Jonathan Wong, da Associação de Arquitectos: “Governo tem escolhas na parte antiga de Macau”

Para o presidente da Associação dos Arquitectos, o relatório das Linhas de Acção Governativa para 2016 limitou-se a apresentar números de habitação pública já anunciados, mas Jonathan Wong acredita que há vontade de concretização por parte do Executivo. E diz ainda haver soluções para mais habitação nos bairros antigos

Chui Sai On apresentou as Linhas de Acção Governativa (LAG) esta semana. Que análise faz do relatório, no que diz respeito à questão da concessão de terrenos e de políticas de habitação?
Em termos de política de habitação penso que basicamente providenciou o que já tinha prometido durante o processo de terceira consulta pública sobre os novos aterros, que decorreu este ano. Lembro-me que nessa altura foi anunciado que iriam proporcionar cerca de 28 mil fracções. Mas tendo em conta o que ouvi na quarta-feira, Chui Sai On limitou-se a confirmar esses dados, o que é bom. Actualmente sabemos que a construção da zona A dos novos aterros está a ser feita de forma lenta, mas prometeram que no final do próximo ano esse projecto iria estar terminado e penso que dentro de alguns anos poderemos ter as primeiras casas públicas disponíveis e depois todas as infra-estruturas poderão estar concluídas.

Chui Sai On apresentou soluções nas quais a população pode acreditar, especialmente as pessoas que estão à espera de uma casa do Governo?
Não tenho números exactos de quantas pessoas estão à espera de uma casa do Governo, mas claro que se olharmos para todas as cidades em todo o mundo com este tipo de política, vão existir mais candidatos do que casas disponíveis. Penso que Macau é um caso especial, porque as concessões de jogo arrancaram no início dos anos 2000 e registou-se um ‘boom’ nos preços das casas, mas os salários não cresceram ao mesmo ritmo. Estes problemas são especialmente sérios, porque os salários dos residentes não conseguem acompanhar os preços das casas. Temos de admitir que há uma certa limitação em termos de fornecimento de terrenos em Macau, então em vez de construir mais casas públicas em novos terrenos, o Governo também tem escolhas na revitalização da parte antiga de Macau. Se olharmos para a janela (aponta para a zona da Barra), vemos vários edifícios antigos não restaurados. A maioria está ocupada, mas se for feita uma revitalização, tenho a certeza de que mais pessoas podem morar ali. O Governo também poderia concentrar as atenções nas zonas antigas, para obter mais espaços para casas públicas. O Governo Central já autorizou a construção de quatro novos aterros, não deverá dar autorização para mais. E o Governo ainda não começou a tratar da zona C e D. A zona A está a ser parcialmente desenvolvida, bem como a zona B, mas as restantes ainda não arrancaram. A maior parte da habitação pública vai surgir na zona A e devíamo-nos concentrar nessa zona. Mas segundo o que disse o Chefe do Executivo, ele comprometeu-se a resolver esses projectos o mais depressa possível. Penso que Macau tem de finalizar a zona A, porque a ponte que vai ligar Macau a Zhuhai e Hong Kong vai estar completa no próximo ano. E assim que estiver concluída, as pessoas vêm para Macau através da ponte e, se a ilha não estiver terminada, as pessoas não conseguem vir para Macau. Há urgência em fazer isso.

O Secretário Raimundo do Rosário está a tentar arrumar a casa e acelerar o processo ligado à concessão de terrenos. Acredita que o anterior Secretário, Lau Si Io, deveria falar publicamente sobre o que poderá ter falhado durante o seu mandato em relação a essa questão?
Essa é uma questão complicada. Penso que cada terreno tem a sua própria história. Claramente alguns dos concessionários não fizeram o seu trabalho, ao não desenvolverem o terreno. Mas em alguns casos, penso que os concessionários submeteram projectos junto do Governo e esperaram. E pelo que oiço de vozes do sector, essa espera pode ser de oito anos, dez anos. A razão da parte do Governo é que existe a preocupação em relação ao património histórico.

