Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJoaquim Alves Gaspar, co-autor de “A Cartografia de Magalhães”: “A mais extraordinária viagem marítima” Lançado em Abril, “A Cartografia de Magalhães”, de Joaquim Alves Gaspar, docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e da académica Šima Krtalić, olha para a história da cartografia antes e depois da Circum-Navegação de Fernão de Magalhães. O autor realça a importância da viagem que provou ser possível navegar em torno da Terra Este livro fala do panorama da cartografia antes e depois da Circum-Navegação de Fernão de Magalhães. O impacto da viagem foi grande nesta área? Não foi o ponto de viragem mais importante na via náutica, pois este surgiu muito antes, com a expansão marítima dos povos ibéricos no Atlântico. Primeiro, com os portugueses ao longo da costa de África e depois os espanhóis, primeiro com Colombo nas Índias ocidentais, como eles chamaram, pois Colombo julgava ter chegado às Índias do reino de Castela. Depois houve as descobertas dos portugueses através do [oceano] Índico e até ao sueste asiático, e também no Brasil e na chamada “Terra Nova”. Esse final do século XV e início do século XVI foi, digamos, o maior ponto de viragem no que diz respeito ao conhecimento do mundo pelos europeus, que teve reflexos, primeiro, na cartografia náutica. A cartografia náutica era um instrumento de navegação e não uma imagem do mundo. Não eram, portanto, mapas como hoje conhecemos. Sim. No entanto, foram utilizadas como fonte para os mapas geográficos. Houve algum impacto da viagem de Magalhães no conhecimento da América do Sul, que só era conhecida e cartografada até ao Rio da Prata, que fica na fronteira entre o Brasil e a Argentina. A esquadra de Magalhães passou também pelas [ilhas] Molucas, que ficam na Indonésia, a sul das Filipinas, e depois pelo norte das Filipinas, onde um navegador foi morto, num conflito local. Os dois navios que restaram deambularam alguns meses pelas Filipinas antes de se dirigirem às Molucas. Aí carregaram os navios de cravo, que era aquilo que interessava. Um dos navegadores tentou voltar para trás através do Pacífico, como lhes tinha sido ordenado pelo rei de Castela, de Espanha, mas não conseguiu, voltando para trás. O navio sofreu avarias e acabou por se destruir e ficar com os portugueses nas Filipinas. O outro estava com Sebastian El Cano [navegador espanhol que acompanhou Magalhães], vindo para sul, passando por Timor. Fez depois aquilo que era proibido, que era voltar a Espanha atravessando o hemisfério português, pelo Índico. E quais foram os benefícios dessa viagem em termos de cartografia no sueste asiático? Foram maiores? Não. Os navios de Magalhães fizeram algum levantamento, precário, das ilhas das Filipinas, Molucas, Bornéu. Mas, entretanto, já os portugueses tinham recolhido informação cartográfica de melhor qualidade que depois foi vertida nas cartas naúticas. Estranhamente a Circum-Navegação não teve, de facto, um grande impacto na cartografia. Porquê lançar esta obra? Como todos os livros, este também tenta contar uma história. Existem muitas narrativas textuais da viagem de Magalhães, do que se passou antes e depois. Mas não menos importante é o papel da cartografia para contar essa história. Na realidade contamos no livro duas histórias complementares: o que era a cartografia antes da viagem e como propiciou a proposta de Magalhães. E como era? Era uma cartografia sobretudo portuguesa e baseada em fontes portuguesas. Magalhães, quando se dirigiu ao rei Carlos I de Espanha, não ia de mãos a abanar. Tinha acesso à melhor cartografia da época e das técnicas de navegação. Foi isso que convenceu o rei de Castela a aceitar a proposta de um projecto que já tinha tentado concretizar, sem êxito. Magalhães e os portugueses tinham atrás de si toda uma cartografia que tinham desenvolvido com bastante inovação, e que permitiu apresentar o mundo aos olhos dos europeus de uma forma bastante mais exacta face ao que se conhecia até à data. Essa é a primeira parte do livro. E a segunda? São os reflexos da viagem na cartografia, em particular nas disputas entre portugueses e espanhóis quanto à posse e localização das Molucas. Esse conflito é outro ponto central da obra. Desmistificaram-se muitas ideias que havia em torno da localização das Molucas até essa data? O Tratado de Tordesilhas foi um documento incrível que dividiu o mundo em duas partes, uma parte de influência portuguesa, e outra de influência espanhola. A linha divisória era de pólo a pólo que passava a 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Para ocidente, era território espanhol, e para oriente, português. Na altura em que o tratado foi firmado, havia a preocupação com o que acontecia deste lado do mundo. Os portugueses queriam preservar o que tinham descoberto em África, sobretudo, o Atlântico, e os espanhóis queriam preservar o que tinham descoberto no Mar das Caraíbas, as Antilhas do reino de Castela. Já se sabia perfeitamente que a terra é redonda desde o século V a.C., mas nunca tinha existido a preocupação de saber como se passava para o outro lado da terra, até aos antípodas. Quando os portugueses chegaram a Malaca, a partir de 1519, e depois a conquistaram, todos acordaram, e em particular os espanhóis, que começaram a alegar que esses territórios lhes pertenciam, sem argumentos válidos. Valiam-se da velha imagem do mundo, de Cláudio Ptolomeu, de 400 anos antes. Para provar que aquilo era espanhol tinham de lá ir. Mas porquê essa suspeita? Este ponto é importante na nossa história: na cartografia náutica portuguesa, a melhor da época, as Molucas estavam do lado espanhol erradamente. Porquê esse erro? Devido à forma como as cartas náuticas eram feitas. Não eram mapas geográficos feitos com base em latitudes e longitudes, mas com base em rotas e caminhos seguidos no mar. Esse rumo era ditado pela agulha magnética, que cria desvios e levou a distorções nas cartas náuticas. Não eram, então, muito fidedignas. Eram, mas para navegação. A forma como se navegava era coerente com as cartas náuticas da época, em que África aparecia desviada para o Oriente, e todo o oceano Índico desviado, empurrando as Molucas para o lado espanhol. Fernão de Magalhães estava genuinamente convencido que as Molucas eram espanholas. Em termos de inovação na navegação, esta viagem destacou-se? A ideia, sobretudo propalada pela literatura anglo-saxónica, de que os portugueses iam à aventura, ao acaso, é absolutamente falsa. Como o nosso Pedro Nunes escreveu num tratado, anos depois, os portugueses já seguiam muitas regras matemáticas e astronómicas para melhor navegar. As viagens eram planeadas minuciosamente, do ponto de vista técnico e logístico. Um ponto inédito [na viagem de Magalhães] é que, pela primeira vez, a longitude de um lugar, a distância este-oeste, era importante para localizar as Molucas. Então, nesta viagem, foi um astrónomo a bordo, Andrés de San Martin, para tentar determinar a longitude das ilhas. Nessa época, a astronomia era convincente, tinha um enorme probatório. Este espanhol fez várias medidas de longitude ao longo da viagem, algumas delas relativamente perto do Estreito de Magalhães, com um rigor que hoje nos espanta. Essas medições reflectiram-se na cartografia, e nos relatos que nos chegaram sabemos que quem ia a bordo começou a ficar preocupado com as medidas de longitude, que davam a entender que as Molucas ficavam do lado espanhol. Andrés de San Martin fez ainda outras medições na chegada às Filipinas e observações astronómicas que colocaram então as Molucas no território português. Esse astrónomo, que morreu na viagem sem se saber muito bem como, deixou relatos sobre estas medições, que a coroa espanhola tentou esconder até onde foi possível. Espanha estava mais preparada para acolher a proposta de viagem de Magalhães? A Portugal não lhe interessava esta viagem, porque o que Magalhães propunha era viajar para as Molucas [Oriente] e nunca para o Ocidente. Os portugueses podiam chegar às Molucas pelo Oriente, que era mais perto. Ainda por cima, para irem pelo Ocidente, seria por território espanhol, pelo que era uma viagem que não lhes interessava de todo. Fernão de Magalhães entrou em conflito com o rei D. Manuel I, pediu-lhe um aumento do seu subsídio, à mercê dos trabalhos que tinha feito para a Coroa portuguesa até então, e isso foi recusado. Então aceitou a sugestão do seu amigo Francisco Serrão, que ficou nas Molucas e fez lá família, para apresentar a proposta a Espanha, dizendo que, assim, poderia enriquecer se o desejasse. Estas cartas enviadas por Serrão tiveram um grande peso na proposta de Magalhães. Como descreve a figura de Fernão de Magalhães? Sabe-se muito pouco sobre a figura humana dele. O que se sabe é através de relatos benignos de António Pigafetta, que tinha uma enorme admiração por Magalhães. Do lado espanhol só se disse mal do navegador. Nem se sabe bem onde ele nasceu, provavelmente terá sido no Porto. [A Circum-navegação] foi uma viagem importante para a cartografia e o conhecimento do mundo. Sabia-se há muito que a terra era redonda, mas não se sabia que era circum-navegável e isso foi fundamental para pôr os povos em contacto. O facto de Fernão de Magalhães ter conseguido comandar com êxito aquela que foi, provavelmente, a mais extraordinária viagem marítima de todos os tempos diz muito sobre as qualidades de liderança e de conhecimento técnico que tinha. Teve persistência na descoberta de uma passagem para o Pacífico e, pela primeira vez, atravessou-o em frágeis navios de madeira, as naus.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasV Centenário da morte de Fernão de Magalhães Descobrira o Estreito para passar do Atlântico ao Pacífico e a 26 de Novembro de 1520, já nesse oceano com três naus iniciou a travessia, crendo ser a sua imensidão dois terços menor e daí, a fome e escorbuto a dizimar a tripulação. Em 16 de Março de 1521 avistou o Arquipélago Poente, chamando-o de São Lázaro devido à rápida convalescença dos homens, de novo com acesso a boa água doce, vegetais frescos e fruta, trocadas por bugigangas à passagem por as inúmeras ilhas. Quando aportou em Mazaguá (Massava) a 28 de Março, o intérprete Henrique no seu malaio compreendeu a fala local e estabeleceu entendimento e como prova de amizade, à delegação foi oferecido um lauto banquete. Quebravam assim o forçado jejum de Quaresma, apesar de ser Sexta-feira Santa. Ao inteirarem-se estar próximo do destino, a saúde da tripulação ressuscitou, tal como o ânimo de Fernão de Magalhães ao entender encontrar-se a Norte das Molucas. No Domingo de Páscoa saía da nau pela primeira vez o capitão-mor para assistir à missa realizada na praia, onde se colocou o altar. Em cortejo triunfal, à frente com pompa iam os porta-bandeiras em trajes cerimoniais, seguindo o imponente Fernão de Magalhães envergando uma reluzente armadura. Realizadas as celebrações, imitando os indígenas os gestos, logo ali todos se converteram. Tamanha adesão entusiasmou-o a procurar novos fiéis e territórios para a coroa espanhola e daí chegar à ilha de Cebu, maior e de mais importância, a 7 de Abril. Para aportarem foi exigido o pagamento da taxa, mas um mercador muçulmano ali a negociar, conhecendo a fama guerreira dos europeus, desaconselhou o Rei Humabon a afrontá-los, pois sofreria terríveis consequências. Dez dias depois, numa grandiosa cerimónia converteu-se o rei e o povo. Embriagado com os sucessos e para provar a sua invencibilidade, Magalhães assumiu o comando de uma acção a obrigar o vizinho regedor de Mactán Lapulapu a pagar tributo ao Rei de Cebu, já súbdito de Carlos V. Prescindindo de ajudas, com apenas sessenta homens em três batéis atravessou o pequeno estreito e foi atacar os milhares de nativos que na praia os esperavam com dardos e lanças de bambu. Estava maré baixa e uma barreira de pedras impossibilitou a aproximação dos botes à costa, ficando sem distância suficiente para a varrer à chegada com tiros de arcabuz e bestas. Assim desembarcaram para a água quarenta e nove soldados com pesadas armaduras e no penoso caminhar para terra logo sobre eles caiu uma multidão com pedras, setas e lanças, irada ao ver as suas cabanas incendiar. Rodeados e com dificuldades de manobra, apesar de matarem alguns com lança e à espada, muitos iam conseguindo feri-los pelos pontos vulneráveis das armaduras. Vendo a batalha perdida, ordenou o embarque e para travar a perseguição, deixou-se para trás com mais seis que o vieram socorrer e na água combateram, possibilitando aos outros escapar e recolherem aos batéis. Reconhecido o chefe inimigo, sobre ele viraram todas as atenções, o que permitiu a fuga aos já feridos companheiros, sem possibilidade de ajudar o capitão-mor. Sobre Magalhães caíram com grande ferocidade os guerreiros e após lhe acertarem com uma seta no rosto, colérico este trespassou a lança no corpo do atirador, mas ela ficou presa e sem conseguir desembainhar a espada, por ter o braço direito ferido, ficou desarmado. Derrubaram-no e caindo de bruços, sem se levantar devido ao peso das vestes e ferimentos, ficou indefeso à mercê dos nativos. A 27 de Abril de 1521, sacrificando a própria vida para proteger e salvar os companheiros, morria Fernão de Magalhães na ilha de Mactán, Arquipélago de S. Lázaro (hoje Filipinas). Numa luta não sua e sem interesse para a importantíssima viagem que realizava, com ele morreram oito homens, sendo-lhe cortada a cabeça e colocada sobre uma lança como troféu. Perdida a áurea de invencibilidade, o desânimo instalou-se na tripulação. Não se ponderou fazer uma expedição de retaliação e apenas se procurou conseguir, em troca de sinetas, contas de vidro e veludos, resgatar o cadáver de Fernão de Magalhães, o que até isso foi recusado. Desastre total Desapareceu , lamentou o fidalgo aventureiro italiano de Vicenza António Pigafetta, autor de uma das crónicas da viagem e que em Mactán saíra ferido por uma seta envenenada. Sem capitão-mor, de volta a Cebu foram então os cargos redistribuídos, mantendo-se Serrano capitão da Concepción, agora com a chefia da armada, voltando Barbosa a capitão da Trinidad e a nau Victoria capitaneada por o português Luís Afonso de Góis. Duarte Barbosa logo para si tomou o escravo Henrique, que segundo o testamento de Fernão de Magalhães, por sua morte ficaria livre. Mal tratado, para se libertar Henrique urdiu um plano com o Rei de Cebu, desacreditado da invencibilidade dos intrusos e também descontente com o comportamento dos europeus, que piorou com a falta de Magalhães. A ideia era usar o manjar preparado para receber o capitão-mor após a vitória e convidar os espanhóis para um banquete, a homenagear o defunto e entregar-lhes os presentes. A 1 de Maio de 1521, em Cebu comparecendo 26 da tripulação, confiantes e sem temor saltaram para terra, seguindo a confraternizar. O convite para alguns entrarem na zona de vegetação mais densa e uma estranha movimentação observada por Gómez de Espinosa, levou-o a avisar João Lopes de Carvalho. Ambos se esgueiram para o batel e foram para a nau capitã, ficando aí alerta. Mal subiram a bordo, logo se ouviu grande gritaria em terra e confirmada a emboscada, Carvalho levantou a âncora, aproximando a nau da costa à distância do tiro das bombardas. Na praia apareceu conduzido Serrano, atado e ferido, suplicando que parasse o fogo para lhe pouparem a vida e questionado sobre os outros, referiu terem sido todos degolados, excepto Henrique, que se juntara aos ilhéus, segundo narrou Pigafetta, que da nau assistiu. Sem dar ouvidos, Carvalho mandou içar as velas e deixou o seu compadre capitão Juan Rodriguez Serrano em terra. Assim, nesse dia 1 de Maio de 1521, em Cebu morreram mais de vinte tripulantes, entre os quais Duarte Barbosa, cunhado de Magalhães. A 6 de Maio de 1521 chegava a Sevilha a nau San Antonio, que durante a travessia do Estreito a 8 de Novembro 1520 desertou da armada, trazendo preso o capitão Álvaro da Mesquita, e sob comando de Jerónimo Guerra retornou ao porto das Muelas com 55 tripulantes; já o patagão que vinha nessa nau não resistiu à viagem. Não muito longe do Arquipélago de S. Lázaro, na China por essa altura o Imperador Zhengde falecia a 20 de Abril de 1521, o Embaixador Tomé Pires saía de Beijing e na costa ocidental do Pacífico, a 27 de Junho os mercadores portugueses enfrentavam numa batalha naval a armada imperial chinesa. Jorge Álvares, o primeiro português que em 1513 viera de barco à China, ficou ferido e onze dias depois falecia a 8 de Julho de 1521 na ilha de Lin Tin, no delta do Rio das Pérolas.
