Ensino | Alexis Tam quer mais professores de português

Alexis Tam garantiu, em Lisboa, que o Governo vai contratar mais professores de português e atribuir mais bolsas a alunos chineses que estudem português e a estudantes de países de língua portuguesa que queiram aprender chinês

[dropcap]O[/dropcap]secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que recebeu ontem o doutoramento ‘Honoris Causa’ na Universidade de Lisboa, salientou no seu discurso a importância de reforçar a cooperação entre os países lusófonos e a China, destacando áreas como o turismo e o comércio. “Iremos apostar ainda mais na promoção da cooperação nos domínios educativo e cultural, dando continuidade ao Festival de Artes de Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa e ao Fórum Cultural, contratando mais docentes de língua portuguesa, aumentando o número de bolsas para estudantes dos países de língua portuguesa que desejem aprender o chinês e para alunos chineses que estudem o português”, realçou.

Além de ser uma das línguas oficiais de Macau, o português é uma das línguas estrangeiras mais procuradas pelos estudantes chineses e o Governo tem vindo a planear um sistema educativo bilingue para criar oportunidades para aprender português e chinês. “Estamos a implementar políticas para atrair os alunos não apenas portugueses, mas também de países de língua portuguesa para estudar em Macau”, declarou Alexis Tam aos jornalistas. O secretário lembrou ainda que a língua de Camões “é uma das mais faladas do mundo”, despertando interesse não só em Macau, mas também na China “devido à amizade entre os dois países” e às ligações comerciais.

 

Soube a pato

Durante o discurso, Alexis Tam adiantou que o título que lhe foi atribuído tem “um significado especial”, já que foi aluno da Universidade de Lisboa, onde além de abrir “horizontes” e estabelecer contactos com mundo ocidental, conheceu também a mulher. “Foi-me difícil não ficar apaixonado por este país e pelo seu povo”, confessou.

Enalteceu o relacionamento de Portugal e da China ao longo de quatro séculos, do qual resultaram “laços de amizade e confiança mútuas” e sublinhou que ao regressar a Macau, “um território onde se cruzam e coexistem as civilizações ocidental e oriental” trabalhou em prol da educação e do desenvolvimento de políticas de promoção da aprendizagem de línguas estrangeiras.

Na cerimónia de atribuição do título ‘Honoris Causa’, o ex-reitor da Universidade Nova de Lisboa e padrinho do homenageado, António Sampaio da Nóvoa, elogiou o antigo aluno da Faculdade de Letras por ser um “homem que sempre cuidou da língua e cultura portuguesas”. Várias individualidades ligadas à educação e a Macau estiveram também presentes no tributo, desde diplomatas a ex-governadores, passando pelo presidente da Fundação Oriente, Carlos Monjardino, e o ex-ministro da Educação, Roberto Carneiro.

13 Mar 2019

O grão da surpresa

Horta Seca, Lisboa, 17 Novembro

 

[dropcap]A[/dropcap] língua pode ser revista. Traz promessa de passar em revista o alfabeto inteiro começando pela letra primeira, a de Atlântico. Chega-se com nome que não podia ser mais feliz: linguará.

Não por acrescentar princípio a língua, toque que amplifica, até porque A de perfil faz altifalante, mas por ser, em algum dos muitos afluentes semeados na outra banda oceânica, sinónimo de intérprete (de branco para índio e vice-versa, na origem, a evitar nos dias correctos). Em tempos brutos, a subtileza com que se anuncia vem portadora de imensa frescura: «uma revista pela língua portuguesa». Com a densa simplicidade do azul, são cadernos A4, que só não voam porque e linha na lombada os mantém próximos da mão. Orquestrada pela Maria José [Amorim] e companheiras, Carla Paoliello e Priscilla Ballarin – que também desenha, com amplitude e afecto, esta edição (http://www.revistalinguara.com) a aventura toca-me pela leveza com que apresenta as múltiplas, fugazes, desafiantes cambiantes da língua. Na vez de publicar ruído, digo, redundâncias tonitruantes, convoca para a frente do espelho fragmentos, restos que, por vezes, nos fazem falsos amigos, noutras nos atiram para longo beijo de língua.

Faz tanta falta este amoroso descomprometimento que reúna no mesmo lugar, no mesmo falar, o astrofísico e a o alfaiate, o mecânico e o místico, o malabarista e merceeiro. Ou seja, mais do que longos e académicos ensaios, encontramos pormenores ampliados, ligações avulso que produzem sentido. O artesanato material e o linguajar comum cruzam-se com a pesquisa erudita e a aspiração artística para fazerem primaveras. Andorinha, a palavra ergue-se rainha, mas não desdenha a imagem, como nas fotos de lugares homónimos ou na caligrafia artística em busca de azulejo onde se eternizar. O intérprete faz-se ponte movediça entre tudo e mais alguma coisa. O puro prazer desta recolha não esconde a teoria dos cruzamentos que fazem crescer esta água na boca. Há tradição para descobrir, modernidade para oferecer, maneiras de fazer, ideias à deriva, poesia e filosofia, memória e canção brega. Desconfio que não seja essa a intenção, mas além da mais interessante política de língua comum (ou vice-versa) pode nascer daqui uma outra de promoção a leitura. Diz Adélia Prado, Antes do Nome: «A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,/ foi inventada para ser calada.// Em momentos de graça, infrequentíssimos,/ se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão./ Puro susto e terror.» Uma língua pode morrer na nossa mão. Ou arejar.

Horta Seca, Lisboa, 22 Novembro

Este voar baixo e cego, de que me cansa falar, impediu-me de saborear devidamente (lamber a cria, diz-se) a chegada do volume III da poesia completa do Antero, permito-me, sem rir, o tratamento por via da convivência. Tacteio a cor da capa do volume mais surpreendente por razões que o Luiz [Fagundes Duarte] não se cansa de anunciar em conferências, mais e menos participadas: há um Antero para além «santidade» fixada. Descobrem-se por aqui, com grão de surpresa, mundanidades, dislates, ensaios, voluntarismos, sátiras, ânsias e fúrias, perfumes do desejo e vapores da política, humanidades, enfim, deliciosas preciosidades, para rimar. Folhear basta para encontrar coincidências com os dias, ainda e para sempre estes nossos: «Bem é falar de tristezas/ Por estes tempos de risos,/ Em que passa a Gargalhada/ Na face dos paraísos […]». As tormentas vêm de todos os horizontes e o poeta leva a Alma pela mão visitando o que se anuncia nos mapas e nos mitos, mas antes esculpe rostos. «[…]A gargalhada do sábio,/ Que se chama… indagação;/ A gargalhada do céptico,/ Que tem nome… negação:// A gargalhada do santo, Que tem nome — fé e crença;/ A gargalhada do ímpio,/ Que se chama… indiferença:// A gargalhada da história/ Que se chama… Revolução:/ E a gargalhada de Deus,/ Que tem nome… Escuridão […]». Resultado? Leia quem possa, que hesito na conclusão. Entrar na boca do demónio que vive desta atroada de possessos ou sonhar com a luz que sairá do peito do condenado.

