Sandy Leong Sin U expõe trabalhos no Café Terra

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Café Terra, localizado perto do Teatro D. Pedro V, acolhe até ao próximo dia 25 de Janeiro uma exposição de uma artista local. “Miss” é o trabalho mais recente de Sandy Leong Sin U e estará exposto nas paredes do pequeno estabelecimento. Segundo um comunicado, a exposição “Miss” aborda as memórias de família da própria artista.

“‘Miss’ é um trabalho que serve de memória à avó de Sandy Leong Sin U, que faleceu há um ano. Através de uma mostra de recordações, roupas feitas à mão e mobílias que faziam parte da casa da sua avó, Sandy Leong Sin U pretende reflectir sobre o modo de vida nos anos 60 e 70 na China, com uma perspectiva histórica.”

Sandy Leong Sin U referiu ainda que os proprietários do Café Terra disponibilizaram o espaço e também assistência técnica para a exposição, além de terem feito ajustes “de acordo com o progresso do trabalho”.

A artista de Macau trabalha sobretudo ao nível de ilustração, instalação e desenho, tendo lançado, em 2015, a obra “Hey, Listen”, além dos trabalhos “If we think our world is…” e “Relationship”.

Esta não é a primeira vez que o Café Terra mostra uma ligação ao meio artístico e até musical. Recentemente o espaço serviu de palco a um concerto de jazz, promovido pela Associação Promotora de Jazz de Macau. Já foram também expostas fotografias de Wong Wang Lap, actualmente a estudar em Londres, Reino Unido.

“Há cada vez mais colaboração entre cafés e artistas locais, e cada vez mais cafés estão a tornar-se em plataformas para novos artistas mostrarem o seu trabalho”, apontam os responsáveis do Café Terra.

6 Jan 2017

Hugo Teixeira, fotógrafo | O bambu e os mestres

No próximo dia 13 é inaugurada a exposição “Transcience: Daredevils and Towering Webs”, um conjunto de fotografias que retratam andaimes de bambu e os mestres que os montam, pela lente de Hugo Teixeira, na sua primeira exposição em Macau. O HM foi falar com o homem atrás da câmara

O que podemos esperar desta exposição?
Podem ver cianotipia e ambrotipia, são os dois processos de fotografia que prefiro usar. Na cianotipia tiro fotografias num tom azul sob papel de aguarela, que é um processo antigo, enquanto a ambrotipia é fotografia a preto e branco sobre vidro. São ambos processos do século XIX. As cianotipias são imagens de diversos edifícios em Macau cobertos por andaimes em bambu, um projecto que comecei há algum tempo só por interesse pessoal. Depois, a ambrotipia são retratos dos mestres que montam esses andaimes em bambu. A ideia foi unir os dois processos num mesmo tema mas, ao mesmo tempo, ter duas vertentes diferentes para se poder perceber o valor e as diferenças entre ambos.

De onde veio a ideia de fotografar andaimes?
Quando cheguei a Macau adorava andar pela cidade, perdia-me durante horas. Vivo aqui há seis anos. Quando cheguei houve diversos temas que me interessaram, que me chamaram a atenção e que comecei a fotografar, só por brincadeira. Depois, mais tarde, explorei com tempo e cuidado. Os andaimes foi um tema que permaneceu até hoje, e que acabou por interessar o João Ó, que me convidou para fazer uma exposição. Ele também trabalha em bambu, fez várias instalações e estruturas com esse material. Foi um tema em que pude ligar os dois processos fotográficos, no fundo, a fotografia que eu gosto de fazer.

Como começa o seu interesse pela fotografia?
Comecei por roubar a máquina da minha mãe, tirar umas fotografias e depois levar nas orelhas por cortar cabeças, pernas, etc. Mais tarde, fui atraído pela tecnologia. Tinha um amigo que comprou uma daquelas primeiras máquinas automáticas, DSLR. Gostava de ver como aquilo funcionava. Foi um interesse partilhado com outros amigos, isto com 17, 18, 19 anos, e começámos a fotografar como hobby. Nesse tempo, claro, ainda analógico, o digital ainda estava a começar, mas foi aí o princípio.

O gosto aprofundou-se…
Depois de acabar o curso universitário fui para Portugal e interessei-me mais pelo lado de fotojornalismo e da fotografia documental. Nos Estados Unidos tinha começado o curso de Belas-Artes, mas depois vi que não teria emprego, e virei-me mais para a linguística. Fui criado com duas línguas e tinha o interesse por línguas e comunicação. Quando fui para Portugal, fiz o curso de fotojornalismo e fotografia documental na ETIC e depois vim para a China. Comecei a explorar temas de uma forma mais documental, mas ficou-me o interesse por estes processos antigos que aprendi nas Belas-Artes. Tinha um professor que até o papel produzia, fazia as fotografias de raiz. Naquela altura fiquei curioso, mas acabei por não explorar logo as técnicas. Aí fazia mais fotografia a preto e branco, papel, mais tradicional. Mas aquilo ficou.

Alguma ideia porquê?
Estas técnicas antigas já tinham sido a última tecnologia de há muito tempo. Gosto da ideia de pegar numa tecnologia ultrapassada e explorá-la como alternativa.

Curiosa forma de viver a fotografia na era do Instagram.
O Instagram, as selfies, toda essa cultura não me parece que tenha vindo substituir nada do que era feito antes, mas é uma nova vertente. Pessoalmente não me interessa, não gosto muito de partilhar nas redes sociais, mas aprecio como outro meio, outra opção.

Quais são as suas principais influências?
Toda a escola de Dusseldorf, adoro tipografias, repetir o mesmo tema para explorar uma estrutura. Ultimamente, Mark Klett e Trudy Smith. Eles começam do arquivo fotográfico e tentam colocar essas imagens no contexto contemporâneo. O Mark, por exemplo, fez um grande trabalho com fotografias de arquivo de São Francisco em 1906, depois do grande terramoto que destruiu a cidade. Depois fotografou os mesmos locais em 2006, um século depois. Trudy fotografa temas mais sociológicos. Gosto muito do trabalho que fez sobre a forma como se criou a identidade canadiana. Partiu daquelas primeiras imagens dos territórios não povoados, novos territórios recém-colonizados do Canadá.

As suas influências são só fotógrafos?
Não, também cineastas, como por exemplo Wes Anderson. Gosto daqueles enquadramentos direitinhos, tudo muito simétrico, de frente, ou de cima. Os andaimes em bambu são estruturas grandes, muito simétricas. É uma forma diferente de olharmos para os edifícios, são coisas muito temporárias, mas permitem-me focar-me apenas na forma, em vez de ser o edifício tal, ou a igreja tal. Fica simplesmente a forma, depois resta-me procurar um ângulo que permita captar aquele retrato do edifício. Acho um desafio interessante.

Como é o seu processo criativo?
Por exemplo, quando vou a caminho do trabalho, dou uma volta a pé, vejo uma coisa e capto com o telefone. Ah, porque eu sou professor de Inglês, trabalho no Instituto de Formação Turística, já estive no Politécnico, no Externato de São José. A fotografia sempre foi um hobby. Mas gosto de andar e procurar coisas para fotografar, excepto no Verão, em que não dá para andar por aí com a máquina. Depois volto, com mais tempo, porque estou a fotografar com máquinas de grande formato. Normalmente, cativam-me estruturas, enquadramentos, não sei por que me chamam a atenção, mas há algo diferente a que quero voltar, que quero ver com mais cuidado. Primeiro ando à procura dos ângulos certos, como são edifícios enormes, para variar o ângulo, por vezes tenho de me deslocar um quilómetro. Depois volto com a máquina, com o filme, com tripé, e capto quatro ou cinco fotogramas. O passo seguinte é ir para casa revelar, tentar não deixar cair os negativos no meio do chão, tentar não abrir a máquina com as luzes ainda acesas. Metades das vezes tenho de voltar e fotografar outra vez (risos). Depois da revelação vem a digitalização. Grande parte das imagens que vou mostrar já tirei há um ano ou dois. Vivo algum tempo com as imagens, depois faço ampliações digitais sobre acetato, assim como algumas pequenas provas para ver se realmente resulta. Só posteriormente é que faço o formato maior.

E o retrato dos mestres de bambu?
A ambrotopia teve um processo completamente diferente. Convidámos os mestres lá para minha casa, para o terraço. Foi um processo mais simples, fiz uma ou duas imagens, eles perderam a paciência e foram-se embora. Fica aquilo, porque uma imagem é final, é o positivo sobre vidro. Digitalizei mais tarde porque aquilo ainda leva verniz. É um processo mais rápido. Na cianotipia faço grande, depois repito três, quatro vezes até acertar o contraste.

Como surgiu esta oportunidade de retratar os mestres?
Os retratos foram com a ajuda do João Ó, que é o curador da exposição. Ele trabalha já há algum tempo com os mestres do bambu, inclusive convidou alguns para ir a Portugal montar bambu no Museu de História Natural e Ciência de Lisboa. Aproveitei esses elos que ele estabeleceu para fazer a parte dos retratos. Nós partimos da ideia de querer mostrar os processos, não queria apenas mostrar fotografias aleatoriamente. Peguei nos edifícios que já tinha fotografado há algum tempo e tentei com a ambrotipia. Acho que retrata as pessoas de uma forma muito interessante, muito diferente. Como o João já tem estas relações estabelecidas, aproveitámos para convidar os mestres para irem lá a casa. O processo demorava muito tempo, e nalguns casos os senhores já tinham alguma idade, eram reformados, mas porque um amigo de um amigo convidou, eles apareceram. Fazia uma imagem, revelava, e eles perguntavam: ‘Está tudo bem, posso ir embora?’, ‘Pode ir embora, muito obrigado senhor Ho’. Outros que conheciam melhor o João ficavam. Bebiam umas cervejinhas, fumavam um cigarrinho e conversávamos um pouco. Mas foi o João que permitiu fazer a ligação. Porque eu, embora esteja cá há seis anos, não falo chinês para poder estabelecer aqueles elos.


As teias e os mestres

O nome da exposição é “Transience: Daredevils and Towering Webs”, e estará patente na Taipa Village Art Space, entre 13 de Janeiro e 31 de Março. Usando técnicas que remontam ao séc. XIX, o luso-americano Hugo Teixeira foca uma das características de Macau: os andaimes de bambu que enchem a cidade, assim como os mestres que os construíram. As estruturas assemelham-se a gigantescas teias, e são o suporte das aranhas que ousam desafiar a gravidade para construir os prédios de Macau. Também os mestres que montam estas estruturas foram alvo da lente de Hugo Teixeira, em retratos com uma força que só uma técnica cuidada consegue captar.

5 Jan 2017

Clube Militar | Fim de ano assinalado com mostra de arte colectiva

A partir de hoje, o Clube Militar recebe uma exposição dedicada aos artistas locais. São 36 obras que representam o momento presente de cada um dos convidados num conjunto, que, pela sua diversidade, congrega a essência de Macau: a miscigenação

 

[dropcap style≠’circle’]“S[/dropcap]alão dos Artistas de Macau” dá nome à exposição que é inaugurada hoje na Galeria Comendador Ho Yin, no Clube Militar. José Duarte, curador do evento, referiu ao HM que a ideia é “aproveitar o final do ano e o aniversário da transferência de administração para apresentar uma amostra dos artistas locais”.

Integram a iniciativa artistas, na maioria de Macau, mas que podem ter nascido na China, Portugal ou outros países, desde que sejam residentes do território. No total são 36 nomes que deram corpo a igual número de obras. “Procurámos conversar com os artistas para que escolhessem e sugerissem uma obra ou um conjunto de trabalhos dos quais pudesse sair um projecto que, de algum modo, representasse a fase actual em que estão ou que para eles fosse particularmente significativa”, explicou o curador. Daí resultaram os trabalhos que vão estar até 6 de Janeiro em exposição.

Os criadores têm as mais variadas influências: “Vêm da pintura tradicional chinesa, pintura contemporânea moderna e caligrafia. É, por assim dizer, uma amostra do trabalho criativo que se faz no território no domínio da pintura, do desenho e da caligrafia”, referiu José Duarte.

A principal intenção foi não ceder a separações pelo que, ao longo da exposição, “se passa, facilmente, de um quadro de pintura tradicional para um outro abstracto e essa é também um experiência que pode desafiar sentidos e sensibilidades”.

José Duarte não deixa de sublinhar a miscelânea que caracteriza a arte que se faz, neste momento, em Macau. Os artistas foram convidados pela Associação de Promoção de Actividades Culturais (APAC), entidade organizadora, e José Duarte considera que “esta é uma oportunidade de ver que existe criatividade e grande diversidade de ideias no panorama artístico local”. “A arte em Macau se calhar está mais viva do que se possa, por vezes, pensar”, considerou.

Décadas de criação

As obras são de autores que vão dos 21 aos 76 anos. “Apanhamos 55 anos de criação. Se olharmos para os artistas mais velhos podemos ver uma influência das matrizes mais tradicionais chinesas e que é quebrada, aqui e ali, por artistas que são residentes, mas que não nasceram cá”, referiu o curador.

Por outro lado, a faixa mais jovem caracteriza-se por uma maior diversidade técnica. “Nalguns casos são usadas técnicas tradicionais para temas contemporâneos ou abstractos e, noutros, reflectindo a sua própria matriz cultural, os artistas utilizam técnicas da tradição ocidental.”

Esta é uma exposição que reflecte muito daquilo que é a singularidade de Macau porque “temos jovens chineses a trabalhar com técnicas e simbologias que vêm do Ocidente e isso só acontece por causa desta mistura”. “Também temos o contrário e Rui Rasquinho é um bom exemplo disso”, ilustrou José Duarte.

Para o curador, o “Salão dos Artistas de Macau é uma rapsódia”. Por isso mesmo, “é uma exposição para se ver com algum tempo”. “Tem mudanças de quadros de referência e tonalidades e precisa do seu processamento. Em suma, é uma exposição para ser apreciada no seu conjunto e saborear nos seus detalhes”, explicou ao HM.

Através desta mostra é possível ver que existe crescimento e amadurecimento da arte em Macau. No entanto ainda há um caminho a percorrer em que “o mercado da arte ainda é limitado”. Não é viável pensar num mercado que dependa apenas do financiamento público. José Duarte recorre às regiões vizinhas para ilustrar que a dinâmica da arte existe. “Se olharmos para as regiões próximas de Macau constatamos que existe movimento e que as pessoas vêm as obras e compram. Esta componente civil da arte em Macau ainda está um pouco ausente, mas penso que existem sinais positivos de que também vamos nesse caminho. É preciso ver para se querer comprar”, considerou.

A inauguração do “Salão dos Artistas de Macau” tem lugar às 18h e conta com entrada livre.

16 Dez 2016

Creative Macau com exposições em dose dupla

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma escultura feita pelo público e concebida por Geralde Estadieu e uma mostra da cerâmica de Kristina Mar são as exposições que a Creative Macau propõe a partir de hoje. O caractere de pessoa – 人 - vai ser produzido com peças impressão em 3D e a ceramista vai mostrar a imperfeição.

