Entrevista | Ouyang Jianghe, poeta: “Sou o que escrevo”

Ouyang Jianghe é um dos poetas com mais relevo na China. Uma escrita simples, ritmada e de interpretação complexa marca o trabalho do autor que abandonou a exultação dos grandes acontecimentos históricos para se dedicar à expressão pessoal. O poeta falou ao HM do que escreve, dos desafios da tradução e da descoberta que fez

[dropcap]N[/dropcap]asceu em Sichuan, na altura da Revolução Cultural. Como é que nestas circunstâncias a poesia apareceu na sua vida?
Penso que precisava de me descobrir e não sabia como. A poesia não é só um meio de expressão das opiniões acerca do sentido do mundo e da vida. O processo de escrita é uma descoberta que se confunde com a própria vida. Expressamos o que dentro de nós se transformou, na nossa forma de ver o que nos rodeia. Por outro lado, é nesse processo que aprendemos a moldar a própria vida. Acaba por ser a escrita que se impõe e que nos faz o que somos. Escrever acaba por se confundir com o que somos.

Faz parte da segunda geração de autores que deixa a tradição histórica e recorre ao quotidiano. No seu caso, através de uma simplicidade de palavras que não corresponde à complexidade dos conteúdos.
De facto, recorro aparentemente a vocabulário muito simples. Uso palavras que as pessoas podem realmente compreender a um nível superficial. Mas as ideias e pontos de vista subjacentes são outros. Faço um processo de condensação de ideias que se escondem em vocábulos. É também uma poesia muito visual em que uso os caracteres enquanto símbolos. É uma forma de encriptação de informação. A leitura passa a ser outro processo, o de interpretação dessa linguagem encriptada, o da procura e descoberta do que está omisso e secreto. Muita da minha poesia usa palavras muito simples, mas o processo é muito complexo. Podemos ainda fazer uso de grandes figuras como o Confúcio, e ressuscitá-las. É o “voltar a viver”. Mas a ideia principal é, de facto, esconder a complexidade atrás das palavras simples e é trabalho dos leitores interpretar o texto.

O que nos leva a outra questão. Para o público estrangeiro, que lê as traduções, há outro elemento que é a própria tradução. Como é que vê o seu trabalho, tão específico na língua chinesa, traduzido?
É realmente muito difícil traduzir o meu trabalho. A maior dificuldade, penso, é conseguir transmitir as ideias que estão ali condensadas. O processo de tradução engloba muitas camadas que se sobrepõem. Numa tradução mais superficial, e que deverá ser a primeira, é a tradução do significado básico da palavra. Estamos ao nível mais simples mas fundamental para uma primeira leitura. Um poema também tem muita técnica de escrita implícita, que inclui a expressão do imaginário e em que é usada, por exemplo, a metáfora. Encontramos aqui o segundo nível da tradução: o entendimento e interpretação do imaginário. Fazer a sua tradução e encontrar um possível equivalente na língua de chegada que possa espalhar de alguma forma, a imagem do poema.

Estamos perante um terceiro produto?
O poeta e tradutor americano Forrest Gander assinala que, num poema, o que pode ser traduzido não é realmente a parte mais importante. O que não pode ser traduzido é o cerne. Quando um poema é traduzido é recriado. Deixa de ser o original e passa, de facto, a ser um novo produto com um novo significado e capaz de ser interpretado por outra cultura, a que fala a língua de chegada. Podemos mesmo dizer que aparece numa espécie de terceira linguagem. A imagem dentro de cada poema só fica completa quando passa por uma tradução. A tradução acaba por findar um ciclo de criação. É também um processo feito a dois, durante o qual, na troca que proporciona, se consegue abranger as muitas interpretações possíveis. É tornar o poema completo de novo, até para o próprio poeta. Quando um poema é traduzido também pode perder o seu som, que um poema também é música. Mas pode ser criada uma nova canção. O processo implica perdas, mas também implica uma nova criação e é capaz de dar ao texto uma nova vida. Outra questão relevante é que quando pensamos em tradução associamos sempre a línguas diferentes. Na verdade, os poemas podem ser traduzidos dentro do mesmo idioma. No chinês acontece frequentemente. Um poema tem de ser traduzido dentro da própria língua porque é necessário ir além do tal significado superficial e nem os nativos de chinês podem muitas vezes compreender o texto se não tiverem estas traduções. Acontece com muitos dos nossos grandes poetas, como Li Bai ou Du Fu. A razão é que a interpretação e compreensão das ideias que formam um poema exigem um conhecimento vasto e profundo de toda uma realidade linguística, cultural e histórica que não é acessível a todos. O processo da tradução, seja qual for, vai resgatar as palavras e significados exilados.

