Salomé Fernandes Manchete Política4 de Junho | Au Kam San mantém vontade de fazer vigília em espaço fechado Apesar de as autoridades terem proibido a realização da vigília do 4 de Junho, o deputado Au Kam San quer que a iniciativa se realize num espaço fechado. A alternativa ainda vai ser discutida entre a União para o Desenvolvimento da Democracia Au Kam San quer organizar uma vigília em memória das vítimas do massacre de Tiananmen dentro de portas, apesar da possibilidade de consequências. “É, provavelmente, arriscado, mas as acusações [de violar o Código Penal] não são razoáveis”, disse ao HM, referindo-se aos argumentos da polícia para rejeitar a reunião e dando como o exemplo o crime de incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido. “É óbvio que todos os anos a nossa vigília nunca incitou ninguém a alterar violentamente o sistema estabelecido, nós cumprimos as leis do Código Penal”, respondeu. No entanto, a União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia (UDDM) ainda vai discutir se devem fazer a vigília num espaço fechado. O Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) proibiu pelo segundo ano consecutivo a vigília agendada para 4 de Junho, justificando a decisão com a falta de capacidade de cumprimento das medidas de prevenção da pandemia, mas também por considerar que o evento viola disposições do Código Penal, ou seja, compreende comportamentos que são crimes. As autoridades basearam-se em reuniões de outros anos para chegar a esta conclusão. Os crimes em questão são “Publicidade e calúnia”, “Ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública” e “Incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido”. Actuação pacífica A UDDM emitiu um comunicado a reiterar o carácter “pacífico” e “cumpridor da lei” que as vigílias do 4 de Junho assumiram nos vinte anos que se seguiram à reunificação, observando que nunca antes houve acusações criminais. Além disso, a associação recorda que os artigos que regulam os crimes elencados pelas autoridades não foram revistos desde que entraram em vigor (1995). “Isto foi obviamente por motivos políticos”, refere a nota. A UDDM entende que objectivo foi “suprimir a realização da vigília de 4 de Junho e violar os direitos de reunião e manifestação das pessoas de Macau”. O recurso da decisão do CPSP deverá ser entregue hoje ao Tribunal de Última Instância. O HM contactou o Corpo de Polícia de Segurança Pública, mas até ao fecho da edição não recebeu resposta.
Pedro Arede Manchete Política4 de Junho | Rejeitada vigília no Senado por violar Código Penal Pelo segundo ano consecutivo, a vigília em memória do massacre de Tiananmen não irá acontecer. Segundo Au Kam San, para além de argumentar que a organização do evento não tem capacidade para cumprir medidas de prevenção da pandemia, o CPSP apontou que a vigília pode resultar em crimes de incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido, calúnia e ofensa a pessoa colectiva O Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) rejeitou pelo segundo ano consecutivo a realização da vigília em memória do massacre de Tiananmen, agendada para o próximo dia 4 de Junho. A decisão consta de um despacho emitido ontem pelas autoridades e enviado a Au Kam San, que assenta, não só na falta e capacidade da organização de cumprir as medidas de prevenção da pandemia, mas também no facto de considerar que, à luz do que aconteceu em anos anteriores, o evento constitui uma violação ao código penal. Segundo revelou ontem Au Kam San, um dos organizadores da iniciativa da União para o Desenvolvimento Democrático, esta foi a primeira vez em mais de 30 anos que a polícia apontou razões políticas e alegou que o evento pode violar o Código Penal. Mais concretamente, explicou o deputado, no despacho do CPSP pode ler-se que, tendo por base os acontecimentos e práticas dos anos anteriores, o pedido de realização da vigília viola os artigos do Código Penal que correspondem aos crimes de “Publicidade e calúnia”, “Ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública” e “Incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido”. “No despacho enviado pela polícia constam, em anexo, explicações sobre a forma como a nossa organização viola os artigos do Código Penal. Os anexos citam slogans plasmados em cartazes das vigílias