Hoje Macau China / ÁsiaFilipinas celebram 500 anos da morte de Magalhães, mas também a sua herança As Filipinas estão a celebrar 500 anos da vitória do herói nativo Lapu Lapu contra Fernão de Magalhães, que morreu em 27 de Abril de 1521 em Mactan, mas também o legado que deixou no país. Se por um lado, as Filipinas glorificam a vitória de Lapu Lapu e a expulsão dos invasores estrangeiros, celebram também algo que foi trazido por Fernão de Magalhães: o cristianismo. “O cristianismo é o mais importante. Ele trouxe o cristianismo para as Filipinas”, explicou à Lusa o cônsul honorário de Portugal em Cebu, Samuel Chioson, sobre as comemorações da chegada do cristianismo ao país, levado pelo navegador português Fernão de Magalhães, que aportou em Cebu em Março de 1521. “Por isso também celebramos a sua chegada, que trouxe a nossa fé”, frisou, não fossem as Filipinas o maior país católico asiático. Contudo, a tónica das celebrações de ontem foi mesmo a vitória de Lapu Lapu contra Fernão de Magalhães. “Magalhães implorou ao povo de Mactan que se rendesse, apenas para receber uma resposta de que, se os espanhóis tivessem lanças, os guerreiros de Mactan tinham lanças com pontas endurecidos no fogo”, lembrou o Comité Nacional do Cinquentenário, da República das Filipinas. “Devido à maré baixa, os barcos de Magalhães não conseguiram chegar à costa, forçando-os a caminhar em águas profundas. Ali, os guerreiros de Mactan atacaram os inimigos. Assustados com a súbita carga, os espanhóis entraram em pânico e começaram a disparar as suas armas e bestas, mas estavam demasiado longe para bombardear a costa. Em vez disso, os guerreiros Mactan regaram estes estrangeiros com flechas venenosas, e uma delas atingiu Magalhães na sua perna, caindo de cara para baixo”, acrescentaram. A celebração nacional teve início às 08h no Santuário da Liberdade, na cidade de Lapu-Lapu, mas não só: um pouco por todo o país, em praças públicas, parques, edifícios e escolas, à mesma hora, realizaram-se cerimónias de hasteamento simultâneo da bandeira. Meio milénio Após as suas declarações seguiu-se um desfile militar em honra de Lapu Lapu e uma breve encenação da Batalha de Mactan. Apesar da ênfase na vitória de Lapu Lapu, as Filipinas celebram também a primeira circum-navegação do planeta e o que isso significou para a humanidade e para a ciência, apontou o Comité Nacional do Cinquentenário. “Neste 2021, comemoraremos a parte filipina na realização da ciência e da humanidade na circum-navegação do planeta pela primeira vez. No centro desta comemoração está o 500.º aniversário da Vitória em Mactan, a 27 de Abril de 2021″, indicaram.
José Simões Morais h | Artes, Letras e Ideias500 anos da morte de Fernão de Magalhães A 27 de Fevereiro de 1521 morreu Fernão de Magalhães no Arquipélago de S. Lázaro (Filipinas). Até tal ocorrer, falta relatar a etapa para a qual se realizara a viagem e nunca feita por nenhum europeu, atravessar o Pacífico. Ainda no Atlântico, a armada estava em San Julián (49º 30’ Sul) a 31 de Março de 1520 e o Inverno fazia-se já sentir, com intenso frio e vento, prognosticando dificuldades logo no início do desconhecido da viagem. Três capitães castelhanos, liderados por Gaspar de Quesada e Juan de Cartagena, revoltaram-se contra a autoridade de Fernão de Magalhães e na madrugada de 2 de Abril, após prenderem o capitão Álvaro da Mesquita, tomando a nau San Antonio, exigiram ao capitão-mor o retorno a Espanha. No final do dia os amotinados estavam controlados, Mesquita libertado e além da morte às mãos do oficial da justiça de Luís de Mendonza, capitão da Victoria, foram agrilhoados os outros dois capitães e presos quase cem tripulantes. Enquanto decidia os castigos, Magalhães a 5 de Abril voltou a entregar a Mesquita o lugar de capitão da San Antonio, passou Duarte Barbosa a capitão da Victoria e Estêvão Gomes a piloto na Concepción. Sendo os principais culpados espanhóis colocados pela Coroa na armada, o Capitão-mor estava num dilema com o julgamento. De fácil condenação por ter puxado de arma e morto um piloto, Quesada foi executado a 9 de Abril, decapitado à espada pelo seu criado, que assim salvou a própria vida. Já a Juan de Cartagena, fidalgo da corte nomeado pelo Rei, e ao padre que sempre o acompanhava, não ousou castigá-los com a condenação à morte. Sentenciou abandoná-los ali com alguns mantimentos e entregues à vontade de Deus. Para poder prosseguir a viagem, Magalhães comutou as penas de traição aos amotinados tripulantes. Em prospecção para Sul, a Santiago, a mais hábil e rápida nau, capitaneada por Juan Rodriguez Serrano, explorava a costa quando naufragou perto do Rio de Santa Cruz (50º Sul) a 22 de Maio. Um homem afogou-se, conseguindo os restantes chegar à costa e enviar dois emissários a pé a avisar do ocorrido. Onze dias caminharam até San Julián, enquanto aí, os tripulantes do resto da armada se divertia com dois homens gigantes que apareceram e por amistoso inicial contacto, ganha a confiança, foram capturados afim de os levar para Espanha. Devido aos grandes pés deram-lhes o nome de Patagão e daí essas terras se chamarem Patagónia. Abandonando Cartagena e o sacerdote em San Julián, a 24 de Agosto partiam as quatro naus para Santa Cruz, onde recolheram os náufragos da afundada Santiago e o seu capitão Serrano passou a comandar a Concepción. Prosseguiam, mas um temporal obrigou a aí se resguardarem o resto do Inverno. Três dias de navegação e a 21 de Outubro de 1520 estavam no Cabo das Onze Mil Virgens (52º 22’ S). Na imensa enseada, feita a prospecção pelas costas do estuário, encontraram um estreito com águas a correr de um lado para o outro. Nessa passagem, que ficaria conhecido como Estreito de Magalhães, entrou a armada a 25 de Outubro e após percorrer 110 léguas, a 26 de Novembro atingia o Mar do Sul. Na travessia, a 8 de Novembro a armada dividiu-se, seguindo Serrano na Concepción e Álvaro da Mesquita na San Antonio em prospecção a um braço de água surgido a bombordo. Magalhães na Trinidad e a Victoria prosseguiram ao longo da costa e contornando-a, encontraram um rio de água doce e cheio de sardinha. Aproveitaram para abastecer e enviar um batel explorar mais além, para se saber onde abria o Mar do Sul e de um alto monte se visualizou a passagem a seguir. Regressaram ao ponto de encontro a 13 de Novembro, mas faltava a nau San Antonio, a maior e a mais abastecida, que procurada não apareceu. Após desembocar do estreito patagónico, ainda nessa península a 22 de Novembro reabasteciam-se no Rio das Sardinhas e perante inúmeros canais, a 26 as três naus seguiram para Norte, entre as ilhas e a costa. Atravessar o Pacífico A 28 de Novembro de 1520, deixando de ter a bombordo o Cabo Deseado (52º1/3 Sul), em mar calmo navegaram para Norte vinte dias ao longo da costa, protegidos por as montanhas dos fortes ventos. A 18 de Dezembro, aos 46º Sul viravam a Noroeste mar dentro e nos 110 dias, “quase 20 mil km do oceano aberto, não encontraram uma única tempestade. Iludidos por essa experiência única, chamaram-lhe o Pacífico”, segundo Daniel J. Boorstin em Os Descobridores, que adita, “Se Fernão de Magalhães não tivesse sido um mestre dos ventos, não teria conseguido atravessar o Pacífico. Ao sair do estreito, não rumou directamente a noroeste para chegar às suas desejadas ilhas das especiarias; navegou primeiro para norte ao longo da costa ocidental da América do Sul. O seu objectivo devia ser apanhar aí os ventos alísios nordestais predominantes que o levariam não para as Molucas, onde constava que os Portugueses dominavam, mas sim para outras ilhas de especiarias ainda livres para serem tomadas pelos Espanhóis.” Calculada a travessia do Pacífico em algumas semanas, julgou-se suficientes os víveres existentes para três meses, mas, com as distâncias subestimadas, revelaram-se muito parcos ao quarto mês. Os mantimentos escasseavam, a água estava podre e para comer colocavam a demolhar em água salgada durante dias o couro das vergas amolecido com serrim e pagou-se ouro por ratos, tal a falta de comida. As gengivas inchavam com o escorbuto e além do gigante patagónio, vinte tripulantes morreram de fome. Até cruzar a linha do Equador encontraram duas pequenas ilhas desabitadas, sem abastecimento. Com vento largo e correntes favoráveis chegaram a 6 de Março de 1521 a Guan, nas ilhas Marianas, ou dos Ladrões, onde, para parar com os roubos mataram sete indígenas e abastecidos de arroz, água e fruta, partiram. A 16 de Março de 1521 avistou-se a ilha de Samar, era o Arquipélago do Poente, a que Fernão de Magalhães deu o nome de São Lázaro, mas só no dia seguinte parou na ilha de Humunu (Homonhon). Seguindo para Sul, aportou na ilha Mazaguá (Massava) a 28 de Março e enviou Henrique como intérprete, que compreendeu a fala local pois baseada no seu malaio. Estabelecida grande amizade, foram lautamente banqueteados nessa Sexta-feira Santa e no Domingo de Páscoa, na praia montou-se um altar e realizaram as celebrações. Os nativos, repetindo os gestos, logo se quiseram converter. Magalhães, animado ao saber estar a Norte das Molucas e perante a enorme adesão dos locais, procurou para a coroa espanhola novos territórios e fiéis. De maior importância era a ilha de Cebu, onde chegou a 7 de Abril e dez dias depois, numa grandiosa cerimónia converteu-se o Rei Humabon e todo o povo. Para mostrar o poder, numa guerra que não era sua, Magalhães vai apenas com sessenta homens à ilha de Mactán obrigar o chefe local a pagar tributo ao de Cebu. Crendo-se imbatível com a armadura e poder de fogo, imprudente, subestimou o adversário e nas águas do Pacífico lacerado e cravejado de setas morria a 27 de Abril de 1521 Fernão de Magalhães.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFernão de Magalhães ao serviço de Espanha Após oito anos na Índia e em África, Fernão de Magalhães apresentou-se ao Rei D. Manuel I para lhe reconhecer os préstimos e aumentar a tença. Despeitado pelo Rei e sua corte com falsas acusações caluniosas, ainda foi despedido. Ofendido e revoltado, deixou Portugal e entrava em Espanha a 20 de Outubro de 1517, seguindo para Sevilha onde se instalou na residência de Diego Barbosa, que desde 1503 ocupava o cargo de tenente alcaide dos Reais Alcáceres e Arsenais. O português Diogo Barbosa incompatibilizara-se com o Rei de Portugal D. João II e refugiando-se em Sevilha, casara em 1490 com uma nobre da alta sociedade local, D. Maria Caldera. Na Casa da Contratación de las Indias eram apresentados para aprovação os projectos, mas o de Magalhães, apesar de apoiado por Barbosa, recebeu um rotundo não, devido a ser estrangeiro e traidor ao seu país. Compreendeu ter de se preparar e esperar. Três meses após chegar a Sevilha, com 38 anos Fernão de Magalhães casou-se em Dezembro de 1517 com Beatriz, filha de Diego Barbosa e de D. Maria Caldera e irmã de Duarte Barbosa, cuja amizade com Magalhães vinha do tempo da Índia. A Casa da Contratação aprovou no início de 1518 o projecto de Magalhães, após averiguar em Lisboa sobre a sua experiência, e crucial foi o parecer anterior favorável do Cardeal Cisneros e o investimento do Bispo de Burgos Rodriguez da Fonseca, cuja família, entre outras firmas, patrocinava a inaugural viagem, para nas seguintes poder recolher os fabulosos lucros das especiarias. Audiência Real A morte do Rei Fernando, o Católico, a 23 de Janeiro de 1516, levou o Cardeal Jiménez de Cisneros a assumir a regência de Espanha e quando, proveniente da Flandres Carlos, o futuro Rei, com 18 anos desembarcou nas Astúrias a 4 de Novembro de 1517, o Cardeal, apesar de muito doente, foi ao seu encontro, falecendo a 8 de Novembro. As Cortes reuniram-se na capital Valladolid e a 7 de Fevereiro de 1518 era Rei de Espanha Carlos I, que recebeu em Audiência a 8 de Março Fernão de Magalhães, acompanhado por o escravo malaio Henrique, mostrando-o como um indígena proveniente das terras