Deixou de escrever durante uma década, o que marca dois períodos de criação com características diferentes. Porquê a paragem e o que é que aconteceu neste período para levar à mudança?
O período que abrange o momento em que comecei a escrever até ter decidido parar tem dois aspectos. Na primeira fase, ainda era muito jovem e escrevia em Sichuan, onde estava muito limitado à minha experiência pessoal, com as características culturais e sociais daquela província. A minha escrita não era tão pessoal mas mais dirigida às pessoas, o que fazia com que abordasse mais aspectos sociais e políticos e, talvez, mais rebeldes. A intenção era chegar a um público. Em 1993 fui para os Estados Unidos durante cinco anos. Não sabia inglês e a minha forma de expressão e pensamento mudou. Como não falava a língua, não podia falar para os outros e tinha monólogos comigo próprio. Foi quando senti que alguma coisa estava a acontecer e a mudar. Ao falar comigo percebi que afinal falava com ninguém e, por vezes, com uma espécie de fantasma. Por vezes transformava esse fantasma em alguém que admirasse, como Li Bai. Expressava-me para o vazio e isso fez com que me visse obrigado a ouvir-me. Esta voz transformou-se, mais tarde, nos meus poemas. Se não tivesse ido para os Estados Unidos, se calhar nunca tinha percebido isso. Foi também ali que comecei a ver poesia em tudo. Recordo uma situação em que fui a um museu e vi uma moeda grega. Era dinheiro, mas sem valor e muito bonito. Pensei que podia escrever sobre este dinheiro transformado em arte e história e que, dadas as imagens e o relevo, era uma escultura com um padrão. Foi também quando comecei a trabalhar na rima e na sua integração no poema. Percebi que a minha poesia também podia ter forma, podia ser uma peça. Podia desenhar as palavras. A mudança que ocorreu em mim e no meu trabalho pode ser metaforizada numa conhecida história de um prisioneiro que gostava muito de jogar xadrez. Enquanto detido, fazia-o sozinho, até que conseguiu sair em liberdade. Foi quando percebeu o que tinha aprendido antes, na sua solidão. Ganhou os campeonatos em que participou. Quando parei de escrever desenvolveram-se muitas coisas dentro de mim, e os Estados Unidos acabaram por ser a minha prisão. Quando voltei à escrita, o que saiu foi o resultado dessas observações. A palavra e a rima chinesa transformaram-se nas minhas peças de xadrez que, quando jogadas, ganhavam asas.

