Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemHistórias de vida das quatro mulheres que lutam pelos direitos das empregadas domésticas Retratos de luta As quatro mulheres que reivindicam direitos para as empregadas domésticas trilharam diferentes caminhos até chegarem a uma causa comum. A maioria começou a sua jornada em Hong Kong, mas muitas passaram por Singapura e pelo Médio Oriente. Uma delas cuidou dos filhos de Bashar al-Assad e guarda boas recordações da família que governa a Síria Jean Calma – Ao serviço de Assad [dropcap]Q[/dropcap]uando lhe perguntamos pelo passado, Jean Calma rasga um sorriso que guarda histórias como alguém que já passou por muito. A viver em Macau há dez anos, Jean trabalhou como empregada doméstica no Brunei, em Beirute, capital do Líbano, onde se cruzou, em actos oficiais, com Hillary Clinton, ex-candidata às presidenciais dos Estados Unidos e mulher do ex-presidente Bill Clinton, e Madeleine Albright, ex-secretária de Estado e embaixadora dos Estados Unidos na ONU. Diz ter-se cruzado também com Laura Bush, esposa de George W. Bush. No entanto, as memórias mais importantes que guarda do Médio Oriente vêm de Damasco, Síria, onde trabalhou na casa do actual Presidente Bashar al-Assad, a tomar conta dos seus filhos. Jean Calma. Sofia Margarida Mota “Foram tempos muito interessantes. Trabalhei na casa privada da família. Ele tratava-me muito bem, éramos como uma família”, recordou Jean Calma. “Na verdade, eu não os via com frequência todos os dias. Eles estavam sempre muito ocupados, a viajar, por exemplo. Mas a mulher [Asma al-Assad] estava sempre lá.” Os filhos estudavam numa escola privada na capital síria e ocupavam a maior parte do tempo de Jean Calma que nem se ocupava com muitas tarefas domésticas. “A casa era enorme, mas eu não me importava de fazer as coisas. Além disso, só estava encarregue das crianças. Eram como uma família normal.” Jean Calma acabou por deixar a Síria em 2008, quando já se adivinhavam tensões políticas que se materializaram no início da guerra civil em 2011, no rescaldo dos movimentos da chamada Primavera Árabe. “A Síria já era um país perigoso na altura, era difícil continuar a trabalhar lá. Depois, a minha mãe ficou doente, queria ficar mais perto dela e decidi vir para a China, e depois para Macau.” Apesar de Bashar al-Assad ser visto mundialmente como um ditador sanguinário, Jean Calma tem dele a melhor das impressões. “São pessoas boas, simpáticas e generosas. Não posso dizer nada contra eles. Damasco era uma boa cidade para viver, o tempo era fantástico. Parecia que estava na Europa.” Apesar de ter deixado o trabalho, os laços afectivos continuaram. “Na verdade, eles convidaram-me a visitá-los e chegámos a encontrar-nos no Dubai, para nos vermos outra vez.” Hoje, a empregada doméstica lamenta o conflito que destruiu o país. “A situação é muito triste, tendo em conta tudo o que ficou para trás, a minha experiência. É tudo muito assustador. [Na altura] decidi não pôr a vida em risco e fui trabalhar para outro país. Já havia tensões políticas, que duram até hoje. Não queria continuar lá e não sabia se ia continuar viva”, assegurou. À espera da reforma Depois da Síria, a China apareceu-lhe no mapa. Trabalhou em casa de uma família com dois filhos, a quem ensinou inglês, que lhes permitiu estudarem no Reino Unido. Macau chegaria mais tarde, e daqui só quer sair quando atingir a idade da reforma. Apesar de cá estar há dez anos, nunca tentou obter a residência, pois é um processo “difícil”. Ganha quatro mil patacas e vive na casa dos patrões, mas está satisfeita com as condições de trabalho. “Não tenho de fazer muitas horas. Começo às sete da manhã e preparo os pequenos-almoços, depois lavo a roupa, faço a limpeza e só tenho de preparar as refeições no final do dia. Então à tarde tenho muito tempo para descansar. Às duas e meia vou buscar as crianças à escola”, conta. Jean Calma garante que nunca foi vítima de qualquer tipo de abuso. “Os meus patrões são compreensivos, gostam de mim e até as crianças não querem que eu esteja de parte das actividades do dia-a-dia.” Benedicta Palcon – Da fábrica para as limpezas Se não fosse o marido, Benedicta Palcon, actual porta-voz da Green Philippines Migrant Workers Union, talvez não tivesse vindo para o sul da China. Em 1988, a vida era difícil em Manila e na fábrica ganhava apenas o equivalente a 20 patacas por mês (100 pesos). Benedicta respeitou a decisão do marido e deixou para trás uma filha com nove meses, que hoje também trabalha em Macau como empregada doméstica. A primeira paragem da sua jornada foi Hong Kong, para onde se mudou em 1990. Aí deu os primeiros passos como activista. Macau seria o novo destino, em 2004. “Em Hong Kong, o trabalho era bom, tinha um bom salário. Há 15 anos que trabalho com o mesmo patrão. Hoje vivo em casa dos meus patrões. Começo a trabalhar às sete da manhã, às vezes acabo às 22 ou 23 horas. Estou sozinha a fazer todo o trabalho.” Não luta por melhores condições para si, pois ganha mais do que a maioria das empregadas domésticas: sete mil patacas. Mas o seu caso espelha a irregularidade dos contratos de trabalho a que estas profissionais estão votadas. “Ganho sete mil patacas, mas o meu contrato diz 2.500. O meu patrão paga-me em gorjetas, como ele diz.” Não sabe porque os termos contratuais nunca foram alterados. “Ele deposita-me sete mil por mês na conta, e se tiver algum problema com os cálculos a DSAL vai verificar as transferências bancárias e não o contrato. Há pessoas que ganham apenas o que determina o contrato”, explicou. A organização não governamental que representa em Macau ficou conhecida em 2015 com as primeiras campanhas públicas. Ainda assim, só agora Benedicta Palcon começa a reconhecer-se como alguém que defende os direitos dos outros. “Não é apenas por mim que eu luto. Luto porque conheço muitas histórias de abusos e de empregadas que trabalham muitas horas. Comecei a ser activista em Hong Kong e ainda hoje não gosto de me intitular como tal. Mas tenho de admitir que sou uma verdadeira activista (risos).” Histórias de assédio Benedicta Palcon chegou a ajudar outras colegas de profissão que foram alvo de abuso. Recorda um em particular, em que uma empregada foi vítima de assédio sexual. O caso acabou arquivado pelas autoridades. “O patrão costumava espiá-la enquanto ela estava na casa-de-banho, chegou mesmo a pôr uma câmara de filmar num buraco escondido na casa-de-banho. Nessa altura, ela não tinha provas e aconselhei-a a conversar com ele no WhatsApp, porque as mensagens ficam gravadas. Finalmente, o homem admitiu que a tinha filmado secretamente e que não tinha visto bem as imagens. Obtivemos essa prova e levámos à polícia.” O homem em questão era irmão do patrão a quem a empregada limpava a casa como trabalho parcial, uma situação ilegal, mas comum em Macau. “O homem aproveitava os momentos em que a mulher saía de casa para se masturbar no quarto de porta aberta, enquanto a empregada trabalhava. O caso acabou por ser arquivado. O patrão deu-lhe tempo para arranjar um novo emprego, pagou-lhe mais um pouco e o bilhete de avião para as Filipinas”, recordou Benedicta Palcon. A porta-voz da ONG deu a cara por muitos movimentos de defesa dos direitos dos migrantes, e assegura que o seu trabalho não fica por aqui. “O meu patrão sabe o que faço. Quando fui entrevistada pela TDM, pedi