Horta Seca, Lisboa, 23 Novembro

«Prólogo a la Invención del Diluvio», assim se chama a antologia do José Luiz [Tavares], com tradução de Diego Cepeda, com que abriu asas e voou a Puro Pássaro, novíssima editora do Jerónimo Pizarro e do Pedro Rapoula, com ninho em Bogotá. Seguiu-se, entre outros, «Las Cosas», da Inês [Fonseca Santos], no caso com tradução do Pedro Rapoula. Edições cuidadas, pequenas no formato de lombos coloridos, com ilustrações, desenhadas ou fotografadas, a quererem afirmar a poesia como o lugar maior da língua. No «Dilúvio» há mesmo folhas em vegetal que propõem versão (sobreposta) do poema no crioulo de Cabo Verde. E cuidadas, sobretudo, no transpôr do verbo, do espelhar da construção, no tento com que se busca o verso exacto. Encontro nestes esforços, de que o Jerónimo se vem fazendo pródigo, solo bem mais fértil que o dos acampamentos de pompa e circunstância nas feiras internacionais (do negócio e da vaidade). Mas isso sou eu, que montei casa em horta seca. «Solo yo no me quedo bien, my señor,/ que espero toda la tarde ele poema/ que no viene, aunque barcos suban/ el tajo aullando a través la niebla».

Facebook, algures, 24 Novembro

O mano Gaspas, de seu nome inteiriço, Luis Manuel Gaspar, publicou um conjunto de imagens, devidamente legendadas – com as mais dispersivas coordenadas, com se latitude e longitude fossem primeiros passos na viagem – da Maruja Mallo. Digam lá o que disserem, há quem faça das redes um tapete de serviço público, servindo para limpar sapatos antes de entrar ou para sair a correr um direcção ao espanto e maravilhamento.

O mano produz sequências em torno dos seus queridos (Almada e Alvarez e Amadeo, Botas e Botto, Herberto e Helder, Wyatt e Waits, Ramón e Ramos Rosa) que espalham informação segura, detalhes explosivos, um gosto feito trepadeira a crescer. Aqui e ali, mostra migalhas das suas detalhistas e cruzadas composições (a isso voltaremos), mas interessa-nos agora a autêntica produção de conteúdos raros e sensíveis. Ando para falar disso há tempos, armado em intérprete-tradutor-ponte, e eis que a pintora, «metade anjo, metade marisco», se faz pretexto. (Algures na página, «A Surpresa do Trigo»). O motivo, para o mano sem acento, raras vezes nasce da actualidade, mas a sua página está sempre a estender-se tapete de museu vivo. No caso, da Maruja trouxe trigo e festas de aldeia, em composições de geometria «fatal» que atiram para a melancolia. Uma colorida melancolia onde os elementos da vida poderiam ainda fazer sentido. Um incerto sentido sobre o qual caminhar.

28 Nov 2018

Uma língua de mar   

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]xistiu algures uma teoria da arquitetura portuguesa que não é mais do que a extensão do desenho das emoções projectáveis que ao modelar a paisagem teceu a linha da saudade. A linha horizontal. Nunca de facto o gótico foi expressivo entre nós, nem os vastos guindastes para os céus enaltecidos enquanto desafios imaginários. A linha que se estende oceânica também modela as vozes e tem verbos longos, arrastados, que abre vogais, amplia noções, pega no fio e transporta-o em deleitoso arrastar de forma deitada. Uma paisagem que os sentidos apreendem, as vontades compõem e dá origem a formas de pensamento. Ao partirmos de um lençol deitado, bordado, desses monumentos compridos, densos, transformáveis, levamos ainda o grande fio que irá servir de laço «laços de amor» às vestes dos Vice-Reis da Índia.

Uma corda em pedra que sobe, que é rente, que enreda, serpenteia, não é o mesmo que um bastão de um «Excalibur» nesta designada outrora terra de Mu, ou reino das serpentes, que definitivamente não gosta da recta e onde tudo ao redor nos lembra disso. Até os signos alfabéticos nos dão conta, quando ao percorrê-los vamos encontrar um «S» exponencial para as concordâncias que atravessam a língua toda: terra dos Silvas, das Saudades, das Saúdes, das Sardinhas, das Senhoras, dos Soares, dos Sousas, dos Sidónios… dos Salazares, um manuelino enroscado à teia de uma consciência da vida como «Capela Imperfeita» que ao não ter tecto faz das alturas estelares uma visão aterradora. Octógonos em pedra, deitados nas lajes os mártires que aspiram nevoeiros.

Toda a sinuosidade se adapta ao espaço, contornando-o – uma manobra dançante – teme o obelisco, corta as partes contundentes, ameaça ser um lago e lança-se em oceanos. Lá chegados, as terras que fomos inventar são hoje uma panorâmica surpreendente do ventrículo luso, as cidades onde ora acontecemos parecem ainda hoje ter as “tripas de fora” nos postes de abastecimento energético, que a tripa é uma curvatura lindíssima e serpenteia cidades como uma piton iluminada. Nós não vemos isto, aliás, nós, agora tão Encobertos não olhamos quase nada e vamos melancolicamente a direito dentro de cápsulas sem préstimos e qualidades. A errância, essa grande teia, tem uma língua que propulsou, tomou cuidados, e foi em correntes de água molhar as bocas que encontrava.

E hoje, a memória do que outrora levávamos não tem voz, a nossa lembrança não tem chão, perdemos tudo ao tentar ser outros e cegos fomos ficando no intenso nevoeiro. Louvámos os charcos e calcinámos as frotas. De grande, restou-nos um certo círculo onde se tece a teia, onde se nasce para o fundo de cabeça a descoberto… e agora, que todas essas redes gravitacionais que dançavam numa estranha mas fascinante inspiração colectiva para sempre se foram, eis-nos que somos o que a ninguém lhes acontece ser: reflexos. Qualquer coisa no entanto e de novo se faz sentir, pode até coincidir com o último trago, mas não será em vão tentar pensá-lo.

