Óbito | Márcia Schmaltz, académica

Márcia Schmaltz morreu na passada sexta-feira, vítima de cancro, com 45 anos. A académica é reconhecida por quem a conheceu de perto como alguém que estava ligada à China por “um cordão umbilical” e que, talvez por isso, transmitia a China ao mundo “de forma natural”

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sentimento de perda é unânime entre quem conviveu profissional e pessoalmente com Márcia Schmaltz, a académica que viveu para contar a China em Português. Schmaltz faleceu na passada sexta-feira, com 45 anos, vítima de cancro.

Figura carismática do Departamento de Português da Universidade de Macau, Márcia Schmaltz encontrou o caminho para o Oriente ainda criança. Nasceu em Porto Alegre, no Brasil, em 1973, mas mudou-se para Taiwan ainda criança, onde morou durante seis anos.

Formada em letras, foi professora e tradutora-intérprete de chinês, mestre em Estudos da Linguagem e doutorada em Linguística na Universidade de Macau, onde também leccionou.

“É muito triste”, começou por dizer o director do Departamento de Português da Universidade de Macau, Yao Jingming, ao HM. Em causa está não só a imensa perda humana, mas também o desaparecimento de uma força de trabalho quando se fala em interculturalidade. “Era uma pessoa fantástica e muito trabalhadora que deu um grande contributo ao ensino da língua portuguesa em Macau e à divulgação da cultura chinesa quer no território, quer no mundo lusófono, com as obras que traduziu”, acrescentou o académico.

Sinologia em português

Apesar da sua formação em letras e carreira na área da tradução, Márcia Schmaltz era, acima de tudo uma sinóloga, apontou Yao Jingming. “Ela pode ser considerada como uma sinóloga real, verdadeira”, disse. A justificação é simples: “falava muito bem chinês, falava como nós falamos e conhecia também muito bem a cultura chinesa e a forma de ser deste povo. Ela podia ser chinesa”, sublinhou.

A ligação à China não era puramente académica, era “um elo afectivo”. Esta afectividade terá nascido das circunstâncias em que viveu os seus primeiros anos.

De acordo com Luís Ortet, editor da Revista Macau e responsável por um blog de divulgação de cultura chinesa em português para o qual Márcia Schmaltz também contribuiu, a académica “teve a particularidade de viver parte da infância em Taiwan, na Grande China”. Esta experiência conferiu-lhe atributos únicos. “Foi uma criança na China rodeada por crianças chinesas que falavam chinês. É um contacto que a aprendizagem que se tem da língua ou da cultura em adulto não consegue captar”, explicou.

“Uma grande perda”, reitera Luís Ortet, até porque o trabalho que desenvolvia preenchia uma lacuna no mundo da sinologia. “Quer em Portugal, e de certa maneira também no Brasil, não há uma escola e um empenho por parte das autoridades e dos meios académicos no sentido de criar uma espécie de sinologia lusófona da mesma maneira que há uma francesa, uma alemã e uma de língua inglesa por exemplo”, disse. Como tal, “é mais uma perda neste contexto em que qualquer pessoa que dedique o seu tempo e o seu talento ao estudo, à divulgação e à compreensão da cultura chinesa é uma mais-valia enorme uma vez que os meios institucionais não têm feito grandes apostas no sentido de criar a tal sinologia lusófona”, acrescentou o responsável pela Revista Macau.

Márcia Schmaltz colaborou ainda com a editora Livros do Meio. “A notícia da morte prematura de Márcia Schmaltz deixou-me triste e chocado. Conheci-a enquanto especialista em língua e cultura chinesas, professora na Universidade de Macau e tradutora para chinês de um livro importante da literatura brasileira – “Macário”, de Álvares de Azevedo – editado pela Livros do Meio, entre outras obras”, referiu o editor Carlos Morais José.

A partida aos 45 anos foi demasiado precoce. “A morte surpreende-nos com as suas escolhas. A Márcia tinha ainda muito para nos dar a todos nós, como amiga, como autora e como académica. E ficará, com certeza, na nossa memória e na história das relações culturais entre o Brasil e a China. Isto é tudo muito injusto”, rematou.

Já o amigo pessoal e colega de Márcia Schmaltz , Roberval Teixeira e Silva, director do Centro de Pesquisa para os Estudos Luso-Asiáticos da Universidade de Macau, admitiu que a académica era um caso particular quando se fala de interesse pela cultura chinesa, devido ao “cordão umbilical que manteve sempre com a China”.

Na Universidade de Macau onde leccionou, está a ser preparada uma homenagem a Márcia Schmaltz com a produção de um vídeo em sua memória que reúne os vários momentos da sua vida académica no território.

Mulher de convicções

Para Roberval Teixeira e Silva não é fácil falar dos atributos pessoais da amiga, até porque lhe era “uma pessoa muito próxima”.

Mas, as questões do mundo, nomeadamente as que envolviam desigualdades sociais eram uma área que lhe dizia particularmente respeito e que motivava as suas tomadas de posição em qualquer circunstância. No entanto, e também por isso, considera o amigo, “sempre foi uma pessoa muito clara, e dizia o que achava das coisas, o que lhe trouxe uma série de admiradores mas também opositores que estavam de pé atrás, porque não é fácil lidar com pessoas que gostam e precisam de dizer o que pensam e sentem em relação às várias coisas que lhes dizem respeito. Sempre com fundamento”, rematou.

Na Universidade de Macau onde leccionou, está a ser preparada uma homenagem a Márcia Schmaltz com a produção de um vídeo em sua memória que reúne os vários momentos da sua vida académica no território. “Estamos a reunir fotografias, escritos, livros que traduziu em homenagem e memória a Márcia Shmaltz”, referiu o director do departamento de português daquela instituição, Yao Jingming.

Márcia Schmaltz, ganhou o prémio Xerox/Livro Aberto pela tradução de “Histórias da Mitologia Chinesa” em 2000 e, em 2001, o Prémio Açorianos de Literatura, categoria tradução. Foi editora da colecção Tradução de Clássicos da Literatura Brasileira. Entre as obras que traduziu para português estão “ 50 Fábulas da China Fabulosa” (2007), “Viver”, de Yu Hua (2008), “Contos Sobrenaturais Chineses” (2010), Fábulas Chinesas” (2012), “Me Deixe em Paz”, de Murong Xuechun (2013), e “Contos Completos” de Lu Xun.

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Afranio Garcia
Afranio Garcia
10 Set 2018 12:31

Grande perda. Embora nao a tenha conhecido pessoalmente, dava para notar seu empenho e profissipnalismo. Deus a abencoe.