Geralde Estadieu é o autor da exposição interactiva que estará aberta à apreciação e participação do público a partir de hoje na Creative Macau. A ideia é a construção do caractere 人(ren), que significa pessoa, com peças impressas em 3D. “Uma ideia que junta o criador e o público num projecto comum”, explicou o autor ao HM.

“A ideia de produzir este caractere numa escultura de grande dimensão e totalmente feita com peças impressas ‘in loco’ partiu de uma iniciativa de Maio do ano passado também aqui em Macau. Foi a primeira vez que o público foi convidado a ver o processo de produção e a Creative acabou por me convidar a fazer um projecto”, referiu Geralde Estadieu.

Chegar à ideia de pessoa não foi complicado. O autor queria, acima de tudo, “uma coisa simples e directamente relacionada com a cultura chinesa”. Por outro lado, é um caractere que, pela sua forma, pode facilmente ser associado ao Homem e entendido pela maioria das pessoas de Macau. “Pode ser reconhecido por chineses e por outras comunidades que também vivem cá. A própria forma remete para o ser humano, o que ajuda muito e faz com que as pessoas se identifiquem.”

O objectivo era ainda aliar a criatividade que está implicada num processo de produção artística à tecnologia, e o 人 expressa isso mesmo: “a relação entre humanos e produção de ponta”.

Paralelamente à unicidade de cada ser humano, cada peça será única na forma e no tamanho. “Outra característica para conferir o caractér único de cada um é a possibilidade que o público vai ter de, se quiser, personalizar as peças com que vai construir o caractere. Estamos a gerar um padrão em que cada peça é única, assim como cada humano o é. Como tal, cada pessoa que participar, pode decorar a peça como bem entender”, explicou o artista e criador ao HM.

A apresentação começa com peças previamente impressas, mas a ideia é manter o produção enquanto a escultura ganha forma. A instalação estará em construção até o próximo dia 30, sendo que o autor prevê que a forma final seja concluída no Natal.

O regresso da imperfeição

A exposição de Kristina Mar vai decorrer em simultâneo na Creative Macau. Para a directora da organização, Lúcia Lemos, faz sentido ter estes trabalhos ao mesmo tempo. “Ambas são construções e ambas têm um cariz artesanal” disse ao HM.

“Tanto na escultura em 3D como nas peças da Kristina Mar, os trabalhos partem do nada e é possível perceber, de formas diferentes, a sua construção”, sendo que, apesar de as peças de cerâmica não serem produzidas ao vivo, o seu carácter artesanal está presente”, concretizou a directora.

Kristina Mar é ainda destacada por Lúcia Lemos pela sua insistência na mostra da imperfeição. “O trabalho dela deixa visíveis as falhas, as quebras, as imperfeições, para que a própria peça possa respirar porque a artista quer que a cerâmica fale por si.”

 

15 Dez 2016

A Grande Festa: Pequeno guia prático para o Spectaculum

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá patente na sala maior de exposições temporárias do Museu de Arte de Macau uma mostra chamada Ad Lib, de Konstantin Bessmertny.

Independentemente da etimologia latina e da linguagem musical, Ad Lib representa a convergência dos discursos plásticos e da criatividade patente num autor proveniente da escola russa de pintura.

Porém, para saber é necessário aprender. Depois, opera-se a decantação do aprendido, eliminando o excesso, para que, então, se possa partir para o caminho da identidade e afirmação artística.

Se tivesse vivido na Paris dos finais do século XIX, talvez Konstantin tivesse uma atracção idêntica a Degas ou a Toulouse-Lautrec. Como vive em Macau, é aqui que encontra inspiração para a elaboração de algo que apetece chamar de Espectáculo, para um olhar sobre alguns espectáculos da vida.

Esta não é uma instalação nem uma mera exposição de pintura. É, antes do mais, a apropriação e um retrato plural denotativo de todos os elementos da realidade, com a capacidade de recuperar toda a envolvência para a sua/nossa festa.

Espectaculum vem do latim spectare, ver, e de specere, olhar, e aí caímos no caminho também desejável da semiótica que Konstantin nos oferece. Entre o olhar e o ver vai a distância dos signos.

A MORTE DA LIBIDO E O APETITE

O apetite é essencialmente insaciável e, quando opera como critério de acção e prazer (isto é, em todo o mundo ocidental desde o século XVI), infalivelmente descobrirá modos de expressão (mecânicos e políticos). Marshall McLuhan

Não sendo nem Degas nem Lautrec, afastadas as hipóteses de Bosch e Peter Breughel o Velho, resta admitir que Konstantin só pode ser ele mesmo, elevado à potência que a ele próprio se conferiu nesta exposição.

Entre o Spectaculum e a Grande Boeuffe que é este evento, sente-se patente a libido criativa do artista, que aborda a carne como carne, liquidada que está a subtileza da sensualidade e do erotismo para apenas ficarem mulheres reduzidas a figurantes, que assim os homens querem e anseiam ter à disposição para consumo, sem preliminares que desconhecem, bem como cenas onde a boçalidade e o burlesco presidem. Há, nestes mundos retratados por Konstantin Bessmertny, um apetite insaciável, um elogio à ganância das sensações e à gula dos momentos.

Estas grandes pinturas, não no tamanho mas sobretudo no alcance, de escárnio e sarcasmo, retratam o grotesco e o trágico social, oriundas de uma imaginação toda ela alimentada pelo impenitente e impertinente olhar de Konstantin Bessmertny.

A KINETOGRAFIA E A PINTURA

Em formato panorâmico, Konstantin apresenta uma série de pinturas nas quais transporta para a tela cenas do grande écran e onde introduz subtítulos, mais uma vez provocatórios e inteligentes, intervindo na simulação de uma outra linguagem através da sua.

Artur Bual, quando nos finais dos anos 1960 profetizou que a linguagem do futuro seria o cinema, estaria muito longe de imaginar que hoje qualquer um pode filmar com um telemóvel. Todo o passado converge, assim, para esta interpretação do fotograma, congelamento do kinético, afirmação profética de inquestionáveis e inconvenientes verdades.

É neste constante deambular, nestes saltos entre temáticas onde reside a irrequietude de um espírito culto, lúcido e, consequentemente, crítico, escondido sob a aparente paródia dos excessos e dos gostos kitsch, que emerge o confronto entre a(s) obra(s) e o público, aqui mais habituado ao culto do politicamente inócuo, esse sim, por omissão, ignorância ou auto-censura, falhado.

ASSAMBLAGES

Assambler, juntar, junta. Não de bois, mas do carro outrora de luxo que, para além de objecto recuperado e de desfile de ostentação, nos remete para aquilo em que se tornou: carcaça ferrugenta, passeando cacos de gesso clássico, memórias de outros séculos.

Mais além, um escocês funde-se com um samurai, de mergulho, operando-se a fusão do absurdo, metáfora outra que mereceria mais do que provocar riso ou estupefacção. A arte com conteúdo, perdoe-se-me a redundância, é em si uma afirmação a ser degustada, analisada, reflectida.

VICTORIA, BAKUNIN E RASPUTIN

Três grandes retratos ocupam uma parede da sala de exposições. A rainha Victoria apresenta pechisbeques, unhas de silicone na mão direita, e um sem número de condecorações, cada uma delas merecedora de análise. O olhar deve percorrer toda a tela, porque a cada centímetro quadrado se depararão insólitas surpresas.

E se este retrato é assim, os de Bakunin e Rasputin devem merecer o mesmo escrutínio.

Konstantin Bessmertny estabelece, com esta exposição, um marco na História da arte de Macau difícil de igualar. Na sua mostra estão contidos todos os ingredientes para uma análise e crítica dos costumes que por aqui e em toda a parte reflectem uma porção da natureza do ser humano.

LER ENTREVISTA COM KONSTANTIN BESSMERTNY
15 Dez 2016

Eric Fok | Exposição recorda passado de Nam Van

 

Depois de “Paradise 20”, Erik Fong inaugura hoje o seu novo projecto. “Tempos de Mudança” é um conjunto de oito desenhos que ilustram a história do porto que um dia existiu em Nam Van

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista plástico de Macau Eric Fok volta a pegar em imagens do passado para que a memória não se perca. Desta feita, resultou “Tempos de Mudança”, o projecto que dá nome e conteúdo à exposição que é hoje inaugurada na Galeria do IFT, nas margens do Lago Nam Van. Os oito trabalhos que integram a colecção utilizam o desenho para mostrar a história da zona onde estão exibidos.

A opção por recordar o passado do lago que, um dia, foi baía e porto é explicada ao HM por Eric Fok como sendo a forma de manter as representações históricas que têm vindo a marcar o seu trabalho e alertar para a importância da história dos lugares de hoje. “Sendo a exposição na zona de Nam Van, onde fica situada a galeria, esta pode ser uma forma de fazer recordar ao público a história daquele local que, por vezes, parece estar esquecida”, observa.

“No passado, Nam Van era um porto muito importante, e marca o ponto de chegada do missionário italiano, Matteo Ricci. Aqui, o tema principal é mostrar, a partir da história e da sua representação, Macau e as mudanças que o território tem sofrido”, reitera o artista.

Do real ao imaginário

Através do desenho, Eric Fok sai agora de um conceito mais realista para dar lugar à representação da imaginação. “Apesar de serem trabalhos que reflectem a história de Macau, ao contrário dos projectos que tenho desenvolvido e que se caracterizam por uma representação aproximada da realidade, neste permiti-me deixar espaço para a imaginação”, explicou ao HM.

Eric Fok realça ainda a imaginação do público e o seu papel na interactividade com os trabalhos que podem ser vistos. “É um conjunto de desenhos que, além de darem lugar ao meu imaginário, têm espaço para que os espectadores possam pensar no que se passou naqueles lugares e situações históricas”.

Também a marcar a diferença com os trabalhos anteriores é o recurso a alguns elementos religiosos. Para o artista, “o passado, as memórias e a religião podem juntar-se e em ‘Tempos de Mudança’ e a escolha recaiu em apontamentos que abordam Adão e Eva”.

Eric Fok nasceu em Macau e licenciou-se em Artes Visuais pelo Instituto Politécnico de Macau. “As suas obras são caracterizadas por um trabalho meticuloso que integra mapas antigos e novas construções criadas com recurso à caneta técnica. O resultado é uma combinação entre tradição e modernidade”, lê-se na biografia do artista.

Alguns dos seus trabalhos já foram exibidos na Bologna Illustration Exhibition – Bologna Children’s Book Fair (2013), no Art Nova100 of China, na Art Revolution Taipei (2014). Erik Fok foi ainda o vencedor do segundo Prémio Fundação Oriente Artes Plásticas. Há obras suas na colecção do Governo, do Instituto Cultural, da Fundação Oriente e também em colecções privadas em Las Vegas, Itália, Reino Unido, Singapura, Macau e Hong Kong. A exposição é inaugurada hoje às 18h e conta com entrada livre.

 

14 Dez 2016

Omar Camilo, artista plástico: “Já conheço Cuba, não preciso voltar atrás”

É uma das virtudes de Cabo Verde: a pureza das coisas. Omar Camilo é um cubano que prefere não falar de Havana porque, diz, escolheu a Cidade da Praia e é sobre ela que pinta. “Alma” é uma exposição em que também há fotografia e é a razão que o trouxe a Macau

[dropcap]O[/dropcap] que poderemos esperar de “Alma”, a sua exposição na Casa Garden?
A sua pergunta inclui a resposta: a alma (risos). Há 15 anos que moro em Cabo Verde, que tem um magnetismo que fez com que ficasse lá. Conheço outros países, outros continentes, mas em Cabo Verde há um certo magnetismo, não sei se é do vulcão, das pedras. É um país tão simples, num século e tempo tão cheio de coisas, que acaba por ter essa simplicidade, do espaço, das suas gentes, dos seus percursos. Isso atrai-me e magnetiza. Escolhi ficar em Cabo Verde e apaixonei-me pela sua essência. Então a “Alma” é a apresentação da humanidade dessa raça cabo-verdiana, muito particular, que não é completamente africana, mas também não é completamente europeia. Cabo Verde é um arquipélago completamente fascinante pela sua múltipla identidade. Diria que são nove nações numa apenas. Há coisas que não se explicam, os sentimentos e as emoções não se explicam muito bem. Ou se gosta ou não se gosta.

E sentiu logo essa paixão por Cabo Verde.
Estava em Cuba, fui realizador, e já tinha ido a vários países. Já tinha ido a todo o mundo, Tóquio, Brasil, Chile. Tinha estado na Europa e regressei a Cuba. Houve uma delegação cabo-verdiana que foi a Cuba com o Presidente do país e mais ministros, e na agenda pediam um assessor de comunicação. Então estive um tempo em Cabo Verde, já com outro Governo. E fui. Apaixonei-me por Cabo Verde, por uma crioula, acabei a minha missão, fui a Cuba, fechei tudo, entreguei todos os documentos e voltei por minha conta. A primeira viagem foi em 2002, a segunda já foi em 2003. Cabo Verde mostrou-me outra faceta da minha arte, que eu não conhecia. Era realizador e poeta, e em Cabo Verde comecei a fazer fotos. Claro que o cinema tem uma componente de imagem, mas não me dedicava apenas a isso. Em Cabo Verde não havia e não há ainda um movimento de cinema, então parei. Pensei que já tinha feito cinema durante anos e que estava na altura de experimentar outra coisa. Fiz então fotojornalismo e fotografia artística. Trabalhei apenas para a Agência Lusa. Comecei a pintar, mas já pintava há 37 anos. Há seis anos isolei-me de tudo, parei de fotografar e dediquei-me apenas à pintura e à escrita. Às vezes escrevo livros de poesia ou pinto, ou então faço as duas coisas em simultâneo. Não coloco fronteiras entre uma arte e outra. Toda a arte é minha, sinto as coisas e faço. Aquele desenho [aponta para a parede], faz referência a um dos meus poetas preferidos…

Jorge Luis Borges.
Sim. Escrevo poemas meus sobre pintura e também escrevo e desenho sobre poetas que me tocam.

Nomeadamente Fernando Pessoa, com o quadro que mostrou há pouco.
Borges representa a minha anterior cultura e Pessoa representa a actual cultura. São dois elementos sólidos do meu conhecimento de letras. Conheço mais Borges, desde criança, e Pessoa só conheci há cinco ou seis anos. É fascinante.

omarcamilo_4_sofiamota

Nunca tinha lido antes?
Sim, li o “Livro do Desassossego”. Mas uma coisa é ler e outra é sentir. Fui muitas vezes a Lisboa, Portugal, na Rua Augusta, Bairro Alto, e uma coisa é ler, outra é andar por onde o poeta andou. Sentir um pouco a fome que ele sentiu, os pés cansados. A essência é uma coisa que não se explica, e aí começamos a apaixonar-nos e a entender. Sentir é o último estágio do conhecimento.