onde a viagem chegaria. Para explicar o projecto usou um planisfério, fabricado por Pedro Reinel, onde apontou a localização do estreito, 42º de latitude Sul, a dar entrada no Mar do Sul e a posição das ilhas das Especiarias, a passar no meridiano oposto ao de Tordesilhas, na zona espanhola. O acordo foi firmado a 22 de Março, sendo nomeado capitão-mor da armada. O Bispo de Burgos arranjou cinco velhas naus, que precisaram de uma total reparação. Os preparativos prolongaram-se, sendo difícil encontrar marinheiros pois, a viagem era incerta e o soldo pequeno, não atraindo os espanhóis a embarcar numa aventura de inúmeros perigos. Eram precisos 234 tripulantes e para colmatar essa falta, apareceram homens de muitas nacionalidades, dos quais 36 portugueses. Para o bem-estar na viagem, além do abastecimento normal, Magalhães aprovisionou barris de Jerez. Embarcaram contrariados os castelhanos, capitães, contadores, responsáveis da justiça e a gente principal, por terem a dar-lhes ordens um português como capitão-general e pessoa de maus fígados. A armada era composta por a nau capitã Trinidad, de 110 toneladas, onde seguia Magalhães e como piloto da sua confiança Estêvão Gomes, sendo acompanhado do cunhado Duarte Barbosa e do primo Álvaro de Mesquita. A San António, a maior das naus era comandada por Juan de Cartagena, que substituíra Rui Faleiro, então demente, sendo familiar do Bispo de Burgos tornou-se também feitor-mor da armada; a Concepción, de 90 toneladas, tinha como capitão Gaspar de Quesada; a Victoria, de 85 toneladas, capitaneada por Luís de Mendonza e a Santiago, a nau mais pequena de 75 toneladas, entregue a Juan Rodriguez Serrano. Estabelecidas regras como navegar em conserva, afim de não se perderem uns dos outros, deveriam seguir a nau Trinidad, que durante o dia hasteava a bandeira de capitã e à noite levava acesa um tocha. Singrar ao vento Do porto de mar de San Lúcar de Barrameda partia Fernão de Magalhães a 20 de Setembro de 1519 com a armada sob a protecção de Santa Maria da Vitória. Seis dias navegaram as cinco naus e ao amanhecer de 26 de Setembro atingiram o porto de Santa Cruz na ilha de Tenerife, Canárias, a 28º Norte do Equador. Após troca de alguns marinheiros, levantaram de Tenerife a 3 de Outubro. Em conserva singraram em bom mar dias, passando à esquerda de Cabo Verde (15º N) levando o vento pela popa cruzaram as costas da Guiné até que em frente a Serra Leoa, 7º Norte, caiu uma calmaria. Retidos, num clima tropical com torrenciais chuvas, dias passaram, senão semanas, até chegarem os ventos de Leste-nordeste e desfraldando as velas, após atravessar o Equador rumaram as naus firmes para Sudoeste. Então o fidalgo capitão Juan de Cartagena, altivo e desrespeitoso questionou o capitão-mor sobre a escolha do errado rumo. Insubordinação contra a sua autoridade, Magalhães não admitiu e logo o destituiu, colocando-o preso na nau Victoria à guarda de Luís de Mendonça. Nomeou António de Coca para capitão do San António, substituído por Álvaro de Mesquita após aportarem a 13 de Dezembro na baía de Guanabara, Rio de Janeiro. João Lopes de Carvalho aí passara na feitoria cinco anos e vinha buscar o filho mestiço, agora com 7 anos. Duas semanas em descanso e abastecidos, no dia seguinte ao Natal continuaram para Sul, atingindo o Cabo de Santa Maria, na foz do Rio de La Plata, a 10 de Janeiro de 1520. Ficaram um mês a percorrer em vão por onde Solis julgara estar a passagem para o Mar do Sul. Partindo a 2 de Fevereiro, alcançaram a baía de San Julián (49º 30’ Sul, a meio da Patagónia) a 31 de Março. No dia seguinte foi celebrado o Domingo de Páscoa com uma missa e na madrugada de 2 de Abril duas naus amotinaram-se. Magalhães fora avisado pelo sogro em Sevilha para ter cuidado com os capitães castelhanos, pois traziam um acordo entre eles de se revoltarem se fossem despeitados pelo português Capitão-mor. Seguia agora Cartagena preso na Concepción, cujo capitão da nau Gaspar de Quesada o libertou e num batel com trinta homens armados foram à San Antonio e apanhando todos a dormir, prenderam o capitão Mesquita. Ficou Quesada como capitão da San Antonio e Cartagena passou a comandar a Concepción. Os rebeldes controlando três das naus, enviaram à capitã Trinidad um batel com a missiva a apelar à desistência do capitão-general de continuar a viagem e retornarem a Espanha. Prendendo os quinze homens do batel, Magalhães mandou nele embarcar o responsável da justiça (alguazil) Gómez de Espinosa a levar à Victoria uma carta para Luís de Mendonza se render. Este ao reagir mal foi morto, sendo logo a tripulação desarmada por os homens de Barbosa, que se apoderaram da nau. Fernão de Magalhães, agora em superioridade, bloqueou a entrada da baía às duas naus amotinadas. Surpreendidos, sem poder fugir, os revoltosos renderam-se ainda a 2 de Abril de 1520.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFernão de Magalhães em Goa e Malaca A nomeação do estratega e génio militar Afonso de Albuquerque para Governador da Índia permitiu assentar, ente 1509 e 1515, supremacia política, militar e comercial portuguesa no Índico, mais à base das armas e não como o seu antecessor, por diálogo e tratados de cooperação comercial. As reprimendas que o Vice-Rei D. Francisco de Almeida lhe dera quando ainda estava sob o seu comando, levaram-no como Governador a temperar o carácter e agressividade. Devido à escassez de portugueses, surgiu-lhe a ideia de criar um sistema em rede formando um império por portos com feitorias e fortalezas espalhados estrategicamente pelo Oceano Índico e tornar vassalos os soberanos, dividindo com eles os lucros. Para minimizar a pouca população portuguesa necessária para ocupar esses lugares, Albuquerque fomentou o casamento dos seus homens com nativas locais. Já o sistema de Cartaz provinha de 1502 e o mare clausum, que, “segundo parece, já vigorava antes da hegemonia portuguesa naquele oceano, impedia o trânsito de qualquer embarcação não cristã que não fosse portadora de um salvo-conduto, passado e autenticado pelas autoridades portuguesas”, refere Joaquim Candeias Silva. Escapando de Malaca, Fernão de Magalhães e Francisco Serrão chegaram a Cochim, já o Governador Afonso de Albuquerque tomara posse a 29 de Outubro de 1509 e preparava-se para ir conquistar Goa aos muçulmanos de Bijapur. Ambos participaram nessa expedição e o êxito inicial em Fevereiro de 1510 só foi total a 25 de Novembro, dia de Santa Catarina, padroeira dos marinheiros. Goa era a primeira conquista territorial na Índia feita pelos portugueses e logo se tornou a capital do Estado Português do Oriente. Após Goa tomada, seguiram os dois amigos na armada de Albuquerque com seiscentos portugueses para Malaca, onde, resgatados os companheiros aprisionados desde 1509 e recebido o pagamento das compensações, dizimaram os navios ali ancorados, conquistando o porto de Malaca a 10 de Agosto de 1511. Afonso de Albuquerque aí mandou erguer o forte ‘A Famosa’, deixando nele trezentos portugueses. Em Malaca, Magalhães comprou o escravo Henrique (o malaio Panglima Awang, que traduzido significa chefe dos moços, segundo Luís Filipe Thomaz), com quem passou a viajar, seguindo ambos com Albuquerque para a Índia, pretendendo regressar ao reino. AS MALUCO Em 1511, o Oceano Pacífico abria-se assim aos portugueses pelo Estreito de Malaca e se a atracção material no comércio seria ir à China, mais importante era realizar uma “expedição destinada ao descobrimento das Molucas, ou ilhas da especiaria. António de Abreu, que a comandava [partiu em Dezembro de 1511 de Malaca com Francisco Serrão], esteve primeiro num porto de Java, depois em Amboina, e visitou em seguida as ilhas de Banda, donde regressou a Malaca. O seu companheiro Francisco Serrão foi mandado prosseguir na mesma empresa; naufragou numa das ilhas do arquipélago de Banda; tendo salvo, porém, as armas, conseguiu intimidar os naturais, e fazendo-se à vela numa embarcação indígena, chegou finalmente a Ternati e a Tidor, das Molucas propriamente ditas, onde pouco depois os Portugueses se estabeleceram”, segundo António Sérgio. Já C. R. Boxer refere, a exploração que os portugueses “souberam fazer da inimizade endémica entre os sultões de Ternate e de Tidore lhes permitiu alcançar uma posição dominante no comércio de cravo-da-índia das Molucas.” Maluco, como na altura os portugueses chamavam às Molucas, era a fonte do cravo e da noz-moscada e em Ternate, uma das suas cinco ilhas principais, Francisco Serrão fez residência e tornou-se feitor. Daí enviava missivas ao amigo Magalhães dizendo ser esta uma viagem de muitos proveitos. Adiantava, pelos seus cálculos, estarem estas ilhas das Especiarias na parte de Castela. António Sérgio complementa, “Das viagens contínuas entre Malaca e as Molucas, resultou o conhecimento de numerosas ilhas. Foram assim conhecidas Bornéu, Celebes, (Gomes de Sequeira, 1518), e Papuásia (D. Jorge de Meneses, 1527). Em 1518 mandou o Governador da Índia a D. João da Silveira que visitasse a costa de Coromandel, seguindo para o Norte, chegou às bocas do Rio Ganges; de aí desceu pela contracosta, tocando em vários dos seus portos.” Era o reconhecimento do Mar de Bengala, no Oceano Índico. Com lugar comprado num junco de mercadores chineses em Pegu (hoje em Myanmar, na costa do Mar de Bengala), o feitor Jorge Álvares saiu de Malaca em Junho de 1513 para os mares da China até Lin Tin, ilha no delta do Rio das Pérolas. Do outro lado do Oceano Pacífico, no já baptizado continente Americano, a imensidão de água foi visualizada a 25 de Setembro desse ano por Nuñez de Balboa ao subir ao cume de uma montanha em terras do actual Panamá. Dias depois molhava os pés nessas águas que baptizou de Mar do Sul. Faltava encontrar a passagem marítima a ligá-lo ao Atlântico. INVEJAS E CALÚNIAS Fernão de Magalhães recebia mil réis por mês como escudeiro de D. Manuel antes de embarcar para o Oriente, onde entre 1505 e 1512 se revelara um valente soldado e marinheiro exemplar, e “regressado à metrópole, conquistou um lugar na corte, andando no livro dos moradores da casa de El-Rei [D. Manuel] com bons foros”, segundo António Sérgio. Pouco depois de chegar a Portugal, alistou-se na armada do IV Duque de Bragança D. Jaime, que pretendia no Norte de África conquistar Azamor e custeava a expedição para se penitenciar de em 1512, num acesso de ciúmes, ter apunhalado a esposa Dona Leonor de Gusmão. Para ser representada à partida, Gil Vicente escreveu a tragicomédia Exortação da Guerra e a batalha ocorreu a 3 de Setembro de 1513, saindo vitoriosos os portugueses que aí construíram uma fortaleza. Em Marrocos, numa das constantes e diárias escaramuças, Magalhães foi ferido numa perna, ficando coxo para o resto da vida. Nomeado quadrilheiro-mor, caiu em desgraça devido à distribuição em Março de 1514 de despojos, sendo acusado de se apropriar de parte do gado e o vender aos mouros. Regressou a Portugal e apresentou-se em 1515 a D. Manuel, acompanhado por o escravo malaio Henrique, pedindo um aumento da pensão por os serviços prestados. Na audiência, o rei, rodeado por delatores a espalhar falsidades sobre o íntegro e leal soldado marinheiro, tratou-o mal, sem consideração alguma e despediu-o do serviço de Portugal. Sem reconhecimento e despeitado por D. Manuel e sua corte, Fernão de Magalhães a 20 de Outubro de 1517 chegou a Castela zangado e magoado com o seu país. Após anos ao serviço na Índia Portuguesa, vinha oferecer a sua experiência e conhecimento a Espanha com o projecto de navegar pelo Oeste até às ilhas das Especiarias. Era regente de Castela o Cardeal Jiménez de Cisneros, cuja idade e sabedoria o colocaram à frente dos assuntos de Espanha. Fernão de Magalhães resumia a sua vida até então com duas frases: desde miúdo andei perto de corvos com plumagem de pomba e sempre tive ao meu lado a honra e a miséria, mais que a desonra e o luxo.
