Ng Kuok Cheong critica relatório sobre habitação pública

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Ng Kuok Cheong criticou o relatório sobre as necessidades de habitação pública nos próximos anos porque subestima a necessidade de habitações económicas.

“O atrevimento de dizer que daqui a dez anos a oferta de mais de 40 mil habitações sociais e económicas vai levar ao aparecimento de excesso de oferta em relação à procura é inacreditável”, afirmou Ng Kuok Cheong.

Na Assembleia Legislativa, o deputado justificou que para a previsão das necessidades de habitação económica só foram contadas as pessoas que efectivamente cumprem os requisitos para receber este tipo de casas públicas, apesar de no último concurso terem participado mais de 40 mil agregados. Ng Kuok Cheong diz que este método ignora muitas famílias que se candidataram no último concurso.

O pró-democrata explicou, depois, que actualmente há muitos jovens que não conseguem “comprar os apartamentos de luxo do mercado privado”, e que por essa razão precisam de habitação económica.

Também Ella Lei se mostrou preocupada com o estudo, porque os cidadãos não sabem quanto tempo vão ter de esperar para receber uma casa.

24 Out 2017

AL | Comissões constituídas continuam à porta fechada

O hemiciclo votou ontem a composição das comissões e na altura de discutir a constituição da Comissão de Regimento e Mandatos, Ho Iat Seng pediu a Sulu Sou que fosse ler as regras da Assembleia Legislativa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s seis comissões da Assembleia Legislativa ficaram ontem definidas, mas a discussão não foi pacífica. Na altura de votar a Comissão de Regimento e Mandatos da AL, que tem poderes para alterar a forma como os deputados intervêm no hemiciclo, Sulu Sou e José Pereira Coutinho votaram mesmo contra a proposta da Mesa da AL.

O primeiro ponto da ordem de trabalhos de ontem definia a votação da Comissão de Regimento e Mandatos. Perante a proposta da Mesa da AL, liderada pelo presidente Ho Iat Seng, o deputado Sulu Sou defendeu que os deputados propostos explicassem as suas ideias para o cargo.

Todavia, o presidente da AL respondeu que os deputados ainda não tinham sido eleitos, e que só quando o fossem poderiam falar na condição de membros da comissão. A certo ponto, Ho Iat Seng pediu mesmo ao deputado da Novo Macau que lesse bem o regimento que regula as competências dos deputados.

“Quero saber como é que os sete colegas em que vou votar pensam, qual a visão sobre estes assuntos. Quero saber que alterações poderão sugerir e o que vão fazer para corresponder às expectativas do público”, defendeu-se Sulu Sou.

Antes deste momento, Ho Iat Seng já tinha explicado que a reclamação entregue à AL, na sexta-feira passada, sobre a proposta para as comissões, não ia ser discutida, porque não tinha entrado cinco dias antes do plenário, como a lei exige. Mesmo assim, o presidente convidou o deputado a pedir a palavra para exprimir as suas preocupações.

Comissões abertas

Já os pró-democratas José Pereira Coutinho, Ng Kuok Cheong e Au Kam Sam pediram que as comissões fossem realizadas à porta aberta. Por sua vez, Ho Iat Seng disse que a decisão compete às comissões, e que eles como membros de poderiam sugerir essa votação.

No final, a Comissão de Regimento e Mandatos foi aprovada com 30 votos a favor e 2 contra, de Sulu Sou e José Pereira Coutinho. As restantes comissões foram aprovadas por unanimidade.

Ho Ion Sang, Chan Chak Mo e Vong Hin Fai vão ser os presidentes das comissões permanentes. Ella Lei vai presidir à Comissão de Acompanhamento de Assuntos de Terras e Concessões Públicas, Mak Soi Kun lidera a comissão das Finanças Públicas e Si Ka Lon assume a presidência da comissão da Administração Pública. Finalmente, a Comissão de Regimento e Mandatos vai ter Kou Hoi In como presidente.

Apesar da sugestão do campo pró-democrata, as comissões vão continuar a funcionar à porta fechada. Uma decisão que Agnes Lam disse “compreender” face a alguns assuntos discutidos. José Pereira Coutinho lamentou que as comissões continuem na “escuridão”.

24 Out 2017

Juristas garantem a Chui Sai Cheong que não há conflito de interesses

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] vice-presidente da Assembleia Legislativa, Chui Sai Cheong, garante que vai acumular as funções no órgão legislativo com a posição de membro do Conselho de Magistrados do Ministério Público. Ao HM, o irmão do Chefe do Executivo explicou que os seus conselheiros jurídicos não encontraram nenhum conflito de interesses entre as duas posições.

“Consultei os meus conselheiros jurídicos e eles disseram-me que não existe um conflito de interesse entre os dois cargos. Por essa razão vou continuar a desempenhá-los”, disse Chui Sai Cheong.

No entanto, o vice-presidente da AL admite que no futuro pode deixar o cargo de membro do Conselho de Magistrados, caso sinta que as novas tarefas no órgão legislativo lhe ocupam demasiado tempo.

“No próximo mandato [para membro do Conselho de Magistrados] talvez continue, ou não. Eles podem não me nomear outra vez, se esse for o caso, como é óbvio, não vou continuar. Se me nomearem para mais um mandato, então vou ter de considerar se com as novas funções quero continuar”, começou por apontar Chui Sai Cheong.

“É uma escolha que vai depender de dois factores: o primeiro é a carga de trabalho [como vice-presidente da AL]; o segundo depende de quererem que eu continue. Vai depender dessas situações. Mas por enquanto vou continuar, não há razões para não continuar”, acrescentou.

Ontem, à margem da sessão plenária, o HM questionou também Chui Sai Cheong sobre se estaria preparado para assumir o cargo de presidente da AL, no caso de Ho Iat Seng optar por concorrer às eleições para Chefe do Executivo.

Porém, Chui Sai Cheong limitou-se a dizer que foi um cenário que nunca ponderou: “Nunca pensei nessa questão, por isso não posso responder”, afirmou.

Opiniões unânimes

A interpretação dos juristas consultados pelo irmão do Chefe do Executivo não difere das versões dos juristas e advogados ouvidos na semana passado pelo HM.

“Nem na Lei Básica, nem no Regime Eleitoral para a AL, nem no Estatuto dos Deputados, nem no Estatuto dos Magistrados, encontrei qualquer disposição que me parecesse estabelecer, directa ou indirectamente, uma incompatibilidade entre o cargo de vice-presidente da AL e o de membro desse conselho”, afirmou António Katchi, jurista e docente do Instituto Politécnico de Macau (IPM).

Por sua vez, o ex-deputado Leonel Alves chegou mesmo a apontar o exemplo de Lau Cheok Va, que foi presidente da Comissão Independente de Indigitação de Juízes, enquanto presidia igualmente à AL.

24 Out 2017

SMG | Governo abre processo disciplinar a Fong Soi Kun

O Executivo anunciou uma investigação à conduta do ex-director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, após o relatório do CCAC. Na Assembleia Legislativa pediu-se a responsabilização de Fong Soi Kun e de todos do governantes que fazem ‘porcaria’

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo instaurou um processo disciplinar a Fong Soi Kun e decidiu dar início a uma investigação para perceber o funcionamento dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, num procedimento conhecido como processo de sindicância. A informação foi avançada ontem, depois da ordem do secretário para os Transportes e Obras Públicas, que iniciou os dois processos.

No comunicado emitido ontem pelo Governo é explicado que as duas investigações começaram “na sequência do Relatório [do CCAC] de investigação sobre os procedimentos da previsão de tufões e gestão interna” dos SMG.

Ainda no que diz respeito à investigação ao funcionamento dos SMG, o Executivo revelou esperar que seja “proposta a imediata instauração de processos, caso se detecte alguma infracção disciplinar”.

O anúncio da decisão do secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Rosário, surgiu uma hora depois da reunião no plenário da Assembleia Legislativa. No hemiciclo, a questão do tufão Hato e a responsabilização dos governantes foram os temas mais abordados pelos deputados, que apontaram o dedo ao Executivo por não responsabilizar os seus trabalhadores.

Responsabilidade superior

Si Ka Lon, deputado ligado à comunidade de Fujian, foi o primeiro a abordar o tema quando apontou a existência de “ovelhas negras” no Governo e deu como exemplo de má-conduta, entre outros, o processo de previsão de tufões, no qual não há “reuniões internas, nem critérios definidos, bastando o director tomar decisões”.

“O que causa maior descontentamento à população não são os erros cometidos pelas autoridades, mas, sim, que ninguém precise de se responsabilizar depois de se ter detectado um erro. Quando é descoberto um erro, o Governo nunca o corrige, por iniciativa própria, nem de forma atempada”, afirmou Si Ka Lon.

“Pergunto, perante as autoridades que fizeram tanta ‘porcaria’, mas que nunca precisaram de assumir qualquer responsabilidade, como é que os cidadãos não se sentem descontentes?”, questionou, depois,

Por sua vez, José Pereira Coutinho lembrou as dez vidas perdidas no tufão “que não podem ser esquecidas com o mero pagamento de 300 mil patacas por cada vítima mortal”.

“Há que apurar responsabilidade de todas a natureza incluindo as responsabilidades políticas. Este assunto não pode nem deve ficar encerrado simplesmente com medidas pecuniárias”, completou.

A pessoa mais directa foi mesmo Leong Sun Iok, deputado e número dois de Ella Lei, que culpou o Executivo de causar insatisfação entre a sociedade, por não ter penalizado Fong Sio Kun.