A exposição que vamos ver é então um pouco de tudo isso, dessas experiências desde que começou a pintar a tempo inteiro.
Não reduziria isso a um tempo. O que vamos ver na exposição é uma experiência dos últimos 52 anos. Vamos guardando coisas em várias gavetas e depois sai. Tudo passa por mim, a minha leitura do universo. A mostra que trago hoje é, na fotografia, a essência cabo-verdiana. O que eu acho que é o ser-se crioulo. Na pintura sou mais aberto, mais livre. Na fotografia, capto o que escolho, ângulos, luz. Na pintura sou livre. Toda a minha obra, fotográfica e de pintura, é património cabo-verdiano. A minha obra cinematográfica é de Cuba.

Artisticamente falando, porque não regressou a Cuba?
O mundo é muito grande e já conheço Cuba. Senti Cuba e falta-me conhecer muita coisa. Sempre tive o ponto fixo de morar em Cabo Verde, mas ainda não conheço a Índia, a China. Preciso de conhecer coisas que só conhecia de ler em criança, sempre fui muito curioso. Mas preciso de sentir, de tocar. Já conheço Cuba, não preciso de voltar atrás. Ninguém me perguntou onde queria nascer. A minha nação por naturalidade é Cuba, mas por escolha é Cabo Verde.

O que o fez sair de Havana? Sentia que artisticamente já tinha feito tudo?
Nunca se faz tudo. É impossível. Quem acha que já fez tudo é porque está morto, como ser humano e artista. Fui em trabalho para Cabo Verde e apaixonei-me pelo país.

Sentia-se realizado em Havana?
Não vou entrar por aí (risos). Vamos falar de Cabo Verde. Mas se me pergunta o que sinto em relação à morte de Fidel, respondo o seguinte: qualquer ser humano que morre no mundo é um pedaço do universo que morre. Não fico feliz pela morte de nenhum ser humano. Para mim todos os seres humanos têm o mesmo direito à vida, seja Fidel, um xeque árabe ou um menino libanês, sírio, um idoso africano.

E sobre o futuro de Cuba, que é também o seu país?
Vamos falar de Cabo Verde, e sabe porquê? Esse tema é tão atractivo que se entro por aí vou desviar as atenções. Fui convidado pela associação para mostrar a minha obra sobre Cabo Verde. Vamos esquecer que nasci em Cuba. Quero falar do imenso esforço que a Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana fez, porque se não fossem eles não estaria aqui. Tenho uma inexplicável gratidão por esta associação, não se explica. Sei o esforço que foi feito por todos. Um artista sozinho não é nada, se não há um transporte, um elemento que coloque a tua obra no lugar certo, não és nada.

Além de Borges e Pessoa, que outros escritores portugueses o fascinam?
Conheço as peças de teatro de Luís de Camões. Não conheço muitos escritores portugueses, apenas Pessoa e Camões. Já conheço Pessoa desde adolescente.

Pessoa representa toda a cultura portuguesa?
Para mim sim. Mas ainda não conheço muito para poder falar muito. Se me perguntasse sobre a cultura latino-americana, foram muitos anos… Só comecei a ter mais contacto nos últimos anos quando me isolei de tudo e comecei a pintar, porque antes tinha uma vida muito agitada, fazia fotografia, campanhas presidenciais, dava aulas na universidade. Mas foi uma escolha cara e radical.

Disse numa entrevista que paga caro por ser livre. Continua a pagar esse preço?
Continuo. O artista que decide ser apenas isso tem de ser muito individualista, marcar um território muito específico no tempo e espaço, renunciar a muitas características da vida mais convencional. Muitas vezes temos de renunciar à família, para mergulhar numa coisa é preciso fazer o foco nessa coisa. Há seis afastei-me, não definitivamente, de tudo e de todos. Claro que preciso do afecto, do amor sentimental, da família. Dei um espaço bastante egocêntrico em relação ao trabalho da arte, em prol do isolamento. Pinto e escrevo quase todos os dias, partilho da ideia de Ernest Hemingway, que dizia que “A inspiração passa quando estamos a trabalhar”. Obrigo-me a trabalhar. O tema da inspiração é uma justificação dos preguiçosos intelectuais. Para tudo é preciso disciplina, acordo cedo, bebo chá, faço exercício e depois escrevo e pinto. Tenho essa disciplina mas por prazer, não por obrigação.

omarcamilo_3_sofiamota

Disse que não há indústria do cinema em Cabo Verde. Não poderia regressar ao cinema e dar esse pontapé de arranque?
Para dar alguma coisa de mim, alguém tem de desejar isso. Acho que já respondi. Há um grupo de rapazes a começar a fazer coisas, com algum entusiasmo. Na vida há processos degrau a degrau. Já fiz cinema. Este artista, eu, é um inquieto, está sempre à procura, está sempre inconformado. O cinema faz parte do passado. Já senti o prazer de ser cineasta. Mas continuo a sê-lo, porque a minha obra é um conjunto. Tenho uma obra só, com diferentes ferramentas.

Gosta muito da filosofia oriental.
Fascina-me. Não sou um estudioso, mas fascina-me. É como amar uma mulher, não preciso de um catálogo: quando vejo fascina-me, emociona-me, o coração bate. Não conheço datas, não leio livros. Todo o meu corpo está tatuado com elementos orientais e não latinos. Só coloquei esta rosa para me lembrar que sou latino.

Não fala do futuro e do presente de Cuba, falemos então do futuro de Cabo Verde. O que deseja para Cabo Verde?
Desejo aquilo que os cabo-verdianos desejarem para si mesmos. Os povos têm o direito e a responsabilidade de escolherem e desejarem o seu futuro. Há uma coisa que me preocupa: em comparação com o país que conheci há 15 anos, e o de agora – sobretudo a Cidade da Praia –, está a hipertrofiar em coisas. É importante cultivar a filosofia de ser em vez de ter. O que amo em Cabo Verde é que ainda não há o vício de ter, ter. As pessoas vendem a sua alma para ter coisas, na relação com as coisas. Em Cabo Verde as coisas eram mais simples e humanas. Vamos ter o primeiro grande casino e isso vai mudar algumas coisas. É demasiado caro para Cabo Verde. Preocupa-me que se perca o mais importante de Cabo Verde.


A exposição de Omar Camilo é uma iniciativa da Associação de Divulgação da Cultura Cabo-verdiana. A inauguração está marcada para hoje, às 18h30, na Casa Garden. Os trabalhos de fotografia e as pinturas do artista cubano estão expostos até ao próximo dia 11.

6 Dez 2016

James Wong é o nome escolhido para representar Macau na Bienal de Veneza

O multifacetado artista James Wong será o representante de Macau na próxima Bienal de Veneza, que abrirá a 13 de Maio de 2017. O anúncio oficial é feito hoje, ao meio-dia, no auditório do Museu de Arte de Macau

[dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]laro que estou muito feliz, mas também preocupado com este interessante desafio”, confessa James Wong, o artista de Macau que marcará presença na 57.ª Bienal de Veneza. Esta será a primeira vez que expõe num local que desconhece, “tanto no tamanho do espaço, como na natureza do edifício”. Assim sendo, James abordará a especial exposição de uma forma experimentalista, porque “o palco é conceptualmente muito orientado para obras tridimensionais”. Estas circunstâncias favorecem a exposição de esculturas e pinturas, duas formas de expressão artística que James privilegiará na sua apresentação. Também haverá uma instalação, mas algo simples, estável, que não represente muito risco devido aos constrangimentos circunstanciais.

O artista tem dirigido algumas das instituições artísticas de referência em Macau, como o Centro de Pesquisa de Gravuras de Macau, foi também curador no Museu Luís de Camões, entre outros. Mas considera-se, acima de tudo, um amante das artes.

O padrinho

Mais de um quarto de século a dar aulas de arte valeu-lhe a alcunha entre os alunos de “o padrinho do ensino artístico”, algo que diverte o professor, que continua a criar todos os dias. Dividido entre o ensino e a criação artística, James não se considera um artista muito prolífero, “tendo em conta o contexto de Macau, onde muitos artistas têm exposições quatro vezes por ano”. Portanto, “se me perguntar que tipo de artista eu sou, devo ser um preguiçoso”, graceja.

Quanto à inspiração, Wong diz não saber de onde vem, preocupando-se principalmente com a rejeição de qualquer fórmula que restrinja a sua criatividade. Mas não nega que existem origens e uma base para o arranque dos seus trabalhos. “Gosto muito do conteúdo cultural japonês e chinês, sobretudo a estética da caligrafia, as cores e estruturas dos quadros antigos, e o feeling que se esconde por trás”. Estas são as fundações principais das suas esculturas, gravuras, pinturas a óleo, ilustrações e desenhos, que têm sido expostas em Portugal, Japão, Bélgica, Hong Kong, e um pouco por todo o mundo.

Ganhou vários prémios, “o que não é nada de especial”, de acordo com o artista. Porém, a exposição na Bienal tem um peso forte, “é o realizar de um sonho de qualquer artista”. Apesar da felicidade que sente, partilhada pelos seus alunos, e que sabe que os seus pais também sentiriam, Wong já está preocupado com a forma como irá preparar esta tarefa, mas está certo de que será “uma saborosa jornada e que correrá bem.

A horas de ser oficializado como o representante de Macau em Veneza, Wong encontra-se entre a elação e a dimensão do trabalho que o espera. Acha que os seus “amigos mais próximos ainda não tomaram consciência da dimensão do que se está a passar”. No entanto, James Wong não lhes irá adiantar nenhuma explicação porque prefere “que vejam através dos jornais”. O HM faz-lhe a vontade.

5 Dez 2016

Mais de 60 artistas participam na “6075 Macau Hotel Art Fair”

Começa esta quinta-feira a segunda edição do evento “6075 Macau Hotel Art Fair”, que vai mostrar obras de arte de mais de 60 artistas pelas paredes dos quartos do Hotel Regency. Pela primeira vez, a Fundação Stanley Ho participa ao patrocinar um prémio

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] habitual verem-se obras de arte em galerias ou em espaços maiores de exposição, como feiras, mas desta vez os amantes da pintura poderão vivenciar a arte de outra forma. A partir desta quinta-feira e até domingo, o Hotel Regency, na Taipa, acolhe a segunda edição da “6075 Macau Hotel Art Fair”, onde quadros de cerca de 60 artistas, vindos de várias regiões da Ásia, estarão expostos nas paredes dos quartos e nos corredores.

Após a primeira edição, organizada em Janeiro deste ano, os promotores decidiram apostar nas obras de arte de artistas nascidos após 1975 – daí os números “6075”. De Macau participam 11 entidades, sejam galerias de arte ou artistas em nome individual, incluindo a AFA – Art for All Society.

De Hong Kong chegam trabalhos de quatro galerias, enquanto a China domina em termos de participações, com 15 entidades. Além de Taiwan, que também esteve representada na primeira edição, a Macau Hotel Art Fair contará com a presença dos trabalhos da Myanmar Ink Art Gallery, constituindo uma estreia no território.

A segunda edição fica também marcada pelo lançamento de uma nova área artística, intitulada “Special Discovery”, e que se dedica a abordar apenas uma forma de arte. Esta conta este ano com a participação da Academia de Arte da China.

Outra das novidades prende-se com a participação da Fundação Stanley Ho, que patrocina o prémio “Dr. Stanley Ho Foundation Art”. Este visa “seleccionar potenciais artistas com performances excepcionais por forma a apoiar o seu futuro desenvolvimento e encorajar novas criações”. O Governo faz-se representar através do apoio concedido pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) na divulgação de jovens artistas de Macau.

Terra dinâmica

“Os artistas vão trazer vitalidade a cada quarto de hotel ao apresentar os seus projectos a solo. Ao exibir trabalhos de artistas emergentes e ao colaborar com galerias, tal como curadores e críticos, a segunda edição da 6075 Macau Art Fair irá estabelecer-se como uma plataforma de trocas culturais e de ligação com agentes e artistas de grande potencial”, apontam os organizadores.

O facto de o evento se realizar num hotel constitui “uma forma inovadora de mostrar a arte ao público, para que a audiência possa observar a arte de diferentes ângulos e perspectivas e estimular mais as emoções e a imaginação”.

A organização deste evento está a cargo da leiloeira Poly Auction e da entidade SOCIL cultural, criada este ano para “expandir o desenvolvimento das indústrias da arte e cultura”, que pertence a Sabrina Ho, filha de Stanley Ho. O objectivo da exposição no Hotel Regency é proporcionar “uma plataforma para as trocas culturais e a conexão de coleccionadores de arte com obras de grande potencial”, além de tentar “promover o turismo local” e mostrar Macau como uma “capital artística jovem e dinâmica”.

Quanto à primeira edição, os organizadores falam de “sucesso” em termos de vendas, tendo sido vendidas cerca de 500 obras, sendo que atraiu “um notável número de visitantes, incluindo coleccionadores e entusiastas da arte”.

22 Nov 2016

Konstantin Bessmertny: “O único caminho é o da dúvida e do desafio”

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]onheço Konstantin Bessmertny “desde sempre”. Nesse tempo, o ponto fulcral onde se consagravam os artistas que viviam em Macau era a Galeria do Leal Senado, espaço central, muito apetecível, mas muito exigente. E era assim para que houvesse um critério perceptível e legível a todos, assente num só parâmetro: qualidade.

Konstantin vinha da Escola Russa de pintura, o que o qualificava à partida e as portas abriram-se-lhe. Macau ganhou um pintor, todos ganhamos.

Mais tarde, com os casinos a multiplicarem-se, emergiu o tema que lhe proporcionou o arranque definitivo para um outro patamar, tendo Macau como leit motiv.

A sua próxima exposição no Museu de Arte de Macau justificou esta conversa, que partilhamos com os leitores.

A.C.J.- Em latim, ad libitum significa a bel-prazer, o que remete para a noção de liberdade. Pensas que isto se trata de um lugar-comum? Acreditas na liberdade? Gostarias de definir a tua noção de liberdade?
K.B.- A liberdade é certamente um ingrediente essencial da criatividade. No entanto, deve acarretar responsabilidade e respeito mútuo. Mas, na verdade, a palavra liberdade é hoje usada na realpolitik para encobrir a barbárie, a impunidade e a decadência.

Em termos artísticos, a liberdade de expressão traduziu-se numa democratização da criatividade e, gradualmente, efectuou a passagem linear da “arte” à “anti-arte” e, finalmente, à “não-arte”. Vivemos num tempo semelhante ao período imediatamente antes da queda do Império Romano, quando entretenimento e design se tornaram nas coisas mais importantes.

Van Gogh é fantástico para decorar quartos de hotel, Rothko é excelente para um átrio de escritório e Warhol para uma sala de estar. Qualquer artista de Zhuhai ou de outra “cidade artística” nos pode executar uma fantástica cópia. Na verdade, comecei a pensar que a história da arte, desde meados do século XIX, quando a Europa foi inundada por objectos decorativos exóticos vindos das colónias, não passa de um encadeamento de revoltas por parte de diletantes desprivilegiados contra o status quo temporário e que a liberdade, nessa progressão, era apenas um baixar da fasquia.