José Simões Morais Artes, Letras e IdeiasFernão de Magalhães no Índico Este artigo complementa o publicado a 25 de Janeiro cujo título era ‘Fernão de Magalhães com Francisco de Almeida’, tendo então Afonso de Albuquerque conquistado em 1507 Ormuz. O Vice-Rei D. Francisco de Almeida, “embora fosse sua intenção desde o início submeter o rei de Ormuz à suserania portuguesa, pretendia fazê-lo por meios diplomáticos, sem violência nem conquistas, pelo menos enquanto não tivesse garantido o do Malabar”, segundo Joaquim Candeias Silva, que refere, “demonstra aqui o seu grande pragmatismo de administrador, mais do que de político, defendendo um Estado economicamente sólido, mercantilista, com a balança comercial favorável.” Já sobre Afonso de Albuquerque diz, “manifestara grandes dificuldades para se impor, quer aos seus subordinados [três dos cinco capitães em Ormuz abandonaram-no em Fevereiro de 1508 por discordarem dos seus métodos] quer aos chefes locais”, que o achavam pessoa de má-fé e sem palavra pois, mesmo negociada a paz com Cogeatar, vizir e capitão de Ormuz, continuava a mover-lhe guerra. Ocupado a construir o forte em Ormuz, Albuquerque descurara o serviço que lhe competia, tanto no policiamento marítimo da entrada do Mar Vermelho, como encontrar lugares onde fosse proveitoso o assentamento comercial, preferindo a guerra às pacíficas conversações para o trato. Assim, por seu desleixo, a armada do Sultão do Egipto entrou no Mar Arábico sem ter sido detectada e em Março de 1508 apanhou de surpresa Lourenço de Almeida em Chaul, matando-o, após derrotar a frota dentro do porto. “Em finais de Outubro de 1508 chegaram a Cochim algumas naus do Reino e por elas soube o vice-rei que D. Manuel o mandava regressar a Portugal na nau S. João, que para o efeito fora expedida de Lisboa a 9 de Abril, sob o comando geral de Jorge de Aguiar. Nesta nau iam também os pormenores acerca da transmissão de poderes ao novo governador <& o mais que avia de fazer>”, refere Joaquim Candeias Silva, que adita, “Jorge de Aguiar ia nomeado para andar de armada no cabo Guardafui [entrada do Mar Roxo], em substituição de Afonso de Albuquerque, e para lhe suceder quando este completasse o seu triénio de governador.” Na Índia, os servidores do Vice-Rei viram como divina providência a nau S. João ter-se perdido, pois viviam já numa intranquilidade e medo perante o que lhes reservava o futuro com o próximo governador, de temperamento irascível e vingativo, e por isso pediam ao ainda chefe para ficar e não entregar o comando a Afonso de Albuquerque, por ser inábil para a governança. Estava-se na segunda semana de Dezembro de 1508 e como Albuquerque ainda não chegara a Cochim, o Vice-Rei, por ser já tarde para apanhar a monção favorável e fazer em segurança a viagem de regresso ao reino, decidiu ir ao território de Cambaia vingar a morte do filho Lourenço. Magalhães acompanhou-o no ataque a Dabul e a 2 de Fevereiro de 1509 a Diu. D. Francisco de Almeida a 8 de Março regressou em glória a Cochim, onde já Albuquerque o esperava e logo lhe exigiu, antes de passar por a porta da fortaleza, a entrega do governo. Como era ainda Vice-Rei, mandou ficar para depois essa conversa, pois precisava de descansar e dar de jantar aos que com ele vinham. Os dias seguintes foram de festa e celebração, recebendo congratulações do Rei de Cochim. Entretanto, deixou bem claro só ali ainda estar pois o barco para o levar de volta não aparecera, determinando partir no início do Verão, quando chegassem as naus do reino, mas só ao embarcar entregaria o governo a quem o Rei D. Manuel mandasse. No preparo da carga para levar, o Vice-Rei teve bastante dificuldade em conseguir pimenta, pois esta não aparecia devido à sabotagem dos subordinados de Albuquerque. Estes induziram também o Rei de Cochim a deixar de reconhecer D. Francisco de Almeida como legítimo governador, mostrando-lhe a carta-patente que D. Manuel mandara a dar-lhe conta da ordem de substituição. Mar de Bengala Fernão de Magalhães estava em Cochim desde que viera de Diu, assistindo a toda esta agitação política e diplomática, quando a 20 de Abril de 1509 chegou a expedição de Diogo Lopes de Sequeira com quatro navios a caminho de Malaca, onde ia estabelecer um tratado comercial, por ser o mais importante dos portos na ligação entre o Índico e o Pacífico. Até então, a acção dos portugueses quedara-se no Mar Arábico e só por uma vez se fizera a tentativa de explorar o resto do Oceano Índico, quando Lourenço de Almeida procurou navegar no Mar de Bengala. Refere Damião Peres, em História dos Descobrimentos Portugueses, “O Cabo Comorim, extremidade austral da península indiana, foi atingido nos fins de 1505, por uma frota em cujo comando o Vice-Rei da Índia investira seu filho, D. Lourenço de Almeida, incumbindo-o de fiscalizar nas Maldivas o comércio naval que dos portos do Índico Oriental e das ilhas da Indonésia por ali se fazia. Errando caminho, a frota foi arrastada por correntes marítimas àquele Cabo, mandando então o capitão-mor velejar para a ilha de Ceilão, atingido no seu setentrional porto de Gale.” Foram estes os primeiros portugueses no Índico oriental, mas a exploração do Golfo de Bengala só ocorrerá em 1516 por João Coelho, quando atingiu o delta do Rio Ganges. Magalhães embarcou em Cochim com o amigo Francisco Serrão na expedição de Lopes de Sequeira, a qual foi reforçada com alguns navios e partindo em Agosto de 1509, passaram pelas ilhas de Nicobar, por os portos de Pacém e de Pedir na grande ilha de Samatra, arquipélago da Indonésia, antes de chegarem a 11 de Setembro a Malaca. Aí, os locais prepararam uma cilada aos portugueses que, avisados por os chineses do plano para destruir a frota, conseguiram os dois amigos, Sequeira e outros, fugir em dois barcos para a Índia, deixando dezoito portugueses prisioneiros em Malaca. De novo em Cochim, ainda o Vice-Rei não entregara o governo a Afonso de Albuquerque, que só tomaria posse a 29 de Outubro de 1509, ou a 4 de Novembro, segundo Joaquim Candeias Silva, em O Fundador do Estado Português da Índia D. Francisco de Almeida 1457(?)-1510, de onde provem muitas das informações deste artigo. O 1.º Vice-Rei da Índia Francisco de Almeida (1/11/1505-29/10/1509) partia de Cochim a 19 de Novembro de 1509 e dirigindo-se “a Cananor, onde acabou de abarrotar, dali desaferrou no primeiro dia de Dezembro desse ano de 1509.” Após dobrar o Cabo da Boa Esperança, foi à Aguada do Saldanha onde a 1 de Março de 1510, devido ao roubo de gado por uns marinheiros, os habitantes mataram 65 portugueses, entre eles D. Francisco de Almeida e mais dez capitães. Afonso de Albuquerque tornou-se Governador do Estado da Índia portuguesa e como prioridade estabeleceu conquistar Ormuz, Goa e Malaca, para erguer o grande império no Oriente. Em Ormuz deixara em 1508 o forte meio feito; Goa era um importante porto a meio da costa ocidental da Índia com fortes ligações à Arábia; e Malaca, onde estavam 18 portugueses presos, dava acesso ao Oceano Pacífico.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFernão de Magalhães & Francisco de Almeida Aos 21 barcos da sétima armada capitaneada por D. Francisco de Almeida (1457-1510), que deixaram Lisboa a 25 de Março de 1505 com 1500 homens e onde embarcou Fernão de Magalhães, o seu irmão Diogo de Sousa, assim como Fernão Peres de Andrade, que em 1517 levará o primeiro embaixador português à China, juntaram-se depois mais seis naus, que saíram a 18 de Maio e outras duas, em Setembro. Oito meses após a partida, já a 26 de Novembro de 1505 regressavam cinco barcos capitaneados por Fernão Soares carregados de tecidos, pérolas e especiarias e só em pimenta traziam 15 mil quintais, chegando quatro a Portugal a 22 de Maio de 1506. Fernão de Magalhães andou um ano na expedição comandada por Nuno Vaz Pereira, que desde finais de 1506 esteve na costa oriental de África, entre Melinde, Quíloa e Sofala, servindo o Vice-Rei D. Francisco de Almeida, a executar o plano de D. Manuel proposto por Afonso de Albuquerque, regressado em Agosto de 1504, vindo de passar um ano no Oriente. Afonso de Albuquerque fora capitão-mor da quinta armada (1503-04), da qual ainda não viera a frota comandada por seu primo Francisco de Albuquerque, com quem em Calicute derrotou o Samorim e em Cochim, da feitoria fizeram em 1503 uma fortaleza de madeira [só em 1506 erguida em pedra], deixando como capitão Duarte Pacheco Pereira, que contara com a ajuda de 30 mil malabares, associados a 160 homens dos nossos, contra 70 a 100 mil naíres do Samorim, segundo Joaquim Candeias Silva. Em Dezembro, Afonso de Albuquerque criara a feitoria em Coulão, estava em Cochim a 12 de Janeiro 1504 e seguiu para Cananor, onde se juntou ao primo. Seria a última vez que o via. “O Estado Português da Índia surge como entidade política com a nomeação do primeiro governador, D. Francisco de Almeida, em 1505, sete anos após a chegada de Vasco da Gama [cuja armada, a quarta à Índia (1502-03), era de doze barcos da Coroa e treze de mercadores] – sete anos, em que a presença portuguesa, de início meramente diplomática e comercial, tomara gradualmente um cunho militar e passara de intermitente, ao sabor da ida e vinda das armadas, a contínua, com uma força de patrulhamento marítimo constantemente presente. D. Francisco é ainda um vice-rei flutuante, governador de um estado sem território, com o convés da sua nau por capital”, refere Luís Filipe Thomaz, que lembra, a “Índia, mais dotada pela Natureza do que a Europa e não menos desenvolvida em indústria humana, quase nada tinha a importar do Ocidente.” Os navios na viagem de Portugal para Oriente iam sem suficientes mercadorias de troca [transportando cobre, prata, chumbo e cera] e para ter lastro, ainda embarcavam pedras para erguer fortalezas e madeira já cortada para fazer barcos. “Na ausência de produtos que interessassem aos mercados indianos, os Portugueses são obrigados a pagar em metal sonante as especiarias que adquirem – o que os leva a interessarem-se igualmente pelo ouro do Monomotapa, escoado pelo porto de Sofala. Este era tradicionalmente obtido pelos Árabes a troco de tecidos de algodão indiano, oriundo sobretudo do Guzerate. O comércio do ouro conduz assim os Portugueses ao dos panos e arrasta-os para o golfo de Cambaia – como o das especiarias os levara ao do ouro e às costas moçambicanas.” Bloqueio à Arábia Na oitava armada à Índia, o capitão-mor Tristão da Cunha partiu de Lisboa com onze naus a 6 de Março de 1506 e a 28 largava Afonso de Albuquerque (1452-1515), que