permissão para isso e ele disse-me ‘não fales demais’ (Risos). Não tenho medo de perder o trabalho, porque há inúmeras coisas para fazer, mesmo que tenha de voltar para as Filipinas. Tenho muitos planos para o futuro.” Luzviminda Sabado – Quando o patrão era agressivo A secretária da Progressive Labor Union of Domestic Worker, natural de Davao, é das poucas trabalhadoras migrantes que nunca tiveram de trabalhar fora do país para enviar dinheiro para a família. Ainda assim, a ida para Hong Kong foi uma decisão pessoal que surgiu com naturalidade. “A minha melhor amiga estava em Hong Kong e ajudou-me. Já não tinha os meus pais, por isso podia trabalhar para mim própria. Tenho meios-irmãos e irmãs, se me pedissem e se tivesse dinheiro de parte, mandava-lhes. Mas precisava de me sustentar também e tinha de poupar. Durante anos não consegui poupar.” Luzviminda Sabado. Sofia Margarida Mota Em 2012 aderiu à ONG que representa em Macau porque ganhava abaixo do salário mínimo da região vizinha, três mil dólares de Hong Kong, quando o limite mínimo era 3.700. Só aí se tornou mais activa na luta pelos direitos dos migrantes. Nos quatro anos que passou em Hong Kong, a vida profissional de Luzviminda Sabado foi feita de idas e vindas, até que lhe calhou “em sorte” um patrão agressivo. “O terceiro empregador não era bom para mim e vi-me forçada a chamar a polícia (hesita). Ele exercia violência psicológica e falava de uma forma muito agressiva comigo. Fui também vítima de discriminação. Com a ajuda da ONG fui à polícia e consegui protecção.” Em Macau arranjou emprego através de uma agência, que lhe cobrou mais do que o ordenado, que é de quatro mil patacas. “Não ficaram com os meus documentos, mas tive de pagar cinco mil dólares de Hong Kong, em prestações, durante três meses.” Depois do encontro com o Governo, Luzviminda tem esperança de que o sistema mude. “Espero que possamos criar algum movimento, mas acho que é preciso tempo. Independentemente do que aconteça, e das reuniões que tivermos, é preciso paciência para que aconteça algo.” Jassy Santos – A detenção em Singapura Jassy Santos, também ligada à Progressive Labor Union of Domestic Worker, é uma lutadora por natureza. Nota-se-lhe no rosto, na forma como fala. Em 1996 decidiu emigrar para Singapura para sustentar o pai, doente, a filha pequena e a irmã que estava a estudar. Acabou presa depois de ter sido denunciada por realizar trabalhos a tempo parcial, algo que também é ilegal na Cidade-Estado. No centro de detenções, percebeu que tão depressa não sairia dali. “Deram-me cinco dias para sair, mas acabei detida num centro durante seis meses. Ganhava o equivalente a 4.600 patacas, valor que não era suficiente, e precisava trabalhar o dobro. No centro percebi que havia trabalhadores presos há muito tempo sem acusação. Decidi contactar a ONG, que me deu um telemóvel, um computador e uma câmara. Isto ajudou-me a reportar todos os casos que conheci lá dentro.” Jassy Santos. Sofia Margarida Mota Fez tudo sozinha, ligou para jornais, contactou o consulado-geral das Filipinas e outras ONG do seu país. Ao fim de seis meses, estava em liberdade. “O polícia disse-me que fui presa por ser uma activista e não por trabalhar a tempo parcial. Quando estava presa não podia contactar com ninguém de fora, nem sequer um advogado que, de qualquer das formas, não tinha. Tirei fotos lá dentro e liguei a todos que conhecia a dizer que precisava de ajuda.” Foi também em Singapura que conheceu Fish Ip, a sindicalista de Hong Kong que agora apoia o movimento de apoio às empregadas domésticas. No sul da China, cedo teve noção de que a luta estava longe de terminar. “Depois de quatro anos em Hong Kong, decidi vir para Macau e percebemos que os migrantes não estavam protegidos pela lei. Para onde quer que fossemos ouvíamos queixas sobre os salários baixos.” Em Macau, arranjou trabalho de forma legal numa agência de emprego, com a qual se viu obrigada a lutar pelo pagamento de cauções justas. “Disse-lhes que só pagaria se me dessem recibo. Perguntaram-me o que ia fazer com o recibo, e frisei ‘a lei diz que só podem cobrar 50 por cento do nosso salário, então porque me estão a pedir seis mil? Num dia podem ter um cliente que precisa de dez empregadas, então quanto vão ganhar?”, questionou. O braço-de-ferro compensou e acabou por pagar apenas o que está previsto na lei. Jassy Santos ganha cinco mil patacas, mas não vive com os patrões. As ajudas de alimentação e alojamento estão incluídas neste montante. Conhece casos de violência perpetrada contra empregadas domésticas, que ficam escondidos por medo e vergonha. Para ela, a reunião com a DSAL foi apenas o primeiro de muitos passos.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaLei Chan U quer garantir qualidade de serviços domésticos As crianças de Macau estão, em grande parte, à guarda de empregadas domésticas. A importância da função e do seu bom desempenho é o motivo que leva o deputado Lei Chan U a pedir ao Governo que garanta a qualidade de quem é exemplo para os mais novos. O tribuno exige medidas para evitar que se registem casos de abusos [dropcap style≠‘circle’]É[/dropcap] preciso “limpar” o mercado das empregadas domésticas. A afirmação foi feita pelo deputado nomeado Lei Chan U, ontem, no período antes da ordem do dia da Assembleia Legislativa, dedicado a interpelações. Em causa estão os casos, recentemente divulgados, de maus tratos a crianças por parte de empregadas, justifica o deputado. A necessidade de garantir a qualidade no serviço de quem cuida dos mais vulneráveis é o mote de Lei Chan U, até porque “são cada vez mais as famílias em que ambos os pais trabalham e muitos residentes trabalham por turnos, assim, a pessoa com quem os filhos dessas famílias mais contactam é, provavelmente, a empregada doméstica”, afirmou. Neste sentido, o papel da empregada doméstica e do exemplo que dá é fundamental, sublinhou. “Os hábitos de vida e a atitude da empregada doméstica vão, provavelmente, influenciar os filhos dessas famílias, nomeadamente os bebés e as crianças, pois vão ganhando os seus hábitos e comportamentos”, afirmou o deputado. É neste sentido que a contratação “de uma funcionária de alta qualidade é cada vez mais uma preocupação essencial da população local”, explicou. Paralelemente, os números confirmam a necessidade crescente deste tipo de serviço. “Segundo os dados estatísticos, o número de trabalhadores não residentes, que exercem funções de trabalho doméstico, foi de 16 256 em finais de 2011 e aumentou para 26 974, em finais de 2017, ou seja, um aumento de 65,9 por cento”, apontou. Solução à vista A optimização deste tipo de serviço pode passar por várias medidas. “O Governo e os sectores sociais devem ponderar mais em como criar relações de trabalho harmoniosas e estáveis”, começou por sugerir Lei. Na prática, são necessários aperfeiçoamentos legais e a definição de regimes, tendo em conta as características das funções dos trabalhadores domésticos, defende Lei. Ao mesmo tempo, cabe ao Executivo ponderar a criação de uma base de dados em que são registados comportamentos dos empregados domésticos de forma a proibir “os que têm más condutas, ou registo criminal, de trabalharem na respectiva área”. É ainda necessário reforçar acções de formação antes do ingresso na carreira, bem como aumentar os benefícios e regalias destes trabalhadores tendo em conta uma maior competitividade, remata o deputado. É de salientar que as empregadas domésticas estão entre os trabalhadores do território que menos ganham.