A China está a mudar e o Ocidente parece estar cada vez mais interessado na literatura que se faz no país. Como é que vê este interesse crescente?
O desenvolvimento da China e o interesse por ela e pela sua literatura é de facto uma coisa relativamente nova, mas considero que é um fenómeno essencialmente político. Há pessoas que estão satisfeitas com isso e outras que nem tanto. Recordo que em 2008, enquanto falava com um tradutor sobre esta questão, ele dizia-me que o crescimento da China fez com que o país existisse para o mundo. Na sua opinião, essa é a razão que leva à necessidade de conhecimento acerca deste país, porque passou a representar um tipo de ameaça. Passou a ser importante saber o que era esta China que ganhava cada vez mais relevo económico no mundo. Qual era a raiz deste país? Até aí, havia muito poucas pessoas a querem saber da China. É aí que também entra a literatura enquanto forma de aceder à cultura chinesa. Por outro lado, a razão para a falta de conhecimento da literatura chinesa assenta em dois pilares. Por um lado, a questão da tradução. Por outro, penso que há um mal-entendido entre Ocidente e China, e as pessoas que procuram a literatura chinesa não estão realmente interessadas nos livros, mas sim em procurar as circunstâncias políticas e económicas de um país. Procuram a controvérsia e querem ouvir as vozes que mais lhes convêm e o que esperam saber. Querem ouvir essencialmente vozes políticas. Não estão abertas a histórias que relatem uma sociedade contemporânea, buscam a confusão e não verdadeiramente um retrato descritivo. Penso que não têm realmente um interesse pela língua e literatura do país. A realidade de hoje não é só de hoje. O que vemos hoje tem passado e já abarca o futuro. A poesia é também isso, uma mostra do que foi, é e poderá ser a sociedade chinesa. No que faço também é isso que tento mostrar: o lado literário do que se faz hoje na China.

Já não é a primeira vez em Macau.
É a quarta. Mas a ocasião que mais me marcou aqui foi a terceira visita. Vim integrado numa comitiva para conversarmos acerca dos passos a dar no território para o desenvolvimento da arte contemporânea. Fiquei muito espantado porque a única coisa que se passou foi um almoço sem mais conteúdos. No entanto, Macau não deixa de ser uma inspiração, até mesmo devido aos casinos, e ao poder e significado do dinheiro. Já escrevi sobre isso. Aqui, quando se joga não se vê o dinheiro real, são tudo fichas. Mas por exemplo, quando se perde, o dinheiro que não se vê torna-se visível apesar de já não existir. O mesmo acontece com as palavras. Às vezes só ganham peso depois de desaparecerem.

20 Mar 2017

Xi Wa, poeta e autora de “After Heaven is Shangai”

Xi Wa nasceu no Tibete e agora reside em Pequim. Chegou a Macau para mostrar não só os seus poemas, mas também os seus sentimentos. A escritora admite a solidão, mas acredita que cada um tem um destino diferente. Actualmente, confessa, há muitos chineses que se estão a dedicar pura e simplesmente à poesia

[dropcap]É[/dropcap] a sua primeira vez em Macau? Que impressões sobre esta cidade?
Sim, é a primeira vez. Gosto muito deste sítio, visitei o Cotai e percebi porque é que as pessoas do interior da China gostam desta cidade. O modelo de consumo é diferente, já não se importam tanto com dinheiro, mas apreciam o ambiente confortável e a sua beleza. Depois visitei também o Museu de Macau, que é bastante rico. Pareceu-me que os trabalhadores protegem bem os pormenores do museu, com um espírito profissional. Macau traz-me uma impressão muito boa, é pequeno mas é moderno e tranquilo, pode-se observar a civilização, a raiz da cultura e a história de Macau através de pequenos detalhes à vista de todos.

No domingo passado, fez uma leitura de poemas no edifício do Antigo Tribunal. Quais os poemas que escolheu para a audiência de Macau? E as suas mensagens?
Li dois poemas meus, chamados Shi Tang e Sonambulismo. Quando os escolhi, não pensei em trazer quaisquer sentimentos especiais a Macau. Na verdade, não sou boa a ler poemas e estes dois são os que domino melhor. E também os que gosto mais.

Já teve tempo para apreciar o ambiente literário de Macau?
Até agora ainda não contactei com muitos escritores do Rota das Letras. Mas gosto e respeito muito o poeta Yao Feng (Yao Jingmin), que é muito famoso. Escreve muitos poemas clássicos, explora muito a poesia. Parece-me que é muito considerável e elegante, causa-me muito boa impressão.

O que já aprendeu com ele?
Leio sempre os poemas dele, mas penso que não consigo aprender a escrever como ele. É único e respeito-o muito.