Penso que a liberdade na arte deveria significar uma busca por algo anterior a toda esta ramificação de “ismos”, desafiando as doutrinas e instituições artísticas dominantes.

A minha história favorita a este respeito é a seguinte:

Sviatoslav Richter estava a tocar a Fuga N.14 em fá sustenido de Bach ao piano. Gene Simmons, da banda Kiss, com o seu rosto pintado, apareceu, lançou as mãos à sua guitarra baixo e exclamou na direcção de Sviatoslav – “Agora és livre, por favor dá asas à tua expressão!”

A.C.J. – De alguma forma, fazes lembra-me Hieronymus Bosch ou Peter Brueghel, o Velho. Vês alguma semelhança entre o que se faz no século XXI e o trabalho daqueles artistas? Como reagirias à palavra “sátira” nas tuas obras? Pensaste, porventura, num público específico para esta exposição?
K.B. –Acabei de visitar a exposição do 5.º centenário de Bosch no Museo del Prado.

Uso com frequência composições maximalistas com narrativas que cobrem toda a superfície da tela, recorrendo normalmente à linguagem visual da alegoria ou da fábula. Gosto de recorrer à sátira e ao sarcasmo que tenho na minha caixa de ferramentas. Adoro recorrer a todos os símbolos e formas semióticas de comunicar disponíveis e construir ideias complexas.

Prefiro não me dirigir a um público específico. O que quero é desafiar-me a mim mesmo, sem me preocupar com o número de “likes”. Preferiria ter apenas um “like” de alguém cuja opinião me seja importante.

Imagina, por exemplo, que colocavas uma imagem de uma obra tua no Instagram. Preferias ter um “like” de Da Vinci, ou 1000 “likes” dos fãs de Kardashian?

A.C.J. – Será que Ad Lib satisfaz a tua libido artística? De que forma se tornou Macau numa espécie de desafio, ou, em termos mais simples, numa inspiração para ti?
K.B. A minha percepção do mundo mudou desde que comecei a trabalhar em Macau. O que aqui descobri foi uma versão miniatura da Babilónia, na qual os seres humanos misturavam deliberadamente tudo o que estava à sua disposição. É como se um ser superior e invisível conduzisse as suas experiências primeiro em Macau e, só depois, no resto do mundo. Devido à dimensão de Macau, e à sua relativa transparência e liberdade, é possível, sem grande esforço, observar o homem no seu melhor e no seu pior.

Para mim, este é indubitavelmente um dos locais mais inspiradores do mundo. Nisso, estou inteiramente de acordo com Ian Fleming (“Thrilling Cities”).

A.C.J. – Vejo no teu trabalho a inclusão de muitos capítulos da história da arte do século XX, desde o uso da iconografia (vindo da arte Pop) até todo um leque delirante. Esperas ser compreendido pelo espectador médio? Qual é o teu objectivo? Será o de provocar? Porquê? E depois qual será o próximo efeito?
K.B. – Podia apenas indicar-te as obras de Mario Vargas Llosa, “Notas sobre a morte da cultura”, e de Octavio Paz, “Corrente Alterna”.

A.C.J. – Espectáculo, Panem et Circenses
K.B. – A alta cultura (clássica) foi rebaixada e a baixa cultura (folclórica, tribal, decorativa) foi elevada a cultura pop de modo a satisfazer a procura popular e o lucro. A sociedade que estamos hoje a criar venera apenas “lucro” e “sucesso financeiro”. A base da pirâmide sente-se feliz quando é bem entretida e tem a barriga cheia.

Existem fórmulas fáceis para um sucesso temporário quando se tem por alvo um público dilatado. Mas eu ainda prefiro seguir os meus valores. Sinto o dever de influenciar e educar, mesmo a um público que seja presa da ilusão.

No que se refere a doutrinas e instituições artísticas, creio que o único caminho é o da dúvida e do desafio.

A.C.J. – De uma perspectiva mais pedagógica, e considerando também que as tuas origens estão na escola russa, na qual a cultura tinha uma importância crucial (como em todas as grandes escolas artísticas), como vês Macau enquanto local que possa acalentar quem aspire a ser artista?
K.B. – De início, estive em Macau apenas para uma exposição colectiva em 1992. Dadas certas circunstâncias, tive de prolongar a minha estadia. Tive inúmeras oportunidades de deixar Macau, o que, de facto, fiz em diversas ocasiões. Mas, gradualmente, apercebi-me de que Macau era o lugar ideal para sobreviver enquanto profissional, sem ter de entrar no ambiente híper-competitivo de uma grande cidade, como Paris, Londres ou Nova Iorque. Aqui, podia prosseguir as minhas experiências e projectos, podendo depois expor em qualquer outro lado.

Felizmente, desde há algum tempo, Macau é uma pequena cidade artística muito activa, com a primeira bienal de arte asiática e uma comunidade substancial de verdadeiros apreciadores de arte. Agora é uma cidade muito diferente, apesar de ainda haver algo no ar que me faz sentir inspirado e cheio de energia.  Obviamente, dada a sua dimensão e outros factores, Macau não consegue suportar uma comunidade artística muito alargada, embora exista algum espaço para iniciativas artísticas não comerciais.

A.C.J. – Como vês a compatibilidade entre o formalismo de Macau, os resíduos de confucionismo tradicional chinês na Educação e a necessidade de transformação que deveria ocorrer quando mergulhamos no mundo de Kant, Nietzsche, Oscar Wilde e Bachelard?
K.B. – Eu estenderia essas questões a um mundo mais amplo, para além de Macau. Em algumas áreas, como no jogo e entretenimento, Macau poderá ser uma das cidades mais importantes do mundo. Mas noutras, é apenas como uma pequena cidade de província. Uma das suas características é, precisamente, o seu potencial ilimitado de desenvolvimento, mas necessita de um melhor sistema educativo e de uma competição mais aberta. É ainda uma extraordinária encruzilhada cultural e melting pot, podendo deveras produzir algo de inesperado a partir de todos os ingrediente à sua disposição.

A.C.J. – O catálogo desta exposição não é aquilo que se esperaria. Tem um formato de revista. Recorres a ele para completar o delírio de toda a exposição, trata-se de uma mais uma provocação ou, ainda, de uma nova forma de liberdade?
K.B. – Vivemos num tempo de transição, em que não podemos aplicar antigas fórmulas. A fórmula do catálogo é uma experiência. É uma paródia do brilho superficial, do glamour e do pop. Mas também contém aquilo que se espera de um catálogo convencional. Entramos agora na idade digital. Livrarias, revistas e quiosques de jornal começam a fechar, mas talvez esta seja também uma forma de introduzir valores diferentes numa forma de comunicação moribunda e de manter todos os profissionais à tona.

O catálogo da minha recente exposição na galeria Rossi & Rossi teve a forma de cartas de tarot.

28 Out 2016

Cinema | Mostra de cinema português na Fundação Oriente  

São dez filmes portugueses que compõem o cartaz do NY Portuguese Short Film Festival em Macau. A sexta edição do evento está marcada para os próximos dias 21 e 22 e, de entre filmes premiados a novidades, o programa é do que melhor se faz, em formato curto, no cenário luso

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão filmes curtos, todos feitos em Portugal e que já deram a volta a, pelo menos, meio mundo, os que vão preencher parte do próximo fim-de-semana. A mostra tem lugar na Fundação Oriente e traz a Macau a selecção da VI NY Portuguese Short Film Festival, iniciativa que marca o início da passagem de curtas-metragens portuguesas nos Estados Unidos da América. O objectivo, segundo a organização, é dar a conhecer a nova geração de realizadores numa mostra que passa um pouco por todo o mundo. Do trajecto fazem parte países como Austrália, Senegal, Brasil, China ou Angola, e Macau não fica de fora.

A iniciativa começa no dia 21, às 19h30, com a projecção de “Pronto, era assim”, de Patrícia Rodrigues e Joana Nogueira. A curta é um documentário animado, já amplamente premiada e totalmente produzida com recurso ao stop motion. O argumento versa sobre a história de seis idosos que, sobre a forma de entrevistas, dão voz aos objectos que protagonizam, partilhando as suas histórias de vida em momentos fragmentados que oscilam entre o passado, presente e futuro.

Uma questão de fé

A mostra segue com o filme de Luís Porto, “Deus providenciará”, que traz ao ecrã Maria, uma mulher que vive sozinha no interior do país, numa aldeia recôndita. Personagem de fortes convicções morais e religiosas, vive sozinha e não tem como justificar uma gravidez súbita e indesejada que lhe traz a angústia de como conciliar a exigência da religião com a sua vontade.

Ainda o programa não vai a meio e é a vez de uma pausa na vida de Jorge, a figura que está cansada do quotidiano e que protagoniza “Tenho um rio”, de Ricardo Teixeira. Mas Jorge vai acompanhado pela efemeridade representada por Teresa que o ajuda a enganar a fadiga com momentos de amor.

“Lei da gravidade”, de Tiago Rosa-Rosso, continua a programação e traz uma ficção beckettiana, onde o absurdo toma conta de duas personagens à espera que o seu filme aconteça.

A noite termina com uma curta convidada e que já viu o nome candidato ao Óscar. É “Feral”, de Daniel Sousa que numa produção, novamente, animada, relata uma incursão à infância através de uma criança encontrada na floresta, que tenta a adaptação a uma civilização que lhe é alheia, através dos recursos que sempre conheceu.

Quotidianos desiludidos

“Isa”, de Patrícia Vidal Delgado, abre a sessão do dia 22 de Outubro, às 17h. É a história de uma jovem cabo-verdiana que acredita no teatro para incentivar a discussão social sobre os problemas do bairro.

A tarde continua com o aclamado filme de João Tempera, “O assalto”, e segue com “Prefiro não dizer”, de Pedro Augusto Almeida, que retrata os fragmentos da rotina de quem vive num espaço isolado que rotula e condiciona as opções de vida. Depois, é exibido “Lingo”, realizado por Vicente Niro, que aborda a relação dos indivíduos com as redes sociais e com a restante sociedade, através da personagem homónima.

A iniciativa termina com mais uma película convidada: desta feita, trata-se da obra de Luísa Sequeira, “Os cravos e a Rocha”. A realizadora viaja até 25 de Abril de 1974, altura em que o cineasta brasileiro Glauber Rocha está em Portugal e regista em película “As Armas e o Povo”, um filme em que, com um olhar estrangeiro e particular, rompe com as regras convencionais do modo de se fazer cinema.

18 Out 2016

Exposição de Franquia | Países de Língua Portuguesa cada vez mais destacados

O passado fim-de-semana foi de mais uma edição da Exposição de Franquia de Macau. De entre cada vez mais participantes, do evento sai destacada a crescente presença de Países de Língua Portuguesa e uma cada vez maior participação de Portugal que vê em Macau o lugar privilegiado para entrar no mercado asiático

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Exposição de Franquia de Macau (MFE na sigla inglesa) teve lugar no passado fim-de-semana no Venetian. O evento serviu para empresários vindos um pouco de todo o lado terem oportunidade de dar a conhecer a sua área de negócio e estabelecer eventuais parcerias e Macau enquanto plataforma privilegiada de abertura ao mercado chinês e asiático foi, sem dúvida, factor aliciante para os participantes. Portugal não é excepção, nem os países da língua de Camões, que são cada vez mais a participar e com mais produtos e sectores.

Mercado desejado

A busca por uma oportunidade nos mercados do Oriente e um piscar de olho a “negócios da China” é o que motiva a vinda de muitos dos participantes portugueses, como o HM apurou.
A WJ Events está representada no evento por Luís Martinez. O jovem empresário, que faz parte da Associação de Jovens Empresários Portugal China (AJEPC), já tem experiência no mercado asiático. Martinez esteve na MFE para “visitar e ver se estabelece parcerias com empresas que estejam cá, não só a nível de Macau, mas também China, Japão e mesmo Brasil”.
A empresa que representa está associada ao turismo e já conta com diversas participações em eventos do género na Ásia. “Já tenho alguns clientes chineses que conheci na sua maioria em Macau e já fizemos algumas actividades em conjunto”, afirma.
No entanto, o mercado não é fácil. Muito diferente, “exige que se esteja sempre a batalhar”. As maiores dificuldades estão associadas à barreira cultural, sendo que exige muito tempo e um bom conhecimento dos hábitos da casa. As expectativas é que desta feira resultem “mais parcerias para pôr Portugal enquanto destino turístico de relevo. Na China ainda não é conhecido como deveria ser”.

Alimentos de qualidade

Pedro Rodrigues dos Santos, Representante da AJEPS , a associação responsável pela vinda de algumas das representações portuguesas, diz ao HM que o objectivo da Associação é claro e visa ser uma rede de networking entre Portugal e a China. feira
“É a segunda vez que a AJEPS está na Feira de Franquia e já tem muito trabalho feito e uma actividade muito dispersa, para além desta Feira.”
Para Pedro Rodrigues dos Santos, o sector alimentar é “uma área de grande força por parte da indústria lusa e o mercado chinês é um mercado ávido por produtos de qualidade”, sendo que “Portugal marca pontos enquanto produtor na área”.
A industria de comércio electrónico também está em força e está neste momento a identificar “parceiros no mercado chinês com os quais trabalhar”.
“A AJEPS é o braço armado local que permite a expansão. Para fazer negócios com a China temos que ter a noção que as coisas não acontecem de um dia para o outro, mas sabemos que é um mercado com um enorme potencial de consumo”, explica, acrescentando que conta também com uma grande procura de produtos.
“É este mercado gigante que concretiza um factor muito apelativo para qualquer empresa. É preciso entrar na cultura chinesa”, afirma Pedro Rodrigues dos Santos.
E é isso que a AJEPS procura fazer: explicar a China a Portugal e vice-versa. “Macau é claramente a plataforma de excelência e começo para o ingresso no mercado chinês”, remata.

Cosmética a dar o passo

Não é a primeira vez que Maria Cristina Matos está no evento. No ano passado veio como oradora e este ano a directora da Associação Portuguesa de Franchising está cá com empresas associadas.
“Trouxemos agora marcas portuguesas de forma a garantir uma expressão no evento. Viemos com quatro marcas”, afirma. Há sempre uma ligação afectiva muito grande a Macau e é uma forma de entrarmos no mercado asiático.”
Maria Cristina Matos considera que os conceitos trazidos de fora são bem recebidos por cá. Para a directora, o sector em força presente é a área da estética. “A ideia é entrar no mercado asiático que tem Macau como porta de entrada”, refere salientando que para além da China, outros países, como o Japão, também estão na mira.