dos anos anteriores e alguns deles, de facto, não estão relacionados com o tema. Por exemplo, durante as vigílias realizadas em anos anteriores, algumas pessoas mostraram cartazes onde se podiam ler palavras de ordem como “o Governo Central prejudica o país e a população” e a polícia considerou que fomos nós que criámos esses cartazes. Mesmo que esses cartazes não tenham sido responsabilidade da nossa organização, a polícia juntou tudo e usou-os como justificações para nos acusar das violações [à lei], acabando por recusar o nosso pedido de reunião”, partilhou com o HM. Au Kam San acrescentou ainda que considera a decisão injusta porque “os materiais referidos no despacho não estavam dentro da área da vigília” e foram considerados calúnias dirigidas ao Governo Central. “É feita referência a um cartaz que diz ‘os mártires da democracia vivem para sempre’ e que a polícia afirmou tratar-se de uma calúnia ao Governo Central”, acrescentou. Os organizadores vão apresentar recurso ao Tribunal de Última Instância (TUI), revelou ainda Au Kam San. Em vão O aviso prévio para a realização da vigília em memória do massacre de Tiananmen foi entregue pela União para o Desenvolvimento Democrático na semana passada, com a previsão inicial da participação de 100 pessoas entre as 20h e as 22h no Largo do Senado. Antes de ser conhecida a decisão da polícia, Au Kam San revelou ter reunido na passada segunda-feira com representantes do CPSP e dos Serviços de Saúde para discutir os detalhes da vigília. Na altura, a única preocupação demonstrada pelas autoridades estava relacionada com a capacidade de garantir que não existe concentração de pessoas na zona envolvente ao evento. “Basicamente, transmiti que conseguimos estipular um número de participantes [100] e garantir, tanto a verificação do código de saúde e da temperatura corporal à entrada, como a manutenção do distanciamento social e a utilização de máscaras durante a realização do evento. No entanto, fui questionado sobre a forma como será controlado o fluxo de pessoas que decidirem assistir à vigília. Sobre isso, respondi que não temos solução, pois não detemos o poder público para exigir, eventualmente, a saída dessas pessoas, que não fazem parte dos participantes”, explicou Au Kam San ao HM. Ng Kuok Cheong, outro organizador do evento, quando questionado inicialmente se esperava obter o aval para realizar a vigília, disse acreditar que “seria realizada se não fossem considerados factores políticos”. Recorde-se que 2020 foi a primeira vez em que a data não foi assinalada no território em 30 anos, no seguimento de as autoridades terem proibido a vigília do ano passado devido à impossibilidade cumprir regras de prevenção da pandemia. Ainda assim, no dia 4 de Junho a presença da polícia fez-se sentir, com várias pessoas a ser identificadas e detidas.
Hoje Macau Manchete PolíticaTiananmen | CPSP não autoriza habitual vigília. Organizadores recorrem da decisão Depois da recusa do pedido para a habitual vigília que marca o dia do massacre de Tiananmen, Au Kam San, um dos organizadores, revelou ao HM que vai recorrer para o Tribunal de Última Instância. Analistas alertam para o atentado aos direitos fundamentais. Do ponto de vista jurídico, Jorge Menezes destaca a violação da liberdade de expressão [dropcap]O[/dropcap] pedido para a vigília que assinala, a 4 de Junho, as vítimas do massacre da Praça de Tiananmen, foi rejeitado pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), segundo noticiou ontem a TDM – Rádio Macau. A decisão das autoridades policiais é histórica, e abre um precedente em três décadas em que se assinalou a data em Macau. A CPSP justificou a decisão com as “actuais circunstâncias” de controlo da propagação da covid-19, quando já não existe qualquer infecção no território, e um dia depois do director dos Serviços de Saúde ter referido que Macau corria um risco de contágio “muito baixo” e que a abertura das piscinas públicas estaria para breve. Em declarações ao HM, o deputado Au Kam San, um dos organizadores da vigília, mostrou inconformismo perante a decisão e garantiu que irá interpor recurso para o Tribunal de Última Instância. O legislador elencou uma série de razões para recorrer. Do ponto de vista jurídico, entende que, como a organização apenas apresentou um pré-aviso, a recusa