Já poucos, aguardamos, cansados, nem por isso desistimos. Os ciclos são esféricos e quase sempre pela brecha que não esperávamos muda o mundo. Pode haver um senão: não estarmos aqui, mas outros tomarão os remos da ideia começada. E pela mesma razão que a língua galgou as praias por onde Velhos anunciavam desventuranças, iremos agora buscá-la mais além, nos locais onde beijamos outros. Tudo isto, e não sei em que sentido me lembra este poema de Manuel Bandeira:

“Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza mas por altivez
No tormento mais fundo o teu gemido.
Trocar num grito de ódio a quem o fez.
As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana.
Não tremer de esperança nem de espanto
Nada pedir nem desejar, senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé no mundo além do mundo. E então
Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.”

Uma língua de mar.

9 Out 2018

Ardem as línguas

 

01/09/2018

Colava-se na sua testa, estreita mas com sobreloja, uma inteira colecção de selos, talvez os das aves de Moçambique, estampados em… (fosse o meu sogro vivo e eu despacharia esta data com a limpeza de quem lava os olhos no copo do oftalmologista).

Infelizmente para ele, mais valia estar à la page, a sua testa voraz – os olhos sumiam-se abaixo da metade do crânio – curva-se em altitude como os ovos, numa indesmentível aproximação à redondez vilipendiada pelos partidários da terra plana; fanáticos que não enxergam que só em espelhos ovais sobressairão as cabeças quadradas, e mesmo aí raramente, exprimindo casos particulares que não chegam a neutralizar a sensação das cabeças serem primordialmente esféricas como Gaia, como as cerejas, como as prenhuras e as líchias; aliás como o plano de corte de uma veia: imperativo da agulha, dizem.

Mas falava da criatura que à minha frente rói até ao tutano a galinha e mexe os maxilares num crânio assustadoramente estreito – ah, Giacommeti, envia-me a tua morada e vais desmaiar de inveja! – e tão oblongo, que consegue ser a sua própria figuração.

E mesmo quando na sua testa se esplendem as luzes do tecto a sua luz natural cria outras linhas e cores no ébano, como se eclodissem desse planisfério ovóide as ostras do tempo.

04/09/2018

O que ressalta da negligência a que foi votado o Museu Nacional do Rio de Janeiro e que levou ao incêndio que o destruiu é a constatação de que chamar país ao Brasil é uma calúnia. Como aliás se podia dizer o mesmo depois dos desastres de Pedrogão e de Monchique, em Portugal.

Enviou-me o Luís Carlos Patraquim o email de um poeta do Rio, e amigo comum, o Alexei Bueno, que dá a dimensão trágica do ocorrido:

«Muito obrigado Reinaldo,
chorei muito ontem, passei inúmeros dias da minha infância nesse museu, lá levei meu filho, e assim por diante. Além do que era visto, pouca gente avalia o valor do que não estava exposto, era o que havia de mais importante no Brasil, seguido pela Biblioteca Nacional. Além da coleção egípcia, na verdade a maior do Hemisfério Sul, e da coleção grega – da Magna Grécia -, etrusca e romana da Imperatriz Teresa Cristina (que era de Nápoles), lá estava guardada toda a história de etnologia e arqueologia brasileiras, as urnas marajoaras e tapajônicas, os fósseis, a Coleção da Comissão Rondon e a Coleção Roquette-Pinto (filmes, fotos, registros sonoros, não sei se algo foi copiado), os papéis do Curt Nimuendaju (um alemão que foi o maior etnólogo do Brasil), a magnífica coleção de taxidermia (quantos taxidermistas deve haver hoje, e com aquela qualidade?), os fósseis, os ossos de dinossauros, a sala do trono, onde havia a célebre cerimônia do beija-mão, milhares de peças de tribos já extintas, um trono que o rei do Daomé deu para D. João VI em 1811, sem similar nem no Quai Branly, tudo destruído. Duzentos anos de coleta, escavações e estudos etnológicos dum país que tem o quarto território contínuo do mundo transformados em pó. Havia quatro vigias para um prédio de 13 mil m2, obviamente sem qualquer recurso, que viram o início do fogo e fugiram, os hidrantes sem água, etc… Exatamente 40 anos depois do incêndio do MAM. E tentavam conseguir vinte milhões (quatro milhões de euros!!!) para o prédio! Mais do que o dobro disso havia no apartamento de Geddel Viera Lima, um deputado corrupto, em Salvador. Gastaram dois bilhões para demolir e adulterar o Maracanã, uma construção classificada federalmente, e queriam resolver o problema dum prédio daquele tamanho e mais do que bicentenário com vinte milhões!!! Nem o interior do prédio conseguirão recuperar, todos os pisos originais, com as imensas tábuas de velhas madeiras brasileiras hoje indisponíveis, os tetos estucados e pintados… Não há o que falar.
Um grande abraço, extensivo aos amigos.»

E estes são apenas os incêndios visíveis.
Ocorre o desastre ao mesmo tempo em que um candidato às eleições brasileiras, o inefável Bolsonaro, num comício, simula uma metralhadora e diz o que fará aos do PT, caso ganhe, sem que qualquer Comissão Nacional de Eleições o torne imediatamente ilegível.

Há algo de profundamente corrosivo nos tecidos da vida activa dos países de língua portuguesa, como se padecessem de uma sintaxe infernal que atoleima os seus falantes e conecta os seus destinos às variações de um naufrágio repetitivo e sem remissão. Uma espécie de maldição de Naufrágio de Sepúlveda, reactualizada através de todos os elementos, formas e coordenadas, sendo executada em todas as dobras do tempo.
Respondia Hannah Arendt numa entrevista, sobre ter continuado a praticar o alemão a níveis mais profundos, depois de ter enfrentado os horrores do Holocausto. “Mesmo nos tempos mais amargos?”, pergunta o entrevistador. E responde ela: “Eu interrogava-me: o que fazer? De qualquer maneira não foi a língua alemã que enlouqueceu!”. Já Derrida, num livro muito interessante, O Monolinguismo do Outro, levanta a suspeita de que as línguas possam enlouquecer e contaminar com a sua demência as comunidades que as usam, e até as instituições.

Se olharmos para o que se passa no Brasil e em Moçambique, países numa combustão descontrolada, e os impasses em Portugal, Guiné e Angola, é difícil não concluirmos que seria difícil correr pior e como a inaptidão de cooperar e de operacionalizarmos algo de útil, sistémico, e de mútuo interesse, deixa cada país sozinho com as suas orgulhosas infeções internas. Há uma subcutânea maldade nesta incapacidade para, em todos os quadrantes, ultrapassar os irreais; nesta irresponsabilidade com que deixamos arder os valores e a cultura; nesta desagregação de vínculos, que prefere o egoísmo da má consciência à mutualidade de uma comunidade de língua que pudesse ser melhor em conjunto e erguer um carácter que relevasse por sobre os defeitos individuais.