regressava ao Oriente com cinco naus de guerra, levando já a carta para dois anos depois suceder a Francisco de Almeida no governo das Índias. As duas frotas juntaram-se na costa Oriental de África, onde em Moçambique fizeram um forte e em Abril de 1507, à entrada do Mar Vermelho conquistaram a ilha de Socotorá. Aí se separou a armada e Tristão da Cunha chegou à Índia em Agosto, apoiando o cerco de Cananor, onde os portugueses em 1505 tinham feito uma fortaleza em madeira, que então passou a ser de pedra. A 23 de Novembro dava auxílio ao Vice-Rei para derrotar a frota do Samorim de Calicute e por Cananor regressou a Lisboa a 7/12/1507 carregado de especiarias. Já Afonso de Albuquerque, de Socotorá rumou à costa da Arábia conquistando Omã, fazendo tributárias as suas cidades e a 21 de Setembro chegava à ilha de Ormuz, à entrada do Golfo Pérsico. Cercando-a, enviou recado ao Rei, de apenas 12 anos, para se fazer vassalo dos portugueses e evitar uma guerra. Habituado a receber por quem vinha comerciar e não a pagar, o regente do Rei não aceitou. Então os portugueses abriram fogo demorado sobre as forças navais e terrestres, muito superiores às suas, sendo a resposta tão fraca que a deram por conquistada. A paz foi negociada com um tributo anual à Coroa portuguesa de 15 mil xerafins em ouro, o pagamento dos prejuízos sofridos nas naus durante o combate e um terreno na ilha para construir uma feitoria e a fortaleza. O Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz era o principal objectivo de Afonso de Albuquerque e, apesar de o ter começado em 1507, só o terminaria em 1515, pois, em Fevereiro de 1508 três capitães dos navios, liderados por Afonso Lopes da Costa, recusando ficar a construir a fortaleza, revoltaram-se e abandonaram-no para irem fazer queixa ao Vice-Rei. O futuro governador Albuquerque, [tomará posse a 29/10/1509], deixou a meio a construção, indo também para a Índia. Conquista de Diu Já em Março de 1508 Lourenço de Almeida morrera em Chaul, apanhado de surpresa no interior do porto pela armada do Sultão do Egipto, pois pensara ser a frota de Albuquerque, que falhara o controlo e no aviso. O Vice-Rei D. Francisco de Almeida, para vingar o filho, em Dezembro foi ao território de Cambaia, onde arrasou o porto de Dabul e seguiu para Diu. Fernão de Magalhães participou a 2 e 3 de Fevereiro de 1509 na batalha naval de Diu, quando o ainda Vice-Rei com 19 velas atacou essa praça dos rumes (turcos) e destruiu a esquadra do egípcio mameluco Mir Hocem, a do Sultão Otomano Beyazid II, com as forças do Samorim de Calicute e do Melique Iaz de Guzarate, que governava Diu. Esta vitória deu aos portugueses o domínio do Mar Arábico. A expedição de Diogo Lopes de Sequeira, que saíra do Tejo com quatro navios em Abril de 1508 a caminho de Malaca, afim de estabelecer um tratado comercial num dos portos mais concorridos da Ásia, passava por Cochim a 20 de Abril de 1509. Aí estava Fernão de Magalhães, que embarcou e assim passou por Samatra, antes de chegar a 11 de Setembro a Malaca, onde os locais lhes prepararam uma cilada. Avisados por chineses do plano para destruir a frota lusa, tal não teve total sucesso devido às precauções de nunca se desembarcar todos os marinheiros e assim, Sequeira conseguiu fugir com dois barcos para a Índia, deixando dezoito portugueses prisioneiros. Foram depois barrados por um barco muçulmano com quem entraram em batalha, quando Magalhães salvou da morte pela segunda vez Francisco Serrão, seu grande amigo e companheiro de aventura.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFernão de Magalhães no mar Arábico “Foi grande a repercussão que o descobrimento do caminho marítimo para a Índia obteve nos centros políticos e comerciais da Europa. Tanto na corte pontifícia e junto dos Reis Católicos, como nos principais sectores económicos da Itália e da Flandres, a notícia constituiu uma verdadeira revolução. Muitos agentes estrangeiros vieram estabelecer-se em Lisboa, onde procuravam recolher benefícios da compra e distribuição das especiarias. É evidente que a coroa de D. Manuel I quis de imediato assegurar o monopólio dos produtos orientais, servindo-se das estruturas financeiras e técnicas que reunira ao serviço da empresa. A ciência náutica foi logo colocada ao dispor da política régia, para garantir o êxito de novas viagens à região do Malabar. O que significa que um grupo de nautas experientes, incluindo pilotos, cartógrafos e mareantes, passou a trabalhar na , dispensando uma cobertura naval aos pequenos fidalgos e aos mercadores nacionais e estrangeiros que embarcavam com aquele destino”, refere Veríssimo Serrão. “A Cidade dos Doges [Veneza] viu-se, devido ao aparecimento no Índico das nossas esquadras, gravemente prejudicada em proveito de Lisboa e de Antuérpia – pois logo em 1501 concentrámos no grande porto flamengo avultadas exportações de mercadorias e em 1503 o negociante Tomé Lopes entende-se com alguns argentários e ali instala rendoso centro de distribuição de produtos. Pouco tardam a afluir, tanto à metrópole do Tejo como à do Escalda, os magnates da finância germânica e italiana – os Fugger, os Welser, os Hochstetter, os Imhof, os Frescobaldi, os Gualterotti – na mira de vantajosas transacções”, segundo João Ameal, que refere, tal como o Cairo, Alexandria, Beirute e Alepo, Veneza não se resignava e propôs-lhes uma aliança para combater os portugueses. “Vacila ainda o Sultão Kansuh el Ghuri em desencadear hostilidades contra nós, tão intenso receio lhe inspira o valor já bem atestado dos portugueses; mas busca intrigar e intimidar-nos com o envio a Roma do Prior do Convento de Monte Sinai, Fra Mauro, a prevenir o Papa Júlio II do propósito em que se encontra de exercer violentas represálias sobre a cristandade palestiniana e, também, de iniciar operações de guerra no Mediterrâneo caso o Rei de Portugal insista em manter no Índico as suas armadas, os seus núcleos fortificados, os seus estabelecimentos mercantis. Quando se conhecem em Lisboa estas notícias, apercebe-se o Venturoso do vasto conluio dos adversários para nos expulsar das águas orientais.” A Lisboa chegou em Junho de 1505 Fra Mauro com o recado do Papa a exortar à desistência, mas já a armada partira e como resposta levou, estarem os portugueses decididos a avançar na empresa e substituir o eixo comercial Veneza, Alexandria, Meca, Calicute. Com Francisco de Almeida Através de Afonso de Albuquerque, D. Manuel compreendeu a necessidade de alterar a estratégia no Oriente e aí ter uma organização de governação. Criou o cargo de Governador, como seu representante com autoridade na Índia portuguesa. A prioridade era dar apoio e protecção às embarcações no Mar Arábico e fazer alianças com os soberanos locais para estender a soberania a outras regiões, onde se deviam criar feitorias e erguer fortalezas. Além do Malabar, procurar abrir as rotas com o Ceilão, Malaca e Insulíndia, fonte das especiarias e no Golfo Pérsico tomar Ormuz. A primeira escolha de D. Manuel foi Tristão da Cunha, mas estando em momentânea cegueira substituiu-o por Francisco de Almeida, nomeado governador por um triénio, levando de Lisboa outorgado o título de Vice-Rei quando erguesse fortalezas em Cananor e Coulão. O Rei investiu uma enorme soma de dinheiro para erguer a armada, co-financiada pelos alemães Welser, sendo a finalidade assegurar o domínio português no Índico e aí impor o monopólio do comércio de especiarias, assim como criar estaleiros para a reparação de navios. A sétima armada à Índia, comandada por D. Francisco de Almeida, deixou o Tejo rumo ao Oriente a 25 de Março de 1505. Numa das 22 naus ia com 25 anos Fernão de Magalhães, um entre os 1500 soldados, fora a tripulação e onde seguia a primeira mulher a embarcar de Portugal, Iria Pereira, a acompanhar o marido António Real, mandatado alcaide-mor de Cochim. Na costa oriental de África, a 22 de Julho em Quíloa erguiam a fortaleza e a 15 de Agosto conquistavam e incendiavam Mombaça. Chegaram à ilha de Angediva em Setembro de 1505, fazendo um forte e depois a Cochim, onde se montou a sede da governação no Oriente e se instalou a residência de Governador, Casa da Fazenda, Casa dos Contos e Casa da Matrícula. Ainda nesse ano tomaram Cananor e construíram a fortaleza de Santo Ângelo. Lourenço de Almeida em finais de 1505 estava no Ceilão (Sri Lanka), a origem da canela, estabelecendo em Galé uma aliança com o reino de Kotte. Discutia-se fazer no Ceilão a capital da governação, pois de mais fácil defesa que Cochim, mas tal não foi avante. O primeiro Vice-Rei da Índia D. Francisco de Almeida (1505-09) mandou nos finais de 1506 uma expedição “para solucionar as divergências sobre a posse do trono de Quíloa, existentes entre Hocem e Micante”, segundo João Cosme, que refere ter Fernão de Magalhães nela participado. “Crê-se que regressou à Índia na nau S. Simão que, em 19 de Setembro de 1507, partiu de Sofala em direcção à costa do Malabar.” Desastre de Chaul Em missão de patrulhamento, D. Francisco de Almeida enviou em 1507 o filho Lourenço para Norte, pela costa ocidental da Índia, com a intenção de estrangular Cambaia, zona de grande comércio e cujos mercadores dominavam as rotas no Índico, com ligações do Golfo Pérsico até Malaca. Como a cidade de Cambaia era de impossível ataque, pois recuada da costa e cuja muralha no alto do monte controlava o porto, situado no interior do golfo, então, era preciso nas redondezas encontrar locais para impedir a navegação dos seus barcos. A atenção virou-se para a cidade de Chaul, no Decão e mais tarde, para a ilha de Diu, no Guzerate. Chaul, cujo Rei Nizamaluco era rival do vizinho Adil Khan de Goa, tinha no Rio Roha uma boa enseada onde os barcos portugueses aportaram pela primeira vez em 1505. Dois anos depois, Lourenço aí afundou sete navios do Samorim de Calicute. Para travar as conquistas portuguesas realizadas nas costas ocidentais da Índia, o Sultão do Egipto enviou uma grande armada que, coligada com a do Sultanato de Deli e muçulmanos de Diu, em Janeiro de 1508 apanhou de surpresa no interior do porto de Chaul a frota de Lourenço de Almeida e derrotou-a. Capturando algumas naus, mataram D. Lourenço e mais cem homens, conseguindo outros muito a custo regressar a Cochim. Como retaliação pela morte do filho, D. Francisco de Almeida em finais de 1508 foi aos domínios de Cambaia arrasar o porto de Dabul e Diogo Lopes de Sequeira, saído de Lisboa em Abril de 1508 ao comando da nona armada com a intenção de ir a Malaca, tentou, sem conseguir, construir em Chaul uma fortaleza.
