Sorrindo Sempre VozesO Colóquio André Ritchie - 11 Dez 201512 Dez 2015 [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o fim-de-semana passado tive o prazer de participar no III Colóquio Sobre a Identidade Macaense organizado pela Associação dos Macaenses (ADM). Ao contrário do que muitos poderão pensar – sobretudo os ilustres que reagem logo com um “Epá, que seca! Outra vez essa treta da identidade macaense?..” – o evento foi bastante estimulante e foram colocadas questões pertinentes. Uma conterrânea nossa que esteve presente perguntou-me se ia falar do colóquio aqui na minha coluna. Respondi-lhe prontamente que “apenas se o colóquio correr mal, para poder má-linguã!” pois, caso contrário, para quê elogiar a iniciativa de quem trabalha em regime de voluntariado e sacrifica o seu tempo livre para preparar eventos que dão bastante trabalho organizar? (Caríssimo leitor, estou a ser irónico). Miguel de Senna Fernandes, na qualidade de moderador, fez lembrar por diversas vezes à assistência de que estávamos num debate para partir pedra e confrontar ideias sem cerimónias. Ora, numa interpretação mais directa da minha parte, estávamos ali “prá porrada”. Mas no fim não houve muita, pois da assistência, que interveio bastante, foram mais as questões lançadas do que as respostas dadas. Faço aqui um pequeno registo do que me pareceu mais interessante, aproveitando também para apresentar as minhas próprias observações. O inquérito Muitos foram os elogios dirigidos ao José Basto da Silva que apresentou os resultados do inquérito, da sua iniciativa, que foi lançado on-line. Foram mais de 500 os inquiridos e temos aqui uma ferramenta de trabalho muito útil. Trata-se de bom material para analisar a textura da comunidade macaense à luz de diversos critérios, permitindo aos interessados lançar estudos com base em dados estatísticos concretos. Portanto, podemos abandonar o “acho que”, “penso que”, “sinto que” e citar concretamente “de acordo com as respostas obtidas no inquérito do Bosco-chai”. E, já que estamos nisso, do inquérito conclui-se que os macaenses da faixa etária mais avançada falam mais português que chinês e são pessimistas em relação ao futuro da comunidade. E agora acrescento: porque cristalizam definições, são incapazes de aceitar uma realidade em constante mutação, estamos em 2015 e ainda não aceitaram a transferência de soberania e são campeões na invocação do artigo 9º da Lei Básica. (Este último a propósito da pequena tempestade no Facebook resultante de um chonto di gente que se sentiu incomodada porque o inquérito foi inicialmente lançado em inglês, em detrimento da língua de Camões. Haja paciência.) A próxima geração José Luís Pedruco Achiem, um dos oradores, sublinhou a necessidade de manter uma taxa de fertilidade acima dos 2.1% como condição absoluta para que a comunidade sobreviva. Muito bem, mas fazer filhos apenas não basta, certo? A verdadeira questão, obviamente, será como educar os nossos filhos garantindo que a chama da comunidade maquista se mantenha viva. Falou-se em tradições e gastronomia, mas para mim a chave da questão está no domínio das línguas. A língua não é apenas uma ferramenta de comunicação, é um universo cultural. E numa altura em que se assiste ao declínio do uso do português no seio da comunidade, é urgente que os pais macaenses programem a educação dos filhos para que sejam bilingues em pleno. Esqueça-se o inglês, língua que se aprende facilmente em dois tempos, e concentre-se no chinês e no português. E não se venha dizer que esta ou aquela língua foi descartada por causa do sistema de ensino que se decidiu seguir: caríssimo leitor, pode matricular o seu filho no Pui Cheng e falar português com ele em casa, uma coisa não impede a outra. E aqui falo com autoridade porque a minha taxa de fertilidade é de 2.0, aos 3 anos o meu filho já era trilingue e da minha menina de 2 meses não espero outra coisa. Sobre línguas não vou desenvolver mais pois este tema foi por mim abordado em detalhe no artigo “Noite de Natal no Karaoke”. (*) Rethinking the boundary Foi este o tema desenvolvido por Elisabela Larrea, a primeira oradora do colóquio. A nossa amochai apresentou o seu trabalho em inglês – ai os antigonços e os seus intestinos que devem estar a mexer, e de que maneira – e conseguiu transmitir o que para mim faz todo o sentido e sempre defendi: a riqueza do ser maquista reside precisamente na sua diversidade cultural, portanto porquê criar fronteiras redutoras? Tudo muda com o tempo: o mundo mudou, Macau também, portanto os parâmetros de definição da identidade Macaense têm, necessariamente, de mudar e evoluir. A Elisabela não falou do nada: segundo a sua pesquisa, a peça de Patuá “Olá Pisidénte” (1993) continha 99% de palavras em Patuá e apenas 1% de