha de Boracay esteve fechada durante seis meses ao turismo e só abriu na passada sexta-feira.

De portas encerradas, os residentes da paradisíaca ilha na província de Aklan, depararam-se com desemprego e, por consequência, fome. Joven Antolin, filipino com nacionalidade canadiana e proprietário de um hotel na ilha, resolveu abrir as portas para dar de comer a parte da comunidade, em especial numa das áreas mais pobres na zona norte, Yapak. Todos os dias, adultos e crianças fizeram fila com um prato nas mãos à espera de comida.

Seis meses depois, Joven Antolin disse ao HM que serviu um total de 26,750 refeições a moradores da ilha e garante que há ainda pessoas à espera de licenças para poder regressar ao trabalho. “Muitos dos locais que vivem na nossa comunidade ainda estão à espera de trabalho, pois estavam ligados aos barcos de recreio e, neste momento, a sua circulação ainda não é permitida. Muitas mulheres que vendiam bugigangas e lembranças também continuam à espera do Governo”, confessou.

Face a esta circunstância, quem esperou seis meses para voltar ao activo, vai ter de aguardar mais, com “paciência e um grande espírito de perseverança”, sublinha Joven.

“Algumas pessoas que antes estavam empregadas em hotéis tiveram a oportunidade de regressar. Os locais que conduziam barcos, tinham bancas de rua, eram massagistas na praia ainda estão à espera dos planos que o Governo terá para eles. Muitos dos hotéis ainda não conseguiram abrir porque necessitam de licença. O processo para a obtenção dessa licença é muito caro.”

Ainda assim, o Governo liderado por Rodrigo Duterte tem providenciado “subsídios que servem de incentivo ao trabalho na comunidade”. “Essas pessoas [que continuam à espera] limpam as ruas e o Governo paga-lhes por esse trabalho, mas não tenho a certeza se esse programa vai continuar”, acrescentou.
O proprietário do hotel referiu também que antes do fecho de Boracay a turistas, “a maioria dos trabalhadores na área do turismo, ligados a hotéis e restaurantes, foram reencaminhados para as áreas metropolitanas”.

Restam sinais de emprego pouco qualificado e mal pago, assegura. “Apenas 15 por cento dos locais tem um emprego significativo na área do turismo. Espero que isso mude.”

Além das questões laborais, permanecem problemas relacionados com infra-estruturas. No interior da ilha há ainda muitas vias rodoviárias em péssimas condições e, por isso, fechadas à circulação do trânsito. “As estradas ainda estão em obras e pode levar algum tempo até que fiquem concluídas. Também é necessário mexer em alguns edifícios que precisam de ser demolidos. Acredito que tudo ficará a funcionar bem, tendo em conta algumas estruturas que já estão concluídas.”

No passado dia 11, Joven Antolin escreveu na sua página de Facebook que a ilha poderia não estar ainda pronta para receber turistas. “Será que iremos receber bem as pessoas quando a maior parte das estradas estão em construção e continuam a existir inundações quando chove e a electricidade se mantém inconsistente? Será que trazer pessoas beneficia o processo?”, questionou.

Para o proprietário do Oasis Resort and Spa, esta situação “não é justa para os convidados que não fazem a mínima ideia de como está o interior da ilha, sobretudo quando estão disponíveis poucos serviços”, escreveu.

Apoio não acabou

Domingo, dia 28, foi o último dia em que o resort de Joven Antolin distribuiu refeições a famílias necessitadas, mas o empresário garante que vai continuar a desenvolver um programa de cariz social.
“No último domingo foi o último dia em que demos alimentação à comunidade e começamos a preparar o hotel para os hóspedes. Ainda providenciamos refeições gratuitas para os alunos e damos essas refeições nas salas de aula.”

Nos próximos meses, todos os que se hospedarem no hotel de Joven Antolin poderão ajudar também a comunidade. “Começámos um programa que vai continuar neste ano académico. Nesta altura, vou levar vários doentes para Manila que precisam de cirurgias, na maioria ao coração e ancas, e também para que façam check-ups médicos. Esperamos que os futuros hóspedes da ilha possam considerar hospedar-se no nosso hotel para que possamos continuar a prestar cuidados à nossa comunidade. Aqui podem ter férias com uma finalidade.”

Neste sentido, os turistas poderão também fazer voluntariado e participar “no programa de doação de refeições ou até a ajudar alunos no programa que estamos a desenvolver”. “Podem desfrutar de um bom dia na praia e fazer a diferença ao mesmo tempo, é uma situação em que ambos ganhamos”, disse ao HM.

Ao longo dos últimos seis meses, Joven Antolin foi mantendo um diário do seu programa de apoio no Facebook. No passado dia 3, foi relatada a fome que muitos sentiram nestes meses em que o negócio e o trabalho pararam por completo. “Dia 156: ter fome e não ter nada, ao mesmo tempo que se observa os outros a comer, é a pior experiência que alguém pode ter. Nesta fase, já servimos 23,400 refeições e estamos gratos por esta oportunidade de servir a comunidade neste período duro e por podermos oferecer refeições gratuitas a todos os que precisam.”

Outro dos relatos feitos por Joven Antolin tem como foco o aumento dos preços dos alimentos nos mercados. “Dia 99: em apenas dois dias os preços dos vegetais voltaram a aumentar. As couves e cenouras que comprei há dois dias a 100 pesos por quilo (dois dólares americanos) estão agora a 140 pesos (2.75 dólares). Há o receio de que os preços continuem a aumentar”, apontou.

Ajuda na saúde

Além de providenciar comida, Joven Antolin tem ajudado várias pessoas que necessitam de tratamentos médicos. Com esse propósito, abriu uma campanha de recolha de fundos. O gerente de hotelaria divulgou um desses casos na sua conta de Facebook no passado dia 6 de Setembro. “Dia 129: Ontem, depois de servir refeições visitei um homem que necessita de uma cirurgia à anca. Ele e os quatro filhos vivem numa divisão pequena, que tinha o chão inundado devido à água da chuva. Estavam bastante envergonhados por me deixarem entrar, mas quis conhecer a realidade em que têm vivido. É um local pequeno com camas partidas e cheio de roupas molhadas. Mas, ainda assim, as crianças mantém um sorriso. Augusto tem feito um enorme esforço para cuidar dos filhos mesmo que isso o magoe fisicamente.” Mais tarde, este homem acabou por receber tratamento com a ajuda de Joven Antolin.

Descrita como “fossa séptica” pelo próprio presidente filipino, Rodrigo Duterte, a ilha de Boracay voltou a abrir portas ao turismo com a água mais limpa e com menos espaços hoteleiros e de restauração junto às praias.

Além disso, haverá uma cota de visitantes autorizados e novas regulamentações, como a proibição de tabaco e álcool nas praias, a fim de trazer ordem para ao litoral. O objectivo agora é tornar sustentável uma ilha que acolheu nos últimos anos até dois milhões de turistas por ano.

A ministra do Turismo das Filipinas, Bernadette Romulo-Puyat, espera que este “novo” Boracay marque uma “cultura sustentável do turismo” nas Filipinas. “Trata-se de ter em conta o impacto das nossas acções sobre o estado actual e futuro do meio ambiente”, disse.

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