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteEric Lestari, representante da OWE: Agências de emprego “retém passaportes para pagarmos as cauções” Empregada doméstica, Eric Lestari é também representante em Macau da Overseas Worker Entities, uma organização não governamental com sede na Indonésia que representa os trabalhadores migrantes. Eric denuncia casos de cobranças excessivas das agências de emprego, acima dos 50 por cento de ordenado, e a retenção de passaportes e outros documentos pessoais, para garantir que os trabalhadores pagam essas cauções. A responsável alerta ainda para os recrutamentos ilegais em Macau, que são “um problema” Decidiu trazer a Overseas Worker Entities para Macau. Quais são as principais actividades que têm vindo a ser realizadas? Temos esta associação não tanto para nos queixarmos quanto aos nossos direitos laborais mas também para partilharmos a nossa cultura junto da sociedade de Macau e também de outras comunidades oriundas das Filipinas ou do Vietname. Abordamos também as políticas implementadas pelo Governo e as nossas condições de trabalho. Quantos membros têm? Criamos esta associação há cerca de um ano. Fazemos sobretudo acções para que os trabalhadores compreendam os seus direitos em Macau. Somos apenas três membros neste momento. Acredita que os trabalhadores não residentes precisam de falar mais sobre si e os seus direitos? Não o fazem por medo de perder o emprego? Claro que precisamos de falar mais. Já estou há 12 anos em Macau, e alguns dos meus amigos já cá estão há 16 anos, e todos nós concordamos que não houve novas políticas em benefício ou protecção dos trabalhadores migrantes. O nosso salário mínimo ronda as 2500 patacas. Cabe ao empregador decidir o nosso salário e tudo depende das empresas [para onde vamos trabalhar], são eles que decidem o salário que nos vão pagar. Actualmente apenas existe o salário mínimo para os sectores da limpeza e da segurança, que ronda as seis mil patacas. Está então contra a proposta do Governo em não incluir as empregadas domésticas na nova lei do salário mínimo. Independentemente da decisão do Governo, se este concordar que a nossa experiência ou domínio da língua não são suficientes para Macau, então iremos para outro país procurar emprego. Mas tudo depende das empresas e dos nossos patrões, se continuam a precisar de nós ou não. Não há recrutamentos legais ou acordos de entendimento entre Macau e a Indonésia, ou outros países. Somos nós que decidimos vir trabalhar para Macau e este é um novo problema. Porque é que o Governo de Macau não aprende com as práticas implementadas pelo Governo de Hong Kong no que diz respeito à gestão de recursos humanos importados, ao nível das empregadas domésticas, por exemplo? Actualmente o Governo está a rever a lei das agências de emprego e uma das possibilidades é a cobrança de, no máximo, 50 por cento do salário do trabalhador na hora do recrutamento. O que acha desta medida? Vai ser mais difícil para os trabalhadores migrantes conseguirem trabalho aqui? Não acredito nesta política. Na realidade eles já deduzem mais do que 50 por cento do nosso salário inicial. Chegamos a pagar 12 mil ou até 20 mil patacas à agência ou a um intermediário para termos um determinado emprego. As empregadas domésticas, caso fiquem a residir na casa dos patrões, pagamos até seis mil patacas por três meses. Se ficarmos a residir fora de casa do empregador pagamos entre seis a oito mil patacas. É também uma dedução que se faz durante três a quatro meses. Continuam a existir casos em que as agências ficam com os passaportes dos trabalhadores retidos? Tentar ajuda junto do Governo é muito difícil. Se algo acontecer com os nossos passaportes podemos ir ao consulado e depois é apresentada uma queixa à polícia. Muitas vezes queixamo-nos de que a agência ou o empregador ficam com os nossos passaportes mas o que nos dizem na polícia é para lidarmos com a situação. É muito difícil para nós. Muitas vezes as agências de emprego ou os patrões obrigam-nos a assinar um documento em como não vamos voltar a fazer queixas, depois de recebermos os documentos de volta. É também uma situação perigosa para nós. Mas estes casos acontecem muitas vezes, são comuns? Isso acontece com a maioria dos casos, sobretudo com os recém-chegados. Mesmo com muitos anos em Macau, como eu ou algumas pessoas, pedem os documentos e mantém-nos retidos. Qual é o argumento que utilizam para manterem os vossos documentos? Dizem-nos que é para tratar do processo, para garantir a confirmação do empregador, e para apresentar junto dos serviços de emigração. O facto de manterem os nossos passaportes retidos é para que tenhamos de pagar as cauções. Recentemente o Governo das Filipinas suspendeu o envio de trabalhadores para Hong Kong devido aos casos de abusos cometidos. Acredita que esta medida terá algum impacto em Macau ou que pode mudar alguma coisa em relação a eventuais abusos? Não sei como será a situação em Macau, porque as pessoas não são recrutadas. Simplesmente chegam e começam à procura de emprego. Em relação aos abusos, há alguns casos mas os trabalhadores não sabem onde se podem queixar e não sabemos que justiça será feita ou que departamento do Governo nos poderá ajudar. Não sabemos se nos devemos dirigir a algum agente da polícia ou a um assistente social que nos possa ajudar. Muitos dos nossos amigos ficam calados, ou param de trabalhar e decidem regressar a casa. Alguns tentam encontrar outro trabalho. O ano passado tive uma amiga que era agredida pela idosa para quem trabalhava. No entanto ela desistiu de apresentar queixa à polícia porque o caso ia demorar muito tempo e ela não sabia que serviço ou lei é que a poderia ajudar. Ela visitou a nossa associação e o consulado da Indonésia, mas não foi suficiente para a ajudar. As condições de vida dos trabalhadores migrantes têm piorado nos últimos anos, tendo em conta o aumento do custo de vida? É difícil obter ajuda de associações de cariz social? Penso que é muito difícil. Depende se os trabalhadores são fortes o suficiente para lutarem pelos seus direitos ou se reúnem as provas para se queixarem. Muitas vezes ficam calados, falam com os amigos, partilhamos algumas coisas nas redes sociais e tentamos mudar de emprego. Qual a vossa agenda para este ano? Quais são os temas que consideram mais urgentes para serem tratados? A questão do salário mínimo existe mas não é a mais problemática. O maior problema é como podemos vir para Macau de forma legal e não ilegal. Nós, trabalhadores migrantes, chegamos com um visto de turista, e o Governo de Macau também não consegue proteger as pessoas se acontecer alguma coisa. É também difícil ao Governo da Indonésia fazer queixas e fazer garantir os direitos dos trabalhadores indonésios. Actualmente há muito recrutamento ilegal, com deduções salariais excessivas, porque não há esse acordo entre os dois governos. O que pensa do discurso político que existe actualmente junto dos deputados da Assembleia Legislativa contra os trabalhadores não residentes? O que tem para lhes dizer? Penso que há muitas pessoas que estão contra esse discurso. Há ainda alguma discriminação contra nós e queremos que saibam mais sobre os nossos direitos.