do CPSP “não tem fundamento jurídico”, ao abrigo da Lei do Direito de Reunião e Manifestação. Apesar de reconhecer a importância da prevenção à pandemia, o deputado pró-democracia acha que as autoridades poderiam ter exigido medidas apropriadas para garantir a saúde pública e permitir a realização da vigília. “Justificar com a prevenção da pandemia não é razoável. O Governo lançou o cartão de consumo que estimulou a corrida de multidões a restaurantes e supermercados. A explicação da CPSP não faz qualquer sentido”, considera Au Kam San. O deputado recorda que é proibido mencionar este tema na China continental, mas que a concretização do princípio “Um País, Dois Sistemas” deveria assegurar actividades públicas relativas ao 4 de Junho. Além das dúvidas de que o princípio basilar ainda se aplica a Macau, Au Kam San referiu ao HM que “os secretários, o Chefe do Executivo e o Governo Central não podem dizer que não se envolveram no caso, e têm de assumir a responsabilidade política de ferir o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’”. Silêncio de Ho Na passada segunda-feira, o HM enviou duas questões ao Gabinete de Comunicação Social (GSC) que recebe perguntas dirigidas ao Chefe do Executivo, sobre as declarações do deputado Joey Lao que referiu que as exposições fotográficas sobre Tiananmen violavam a Constituição chinesa, a Lei Básica da RAEM e o princípio “Uma País, Dois Sistemas”. Perguntámos se Ho Iat Seng se revê na opinião do deputado eleito pelo Executivo do seu antecessor, Chui Sai On, e se considera que durante 30 anos Macau foi palco de uma exposição que violou as leis acima mencionadas. A resposta foi curta: “Em relação às suas perguntas, o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, já respondeu à comunicação social, a 12 de Maio. Não temos mais comentários a fazer”. Recorde-se que o secretário afastou motivos jurídicos e políticos para a decisão de não permitir as exposições, remetendo a justificação para a pandemia. Sobre a legalidade do evento desde a formação da RAEM, nem uma palavra. Desgosto de Maio “São notícias muito tristes e um sinal sério para a sociedade civil de Macau. É a primeira vez que a vigília é banida, não queremos que seja uma decisão permanente em Macau”, desabafou Sulu Sou, acrescentando que a CPSP deveria dar razões concretas quanto à decisão que tomou. O deputado recorda a vigília de Agosto passado, também recusada pelas autoridades locais, de protesto contra a violência policial em Hong Kong e que nessa altura a justificação foi a ilegalidade do assunto que motivava o protesto pacífico. Sulu Sou espera que o TUI dê razão ao recurso dos organizadores, porém, se a Justiça assim não entender, revela que alguns cidadãos pensam em assinalar a data de forma diferente. A ocupação silenciosa do Leal Senado é um cenário, para já, pouco provável, tendo em conta o episódio recente. “Alguns residentes temem que a Polícia faça o mesmo que fez em Agosto e que os leve para a esquadra. Essa é outra preocupação que também partilhamos”, confessou o deputado. O académico Éric Sautedé olha para a decisão do CPSP como “mais um passo do Governo para apagar parte da memória colectiva democrática de Macau”. Além disso, recorda que a última vez que se assistiu a uma vigília concorrida no Leal Senado, com a participação de 2.000 pessoas, foi em 2014, e que, desde então, contou com cerca de uma centena de residentes. Ainda assim, a justificação das autoridades não convence o académico. “As preocupações de saúde têm sido muito convenientes nesta altura”, remata. Do ponto de vista legal, Jorge Menezes explica que “sem uma lei que limite os direitos fundamentais, tem de se aplicar a lei e esta é clara. Só se pode proibir a vigília por fins contrários à lei e nada disso foi invocado”. O advogado entende que o CPSP violou a liberdade de expressão, que “permite vozes que exprimam opiniões contrárias às veiculadas pelas autoridades”. Para além das questões jurídicas, Jorge Menezes destaca os danos que estas decisões provocam, além do alcance legal. “Se só pudermos expressar aquilo que o Governo gosta, não somos cidadãos em liberdade, somos um rebanho acrítico que segue um pastor de pau na mão”. O advogado lamenta as proibições e traça um cenário cívico, caso o Governo siga o mesmo rumo. “Estas proibições constituem um