Cantonense e Português, sendo que a audiência era maioritariamente macaense e portuguesa. Já a recente peça “Qui Pandalhada” (2011) apresentou apenas 61% de palavras em Patuá; e 26%, 10% e 2% em Inglês, Chinês e Português, respectivamente. Quanto à audiência, para além dos macaenses e portugueses, verificou-se o que já sabemos: uma presença significativa de chineses. Aceitar que ambas as peças são manifestação da cultura macaense é também aceitar, por conseguinte, que a definição do conceito de macaense é mutável. Descartemos os complexos: a nossa multiculturalidade deve ser celebrada em pleno. Aquela coisa do “no meu tempo” Foram vários os intervenientes que recordaram o Macau antigo e lamentaram a ausência dos lugares de convívio onde outrora socializavam com a malta, apontando essa situação como uma das ameaças à sobrevivência da comunidade. Houve até quem dissesse que para muitos é preferível não estar em Macau “a assistir a essa destruição, sendo se calhar mais fácil estar nos Estados Unidos, ou num outro país qualquer, onde se sentem melhores”. Salvo o devido respeito, não posso concordar com essas afirmações. O discurso do “no meu tempo” arrepia-me. O nosso tempo é o nosso tempo, as coisas mudam de geração em geração. Aos fins-de-semana o meu filho de cinco anos diverte-se nos parques limpos, bem tratados e bem equipados do IACM, ou então nos indoor playgrounds dos novos empreendimentos. E divertimo-nos à brava. Quem sou eu para lhe dizer que no meu tempo as coisas eram melhores? Aliás, escrevo estas linhas depois de um agradável jantar com amigos do meu tempo, estivemos num restaurante formoso de um dos novos casinos, fomos servidos por um chef português nosso amigo. Boa comida, bom ambiente, bom convívio. “No meu tempo” não era necessariamente melhor ou pior, era diferente – e não temos forçosamente que ser pessimistas em relação ao futuro. O passado é bom, mas é morto. Considerações finais Não quero deixar de destacar a positiva participação de intervenientes em língua chinesa. Deu um colorido à coisa e sei que essa era uma das intenções da ADM – por essa razão todo o evento teve tradução simultânea. Aliás, qual o sentido de um colóquio para debater a identidade macaense se for apenas entre nós, entre a malta? Se for para isso, mais vale combinarmos uma jantarada entre nós… Os meus parabéns à ADM pela iniciativa. Para o ano há mais, certo? Sorrindo Sempre Há 10 anos atrás, quando trabalhava no Governo, conheci um caso em que um funcionário avançou, sem a devida autorização superior, com a execução de uma obra que implicou despesas do erário público. Quando, já intempestivamente, o funcionário submeteu a papelada para processar a coisa, superiormente foi exarado o seguinte despacho: “Aprovo com efeitos retroactivos e sanciono o técnico responsável pelo sucedido, sendo que o mesmo será tido em consideração aquando da renovação do seu contrato”. Tradução: “a m**** já está feita e vou aprovar a contar da data em que foi feita, mas estou lixado contigo e sou capaz de te pôr na rua.” Volvidos 10 anos, sou confrontado com o seguinte caso: alegando falta de espaço no pavilhão onde costuma organizar as suas Festas de Natal, o Jardim de Infância D. José da Costa Nunes (DJCN) decidiu este ano alugar um espaço no exterior: o auditório do IPM. Alugar um espaço no exterior custa dinheiro. E das duas, três: ou (1) o DJCN não sabia, ou (2) sabia e fez mal as contas, ou então (3) sabia, fez bem as contas e apercebeu-se que precisava ainda do carcanhol dos encarregados de educação, mas por mera má gestão ou por motivos que sou incapaz de compreender, decidiu que estes deveriam ser informados apenas no último momento. Pois que com a Festa a realizar-se no dia 12 de Dezembro, o DJCN decide apenas enviar aos encarregados de educação, no dia 8 de Dezembro, um e-mail onde se lê: “(…) todas as despesas inerentes a esta deslocação representam um montante elevado que irá ser suportado pela escola. Ainda assim, torna-se indispensável que os Pais e Encarregados de Educação adquiram os respectivos bilhetes no valor de 75 MOP cada. (…)” Caríssimo leitor, não vou passar fome por ter de arrotar as 75 pataquitas. Mas incomoda-me saber que a DJCN toma decisões dessas sem consultar primeiramente os encarregados de educação, para depois enviar um e-mail assim, em cima do joelho, já com tudo decidido e o facto consumado, obrigando-nos a arrotar as tais 75 pataquitas. E, que eu saiba, em Macau nenhum jardim de infância pede aos pais que paguem para ver a actuação dos seus próprios filhos no Natal. O (a) responsável por essa borrada toda merece, indubitavelmente, um puxão de orelhas semelhante ao daquele despacho escrito. Sorrindo sempre? Não. (*) “Noite de Natal no Karaoke”, edição de 24.07.2015 do jornal Hoje Macau.