“Um dos aspectos que causa a insatisfação da sociedade foi nenhum governante ter sido responsabilizado, pois o ex-director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau, Fong Soi Kun, foi alvo de críticas, mas ainda não foi sancionado”, apontou o deputado, na sua primeira intervenção na AL.

24 Out 2017

Governo vai lançar plano a dez anos para prevenir tufões

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, anunciou ontem que o Governo “vai dar início no próximo ano à elaboração de um plano decenal para a prevenção e redução de desastres”. A informação foi transmitida num discurso proferido por Chui Sai On no âmbito de um jantar com a Associação de Comunicação Social, que serviu para celebrar os 68 anos de instituição da República Popular da China.

Segundo o comunicado oficial, o Chefe do Executivo garante que “estão a ser reforçadas as capacidades de prevenção e redução de desastres, colocando-se em primeiro lugar a garantia da segurança da vida e dos bens materiais dos residentes”. Está ainda a ser feito “um reforço da alocação de recursos e a adopção de medidas de curto, médio e longo prazo, no sentido de criar um mecanismo eficiente de longo prazo no âmbito da prevenção e redução de desastres”.

Este novo plano foi anunciado dias depois do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) ter tornado público um relatório demolidor para Fung Soi Kun, director dos Serviços Metereológicos e Geofísicos (SMG) à data da passagem do tufão Hato por Macau.

Louvores sociais

Chui Sai On lembrou a catástrofe no seu discurso, tendo referido que o Executivo “e os sectores da sociedade de Macau envidaram todos os esforços nas operações de socorro e salvamento, tendo a sociedade e a vida quotidiana da população regressado gradualmente à normalidade”.

Falando para os membros da associação de jornalistas, Chui Sai On lembrou que “os trabalhadores da comunicação social demonstraram um profissionalismo excepcional e uma grande coragem, trabalhando na linha da frente das operações de socorro, ao lado de outros voluntários, transmitindo atempadamente as informações mais actualizadas aos residentes”, tendo agradecido o trabalho realizado.

24 Out 2017

HIV | Dezena e meia de casos registados até Setembro

O número de casos de infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana até o início do passado mês de Setembro, é metade do registado no ano passado. Os dados não significam que exista, efectivamente, uma diminuição da doença, mas apontam para o sucesso das campanhas de rastreio

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 2016 foram 30 os casos detectados de indivíduos portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV na sigla inglesa). Este ano, e até o início do mês de Setembro, foram 15.

Para o secretário-geral da comissão de luta contra a SIDA, Lam Chong, a redução registada não se traduz numa redução da incidência da doença no território. De acordo com o responsável, o facto de, em 2016, se ter registado o maior número de casos detectados desde 1986 tem que ver com os esforços adicionais na sensibilização da população para fazer o teste. “No ano passado fizemos uma promoção do teste de rastreio muito grande e muitas pessoas puderam ter acesso”, disse aos jornalistas à margem da conferência de imprensa em que foi apresentado o programa de actividades deste ano a levar a cabo pela comissão de luta contra a SIDA. “Não podemos dizer que a incidência do HIV está a diminuir no território, porque para isso precisamos de mais alguns anos”, referiu Lam Chong.

“Como muitas pessoas já fizeram o rastreio de rotina no ano passado, este ano não o foram fazer”, explicou o responsável.

Em 2015 foram cerca de 12 mil testes realizados. O aumento dos números no ano seguinte acaba por ser proporcional ao aumento dos testes feitos. Em 2016 fizeram o teste de rotina cerca de 26 mil pessoas enquanto este ano, e até ao mês de Setembro, foram feitos 18 mil testes de rastreio.

População de risco

No entanto, “a comissão vai continuar a promover a adopção de comportamentos saudáveis, especialmente entre parceiros homossexuais e bissexuais”, disse.

O alvo da promoção tem que ver com os números. Dos 15 casos detectados este ano, 14 são do sexo masculino e 1 do sexo feminino. No que respeita à população, sete dos casos são de homossexuais e outros sete de bissexuais, sendo que um caso não tem origem determinada.

Ainda relativamente aos casos detectados este ano, 12 estão em acompanhamento, dois morreram, e um saiu do território. O secretário-geral da comissão de luta contra a SIDA adiantou ainda que dez destes casos eram de residentes.

Desde 1986 que foram registados um total de 696 portadores de HIV no território. Destes, 269 foram relativos a residentes. Dentro dos casos locais, 116 pessoas tiveram a evolução do vírus para o Síndroma da Imunodeficiência Adquirida e 51 morreram.

Mudança de incidência

Se há dez anos, o HIV incidia essencialmente em indivíduos com hábitos associados ao consumo de estupefacientes, actualmente a causa tem que ver com a adopção de comportamentos de risco entre relações homossexuais e bissexuais.

A faixa etária onde se registam mais casos de infecção por HIV situa-se entre os 30 e os 39 anos.

Entretanto já se encontra em funcionamento desde Junho deste ano a base de dados com os doentes infectados com o vírus, sendo que só é acessível a determinados quadros dos Serviços de Saúde e sob dever de sigilo.

24 Out 2017

Património | IFT e Universidade de Évora assinam acordo

O Instituto de Formação Turística vai ter cursos de mestrado e doutoramento em associação com a Universidade de Évora. À margem da assinatura de protocolo entre as duas instituições, Alexis Tam anunciou que nas Linhas de Acção Governativa sob sua tutela está prevista a formação de jovens para a conservação do património e ambiente

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] oficial, o Instituto de Formação Turística (IFT) e a Universidade de Évora assinaram um protocolo de cooperação institucional do qual irá resultar cursos de mestrado e doutoramento em associação entre as duas instituições. Para já, dois alunos locais vão estagiar durante seis meses na Universidade de Évora e está prevista a elaboração de um curso de mestrado em associação entre as duas instituições. O intercâmbio alarga-se também a docentes, estando previsto a realização de palestras e workshops leccionados por docentes do estabelecimento de ensino português.

A parceria resulta da visita de Alexis Tam a Portugal, em Setembro passado. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura mostrou-se satisfeito com a possibilidade de intercâmbio de alunos e docentes entre as duas instituições. Neste sentido, acrescentou que os cursos de gestão de indústria do jogo e gestão de hotelaria podem ser atractivos para alunos internacionais.

Uma das áreas fulcrais da parceria é a conservação de património, até porque a universidade portuguesa tem em funcionamento um equipamento de excelência nesse ramo. “Temos em Évora o melhor laboratório de conservação e restauro da Europa, vamos fazer alguns cursos nessa área, um mestrado em conservação e gestão do património e receber alunos para fazer estágios”, conta Ana Costa Freitas. A reitora da Universidade de Évora adiantou ainda que foi celebrado um protocolo com a Universidade Cidade de Macau.

Na sequência do acordo assinado, o Laboratório Hercules recebe este ano dois alunos de Macau para fazer um estágio nesta área.

O laboratório é multidisciplinar, e tem na sua equipa quadros formados em química, geociência, história e arqueologia e está equipado com tecnologia de ponta. “A ideia é começarmos com passos pequenos, mas garantindo que vamos cumprir. Assinámos um protocolo para fazer qualquer coisa, não só para assinar”, explica Ana Costa Freitas.

Pontes educativas

Alexis Tam anunciou ainda que a criação do Fórum Cultural, que foi anunciado aquando da sua visita a Portugal, está a avançar a bom ritmo. O secretário adiantou que os responsáveis pela área da cultura de Portugal, China e Hong Kong já confirmaram a presença, sendo que foram endereçados convites ao resto dos governos do mundo lusófono. A primeira reunião dos congéneres das pastas da cultura deve realizar-se em Macau em Junho.

Ainda na área do ensino, Alexis Tam está confiante que pode alargar o leque da parceria. “Daqui para a frente ainda podemos ir a outros países lusófonos, nomeadamente Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Guiné Bissau e Timor-Leste. Temos de exportar os nossos cursos académicos porque hoje em dia temos condições”, afiança. Outra das ideias deste intercâmbio é atrair estudantes internacionais para Macau para frequentarem cursos de mandarim e tradução.

Esta parceria surge num contexto de internacionalização do IFT. “O Governo da RAEM está a investir muito neste instituto, faz parte do plano para sermos um centro de educação na área do turismo”, explica o secretário.

Outra das novidades que surgiram à margem da assinatura do protocolo prende-se com a aposta nas Linhas de Acção Governativa sob tutela de Alexis Tam na sensibilização de jovens para a conservação do património e ambiente.

“Já temos o plano. Eu quero que os nossos jovens conheçam o património de Macau, isso é importantíssimo. Desde pequenos têm de aprender o valor do património mundial e da protecção ambiental”, conta.

24 Out 2017

Cinemateca Paixão | Ciclo de cinema dedicado a Hirokazu Koreeda

Começou no documentário e é hoje uma das referências do cinema japonês. Hirokazu Koreeda é o realizador em foco para mais um ciclo de cinema promovido pela cinemateca Paixão. São 10 filmes que retratam as relações humanas e o sentido da vida de forma real e sensível

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] segundo realizador em foco, este ano, na Cinemateca Paixão é o japonês Hirokazu Koreeda.

A ideia é ter, dentro desta rúbrica, um balanço entre cinema oriental  e ocidental, referiu a directora do espaço, Rita Wong, ao HM. “Queríamos também fazer um destaque para os realizadores orientais. Já tivemos realizadores do ocidente e queremos mostrar também o trabalho dos profissionais da Ásia”, disse.

O ciclo vai trazer ao ecrã da Paixão dez películas de Koreeda realizadas desde a década de 1990 até aos dias de hoje, incluindo O Terceiro Homicídio, aclamado pela critica no Festival Internacional de Cinema de Veneza 2017. O filme conta com a participação do cantor popular Masaharu Fukuyama.