grave retrocesso civilizacional e o princípio da governação pelo medo. Macau está a deixar de ser um espaço de liberdade e sem liberdade não haverá criatividade, diversidade e massa crítica. Seremos uma cidade civicamente empobrecida.” AI | Criticadas proibições em Macau e Hong Kong A Amnistia Internacional, em resposta enviada à agência Lusa, sustentou que “é alarmante que o Governo de Macau tenha proibido pela primeira vez a vigília anual do aniversário de Tiananmen”. A organização não-governamental (ONG), numa resposta assinada pelo vice-director regional para a região do Sudeste Asiático, sublinhou que a “polícia alegou preocupações com a saúde por causa da covid-19, apesar de não haver novos casos” há 42 dias consecutivos e que “a medida segue uma proibição semelhante na vigília de 4 de Junho em Hong Kong”, para concluir: “o vírus não deve ser usado como desculpa para conter a liberdade de expressão e reunião”. Já a ONG Human Rights Watch (HRW) acusou a China de, com estas decisões, “continuar a esconder-se atrás da covid-19 para conseguir a repressão pública”, em especial “em Hong Kong”. O vice-director da HRW para a Ásia, Phil Robertson, afirmou à Lusa que “esta é uma forma de tentar travar os protestos” pró-democracia na antiga colónia britânica, pensando que o actual momento de combate à pandemia pode atenuar as reacções da comunidade internacional “aos abusos da China ao nível dos direitos humanos”.
Sérgio de Almeida Correia VozesHaverá um direito à verdade? [dropcap]P[/dropcap]onderei se valeria a pena comentar as afirmações produzidas pelo Senhor Secretário para Segurança, na conferência de imprensa que promoveu em 3 de Setembro pp., quando a memória ainda está bem fresca. Depois, avaliando aquele que é o interesse dos residentes de Macau e a gravidade do que foi dito por tão alto responsável, acabei por condescender em que poderia haver interesse em escrever alguma coisa. Pouca, apenas para registo histórico sobre o que interessa. Começarei, todavia, por resumidamente (isto é um texto jornalístico, não é um parecer jurídico) reafirmar que o exercício do direito de reunião e manifestação não precisa de qualquer autorização para poder ser exercido. Nunca precisou. É isso que está no artigo 1.º da Lei 2/93/M, de 18 de Maio, não obstante as diversas alterações que foram introduzidas ao longo dos anos: “1. Todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização. 2. Os residentes de Macau gozam do direito de manifestação. 3. O exercício dos direitos de reunião ou manifestação apenas pode ser restringido, limitado ou condicionado nos casos previstos na lei.” Este é o princípio geral. Foi isto que foi aprovado pela Assembleia Legislativa. Se fosse outra a intenção do legislador teria lá ficado escrito que “todos os residentes têm o direito de se reunir (…), desde que obtida previamente a respectiva autorização”. Não foi o que lá ficou. Como o deputado Rui Afonso também elucidou: “O reconhecimento do direito é, no fundo, a defesa contra o poder de intervenção na minha área específica. Eu tenho o direito de me manifestar e de me reunir, o Estado que não interfira nesse meu direito. Isso é uma liberdade.” (p. 242) Esse era também o entendimento do ex-deputado Leong Heng Teng: “De acordo com a minha interpretação a expressão «tem direito» não carece de autorização, e é uma forma de garantir, ou reconhecer (…)” (cfr. ob. cit. p. 249). O próprio Secretário para a Administração e Justiça quando participou na discussão e aprovação da lei referiu: “E também no Direito Internacional tornado, recentemente, extensivo a Macau, no seu artigo 21.º, se reconhece, também, como na Constituição Portuguesa, o direito de reunião pacífica. Não se trata apenas de uma questão gramatical, mas sim de um caso de conteúdo e de distinção entre uma questão que o Estado deve garantir através de prestação social e um direito a que quase se chamaria natural, que não precisa de ser outorgado pelo Estado a qualquer cidadão. Nasce com o cidadão, nos seus direitos individuais perante o Estado. (p. 246, 247) Aliás, ainda na discussão que ocorreu em plenário, em 27/04/1993, o então deputado Neto Valente teve oportunidade de referir, em esclarecimento ao deputado Ng Kuok Cheong, que “[n]ão é necessário pedir ao Leal Senado que dispense lugares para a manifestação. Se a pessoa quiser fazer uma manifestação na via pública, comunica ao Leal Senado, não precisa pedir licença para lhe reservarem espaço para fazer a manifestação” (cfr. Direito de Reunião e Manifestação – Colectânea de Leis Regulamentadoras de Direitos Fundamentais, 2.