Não somos capazes. Será preciso deixar arder a língua, para darmos conta de que urge uma terapia?

 

5 Set 2018

UM | Académicos locais vão dar formação em Português no continente

[dropcap style=’circle’] N [/dropcap] o final deste mês o Centro de Ensino e Formação Bilingue Chinês-Português da Universidade de Macau vai começar a enviar académicos para dar formação em universidades na China continental. Entretanto, decorre desde ontem e até amanhã a primeira edição da conferência “Confluências em língua portuguesa: línguística, literatura e tradução”

O Centro de Ensino e Formação Bilingue Chinês-Português da Universidade de Macau vai dar início aos programas de formação no continente ainda este mês. A primeira saída de académicos da UM para a China está prevista ainda no final de Maio, disse o director do departamento de Português, Yao Jinming, à margem da conferência “Confluências em língua portuguesa: línguística, literatura e tradução” que decorre até sábado na UM.
De acordo com Yao Jinming, já há muitas universidades no continente a leccionar português. “Cerca de 40 já têm o curso de português e na sua maioria os professores foram alunos licenciados pela UM”. A proximidade com estes académicos faz com que o intercâmbio seja ainda mais fácil, disse.
Com cerca de um ano de existência o Centro de Ensino e Formação Bilingue Chinês-Português tem um balanço positivo do seu funcionamento. “Acho que o centro tem vindo a ter um trabalho ascendente e em dois sentidos”, referiu Yao. Por um lado a entidade tem feito formação de professores internamente e convidado académicos chineses para presidirem a palestras, seminários e conferências. Agora é altura de inverter o sentido e levar os de cá para a China continental e não só.
“A UM está também a reforçar a colaboração com várias universidades portuguesas”. O objectivo, além de uma maior troca de conhecimento, é a diversificação dos cursos de mestrado”, apontou. Para o efeito, é necessária a colaboração com outras universidades, não só portuguesas como da área lusofonia, sublinhou o responsável pelo departamento de português. “Queremos convidar professores de fora para dar aqui aulas e fazerem seminários. Podemos também tê-los como orientadores dos nossos alunos de mestrado ou de doutoramento”, disse Yao Jinming.

Em revista especial
Na conferência que teve início ontem vão ser apresentadas um total de 40 comunicações vindas de académicos de Macau, Hong Kong, China continental, Portugal, Brasil, Moçambique, Itália, França e Japão. De acordo com Yao Jinming, o objectivo desta primeira edição do evento é “discutir e reflectir sobre o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa”. A ideia é dar aos que nela participam uma visão alargada, que vai da linguística à tradução, passando pela cultura. Por outro lado, considera o responsável, “é muito importante uma reflexão acerca do ensino da língua portuguesa não só aqui em Macau mas também na China continental”, apontou.

11 Mai 2018

Patuá | Estudo destaca influências do hokkien e cantonense no crioulo local

Apesar de muitas vezes serem desvalorizadas as influências do hokkien e do cantonense no patuá são também estas que dão ao crioulo local características únicas e o separam, em parte, do kristang, de Malaca. A conclusão faz parte de um artigo do académico Giorgio Arcodia

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lgumas construções frásicas do patuá como a utilização do verbo “chomá”, que significar “chamar” em português, mostram que em certos aspectos o crioulo local está mais próximo do hokkien e cantonense do que do malaio-português, a grande base do patuá. A conclusão é do académico Giorgio Arcodia, num artigo publicado na revista Language Ecology com o título “Sobre as Influências Chinesas no Macaense”.

Ao HM, o italiano, que é especialista no estudo do chinês, justificou o trabalho com o facto de se tratar de uma área do patuá pouco explorada e no futuro espera continuar a desenvolver mais artigos do género.

“Acho que a influência do chinês tem sido, de certa forma, ignorada no estudo do patuá porque até ao artigo publicado por Umberto Ansaldo e Stephen Matthews [A origem da reduplicação no Macaense, de 2004] nenhum especialista em linguística chinesa tinha focado este crioulo. Isto fez com que facilmente tenham sido ignorados sinais subtis da influência chinesa”, começou por dizer Giorgio Arcodia, ao HM.

“A maior parte dos trabalhos sobre o patuá assume que a língua era, na sua essência, extremamente próxima do kristang de Malaca. Isto é verdade, mas o próprio kristang também esteve sujeito a influências chinesas, através do hokkien, assim como também os falantes de patuá estiveram em contacto muito próximo com os falantes das outras línguas chinesas durante séculos”, apontou o professor da Universidade de Milão-Biccoca, para explicar as influências no crioulo de Macau.

O hokkien é um grupo de dialectos com origem no sul da província de Fujian, que a comunidade académica acreditar ser muito falado em Macau, quando os portugueses se estabeleceram no território. Por sua vez, o cantonês é o principal meio de comunicação ainda hoje em Macau. Por estas razões, acredita Arcodia, dificilmente o patuá conseguiria evitar estas influencias.

Apaixonado pelo patuá

Nascido em Milão, Girogio Acordia estudou em Bolonha, Pavia, Pequim e Taipé na área da linguística. Especialista em Linguística Chinesa, a curiosidade e interesse pelo patuá surgiu em 2008, em Amesterdão, quando assistiu a uma aula com Umberto Ansaldo, também ele um académico abordou em alguns trabalhos o patuá. Foi devido esse interesse que em 2011 esteve em Macau, onde se apaixonou pela cultura macaense.

“Só estive em Macau um vez, em 2011, para tentar saber mais sobre o patuá: fiquei surpreendido porque só ouvi falar inglês, cantonense e mandarim. Nessa altura, ainda achava que o macaense era uma língua falada, ou pelo menos usada na escrita”, recorda.

“Tive também a oportunidade de ir à biblioteca para recolher um amostra enorme do trabalho de José dos Santos Ferreira (Adé), e foi nessa altura ao ler as suas histórias, os registos sobre a gramática do patuá e os artigos existentes que comecei a aprender mais sobre a língua. Apaixonei-me literalmente pela língua e pela cultura macaense”, acrescentou.

Durante a visita de 2011, Arcadio teve ainda um encontro com Mário Pinharanda Nunes, da Universidade de Macau, que partilhou parte dos seus registos com o italiano.

Em relação ao futuro, o académico admite o regresso de Macau com o objectivo de entrevistar membros do grupo de teatro Dóci Papiaçam di Macau.

 

Lamento por Carlos Coelho

Ao HM, Giorgio Arcodia considerou que os próximos tempo vão ser um grande desafio para a recolha de material que permita no futuro estudar o patuá, pelo facto da língua estar cada vez menos presente. Nesse sentido, o italiano lamentou a morte do macaense Carlos Coelho: “Era uma das últimas pessoas que falava a língua desde a infância”, apontou.