Hirokazu Koreeda nasceu em 1962 e é considerado como um dos mais importantes realizadores do cinema contemporâneo japonês. “A sua delicada representação dos personagens e a sua capacidade narrativa distinta, mas não melodramática, tem-lhe merecido aplausos e prémios em numerosos e importantes festivais de cinema na Europa e Ásia, incluindo nos chamados “Óscares Japoneses””, refere a apresentação do evento.

Por outro lado, Rita Wong também sublinha a forma “objectiva com que Koreeda trata as temáticas que trabalha. “É um realizador que aborda as relações humanas com um foco especial nas ligações familiares e em que não é esquecido o sentido da vida, mas, ao contrário da ideia que se pode ter, faz esta abordagem de uma forma muito realista, sem dramatismos”, disse.

Do documentário à ficção

A razão, considera Rita Wong, terá que ver com o próprio início de carreira de Koreeda. Depois de se formar na Universidade de Waseda em 1987, começou a produzir documentários numa estação de televisão japonesa. “Os documentários de Koreeda destacam-se pela sua exploração de vários fenómenos sociais japoneses dos últimos 20 anos e pelo seu toque humano”, refere a directora da Paixão.

A partir de meados da década de 1990, Koreeda passou a realizar longas metragens “evitando o sensacional, o exagerado e o lugar comum”. O realizador prefere retratar os seus personagens de modo subtil e delicado.

Palestra a acompanhar

Por outro lado, Ka Ming, crítico de cinema de Hong Kong, vai liderar uma palestra intitulada “Hirokazu Koreeda – Coração e Sangue de Criança”. A ideia é permitir que o público possa “ter uma melhor compreensão de Koreeda e dos seus filmes. A palestra terá lugar na sala de projecções da Cinemateca Paixão, das 14h30 de 11 de Novembro.

O ciclo decorre de 11 a 25 de Novembro. Cada um dos dez filmes é apresentado três vezes “O Terceiro Homicídio” será uma “grande estreia, permitindo ao público desfrutar em primeira mão desta obra especial de Hirokazu, que ultrapassa o universal familiar entrando no mundo dos tribunais”.

Os restantes nove filmes são: Maborosi (1995), Além da Vida (1998), Ninguém Sabe (2004), Ainda a Caminhar (2008), Boneca Insuflável (2009), Meu Desejo (2011), Tal Pai Tal Filho (2013), A Nossa Irmãzinha (2015) e Depois da Tempestade (2016).

A venda de bilhetes para as sessões de cinema começa hoje.

24 Out 2017

Filipinas | Exército toma edifício controlado por extremistas islâmicos

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ilitares filipinos tomaram um edifício na cidade de Marawi que era controlado por grupos afiliados ao radical Estado Islâmico, e encontraram cerca de 40 cadáveres de homens armados no interior do prédio, foi ontem noticiado.

A informação foi dada à agência noticiosa Associated Press (AP) por dois militares, que pediram o anonimato por não estarem autorizados a divulgar os últimos desenvolvimento em Marawi, onde as forças do governo começaram uma retirada gradual, à medida que os confrontos diminuíram consideravelmente nos últimos dias.

No domingo, fontes militares disseram que o exército filipino estava a lutar contra uma dezena de extremistas islâmicos em Marawi, naquela que podia ser a última operação contra o Estado Islâmico (EI) na cidade, um conflito que começou há cinco meses.

O porta-voz das Forças Armadas, Restituto Padilla, disse que pelo menos dois estrangeiros poderiam fazer parte do último grupo rebelde que está entrincheirado em cinco edifícios daquela cidade do sul do país.

O porta-voz acrescentou que os extremistas mantêm pelo menos uma dezena de reféns, mas acrescentou que estão “encurralados” e sem influência sobre o resto da cidade.

O conflito em Marawi matou mais de mil pessoas, incluindo 897 rebeldes, 164 soldados e 47 civis, e 395 mil deslocados foram alojados em acampamentos e terrenos desportivos nas aldeias próximas, de acordo com fontes oficiais.

24 Out 2017

Japão | Shinzo Abe promete medidas concretas para enfrentar Pyongyang

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, prometeu ontem medidas para contrariar as ameaças da Coreia do Norte sublinhando que tem o apoio dos japoneses na sequência da vitória dos conservadores nas eleições gerais.

“Com o apoio popular que recebemos estamos em condições para activar contra-medidas efectivas para enfrentar a ameaça norte-coreana”, disse Shinzo Abe numa conferência de imprensa em Tóquio sobre o resultado das eleições legislativas no Japão.

O líder dos conservadores japoneses adiantou que a questão da Coreia do Norte vai ser um dos assuntos principais em análise durante a visita que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai realizar ao Japão a partir do dia 5 de Novembro.

“Falei hoje [ontem]com Trump e concordamos que durante a visita vamos dedicar ‘tempo significativo’ para analisarmos a forma de enfrentar este desafio”, disse o primeiro-ministro na mesma conferência de imprensa que se realizou na sede do Partido Liberal Democrata, na capital japonesa.

Shinzo Abe disse também que vai partilhar com “outros líderes” a mesma preocupação para “incrementar a pressão sobre a Coreia do Norte” tendo-se referido particularmente à República Popular da China e à Rússia.

“O meu objectivo é garantir que o povo japonês tenha segurança” disse recordando que as eleições tinham sido convocadas para garantir o apoio do “povo japonês” na adopção de medidas contra o regime de Pyongyang além da aplicação das reformas económicas.

Larga maioria

De acordo com os últimos dados noticiados pela NHK, o Partido Liberal Democrata conseguiu 284 deputados e o Komeito, aliado político, elegeu 29, conseguindo conjuntamente um número superior aos dois terços exigidos para a Câmara Baixa do Parlamento composta por 465 membros.

A maioria abre caminho a Shinzo Abe para avançar com o processo de reforma da Constituição, sobretudo na área da Defesa.

“Conseguimos uma forte maioria”, disse o primeiro-ministro frisando que “se trata da primeira vez em 50 anos que um partido recebeu um apoio tão ‘constante’ por parte do povo japonês”.

24 Out 2017

China | Comércio com Pyongyang justificado com “necessidades humanitárias”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China defendeu o seu comércio com a Coreia do Norte, justificando com a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que aponta que as sanções impostas a Pyongyang não devem afectar “necessidades humanitárias”.

Geng Shuang, porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, afirmou ontem que a China “implementa com rigor” as sanções, tendo banido as importações de carvão, ferro, marisco e têxteis norte-coreanos.

A China é o principal aliado diplomático e maior parceiro comercial da Coreia do Norte. Cerca de 90% do comércio externo de Pyongyang é feito com o país vizinho.

Dados das alfandegas chinesas revelam que as exportações da China para a Coreia do Norte aumentaram 31,4%, em Agosto, face ao mesmo mês de 2016, enquanto as importações recuaram 9,5%.

“O Conselho de Segurança sublinhou que as resoluções não devem infligir um impacto negativo no bem-estar e necessidades humanitárias da Coreia do Norte”, justificou Geng.

A China, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança com direito de veto, aprovou várias sanções contra Pyongyang, mas rejeita isolar totalmente o país, por temer uma queda do regime de Kim Jong-un.

O colapso do regime norte-coreano resultaria numa crise de refugiados no nordeste da China e na reunificação da península coreana pela Coreia do Sul, país aliado dos Estados Unidos, que disputa com Pequim a influência na região da Ásia Pacífico.

Em Setembro passado, a Coreia do Norte realizou o sexto e mais poderoso teste nuclear até à data, no que revelou ter sido a detonação de uma arma termonuclear para ser colocada num míssil balístico intercontinental.

24 Out 2017

Ensino | Currículos escolares vão incluir teorias do Presidente Xi Jinping

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s estudantes chineses vão passar a estudar a teoria política do Presidente da China, Xi Jinping, após a inclusão desta na constituição do Partido Comunista (PCC), na próxima semana, segundo o jornal South China Morning Post (SCMP).

O diário de Hong Kong cita o ministro da Educação chinês, Chen Baosheng, que afirma que a nova ideologia, expressa no discurso inaugural do XIX Congresso do PCC, será incorporada nos currículos escolares.

“[O pensamento de Xi] vai ser introduzido nos manuais escolares, aulas e cérebro [dos estudantes]”, afirmou o ministro.

“Vamos elaborar métodos de ensino específicos que combinem textos de diferentes graus e tópicos”, acrescentou.

No discurso inaugural do mais importante evento da agenda política chinesa, proferido perante centenas de delegados do PCC, Xi anunciou o início de uma “nova era”, em que a China “erguer-se-á entre todas as nações do mundo”.

O secretário-geral do PCC prometeu uma China moderna e próspera, em que o partido não abdicará do controlo sobre economia e sociedade.

“Governo, exército, sociedade e escolas – norte, sul, este e oeste – o Partido é líder de tudo”, afirmou.

O título formal da ideologia de Xi será conhecido no encerramento do Congresso, na próxima terça-feira, quando a constituição do Partido for alterada.

Para a História

Chen afirmou que o ministério irá começar a introduzir o pensamento de Xi, o mais forte líder chinês das últimas décadas, nos manuais escolares, e a treinar professores, como parte da “tarefa histórica” do ensino.

Tradicionalmente, o partido exerce apertado controlo sobre os currículos escolares, com os livros a enaltecer os feitos do Partido Comunista e a omitir eventos como a sangrenta repressão do movimento pró-democracia de Tiananmen, em 1989.