Contornar convulsões

O Director da Associação de Franchising do Brasil, Gustavo Orlandini Schifino, vê com satisfação a representação das quatro marcas brasileiras representadas no evento. As áreas representadas são o sector alimentar, de calçado e moda.
“A Ásia é uma parte do mundo em grande desenvolvimento e o Brasil é um país com facilidade em entrar em diferentes culturas e de se adaptar a elas”, afirma. “Esta Feira representa uma boa oportunidade de expansão de negócios.”
O Brasil está em profunda mudança e é necessário novos negócios para ultrapassar a fase difícil porque estar a passar, remata ainda.

Em estreia

Este ano Timor-Leste e Moçambique são as grandes estreias da Exposição. João Baptista dos Santos, representante da Trade Invest Timor Leste, falou ao HM das esperanças que tem na maior divulgação do que se faz no seu país. É a primeira vez nesta exposição, mas o responsável tem experiência em eventos idênticos realizados na RAEM. Das experiências anteriores e que motivaram agora esta estreia, está a expectativa de conseguir “muito lentamente” dar a conhecer áreas de negócio do seu país.
“Ainda nos falta muito para conseguir promover os nossos produtos, mas pelo menos as pessoas vão vendo o que se passa e conhecendo outros empresários e, quem sabe, poderemos sair daqui com algumas parcerias efectuadas”, afirma ao HM. “Não somos ricos em dinheiro, mas somos ricos em coisas que podemos mostrar”, diz João dos Santos em tom de esperança.

Lugar especial

Tony Hoi representa a Perfeição, Ldt.. A empresa de marketing pretende também ser uma plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa. “Facilitamos a promoção de entidades [desses países] no continente”, esclarece Tony Hoi. Macau é um sítio especial pelo uso da Língua Portuguesa , o que facilita a posição de plataforma privilegiada. A empresa que está em Macau tem ainda escritórios em Lisboa e Pequim e pretende poder dar uma mãozinha no conhecimento do que se faz em cada um destes cantos do mundo.
Já a Associação de Comércio Integrado com a América Latina e os Países de Língua Portuguesa parece ter voltado às origens dos negócios. Ao HM, um representante da Associação explicou que “aqui não se comercializa com dinheiro”. Os produtos são de troca.
“A China dá as suas cerâmicas enquanto que o Brasil, país com quem a Associação tem uma mais forte ligação retribui com pedras semipreciosas”, o que é, para a Associação, uma fórmula de sucesso no que respeita à plataforma que representa entre os países com quem colabora. A partir da entidade os produtos continuam o seu caminho para o comércio de retalho.

A MFE

A MFE pretende representar uma plataforma de intercâmbio e cooperação, bem como disponibilizar às pequenas e médias empresas oportunidades de transformação e aperfeiçoamento. Criada em 2009, a “MFE tem registado, ao longo dos anos, melhorias, e a sua dimensão tem, igualmente, vindo a crescer”.
A informação é dada na cerimónia de abertura por Jakson Chang, presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM).
O lema da actual edição foi “Expansão contínua de marcas – Novas oportunidades de negócio” . O evento contou com cerca de 160 expositores que representaram mais de 180 marcas oriundas de países como a China, Países de Língua Portuguesa, países do Sudeste asiático, Taiwan, Hong Kong e Macau.
A edição contou ainda com a realização do “Fórum sobres as oportunidades de negócios em franquia de marcas internacionais”, para o qual foram convidados especialistas oriundos do Brasil, Portugal, Japão, China continental e Macau de modo a estabelecer um momento de partilha de conhecimentos e experiências acerca do franchising na era digital. O fórum dos compradores Vip foi também presença no programa de modo a facilitar o contacto entre representantes de fundos de capital de risco e as empresas expositoras. Na cerimónia de assinatura de protocolos realizada no dia de abertura da MFE foram assinados 18 protocolos essencialmente entre a China continental e as RAE de Macau de Hong Kong.

Produtos de Guangdong e Macau para todos os gostos

Ocorreu, pela primeira vez paralelamente à MEF, a Feira de Produtos de Marca da Província de Guangdong e Macau no Venetian.
A abertura esteve a cargo de Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças, que enalteceu o crescimento visível do evento ano após ano. A Feira que existe desde 2009 tem “insistido nas estratégias de desenvolvimento em termos de especialização, branding e internacionalização”, afirma o Secretário. Para Lionel Leong as relações entre Guandong e Macau são cada vez mais importantes e as duas regiões têm “aprofundado e expandido a cooperação bilateral, sustentada pela complementaridade mútua e benefício mútuo”. Foi ainda com agrado que o Secretário assinalou o crescimento do número de expositores para 357, comparativamente aos 259 da edição de 2009, e um total de visitantes de cerca de 870 mil pessoas desde 2009.
He Zhongyou, vice-governador da província de Cantão refere números. “No ano passado, verificou-se um aumento de 3,2% no comércio bilateral de importação e exportação apesar de se registar uma queda no comércio exterior da nossa província e a economia de Macau se encontrar numa fase de ajustamento.”

1 Ago 2016

Alexandre Marreiros expõe no MAM: “Uma leitura do tempo com T maiúsculo”

Arquitecto, mas apaixonado por desenho e pelo trabalho manual desde pequeno, Alexandre Marreiros foi para o Rio de Janeiro estudar os grandes arquitectos brasileiros contemporâneos mas acabou apaixonado pelas favelas. Um lugar onde “as coisas vão-se aniquilando mas sempre com um final feliz”. O resultado é “um registo documental que acabou na pintura”

[dropcap style=’circle’]“C[/dropcap]omo arquitecto interessa-me a arquitectura que se desenvolve de uma forma vernacular. A casa, o lugar onde nós como humanos nos sentimos seguros”, começa por nos contar Alexandre Marreiros.

Foi para o Rio de Janeiro estudar os grandes arquitectos contemporâneos brasileiros mas acabou, como ele diz “fulminado, de uma forma quase alérgica” pelas favelas. Um fenómeno urbano que descreve como “um manto bordado que cobria aquelas montanhas”.

É também esta ligação quase natural do construído pelo homem com o disposto pela natureza que interessou Marreiros.

“O Rio tem aquela topografia especial, montanhosa, e é admirável como pessoas sem know-how conseguiram adaptar-se ao local e o deixam falar por si, como a acção do homem se adapta ao que já lá estava”, diz Alexandre, confessando mesmo que “não conseguiria fazer um manifesto arquitectónico melhor”.

Naturalmente, Alexandre não acha a melhor forma de vida mas considera que “à medida de que vai sendo construída a história bate sempre certo, há uma relação com o lugar. As coisas vão-se aniquilando mas há sempre um final feliz”
Curioso por saber como tudo aquilo se desenvolvia passou grande parte dos seis meses que esteve no rio de Janeiro a deambular pelo Complexo do Alemão (o maior complexo de favelas do mundo) e na favela do Tabajaras.

Indo às origens

“Cnidosculos Quercifolius”, assim se designa a exposição, é o baptismo latim para – a planta favela, endémica do Brasil, que deu origem ao termo “favela” como fenómeno de habitação marginalizada, ilegal. Uma definição que, garante Marreiros, “deve-se a ao regresso dos soldados ao Rio de Janeiro após a Guerra dos Canudos, onde encontraram condições miseráveis de habitação na primeira favela do Brasil, o morro da Providência.

Mas, para Alexandre, as favelas também “são cor e são luz”, que assim começa por explicar ao HM como chegou a este trabalho.

O objectivo não é o de gerar grandes reflexões mas sim o de “proporcionar algumas pistas que possam conduzir as pessoas a descodificarem as histórias que existem na arquitectura e que são transportadas para a pintura”, explica.

O particular que forma o todo

“Tento apresentar ao observador a ideia de espaço que começa com um registo de desenho e um registo fotográfico exaustivo e acabou, por minha necessidade, na pintura”, adianta Alexandre, porque só a pintura consegue “transportar o registo para uma composição de cor, de espaço, de vazio, de afastamento entre as coisas que também podem ser lidas como um todo”.

A sua sensação da favela. Um local delimitado, onde em que o particular forma o todo.

A fita cola colorida, que pode ser observada nalguns dos trabalhos, surge pelo interesse plástico que o material lhe suscitou e por lhe aportar a cor da favela.

“Aparece de uma forma tosca porque ou faço as coisas muito certinhas ou muito toscas. Ando nessa procura”.

16616 P8T1

Para Alexandre, “as favelas são como a construção de um quadro”.
“Um lugar onde existe um espaço e um limite, em que as formas, as linhas e as manchas se vão adequando a esse limite”, explica.

“A preocupação foi transportar para esta exposição o que entendo ser a arquitectura hoje em dia”.

Ou seja, para Alexandre a arquitectura é “a história das coisas construídas, vividas, habitadas e que manifestam sempre a sua cultura”.

Para o artista, “através da arquitectura podemos ler o nosso tempo. A favela não fazia sentido há 200 anos mas hoje é necessária. É uma leitura do tempo com T maiúsculo”.

Transformação fulminante

Macau não podia fugir da conversa e aproveitámos para saber como Alexandre Marreiros vê a cidade. A resposta não tardou.

“É fulminante a forma como se transforma”.

A falta de planeamento, todavia, é algo que o preocupa esperando que este venha a existir pelo menos nos novos aterros.

“Ainda consigo ler muitas histórias nesta tradição de conquista de terras ao mar. Afastar tecido antigo do que se foi desenvolvendo menos bem. É uma cidade que ainda me conta histórias bonitas mas com alguns capítulos mais negros de permeio.”

Mas também existem vislumbres do futuro que, para ele, será “uma massificação de descaracterização”, com alguma pena sua mas, como não acredita que a arquitectura seja intemporal, mas sim “muito efémera”, entende que a descaracterização que se adivinha será apenas uma marca do que foi este tempo de agora.

“Não é mau nem bom, mas talvez outro tipo de estratégia fosse mais adequado”. Algo o anima, todavia, a recente abertura da faculdade arquitectura dá-lhe esperança.

“Espero que. daqui a uns anos, (os novos arquitectos) possam ter uma opinião clara e, acima de tudo, competente da cidade.”

A culpa é do desenho

Nascido em 1984 em Cascais, Portugal, Alexandre Marreiros estudou artes no liceu, formou-se em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa, onde posteriormente obteve o grau de mestre.
“O que me conduziu à arquitectura foi o desenho. Sempre gostei de desenhar. Fiz muitas cabanas , muitas árvores, muitos carrinhos de rolamentos. Tive um percurso de artes antes mas na altura de decidir optei pela arquitectura sem nunca me desligar muito das artes plásticas”.

Exibiu em exposições colectivas em Lisboa, individualmente na Galeria GivLowe e na Casa Lusitana. Recentemente, participou como artista convidado no Festival Silêncio de Lisboa e no Festival Literário de Macau. Em 2015 recebeu uma menção honrosa da Ilustração Contemporânea Portuguesa. Vive e trabalha em Macau.
A exposição inaugura hoje, pelas 18:30H no Museu de Arte de Macau.

16 Jun 2016

Exposição | Macau e a Lusofonia Afro-Asiática em Postais Fotográficos

É uma mostra de 260 postais fotográficos , na grande maioria datados de 1900 a 1930, período aúreo da circulação dos cartões ilustrados , que os impuseram como o mais marcante ícone da era da massificação das imagens ou da era do clichê. Documentando aspectos vários de Angola, Cabo Verde, Ex-Estado Português da Índia, Moçambique, S. Tomé e Príncipe,Timor e Macau, a sequência expositiva permite, entre outras, uma leitura de como a revolução tecnológica da 1ª Era Industrial se implantou na lusofonia afro-asiática.
Luís Sá Cunha

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] 1a Era Industrial tem origem na invenção da máquina a vapor pelo engenheiro escocês James Watt, que a patenteou em 1769. A compreensão e aplicação dos processos da termodinâmica da força do vapor de água resultaram rapidamente na multiplicação da força do trabalho humano, operando a passagem da civilização agrária à civilização industrial, com uso das máquinas a vapor em produções massivas das fábricas de tecidos, ferramentas, papéis e… de outras máquinas mais poderosas.
Se as repercussões no mundo económico foram imediatas, outras fundas aspirações iriam também rapidamente ter respostas: as ânsias humanas de comunicação, para vencer o espaço e o tempo. O mesmo Watt inventa logo de seguida processo de fazer cópias de documentos, comercializado com êxito em 1779. O processo litográfico era inventado em 1797 pelo actor Aloy Senefelder, alemão nascido em Praga, que aplicou uma tinta resistente ao ácido sobre uma placa calcária de fino grão, a que chamou planografia .
Paralelamente, evoluíam avanços na Física e na Química, na óptica e nas lentes, tentando reproduzir imagens reais fixadas numa base. A técnica da fotografia surgiu em França em 1833, através de uma placa de cobre coberta com nitrato de prata, o daguerreótipo, do nome do sei inventor, Daguerre, logo seguida pela colotipia do científico inglês Henry Fox Talbot precursor das cópias sobre papel.
Correm ao lado as técnicas de imprimissão e composição de fontes ou matrizes, com a linotipia e de seguida a monotipia, para textos, e com a litogravura e a fotogravura, para impressão de imagens. Surgem as revistas com ilustrações, sobretrudo a partir da última década do século.
As técnicas fotográficas evoluem em rapidez e fidelidade à reprodução do real: dos pesados caixotes que requeriam 15 minutos de pose, passa-se à câmara portátil posta no mercado em 1888 pela Kodac com o genial slogan de promoção – “clique, que nós fazemos o resto”.
As aplicações da máquina a vapor geram os grandes transatlânticos , as locomotivas e vias férreas transcontinentais, os cabos submarinos intercontinentais, e assim a agilização dos serviços de correios.