24 Jan 2018

O Colóquio

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o fim-de-semana passado tive o prazer de participar no III Colóquio Sobre a Identidade Macaense organizado pela Associação dos Macaenses (ADM). Ao contrário do que muitos poderão pensar – sobretudo os ilustres que reagem logo com um “Epá, que seca! Outra vez essa treta da identidade macaense?..” – o evento foi bastante estimulante e foram colocadas questões pertinentes.

Uma conterrânea nossa que esteve presente perguntou-me se ia falar do colóquio aqui na minha coluna. Respondi-lhe prontamente que “apenas se o colóquio correr mal, para poder má-linguã!” pois, caso contrário, para quê elogiar a iniciativa de quem trabalha em regime de voluntariado e sacrifica o seu tempo livre para preparar eventos que dão bastante trabalho organizar?

(Caríssimo leitor, estou a ser irónico).

Miguel de Senna Fernandes, na qualidade de moderador, fez lembrar por diversas vezes à assistência de que estávamos num debate para partir pedra e confrontar ideias sem cerimónias. Ora, numa interpretação mais directa da minha parte, estávamos ali “prá porrada”. Mas no fim não houve muita, pois da assistência, que interveio bastante, foram mais as questões lançadas do que as respostas dadas.

Faço aqui um pequeno registo do que me pareceu mais interessante, aproveitando também para apresentar as minhas próprias observações.

O inquérito

Muitos foram os elogios dirigidos ao José Basto da Silva que apresentou os resultados do inquérito, da sua iniciativa, que foi lançado on-line. Foram mais de 500 os inquiridos e temos aqui uma ferramenta de trabalho muito útil.

Trata-se de bom material para analisar a textura da comunidade macaense à luz de diversos critérios, permitindo aos interessados lançar estudos com base em dados estatísticos concretos. Portanto, podemos abandonar o “acho que”, “penso que”, “sinto que” e citar concretamente “de acordo com as respostas obtidas no inquérito do Bosco-chai”.

E, já que estamos nisso, do inquérito conclui-se que os macaenses da faixa etária mais avançada falam mais português que chinês e são pessimistas em relação ao futuro da comunidade.

E agora acrescento: porque cristalizam definições, são incapazes de aceitar uma realidade em constante mutação, estamos em 2015 e ainda não aceitaram a transferência de soberania e são campeões na invocação do artigo 9º da Lei Básica.

(Este último a propósito da pequena tempestade no Facebook resultante de um chonto di gente que se sentiu incomodada porque o inquérito foi inicialmente lançado em inglês, em detrimento da língua de Camões. Haja paciência.)

A próxima geração

José Luís Pedruco Achiem, um dos oradores, sublinhou a necessidade de manter uma taxa de fertilidade acima dos 2.1% como condição absoluta para que a comunidade sobreviva.

Muito bem, mas fazer filhos apenas não basta, certo? A verdadeira questão, obviamente, será como educar os nossos filhos garantindo que a chama da comunidade maquista se mantenha viva. Falou-se em tradições e gastronomia, mas para mim a chave da questão está no domínio das línguas.

A língua não é apenas uma ferramenta de comunicação, é um universo cultural. E numa altura em que se assiste ao declínio do uso do português no seio da comunidade, é urgente que os pais macaenses programem a educação dos filhos para que sejam bilingues em pleno.

Esqueça-se o inglês, língua que se aprende facilmente em dois tempos, e concentre-se no chinês e no português.

E não se venha dizer que esta ou aquela língua foi descartada por causa do sistema de ensino que se decidiu seguir: caríssimo leitor, pode matricular o seu filho no Pui Cheng e falar português com ele em casa, uma coisa não impede a outra. E aqui falo com autoridade porque a minha taxa de fertilidade é de 2.0, aos 3 anos o meu filho já era trilingue e da minha menina de 2 meses não espero outra coisa.

Sobre línguas não vou desenvolver mais pois este tema foi por mim abordado em detalhe no artigo “Noite de Natal no Karaoke”. (*)

Rethinking the boundary

Foi este o tema desenvolvido por Elisabela Larrea, a primeira oradora do colóquio. A nossa amochai apresentou o seu trabalho em inglês – ai os antigonços e os seus intestinos que devem estar a mexer, e de que maneira – e conseguiu transmitir o que para mim faz todo o sentido e sempre defendi: a riqueza do ser maquista reside precisamente na sua diversidade cultural, portanto porquê criar fronteiras redutoras?

Tudo muda com o tempo: o mundo mudou, Macau também, portanto os parâmetros de definição da identidade Macaense têm, necessariamente, de mudar e evoluir.

A Elisabela não falou do nada: segundo a sua pesquisa, a peça de Patuá “Olá Pisidénte” (1993) continha 99% de palavras em Patuá e apenas 1% de Cantonense e Português, sendo que a audiência era maioritariamente macaense e portuguesa.

Já a recente peça “Qui Pandalhada” (2011) apresentou apenas 61% de palavras em Patuá; e 26%, 10% e 2% em Inglês, Chinês e Português, respectivamente. Quanto à audiência, para além dos macaenses e portugueses, verificou-se o que já sabemos: uma presença significativa de chineses.

Aceitar que ambas as peças são manifestação da cultura macaense é também aceitar, por conseguinte, que a definição do conceito de macaense é mutável.

Descartemos os complexos: a nossa multiculturalidade deve ser celebrada em pleno.

Aquela coisa do “no meu tempo”

Foram vários os intervenientes que recordaram o Macau antigo e lamentaram a ausência dos lugares de convívio onde outrora socializavam com a malta, apontando essa situação como uma das ameaças à sobrevivência da comunidade.

Houve até quem dissesse que para muitos é preferível não estar em Macau “a assistir a essa destruição, sendo se calhar mais fácil estar nos Estados Unidos, ou num outro país qualquer, onde se sentem melhores”.

Salvo o devido respeito, não posso concordar com essas afirmações. O discurso do “no meu tempo” arrepia-me. O nosso tempo é o nosso tempo, as coisas mudam de geração em geração.

Aos fins-de-semana o meu filho de cinco anos diverte-se nos parques limpos, bem tratados e bem equipados do IACM, ou então nos indoor playgrounds dos novos empreendimentos. E divertimo-nos à brava. Quem sou eu para lhe dizer que no meu tempo as coisas eram melhores?

Aliás, escrevo estas linhas depois de um agradável jantar com amigos do meu tempo, estivemos num restaurante formoso de um dos novos casinos, fomos servidos por um chef português nosso amigo. Boa comida, bom ambiente, bom convívio.