ª edição, p. 283). Comunicar não é o mesmo que pedir autorização. Pelo menos não era, até há bem pouco tempo. Portanto, aquilo que o Secretário para a Segurança disse a este propósito, salvo o devido respeito, está profundamente errado e induz os cidadãos em erro, o que é inadmissível. Se o objectivo do Secretário for o de alterar a lei, para ficar mais ao seu gosto, então que se promova a alteração e logo se verá o que daí resulta. Depois, a lei também esclarece que o direito de reunião e manifestação apenas pode ser restringido ou condicionado nos casos previstos na lei. Esta é uma excepção ao princípio geral. Por isso lá está o apenas. E quais são os casos em que é admissível a restrição ou condicionamento? A lei refere que são aqueles em que se visem fins contrários à lei. À lei de Macau, evidentemente. Não em relação à lei da RPC ou de Hong Kong, sendo certo que tal avaliação terá de ser feita em função dos dados disponíveis, e não da imaginação, dos temores ou das convicções políticas de quem analisa. Por outro lado, a lei prevê que seja enviado um aviso prévio às autoridades (cfr. art.º 5.º), não para que estas autorizem a manifestação, mas para que tomem boa nota do evento e possam desencadear as medidas de segurança pública indispensáveis à manutenção da ordem e tranquilidade pública, designadamente verificando se tem finalidade ilegal, conhecerem o horário e o trajecto, impondo se necessário algumas restrições, se for o caso, e estiverem devidamente fundamentas, e também evitarem a realização de outras manifestações ou contramanifestações que interferissem e pudessem perturbar o livre exercício dos direitos dos participantes, podendo, para tanto, destacar agentes seus nos locais adequados para garantir a segurança dos manifestantes (cfr. art.º 10.º). Importa ainda esclarecer a opinião pública de que mesmo que se tratasse de uma manifestação espontânea, “feita em reacção imediata a qualquer evento, sem qualquer convocação ou preparação” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, vol. I, p. 640), continuaria a merecer de protecção constitucional e legal na RAEM, só podendo ser interrompida se verificados os pressupostos do art.º 11.º do diploma citado. Na ocasião, a Presidente da AL disse que: “[a]s manifestações espontâneas, na sequência de qualquer evento, foram sempre permitidas sem convocação ou preparação, desde que sejam pacíficas, não armadas, e mesmo sem pré-aviso. O pré-aviso não é considerado um requisito obrigatório para essas situações”. E a isto acrescentou Rui Afonso: “É preciso é que seja mesmo espontânea. Ou seja, se houver uma prévia convocação da manifestação, mesmo do género «quando sairmos daqui vamos para ali», isso não será permitido. Portanto, desde que haja elementos indiciários de que quem convoca a reunião, já se preparava para promover uma manifestação, deixa de haver espontaneidade, e usa-se de um recurso para escamotear um processo de prévias intenções. Quando as manifestações são passíveis de convocação, ou se sucedem a reuniões, a espontaneidade não existe, logo, estão sujeitas aos condicionalismos que a lei determina. A lei não pode ser defraudada com o argumento falacioso da espontaneidade, quando se torna notório que esta não existiu, e que a manifestação foi planeada.” (cfr. ob. citada, p. 275) Posto isto, importa sublinhar que a tal manifestação (vigília), cuja realização foi impedida pela PSP no final da tarde do dia 8 de Agosto, para ter sido proibida devê-lo-ia ter sido com base em fundamentos legais, e não com base em suposições e considerações que, se já eram descabidas ao tempo, com a conferência de imprensa do passado dia 3 de Agosto se tornaram ainda mais evidentes. O argumento quanto à ocupação da Praça do Leal Senado também não colhe porque à hora prevista há normalmente poucos turistas nesse local. A essa hora os excursionistas já recolheram. E, de acordo com os horários chineses das refeições, ou já comeram ou estão a comer. Referir a colocação de arranjos decorativos é um argumento que não lembraria a ninguém. Então