O cartão postal

Neste enquadramento exigente de novas formas de comunicação entende-se a aparição do cartão postal na Áustria em 1865, mais tarde promovido nas grandes mostras das novidades mundiais que foram as Feiras e Exposições Universais de Paris. O êxito do cartão postal compreende-se por ser meio de comunicação rápido, fácil, de baixo custo, substituindo as longas cartas fechadas, mais morosas e caras, da epistolografia romântica.
O cabo-submarino e os cartões postais inauguram as mensagens “telegráficas”, no sentido de limitadas a curtas palavras, que os tempos exigiam. Na década de 90 começam a surgir os postais fotográficos ou ilustrados, que conjugam o discurso da saudade (reverso) com a visão do exótico (anverso): as famílias podem agora ver onde está o seu parente querido, as formas e cores das longínquas paragens, e sentem a sensação de uma proximidade que atenua a separação. O postal faz circular o discurso dos afectos e da nova visão do mundo , expostos ao mundo, porque viajam à vista de toda a gente.
O postal é agora um documento bifronte, tem duas faces e dois discursos, é o primeiro produto post-industrial em que o conteúdo artístico se conjuga com um meio de informação ou em que o veículo da informação se vai acolher crescentemente ao elemento artístico .
Os postais passam a ser o primeiro grande álbum de massas da ilustração do mundo, alargam a globalização tornando-a familiar, divulgando cidades, portos, monumentos, ícones mundiais, etno-grafias, povos e trajes, tipos humanos nunca vistos, cenários e publicidade. Na apreciação do filósofo alemão Walter Benjamin ele significa a passagem do regime da ocorrência única ao regime da ocorrência de massa, conjugando uma mensagem privada com outra reprodutível e assim massiva. É a primeira grande manifestação das indústrias culturais e indício da massificação social a deflagrar em crescendo.
Mas o cartão postal fotográfico não se limita a duas faces inteiras, é geometria quadripartida, porque não há apenas frente e verso, mas neste esquerda e direita, remetentes e destinatários, e mais ainda as transgressões do reverso sobre as imagens, para as legendar, comentar, sublinhar etc., e há o texto manuscrito e o texto tipográfico: “O que eu prefiro no postal ilustrado é que não sabemos o que é o verso e o reverso, aqui ou ali, perto ou longe (…) nem o que é mais importante, imagem ou texto, e no texto a mensagem, a legenda ou o endereço”. Eis um belo resumo formal do postal na visão de Jacques Derrida .
De facto, tudo num cartão postal é significante, mesmo apenas um endereço. Na vária opinião de filósofos, o postal fotográfico é “um dos mais exaustivos quanto fragmentários inventários visuais” da figuração do mundo, e “inventor da prosa do mundo por uma humanidade sem nome”. As suas imagens proliferando, viajando, prestáveis a serem coleccionadas, constituem matérias do arquivo visual de uma época, expressam um tempo como discurso e como memória, “como história e reinvenção da história”, sendo o mais relevante ícone da “febre de imagens” da “Era do clichê” (Deleuze ), ou da “violência das imagens” ( Jean Luc Nancy) , dando também matéria à “febre de arquivo” (Jacques Derrida) dos nossos dias.

Invenção do turismo — uma estratégia de sedução

Expostos ao olhar do mundo, “imagens distribuídas ao domícílio” na expressão de Paul Valéry, os postais vão ser o instrumento das indústrias culturais na deflagração do fenómeno do turismo, distribuindo impressões belas do mundo pelo mundo.
Operando a maquilhagem do real num caixilho recortado do espaço, seleccionando o mais belo no mais favorável enquadramento, eliminando o que perturbe as sensibilidades dominantes, os cartões fotográficos impuseram-se como máscaras da sedução (Derrida) e constituindo uma estereotipia da sedução (Pierre Klossovski) incitantes do turismo.
A exibição de um postal fotográfico passou a ser mostra pública de prestígio social da nova burguesia crescente, prova de frequência dos mais famosos e admiráveis sítios mundiais. A sofreguidão das imagens vem satisfazer a sofreguidão do exótico, a eliminação de distâncias e de fronteiras antes só acessíveis a poucos. Os centros urbanos, sobretudo os litorâneos, lugares de escala dos grandes transatlânticos, pressentem os novos tempos e aprestam-se a maquilhar-se, a colorir-se, ajardinar-se, a seguir a nova estratégia da sedução, para imprimirem o seu nome nos mapas das grandes rotas do mundo.

A fotografia/ cartão fotográfico – fonte da História

No final dos anos XX do século passado deu-se uma revolução nos critérios da análise histórica que deu origem a uma nova historiografia, por alguns chamada nova história, por superação da fundamentação exclusiva em documentos escritos e nas áreas política, diplomática, militar e económica, e com consideração de uma concepção holística da História. A história total passou a ter em conta os factos sociais no seu conjunto e inter-relação, como os sistemas culturais dominantes, a história das mentalidades, as sensibilidades sociais, as representações colectivas, a linguagem do traje e das modas etc.. Assim, a discursividade informativa da fotografia e do postal fotográfico passou a ser chamada a lugar importante de reconstituição da memória social.
Este nova concepção aconteceu em França, com início das novas propostas defendidas pela École des Annales e expostas na revista “Annales d’Histoire Économique et Sociale” (1929), onde sobressaíam dois nomes de renome mundial, Lucien Fèvre e Marc Bloch. Esta escola prolongou-se por três gerações de grandes historiadores, onde podem distinguir-se Fernand Braudel, Pierre Chaunu, George Duby, Jacques Le Goff, Philipe Ariès, Pierre Nora etc., numa continuidade que se vai arrimando à antroplogia estruturalista de Lévi-Strauss e à epistemologia de Michel Foucault.
Jacques Le Goff fez um dos enunciados básicos da metodologia avaliativa dos registos, com a distinção entre documento (1) e monumento (2):

documento — marca de uma materialidade concreta do passado, como pessoas, lugares, equipamentos urbanos e rurais, estruturas urbanas etc. , (o que é uma escolha do historiador);

monumento — como símbolo de uma época, herança do passado, o que ela estabelece como (única) imagem a ser transmitida ao futuro.
Mas é Le Goff quem logo desconstrói o que disse ser uma ilusória dicotomia analítica, porque o material informativo/documental resulta da selecção, sensibilidade, critério subjectivo de quem o elabora e selecciona, e assim todo o documento é monumento, e como tal e no limite, todo o documento é mentiroso.

Uma sócio-semiótica do processo histórico

É dentro e a par deste movimento analítico que se gera a necessidade de mais profunda leitura dos signos, para uma interpretação sócio-semiótica da documentação histórica, onde expressões verbais, simbólicas, plásticas, de gestos, atitudes, olhares, comportamentos, trajes, linguagens, são vistos na intertextualidade dos vários códigos de compreensão do ser em trânsito no mundo.
As categorias universais do signo , propostas pelo considerado grande iniciador da semiótica, Charles Sanders Peirce( 1839/1914) , primeiridade, secundidade, terceiridade, imediatismo consciente do fenómeno, entendimento do fenómeno pela consciência e interpretação e categorização dos fenómenos, constituiu quadro triádico também enquadrante da leitura dos signos visuais para posterior socio-semiótica dos fenómenos histórico-sociais.
A fotografia começou a ser analizada em si própria como encenação de intertextualidade de todos os seus adereços componentes, não como simples analogon de uma realidade na sua fisicalidade concreta, mas na organização e interpretação dos seus conteúdos internos ( Umberto Eco, Ernest Gombrich). Não como um pedaço recortado e isolado do fluxo do tempo, mas como um continuum que projecta signos de interpretação para o futuro e tem no futuro uma outra e mais completa interpretação.
De outra perspectiva, a fotografia por si só é histórica e, no dizer de Roland Barthes, não deve ser vista como ilustração do texto escrito, como este não deve ser o seu comentário (“la photo n’ illustre le texte, ceci ne commente la photo”)
“A imagem (diz Barthes) transforma-se numa escrita, a partir do momento em que é significativa (…) uma fotografia será, para nós, considerada fala exctamente como um artigo de jornal (…) fechar os olhos é fazer a imagem falar no silêncio, a fotografia é subversiva quando pensativa”.
Em figuras de gente, deve-se olhar para o traje e os adereços da vestuária, e, mais do que para o olhar, para os olhos, como recomenda Barthes. A leitura da fotografia do jovem Franz Kafka por Walter Benjamin é a mais icónica ilustração disto.

Espelho e reinvenção dos impérios europeus

Os discursos visuais publicitados pela circulação dos postais fotográficos podem ser vistos como espelho e reinvenção da história da expansão dos impérios europeus, sobretudo no continente africano. É que os postais não se limitavam a satisfazer o gosto pelo exótico da pupila superficial das massas citadinas europeias. Divulgando a vida dos interiores africanos, os seus usos e costumes, sistemas sociais, tecnologias ancestrais, construindo uma imagem do Outro civilizacionalmente atrasado e inferior, as imagens dos postais foram instrumento (nolens volens) da fundamentação moral às operações de uma Europa tecnicamente evoluída, belicamente poderosa, sobre núcleos tribais “primitivos”. Eis o discurso da fotografia monumento, selectiva do que uma geração intenta passar ao futuro.
Limitada no seu fixismo bidimensional, a fotografia que exibe o orgulho das grandes inovações da Era Industrial — transtlânticos, portos, caminhos de ferro, estações de cabo submarino e de meteorologia, maquinarias etc. — deixa fora do caixilho ou empenumbra aquilo que se mobilizou de energia braçal para os construir, como o que em plantações de sisal, café, amendoim etc., se produzia à custa de exploração do trabalho ou da semi-escravatura.
Álbum da cultura dominante, o postal também provoca, questiona, incita o olhar a aprofundar-se em dimensões meta-icónicas. Ao lado do discurso hegemónico europeu, regista também outros de incentivo à preservação das hierarquias tradicionais útil à administração europeia, e à assimilação e à integração de classes locais, que se europeizam para alcançar superior estatuto social. Tudo é cenário: na Europa a África é cenarizada, mas também aproveita os adereços desse teatro para revestir a imagem do Outro, fotografando-se com o guarda – roupa do homem da city, de cartola ou canotier, ou com chapéus emplumados à la mode de Paris. E isto, da gradação dos tons da pele ao guarda-roupa, só a fotografia pode falar à História.

7 Jun 2016

Casa Garden | Exposição de pintura a óleo inaugura na terça-feira

Levou oito anos a ler o livro “O Sonho do Pavilhão Vermelho” e agora retrata-o em diversas pinturas a óleo. Obras para ver na Casa Garden a partir da próxima semana

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] galeria principal da Casa Garden vai inaugurar a 19 de Abril, pelas 18h30, a exposição de pintura a óleo de Zhang Bin “O Sonho do Pavilhão Vermelho”, numa iniciativa da Fundação do Oriente. Segundo o curador Yao Feng, esta exposição tem origem num desafio a que o artista se propôs para uma interpretação do livro homónimo do título da exposição.
O “Sonho do Pavilhão Vermelho” de Cao Xueqin é um livro clássico com uma forte conotação cultural. “Na China, não há nenhuma outra obra de literatura que expresse de forma tão magistral a beleza da natureza humana como este livro”, acrescenta o curador, sendo que existe um grande número de artistas na área da literatura, pintura, teatro, cinema e outras formas de arte que têm interpretado este clássico da literatura. Em forma de pintura, Zhang Bin é um dos poucos que terá posto mãos à obra.
“Não importa de que forma, para mostrar o profundo significado do Sonho do Pavilhão Vermelho é preciso lê-lo e amá-lo.” 15416P10T1
Zhang Bin, após oito anos de leitura, mostra agora ao mundo uma série de pinturas inspiradas na obra em que “o objecto da pintura é a alma, tentando, na sua forma original, mostrar uma ideia bonita e irreal através da alternância da cor do mundo, com a expectativa de conduzir o observador através do sonho que ele pretende representar”, remata o curador.

Identidade

O artista é natural da cidade de Harbin e estudou na Faculdade de Design e Belas Artes e no Centro de Artes Performativas em Pequim, de 1989 a 1994. Em 1994, formou-se e foi destacado pelo Governo Central para o “Orient Song and Dance Group” como designer. Tem desempenhado sempre funções de designer e foi responsável pela concepção de palcos em algumas grandes companhias de arte performativa de música e de dança, como a Beijing TV Party, a Shangai TV Party, a Shanghai International Automobile Expo, etc.
Tem exposto na China e em diversas partes do mundo, como nos Estados Unidos, Coreia, etc. As suas obras já foram referidas em diversas publicações e fazem parte de colecções nacionais e estrangeiras.
A exposição estará patente até 19 de Maio e conta com entrada livre.

15 Abr 2016

Pintura | Filipe Miguel das Dores é premiado em Inglaterra e recorda Luís Amorim

Filipe Miguel das Dores, jovem pintor de Macau, ficou em segundo lugar num prémio atribuído pelo Royal Institute of Painters in Water Colours, no Reino Unido, com uma pintura da Livraria Portuguesa. Com outra obra – “The September after 18 years” – o jovem chamou a atenção para a morte de Luís Amorim

Working-Alone[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]inta com aguarelas e está a fazer sucesso no Reino Unido. É assim o jovem Filipe Miguel das Dores, que participou pela segunda vez com duas obras na exposição anual do Royal Institute of Painters in Water Colours. De entre mais de duas mil obras provenientes de todo o mundo, a obra de Filipe Miguel das Dores, intitulada “Working Alone”, acabou por ficar em segundo lugar no “Leatherseller’s Award”.

A obra premiada apresenta a Livraria Portuguesa como pano de fundo. “Numa noite escura, num canto do edifício, revelou-se um pouco de luz onde se trabalhou sozinho. Numa rua sem ninguém, mostrou-se um pouco dos traços pelos quais os humanos passaram”, descreveu o artista na sua página do Facebook. “É bastante difícil pintar a proporção de centenas de azulejos nas paredes do edifício com tanta precisão”, descreveu.

Filipe Miguel das Dores “gosta muito” de mostrar a sua visão do mundo e do espaço através dos desenhos de edifícios. Nesta obra, o jovem levou mais de 300 horas para concluir sozinho a pintura em aguarelas, feita com papéis grossos pintados com múltiplas camadas.

Ao HM, o artista explicou que estava muito nervoso antes da atribuição do prémio, porque já tinha ganho o “The John Purcell Paper Prize” o ano passado, com a obra “A noite de Mário”. “Muitos amigos pressionaram-me, de certa forma, porque já ganhei uma vez. Acho que tive a sorte de ganhar novamente, foi uma espécie de bónus para mim.”
Filipe Miguel das Dores confessou que outra das surpresas foi ter artistas estrangeiros e o próprio público a observar a sua obra e a tecer comentários positivos.

Lágrimas por Luís

Outra obra de Filipe Miguel das Dores chama-se “The September after 18 years”. A pintura mostra a parte de baixo da ponte Governador Nobre de Carvalho e, ainda que não tenha ganho qualquer prémio, revela um outro sentido, referindo-se ao aniversário de Luís Amorim, jovem que apareceu morto em Macau.

Working-Alone1“Quantas lágrimas se podem esconder num céu escuro? Criei esta obra por causa do meu amigo Luís Amorim, que morreu em 2007. As autoridades de Macau defenderam que ele se suicidou e decidiram acabar com a investigação, mas os pais não acreditaram. Afinal a autópsia em Portugal revelou que o Luís morreu por ter sido espancado. Mas Macau não quis voltar a investigar o caso. Então nós passamos todos os dias naquele lugar como de costume, mas os pais dele perderam o mundo a partir daquele dia”, contou ao HM.

A morte de Luís Amorim e a criação desta obra levou Filipe Miguel das Dores a participar em competições internacionais para que mais pessoas lá fora tenham conhecimento do caso. “Sendo cidadãos de Macau acreditamos que todos têm o direito de exigir uma nova investigação ao caso, para que voltemos a acreditar nos órgãos judiciais e numa sociedade de Direito”, rematou.

12 Abr 2016

HK | Eléctrico já circula com pinturas do português Vhils

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m eléctrico intervencionado pelo português Alexandre Farto, que assina como Vhils, começou esta semana a circular nas ruas de Hong Kong, no âmbito da primeira exposição individual do artista na região vizinha. A exposição “Derbis” é inaugurada apenas no dia 21, no Cais 4, mas já é possível apreciar-se a arte de Vhils a circular em Hong Kong, onde o artista português também realizou intervenções em paredes e onde está há a convite da HOCA – Hong Kong Contemporary Art.