Como é que cria as suas obras no dia-a-dia?
Consigo ser séria no meu trabalho, mas também sou séria na minha vida, concentro-me e dedico-me completamente a cada assunto que tenho pontualmente. Durante o processo de escrita, escrevo os meus sentimentos, desde as sensações físicas até às mentais. Digo a verdade, com seriedade. Amores, dores… transfiro todos os sentimentos para a poesia.

Portanto, escreve o que sente?
Cada poeta escreve de forma diferente. Não sou uma pessoa que nunca pára de escrever. Mesmo que sinta algo que me impressiona muito, não escrevo logo, mas guardo no meu coração e relembro muitas vezes até ao momento indispensável, em que a minha mente está cheia, e escrevo. Mas esses sentimentos têm de passar sempre pelo filtro do meu espírito e coração, porque se eles desaparecerem alguns dias depois de terem aparecido não acho que valha a pena escrevê-los. O que conta, o que me importa, é o tempo que ficam guardados em mim, no meu coração.

É escritora a full-time?
Trabalho também para uma revista e sou organizadora de eventos de pinturas tradicionais chinesas, escrevo também comentários sobre as pinturas. Um dos pintores convidados para o Rota das Letras, Ouyang Shijian, foi sugerido por mim. É muito jovem e pouco conhecido na China continental e o facto de conseguir ter a oportunidade de mostrar as suas obras em Macau faz-me sentir muito comovida.

Como avalia o actual ambiente da escrita na China continental?
Sou uma pessoa que não contacta muito com o exterior, mantenho uma distância com outros poetas. Sou uma pessoa que vive com a solidão e acho que não tenho capacidade para comentar [a vida dos outros]. Ou comento, mas não mudo. Faço o que faço, digo a verdade e o que posso estar a sentir, mas também comento o que considero que pode melhorar. Apesar de ser uma pessoa fechada, sei que existe no interior da China um bom número de pessoas que luta pelos seus poemas, que não fazem outras coisas excepto escrever poesia, com muita insistência e exigindo muito deles próprios.

Mas acha que as novas gerações lêem muito a literatura do seu país?
Nem todos os jovens lêem. Apenas uma pequena parte que tenha gosto, sensibilidade ou talento para a língua [chinesa]. O facto é que muitos jovens não se interessam por poemas e também não é preciso obrigá-los a interessarem-se, porque eu acredito muito no destino: cada um tem o seu gosto e talento para desenvolver: ou filmes, ou pinturas, ou tecnologia.

A Xi Wa começou a escrever desde a infância?
Eu gosto de poesia desde a infância, mas comecei por escrever romances quando tinha 20 e tal anos. Vários anos depois, pensei ser poeta porque senti que o meu interesse essencial era a poesia. Comecei a vida de poeta desde 2006 e até agora.

Já está a preparar novas obras?
Neste momento não, porque a criação surge subitamente. Não planeio trabalhos fixos para mim. Mas onde vivo, o que experimento, o que compreendo é sobre o que escrevo. Penso que, quanto mais experiência tenho, mais consigo expressar os poemas que sinto estarem mais ligados ao meu coração e sinto que estou mais sincera [a escrever].

15 Mar 2016

Chan Koonchung, autor de ‘The Fat Years’: “A censura está mais severa”

De Macau guarda memórias de juventude, das férias passadas com os pais e dos cenários para filmes que pertenciam a um outro tempo. Chan Koonchung foi considerado o Escritor do Ano na Feira do Livro de 2013 em Hong Kong, onde já esteve radicado, até chegar à conclusão que era sobre a China que queria escrever. Um dos mais importantes escritores chineses, convidado do Rota das Letras deste ano, afirma que o Ocidente deixou de prestar atenção ao Tibete e que a situação da censura na China piorou