Chui Sai On referiu isso no debate com os deputados.
Sim e referiu que haveria ainda outros planeamentos a fazer. E como concessionário, sem existirem esses planos não se pode sequer submeter o primeiro projecto. Não tenho os dados, mas o que ouvi é que, neste caso, uns fizeram alguma coisa e outros não fizeram nada. Em relação ao anterior Secretário, Lau Si Io, estamos a falar de concessões muito antigas. É uma história longa e talvez o Governo possa obter avisos ou explicações da parte dele. Provavelmente o Governo já fez algumas questões, se fosse o Secretário Raimundo do Rosário já lhe tinha ligado (risos). Penso que o público em geral sabe que não é culpa de [Lau Si Io].

É culpa do sistema?
São questões da década de 90, depende que cada terreno. Naquela altura nem sequer tínhamos Ao Man Long no Governo. Não é uma questão assim tão simples.

O deputado Gabriel Tong disse que se o Governo não solucionar os problemas com as concessões de terrenos isso pode causar “impacto social”. Concorda com ele?
Tudo pode trazer impacto social se não for solucionado de forma correcta. Neste momento não há uma resposta certa, e como Governo, tem de respeitar a lei. O que podem fazer agora? Não sou Chefe do Executivo, não estou em posição [para dizer].

Chui Sai On apresentou um Plano de Desenvolvimento Quinquenal para 2020, com sete principais objectivos. Como olha para esse plano?
São objectivos principais e não há nada de errado em lançar esses objectivos. Se olharmos de forma mais detalhada, vão ter cinco ou seis consultas públicas para diferentes áreas, os novos aterros, a ponte, Areia Preta. Penso que é bom termos finalmente algo mais detalhado. Na última sessão de consulta pública [sobre os novos aterros] acho que foi contratada uma empresa de design da China. Não há nada de errado nisso, mas é um plano especialmente concebido para Macau, que é um lugar único, com as culturas oriental e ocidental, muito pequeno, com muita população e poucos terrenos. Na China há bastante espaço, podem fazer o que quiserem. Mas neste caso recomendaria ao Governo contratar uma equipa local para fazer esse trabalho. A empresa contratada pode fazer o trabalho, mas nós vivemos e trabalhamos aqui. Eu levo os meus filhos todos os dias à escola e sei o que acontece no trânsito e como as pessoas não conseguem sequer apanhar autocarros. Conheço a falta de espaço. São as coisas que as pessoas que não vivem em Macau não têm percepção. Na última sessão de consulta pública fiz uma pergunta sobre a estrada que vai ligar à nova ponte. Todos os dias essa estrada está congestionada, então o que vai acontecer se trouxermos mais tráfego? Vai chegar até à zona de táxis do terminal (risos). Foi-me dito que poderíamos mudar a nossa forma de deslocação e que iríamos usar mais autocarros e menos veículos privados. Esta resposta é muito simples, com a qual não concordo. No final poderão criar um plano mais específico.

Chui Sai On vai deixar o Governo em 2019 com um melhor Governo e um melhor território?
Em termos gerais sim. Estamos numa fase muito diferente em relação a 1999, o Governo está de facto a ouvir a população, há muitos conselhos consultivos, consultas públicas… A população de Macau está um pouco mais embrenhada nas questões políticas, as pessoas falam muito à hora de almoço, em encontros de amigos. Quando dizemos para escreverem algo, para que o Governo conheça a sua opinião, são muitos poucos aqueles que o fazem. Quem o faz são uma espécie de partidos políticos e fazem-no com um determinado objectivo.

Temos visto nos últimos dois anos muitos protestos a acontecer.
Sim, por exemplo. Mas no fim de tudo podemos pensar: esses comentários são mesmo dessas pessoas, ou são das estruturas organizadas? Aí a situação é muito diferente em relação ao período da transferência de soberania. Até a imprensa é diferente e há uma tendência de aproximação do modelo de Hong Kong, mais virado para o populismo, especialmente a imprensa chinesa.

Em relação aos protestos, também é uma tentativa de imitação?
Claro que estão a aprender algo com o que se passa em Hong Kong. Ouvi que até têm conselheiros em Hong Kong e Taipei (em Taiwan), para aprenderem como se fazem este tipo de coisas. (risos)

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