as obras de decoração na praça são mais importantes do que assegurar o exercício de direitos fundamentais, de “direitos de máximo escalão que beneficiam, ou assim deve suceder, de estatuto e tutela especialmente reforçados?” (cfr. Cardinal, Estudos de Direitos Fundamentais, 2015, FRC, p. 554). De igual modo, dizer que os Tribunais de Hong Kong já decidiram é mais um argumento inqualificável para impedir o exercício do direito de manifestação, mais a mais vindo de um magistrado. Então as decisões dos tribunais de Hong Kong têm aplicação directa em Macau? Fazemos parte da mesma ordem jurídica? E um magistrado atreve-se a dizer isso numa conferência de imprensa? Já quanto à alta possibilidade de vir a ocorrer um crime, gostaria de perguntar se estava em causa o “crime de solidariedade contra a violência policial”? Onde está tipificado? Se este argumento valesse, então o simples facto de os tribunais da RPC condenarem o exercício do direito de opinião seria suficiente para em Macau se proibir o direito de manifestação? No segundo sistema, a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião e de manifestação não são crime, e só o poderão ser havendo violação da lei. Ninguém vai preso (ou não devia ir), nem é ostracizado (ou não devia ser) por pensar de maneira diferente. E se for manifestada solidariedade contra a violência policial isso tem “natureza difamatória grave”? Porque se parte do pressuposto de que houve “violência policial”? E não houve? Há milhares de imagens sobre a violência em HK, tanto por parte de manifestantes como por parte dos polícias. É porque os tribunais de HK condenaram alguns manifestantes pela prática de actos ilegais que se vai deixar de condenar a violência policial? Pela mesma lógica, como na RPC nenhum tribunal confirmou até hoje o número de mortes em Tiananmen, nem houve qualquer condenação oficial da violência, isso quer dizer que não aconteceu nada em 4 de Junho de 1989? O comunicado do Comité dos Direitos Humanos da ONU sobre o que agora aconteceu em HK também tem “natureza difamatória grave”? Por outro lado, para se dizer que a população de Macau tem pontos de vista contrários aos dos residentes de Hong Kong é preciso fundamentá-lo. Perguntou isso à população de Macau? Quando? Foi por sondagem? Finalmente, o argumento a meu ver mais grave é o que faz apelo à nacionalidade para justificar a arbitrariedade. Dizer que o “amigo Neto valente” tem nacionalidade portuguesa, sendo público que também tem a chinesa, a qual lhe terá sido oferecida (cfr. Público, Macau é mais seguro que Portugal, 18/12/2009), levanta a questão de se saber o Secretário para a Segurança vem invocar uma nacionalidade que não merece protecção na China por quem possua a nacionalidade chinesa. Será que a RPC passou a reconhecer o direito à dupla nacionalidade dos seus cidadãos? Essa seria uma novidade. Quanto ao mais, a fiar-me no que li e ouvi, não há qualquer interesse em perder tempo a comentar as infelicidades alheias. Já bastam as nossas. Sim, também tenho os meus momentos maus. Sou o primeiro a reconhecê-lo. E não suportaria que pelo meu silêncio, como vejo fazerem a outros, me julgassem por desonestidade intelectual. Eu não disponho, nem quero dispor, das liberdades, da segurança e da vida dos outros. Procuro antes defendê-las. Faço-o pelos outros, também por mim. Porque eu próprio tenho medo de as perder definitivamente. E não gosto de sentir que estão a querer enganar-me. A mim e aos que ficam calados. Daí estas linhas, abertas à vossa crítica, mas pelas quais desde já me penitencio, agradecendo a paciência e a compreensão de quem me leu até aqui. P.S. Aproveito para dar os meus parabéns ao HojeMacau, ao CMJ e a toda a equipa pelo 18.º aniversário do jornal. Aos poucos vamos todos atingindo a maioridade.