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omecemos pela sua participação neste festival. Como é estar em Macau a participar num evento desta natureza?
Venho a Macau desde muito novo. Vivia em Hong Kong com os meus pais e vínhamos cá passar uns dias de férias. Tenho muitas memórias de Macau porque vinha cá provavelmente uma vez por ano. Nessa altura, Macau era um lugar muito mais pacífico do que é agora. Na década de 80 trabalhei na indústria do cinema de Hong Kong e fiz um filme que foi rodado cá, porque não podemos encontrar sítios como estes em Hong Kong – isto porque os locais deveriam remeter-nos para a década de 40. Nessa altura estive em Macau a filmar durante cerca de um mês. O Hotel Lisboa já lá estava e o jogo e o entretenimento sempre estiveram relacionados com a economia, para além de ser um lugar com a sua beleza especial. Foi um lugar especial em diferentes alturas da minha vida e, de repente, Macau transformou-se neste lugar megalómano com casinos e marcas internacionais. Ainda me estou a habituar a isso porque tenho memórias antigas da velha Macau, em que se podia jogar nos barcos.

É importante estar num festival onde há esta mistura de idiomas e culturas?
Penso que o Festival Literário é um bom instrumento para a introdução dos escritores, porque estes tendem a estar sozinhos. Vir a um festival obriga um escritor a conhecer outras pessoas. O lado português de Macau sempre constituiu um interesse para mim, um interesse quase académico, porque interessam-me a histórias das antigas colónias, tanto inglesa como portuguesa.

Actualmente vive em Pequim, mas chegou a estar radicado em Hong Kong. Porquê essa mudança?
Já vivo em Pequim desde 1992 e desde então não voltei a trabalhar em Hong Kong. Tenho vindo a trabalhar na China e em Taiwan também. Como escritor sempre quis escrever sobre a China, porque há um óbvio interesse na China, sobretudo ao nível dos direitos [das pessoas] e achei que era difícil escrever sobre a China em Hong Kong. Por isso tinha de estar dentro [do continente]. Tinha de me sentir próximo da China. Talvez outros escritores não sintam isso, mas eu tive de o fazer. Fui para a cidade com a qual estava mais familiarizado, que é Pequim. Em 1992 trabalhei lá durante três anos. Nessa altura Xangai ainda não era uma cidade muito desenvolvida e Pequim era o lugar ideal para realizar todo o tipo de actividades culturais.

Escreveu sobre as relações entre o Tibete e a China, bem como outros aspectos ligados ao país. Nos dias de hoje é cada vez mais importante escrever sobre estes assuntos, sobretudo sobre o Tibete e a questão dos direitos humanos?
Não estou certo sobre se a comunidade internacional continua a prestar a mesma atenção à situação no Tibete. Parece-me que está a focar a sua atenção noutras questões e lugares. O Tibete ainda está lá e ainda é uma questão sensível, mas não sei se as pessoas continuarão interessadas na questão como estavam há dez anos. Não sabia quase nada sobre o Tibete até que tive a oportunidade de fazer um filme lá, em meados dos anos 80. Um estúdio em São Francisco, de Francis Ford Coppola, queria fazer um filme sobre o 13º Dalai Lama e eu era um dos produtores. E foi quando comecei a fazer o meu trabalho de casa que comecei a aprender mais sobre o Tibete e a sua história. Desde então que tenho visitado Lhasa e conhecido muitos tibetanos, tanto em Lhasa como em Pequim. Os tibetanos são um dos grupos étnicos chineses que conheço melhor, para além dos chineses Han… E sempre quis escrever sobre o Tibete.

Mas acredita que o mundo deveria continuar a prestar atenção à situação no Tibete?
A questão dos direitos humanos está a esvanecer-se em relação à atenção que é dada pelo Ocidente, sobretudo pelas grandes forças, como o Reino Unido, a Alemanha ou os Estados Unidos. Já não estão focados em depositar a sua atenção nos direitos humanos e a questão do Tibete também tem vindo a desvanecer-se. Além disso, outras zonas da China começaram a ser mais alvo de atenção, ao nível dos grupos étnicos, e que se tornaram em questões internacionais. O Tibete é hoje uma questão local. A China é também um país muito forte e influente e a sua atitude mudou.