João Luz Manchete SociedadeSalário mínimo | Legislação levanta questão de justiça laboral A lei geral do salário mínimo pode deixar de fora as empregadas domésticas, uma das classes profissionais mais desfavorecidas de Macau. A possível medida divide quem se encontra dos dois lados da barricada. Entretanto, o Governo de Duterte suspendeu a aprovação de pedidos para emprego no estrangeiro [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o início da consulta pública da lei do salário mínimo, a questão dos ordenados da trabalhadoras domésticas torna-se objecto de análise, ainda para mais depois de ser levantada a possibilidade de ficarem de fora do alcance da legislação. “Se a nova lei aumentar o salário mínimo acho injusto excluir as empregadas domésticas, mas precisamos de ver como será a nova lei para podermos comentar”, diz com cautela Ana Filivia, dirigente da associação Bisdak Macau, que congrega membros da comunidade filipina. Segundo dados divulgados pela DSAL, até ao final de Setembro deste ano havia mais de 26 mil trabalhadores domésticos não residentes, dos quais mais de 13 mil eram da nacionalidade filipina. Ana Fivilia entende que “a maioria já recebe um salário muito baixo”, mas tem esperança que nova lei possa ajudar a repor alguma justiça laboral para uma classe que é das mais mal pagas do território. No outro lado da barricada encontra-se Ao Ieong Kuong Kao, presidente da Associação de Agências do Emprego para Trabalhadores Estrangeiros de Macau, que entende que “seria injusto incluir as empregadas domésticas porque não têm um horário de trabalho fixo”. O dirigente acha que não faria sentido equiparar a situação destas trabalhadoras com quem labora oito horas diariamente. Ao Ieong Kuong Kao vai mais longe ao referir que “trabalham, possivelmente, duas a quatro horas e acabam o trabalho”, referindo que ele próprio tem uma empregada doméstica. Licença suspensa O presidente da associação que representa as agências de emprego acha que os salários da classe profissional em causa “está a ser actualizada pelo mercado até, possivelmente, 4000 patacas”. Ao Ieong Kuong Kao explica ainda que as empregadas domésticas têm, com alguma frequência, despesas pagas, onde se incluem contas como electricidade, água, refeição e até alojamento. Apesar de tudo, o dirigente considera que a DSAL tem o poder para fiscalizar o processo de contratação destas trabalhadoras e exigir o aumento do limite mínimo do salário apresentado pelos empregadores. O período de consulta pública da lei do salário mínimo decorre até ao próximo dia 27 de Dezembro. Noutra frente, o executivo de Rodrigo Duterte anunciou a suspensão de novos pedidos para emprego no estrangeiro. Tanto Ao Ieong Kuok Kao, como Ana Fivilia, não prevêem consequências de maior para o mercado de trabalho que emprega nacionais filipinos em Macau. Para a responsável da Bisdak, a suspensão que se manterá até 1 de Dezembro poderá surtir mais efeitos em Hong Kong, onde se têm verificado casos graves de abusos a empregadas domésticas filipinas, mas o mercado de trabalho de Macau não deve ser afectado. Por seu lado, o presidente da Associação de Agências de Emprego para Trabalhadores Estrangeiros, entende que grande parte das empregadas domésticas de nacionalidade filipina de Macau chegam ao território depois de trabalharem em Hong Kong, findos os contratos na região vizinha. Uma questão que ultrapassa a origem da trabalhadora.
Victor Ng PolíticaMak Soi Kun quer empregadas domésticas de outras províncias [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado reeleito Mak Soi Kun escreveu uma interpelação escrita ao Governo onde pede o alargamento da política de importação de empregadas domésticas do continente a outras províncias do país. Actualmente o Governo apenas permite que venham para Macau empregadas de Fujian e Guangdong. Mak Soi Kun entende que os residentes têm vindo a mostrar reacções satisfatórias em relação a esta política, uma vez que as empregadas domésticas ajudam a reduzir a pressão familiar sentida pelas mulheres. Além disso, a ideia de alargar esta política a outras províncias do continente está relacionada com a vinda de investidores para o território. Desta forma, mais pessoas de outras províncias também poderão vir para Macau efectuar trabalhos domésticos. Devido à variedade do povo chinês em termos de hábitos, línguas e culturas, Mak Soi Kun está preocupado com a falta de empregadas domésticos em Macau vindos de outras regiões chinesas além de Fujian e Guangdong. A ideia é que se possa cobrir uma necessidade que venha a surgir no futuro, com a possibilidade de estabelecimento de mais empresários em Macau, no âmbito das políticas “Uma Faixa, Uma Rota” ou da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
Hoje Macau EventosExposição | Realidade das empregadas de Hong Kong em Lisboa [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] realidade das empregadas domésticas filipinas que residem em Hong Kong vai estar exposta em Lisboa na exposição “Arquivo e Democracia”, com fotografias de José Maçãs de Carvalho. A iniciativa estará patente no novo Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia e é inaugurada amanhã. “José Maçãs de Carvalho. Arquivo e Democracia”, com curadoria de Ana Rito, reúne trabalhos fotográficos e videográficos da obra do fotógrafo num projecto desenvolvido no oriente. A exposição documenta um acontecimento protagonizado por uma comunidade de empregadas domésticas filipinas, que se reúnem nas ruas do centro de Hong Kong, habitando-as como se de uma casa ou um quarto se tratasse, fazendo coincidir o espaço público com o espaço privado. “As filipinas são imigrantes e ocupam o último lugar da pirâmide social de Hong Kong. São as empregadas domésticas dos chineses, ganham miseravelmente e não podem, nem em grupo, alugar quartos. Por isso dormem nas casas onde trabalham, nas cozinhas, em camas desmontáveis. Têm um dia de folga que é o domingo e invadem, literalmente, o centro da cidade”, explica o artista numa nota sobre a exposição. A exposição “Dimensões Variáveis”, também inaugurada amanhã no MAAT, tem curadoria de Gregory Lang & Inês Grosso e vai propor “um novo olhar e novos diálogos sobre a relação entre artistas e arquitectura”, com obras de mais de 40 artistas e arquitectos portugueses e estrangeiros.