Desde a ascensão ao poder de Xi, em 2012, as autoridades reforçaram também o controlo sobre o meio académico, advertindo contra a difusão de “conceitos ocidentais” nas salas de aulas.

Em Junho, várias universidades chinesas foram publicamente reprendidas pelos inspectores de disciplina do Partido, pelos seus “insuficientes esforços na frente ideológica”.

24 Out 2017

Do prazer

Time is what you make of it.

Anúncio aos relógios Swatch, 1996

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á muitos tipos de prazeres.

Há os prazeres prazerosos, claro.

Há os prazeres que acarretam algum sofrimento.

E há, também, o prazer da dificuldade. Este, regra geral, decorre de dois aspectos: o trabalho que foi necessário à sua fruição e o facto de esta implicar o encontro com outro – o criador – que trilhou esse caminho, incomum no seio de um tempo de facilitismos.

É esse o prazer que sempre me deram algumas obras de arte. E, a dado momento, quando esse mecanismo está em nós bem oleado, funcionando por si só, sem necessidade de manutenção, esses prazeres tornam-se imediatos, físicos, exactamente como os prazeres menos exigentes.

Blake, Pound, Joyce, Beckett, Lowry, o dadaísmo, o letrismo, etc, cabem, claramente, nesta categoria. (Permitam-me que lhes acrescente um português, quase desconhecido: Alberto Velho Nogueira).

O mesmo acontece, na música, com Kurt Schwitters, Luigi Russolo, John Cage, Luciano Berio, Mauricio Kagel, Frédéric Acquaviva, etc. Ou com o free jazz e a música improvisada. Sem Leroy Jenkins ou Kazushige Kinoshita, sem Derek Bailey ou Hans Reichel, a minha vida seria bem mais pobre e menos prazerosa.

Nas artes visuais, o mesmo sucede com Marcel Duchamp, Joseph Beuys e as suas extensas descendências.

Mas, claro está, estes prazeres não devem excluir o enorme prazer que nos dão a limpidez ascética, preclara, da música de Bach ou de Sainte-Colombe, ou dos versos de Camões, ou a pureza lúdica, essencial, dos pincéis de Raoul Dufy, Miró ou Calder.

Nada nasce de nada. E o sentido das vanguardas funda-se, profunda e solidamente, nas razões destes. Quando não, estamos no território do vómito sem sentido, que, oportunista, sempre alaga algumas frestas das vanguardas. E para esse não deve haver tolerância.

O mesmo acontece com a comida. A grande cozinha de autor é rara. A má cozinha de autor é ridícula. Serve, normalmente, para disfarçar a preguiça. Um grande cozinheiro não tem, necessariamente, de saber fazer uma perdiz à Convento de Alcântara, mas tem, pelo menos, de saber que ela existe e como é feita. Quando não, dêem-me, mil vezes, uma boa sertã de iscas e guardem para os CEOs as espumas e as granitas.

Há, ainda, outro tipo de prazer, que se vai tornando raro neste tempo de seriedades cosméticas, e que é, porventura, o que me cala mais fundo e melhor me individualiza. Falo do diletantismo, do apego a certas artes e ciências sem que se pretenda obter qualquer proveito pessoal que não o esclarecimento da curiosidade e, portanto, sem grandes preocupações estruturais e, sobretudo, sem qualquer remuneração.

Mais uma vez, os britânicos (alguns, claro está) servem-me de exemplo:

O birdwatching, a observação de aves, empenhada e informada, contará no Reino Unido com cerca de um milhão de praticantes.

O mudlarking, esmiuçar das lamas das margens dos rios em busca de antiguidades é, também, uma prática popular, desejavelmente realizada em articulação com arqueólogos e museus, cujas colecções amiúde enriquece.

A malacologia e a lepidopterologia amadoras, a recolha e o estudo de gastrópodes e bivalves e de borboletas, se praticadas conscienciosamente, são actividades extremamente gratificantes.

A filatelia, se saltar do patamar da mera acumulação para o da verdadeira curiosidade organizada, é um instrumento pedagógico valioso. Muito jovem, com ela aprendi, entre muitas outras coisas, boa parte do que ainda hoje sei de geografia política e da sua evolução.

Em todas estas actividades, existe o prazer de ir entendendo cada vez melhor o que se observa e os factores que o determinam, mas, à partida, tudo começa pelo simples prazer da contemplação. Da silhueta de uma pega rabilonga ou de um fragmento de cuspidor em porcelana, das pregas radiantes de uma concha de vieira ou dos padrões laranjas e negros das asas de uma monarca, ou, ainda, de um selo representando qualquer uma das coisas anteriores…

Recordo-me de, quando era miúdo, passar horas a olhar um conjunto de selos das ilhas Ryukyu estampados com belíssimos gastrópodes. E onde seriam as ilhas Ryukyu? Era imperativo esquadrinhar o globo terrestre até dar com elas, e que alegria ao encontrá-las!

Esse fascínio inicial por um objecto ligou-me, ao primeiro encontro, ainda numa ilustração de um livro, a algo que a maior parte das pessoas considerará tétrico, quando não mesmo repugnante — as cabeças humanas mirradas pelos índios jivaros da América do Sul. Trata-se de cabeças de inimigos, a que são retirados os crânios e que tomam então as dimensões de um punho fechado, mantendo, contudo, as suas feições e as longas cabeleiras.

Mais tarde, no Museu da América, em Madrid, e nos fundos do Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, tive a oportunidade de vê-las ao vivo. Que alegria, também então!

A surpresa, o inesperado, sobretudo numa época em que, desde tenra idade, somos bombardeados por informações que nos retiram quase todas as virgindades e, por conseguinte, a probabilidade dessas surpresas, têm um valor intrínseco, nas artes ou em quaisquer outras matérias. Convém, pois, estarmos abertos às surpresas ou deixaremos a vida passar-nos ao lado.

Uma história que ilustra bem este princípio é a seguinte:

Quando Georges Simenon propôs a primeira novela protagonizada pelo Comissário Maigret ao seu editor, Arthème Fayard, este respondeu-lhe:

— Estou disposto a publicar os seus “Maigret”, mas digo-lhe de antemão que não obteremos qualquer resultado. E isso por quatro razões: a) as suas histórias não são técnicas o suficiente; b) não há intriga amorosa; c) não existem nelas personagens suficientemente simpáticas ou antipáticas; d) acabam todas mal.

Os livros de Simenon, e os Maigrets em particular, tornar-se-iam, em breve, dos livros mais vendidos do mundo, para mais com um sem-número de adaptações cinematográficas e televisivas, em diversas línguas. Com os Maigret, Simenon fez-se um homem muito rico e enriqueceu muito os seus editores.

Fayard estava erradíssimo, é certo. Mas, honra lhe seja feita, editou o que lhe era proposto.

24 Out 2017

A Sombra de Teseu [Terceiro Estásimo]

(entra o coro de mulheres)

CORIFEU

Fedra é pior que víbora!

Fedra é pior que víbora!

CORO DE MULHERES

Que culpa tem, se Afrodite

Teceu o destino da paixão?

Ninguém se dá a sua vida,

Ninguém escolhe a sua morte.

CORIFEU

Mas vede como sofre Teseu!

(Teseu entra em cena e fala consigo mesmo)

TESEU

Um pai responde por um filho?

De que adianta tudo o que se faz,

Se os filhos serão sempre o que os deuses quiserem?

Para quê fazer filhos,

Se nos serão sempre menos que a nossa própria sombra?

Quem fará chegar o mal a um coração

E porquê, porquê?

E existirá maior mal do que um pai assistir à sua vida cair na lama

Pela acção de um filho?

Os tempos passados foram iluminados por desastres

E os futuros não serão melhores.

Porque teimamos ainda em prolongar a vida,

Através de novas gerações?

Com que forças hei-de agora mandar prender meu filho,

Condená-lo ao exílio,

Para se arrastar por terras desconhecidas sem nada

E sem ser nada entre essas gentes?

O exílio é pior que a morte!

É morrer todos os dias

E saber que se vai morrer sempre mais no dia seguinte.

Mas não matar um filho que merece a morte,

Concede-nos sempre um horizonte de espera que o mundo mude.

O mundo não muda, mas enquanto se espera pode mudar.

Mando Hipólito para mil mortes,

Mas fico com o coração nas amuradas da espera de que algo mude,

De que nada seja como tem sido.

Estas vãs mãos mortais,

Que nada podem fazer de verdadeiramente importante!

(entram guardas em cena)

CHEFE DOS GUARDAS

Mandaste-nos chamar, rei?

TESEU

Mandei, sim! Vão nos aposentos de Hipólito e prendam-no! E tragam-mo aqui, feito já prisioneiro.

(Hipólito entra em cena, com os guardas, e confronta-se com Teseu)

QUARTO EPISÓDIO

HIPÓLITO

Meu pai, que loucura vem a ser esta? Porque me fizeste prisioneiro em nossa própria casa?

TESEU

Ainda te atreves a perguntar porquê, miserável? Nem coragem tens para assumir perante mim aquilo que fizeste?

HIPÓLITO

Mas que fiz eu, meu pai? Que mal fiz, para ser tratado como um cão que morde o dono?

TESEU

Não escolheste bem a comparação, Hipólito! Um cão que morde o dono é ainda digno de pena, mas tu não! Tu és aquele que ataca no escuro da noite e pelas costas a parte fraca de quem te deu a vida.

HIPÓLITO

Não estou a entender o que minha mãe tem a ver com isto…

TESEU

Não é a tua mãe, mas a minha mulher.

HIPÓLITO

Fedra? Falas de Fedra?

TESEU

Sim, Fedra! Falo de Fedra, minha mulher, tua madrasta, tua rainha…

HIPÓLITO

Mas que mal fiz eu a Fedra? Ártemis é minha testemunha!