“No meu tempo” não era necessariamente melhor ou pior, era diferente – e não temos forçosamente que ser pessimistas em relação ao futuro. O passado é bom, mas é morto.

Considerações finais

Não quero deixar de destacar a positiva participação de intervenientes em língua chinesa. Deu um colorido à coisa e sei que essa era uma das intenções da ADM – por essa razão todo o evento teve tradução simultânea. Aliás, qual o sentido de um colóquio para debater a identidade macaense se for apenas entre nós, entre a malta? Se for para isso, mais vale combinarmos uma jantarada entre nós…

Os meus parabéns à ADM pela iniciativa. Para o ano há mais, certo?

Sorrindo Sempre

Há 10 anos atrás, quando trabalhava no Governo, conheci um caso em que um funcionário avançou, sem a devida autorização superior, com a execução de uma obra que implicou despesas do erário público.

Quando, já intempestivamente, o funcionário submeteu a papelada para processar a coisa, superiormente foi exarado o seguinte despacho: “Aprovo com efeitos retroactivos e sanciono o técnico responsável pelo sucedido, sendo que o mesmo será tido em consideração aquando da renovação do seu contrato”.

Tradução: “a m**** já está feita e vou aprovar a contar da data em que foi feita, mas estou lixado contigo e sou capaz de te pôr na rua.”

Volvidos 10 anos, sou confrontado com o seguinte caso: alegando falta de espaço no pavilhão onde costuma organizar as suas Festas de Natal, o Jardim de Infância D. José da Costa Nunes (DJCN) decidiu este ano alugar um espaço no exterior: o auditório do IPM.

Alugar um espaço no exterior custa dinheiro. E das duas, três: ou (1) o DJCN não sabia, ou (2) sabia e fez mal as contas, ou então (3) sabia, fez bem as contas e apercebeu-se que precisava ainda do carcanhol dos encarregados de educação, mas por mera má gestão ou por motivos que sou incapaz de compreender, decidiu que estes deveriam ser informados apenas no último momento.

Pois que com a Festa a realizar-se no dia 12 de Dezembro, o DJCN decide apenas enviar aos encarregados de educação, no dia 8 de Dezembro, um e-mail onde se lê: “(…) todas as despesas inerentes a esta deslocação representam um montante elevado que irá ser suportado pela escola. Ainda assim, torna-se indispensável que os Pais e Encarregados de Educação adquiram os respectivos bilhetes no valor de 75 MOP cada. (…)”

Caríssimo leitor, não vou passar fome por ter de arrotar as 75 pataquitas. Mas incomoda-me saber que a DJCN toma decisões dessas sem consultar primeiramente os encarregados de educação, para depois enviar um e-mail assim, em cima do joelho, já com tudo decidido e o facto consumado, obrigando-nos a arrotar as tais 75 pataquitas. E, que eu saiba, em Macau nenhum jardim de infância pede aos pais que paguem para ver a actuação dos seus próprios filhos no Natal.

O (a) responsável por essa borrada toda merece, indubitavelmente, um puxão de orelhas semelhante ao daquele despacho escrito.

Sorrindo sempre? Não.

(*) “Noite de Natal no Karaoke”, edição de 24.07.2015 do jornal Hoje Macau.

11 Dez 2015

Macau – Manual da sobrevivência

Está em Macau há pouco tempo? Não está mas pensa vir? Não vem cá há muito tempo ou tem curiosidade sobre o lugar? Então aqui fica um manual incompleto de sobrevivência, de A a Z, completamente parcial e sem a mínima preocupação de ser politicamente correcto. Alguns termos são contraditórios. Mas é assim mesmo

A

Advogados – Espécie muito populosa; Todos têm pelo menos um amigo que é.
Ácido – Arma dos pobres.
Activistas – Indivíduos que não entram em Macau.
AL – Câmara dos horrores.
Alcatraz – Desde há uns anos sinónimo de Macau para algumas pessoas.
Ambiente – Departamento do governo.
Andaimes – Eram de bambu e funcionavam na perfeição. São cada vez menos quiçá por força de algum lobby do metal, quiçá por alguém achar pouco moderno.
Ar Condicionado – Sistema de suporte de vida, sempre a menos de 18º.
Arriscar – Sentimento completamente riscado da praxis local. Normalmente associado à exclamação: “Nem pensar!”
ASAE – Nem nada que se pareça.
Associações –Algumas têm utilidade pública de facto mas a grande maioria são grupos de uma pessoa desenhadas para acesso a dinheiros públicos. “Sem tostão? Queres promoção? Monta uma associação” é o lema. Todas têm estatutos mas poucas os cumprem.
Associação Comercial de Macau – Governo sombra.
Austeridade – Moda Europeia importada para dar um ar internacional à cidade.
Autocarros – Públicos: transporte barato que chega a todo o lado injustamente desvalorizados; Privados: praga.
Automóvel – Objecto de estimação (convém ter mais do que um por agregado); Objectos responsáveis pelo aquecimento global da cidade; Algo que é mais importante do que uma pessoa.

B

Barriga – O que serve para empurrar (hábito local muito popular).
Biblioteca Central – Elefante branco em formação; Como gastar 900 milhões numa obra inútil.
Bicicleta – Objecto inútil.
BNU – Tubo de oxigénio da CGD.
Bo Zai Fan – Arroz em pote de barro com salsicha chinesa, pedaços de porco ou vaca ou o que o cozinheiro lhe der na mona. Comida de Cantão mas especialmente bem feita por aqui. Há um sitio onde é melhor do que em todos os outros. Não, não digo onde, tem poucas mesas.
Bolinha – Jogo aproximado ao futebol conde o campo e as balizas são mais pequenas mas a bola é do mesmo tamanho, por incrível que pareça
Buffet – Mania local (ver também D – Desperdício)
Buzinas Automóveis – Fenómeno recente. (ver C – Carro e T- Trânsito)