Flora Fong Manchete SociedadeManifestação | Empregadores pedem supervisão das empregadas e agências Ultrapassaram os 100, os manifestantes que saíram à rua ontem reivindicando uma regulamentação mais rigorosa para as empregadas domésticas e agências de emprego. Organizador do protesto apela a uma postura mais séria por parte do Governo [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]riar uma lei independente que regule a contratação e imponha regras relativamente às empregadas domésticas, adicionar a recolha de impressão digital nos postos fronteiriços das empregadas ao entrar no território, reforçar a formação das mesmas, com acordo com os países de exportação para melhorar a qualidade, foram os slogans que se gritavam nas ruas de ontem. O protesto subordinado à contratação de empregadas domésticas, organizado pela União dos Empregadores Domésticos de Macau, aconteceu ontem e reuniu cerca de 100 manifestantes. A ideia de organizar o protesto surgiu após um alegado caso de violência de uma empregada doméstica do Vietname, a um bebé que dependia dos seus cuidados, criança que, segundo um comunicado da Polícia Judiciária (PJ), acabou por falecer na passada sexta-feira no Hospital Conde São Januário. O presidente da união, Ao Ieong Keong mostrou-se triste pela morte do bebé, mas quis reforçar que a manifestação não aconteceu por causa desta alegada violência, mas sim, com o intuito de reforçar a solicitação ao Governo. A manifestação representa, defende, os problemas das empregadas domésticas e das agências de emprego, algo que muito preocupa a classe empregadora. “A manifestação não visa as pessoas mas sim os processos de revisão dos regimes que são muito morosos. Sei que em Macau existem muitas empregadas que têm boas relações com os empregadores, mas de facto existem também muitos casos problemáticos com as empregadas, assim como com as agências de emprego, que funcionam de forma ilegal. Isto não traz segurança aos empregadores”, argumentou ao HM. Na opinião do presidente da união em causa, o Governo tem mostrado – durante as últimas reuniões – uma posição de avaliação e tem-se mostrado disponível na recolha de opiniões. No entanto, é preciso passar à acção e que Executivo avance com o revisão do Regime de Licenciamento das Agência de Emprego, acelerando os processos jurídicos dos casos de crimes cometidos pelas empregadas domésticas não residentes, bem como, é necessário, diz, que o Governo crie um grupo especializado de trabalho para resolver e evitar os problemas que existem. Números negativos Segundos dados da organização, previa-se uma adesão de quase 1000 manifestantes, algo que acabou por não acontecer. Na praça do Tap Seac, pouco mais de 100 pessoas começaram o seu percurso até à Sede do Governo. De crianças ao colo e em carrinhos de bebé, foram vários os que quiseram marcar presença. Um deles foi Lau, que se fazia acompanhar pela mulher e o filho de dez meses. O casal contou ao HM que acabou por abdicar de recrutar uma empregada doméstica porque o início do processo não correu bem logo na agência de emprego. “No documento disponibilizado pela agência de emprego estava declarado que a empregada tinha vários filhos e sabia cuidar de crianças, no entanto quando foi trabalhar para nossa casa, durante dois dias, mostrou claramente que não sabia cuidar de crianças”, contou, indicando que apesar de ser a própria mãe a cuidar do filho, o casal necessita de uma empregada doméstica para que no futuro a mãe possa voltar ao mundo do trabalho.[quote_box_right]“Sei que em Macau existem muitas empregadas que têm boas relações com os empregadores, mas de facto existem também muitos casos problemáticos com as empregadas, assim como com as agências de emprego, que funcionam de forma ilegal”, Ao Ieong Keong, presidente da União dos Empregadores Domésticos de Macau[/quote_box_right] As várias histórias de empregadas a maltratar as crianças, ou a cumprirem mal as suas tarefas para serem despedidas e ganharem indemnizações, também fizeram com que o casal acabasse por desistir do processo de recrutamento. “Um amigo nosso já despediu três empregadas em três meses, outro descobriu através de videovigilância que a empregada batia na criança sempre que ninguém estava em casa. Queremos que o Governo supervisione mais a importação de empregadas pelas agências de emprego. As autoridades não podem permitir que as empregadas trabalhem estando com estatuto de turistas”, argumentou. Bom e mau Uma outra manifestante, Leong, quis estar presente no protesto fazendo-se acompanhar com o seu marido e a filha do casal de cinco anos. Foi a primeira vez que Leong participou num protesto. Ao longo dos anos, Leong tem recrutado empregadas domésticas, e acha que a qualidade das mesmas é variada. Umas vezes corre bem, outras não. Leong contou ao HM que teve uma experiência muito negativa, relatando que por duas vezes a empregada ia pegando fogo à causa por não saber usar a panela eléctrica de fazer arroz. Assim, defende, não são só os maus tratos em causa, é também o profissionalismo. A empregadora conta que teve ainda outra empregada que nunca respeitava aquilo que ela pedia, fazendo o que lhe apetecia. Isto acontece, diz, depois das mesmas terem o Blue Card. Leong explica ainda que muitas vezes quando existem problemas entre as partes envolvidas – empregadores e empregados – as agências de trabalho preferem evitar as situações e não resolvem os problemas. Leong apela a que o Governo crie uma lei para assegurar os direitos das empregadas domésticas como dos empregadores. Questionada sobre a situação do bebé, Leong lamentou o sucedido, mas acredita que será difícil perceber de quem é efectivamente a culpa. Defende Leong, que os “cuidadores devem conversar com os patrões caso não estejam contentes, mas nunca descarregar nas crianças”. Num comunicado à imprensa, a deputada Wong Kit Cheng, considerou que a manifestação foi “a forma razoável” para que as pessoas pudessem expressar as opiniões sobre os problemas das empregadas domésticas, sendo que agora, é preciso que o Governo avance com uma regulamentação mais rigorosa das empregadas. Reacções à morte de bebé Em reacção à morte do bebé, Kuok Cheong U, o director do Hospital Conde São Januário, afirmou que, com base no resultado dos exames, a criança sofreu de Síndrome de Bebé Abanado, no entanto ainda é necessária uma investigação aprofundada para clarificar a causa de morte. A criança sofreu de uma hemorragia interna apresentando sangue nos olhos e no cérebro. O director substituto da Direcção dos Serviços para Assuntos Laborais (DSAL), Lau Wai Meng, lamentou o sucedido e frisou que vai acelerar o processo de aperfeiçoamento dos regimes sobre gestão de empregadas domésticas e agências de emprego. Ao Jornal Ou Mun, Lau afirmou que já começou a revisão dos regimes para que as empregadas só possam receber “Blue Card” quando tiverem documentos de prova com objectivo de trabalho no território, consolidando a formação a empregadas, bem como a inspecção a agências de emprego. A empregada acusada de maus tratos está em prisão preventiva, assume-se como inocente, e pode ser condenada, em caso de se provar que mal tratava a criança, a uma pena de prisão entre cinco a 15 anos.
Flora Fong SociedadeDomésticas | Pedida revisão das leis para evitar ilegalidades [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] deputada Wong Kit Cheng volta a insistir num pedido de revisão da Lei de Contratação de Trabalhadores não Residentes de forma a evitar a existências de empregadas domésticas com identidade de turista em Macau e regulamentando as agências de trabalho. Depois do encontro entre a Associação Geral das Mulheres de Macau e a Direcção dos Serviços para Assuntos Laborais (DSAL), na semana passada, foi solicitado ao Governo a regulamentação das agências e dos serviços de migração para que exista um registo criminal das empregadas domésticas antes das mesmas virem trabalhar para Macau. Em cima da mesa esteve também a propostas de criação de uma base de dados dessas mesmas empregadas. A também vice-presidente da associação, Wong Kit Cheng voltou a solicitar atenção do Governo sobre a questão. Numa interpelação escrita, Wong apontou que a base dos problemas é a possibilidade destas mulheres entrarem no território como turistas e depois assumirem funções de empregadas domésticas, sem que para isso respeitem e cumpram os requisitos rigorosos das agências de trabalho. A deputada recordou que o Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, prometeu em 2014, que ia rever a Lei de Contratação de Trabalhadores não Residentes e o Regime do Licenciamento das Agências de Emprego para impedir as falhas das leis. No entanto, a deputada criticou que até ao momento ainda nada está feito. Wong questiona se a DSAL pode efectivamente rever as leis, a curto prazo, para impedir que as turistas se tornem empregadas domésticas.