José Simões Morais Artes, Letras e IdeiasFernão de Magalhães em Portugal Sobre a data e local de nascimento de Fernão de Magalhães existem divergências, sendo 1479 o ano mais provável e para alguns adeptos o de 1480, enquanto muitas terras reclamam tê-lo visto nascer, mas três salientam-se, Ponte da Barca no Minho, Sabrosa em Trás-os-Montes, que Stefan Zweig diz não ser, referindo como aceitável o Porto e Rui Manuel Loureiro especifica Gaia. Pertencia a uma antiga família da nobreza rural, sendo filho de Rui de Magalhães, alcaide-mor de Aveiro, e de Aldonça Mesquita. Seguiu ainda jovem para Lisboa, servindo como pajem da Rainha D. Leonor, esposa de D. João II, e manteve-se morador da casa real com D. Manuel. Na capital, Fernão de Magalhães soube da descoberta de Bartolomeu Dias e terá presenciado as partidas e chegadas, entre outras, das viagens de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. No ano de 1502, muitas foram as expedições que regressaram a Lisboa, como a de Miguel e Vasqueanes Corte Real, pois o irmão Gaspar ficara a explorar a Terra Nova; da Índia veio a terceira frota comandada por João da Nova, onde embarcara Diogo Barbosa, participante mais tarde na viagem de Fernão de Magalhães; e a de Américo Vespúcio, que navegara para além da parte portuguesa do continente americano e singrando para Sudoeste no Atlântico, explorou até próximo do extremo Sul à procura do Cabo de Catígara, para entrar no Índico. Nas tabernas de Lisboa, os recém-chegados marinheiros contavam as experiências e em discussões inebriantes surgiam ideias como, se havia ligação por água na parte Sul de África entre o Atlântico e o Índico, então esses ‘mares’ estariam também ligados a Oeste. Questionava-se se essa costa percorrida era a da China, ou correspondia a um novo continente. Novas misturadas com outras notícias do reino, do estrangeiro e do social quotidiano, no adro de S. Domingos a certas horas do dia eram licitadas por quem as queria ouvir. Preparava Cristóvão Colombo a quarta viagem, iniciada nesse ano de 1502, mas não ia acompanhado, como acontecera nas duas primeiras viagens, por o piloto e cartógrafo espanhol Juan de La Cosa. Este, em 1500 desenhara o primeiro mapa com o Novo Mundo, onde em destaque de cor verde representou a América, do Canadá ao Brasil com as Caraíbas, enquanto num pardo tom mostrava o restante mundo até à China. De 1502 era o Planisfério dito de «Cantino», desenhado por um anónimo cartógrafo português, actualizado já com informações geográficas provenientes da viagem de Álvares Cabral. Tinha ainda como base o mapa de Ptolomeu e usava as tradicionais cartas-portulano para os lugares não visitados por os portugueses. Baseado em latitudes e rumos, apresentava apenas 250º de longitude, representando com certo rigor a linha de costa do Extremo Oriente, apesar da península Indochinesa se alongar em latitude para o hemisfério Sul, quase a tocar o trópico de Capricórnio. Nele constavam legendas, entre as quais a de um oceano Oriental a fazer de ligação ao outro lado do planisfério, com o Novo Mundo. O problema do cálculo das longitudes só dois séculos e meio depois ficou resolvido, desactualizando então o Planisfério, que custara 12 ducados de ouro (uma fortuna) ao duque de Ferrara e foi levado para Itália por o seu agente em Lisboa, Alberto Cantino. ANUAIS ARMADAS À ÍNDIA A consciencialização de globo e de um novo mundo começava a estruturar-se e colocava Fernão de Magalhães a magicar sobre o que escutava. Assistia então à partida da quarta armada à Índia, capitaneada por o Almirante Vasco da Gama, que pela segunda vez ia ao Oriente, agora para apresentar as credenciais do Rei D. Manuel, Senhor da Navegação, Conquista e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Dividida em duas frotas, a primeira partiu a 10 de Fevereiro de 1502 com quinze navios e a segunda esquadra a 1 de Abril, composta por três naus e três caravelas, capitaneada por seu filho Estêvão da Gama, onde seguiam os embaixadores aos reis de Cochim e Cananor. (A. G. em Anais do Clube Militar Naval, 1989) No porto árabe da ilha de Quíloa (na actual Tanzânia) tornou tributário de Portugal o Sultão, que como prova de fidelidade deu um tributo de mil e quinhentos miticais de ouro, usado (como escreveria Damião de Góis, nascido nesse ano) para fazer a Custódia do Mosteiro dos Jerónimos. Encontrando estacionado em frente a Calicute o navio egípcio Meri, Vasco da Gama agiu sem piedade e queimou vivos os 300 passageiros e porque o Samorim de Calicute se recusou negociar, bombardeou-lhe a cidade e matou todos os locais que capturou. A 7 de Novembro de 1502 estava em Cochim, onde os cristãos nestorianos do Malabar se subordinaram ao Rei de Portugal, ficando assim realizado um dos objectivos da viagem à Índia, o de procurar cristãos. O outro, o de buscar especiarias, a feitoria de Cochim fizera a aquisição de um enorme carregamento para ele levar no regresso a Portugal. Vasco da Gama deixou o tio Vicente Sodré com cinco navios a apoiar as feitorias de Cananor e de Cochim, incumbindo-lhe também a missão de em pleno território do Islão impedir a passagem ao Mar Vermelho das naus que se dirigiam a Meca. À entrada desse mar, Vicente Sodré encontrou na Primavera de 1503 a ilha de Socotorá; estava então a sair do Tejo a quinta armada composta por três esquadras, com três naus cada uma, comandadas por Afonso de Albuquerque, seu primo Francisco de Albuquerque e António de Saldanha. Este último ficou com a missão de patrulhar a costa da Arábia e impedir os navios dos maometanos de hostilizar a navegação portuguesa no Índico. Os dois primos foram directamente para Cochim, o principal entreposto para a aquisição de especiarias, a fim de assegurar a carga a transportar para o reino. Com Afonso de Albuquerque na primeira esquadra seguia capitão de uma das naus Duarte Pacheco Pereira que, após destruírem 50 embarcações de Calicute, ficou em Cochim desde Novembro de 1503 como capitão da fortaleza, entretanto construída. Tinha três barcos, 150 soldados, com artilharia e munições para resistir aos constantes assaltos do Samorim e conseguiu demovê-lo desse intento. Pacheco Pereira regressou no início de 1505 a Portugal na sexta armada, capitaneada por Lopo Soares de Albergaria. Vasco da Gama ao comando da quarta armada fez a viagem de retorno e estava em Lisboa a 1 de Dezembro de 1503. A chegada dos portugueses ao Oriente perturbou o comércio dos produtos asiáticos, sobretudo especiarias, tanto aos reinos indianos e árabes das costas do Mar Arábico, como na Europa, cujo comércio era controlado há três séculos por Veneza, aliada com os mamelucos (1250-1517) do Egipto, onde em Alexandria os mercadores venezianos estavam instalados desde 1310. D. Manuel, segundo Veríssimo Serrão, compreendeu “a necessidade de alterar a sua estratégia no Oriente. Esta não podia mais confinar-se ao envio de frotas anuais com objectivos mercantis e religiosos. Impunha-se também assentar um domínio político que garantisse a força militar e o recurso a outros centros comerciais do Índico.”
José Simões Morais Artes, Letras e Ideias hAntigas viagens marítimas [dropcap]O[/dropcap] Oceano Pacífico dá o mote aos próximos artigos, pois estão a comemorar-se os 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães. Mas para os europeus começarem a navegar no mais vasto dos oceanos, tiveram no Atlântico os espanhóis de o atravessar e procurar ao longo da costa americana uma passagem e os portugueses, usando os ventos e correntes, de conseguir entrar no Índico e pelo Estreito de Malaca chegar ao Pacífico. Este Oceano, se na parte Oriental era um Grande Mar, a Ocidente, sem essa dimensão de único, estava dividido em muitas ilhas e vários mares, navegados milénios atrás por polinésios e chineses. Fora atravessado da Ásia para a costa americana por volta do ano 2500 a.n.E., quando algumas embarcações se perderem no nevoeiro na batalha naval entre os exércitos do Imperador Amarelo (Huangdi) e dos rebeldes comandados por Chiyou, no período da reunião das tribos chinesas num único povo. No Pacífico Ocidental estão os mares do Sul e do Leste da China, o Mar Amarelo junto à península da Coreia e a Nordeste, o Mar do Japão, o de Okhotsk e o de Bering. A Sudoeste, o Mar de Banda e o das Celebes a banhar as Molucas, o Mar de Java, das Flores e de Timor a envolver o arquipélago da Indonésia. Mares navegados à muito por barcos chineses, como refere a História da dinastia Qin (221-206 a.n.E.), pois o Pacífico banha toda a orla marítima da China. Daí partiu durante a dinastia Han do Leste (25-220) uma armada comandada por Gan Ying que, chegando a um porto do Golfo Pérsico no ano de 97, demandou o caminho para o Mediterrâneo. Mas os partos dissuadiram-no, pois não queriam perder o controlo do negócio da seda com os Romanos. Cinquenta anos depois, faziam trato entre si no Sri Lanka. Já durante a dinastia Song, no século XI os chineses atravessavam directamente o Oceano Índico até África orientados pela agulha de marear, criada a partir da bússola, invenção também sua do século IV a.n.E.. A agulha de marear viajou para os países muçulmanos no século XII e daí para a Europa um século depois, quando aí apareceu o cadaste do leme, outro dos contributos chineses. Após as sete viagens do Almirante Zheng He, ocorridas entre 1405 e 1433, os chineses fecharam o ciclo marítimo, tendo navegado os seus juncos no Pacífico e Índico. Faltava o Atlântico, por onde então os portugueses se iniciavam: em 1418 João Gonçalves Zarco chegara a Porto Santo e Tristão Vaz Teixeira no ano seguinte à Madeira. Os portugueses em 1427 andavam já nos Açores, mas ainda não atingiam o Cabo Bojador. O Rei de Portugal D. João I faleceu em 1433 e na Índia, o Almirante chinês Zheng He morria no seu barco, o baochuan, em frente a Calecute, 65 anos antes de Vasco da Gama aí chegar. Fechava-se o primeiro ciclo da navegação marítima portuguesa, iniciado por o Rei D. Dinis quando fundou a Universidade, mandou plantar extensos pinhais de verde pinho e em 1317 contratou o genovês Manuel Pessanha (Pezagno) como Almirante mor para organizar uma frota de galés e formar marinheiros. Em 1434, Gil Eanes dobrava o Cabo Bojador numa barca de 30 toneladas, com remos e apenas uma vela triangular, sem qualquer coberta. A caravela usada em 1436, com menos de 20 metros era um barquinho comparado com o baochuan, de cento e vinte metros de comprimento e cinquenta de largura. A chegada de Dinis Dias em 1445 a Cabo Verde permitiu encontrar o vento alísio de Sueste, importante para fugir à vasta zona das calmarias equatoriais junto à costa ocidental africana e fazendo no Atlântico a volta para Oeste, atingir o Sul de África. Daí o evoluir da caravela para um porte de 50 a 80 toneladas, e de dois ou três mastros com vela latina a permitir navegar contra o vento, o bolinar, legado dos polinésios com dois mil anos. VIAJANTES NO PACÍFICO Zheng He elegera como portos estratégicos, Malaca, Ormuz e Adém, os mesmos que cem anos mais tarde Afonso de Albuquerque planeou para controlar o comércio no Índico. Os mares chineses e do Sudeste Asiático foram visitados por o mercador veneziano Marco Polo (1254-1324), que passou dezassete anos na China e em 1292 embarcou no porto de Quanzhou (em Fujian) a escoltar, ao serviço do Imperador Kublai Khan (1260-79) da dinastia mongol Yuan, uma princesa chinesa que ia casar na Pérsia. Após uma viagem de vinte e quatro anos, Marco Polo regressou a Veneza em 1295. No século seguinte, o viajante berbere de Tanger, Mohamed Bid Abdullah Ibn Batoutha (1304-77), mais conhecido por Ibn Battuta, entre 1325 e 1349 percorreu quase todo o mundo conhecido. Saíra de Tanger a 14 de Junho de 1325 e entre 1331 e 1332 viajou pelo Norte da costa oriental africana (Mogadíscio e Mombaça), visitando no ano seguinte a Índia. Estava na China em 1346, onde ficou um ano e no porto de Zaitun (Quanzhou, Fujian) refere ter visto três tipos de embarcações chinesas: os juncos de grande porte, que conseguiam transportar mais de mil pessoas, os zao de médio porte e aos mais pequenos chamou-lhes kakam. Os portugueses só chegariam em 1511 ao Pacífico e os espanhóis em 1513. Com uma ancestralidade nas viagens marítimas, os chineses legaram muitas das suas invenções náuticas aos muçulmanos do Mar Arábico, para onde Pêro da Covilhã foi enviado em 1487, afim de saber como aí se navegava e quais os principais portos de comércio. Andava já Bartolomeu Dias com três caravelas a caminho do Índico, para desfazer “as ideias de Ptolomeu, que concebia o Atlântico e o Índico como mares interiores e sem qualquer comunicação entre si”, segundo Luís de Albuquerque. Com o problema dos ventos alísios contrários de Sudeste ao descer a costa ocidental de África, Bartolomeu Dias chegava à confluência do Atlântico com o Índico e após dobrar o Cabo das Tormentas, no início de Fevereiro de 1488 atingiu o Rio do Infante, na costa Oriental africana. Regressou a Lisboa com a missão cumprida em Dezembro de 1488. Por outro lado, Pêro da Covilhã, com todas as informações registadas, entregava-as em 1490 no Cairo ao mercador José de Lamego, que logo as levou em carta ao Rei D. João II. Relatava, os portos das especiarias por ele visitados, as técnicas de navegação no Oceano Índico e as rotas dos barcos comerciais muçulmanos com quem seguiu até Sofala. Ligando a navegação de Pêro da Covilhã, do porto de Sofala à Índia, com a viagem de Bartolomeu Dias, faltava aos portugueses, na rota para a Índia, apenas navegar no Mar Arábico entre o Rio do Infante e Sofala. Confirmava-se, ao contornar a África poder-se chegar à Índia e haver passagem do Atlântico para o Índico; logo eram mares abertos, ao contrário do que em 150 Ptolomeu desenhara no seu mapa. No Atlântico restava explorar dos Açores para Ocidente, pois guardado em segredo ficara a chegada às Antilhas, sigilo quebrado num mapa feito em 1424 por genoveses ao serviço de D. João I, que logo despediu os que ainda trabalhavam para o Almirantado. Em 1484 Cristóvão Colon pretendia atingir a Índia navegando para Ocidente, mas só a 3 de Agosto de 1492 partiu em três pequenas e já maltratadas caravelas.