TESEU

Nenhuma deusa protegerá um homem como tu!

HIPÓLITO

Mas que fiz eu, meu pai?

TESEU

Não te atrevas a chamar-me de pai mais vez nenhuma, ou serei eu mesmo a acabar com a tua vida, trespassando-te aqui com o fio da minha espada!

HIPÓLITO (sorrindo de espanto)

Não acredito! Não acredito que aquela bruxa conspirou contra mim e que meu pai acreditou nas suas palavras!

TESEU (desembainhando a espada)

Cala-te, ímpio! Cala-te ou teus intestinos irão feder esta sala, agora mesmo!

HIPÓLITO (cala-se e depois volta a falar com moderação)

Teseu, escuta primeiro as minhas palavras, por favor! Nunca foste parco de justiça, não comeces agora.

(perante o silêncio de Teseu, Hipólito inicia a sua defesa)

Ainda nem o sol rodou um dia à volta da Terra, e Fedra tentou seduzir-me, Teseu!

(este joga a mão à espada, novamente, e Hipólito estende a mão, pede)

Espera, Teseu! Espera, por favor. Escuta tudo até ao fim, mesmo que te custe, pois essa é a tarefa de um juiz. Talvez pela ausência de notícias tuas, não sei, ela…

TESEU

És capaz de me dizer que não foste procurar-me em Atenas?

HIPÓLITO

Fui procurar-te, sim. Não era só eu que estava preocupado, mas também Fedra. Fi-lo para lhe dar descanso.

TESEU

Não é então verdade que quiseste tê-la como mulher e foste a Atenas em busca da prova da minha morte, de modo a que ela se entregasse a ti, como te tinha prometido se se confirmasse a minha morte, Hipólito?

HIPÓLITO

O quê? Que loucura é essa, meu… Teseu?  Que loucura é essa? Que renegue a Ártemis se tal enredo aconteceu de verdade! As palavras são capazes de tudo, Teseu. Meu pai sabe bem disso! Mas quererá isso dizer que seja verdade? Agora, aqui mesmo, posso dizer que matei Fedra. E as minhas palavras fazem disso verdade? Está por acaso Fedra morta?

TESEU

Deixa-te de palavreado, Hipólito! Quero factos! Factos!

HIPÓLITO

E exigistes factos a Fedra, quando a escutaste? Exigiste, Teseu? Ou só os exiges a mim?

(Teseu fica um pouco confuso e Hipólito aproveita para continuar)

Porque não chamas Fedra agora, aqui? E exiges de ambos factos. E escutas de ambos as palavras. Um frente ao outro, Teseu. Assim continuarás a ser o bom juiz que sempre foste. Não dês mais valor às palavras de um que às de outro. Ela é tua mulher e eu sou teu filho. Mas ainda que não fôssemos para ti senão estranhos, ou só um de nós o fosse, terias de escutar ambos com o mesmo comprimento de espada. Não te parece que tenho razão, que estou certo? Não foi assim que me ensinaste, desde cedo na vida?

TESEU (para o chefe dos guardas)

Envia alguém aos aposentos de Fedra, e que ela venha imediatamente ao seu rei, que é urgente.

(o chefe dos guardas dá sinal a um dos guardas e ele parte)

24 Out 2017

Liberdade de expressão

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4 o Tribunal de Apelação de Hong Kong (COFA) rejeitou por unanimidade o caso apresentado por Christine Fong Kwok Shan.

A história conta-se em poucas palavras. Christine combatia o projecto de expansão dos aterros de resíduos tóxicos da South-East New Territories. Integrou um grupo que se manifestou durante as duas sessões do Conselho Legislativo abertas ao público, nas quais o sub-comité das Obras Públicas apresentou o projecto à discussão.

Durante os protestos, Christine despiu o casaco revelando uma t-shirt que tinha escrito “Defendam Tseung Kwan O”. A seguir entregou um cartaz a um companheiro, que tinha desenhada uma suástica e onde se podia ler “Aterro – Campo de Concentração de Gases Venenosos”. O homem, na galeria pública que encima o recinto, exibiu o cartaz. A manifestação foi interrompida pela intervenção dos seguranças que de imediato lhe tentaram arrancar o cartaz, acabando um deles ferido num pulso. O incidente provocou a suspensão antecipada da sessão.

Após a retoma da reunião Christine e os companheiros entoaram vários slogans. Na altura foram avisados pelo presidente do sub-comité das Obras Públicas que seriam expulsos da sala se não se calassem. Como ignoraram o aviso e deram os braços para resistir à expulsão, a sessão voltou a ser suspensa. Os trabalhos prosseguiram passado uma hora, noutra sala de conferências, mas desta vez sem a presença do público.

Christine foi mais tarde condenada por infracção da secção 12(1) das Directrizes Administrativas do Regulamento de Admissão e Conduta Pessoal, que estipula o seguinte,

“Não é permitido a exibição de cartazes e faixas com símbolos ou mensagens, em galerias reservadas ao público ou à imprensa”.

Foi também condenada por infracção da secção 11 que determina que, quem der entrada no recinto do Conselho Legislativo, terá de o fazer de forma ordeira.

Christine foi sentenciada, após julgamento do Tribunal de Magistrados, ao pagamento de uma multa de 1.000 Hong Kong Dólares por cada acusação. Mas Christine apresentou recurso da sentença, na convicção de que o princípio da liberdade de expressão, consignado no artigo 27 da Lei Básica de Hong e no artigo 16 da lei que regula a “Declaração dos Direitos Humanos”, tornam as secções 11 e 12 anticonstitucionais, na medida em que estas disposições violam a liberdade de expressão, ao proibirem a exibição pública de símbolos e mensagens.

O COFA reiterou as decisões dos dois tribunais de instância inferior. Para tal recorreu ao artigo 39 da Lei Básica de Hong Kong e ao artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos, concluindo que se pode proibir manifestações de protesto nas galerias do Conselho Legislativo, desde que exista o risco de criarem desordem e interferência com os direitos dos outros observadores. As restrições impostas pela lei são necessárias para proteger a ordem pública e fazer respeitar os direitos dos outros cidadãos.

O COFA adiantou ainda que os limites da liberdade de expressão nas galerias do Conselho Legislativo são “claramente proporcionados e justificados” permitindo que a legislatura prossiga com o cumprimento das suas funções legais.

Esta argumentação demonstra o equilíbrio que é necessário entre liberdade de expressão e respeito pelos demais. Pelos motivos apontados o recurso de Christine foi rejeitado. Não poderá haver mais recursos na medida em que a decisão foi tomada pelo Tribunal da mais alta instância.

Com a implementação do Direito Comum em Hong Kong, o precedente jurídico desempenhará um papel muito importante no sistema legal. O precedente jurídico aberto pelo COFA fará parte das leis de Hong Kong. Todos os tribunais da cidade estarão obrigados a seguir a decisão. Nesta deliberação o COFA decidiu uma vez mais que a Lei Básica de Hong Kong garante vários tipos de liberdade aos seus residentes. Estes direitos serão garantidos de futuro. No entanto, deveremos ser razoáveis no exercício destes direitos. Foi declarado que “comportamentos desordeiros e exibição de cartazes de protesto” são comportamentos não aceitáveis nas galerias do Conselho Legislativo. Portanto, futuramente, se alguém tiver uma atitude semelhante, será certamente condenado em tribunal.

Os limites da liberdade de expressão foram outro dos argumentos apresentados pelo Tribunal. Estes limites têm de ser estipulados pela lei, de forma a proteger a segurança dos cidadãos, mas também a liberdade de expressão. Será sempre uma tentativa de ajuste entre estes dois direitos básicos. No Conselho Legislativo o público tem de se comportar de forma ordeira e não é permitida a exibição de cartazes de protesto, logo não é permitida qualquer manifestação. O Conselho Legislativo é um local destinado à criação de legislação, abrigo da Lei Básica da cidade. As manifestações podem originar desordem pública, e podem interferir com os deveres dos deputados. Os protestos podem ainda afectar os outros observadores da sessão. No entanto, será necessário que a lei defina o que representa exactamente transgressão a estes regulamentos. O Conselho Legislativo destina-se aos legisladores, não é local para manifestações e protestos.

Ninguém gosta de viver perto de lixeiras, sobretudo se se tratar de um aterro de resíduos tóxicos. Os sentimentos dos manifestantes são compreensíveis. Mas do ponto de vista social, expressar opiniões de forma leviana não é aceitável. Seremos todos afectados. Esperamos sinceramente que não existam mais manifestações de protestos insensatas.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
24 Out 2017

Assédio a sério

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uem tem acesso à imprensa internacional provavelmente deparou-se com uma avalanche de notícias que cogitam os sentidos do assédio sexual. O que nos parece surpreendente, é que alguém de grande nome internacional e prestígio tenha sido actor de assédio e violação durante anos. A pergunta natural é de como é que esta situação nunca fora denunciada? Como é que se manteve silenciosa?

O que eu julgo que é uma explicação para este fenómeno, é a normalização do assédio. Na nossa experiência limitada pensamos que a realidade social está bem delimitada entre o certo e o errado, e por isso, (achamos que) o assédio será automaticamente reconhecido e denunciado. Contudo, somos seres complexos que contam narrativas acerca do nosso posicionamento social e daquilo que fazemos, e o assédio não é explicado de forma simples. As formas de avanço masculino muitas vezes dançam por entre as linhas ténues do que é normal ou não. E como nós nos regemos por expectativas de género fixas, até somos incapazes de reconhecer assédio sexual nos homens – porque julgamos os homens sempre predadores e as mulheres sempre as vítimas.