Leocardo VozesVÁ-SE LÁ ENTENDER… [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] falta de uma “silly season” a que fiz referência na semana passada neste espaço veio parir mais um monstro. Numa iniciativa que deverá ter tudo de original à escala global, os “patrões” vão sair à rua a protestar contra os “empregados”, ou neste caso “empregadas” – em Macau os empregadores marcaram para este domingo uma manifestação contra as suas empregadas domésticas. Não é engano, e penso que nada ficou perdido na tradução: centenas de pessoas vão protestar contra outras que colocaram a trabalhar na sua casa de forma completamente voluntária. Não sei que “slogans” e outras palavras de ordem se vão escutar nessa tal manifestação, mas suspeito que não será “não me limpem a casa”, ou “deixem os meus filhos esquecidos no infantário”, isso é que era. Este é mais um daqueles casos em que se exige “que alguém faça alguma coisa”. Quem e o quê, isso já não é problema deles, que já fizeram o que lhes competia, que é protestar. A parte do “deitar abaixo” está feita, agora que “alguém” se encarregue de fazer o resto. Esta iniciativa, que só pode ser catalogada de “absurda”, partiu de uma tal Associação de Empregadores dos Serviços Domésticos, e tem como mote um caso isolado, onde uma ajudante familiar de origem vietnamita terá maltratado uma criança pequena, que tinha a seu cargo. O bom senso diz-nos que este é um caso de polícia, e generalizar seria cair no ridículo – deviam todas as mulheres deixar os seus maridos com o pretexto de um caso de violência doméstica, por exemplo? Mas o bom senso não é para aqui chamado, e é por demais evidente que existirão outras razões que não essa para que tanta gente prestar-se a esta triste figura, que nem de “hipocrisia” se pode classificar, de tão surrealista que é. O que vai dizer um patrão que participe desta arruada à sua empregada? “Olha, no Domingo vou-te rogar mil pragas, mas isso não quer dizer que na segunda tens folga, estás a ouvir? Quero-te aqui às oito em ponto, como costume. Ah sim, é verdade: VOLTA PARA O TEU PAÍS, DESGRAÇADA!”.[quote_box_left]Não sei que “slogans” e outras palavras de ordem se vão escutar nessa tal manifestação, mas suspeito que não será “não me limpem a casa”, ou “deixem os meus filhos esquecidos no infantário”, isso é que era. Este é mais um daqueles casos em que se exige “que alguém faça alguma coisa”. Quem e o quê, isso já não é problema deles[/quote_box_left] Nós, comunidade portuguesa, sempre na linha da frente do sentimento humanista na sua vertente “respeita os mais fracos e os oprimidos, ou levas na tromba”, fomos os primeiros a manifestar indignação por isto, que não fica muito atrás daqueles exemplos horrendos de que a História é fértil, desde cristãos a judeus, passando por ciganos, pretos, mulheres no Islão, etc, etc, etc. Não nos fica mal indignarmo-nos, não senhora, até porque não custa nada: é só falar, ou escrever, agitar o punho, chamar “selvagens” a estes, “racistas” e “xenófobos” aos outros, e lá ficamos de consciência tranquila. Deve ser a mesma coisa que sentem os participantes da manifestação do próximo domingo, no fundo: não gostam das empregadas, não as querem cá, mas não podem passar sem elas. No fundo funciona um pouco como um acto de auto-flagelação, um processo em que se expiam os pecados, os seus, e os dos outros, e vão ficar ali a marrar na parede até que alguém repare e diga “Epá, afinal sempre é verdade, vocês estão mesmo MUITO chateados. Há coisas, como estas e muitas outras, que nunca vamos entender, pois não são para serem entendidas por nós. É a “cosadeles”, que é como a “cosanostra”, mas só que “é deles”. Aqui em Macau, onde não existe um “SOS racismo” e afins (e ainda bem, livra!), convivem no mesmo espaço vários nacionalidades e etnias, as coisas são estruturadas desta forma, há os que são de cá, e os que vêm de fora, e isto percebe-se a olho nu. Um filipino que tenha nascido em Macau, filho de pais filipinos, mas que tenha estatuto de residente, e como tal os mesmos deveres e direitos da família Chan, Leong ou Wong, não se livra de ouvir um “volta mas é para a tua terra”, na eventualidade de “pisar a cauda” a um outro residente como ele, mas que à vista desarmada não se dá conta desse facto – e nem precisa, para quê? Afinal quantos de nós também já não se deu a dizer cobras e lagartos de um grupo de milhões, apenas porque dois ou três destes nos tramaram numa ou noutra circunstância? Se quiserem um exemplo, basta recordar que 1500 milhões de pessoas em todo o mundo, um quarto da humanidade, professa a religião muçulmana – serão todos eles “gajos de quem só queremos distância”? Não concordo que os chineses em geral sejam racistas, ou que alguma vez tenham sido. São etnocêntricos, isso sim, e para eles existe a China e os chineses, e depois o resto do mundo, que é habitado pelos “estrangeiros”. Mesmo que alguém tenha nascido na China, mas com outra ancestralidade, aos olhos dos chineses nunca será um deles, e o mesmo se aplica aos mestiços, ou alguém que não tenha uma linhagem familiar completamente chinesa. Contudo não os vejo deixar de interagir com os tais “estrangeiros”, e como censurar? Eles são assim, tal como os seus pais já eram, e os pais destes, e não sabem ser outra. É muito despeito, na minha humilde opinião, querer aplicar as valências adquiridas pela nossa culturização a quem nasceu, cresceu e vive num mundo completamente à parte do nosso, e onde o valor da vida humana tem outra cotação. Achamos graça aos aspectos mais exóticos desta cultura, mas não percebemos nem queremos aceitar o reverso da medalha. E vá-se lá entender porquê…
Filipa Araújo SociedadeEmpregadas domésticas | Patrões não recusam união [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m reacção às declarações aos dois grupos representantes do sector das empregadas domésticas – que pediam maior comunicação entre as partes envolvidas – a União dos Empregadores Domésticos de Macau diz que “união será bem-vinda”. As palavras são do director da união, Ao Ioeng Keong, que explicou ao HM concordar que a “comunicação com as empregadas poderá resolver os problemas”. “Já estamos a negociar com o Governo como regulamentar as agências. Caso as empregadas domésticas tenham necessidade ou vontade de se unir connosco a esta acção podem fazê-lo”, explicou. No domingo passado, o Peduli Buruh – Grupo de Interesse dos Trabalhadores Migrantes Indonésios e a União Progressiva Laboral pediram, numa conferência organizada pela Associação Novo Macau, um maior esforço para a união entre trabalhadores e empregados contra as agências de trabalho e as suas irregularidades. Finca pé Ainda assim, Ao Ioeng Keong considera que não existe uma verdadeira percepção da dimensão dos problemas e que tanto as empregadas como os próprios meios de comunicação estão a ignorar e minimizar a situação. “Os problemas são uma constante. Às vezes as empregadas que supostamente deviam entrar a horas, não chegam, ou saem mais cedo ou chegam até a desaparecer durante o dia sem sequer apresentar uma justificação. Estes problemas incomodam os empregadores, sobretudo aqueles que precisam de garantir que podem ir descansados para os seus trabalhos. Para não falar dos roubos, tudo isto preocupa a classe dos empregadores”, argumentou o director. Na opinião do representante “o número de empregadas domésticas problemáticas é bem maior que os das profissionais”, e nem a própria classe tem essa noção. É já no próximo domingo que tem lugar a manifestação organizada pela união contra as empregadas domésticas. Em esclarecimento, Ao Ieong Keong, explica que o protesto não visa as empregadas domésticas a 100%, mas inclui também os processos jurídicos.