Andreia Sofia Silva EventosCircum-navegação | Joaquim Magalhães de Castro participa na expedição do navio Sagres Joaquim Magalhães de Castro, jornalista freelancer, fotógrafo e autor com ligações a Macau, irá participar na expedição que a tripulação do navio Sagres iniciou ontem para celebrar os 500 anos da viagem de circum-navegação comandada por Fernão de Magalhães. A viagem termina em Julho, no Japão Com Lusa [dropcap]O[/dropcap] navio Sagres vai realizar a sua quarta e mais longa viagem de circum-navegação. Deve atracar em Tóquio a 18 de Julho, onde será “a casa de Portugal” durante os Jogos Olímpicos 2020. A missão está enquadrada no programa das comemorações do V Centenário da Circum-Navegação do navegador português Fernão de Magalhães, que arrancou ontem após a cerimónia de largada, que contou com a presença do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa entregou à tripulação a bandeira que os atletas portugueses irão utilizar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, onde o navio atracará em 18 de Julho. Joaquim Magalhães de Castro, jornalista freelancer, autor e fotógrafo irá participar na expedição, mas embarcará apenas em algumas tiradas, embarcando em Moçambique. Neste momento, o autor encontra-se na Indonésia, não tendo sido possível, até ao fecho da edição, estabelecer contacto. De acordo com a agência Lusa, os afazeres foram muitos até à preparação da viagem, com constantes sons de martelos e berbequins, a par com ensaios de discursos e revisões de procedimentos. O comandante do navio Sagres, Maurício Camilo, não escondeu a ansiedade destes dias que antecederam uma viagem que pretende fazer num ano o que o navegador português fez em três, há cinco séculos, e que percorrerá 41.258 milhas náuticas em 6.782 horas de navegação. “Estamos num frenesim na preparação do navio, no abastecimento do navio e, ao mesmo tempo, a tentar deixar as nossas vidas em terra o mais organizadas possível. Juntando tudo é um frenesim terrível até à largada”, disse o comandante à Lusa, na sexta-feira. Desafios da viagem Para Maurício Camilo, o principal desafio da missão é “a própria dimensão da viagem que vai demorar um ano e seis dias, 41 mil milhas, e que vai exigir das pessoas e ao navio algum esforço e, em determinadas alturas, bastante esforço”. O comandante elege como ponto alto desta missão a presença em Tóquio durante os Jogos Olímpicos, como Casa de Portugal, e a comemoração dos 500 anos da entrada da esquadra de Magalhães no Estreito de Magalhães, em 20 de Outubro. Esta será, de resto, a tirada mais complicada, não só porque é muito longa (32 dias), das maiores que o Sagres já navegou, mas também porque é feita “numa área em que as condições meteorológicas normalmente não são muito favoráveis”. Este deverá ser “o maior desafio em termos de meteorologia”, até porque é esperado mau tempo, adiantou. Ao leme do navio estará a tenente Diana Azevedo, 29 anos e na Marinha desde 2008, que à Lusa sublinhou a particularidade do navio Sagres: “Além da navegação a motor, temos a componente vélica que nos caracteriza na navegação, nomeadamente oceânica”. Se, em termos logísticos, o maior desafio passa por preparar o navio, em termos humanos, o repto é manter o espírito de coesão a bordo. “Em termos de convivência, o mais importante é manter uma coesão, um espírito a bordo. Isso ajuda bastante”, disse, sublinhando que as comunicações disponíveis a bordo e nos portos onde o navio vai atracar ajudam a matar as saudades. Próxima paragem: Espanha O navio fará a primeira paragem esta sexta-feira, em Tenerife, Espanha. Para Diana Azevedo, este será sem dúvida o seu maior desafio profissional. “Como chefe de serviço de navegação, é um grande desafio. Vou aprender muito na minha área – meteorologia. Vai ser uma experiência totalmente diferente do que estávamos habituados, principalmente pela duração da missão”, explicou. À volta com as compras anda o primeiro sargento Vítor Rafael, despenseiro no navio Sagres e que tenta assegurar que nada falte na mesa dos 144 tripulantes. Há cerca de um mês que os armazéns começaram a encher-se de secos, como arroz, massa, enlatados. Seguiram-se os congelados – cerca de 12 mil quilos de carne e peixe. Ovos, verdes e fruta também estão assegurados, pelo menos até à próxima paragem em terra. De acordo com Vítor Rafael, para esta missão foram adquiridas duas toneladas de bacalhau, 3.000 quilos de batatas e 1.000 quilos de cebolas, além de 360 ovos, água, charcutaria, entre outros produtos alimentares, que deverão ser repostos durante as paragens nos 22 portos de 19 países que a viagem contempla. Miguel Vítor, 25 anos, segundo marinheiro e operador de comunicações, tem consciência que esta é uma viagem histórica e foi por isso que se voluntariou. Acredita que estes últimos dias antes da largada são “os mais complicados”, não só ao nível do trabalho, como a nível pessoal, que “é ainda pior”. “Vai ser um desafio trabalhar com vários tipos de equipamentos e de frequências, mas o importante é que a mensagem chegue a bom porto”, apontou, em relação à sua área profissional. Para Miguel Vítor, a grande vantagem do navio Sagres, em termos de comunicações, é o satélite que transporta e que, em caso de emergência ou para uma comunicação mais rápida, pode ser utilizado para contactar seja com quem for e para que nível for. E nem as saudades que diz serem complicadas de gerir refreiam o entusiasmo deste navegador. “É para isto que um marinheiro português é feito: para estar no mar e conhecer o mundo”, atirou. A primeira viagem do navio Sagres com a bandeira portuguesa realizou-se em 25 de Abril de 1962. Já realizou três viagens de circum-navegação em 1978/79, 1983/84 e 2010, mas nenhuma tão longa como a que começou ontem.
admin EventosCircum-navegação | Joaquim Magalhães de Castro participa na expedição do navio Sagres Joaquim Magalhães de Castro, jornalista freelancer, fotógrafo e autor com ligações a Macau, irá participar na expedição que a tripulação do navio Sagres iniciou ontem para celebrar os 500 anos da viagem de circum-navegação comandada por Fernão de Magalhães. A viagem termina em Julho, no Japão Com Lusa [dropcap]O[/dropcap] navio Sagres vai realizar a sua quarta e mais longa viagem de circum-navegação. Deve atracar em Tóquio a 18 de Julho, onde será “a casa de Portugal” durante os Jogos Olímpicos 2020. A missão está enquadrada no programa das comemorações do V Centenário da Circum-Navegação do navegador português Fernão de Magalhães, que arrancou ontem após a cerimónia de largada, que contou com a presença do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa entregou à tripulação a bandeira que os atletas portugueses irão utilizar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, onde o navio atracará em 18 de Julho. Joaquim Magalhães de Castro, jornalista freelancer, autor e fotógrafo irá participar na expedição, mas embarcará apenas em algumas tiradas, embarcando em Moçambique. Neste momento, o autor encontra-se na Indonésia, não tendo sido possível, até ao fecho da edição, estabelecer contacto. De acordo com a agência Lusa, os afazeres foram muitos até à preparação da viagem, com constantes sons de martelos e berbequins, a par com ensaios de discursos e revisões de procedimentos. O comandante do navio Sagres, Maurício Camilo, não escondeu a ansiedade destes dias que antecederam uma viagem que pretende fazer num ano o que o navegador português fez em três, há cinco séculos, e que percorrerá 41.258 milhas náuticas em 6.782 horas de navegação. “Estamos num frenesim na preparação do navio, no abastecimento do navio e, ao mesmo tempo, a tentar deixar as nossas vidas em terra o mais organizadas possível. Juntando tudo é um frenesim terrível até à largada”, disse o comandante à Lusa, na sexta-feira. Desafios da viagem Para Maurício Camilo, o principal desafio da missão é “a própria dimensão da viagem que vai demorar um ano e seis dias, 41 mil milhas, e que vai exigir das pessoas e ao navio algum esforço e, em determinadas alturas, bastante esforço”. O comandante elege como ponto alto desta missão a presença em Tóquio durante os Jogos Olímpicos, como Casa de Portugal, e a comemoração dos 500 anos da entrada da esquadra de Magalhães no Estreito de Magalhães, em 20 de Outubro. Esta será, de resto, a tirada mais complicada, não só porque é muito longa (32 dias), das maiores que o Sagres já navegou, mas também porque é feita “numa área em que as condições meteorológicas normalmente não são muito favoráveis”. Este deverá ser “o maior desafio em termos de meteorologia”, até porque é esperado mau tempo, adiantou. Ao leme do navio estará a tenente Diana Azevedo, 29 anos e na Marinha desde 2008, que à Lusa sublinhou a particularidade do navio Sagres: “Além da navegação a motor, temos a componente vélica que nos caracteriza na navegação, nomeadamente oceânica”. Se, em termos logísticos, o maior desafio passa por preparar o navio, em termos humanos, o repto é manter o espírito de coesão a bordo. “Em termos de convivência, o mais importante é manter uma coesão, um espírito a bordo. Isso ajuda bastante”, disse, sublinhando que as comunicações disponíveis a bordo e nos portos onde o navio vai atracar ajudam a matar as saudades. Próxima paragem: Espanha O navio fará a primeira paragem esta sexta-feira, em Tenerife, Espanha. Para Diana Azevedo, este será sem dúvida o seu maior desafio profissional. “Como chefe de serviço de navegação, é um grande desafio. Vou aprender muito na minha área – meteorologia. Vai ser uma experiência totalmente diferente do que estávamos habituados, principalmente pela duração da missão”, explicou. À volta com as compras anda o primeiro sargento Vítor Rafael, despenseiro no navio Sagres e que tenta assegurar que nada falte na mesa dos 144 tripulantes. Há cerca de um mês que os armazéns começaram a encher-se de secos, como arroz, massa, enlatados. Seguiram-se os congelados – cerca de 12 mil quilos de carne e peixe. Ovos, verdes e fruta também estão assegurados, pelo menos até à próxima paragem em terra. De acordo com Vítor Rafael, para esta missão foram adquiridas duas toneladas de bacalhau, 3.000 quilos de batatas e 1.000 quilos de cebolas, além de 360 ovos, água, charcutaria, entre outros produtos alimentares, que deverão ser repostos durante as paragens nos 22 portos de 19 países que a viagem contempla. Miguel Vítor, 25 anos, segundo marinheiro e operador de comunicações, tem consciência que esta é uma viagem histórica e foi por isso que se voluntariou. Acredita que estes últimos dias antes da largada são “os mais complicados”, não só ao nível do trabalho, como a nível pessoal, que “é ainda pior”. “Vai ser um desafio trabalhar com vários tipos de equipamentos e de frequências, mas o importante é que a mensagem chegue a bom porto”, apontou, em relação à sua área profissional. Para Miguel Vítor, a grande vantagem do navio Sagres, em termos de comunicações, é o satélite que transporta e que, em caso de emergência ou para uma comunicação mais rápida, pode ser utilizado para contactar seja com quem for e para que nível for. E nem as saudades que diz serem complicadas de gerir refreiam o entusiasmo deste navegador. “É para isto que um marinheiro português é feito: para estar no mar e conhecer o mundo”, atirou. A primeira viagem do navio Sagres com a bandeira portuguesa realizou-se em 25 de Abril de 1962. Já realizou três viagens de circum-navegação em 1978/79, 1983/84 e 2010, mas nenhuma tão longa como a que começou ontem.