C

Camões – “Ninho dos Pombos Brancos” em Chinês.
Cantão – A grande fábrica aqui do lado.
Cantopop – Versões intermináveis de um mesmo tema composto nos anos 80 do século passado
Cantonês – A língua da terra por mais que nos queiram mandarinizar.
Cantopop – Versões intermináveis de uma mesma música inventada no século passado.
Carro – Objecto de estimação; Convém ter mais do que um por agregado para se estar “in”; Objectos responsáveis pelo aquecimento global da cidade.
Casinos – Orçamento.
CCAC – Forma de ameaça (Ex.: “Olha que vou ao CCAC!”).
Chefe do Executivo – O máximo chefe visível.
Choi – Há muitos mas há que perceber as diferenças.
Chu Chai Pao – Quer uma carcaça? É esta, só “pao” e sai um pão qualquer. Algumas são horríveis, outras muito boas. É como em Portugal.
Chu Pá – Costeleta de porco; também serve para designar uma mulher feia; (Experimente chamar isso às suas amigas chinesas e vai ver o que lhe acontece)
Coloane – Lá longe.
Comida – Desporto popular.
Consulta Pública – Pró-forma.
Corpos – Estrutura orgânica de base de carbono que aparecem com frequência a boiar aqui ou acolá.
Corrupção – Mito urbano.
COTAI Strip – Região Casinística Especial de Macau ou Centro Económico de Macau; Nevadasismo.
Cretinos – Espécie muito populosa. Encontram-se um pouco por todo o lado com uma particular incidência em lugares de tomada de decisão.
Criatividade – Canecas estampadas.
Construção civil – Uma das três actividades de Macau, as outras duas são Jogo e Comércio de Retalho
Cuidados de Saúde – Forma composta da expressão “Cuidado!”
Cultura – Dinheiro; Conceito vago e abstracto

D

D2 – “Fazer o quê?”; Lugar onde se consomem apenas bebidas de lata, senão… (ver letra C “Cuidados de Saúde”); Prostíbulo dançante.
DD – Ressaca fortíssima.
Decidir – Actividade de risco.
Democracia – Conceito vago em que ninguém acredita. Pronto, meia dúzia.
Dengue – Há mas podia ser pior.
Deputados – Pessoa normalmente de baixo nível que não compreende grande coisa sobre coisa nenhuma; Desconhecido
Desperdício – Resultado prático dos milhares de buffets servidos diariamente na cidade.
Diu! – Palavra muito popular que tem vindo a ocupar progressivamente o espaço da expressão mo man tai (ver letra M). Muito usada, tal como em português utilizamos o “foda-se” porque quer dizer exactamente a mesma coisa.
Diversificação Económica – Mito urbano.
Docas – Saudosismo de lisboetas; Lugar onde se ouve péssima música.
Dome – Versão local de um elefante branco.

E

“É Assim” – Expressão normalmente antecedida da palavra “Macau” e utilizada para explicar o inexplicável.
Ego – Um animal de estimação alheio comum que se deve alimentar selectivamente para subir na vida;
Eleições – Comédia popular realizada a cada quatro anos.
Elites – E o resto é conversa.
Ensino – Eufemismo. Actividade realizada no estrangeiro (ver também P – “Prego”).
Erre – Forma infalível de fazer um chinês babar–se. Literalmente.
Escolas – Forma popular de fazer dinheiro à custa do erário público.
Escola Portuguesa de Macau = Molho de brócolos.
Esplanada – Nem pensar nissoEstrangeiros – Bem vindos desde que fiquem mais de dois dias e menos de uma semana;
Estrangeiros – Bem vindos desde que fiquem mais de dois dias e menos de uma semana.
Estrelas de Hong Kong – Mercadoria promocional.
Exótico – Uma questão de perspectiva. Ideia que nos apercebemos depois de vivermos aqui um tempo (Ex.: O que é mais exótico? Uma igreja ou um templo?).
Extremo Oriente – Mito colonialista. Igual a dizer que Portugal fica no extremo ocidente.

F

Fachada – Património; Forma de estar.
Fai Chi – Essencial para ingerir comida chinesa. Nem sabe ao mesmo de outra forma. Mesmo! Por falta de imaginação, que nem 400 anos de presença portuguesa resolveram, nós chamamos-lhe “pauzinhos”.
Fai Chi Kei – Por muito que pareça não é nenhum paraíso dos “fai chi” mas sim um bairro onde se torturam cães.
Fama – Essencial.
Fala-barato – Alcunha dada pela malta local a Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Vá–se lá saber porquê…
Fat Siu Lau – A versão local do “deitar-se à sombra da fama e descansar.”
Fei Jai – Forma carinhosa de chamar gordo a um homem ou rapaz.
Fei Lo – Gordo e velho; Forma menos carinhosa de chamar gordo a um homem; Chefe do Executivo.
Feira Internacional de Macau – Mercado de rua armado em fino.
Festival da Gastronomia – Arraial saloio de má catadura.
Ferreira do Amaral – Palavrão em chinês.
Festa da Lusofonia – Uma forma hábil de deixar os selvagens entreterem-se uns com os outros; Exótico (ver letra E). Bodo aos pobres.
Festival de Artes – O que costumava ser bom; Cultura institucionalizada para assistir sentado, sem fumar e sem mexer.
Filipino – Pessoa apenas com direito a trabalhar. Burro de carga.
Filipina – Pau para toda a obra; Ódio de estimação das mulheres portuguesas.
Fiscal do Tabaco – Cães de fila; Paladinos (para o Governo).
Fôdásse – Forma exótica de dizer “Diu”.
Fogo de Artificio – Por tudo e por nada; Final seguro para filmes institucionais. Substituto do ópio.
Fong Sói – Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Fórum de Macau – Sopa dos pobres.
Fumadores – Bandidos perigosos.
Fumar – Crime hediondo.
Funcionário público – “Yes person” (ver letra P – “Pregos”).
Fundação Macau – A versão local da lenda irlandesa do pote de ouro no final do arco íris. Acessível a viajantes experimentados.
Fundação Oriente – Antigo pote de ouro, agora vazio.
Futebol – Actividade desportiva local vagamente semelhante à original.

G

Gnnnnnnnh! – Contrição diária gerada pela interacção com cretinos (ver letra C).
Guangdong – O verdadeiro nome da província que insistimos em chamar de Cantão.

H

Harmonia – Eufemismo; Jargão de político.
– Fixe. Tudo bem.
– Hós há muitos, seu palerma! Saber distinguir é preciso.
Hó Lan Yun – Rua dos Holandeses. A prova que eles andaram mesmo cá apesar de nós tentarmos disfarçar com o poético nome de Rua do Campo.
Ho Lan Tak – Forma fixe de dizer “fixe” na forma grosseira
Ho Tak – Forma fixe de dizer “fixe”.
Hong Kong – Ódio de estimação; Atracção fatal.
Hospital Público – A melhor campanha de marketing para as clínicas particulares. Também conhecido por “o único”.
Hospital da Taipa – Sinónimo de miragem.

I

I Má Lô – Mini Tailândia.
I Min – Quer esparguete? É este.
Ideias – Artigo cobiçado e alvo de roubos frequentes
Igrejas – Em tempos rivalizaram com o número de casinos per capita mas há muito perderam a guerra; Cenários preferidos para fotos de casamento.
Imbróglio – Marcar uma consulta em tempo de vida no hospital público.
Imobiliárias – Agiotas encartados.
Improvável – Nem por isso.
Incompetência – Forma local de competência.
Incrível – Notícias que surgem em ritmo quase diário na imprensa.
Indonésio – Filipino mais barato.
Instituto Cultural – Cultura institucionalizada.
Inveja – Prato do Dia.
Irreverente – Inconveniente.