Leonor Sá Machado Manchete SociedadeEmpregadas | Associações pedem fiscalização das agências de contratação Dois grupos locais representaram ontem o sector das empregadas domésticas e pediram mais fiscalização ao trabalho das agências de contratação, mas principalmente mais comunicação entre empregados e empregadores [dropcap style= ‘circle’]O[/dropcap] grupo Migrant Indonesian Concern e a União Progressiva Laboral pediram ontem mais comunicação entre as facções dos empregadores e o patronato, numa conferência que teve como mote o protesto do próximo domingo contra a actividade das empregadas domésticas no território. A ideia de promover uma maior comunicação entre estes dois sectores foi levada a cabo ontem por duas entidades que não só condenam a atitude da empregada doméstica vietnamita no caso da criança que sofreu um traumatismo, mas também pedem uma maior regulamentação para as agências de contratação. “O Governo precisa de melhorar o sistema de regulação das agências de contratação (…) Estas não são reguladas e o público não está bem informado, o que faz com que as pessoas saibam apenas algumas coisas (…) As empregadas encaram taxas altas das agências e o armazenamento ilegal de documentos de identificação e bancários”, adianta um comunicado do evento. “Estes actos são ilegais e promovem a desigualdade entre as empregas domésticas”, sublinha a mesma nota. Lucros dos dois lados De acordo com o activista local Jason Chao, que ajudou a organizar o evento, as agências estão a lucrar não só com o patronato, mas também com as funcionárias. Chao preferiu não reproduzir os testemunhos que duas empregadas deram no local, mas adiantou que num dos casos, a agência lhe retirou o cartão multibanco e o passaporte até que a situação da contratação estivesse resolvida. “[Houve casos em que] mantiveram os seus passaportes e o cartão de ATM”, disse ao HM. Em comunicado, as entidades pedem que as duas facções deixem de estar uma contra a outra, deixando claro que ambas ganham em se entenderem. Presentes na conferência estiveram empregadas domésticas da Indonésia e das Filipinas, nacionalidades que perfazem a esmagadora maioria do sector. “Antes de mais, esperamos que a comunidade de Macau compreenda, calmamente, a verdadeira natureza do trabalho migrante; percebemos perfeitamente que os nossos patrões também estejam a sofrer com o acontecimento, mas nós também somos mulheres trabalhadoras que nos esforçamos pelas nossas famílias”, referem os dois grupos de apoio às funcionárias, em comunicado. Estes frisam, ainda, que “a maioria tem boas relações com os seus funcionários”, pelo que não querem que “eventos isolados” afectem as contribuições dadas à comunidade desde há vários anos. Regras mais claras De acordo com declarações de Jason Chao ao HM, os dois grupos pedem também que sejam criado um contrato de trabalho mais pormenorizado, à imagem do de Hong Kong. “Embora haja um contrato especializado para empregadas domésticas estrangeiras em Macau, poucos locais têm conhecimento da sua existência e o seu conteúdo não é extenso. Deve ser adoptado um contrato estandardizado à semelhança do de Hong Kong para assegurar os direitos de empregados e empregadores e que inclua o período e aumento do ajustamento salarial para efeito de cessação do contrato”, sublinha o comunicado.
Filipa Araújo Manchete SociedadeDomésticas | Empregadas aceitam registo criminal com condições Um registo criminal sobre as empregadas domésticas é o que pede a AGMM. Afastando a ideia de ‘lista negra’ a associação apela a um regime mais claro e com mais informações. Empregadas não se importam, mas a existir que seja também criado um para os patrões [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o início desta semana, a União de Empregadores dos Serviços Domésticos avançou com a notícia de um protesto – a acontecer no dia 30 do presente mês – contra as empregadas domésticas, que conta, segundo explicou a união em causa, com mais de mil inscrições. O mote são os alegados maus tratos de uma empregada doméstica, natural do Vietname, a um bebé de dois meses. Aliado a este movimento, a Associação Geral das Mulheres de Macau (AGMM), segundo o jornal Tribuna, entregou um parecer à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), pedindo a criação de uma lista negra das profissionais, a divulgação do registo criminal das empregadas e ainda a diminuição da permissão de permanência das mesmas no território. “É preciso esclarecer que não se trata de uma lista negra, não é isso. O que pedimos ao Governo é que as agências de trabalho tenham um registo criminal das empregadas, mais informações do que aquelas que têm agora, que achamos nós, são poucas”, começa por esclarecer ao HM, Wong Kit Cheng, presidente da AGMM. Para a presidente o mais recente caso dos maus tratos ao bebé é só mais um exemplo. “Não é o único caso, já aconteceu mais vezes, por isso é que é importante perceber que tipo de empregada doméstica os empregadores estão a contratar”, explica, exemplificando “imagine que uma empregada comete um crime, bate, rouba, seja ele qual for, depois foge para o seu país e passados uns meses quer voltar a Macau, essas informações devem estar no seu registo, para que o empregador saiba que ela já cometeu crimes”. A elaboração deve ser feita, diz Wong Kit Cheng, pela própria agência, mas o Governo têm de assumir um papel activo nesta questão. “É preciso que também os serviços de migração tenham acesso ao registo criminal das empregadas, mas mais do que isso é preciso que o Governo acelere todos os processos quanto aos regulamentos relativamente à contratação de empregadas doméstico”, adianta. Segundo números avançados pela própria associação ao HM, neste momento Macau conta com mais de 20 mil empregadas domésticas que não estão em concordância com o regime em vigor. “Se são 20 mil empregadas isto quer dizer que são 20 mil famílias a serem prejudicadas pela falta de um bom regime”, defende. Quando questionada sobre o protesto a realizar no final do mês, Wong Kit Cheng acredita que o mesmo servirá para pressionar o Executivo e fazer com que “ele trabalhe mais rápido”. Mas ainda assim esta não é a melhor forma. “Depois da reunião com a DSAL percebemos que o Governo está com vontade de trabalhar e melhorar esta questão. Acho que o protesto não é a melhor forma para expressar as opiniões”, diz. Outros registos Em declarações ao HM, Diana La, empregada doméstica, natural das Filipinas não se mostrou contra a criação de um registo criminal ou ao pedido de mais informações por parte das agências de trabalho. “Concordo, mas as situações devem ser muito bem explicadas e não ter registo criminal só porque o patrão acha que houve crime”, clarificou. A empregada doméstica adianta que o registo deve “depender da gravidade dos casos”, se assim for, Diana concorda “que exista esta espécie de lista de informações”. Também Vivian Ui, empregada doméstica, concorda com a existência deste registo. “Não me importo nada que haja este registo, mas tudo depende da situação, depende do caso, se for um crime, claro que sim, agora se for um mal entendido não acho que deve ir para o registo”, defende. Mas para atingir a “igualdade e a justiça de tratamento é necessário que também haja um registo do tipo de empregadores, se eles já tiveram problemas ou foram acusados de crimes por maus tratos às empregadas domésticas”, defende. “Aqui em Macau são poucos casos que tenho ouvido, mas quando trabalhava em Hong Kong todos os dias ouviam histórias de empregadas domésticas a sofrerem de maus tratos. Maus pagamentos, más condições, violência, são muitos os casos que ouvi e tomei conhecimento”, relata Vivian Ui. Também Chat Su, empregada há mais de 10 anos, construiu a sua vida em Macau e já ouviu algumas histórias de maus tratos às empregadas domésticas. “Não coisas muito violentas, mas maioritariamente é a falta de pagamento dos salários, ou até salários muito baixos. Também há aqueles patrões que não dão férias às empregadas, e nós queremos ver a nossa família, também queremos ir ao nosso país”, conta. “Somos seres humanos, devemos ser tratados como tal e, sim, acho que deve haver um registo criminal, mas para empregadas e patrões, assim também para que eles aprendem a lição e nós, empregadas, sabermos se este ou aquele é um bom ou mau patrão”, termina Vivian. Questionada sobre a criação de um registo também para os empregadores, a presidente da associação disse que não faria muito sentido.