A primeira reacção costuma ser sempre: provavelmente isto aconteceu porque ela ou ele estava a pedi-las. E isto as pessoas à nossa volta vão ajudar a confirmar. Mas para o assédio ser levado a sério teria que ser  melhor discutido sem grandes complicações. Num mundo ideal-hipotético, o assédio poderia ser denunciado sem grandes consequências, mas não é isso que acontece. Denunciar o assédio não traz só repercussões ao agressor, mas a quem denuncia. Num outro momento já me debrucei sobre a temática da agressão sexual mais explícita, denunciando as práticas (que roçam a humilhação) a que as vítimas são normalmente sujeitas. Há sempre aquela ideia de que ‘ela/ele merecia’ e que contribuiu com alguma responsabilidade para todo o desenlace.

No caso do tal produtor de Hollywood que anda a fazer títulos de jornal com a legião de mulheres que têm denunciado o seu comportamento desapropriado, temos visto alguma justiça. O caso tem sido tão mediático que conseguiu pôr uma quantidade de mulheres à vontade de denunciar a sua conduta para com o sexo feminino. A academia de cinema quer-lhe tirar o Óscar e tudo! Isto talvez sirva de exemplo para tantos outros por aí. Mas será que vale de alguma coisa? É quase como se presenciássemos o privilégio da realeza cinematográfica que arranjou um bode expiatório numa única criatura – quando o problema continua a ser estrutural. Também não vou ser pessimista ao ponto de não ficar contente agora que várias mulheres puderam vir cá para fora, mostrando que é possível denunciar assédio e que isso traz consequências. Nada disso. Mas será  que influencia as ‘zé-ninguéns’ como eu, será que nos dá voz? Será que me vão ouvir? Será que se começa a levar o assédio a sério?

Enquanto se objectifica o sexo como uma ferramenta comercial para produzir lucros e audiências dificilmente vejo um resultado diferente. A indústria cinematográfica, essa mesmo que tem lidado com o escândalo do assédio, tem contribuído para isso mesmo: continua a utilizar o sexo como uma estratégia de audiências, continua a objectificar o corpo humano, tendencialmente feminino, mas também o masculino, exaltando o culto da juventude. No geral, continuamos a lidar com questões de género de forma extenuadamente sexualizada – já ouviram falar das empresas que obrigam as mulheres a usar saltos altos?

Para levarmos o assédio a sério precisamos de mais, muito mais do que a condenação de um produtor de Hollywood.

24 Out 2017

China | Mercado imobiliário abranda em Setembro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] mercado imobiliário chinês continuou a abrandar em Setembro, com a queda dos preços em 15 das 70 maiores cidades do país, face ao mesmo mês do ano passado, indicou ontem o Gabinete de Estatísticas chinês.

Nas grandes cidades, as casas novas e em segunda mão registaram uma queda dos preços de 0,2%, face a Agosto, enquanto em cidades de dimensão média subiram 0,2%.

Nas cidades mais pequenas, a subida foi de 0,2% para as habitações novas e de 0,3% para as usadas. Em ambos os casos, o aumento foi inferior ao registado no mês anterior.

Os números reflectem as medidas das autoridades para travar o aumento dos preços do imobiliário.

No final do ano passado, dezenas de governos locais adoptaram medidas para restringir a compra de casa, como o aumento do valor do pagamento inicial na aquisição de um imóvel.

Os empréstimos para habitação tornaram-se também mais difíceis de obter e as taxas de juro mais elevadas.

Segundo o Banco Central da China, o volume conjunto dos empréstimos concedidos ao sector imobiliário cresceu a um ritmo menor em Setembro, face ao mesmo mês de 2016.

As autoridades chinesas não publicam os preços médios do mercado imobiliário no conjunto do país, nem a percentagem global das oscilações, mas divulgam as variações dos preços para o mês e ano anteriores nas 70 maiores cidades do país.

24 Out 2017

Uber | Lisboa vai ter Centro de Excelência para a Europa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Uber escolheu a capital portuguesa para instalar o seu Centro de Excelência para a Europa, anunciou ontem a empresa, afirmando que o investimento vai criar cerca de 250 empregos até ao próximo ano.

O Centro de Excelência vai ser “a principal fonte de conhecimento de utilizadores e motoristas em toda a região europeia”, o que vai permitir que a plataforma de transporte de passageiros continue a “melhorar os seus serviços, políticas e processos internos”, testando e lançando inovações, refere o comunicado da empresa.

Em Lisboa, vai ser prestado “apoio multilingue às operações da Uber na Europa, em países como Espanha, França e Portugal”.

A localização provisória do novo centro será nas Avenidas Novas, em Lisboa, e a sua abertura está prevista para “breve”, disse fonte oficial da empresa.

Em 2018, o Centro de Excelência irá mudar-se para as suas instalações definitivas.

Os novos 250 empregos que a empresa vai proporcionar são “nas áreas de toda a operação que a Uber pratica nos restantes países europeus”, tais como motoristas, inteligência de dados interface e utilizadores, para o negócio da empresa em geral e, também, para o novo centro referiu fonte oficial.

O novo espaço vai servir utilizadores, motoristas e restaurantes parceiros no serviço de entrega de comida ‘UberEATS’, que está disponível em mais de 170 cidades em todo o mundo e vai chegar a Lisboa ainda este ano.

“Portugal é um mercado em rápido crescimento para a Uber e Lisboa é cada vez mais um centro para a empresa no sul da Europa. Isto, juntamente com o acesso a um elevado número de profissionais qualificados, levou a que Lisboa fosse a cidade escolhida para acolher o novo centro de excelência da Uber para a Europa”, explicou, citado na nota, o director-geral da Uber na Península Ibérica, Rui Bento.

A Uber é uma plataforma ‘online’ que permite pedir carros descaracterizados de transporte de passageiros, com uma aplicação para ‘smartphones’ que liga quem se quer deslocar a operadores de transporte. Em Portugal, está disponível nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e no Algarve.

A sua actividade – bem como a da Cabify, que se instalou no país mais recentemente – tem sido muito contestada pelos taxistas, uma vez que os operadores ligados a estas plataformas não têm de cumprir os mesmos requisitos formais do que os táxis para trabalhar.

24 Out 2017

Xi Jinping elogiado por “travar golpe” de facção do PCC

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] presidente da Comissão Reguladora de Valores da China, Liu Shiyu, afirmou sexta-feira que uma facção do Partido Comunista (PCC) conspirava para tomar o poder e enalteceu o Presidente chinês, Xi Jinping, por travar “o golpe”.

Liu, que falava durante um painel de discussão no XIX Congresso do PCC, afirmou que Xi salvou o partido, informou o jornal de Hong Kong South China Morning Post (SCMP).

Entre os líderes da suposta facção, Liu Shiyu destacou Sun Zhengcai, antigo chefe do PCC no município de Chongqing, que era visto como candidato a ser um dos líderes máximos da China ao longo da próxima década.

Sun foi expulso do Partido e está a ser investigado por corrupção.

O director do órgão regulador citou ainda o antigo ministro do Comércio Bo Xilai e o antigo chefe da Segurança Pública Zhou Yongkang, ambos condenados à prisão perpétua.

“Eram altamente corruptos e planeavam usurpar a liderança do Partido e o poder do Estado”, afirmou.

Liu referiu ainda, na intervenção, Ling Jihua, ex-director do Comité Central do PCC e adjunto do antigo presidente Hu Jintao.

“A liderança central, com o secretário-geral Xi como núcleo, salvou o Partido, o exército e o país durante os últimos anos. [Xi] salvou o socialismo”, afirmou Liu.

No final do ano passado, o responsável pelo órgão máximo de disciplina do partido, Wang Qishan, visto como o segundo líder mais poderoso da China, disse que alguns altos quadros do PCC tentaram apoderar-se da organização.

A campanha anticorrupção lançada por Xi, após ascender ao poder, em 2013, castigou mais de um milhão e meio de funcionários públicos e investigou 440 altos quadros do regime.

Observadores consideraram que as afirmações de Liu sugerem que a expulsão da organização e condenação à prisão perpétua dos nomes mencionados tiveram também motivos políticos, e expõem a existência de lutas internas no PCC.

23 Out 2017

Análise | China inicia “nova era” como potência pronta a intervir em questões globais

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]nalistas consideram que a China quer assumir-se como grande potência, tornando-se mais interventiva além-fronteiras, num novo perfil diplomático atribuído à governação de Xi Jinping, que confirma esta semana o estatuto de mais forte líder chinês das últimas décadas.

Para o analista David Kelly, o país asiático “vai reclamar a posição de grande potência” e tentar “preencher o vazio” na governação das questões globais, alegadamente deixado pelos Estados Unidos com a ascensão ao poder de Donald Trump.

O Presidente norte-americano foi eleito com uma agenda isolacionista e nos primeiros meses de governação retirou os EUA do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e do acordo transpacífico de comércio livre.

Kelly falava nas vésperas do início do XIX Congresso do Partido Comunista da China (PCC), que esta semana reúne, na capital chinesa, os mais poderosos do regime chinês.

No discurso inaugural do mais importante evento da agenda política chinesa, proferido perante centenas de delegados do PCC, a maioria homens de fato escuro que aplaudiram sincronizadamente, Xi anunciou o início de uma “nova era”, em que a China “erguer-se-á entre todas as nações do mundo”.

“Será uma era em que a China se aproximará do palco principal e fará maiores contribuições para a humanidade”, apontou Xi.

Durante o congresso, as teorias de Xi Jinping devem ser incluídas na constituição do partido, reflectindo o seu estatuto como mais poderoso líder chinês, desde Deng Xiaoping.