J

Jai Alai – Jai era. Antigo fornecedor de namoradas tailandesas.
Jardim – Nome de prédio. Forma poética de baptizar os prédios que substituíram os jardins; “É como se fosse”.
Japoneses – Amados ou odiados, depende da fase; Restaurantes de sucesso.
Javalis – Turistas campónios do continente.
Justiça – Conceito vago e elitista.

K

Kon Chau Ngao Hó – Massa com carne. Imprescindível.
Kruatech – Comida tailandesa; Noites longas dos tempos áureos do Jai Alai.

L

La – Forma de enfatizar uma ideia. Porque sim.
Labrego – Palavra constituinte do slogan não oficial de Macau (”Macau, liberte o labrego que há em si”).
Lat Jiu Iao – Molho picante oleoso. Em lado nenhum se faz como em Macau. Tudo o resto são imitações de baixo quilate.
Lecas – Paus; Mocas; Biscas.
Lei Hon Kei – Lugar onde se serve a melhor comida cantonesa da cidade e com um sorriso. E estou-me nas tintas para quem discordar.
Leng Chai – Homem jeitoso; Conversa de comerciante.
Leng Loi – Mulher jeitosa; Idem.
Liberdade de Imprensa – Privilégio dos órgãos em português porque ninguém os entende.
Limitações – Muitas mas nenhuma relacionada com orçamento.
Locais – Espécie desprezada pelos locais; Animal de circo; Curiosidade turística.
Lótus – Aroma que se costumava sentir em Macau. Actualmente substituído por derivados do petróleo e sprays sintéticos nos hotéis e casinos.

M

– Más há muitos seu palerma, mas há que perceber as diferenças; Cavalo.
Macaense – Malta.
Macau – A razão pela qual aqui andamos todos. Não tem lugar igual no mundo, nem parecido.
Macaio – Forma simples de ofender a malta.
MacDonald’s – Nome de ponte.
Man Fá – Dinheiro.
Metro de Superfície – Versão local das obras de Santa Engrácia; Sistema de Transporte desenhado para turistas.
Minchi – Bitoque macaense; Utilizado em jeito de desafio: “o meu minchi é muito melhor que o teu”.
Ministério Público – Departamento do Governo; Comissariado político
Mo Man Tai – Não há problema; Alívio.
Mundo – Algo externo, distante e incompreensível; O que falta.

N

NAPE – Docas.
Nariz – Parte do corpo onde se situa o eu.
Natércia – Pessoa arrogante, incompetente e com a mania que sabe, incapaz de distinguir Pato à Milanesa de pato ali na mesa. “Não te armes em Natércia”, assim.
Noite – Esqueça.

O

OK La – Sofrível.
Otókfu – Escritório do Chefe visível.
Olho do Cú – Nome de uma rotunda.
Orçamento – o critério mais importante na adjudicação de serviços do Governo. Muito perto dos 50%; Os outros 50% servem apenas para justificar a razão pelas quais o negócio vai sempre parar aos mesmos.

P

Pacha – Exemplo manifesto da influência da cultura local numa marca internacional; Aplicação perfeita do slogan não oficial de Macau (ver letra L); Pagar muito por pouco.
Panda – Animal com direitos.
Pataca – Ficha de casino em forma de papel.
Patuá – Dialecto da malta.
Pé, A – Vai tu.
Período – Ciclo menstrual feminino que pode atiçar os cães.
Planeamento Urbano – Forma local de piada.
Plataforma – Sistema complexo de angariação de fundos para países de língua portuguesa.
Polícia – Pessoas fardadas de azul vistas normalmente à frente e atrás de carros pretos e em operações de auto–stop; Pessoa com actividade incerta.
Poluição – Mito urbano.
Português – Bebedor de café; Pessoa relaxada pouco amiga de trabalhar desenfreadamente; Nome de pastel que nós conhecemos por Nata.
Prego – Palavra essencial num ditado local: “Em tábua com pregos, o saliente é para ser martelado” (sistema de ensino).
Prostituição – Património Cultural não classificado; Indústria mais ou menos ilegal.
Protocolo – Tudo o que interessa.
Provisório – Definitivo.

Q

Q – Xis.

R

Rabo de porco – Macaense de origens humildes; Não presta.
Rendas – Versão local do Inferno de Dante.
Reorganização Administrativa – Chavão; Cosmética
Ruínas de São Paulo – Meca dos javalis; Símbolo da cidade por ser apenas uma fachada; Cenário para Fotografias.

S

Saúde – Privilégio.
Sauna – Eufemismo para actividade sexual.
Sifu – Mestre; Pessoa que sabe fazer alguma coisa de jeito; Especialista.
Sing Chao Chau Mein – “Massa frita à moda de Singapura” que não se vê em Singapura mas que em Macau se faz como deve ser. Imperdível.
Sky 21 – Desperdício ostensivo de um espaço nobre.
Sufrágio Universal – Palavrão na versão chinesa.

T

Tai Chi – Cena de cotas que não conseguem dormir.
Tailândia – Versão exótica da Caparica mas sem ondas nem caracóis; Tema para fazer conversa entre portugueses.
Táxi – Carros coloridos que gravitam à volta dos casinos mas extremamente raros no resto da cidade.
TDM – Tudo o que parece uma estação de televisão mas não é.
Templo de A Ma – Máquina de fazer dinheiro.
Trânsito – Forma idiota de modernismo; Problema insolúvel.
Transplantes – Actividade exercida no estrangeiro.
Tufão – Tolerância de ponto.
Turistas – Praga; Benesse; Javalis; Aqueles com quem o Governo local se preocupa.

U

Uber – Eles vêm aí. Finca pé.
Universidade de Macau – Aquilo lá ao longe; Ensino armado em superior.
Urbanidade – Mistério.

V

Venetian – Grande, dourado e com florões; Atractor de javalis; Kitsch.
VIP – Doença local incurável cuja variante mais maligna dá pelo nome de VVIP.
Visão – Conceito abstracto; O que se desconhece.

W

Wah! – O segredo.
Won Ton – Os raviolis originais e que nos tornam a vida melhor. Não há como em Macau. Nem pensem.
Wong Chiu – Nape.

X

XO – Um molho do caraças se souber onde o adquirir. Os seus grelhados nunca mais serão os mesmos. Uma variante do Lat Jiu Iao com marisco e peixe secos à mistura.
Xi – Neo Mao.

Y

Yat Yuen – Torturadores de cães.

Z

Zape – Nape sem docas.

25 Nov 2015