Isabel Castro VozesAs meninas más vêm de fora [dropcap= ‘circle’]E[/dropcap]u gostava de ter uma revista, daquelas que as pessoas lêem e guardam até deixarem de ter espaço em casa. Também gostava de ter um jornal. Uma revista e um jornal. E uma rádio, que sem rádio não vivo. Gostava de ter estas coisas que são o meio em que trabalho porque gosto de projectos, de ver os projectos a assumirem contornos, a ganharem conteúdo, a tornarem-se mais do que projectos. Mas eu não tenho nem uma revista, nem um jornal, nem uma rádio. Acontece assim. O patronato não é para todos, é só mesmo para alguns, e estas coisas dos projectos têm muito que se lhe diga, a começar pelo capital. Os jornais e as revistas precisam de gente que os faça, as pessoas que fazem os jornais e as revistas precisam de salário para viver, e isto de ser empresário não é para todos. Apesar de, em Macau, os requisitos serem outros. As regras do jogo aqui são diferentes. Acho imensa piada ao discurso de quem, tendo um negócio aberto, luta contra os direitos mais básicos dos trabalhadores por causa do impacto que essas pequenas regalias terão na folha de Excel no final do ano. Têm a tenda aberta, mas são contra uma licença de maternidade digna desse nome e opõe-se à criação de uma licença de paternidade. Fazem um chinfrim de cada vez que se fala na revisão da lei das relações de trabalho – pior, mandam os seus na Assembleia Legislativa dizer em voz alta que é preciso mudar a legislação, para que o patronato seja verdadeiramente protegido. Não que as preocupações do patronato me passem ao lado, apesar da minha falta de vocação para mandar: é inegável que as empresas de pequena e média dimensões têm sofrido com os aumentos das rendas, com o aumento dos custos, com o aumento de quase tudo o que faz mal ao bolso de quem tem a porta aberta. Quem anda à chuva corre sempre o risco de se molhar. Tenho uma notícia: a vida também ficou mais cara para quem trabalha por conta de outrem. E tenho ainda outra notícia: há quem queira muito ter o seu negócio e não o possa fazer. Eu não tenho a minha revista. Nem o meu jornal. Nem a minha rádio. Escrevo e falo nos dos outros. É uma chatice? Não. É a vida. Em Macau existe uma certa mania da perseguição aos trabalhadores, vinda de alguns sectores que não consigo classificar – até porque existe, cada vez mais, uma certa promiscuidade social a alguns níveis. Esta mania da perseguição aplica-se aos trabalhadores locais, em questões como aquelas que já aqui escrevi, e também – ou sobretudo – aos trabalhadores que chegam de fora. Esta semana, os jornais contaram-nos que a União dos Empregadores Domésticos de Macau – cuja existência desconhecia e cujo trabalho continuo a desconhecer – vai fazer uma manifestação contra as empregadas domésticas. Na origem deste invulgar protesto está um caso complicado: um bebé de dois meses terá sido maltratado por uma empregada doméstica que, à data em que este artigo é publicado, é inocente. O julgamento ainda não aconteceu. Os patrões das empregadas domésticas vão, portanto, sair à rua para se manifestarem contra as pessoas a quem deram trabalho. Seria mais ou menos a mesma coisa que eu sair para a rua a gritar contra a redacção da minha hipotética revista. Pelo que me foi dado a conhecer, esta união de gente preocupada com as pessoas que mete em casa considera que deve haver legislação especial para as empregadas domésticas. E uma lista negra das meninas más. São a favor de uma diminuição dos direitos, algo que não consigo sequer imaginar: como toda a gente sabe, os direitos das empregadas domésticas são quase nenhuns e os que existem são frequentemente violados. Há histórias de empregadas internas a dormir com cães. Há histórias de empregadas domésticas que são obrigadas a devolver parte do salário que lhes é depositado, a forma esperta que os patrões encontraram de contornarem a obrigatoriedade do depósito bancário. Há histórias de empregadas domésticas que não descansam as horas suficientes que constam da lei. E há outras histórias, piores ainda. Às empregadas domésticas nem sequer é dado o direito de mudarem de patrão se estiverem descontentes. Se saírem à rua contra os patrões, podem começar a fazer as malas e a preparar o passaporte, se estiverem na posse dele. A história do bebé maltratado é trágica, como todas as histórias de maus-tratos, principalmente aos mais indefesos. Levam-nos sempre ao umbilical pensamento de que podíamos ser nós as vítimas da situação. Mas sobre esta história ainda há muito para perceber e não compete a ninguém que não a um colectivo de juízes julgar quem tem de ser julgado. Quem não quer correr riscos ou sabe que não os pode correr, não corre. A gente unida contra as empregadas domésticas tem bom remédio: recambia quem contratou e dedica-se a esfregar sanitas, lavar-estender-e-passar a roupa a ferro, fazer as camas, aspirar, lavar a frota automóvel da família, fazer o almoço e o jantar, ir buscar as crianças à escola, dar banho às crianças e ao cão, ir passear o cão, ir passear as crianças, aturar a birra das oito da manhã do mais novo, tão queridinho e tão chatinho, aturar a birra das oito da noite do mais velho, tão bonitinho e tão parvinho, pôr as crianças a dormir e lavar a louça do jantar, que esta noite houve convidados e é tudo a quadruplicar. A vida é assim: até para se ser patrão é preciso ter jeito. Pena que os desta terra nem mandar saibam que, para se mandar com resultados, é preciso saber, antes de mais, o que significa o respeito.
Joana Freitas SociedadeDomésticas vão ter autorização de trabalho renovada automaticamente [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo vai permitir que as autorizações de trabalho de empregadas domésticas sejam automaticamente renováveis. Isso mesmo anunciou o Gabinete para os Recursos Humanos (GRH) em comunicado, justificando que pretende simplificar as burocracias que dizem respeito a estes processos. “É cada vez mais comum [haver] famílias em que ambos os cônjuges trabalham, necessitando, por isso, de trabalhadores para tratar dos serviços domésticos, cuidar das crianças, idosos, doentes ou incapazes que, por regra, integram os agregados familiares de Macau”, indica o gabinete, em comunicado, dizendo que, a partir deste mês “serão adoptadas novas medidas para simplificar os procedimentos administrativos e para reduzir o tempo despendido para tratar das formalidades necessárias nos diferentes Serviços Públicos”. Desta forma, todos os pedidos de importação e renovação para trabalhadores não residentes (TNR) domésticos, submetidos por residentes permanentes da RAEM, podem ver a sua autorização “automaticamente renovável”, caso esta seja aprovada anteriormente. Obtida a “autorização automaticamente renovável”, os empregadores deixam de submeter os pedidos de renovação no GRH, passando os trabalhadores a dirigirem-se directamente aos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, para efeitos de renovação do Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente (TITNR). No caso dos residentes permanentes da RAEM que tenham ao seu serviço TNR domésticos cuja autorização de trabalho tenha sido concedida antes de Agosto de 2015, os contratos de trabalho celebrados entre o empregador e o trabalhador e o TITNR permanecem, devendo os empregadores submeter na mesma o pedido de renovação junto do GRH 30 a 45 dias antes do termo da autorização.
Andreia Sofia Silva PolíticaGoverno quer empregadas com certificado de habilitações [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Executivo quer que a nova lei que regula as agências de emprego passe a obrigar todas as empregadas domésticas de Macau, e não apenas as que chegam do continente, a frequentar acções de formação e a terem um certificado de habilitações antes que possam trabalhar. “Esses trabalhadores terão de se submeter a acções de formação de duas semanas antes de virem para Macau trabalhar”, garantiu Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças. “Aquando da revisão da lei estamos a pensar alterar as regras definidas para as trabalhadoras domésticas apresentadas através das agências de emprego. Essas trabalhadoras têm de ser possuidoras de um certificado que comprove a frequência de acções de formação”, disse ainda. Segundo o Secretário, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) tem vindo a realizar acções de formação desde 2012, sendo que 279 empregadas já frequentaram estes cursos. Um número baixo, considerou a deputada Chan Hong. “Penso que o número de empregadas que se submeteram a acções de formação é insignificante, dado o número de empregadas que estão a trabalhar em Macau.” Ao todo, serão cerca de vinte mil. Vários deputados chamaram a atenção para o facto de muitas empregadas chegarem a Macau sem se saber o seu estado de saúde ou se possuem cadastro criminal no seu país de origem. O deputado Zheng Anting pediu mesmo a criação de um “sistema de registo para proteger as famílias locais”. Quanto à revisão da lei das agências de emprego, o Governo não conseguiu apresentar um calendário para a entrega do diploma na Assembleia Legislativa (AL). “Já recolhemos as opiniões e o diploma vai ser apresentado junto do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) depois de feita a análise. No processo de revisão vamos analisar com mais profundidade as regras que serão introduzidas”, disse o director da DSAL, Wong Chi Hong.