Andreia Sofia Silva PolíticaVigília | Jason Chao fala de abuso de poder por parte das autoridades [dropcap]J[/dropcap]ason Chao, activista e membro da Associação Novo Macau (ANM), emitiu ontem um comunicado onde fala de “abuso de poder” levado a cabo pela Polícia de Segurança Pública (PSP) quando decidiu reprovar o pedido de realização da vigília no Leal Senado de apoio aos protestos em Hong Kong. “A reprovação do pedido de vigília é apenas mais um episódio de abuso de poder por parte das autoridades de Macau. Mas muitas outras formas de liberdade de expressão estão sob ameaça. Neste momento, o voto do sufrágio universal para o Chefe do Executivo está sob ataque. Como deputado, Sulu Sou tem vivenciado episódios de intimidação quando colocou cartazes a promover o voto nas ruas.” Para Jason Chao, a “falta de visão” dos residentes de Macau vai fazer com que percam “mais liberdades a longo prazo”. “Quando tiverem consciência da completa rendição de liberdades, será tarde de mais para voltar atrás. Quando vivia e trabalhava em Macau, sempre alertei o público para a rápida erosão dos direitos e liberdades garantidos pela Lei Básica. A rejeição da vigília de apoio a Hong Kong ajuda a motivar algumas pessoas de Macau a reflectir sobre a situação de liberdade de expressão em Macau”, apontou Jason Chao, que defende uma maior luta pela manutenção destes direitos. Outros ataques “Compreendo que a população de Macau, em geral, não aprove os protestos em Hong Kong e aprecio a coragem dos residentes que planearam a organização de uma vigília para condenar os actos brutais da polícia e mostrar solidariedade para com os naturais de Hong Kong”, acrescenta o activista. Jason Chao referiu ainda que a actividade levada a cabo pela ANM, relativa ao referendo civil sobre a eleição do Chefe do Executivo da RAEM, tem sido alvo de diversos ataques informáticos, até agora sem consequências negativas ao nível dos dados pessoais.
Juana Ng Cen Manchete PolíticaJornalistas impedidos de noticiar intervenção policial no Leal Senado A Associação de Jornalistas de Macau recebeu queixas dos seus associados de terem sido impedidos de fazer a cobertura noticiosa dos acontecimentos do passado dia 19 de Agosto. Em causa estava a operação policial de recolha de identificação, no dia agendado para a vigília contra a violência policial em Hong Kong, proibida pelas autoridades [dropcap]A[/dropcap] Associação dos Jornalistas de Macau recebeu queixas de vários profissionais por terem sido impedidos, pelos responsáveis dos meios de comunicação de língua chinesa em que trabalham, de fazer a cobertura noticiosa da intervenção policial, na passada segunda-feira, no Largo do Senado. Em comunicado divulgado pela All About Macau, a associação mostra-se preocupada que este tipo de limitações à prática jornalística possa alargar-se “fazendo com que os profissionais da imprensa percam a autonomia”. Se este tipo de comportamento se vier a confirmar, “a credibilidade do sector vai ser fortemente afectada interferindo com o direito da população à informação”, pode ler-se no comunicado. Desde o dia 9 de Junho que a organização tem “ouvido falar” da redução de notícias por parte dos órgãos de comunicação social chineses acerca dos acontecimentos que marcam a actualidade na região vizinha de Hong Kong, mas no passado dia 19, a organização recebeu queixas concretas da proibição indicada aos jornalistas de tirarem fotos e pedirem comentários à intervenção da polícia. Recorde-se que um cidadão anónimo tinha pedido autorização para uma vigília nesse dia, com o intuito de manifestar oposição à violência policial em Hong Kong, e que este pedido tinha sido recusado pelas autoridades. A Associação de Jornalistas recorda ainda a Lei Básica, que prevê que “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves”, sendo que condena “qualquer acção que interfira na divulgação de notícias”. Do básico Para a Associação, os jornalistas têm o dever de fazer a cobertura destas situações e de acompanhar o seu desenvolvimento de modo a que possam passar ao público a informação. “É uma responsabilidade básica do jornalismo”, refere. Esta limitação é um fenómeno de auto-censura dos próprios meios de comunicação e “é cada vez é cada vez mais grave”. “É por esta razão que as pessoas pensam que a liberdade de imprensa no território está ameaçada e é influenciada abusivamente por forças externas”, defende a Associação. Por outro lado, cabe aos órgãos editoriais, respeitar a ética profissional do sector e permitir aos jornalistas que façam o seu trabalho, sublinha. Aliás, só desta forma é possível “alcançar a estabilidade que as pessoas exigem” e evitar que as opiniões pendam para extremos. A Associação pede aos jornalistas que mantenham a sua boa prática profissional e disponibiliza o seu apoio aos profissionais que estejam a ser pressionados.