Em “Derbis”, que levou “meses de preparação”, Vhils apresenta uma “multidisciplinaridade de trabalhos”, de acordo com informação disponível no site oficial do artista.

Com esta exposição, pretende-se “encorajar os visitantes a explorarem a cidade e reflectirem na natureza do ambiente urbano pela lente do artista”.

Nos trabalhos apresentados, Vhils desconstrói imagens com recurso a várias técnicas, como perfuração, colagens de cartazes, caixas de néon e escultura.

FOTO: José Pando Lucas
FOTO: José Pando Lucas

Alexandre Farto, de 29 anos, captou a atenção a escavar muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido a nível nacional e internacional e que já o levou a vários cantos do mundo.

A técnica que notabilizou Vhils consiste em criar imagens, em paredes ou murais, através da remoção de camadas de materiais de construção, criando uma imagem em negativo. Além das paredes, já aplicou a mesma técnica em madeira, metal e papel, nomeadamente em cartazes que se vão acumulando nos muros das cidades.

Em Julho de 2014, Alexandre Farto inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição nacional, o Museu da Electricidade, em Lisboa. “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado, na carreira do artista português, pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, que foi editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

No ano passado, o trabalho de Vhils chegou ao espaço. Em Setembro, uma obra do artista esteve na Estação Espacial Internacional (EEI), no âmbito do filme “O sentido da vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Foi a primeira vez que um artista português colaborou com a Estação Espacial Internacional, com uma instalação artística que esteve colocada na cúpula da EEI e que retrata o astronauta dinamarquês Andreas Mogensen.

Apesar de trabalhar e expor em todo o mundo, e até fora dele, Alexandre Farto não se esquece de Portugal. Em 2015, criou, entre outros, o rosto de Amália Rodrigues, em calçada portuguesa, em Alfama, Lisboa.

16 Mar 2016

Casa Garden | World Press Photo 2015 acontece em Outubro

Este ano, as problemáticas contemporâneas estão no centro do World Press Photo, o maior concurso de fotojornalismo do mundo. A 58.ª edição conta com transsexualidade, relações amorosas e trabalho fabril no pódio. A mostra vai estar em Macau entre 10 de Outubro e 1 de Novembro na Casa Garden

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Casa Garden é novamente palco da exposição itinerante do World Press Photo 2015, mostra de fotografia a nível mundial. O vencedor desta 58.ª edição é o dinamarquês Mads Nissen, um jornalista do jornal diário Politiken, representado pela Panos Pictures.
A exposição, organizada pela Fundação Oriente, acontece entre 10 de Outubro e 1 de Novembro. Este “concurso anual de fotografia jornalística” conta com o apoio da Casa de Portugal. Este ano, participaram na competição quase 5700 fotógrafos profissionais de 131 países, incluindo Austrália, Bangladesh, Dinamarca, China, Bélgica, Eritreia, França, Irlanda, Polónia, EUA, Reino Unido, Turquia e Suécia. world press photo
A fotografia vencedora mostra Jon e Alex, um casal homossexual, num momento íntimo em São Petersburgo, na Rússia. “As minorias sexuais enfrentam discriminações de ordem social e legal, assédio e mesmo ataques violentos de ódio por parte de grupos conservadores nacionais e religiosos”, explica a Fundação em comunicado. A fotografia seleccionada está integrada num projecto pessoal de Nissen, destinado à Scanpix. O dinamarquês ganhou ainda o primeiro lugar no prémio Contemporary Issues.
As películas premiadas são apresentadas em exposições numa centena de cidades por mais de 45 países. As pessoas têm ainda direito a fazer download de uma aplicação móvel gratuita, através da qual é possível aceder às fotografias em nove línguas, conhecer a história de cada uma delas, ter acesso a testemunho dos fotógrafos e outros trabalhos dos autores.

Mundo contemporâneo

As três obras principais inserem-se na temática da presente edição – “Problemáticas Contemporâneas”. Na exposição são assim abordados conceitos relacionados com a orientação sexual ou a fuga de países em guerra.
O segundo prémio foi atribuído ao fotógrafo chinês Ronghui Chen, por ter captado um trabalhador fabril em Yiwu, munido de um chapéu de Pai Natal. A cor encarnada do adereço funciona como acessório à própria fotografia, que coloca o jovem trabalhador numa luz também ela vermelha, junto ao material que utiliza.
O terceiro galardão foi parar às mãos do italiano Fulvio Bugani, fotógrafo há mais de 15 anos e com uma série de trabalhos feitos em associação com organizações não governamentais e de ajuda aos desfavorecidos, incluindo a Amnistia Internacional. A fotografia que valeu o prémio a Bugani faz parte de uma série que versa sobre a problemática da transsexualidade na Indonésia, onde este grupo é apelidado de “waria”, nome que aglutina “homem” e “mulher” na mesma frase. A película em questão não tem cor e mostra várias mulheres originárias daquele país à porta da Pesantren Waria Al Fatah, uma escola inteiramente dedicada aos transsexuais, em Java.

8 Set 2015

I had a dream | Exposição positivamente vandalizada

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] exposição do publicitário Henrique Silva, mais conhecido por Bibito, de fotomontagens de figuras públicas da história do mundo, tais como o Presidente da República Cavaco Silva, o ditador Hitler, ou Mao Tsé Tung, foi “positivamente” vandalizada. Não é um erro. A reacção dos vândalos é vista pelo próprio artista como algo positivo, apesar do mesmo assumir que nunca pensou que alguém tivesse a coragem de reagir.
Partindo do princípio que a mostra é “um trabalho que se baseia na provocação”, a exposição “I had a Dream – Eu tive um sonho mau” brinca, por um lado, com a expressão de Luther King “I have a dream” em contraponto com os sonhos destas pessoas que o artista representa ou interpreta. “Elas também tiveram um sonho, uma visão, só que era mau”, explica. Bibito
“Estou contente que alguém se tenha insurgido e vandalizado a galeria, não que queira fazer o incitamento a tais actos, mas gostei de ver que alguém actuou contra algo que o revoltava. Seja estupidez e ignorância – como muita gente o acusou no meu Facebook – ou seja porque for, actuou. Para um país tão orgulhoso dos seus brandos costumes, achei o máximo”, argumentou o artista.
O objectivo da exposição era claro: agarrar em imagens e estereótipos que representam o lado menos bom de cada um de nós e “de algum modo recontextualizar de uma forma humorística e ligeira”.
A intenção do publicitário era a de criar uma reacção, seja ela qual fosse, nas pessoas. Para Bibito é preciso que a sociedade consiga libertar-se do tabu e de um passado de peso. É preciso viver “melhor com o passado, sem ressentimentos, sem ressabiamentos”. Viver agarrado a esse lado negro, diz, traz sempre complexos e outras coisas como a intolerância ou vinganças.

Erros de avaliação

Os vidros da galeria Passevite, na freguesia de Arroios, encheram-se de rabiscos em cor laranja com insultos, mas nada que preocupe os proprietários do espaço. “Isto foi um acto isolado, acreditamos que tenha sido feito entre as cinco ou seis horas da madrugada. Quem o fez só olhou para a montra, não percebeu que a imagem do Hitler tinha a cara do Bibito, que foi manipulada. Foi alguém que não veio com certeza conhecer a exposição na sua íntegra. Passou, olhou, viu o Hitler achou que seria uma espécie de culto ao chefe e fez isto”, contou ao HM, Rui Lourenço, um dos quatro sócios da Passevite.
Exposta desde o início do mês, I had a dream termina já no próximo fim-de-semana e foi recebida de forma muito positiva por quem a visitou. “Do ponto de vista das pessoas que iam passando a reacção nunca foi negativa, antes pelo contrário, as pessoas olhavam, espreitavam e riam-se, isto pelo seu carácter provocatório e o humor característico do Bibito”, acrescentou. VANDALISMO
Questionado sobre a possibilidade de expor em Macau, e criar novas figuras deste mundo oriental, Bibito não fecha a porta. “Não sei. Talvez se houvesse um convite. No entanto, por um lado, e estando grande parte do trabalho baseado na minha realidade, acho que o impacto que tem no nosso ‘ocidente’ seria completamente diferente do que teria em Macau, por outro, não sei até que ponto me sentiria confortável para ironizar líderes ou personagens locais, não que não seja permitido, mas as reacções seriam diferentes”, explica. Ainda assim é algo a pensar “na altura e conforme o contexto”.

28 Ago 2015

Fotografia | Artista paquistanês em galeria de Hong Kong

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] artista de fotografia paquistanês Mo Shah expõe uma série dos seus mais recentes trabalhos na galeria Fabrik de Hong Kong. “Test Pattern” é inaugurada hoje e fecha portas a 21 de Setembro, com oportunidade para conhecer o artista às 18h30 desta tarde. Actualmente a viver na RAE vizinha, tem desenvolvido obras com conceitos alicerçados na adoração, na fé, em fragmentos da cultura pop e simbolismo obscuro. De acordo com a organização, esta trata-se de uma exposição de “composições que consolidam um sem número de interesses do artista nas narrativas que exploram a procura desesperada pela beleza”.

Vida errática

Mo Shah nasceu na cidade da Karachi, no Paquistão, mas cedo começou a sua jornada interior e artística, tendo estado na Coreia do Norte, no Bangladesh e vivido em Nova Iorque, Bruxelas, Londres e Hong Kong.Mo Shah O fotógrafo e artista visual licenciou-se na Universidade de Nova Iorque e foi nessa cidade que começou a fazer as suas experiências na área. “O extenso arquivo de viagens de Shah está bastante presente na sua arte, que explora a relação entre indivíduos e instituições enquanto representações da sociedade”, esclarece a organização. Há, ainda, uma clara adoração pelo mundo do cinema nos trabalho do paquistanês, com várias homenagens à sétima arte a tomarem forma junto de locais icónicos. “No seu trabalho prevalecem o fascínio pelo cinema, história, existencialismo, surrealismo, iconografia e o oculto”, frisa.

Técnicas televisivas

“Transmission Eternal” foi a primeira exposição a solo do artista e teve lugar em 2013 na sua terra-natal, na cidade de Lahore. Foi no mesmo ano que venceu o Prémio de Escolha dos Críticos na Exposição Nacional de Arte Fotográfica. Mais recentemente, Shah esteve presente para integrar a Exposição de Arte Contemporânea da Ásia, incluindo na edição deste ano. Três das suas produções podem ainda ser apreciadas no Museu de Arte Contemporânea de Seul, na Coreia do Sul. O museu adquiriu recentemente estas três peças para a sua exposição permanente.
A mostra que estreia amanhã deve o seu nome a uma técnica utilizada nos primórdios da televisão para testar a qualidade do sinal de transmissão, graficamente conhecido como uma série de risco paralelos de diferentes cores primárias. “A minha mais recente colecção de trabalhos vai buscar esta relíquia à história e transmite um mundo de possibilidades e realidades infinitas”, explica o próprio autor.

26 Ago 2015

Descobrir Manuel Vicente: Uma exposição arquitectónica

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]em qualquer outra actividade na agenda, a exposição, que abre as portas no dia 10 de Setembro, no Centro de Design de Macau, talvez feche o ciclo a uma lista de actividades dedicada àquele que é considerado o “arquitecto de Macau”, Manuel Vicente.
“Já tivemos várias iniciativas à volta do trabalho de Manuel Vicente, de celebração da vida e da obra do arquitecto, tais como, conferências que aconteceram ao longo do ano passado e, agora com a exposição, em principio encerramos este capítulo dedicado ao Manuel Vicente. Não quer dizer que no futuro não possam existir”, começa por explicar a organização da mostra.
Ao contrário da exposição que aconteceu o ano passado, a edição deste ano, “Descobrir Manuel Vicente”, não é uma exposição documental, não é a imagem do trabalho do arquitecto tal como aconteceu, mas sim uma exposição de interpretação e reflexão do seu contributo, sobretudo à cidade de Macau.
Assim, a mostra irá incluir “vários desenhos originais, um ponto de vista de um fotógrafo convidado – Nuno Assis – e tem um olhar dos colaboradores do próprio arquitecto, num total de 13 colaboradores que contribuíram com um painel original”, explica ao HM, a arquitecta Francesca Carlota Bruni, membro da Docomomo Macau, associação responsável pela mostra. Manuel Vicente
Para além dos desenhos, irão estar expostos painéis gráficos, fotografias e existirá ainda uma sala com modelos de arquitectura, que fugindo aos modelos tradicionais têm a função de reinterpretação e explicação da obra de Manuel Vicente, através da forma que o próprio fazia os desenhos técnicos.
“Estamos a fazer uma espécie de homenagem, transformando este desenhos técnicos em versões tridimencionalizadas”, explica a organização, sublinhando que o que “se procura nesta exposição é que não sendo tão documental como as anteriores, seja um pouco pedagógica. No sentido de para além de mostrar, explicar e dar a conhecer através dos olhos de quem com ele trabalhou directamente”.

Trabalhar com o melhor

É esta visão íntima que a organização pretende trazer para o público. Manuel Vicente que veio para Macau “em busca de uma liberdade criativa, de linguagem e daquele mundo português pós salazarista”, veio encontrar aqui aquilo que procurava.
Os membros da Docomomo, organizadores de exposição, que trabalharam directamente com o arquitecto, explicam que o processo era sempre “muito intenso”. “Intenso a nível de tempo, consumido pelo trabalho. Não havia ninguém que trabalhasse com o Manuel Vicente que não tivesse uma profissão das 9 às 17h00. Nunca foi um emprego, foi sempre uma paixão. E essa paixão que ele tinha, conseguia ser transmitida com a enorme força, com o entusiasmo que passava a todas as pessoas que o envolviam. Portanto nós naturalmente embarcávamos nesta grande festa que era fazer arquitectura com ele [Manuel Vicente]. Prestava-se um serviço às pessoas, à cidade”, explicam.
Em curso, pela mão da organização, estão ainda outros projectos, o próximo já no final de Outubro, os seminários Docomomo, em que marcará presença a presidente da associação internacional. A par com esta iniciativa está ainda prevista uma primeira exposição sobre o modernismo na zona do sudoeste asiático e ainda uma mostra subordinada ao tema “Modernismo Macaense”.
“Descobrir Manuel Vicente” tem entrada livre e a duração de um mês, sendo passível de marcação para visitas guiadas com os membros da Docomomo.