Criou a Green Power. Acredita que o problema da poluição na China pode colocar a população contra o seu próprio Governo?
Coloca sempre as pessoas contra os governos a nível local. As pessoas têm uma maior noção dos seus direitos, mas vão sempre assumir uma causa contra os governos locais. É muito difícil ganharem consciência quanto à criação de grupos para fazer pressão para que o Governo Central mude de política. Não vejo isso a acontecer muitas vezes. As pessoas falam enquanto indivíduos, há algumas ONG focadas nessa questão e associações a nível nacional, mas as pessoas vão continuar viradas para os problemas a nível local.

Como é escrever na China nos dias de hoje? É hoje um país mais aberto ao mundo? Como tem sido a sua experiência?
A China é de facto um país mais aberto ao mundo comparando com há 30 anos, mas é menos aberta se compararmos com há dez anos.

Porquê?
A melhor altura foi antes dos Jogos Olímpicos, em 2008, quando houve uma abertura. Mas claro que se compararmos com a fase da reforma implementada por Deng Xiaoping, a China abriu-se bastante ao mundo. Poderia ter feito melhor, abrir ainda mais. A situação actual não é muito confortável para muita gente, que preza a liberdade de expressão e que quer publicar. A situação está a ficar difícil para os editores, porque a censura está mais severa em vários aspectos, tanto ao nível da edição de livros como da imprensa, ou até na internet.

Como olha para o caso do desaparecimento dos livreiros de Hong Kong?
Esse caso chocou toda a gente. As pessoas achavam que isso nunca iria acontecer em Hong Kong. Os detalhes ainda não são totalmente conhecidos, mas há algo de terrivelmente errado nesse caso. Há editores que não querem ser os próximos a estar envolvidos num caso semelhante. A auto censura é sempre uma das coisas mais perigosas. Não é uma censura explícita, são as pessoas que se auto-censuram. Isso é o mais grave.

O seu próximo livro poderá ser sobre Macau?
Claro que gostaria de escrever algo sobre Macau, mas talvez não esteja muito qualificado para o fazer. Talvez faça um romance sobre a China. Poderia dar-lhe este, está em português não está? (Mostra a edição portuguesa de The Fat Years: China 2013). Escrevi este livro em 2009, para falar do novo normal, a nova mentalidade a seguir aos Jogos Olímpicos, sobre o facto da China estar a ter um bom desempenho económico. Porque houve uma crise financeira no Ocidente em 2008. As pessoas na China começaram a sentir-se mais confiantes em relação a elas mesmas e também mais ricas. Mas nessa altura, em 2009, os meus amigos não viam a China dessa forma, então escrevi como se estivéssemos em 2013, como se fosse no futuro, com eventos ficcionados para expressar a minha visão.

Esse novo normal é bom para a China e para a sua sociedade?
Os chineses, tal como disse, tornaram-se mais confiantes, mas às vezes confiantes de mais. Tornaram-se mais descomplexados e menos desadequados [em relação ao mundo], mas às vezes compensam isso sendo demasiado agressivos. O ano de 2008 foi um ano crítico que alterou por completo todas as mentalidades.

Perfil

Chan Koonchung nasceu em Xangai, China, em 1952, tendo estudado na Universidade de Hong Kong e também nos Estados Unidos. Jornalista, activista na área do ambiente, Chan Koonchung foi considerado o Escritor do Ano na Feira do Livro de Hong Kong em 2013. Escreveu sobre as relações entre a China e o Tibete em “The Unbearable Dreamworld of Champa the Driver”, lançado em 2014, sendo que o romance “The second year of Jiang: An alternativa history of new China” foi considerado um dos dez melhores romances chineses em 2015, pela revista Asia Weekly de Hong Kong. Chan Koonchung está também ligado ao cinema, tendo criado a Hong Kong Film Directors Association. Com “The Fat Years”, escrito em 2009, Chan Koonchung aventura-se no universo da ficção, já que narra um futuro 2013. Este livro nunca foi publicado na China continental.

8 Mar 2016