Olavo Rasquinho VozesMindanau – Paraíso perdido? [dropcap]R[/dropcap]eza a história que o primeiro europeu a chegar a Mindanau, a segunda maior ilha do país insular que atualmente se designa por República das Filipinas, foi o português Francisco Serrão, em 1512, nove anos antes da chegada do seu primo Fernão de Magalhães. As cartas por ele enviadas via Malaca a Magalhães contribuíram grandemente para o entusiasmo deste em empreender a longa viagem às Ilhas das Especiarias (atuais ilhas Molucas), o que veio mais tarde a acontecer, navegando rumo a oeste, sob a bandeira da coroa espanhola. Consta que os primeiros europeus a visitar Mindanau descreveram esta ilha como tendo sido o Paraíso descrito na Bíblia. Pelo menos é o que narra o escritor filipino Reuben R. Canoy, no seu livro “The History of Mindanao – vol. 1” (International School Press – Cagayan de Oro City – 2003). Ainda de acordo com este autor, Mindanau encontra-se fora da chamada faixa onde ocorrem tufões e tem um clima suave e calmo ao longo de todo o ano. Ao contrário do que acontece nas províncias de Luzon e Visayas, mais a norte, a inexistência de estações seca e de chuvas pronunciadas e a não ocorrência de cheias periódicas fazem desta ilha um lugar ideal para todos os tipos de agricultura (“Lying well outside the so-called typhoon belt, Midanao has the advantage of mild and even climate all year round. Unlike Luzon and Visayas, it has no pronounced wet and dry seasons and no periodic floods, making Mindanao an ideal place for all kinds of agriculture.”). Entre o equador e 10 graus norte (ou 10 graus sul, no hemisfério sul), a chamada força de Coriolis é fraca, o que tem como consequência formarem-se relativamente poucos ciclones tropicais nestas regiões, diminuindo essa possibilidade à medida que a latitude baixa. A força de Coriolis é uma força fictícia que ajuda os físicos a descreverem a razão pela qual a rotação da Terra provoca um desvio no trajeto das partículas de ar, ou seja do vento. O ar que se aproxima de uma depressão, vindo de zonas de pressão mais alta, devido à rotação da terra sofre uma deflexão para a direita no hemisfério norte e para a esquerda no hemisfério sul. Sendo a força de Coriolis função do seno da latitude, isto implica que esta força seja tanto mais fraca quanto mais próximo se estiver do equador, anulando-se completamente na latitude zero. Assim se pode explicar a razão pela qual raramente os ciclones tropicais se aproximam do equador e nunca nenhum destes fenómenos meteorológicos ter passado do hemisfério norte para o hemisfério sul ou vice-versa. O desvio da trajetória do ar faz com que este circule no hemisfério norte, em torno das depressões, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e, no hemisfério sul, no sentido do movimento dos ponteiros. Em termos estatísticos, a formação dos ciclones tropicais no Pacífico Norte Ocidental situa-se na região a oeste das Ilhas Marianas, entre estas ilhas e as Filipinas, nas vizinhanças da latitude 16 graus norte e longitude 137 graus leste. Em geral os ciclones tropicais, no Pacífico Norte Ocidental, ao se formarem têm inicialmente um percurso de leste para oeste ou oeste-noroeste, afastando-se do equador, afetando frequentemente as partes central e norte das Filipinas, curvando em seguida para norte e noroeste em direção à costa chinesa. Por vezes curvam mais cedo podendo atingir a Península da Coreia e o Japão, não afetando as Filipinas. Outras vezes, menos frequentemente, a sua trajetória mantém-se quase com a mesma latitude, em direção à ilha de Hainan e Vietname. No Pacífico Norte Ocidental e no Mar do Sul da China ocorrem anualmente, em média, trinta ciclones tropicais, incluindo nesta designação as tempestades tropicais, tempestades tropicais severas e tufões, vinte dos quais atingem as Filipinas, sendo este país o mais afetado por este tipo de fenómenos. Não é correto afirmar que as Filipinas são anualmente fustigadas por vinte tufões, como se lê por vezes nos meios de comunicação social, na medida em que neste número estão incluídos não só tufões, mas também tempestades tropicais e tempestades tropicais severas. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) estabeleceu uma classificação destes fenómenos em função da velocidade do vento persistente próximo da sua parte central. No seu início designam-se por depressões tropicais quando o vento é inferior a 34 nós (63 km/h). Neste estádio de evolução ainda não se lhes é atribuído nome próprio, o que só acontece quando o atinge a classificação de tempestade tropical (tropical storm), ou seja, quando o vento atinge valores de 34 a 47 nós (63-87 km/h). A intensidade a seguir corresponde a tempestade tropical severa (severe tropical storm) quando o vento é de 48 a 63 nós (88 a 117 km/h), e atinge a classificação de tufão quando o vento igual ou é superior a 64 nós (118 km/h). Independentemente da OMM, alguns países e regiões, como por exemplo a China (incluindo Hong Kong e Macau), quando o vento é de 81 a 99 nós (150-184 km/h) o fenómeno passa a designar-se por tufão severo (severe typhoon) e para ventos iguais ou superiores a 100 nós (185 km/h) passa a designar-se por super-tufão (super typhoon). Os Estados Unidos e o Japão não seguem exatamente esta classificação. No caso dos EUA, no Pacífico Norte Oriental e no Atlântico Norte a designação de tufões não é aplicada, mas sim furacões (hurricanes), os quais são classificados de acordo com a escala Saffir-Simpson que consta de cinco categorias (Categoria 1: 64-82 nós; Categoria 2: 83-95 nós; Categoria 3: 96-113 nós; Categoria 4: 114-135 nós; Categoria 5: superior a 135 nós). Contrariando o otimismo do escritor Reuben R. Canoy, em dezembro de 2011 formou-se uma depressão tropical em latitudes relativamente baixas, a sueste das Ilhas Yap, que atingiu o grau de tempestade tropical severa, com a designação internacional de Washi (chamada Sendong nas Filipinas). Apesar de não ter atingido a classificação de tufão, esta tempestade afetou violentamente Mindanau, causando cerca de duas mil vítimas, entre mortos e desaparecidos. Os avisos de tempestade emitidos pelos serviços de meteorologia (Philippine Atmospheric Geophysical and Astronomical Services Administration – PAGASA) não tiveram o devido eco nas autoridades e populações locais, as quais os subestimaram devido ao facto de haver a crença, nessa altura, de que Mindanau raramente era afetada por tempestades deste tipo. Os habitantes das regiões abrangidas pelas bacias dos rios Cagayan de Oro e Mandulog, na madrugada do dia 16 de dezembro, foram apanhados de surpresa pelas enxurradas causadas pela intensa precipitação. Numerosas habitações precárias, construídas nas margens destes rios, assim como veículos e todo o tipo de destroços, foram arrastados para o mar. No ano seguinte (2012), também em dezembro, Mindanau voltou a sofrer as consequências de um ciclone tropical, desta vez o mais forte de sempre a atingir esta ilha, o tufão Bopha (com a designação local de Pablo), o segundo mais intenso que até à presente data (agosto de 2019) atingiu as Filipinas. Em janeiro de 2014 Mindanau voltou a ser fustigada por mais uma tempestade tropical, designada por Lingling, que causou deslizamentos de terras e inundações. Apesar de não ter atingido a classificação de tufão causou cerca de setenta vítimas mortais. Mais uma vez, em dezembro de 2017, Mindanau voltou a ser afetada por uma tempestade tropical designada por Tembin (Vinta nas Filipinas). Apesar de só ter atingido a categoria de tufão após ter passado por Mindanau, causou estragos significativos nesta ilha e mais de duzentos mortos, tendo mesmo afundado um ferry devido à forte agitação marítima. Na verdade, a Ilha de Mindanau, devido à sua baixa latitude (aproximadamente entre 6 e 10 graus norte), é menos frequentemente afetada por ciclones tropicais que as regiões central e norte das Filipinas. Porém, se o livro “The History of Mindanao” tivesse sido escrito atualmente, provavelmente o seu autor não afirmaria que a ilha estava fora do “typhoon belt”, nem que poderia ser considerada um paraíso. Há uma certa tendência para justificar estes fenómenos extremos como uma consequência do aquecimento global. É uma realidade que este aquecimento se tem vindo a acentuar desde o início da era industrial, mas não há a certeza absoluta de que a causa seja essa. No entanto, há grande probabilidade que assim seja, pelo que os governos deverão estar cada vez mais atentos a este tipo de fenómenos e, já que não se podem evitar, se tomem medidas de mitigação das suas consequências e de adaptação. Voltando ainda à comparação de Mindanau com o paraíso terrestre, feita pelo autor da “The History of Mindanao”, mesmo que assim fosse em termos climáticos, de beleza paisagística e de amabilidade do seu povo, não o seria devido à ocorrência de atos esporádicos de terrorismo. Para ilustrar esta realidade pode-se mencionar o facto de não nos ter sido permitida a deslocação à cidade de Iligan, em abril de 2012, aquando de uma missão do Comité dos Tufões para a avaliação dos danos causados pela tempestade severa Washi, por razões de segurança. Lembro-me também de ter ficado surpreendido ao ler num jornal de Cagayan de Oro City, em língua inglesa, o anúncio de que era proibido aos motociclistas o uso de capacete. A razão era a de que vários atentados haviam sido cometidos por bombistas conduzindo motas…
Hoje Macau EventosNavios-escola de Portugal e Espanha repetem viagem de circum-navegação de Magalhães [dropcap]P[/dropcap]ortugal e Espanha apresentaram ontem o programa de acções conjuntas para comemorar os 500 anos da primeira volta ao mundo, da qual faz parte uma viagem de circum-navegação pelos navios-escola “Sagres” (português) e “Juan Sebastián Elcano” (espanhol). O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e a vice-primeira-ministra espanhola, Carmen Calvo, fizeram ontem em Madrid uma primeira apresentação das comemorações da viagem “comandada” pelo português Fernão da Magalhães e “finalizada” pelo espanhol Juan Sebastián Elcano entre 1519 e 1522. “A expedição foi organizada e financiada pelo Reino de Espanha e concebida e proposta por um navegador português, Fernão de Magalhães”, explicou Santos Silva. O responsável português sublinhou que cada país terá de “interpretar e valorizar a viagem à sua maneira”, sem fazer qualquer referência à polémica inicial, já ultrapassada, quando a imprensa de direita espanhola acusou Portugal de estar a promover uma candidatura unilateral, junto da UNESCO, da viagem de circum-navegação do globo a património da humanidade. “Esta expedição poderia ser considerada como o primeiro grande feito de globalização do nosso planeta”, consideram os Governos português e espanhol numa declaração publicada. A viagem de circum-navegação da rota de Magalhães-Elcano, a empreender entre 2020 e 2021 pelos navios-escola dos dois países é uma das acções previstas no programa que também inclui a candidatura da viagem a Património Mundial da Humanidade “promovida conjuntamente por Portugal e Espanha, juntamente com os demais países da Rota”. Para o ministro dos Negócios Estrangeiros, “talvez a actividade que marque mais plenamente o significado desta associação entre” os dois países ibéricos seja a conferência internacional “Oceanos, Conhecimento e Globalização” que terá lugar em Portugal e Espanha no primeiro trimestre de 2021. “A ideia é simplesmente aproveitar-se da circum-navegação como fonte de inspiração para pensar, hoje, o futuro dos oceanos e o futuro da globalização”, considerou Santos Silva, acrescentando que se pode e deve “interpretar Magalhães e Elcano como ponto de partida para pensar a regularização da globalização e o aproveitamento cooperativo e sustentável dos recursos comuns da Humanidade”. Uma exposição itinerante organizada pelos Ministérios da Cultura dos dois países, a co-produção de uma série televisiva, a elaboração de um estudo sobre a “Projecção mundial do espanhol e do português” e a apresentação de uma Declaração dos Ministros da Cultura da União Europeia sobre o significado da circum-navegação são outras acções apresentadas. As embaixadas de Portugal e de Espanha também vão coordenar a organização de actividades conjuntas nos países da Rota de Magalhães-Elcano: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Filipinas, Brunei, Indonésia, Timor-Leste, Moçambique, África do Sul e Cabo Verde. A participação de Portugal como país convidado na Feira do Livro de Sevilha de 2019 – 23 de Maio a 2 de Junho – subordinada ao tema “Lendo vou, viajando venho” também faz parte das comemorações. “A nossa ambição é que o mundo entenda que há 500 anos um conjunto de homens valentes” fez esta viagem, disse a vice-primeira-ministra espanhola, Carmen Calvo, que também fez referência ao programa do país para as comemorações com “193 actividades”. O programa de acções conjuntas do V centenário da viagem de circum-navegação complementa os programas nacionais que já foram apresentados por Portugal e por Espanha. Nas actividades espanholas destaque para palestras na Sociedade Geográfica de Lisboa, um colóquio sobre literatura de viagens e vários concertos, em Lisboa e na Universidade de Coimbra. A companhia aérea nacional espanhola Iberia também irá baptizar com o nome de Juan Sebastián o próximo avião A350 que receber, mantendo ele essa designação até 2022. Pelo lado de Portugal está previsto, entre outras acções, a construção de uma réplica das naus que constituíram a esquadra de Fernão de Magalhães, a reedições de livros e cartas náuticas, mapas, como o Planisfério de Cantino (1502), conferências científicas e seminários temáticos. Augusto Santos Silva e Carmen Calvo vão repetir a apresentação das comemorações conjuntas esta tarde em Lisboa.