17 Ago 2015

Fotografia | IFT acolhe exposição de retratos antigos da cidade

O IFT apresentou ontem, no restaurante da escola, uma exposição de fotografias que mostram a cidade antiga, nomeadamente zonas que hoje em dia estão irreconhecíveis. O trabalho é de cinco fotógrafos locais e pretende reforçar a memória colectiva

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto de Formação Turística (IFT) inaugurou ontem uma exposição de fotografias da cidade e da população, datadas entre as décadas de 60 e 90. A mostra, dividida por duas zonas da escola, mostra uma série de fotografias que congelaram a arquitectura, vivências, objectos, quotidiano e pessoas de um tempo ao qual já não é possível assistir. O mérito concede-se a Tong Ka, Kong Iu Lam, Ao Peng, Tam Kai Hon e Carlos Dias, cinco fotógrafos locais, todos eles com ligações próximas a associações de fomento à arte de fotografar.
Através da memória, o IFT pretende dar a conhecer aos seus alunos e aos visitantes da mostra que Macau nem sempre foi feita somente de luz e caos, jogo e turismo. Uma grande parte desta mostra zonas da cidade actualmente inexistentes, como são as orlas costeiras e bairros mais antigos, como o da Barra.
De entre os artistas consta Tong Ka, fundador da Associação de Fotografia Digital de Macau. Aos média, Tong confessa ainda deambular pela cidade, decifrando-a visualmente com a sua máquina, que ontem carregava orgulhosamente ao pescoço. “Muitos dos prédios ou cenários [que retratei] nas fotografias já não existem, mas estas permitem que a população conheça a cidade de antigamente”, começou o fotógrafo por explicar.
Questionado sobre o sentimento que tem ao olhar para as imagens sem movimento, Tong esclarece: “a vida e as pessoas daqueles tempos eram mais humildes e simples e as suas vidas eram mais duras do que hoje em dia”. fotos ift
Se por um lado, se discerne perfeitamente as duas realidades transformadas da cidade, por outro, compreende-se a beleza destes dois mundos, que coexistem sem grande parte estar já viva. “A maior parte do que captei simboliza o movimento da cidade e das pessoas, não tanto de lugares específicos”, acrescentou.

O congelar do movimento

Uma das paredes, na sala dos fundos, tem pendurada uma série de películas da Rua da Praia do Manduco e da Almirante Sérgio. Chuvadas tropicais que provocam inundações, autocarros como ninguém imaginaria passarem pelas ruas da região, pescadores, mães e filhos e manobras de ginasta em paredões são apenas alguns dos momentos congelados, agora na memória de quem por ali passar os olhos. IFT fotos
Durante a inauguração, a directora da Escola de Hotelaria e Turismo, Diamantina Coimbra referiu que espera uma grande afluência de visitantes, uma vez que a abertura contou com a presença “de mais de cem pessoas”.
Muitos certamente não se recordarão de como era desenhada a cidade nos anos 60, quando Salazar ainda governava Portugal e Macau era vista aos olhos do estrangeiro como uma mera colónia, mas tinha, precisamente por se situar na ponta oposta do mundo, uma natureza e vivências particulares. Entre os vendilhões, as quinquilharias e os tin-tins, havia crianças a brincar na rua, irmãos a beber água de fontes e as mães à coca, sem esquecer paisagens quietas e apaziguadas da região. Vistas do rio e da terra.
A mostra está patente até 30 de Novembro, no Restaurante Educacional, servindo para comemorar o 20º aniversário da fundação do IFT, sem esquecer a celebração do decénio da inscrição do Centro Histórico na UNESCO e da inauguração do curso de Gestão do Património, que também teve início em 2005. Tem entrada livre.

6 Ago 2015

Creative | Exposição de fotografia “Cities” inaugurada hoje

Trazer um olhar sobre outras cidades ao território é o objectivo máximo da exposição que começa hoje na Creative Macau. Cinco fotógrafos locais escolheram uma cidade e mostram-na em fotos muito pessoais

[dropcap style=’circle’]I[/dropcap]naugura hoje às 16h30 na Creative Macau a exposição “Cidades: Fotografias a Preto e Branco”, que reúne o olhar de cinco fotógrafos locais sobre cinco cidades à sua escolha. Carmo Correia, Wilson Caldeira, Tang Kuok Ho, Marina Carvalho e Ieong Man Pan foram os fotógrafos convidados para mostrar um pouco mais “de outras cidades que não são Macau”.
“Queríamos quebrar um bocadinho o ciclo das exposições sempre sobre Macau e as coisas de Macau”, disse ao HM a directora da Creative, Lúcia Lemos.
A única imposição colocada ao artistas foi a de efectivamente não escolherem Macau como cidade a apresentar. “Quando se fala em exposição e fotografia pensa-se logo em Macau e ultimamente tem havido imensas exposições sobre Macau e o que envolve. Esta exposição serve para quebrar isso e oferecer ao público outras cidades”, rematou.

Foto de Marina Carvalho
Foto de Marina Carvalho

A maioria dos fotógrafos está representado por cinco fotografias, mas no todo são cerca de 28 as imagens em grande formato que compõem a mostra. Até 20 de Agosto, os interessados podem conhecer o olhar do outro sobre estes locais, que vão da Ásia aos EUA.
“Esta é uma partilha do que os fotógrafos querem mostrar, não só de tema, porque os fotógrafos foram livres de escolher o que queriam expor, respeitando o facto de ser a preto e branco”, continua Lúcia Lemos, indicando que da mostra fazem parte imagens “muito interessantes”, compostas por “retratos, detalhes, paisagens ou ruas”.

Contar uma história

Ao HM, o fotógrafo Wilson Caldeira explicou que escolheu a cidade de Melbourne, na Austrália, porque viveu lá nove meses. “As fotografias não contam nada de especial, eu fazia a minha rotina no subúrbio onde vivia e esse é mesmo o meu interesse: criar rotinas sem hierarquia a fotografar”, explicou. Sem disciplina, o trabalho de Wilson Caldeira é um “misto de qualquer coisa”. As cinco fotografias escolhidas fazem parte de um trabalho “com várias dezenas de imagens” que contam a narrativa da sua passagem pela cidade australiana.

Foto de Carmo Correia (Nova Iorque)
Foto de Carmo Correia (Nova Iorque)

Carmo Correia abraçou o convite e, juntando o útil ao agradável – porque partia numa viagem para Nova Iorque e Chicago – , decidiu fotografar a pensar na exposição.
“Tinha a hipótese de [escolher] estas duas cidades, mas como já conhecia Chicago e estava com vontade de fazer qualquer coisa nova, numa cidade que também para mim era nova, escolhi Nova Iorque”, contou ao HM.
As cinco fotografias pretendem mostrar a cidade mais conhecida do Estados Unidos. “Escolhi cinco imagens que no seu conjunto dizem: isto é Nova Iorque, é esta cidade. Que não pudesse ser outra coisa, ou seja, acabam por não ser monumentos, como a torre A ou B. Não quis que fosse óbvio”, justifica.
Para a fotógrafa é inquestionável a necessidade de Macau ver além de si próprio. “Acho que Macau devia olhar muito mais lá para fora, o território está sempre muito focado para olhar para dentro. É giro mostrar Macau para fora, mas nós devíamos olhar muito mais para o que está lá fora”, remata.
A capital portuguesa, Lisboa, está representada pelo olhar de Marina Carvalho. Já Ieong Man Pan escolheu a cidade chinesa Sichuan-Meigu e Tang Kuok Ho representa Nanquim. A exposição é de entrada livre e termina a 20 de Agosto.

23 Jul 2015

William Kuan, conselheiro dos Kaifong e vice-presidente da Associação de Convenções de Macau

Os jovens de Macau precisam de mudar de rumo profissional, ser mais pró-activos e a queda das receitas do Jogo pode ser uma oportunidade boa para isso. É o que diz o presidente da Associação Youth Dreams e conselheiro da União Geral dos Moradores de Macau, que fala ainda como vice-presidente da Associação de Convenções e Exposições de Macau sobre a indústria MICE e as oportunidades nela contidas

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s receitas do Jogo estão a cair há mais de um ano e o Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, prevê tomar medidas de austeridade caso as deste mês não cheguem aos 18,3 mil milhões de patacas. Como vê esta situação?
Acho que nas férias de Verão, os sectores do Turismo e do Jogo vão ser mais prósperos. A par, aliás, da medida que permite aos portadores do passaporte da China em trânsito em Macau que fiquem sete dias. Apesar de serem apenas mais dois dias, pode-se ver que o Governo Central apoia o Turismo e a diversificação da economia do território, fazendo com que venham mais turistas do interior da China. Não acho que as receitas do Jogo venham a descer mais, pelo menos, vão manter o mesmo nível. Isso tem a ver também com os novos empreendimentos das operadoras de Jogo que já abriram e os outros, que vão abrir gradualmente. Isso dará um impulso à economia.

Mas já houve deputados que criticaram esse prolongamento, porque dizem que o Governo não considerou os abusos anteriores de estadia ilegal em Macau.
Pode não ser assim, afinal todas as políticas são feitas dependendo da altura e da situação real. As políticas são mortas, as pessoas vivas e os ajustamentos têm de ser apropriados depois de se observar as necessidades verdadeiras.

Concorda com que quase todas as políticas do Governo sejam precedidas de consultas públicas?
Acho que o Governo consultou demais, porque cem pessoas têm cem opiniões diferentes e nunca há um resultado [consensual]. O que precisamos é de governar de forma científica, depois de entender as necessidades da população e ter em conta e oportunamente as considerações profissionais. Tanto na construção do metro ligeiro, como na reutilização do antigo Hotel Estoril.

O Governo falou de 16 terrenos que não reuniram condições para a declaração de caducidade. Existem deputados e académicos que criticam a razão – falhas administrativas – mas existem também suspeitas de transferência de benefícios entre Governo e concessionários. Como avalia esta questão? 
A questão é bem sensível. De facto, no âmbito do Direito, sobretudo em concessões recentes de terrenos, não existe uma definição de “desocupação”. Com o desenvolvimento rápido do sector imobiliário, ninguém quer deixar lotes que possam ser utilizados, mas na realidade pode haver lotes cujas condições são mais restritas e não podem ser desenvolvidos os projectos. Ou porque não se elaboraram plantas de condições urbanísticas ao longo do tempo, ou porque a natureza industrial do lote não corresponde à ideia de habitação… Outro problema é que quando o Governo autoriza uma concessão de terreno, o investidor precisa de primeiro pagar um determinado montante ao Governo antes de construir. Se o terreno não foi desenvolvido, teoricamente, o Governo já ganhou dinheiro e ainda recuperará o terreno. Estas condições não servem e o Governo não pode pôr as culpas em nenhuma parte. Isto tem a ver com vários problemas, com a falta de um planeamento urbanístico completo, com a impossibilidade de mudança da natureza dos lotes no âmbito da lei, até porque o antigo Secretário para os Transportes e Obras Públicas já disse que é necessário revitalizar os lotes industriais, porque Macau já não é uma cidade industrial.

A terceira fase das consultas públicas das cinco zonas dos novos aterros está a ser realizada e existem preocupações sobre a densidade populacional ou a falta de factores comerciais na Zona A, onde vão ser construídas 32 mil fracções. Tem alguma ideia sobre a zona?
Não vejo que a densidade populacional da Zona A venha a ser demasiado alta. Tendo em conta as condições de construção, para se construírem prédios de habitação, vê-se que a Zona A vai ter menos densidade populacional do que a Areia Preta. No que toca aos factores comerciais, concordo que seja preciso adicionar mais instalações comerciais e sociais, incluindo espaços de recreio, mercados, campos de desporto, complexos para concertos e seminários para as novas gerações. O problema não é o nível da proporção de área mas são as funções que tem de ter a zona, que tem de ser diversificada.

Quanto às outras zonas dos novos aterros, existem opiniões que apontam que o metro ligeiro não vai abranger suficientemente as zonas C e D – junto à Taipa – e espera-se que o Governo resolva a questão…
O metro ligeiro começou a ser planeado desde a altura do Ao Man Long, demorou quase dez anos, mas os novos aterros só surgiram nos últimos anos. Não há outra escolha, tem que ser construído de imediato e quando se pensa que só depois da conclusão é que se deve pensar como prolongar as linhas, não se deve fazê-lo, caso contrário só se vai demorar ainda mais tempo e ter excesso de despesas.

A Associação Internacional de Congresso e Convenção classifica Macau como o 20º lugar para eventos internacionais, em 2014.  Em que nível acha que o sector de Macau está? Quais são as vantagens e desvantagens deste sector actualmente?

O sector MICE é tido como muito importante pelo Governo, que lhe dedica recursos. Isso prova que o Executivo quer chegar à diversificação das indústrias. Se compararmos com uma cidade semelhante a Macau, Las Vegas, a receita do sector MICE já ultrapassou as do Jogo. De forma geral, em cidades desenvolvidas, o investimento e o rendimento da indústria MICE é de 1:8. Em Macau, o rendimento já ultrapassou oito vezes o investimento, porque quando empresários chegam a Macau, impulsionam ao mesmo tempo os sectores do Jogo, da logística, do turismo, das lembranças, da publicidade, dos restaurantes, além de que Macau serve de plataforma entre a China e os países da Língua Portuguesa. O investimento no e do sector MICE pode trazer grandes receitas para o desenvolvimento de Macau a longo prazo. william kuan

Se for assim, acha que o sector MICE pode ser a próxima indústria predominante de Macau?
Acredito, como cada instituição de ensino superior tem cursos de Turismo ou da área das convenções e exposições, formam-se muitos talentos. Esta indústria pode trazer muitas oportunidades de negócio para as pequenas e médias empresas (PME), sobretudo aos trabalhadores da linha frente do MICE, que são quem trazem as pessoas para fazer negócios em Macau. Podemos ver tantos cafés abertos pelas novas gerações, com a ajuda do Governo, tais como a exposição de franquia realizada pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), onde jovens compraram as marcas de Taiwan para vender em Macau.

Disse uma vez que os jovens de Macau têm falta de consciência de risco, porque existem muitos tipos de trabalho para escolher. Pode explicar o que quis dizer com mais detalhe?
Macau está ainda cheio de recursos financeiro e essa felicidade faz com que os jovens sejam menos activos do que os de Hong Kong ou das regiões vizinhas. As nossas gerações precisam ainda de passar por muitas atribulações, porque basta um precisar de se esforçar, para outros poderem ser influenciados a avançar.

Sendo também presidente da Associação Youth Dreams, como avalia o pensamento e equilíbrio de trabalho, entre a vida e os sonhos dos jovens de Macau?
O equilíbrio está ainda por melhorar. Devido ao desenvolvimento da economia, existe uma protecção do Governo às novas gerações e a maioria de jovens tem apenas dois objectivos: ou trabalhar na indústria do Jogo, ou na Função Pública, o que faz com que exista um vazio grande nos recursos humanos jovens noutros sectores, sobretudo na construção civil, porque o sector do Jogo ocupa 80% do número total de receitas em Macau e precisamos de equilibrar a mão-de-obra de cada sector. É necessário aconselhar mais jovens a criar negócios e estes precisam de saber mais coisas na prática. Portanto, a queda das receitas do Jogo pode ser ideal para alertar os jovens para pensarem mais noutros tipos de trabalhos.

10 Jul 2015