“A China vai trazer para o mundo moderno a sua sabedoria milenar e recuperar a grandeza de outrora. Vai oferecer ao mundo uma solução chinesa”, disse David Kelly, director da unidade de investigação China Policy, sobre a nova narrativa do regime chinês.

“Isto vai ser atribuído a Xi, por ter criado o seu próprio pensamento” afirmou. “A ele será atribuído uma inovação teorética ao nível de Mao Zedong [o fundador da República Popular], ou mesmo superior”.

Toca a andar

Desde que ascendeu ao poder, em 2013, Xi Jinping visitou 58 países, e passou 193 dias no estrangeiro. Neste período, Pequim lançou um novo banco internacional e um gigante plano de infraestruturas que pretende reactivar a antiga via comercial entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático.

A moeda chinesa, o RMB, avançou para a internacionalização. No espaço de um ano, o país acolheu a cimeira do G20 e do bloco de economias emergentes BRICS.

A imprensa oficial do país passou a referir a China como “líder da agenda global”.

Lançado este Verão, “Wolf Warrior II” (Lobo Guerreiro II), o filme mais visto de sempre na China, parece ilustrar a nova visão do país asiático sobre si mesmo.

O filme conta a história de um soldado chinês numa zona de guerra em África, onde salva centenas de pessoas de uma chacina conduzida por mercenários ocidentais, que tentam apoderar-se do país.

“É o típico enredo de um filme de acção de Hollywood, mas desta vez é um chinês a defender a justiça e assegurar a paz no mundo”, descreveu a BBC.

Para David Kelly, Lobo Guerreiro II é uma “forte metáfora política”.

“Com base em alguns aspectos do filme, acho que é claro que vamos assistir a mais intervenção chinesa além-fronteiras”, afirmou.

A segunda economia mundial tem, no entanto, reticências em abdicar do princípio de não intervenção, explicou Xue Li, investigador da Academia Chinesa de Ciências Sociais. “A China não quer também que outros países interfiram nos seus assuntos domésticos”, disse o académico à agência Lusa.

“Se mudarmos, abrimos um precedente para que outros países interfiram nas questões do Tibete, Xinjiang ou Taiwan”, referiu, considerando que “o Governo chinês seria apanhado numa armadilha”.

Xue concordou, porém, que “existe um conflito entre a política de não-intervenção e a necessidade de proteger os interesses nacionais”.

“Existem hoje tantos chineses a viver além-fronteiras” lembrou, referindo que “o Governo chinês terá de proteger os seus cidadãos e activos”.

23 Out 2017

Filipinas | Exército combate última dezena de ‘jihadistas’ em Maraw

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] exército filipino está a lutar contra uma dezena de ‘jihadistas’ em Marawi, naquela que poderá ser a última operação contra o Estado Islâmico (EI) na cidade, um conflito que começou há cinco meses, disseram ontem fontes militares.

O porta-voz das Forças Armadas, Restituto Padilla, disse que pelo menos dois estrangeiros poderiam fazer parte do último grupo rebelde que está entrincheirado em cinco edifícios daquela cidade do sul do país.

“Estamos a tentar terminá-lo […] e os nossos relatórios recolhidos pelos nossos colegas na principal zona de batalha colocam o foco nesses cinco edifícios”, disse Padilla num entrevista à rádio filipina dzBB, citado pela EFE.

O porta-voz acrescentou que os insurgentes mantinham pelo menos uma dezena de reféns, mas acrescentou que estão “encurralados” e que não têm mais influência sobre o resto da cidade.

O Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, declarou na quarta-feira que Marawi ficou livre, dois dias depois de o exército ter morto os dois principais líderes rebeldes.

O conflito em Marawi matou mais de mil pessoas, incluindo 897 rebeldes, 164 soldados e 47 civis, e fez deslocar 395 mil pessoas, que foram alojadas em acampamentos e terrenos desportivos nas aldeias próximas, de acordo com fontes oficiais.

Malásia | Sete mortos em deslizamento de terras

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades da Malásia elevaram ontem para sete o número de mortos num deslizamento de terras que soterrou, no sábado, 11 trabalhadores num estaleiro de obra. Cerca de 220 operacionais da polícia, equipas de resgate e pessoal médico procuram os desaparecidos por debaixo da lama que se desprendeu de uma colina adjacente à zona de obras em Tanjung Bungah, no estado de Penang, no noroeste do país. Um porta-voz da protecção civil confirmou ao jornal The Star que um sétimo cadáver foi recuperado a meio da manhã de ontem, juntando-se a outros três encontrados durante a noite e três descobertos pouco depois do incidente. Os mortos são trabalhadores indonésios, bangladeshianos e birmaneses, que juntamente com os quatro desaparecidos, incluindo um supervisor malaio, ficaram soterrados pela lama que caiu de uma ladeira, de 35 metros de altura. O director do departamento de Fogos e Resgate de Penang, Saadon Mokhtar, disse que o acidente aconteceu quando os operários trabalhavam nas fundações da obra.

As autoridades da Malásia elevaram ontem para sete o número de mortos num deslizamento de terras que soterrou, no sábado, 11 trabalhadores num estaleiro de obra. Cerca de 220 operacionais da polícia, equipas de resgate e pessoal médico procuram os desaparecidos por debaixo da lama que se desprendeu de uma colina adjacente à zona de obras em Tanjung Bungah, no estado de Penang, no noroeste do país. Um porta-voz da protecção civil confirmou ao jornal The Star que um sétimo cadáver foi recuperado a meio da manhã de ontem, juntando-se a outros três encontrados durante a noite e três descobertos pouco depois do incidente. Os mortos são trabalhadores indonésios, bangladeshianos e birmaneses, que juntamente com os quatro desaparecidos, incluindo um supervisor malaio, ficaram soterrados pela lama que caiu de uma ladeira, de 35 metros de altura. O director do departamento de Fogos e Resgate de Penang, Saadon Mokhtar, disse que o acidente aconteceu quando os operários trabalhavam nas fundações da obra.

23 Out 2017

Eleições / Japão | Vitória provável de Shinzo Abe

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, deverá garantir um novo mandato à frente da terceira economia do mundo, nas legislativas antecipadas que o próprio desencadeou, e cujos resultados eram ainda desconhecidos no fecho desta edição.

As últimas sondagens davam uma vitória folgada ao Partido Liberal Democrata (PLD) de Abe, no final de uma campanha dominada pelas questões económicas e pela ameaça da Coreia do Norte, que falou de afundar no oceano o arquipélago sobre o qual já fez sobrevoar mísseis.

A vitória permitirá a Abe manter-se na chefia do Governo até 2021, se conquistar também a presidência do PLD no próximo Verão.

O envolvimento em escândalos de favoritismo afectou a popularidade do primeiro-ministro japonês, que sofreu uma derrota histórica do partido nas eleições autárquicas em Tóquio, em Julho, perante a formação da carismática governadora Yuriko Koike da capital nipónica.

Perante este cenário, Abe, de 63 anos, decidiu dissolver a Câmara dos Representantes (baixa) do parlamento mais de um ano antes da data prevista para o escrutínio.

Projecto esvaziado

Algumas horas antes do anúncio oficial das legislativas antecipadas, Koike anunciou que ia chefiar um novo movimento político, o Partido da Esperança.

Esta mulher de direita, de 65 anos, antiga vedeta da televisão e antiga ministra de Abe, acordou no espaço de poucas semanas a cena política japonesa letárgica e obrigou a uma recomposição da paisagem política.

O principal partido da oposição, o Partido Democrático, dissolveu-se e um grande número dos seus membros voltou-se para o Partido da Esperança, enquanto um dos principais líderes, Yukio Edano, defensor da ala esquerda, criou o Partido Democrático Constitucional do Japão.

Algumas sondagens favoráveis depois, Koike parece ter perdido o vigor e os eleitores sentiram-se defraudados com a decisão de não se candidatar ao cargo de primeiro-ministro.

A Constituição japonesa impõe que o chefe do Governo seja escolhido entre deputados ou senadores.

“Qualquer partido, para ser credível, deve ter um candidato ao cargo de primeiro-ministro. Devia ter sido ela. Como recuou, temos um navio subitamente sem capitão”, comentou Michael Cucek, professor na Universidade Templo de Tóquio e politólogo japonês.

Face ao envelhecimento da população, à deflação, que mina a economia há duas décadas, e ao crescimento lento, Abe apresenta a sua política económica feita de liberdade orçamental e de uma política monetária que consiste em alimentar o mercado com liquidez.

Estas medidas pretendem contrariar a tendência do recuo dos preços que abranda a actividade das empresas e dos consumidores, tentados a adiar investimentos e despesas à espera de novas reduções de preços.

O Japão conhece actualmente o maior período de crescimento consecutivo em dez anos. No entanto, a baixa taxa de desemprego mascara uma crescente precarização.

Ao “abenomics” (a política económica de Abe), Koike contrapôs o que apelidou de “yurinomics”, numa crítica à concretização de reformas estruturais e com uma promessa de congelar um projecto de aumento de dois pontos percentuais do IVA, para 10%.

A governadora de Tóquio distingue-se também pela vontade de pôr fim à aposta na energia nuclear, na sequência do acidente da central de Fukushima, em 2011.

Tal como Abe, Koike é favorável à alteração da Constituição pacifista, ditada em 1947 pelos Estados Unidos depois da rendição do Japão no final da Segunda Guerra Mundial. O artigo nono da Constituição consagra a renúncia “para sempre” à guerra.

De acordo com as últimas sondagens, o PLD vai conseguir sozinho menos de 300 lugares, mas a coligação com o aliado Komeito dará a Abe uma maioria de dois terços, necessária para convocar um referendo para alteração da Lei fundamental.

Uma centena de milhões de eleitores são chamados a renovar os 465 lugares da assembleia (menos dez dos que na anterior eleição).

23 Out 2017

A jovem criada

A jovem criada

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e noite, sobre o prado nu,

Ela agita-se em sonhos febris.

Amuado lamenta, no prado, o vento,

E a lua está à escuta nas árvores

Logo empalidecem as estrelas em redor

E, exaustas de queixumes,

As suas faces de cera empalidecem.

Uma podridão exala da terra.

Triste, sussurra o canavial na lagoa

E, encolhida sobre si, gela de frio.

Ao longe, canta um galo. Sobre a lagoa

Dura e cinzenta, estremece a manhã.

Die Junge Magd

Nächtens übern kahlen Anger

Gaukelt sie in Fieberträumen.

Mürrisch greint der Wind im Anger

Und der Mond lauscht aus den Bäumen.

Balde rings die Sterne bleichen

Und ermattet von Beschwerde

Wächsern ihre Wangen bleichen.

Fäulnis wittert aus der Erde.

Traurig rauscht das Rohr im Tümpel

Und sie friert in sich gekauert.

Fern ein Hahn kräht. Übern Tümpel

Hart und grau der Morgen schauert.

 

A jovem criada

Na forja, retine o martelo,

E ela apressada pelo portão passa.

Incandescente o martelo o criado brande,

E ela olha para ele como se estivesse morta.

Como num sonho, ela é atingida pelo seu riso

E cambaleia em direcção da forja.

Agacha-se envergonhada com aquele riso,

Duro e grosseiro como o martelo

As centelhas espalham-se claras pelo espaço

E com gestos impotentes,

Ela procura agarrar as selvagens centelhas

E cai aturdida por terra.

 

Die Junge Magd

In der Schmiede dröhnt der Hammer

Und sie huscht am Tor vorüber.

Glührot schwingt der Knecht den Hammer

Und sie schaut wie tot hinüber.

Wie im Traum trifft sie ein Lachen;

Und sie taumelt in die Schmiede,

Scheu geduckt vor seinem Lachen,

Wie der Hammer hart und rüde.

Hell versprühn im Raum die Funken

Und mit hilfloser Geberde

Hascht sie nach den wilden Funken

Und sie stürzt betäubt zur Erde.

23 Out 2017

DOC  2017, O mundo quase todo em Lisboa

Purge This Land – Lee Anne Schmitt  – 2017, EUA, 80’

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e 19 a 29 de Outubro, as salas do magnífico S. Jorge na Av. Da Liberdade, da Cinemateca Portuguesa na Rua Barata Salgueiro, Auditórios no edifício sede da Caixa Geral de Depósitos na rua do Arco Cego,  e/ou do cinema Ideal na rua do Loreto ( largo do Camões), iluminadas pela luz reflectida no grande ecrã, transportam o muito público a revelações, partilhas, a representações do mundo conhecido, pressentido, inesperado, à experiência imersiva do cinema partilhado em sala escura.

Mais significante do que uma enumeração quantitativa para uma aproximação a esta edição, são as palavras dos directores Cíntia Gil e Davide Oberto , dizem eles:

“A motivação mais profunda para programar filmes nasce de uma certa curiosidade, mesmo fascinação pelo que os filmes nos podem fazer. Encontrar um estranho corpo, poroso e instável, que esteja entre o que os filmes são, o que somos capazes de receber deles, e o que eles nos fazem ver e sentir quanto às vidas que vivemos e ao mundo que habitamos. Se o cinema pode ser útil, é apenas na medida em que, com os filmes, as coisas aparecem com novas cargas de sentidos que nos permitem enfrentá-las com um pouco mais de coragem, de fé ou de amor. O cinema do real só o é na medida em que os filmes nos ligam às coisas – independentemente dos métodos utilizados para tal. É-o na medida em que o real é partilhado enquanto virtualidade, fantasma e matéria, conjunto ilimitado de imagens que nos devolvem à nossa finitude.

Decidimos abrir com Ramiro, de Manuel Mozos, e encerrar com Era uma vez Brasília, de Adirley Queirós. Da comédia popular ao filme performático, abrimos e fechamos com dois filmes que desafiam e abrem a programação do festival, sugerindo caminhos e leituras possíveis do todo da programação.

Programar este festival é para nós muito longínquo de trabalhar na eficácia, no paternalismo e no esquematismo a que a ordenação fácil dos filmes por géneros nos habituou. Os festivais não servem para confirmar as categorias em que os filmes são encaixados, mas para as inquietar e revolver.

Os festivais não canonizam nem idolatram, não organizam nem explicam, antes questionam, provocam, põem lado a lado e frente a frente os filmes uns com os outros e as pessoas com os filmes.

As retrospectivas são de certa forma experiências dessa espécie de filia que nasce nos e com os filmes.”

Vera Chytilová

É a cineasta a que é consagrada uma das retrospectivas nesta edição. Figura central da Nova Vaga Checa, foi a mais radical do movimento. Os seus filmes são abordagens cheias de ironia e ruptura com os códigos de representação vigentes no realismo social. Mulher lutadora e obstinada, criou uma obra provocadora e plena de atenção aos detalhes dos humanos, aos pequenos gestos, aos pequenos assuntos, trazendo-os para o lado das questões aparentemente maiores da ordem política, do trabalho, do feminismo. Outros festivais a reconheceram, Veneza, Oberhausen, Moscovo, Chicago.  Foi condecorada com a medalha de mérito da República Checa e da ordem das Artes e Letras do governo francês. Em 2017 o doc. Lisboa dá a ver o seu cinema numa extensa retrospectiva.

Uma outra América – O singular cinema do Quebec

É assim titulada a retrospectiva do cinema que me muito é resultado das políticas do National Filme  Board, entre 1960 e 1970.  Boris Nelepo acompanhar-nos-á na descoberta desta filmografia. Em parceria com a Cinemateca Portuguesa, traz um conjunto de cinco filmes que nascem de encontros entre cineastas, em que cada filme parece trazer uma pulsão de vida ou morte – como em La Bête Lumineuse, de Pierre Perrault, em que a poesia convive com a dor, a violência, o confronto entre almas.

O ‘Velho Mundo’ e o ‘Novo Mundo’ surgem nestas duas viagens, ajudando-nos a ver melhor de onde vimos e de onde vêm as nossas interrogações contemporâneas.

“Nas competições, entre a total diversidade de formas, temáticas, linguagens, países, todos os filmes são gestos de intensidade afirmativa, procurando a justeza sem fazer justiça, experimentando de forma comprometida o universo que se propuseram, inventando para si e para nós o desejo de cinema.

É também esse movimento que anima os filmes mostrados na secção Verdes Anos – um espaço em que, mais do que apresentar novos realizadores, queremos reconhecer a importância e a seriedade dos primeiros filmes e gestos.

A secção Passagens foi este ano desenhada por Pedro Lapa, num diálogo com a equipa do Museu Berardo, tem como convidada Sharon Lockhart, que trabalha entre a fotografia, o filme, a instalação, convocando permanentemente os laços afectivos que vamos criando nas situações do quotidiano.”

Heart Beat – Grace Jones: Bloodlight and Bami – 2017, Irlanda, Reino Unido, 120’

A enorme sala Manuel de Oliveira estava esgotada.  O bilhete foi comprado fora da bilheteira, como nos grandes jogos de futebol, felizmente sem acréscimo ao custo na bilheteira. É sempre magnifico esta grande sala cheia de gente à procura de novos encontros com a vida no ecrã. Para mim é uma sala especial, recebi aqui a minha única medalha por ser um aluno a distinguir, e ainda hoje não sei se foi porque nesse dia foi à escola ( estava no 1º ano do ciclo preparatório na Francisco de Arruda – Alto de Stº Amaro) , e faltava alguém a quem medalhar, ou se lá estive porque me tinham convocado, nesse tempo tudo era novo e estava sempre em descoberta e aproximação, mas aconteceu ou seja, a tal medalha que não sei onde se perdeu e vinha numa encadernação dos Lusíadas, foi para mim. Também foi neste S. Jorge, que programei o 1º Festival Internacional de Cinema Chinês e Lusófono ,  que se tornou edição única, mas que serviu para que outros avançassem, com novo festival nesta relevante direção.

A luz da sala desce, e Grace Jones surge no ecrã, como a recordava, de quando no final do séc. XX a ouvia e dançava nas noites quentes e eróticas de Lisboa a testar a sua movida, ao lado da de “ Madrid Me Mata”.

Com ela o filme leva-nos à Jamaica, uma Jamaica de verdade, longe do marketing turístico. É à sua à família com origem étnica Africana, onde nasceu, que chegamos. Uma família onde matriarcado, patriarcado, amor, submissão, religião, tem especificidades concretas cozidas a sangue, a amores ilícitos e vínculos que ultrapassam a espuma e o efémero dos dias. É um filme com uma verdade  que nos questiona sobre as configurações da dominação e o lugar sempre inesperado da emancipação. Grace Jones, é esse lugar, um corpo território poderosamente habitado pela memória afectiva e pela rebeldia lugar de emancipação. Um corpo performativo poderoso, uma voz, um som, que enche um palco, incendia a noite.

Selvagem e andrógina – Grace Jones, dá-se a ver também como amante, filha, mãe, irmã e até avó, sujeita-se sem defesas ao nosso olhar e permite compreender de que é feita , a tecida a amor, dor, e prazer, a sua máscara.

23 Out 2017