Estética | Antropóloga estuda evolução de procura de cuidados por chinesas

Isabel Pires, doutoranda em antropologia, está a investigar a relação entre chinesas residentes em Lisboa e os cuidados de beleza e estética, concluindo que já não existe a influência exclusiva da cultura tradicional chinesa na procura de tratamentos como o branqueamento da pele. A investigadora encontrou um “balanço e negociação constantes entre o que se espera delas e o que podem, ou não, fazer”

 

Que tipo de cuidados de beleza são escolhidos pelas mulheres chinesas a residir em Lisboa e porque o fazem? Isabel Pires tem procurado responder a este tipo de questões nos últimos meses. A antropóloga na área da saúde está a terminar a tese de doutoramento “Being mei mei is being rich»: A procura da beleza e da modernidade entre mulheres chinesas em Lisboa”, através da Universidade de Lisboa.

Ao HM, Isabel Pires disse notar uma maior fluidez nos padrões de beleza das mulheres chinesas emigradas, tendo em conta que se deparam com o embate com outra cultura: a ocidental, de mulheres que gostam de se bronzear e apanhar sol e que encaram a pele morena de outra forma. Na China, ter pele extremamente branca é ainda sinónimo de um certo estatuto, de uma mulher que “não precisa de trabalhar para ganhar o seu sustento”, denota a investigadora.

Isabel Pires explica que, em Lisboa, onde realizou trabalho de campo em diversos espaços de estética e clínicas de beleza, as mulheres chinesas fazem tratamentos não só para responder aos critérios definidos pela sua cultura, mas por tantos outros factores, como ir de encontro a expectativas das famílias e da própria sociedade no que à beleza feminina diz respeito.

“Quis saber mais sobre esta comunidade através das práticas de beleza e fui descobrindo outras coisas que se sobrepõem aos cuidados estéticos. Um dos viés que vejo em muitos estudos de críticos de beleza é a ideia constante de se fazer uma comparação, que acaba por ser sempre muito ocidentalizada. Há a ideia de que as mulheres ‘fazem isto porque querem’, por exemplo, e eu tento desmistificar um pouco isso.”

Essa perspectiva ocidental tem a ver com o facto de se considerar que as mulheres chinesas fazem, em Portugal, determinados tratamentos estéticos para serem iguais às ocidentais, e Isabel Pires procura desconstruir isso. “Tenho respostas desse tipo da parte de médicos com quem trabalhei. São muito taxativos nas respostas que dão. Não concordo com essa visão. As mulheres não fazem [determinados tratamentos] ‘porque querem ser’, pois cada vez mais os padrões de beleza são fluídos e globais, e isso acontece de forma muito rápida e transformadora da sociedade. No caso das jovens chinesas em Portugal, pelo menos as interlocutoras com quem trabalhei, fazem um balanço e negociação constantes entre o que se espera delas e o que podem ou não fazer. E isso de forma consciente, ou não.”

Pelas zonas do Martim Moniz, Olivais, Alvalade, Estoril e Parque das Nações, locais onde a investigadora falou com clientes e donas de espaços comerciais, proliferam negócios de pequenas intervenções estéticas, branqueamento de pele ou cuidados de sobrancelhas, entre outros. E o branqueamento de pele já não é regra absoluta para as chinesas que vivem em Portugal, muito menos uma pressão social, embora muitas das entrevistadas para esta investigação continuem a proteger-se do sol.

“A questão do estatuto na China estava ancestralmente ligada a uma pele branca. Tradicionalmente ainda é isso que se assiste. O meu trabalho de campo na China revelou um pouco isso. No caso de Portugal, um país com sol, muitas das minhas interlocutoras vão percepcionando as próprias noções de beleza. A estética de uma pele bronzeada adquire uma outra configuração. Nos moldes tradicionais chineses uma pele bronzeada era a de uma mulher que tinha de trabalhar para ter um sustento, isso representava um determinado estatuto social. Actualmente, em Portugal, já não se verifica isso.”

Há, assim, a manutenção de ideias de beleza mais tradicionais, mas já influenciados pelas práticas de beleza do ocidente. “Mais do que uma influência, há uma actualização, no sentido de haver uma constante renovação. Estamos a falar de mulheres jovens, com um máximo de 35 anos, mas todas elas bastante dinâmicas. Isso significa que um padrão de beleza que existe hoje pode ser diferente daqui a um ano. Pode ser uma mudança muito rápida e isso pode também ser um desafio à minha investigação. Além de estar circunscrita ao tempo em que fiz a pesquisa, há cerca de dois anos, também acabo por expandir para outras áreas, como a manutenção do género, da tradição, da maneira como ainda há muita racionalização do corpo não ocidental na medicina.”

Isabel Pires procurou combater uma visão “muito imperialista” de que as mulheres chinesas tentam imitar outros padrões de beleza. “Procuro desmistificar um pouco a ideia de exotismo colocada pela própria sociedade a estas mulheres, sem as conhecer. Grande parte da história das mulheres chineses é ainda muito pouco conhecida. Esse desconhecimento é ainda maior em mulheres chinesas em contexto migratório.”
“Sempre que o Ocidente fala da China, fala como sendo os grandes imitadores, e não é verdade. Gostava que se percebesse que não há uma imitação, mas sim uma adaptação, uma actualização, como há em todo o lado, e a beleza é apenas mais uma área. Envolve processos migratórios, família e muita tradição, de uma base cultural ainda muito substancial, mas não é uma coisa fechada e irredutível”, acrescentou a investigadora.

Processos com custos

Isabel Pires, formada em enfermagem, denota que branquear a pele acarreta custos financeiros e de saúde para as mulheres. “Quando falamos de processos de branqueamento de pele falamos de processos que também são implicativos para a vida da mulher. Evitar a exposição ao sol [tem custos], sem esquecer toda a parafernália de produtos e o investimento que é feito para um objectivo, que é atingir um determinado estatuto através de um conceito de beleza.”

Isabel Pires diz acreditar que, apesar das mudanças já verificadas nesta área, há ainda “muitas chinesas em Portugal que evitam totalmente o sol”. “Tudo isso é uma questão fluída, e é isso que gosto de frisar neste trabalho. É algo que se vai moldando, e é válido para as mulheres chinesas como para qualquer mulher. Há uma modelagem naquilo que a sociedade espera de nós. Talvez na China seja mais visível, porque há muita política envolvida nisto.”

A política de que a investigadora fala prende-se com o desenvolvimento de um mercado de consumo em que as mulheres são consumidoras e também produtoras, com a abertura de espaços de beleza e clínicas. São as mulheres que compram maquilhagem ou serviços, mas são também elas que fazem os tratamentos a outras.

Homens chineses de fora

Questionada sobre se os homens chineses em Portugal também fazem tratamentos de beleza, Isabel Pires denota que não encontrou clientes do sexo masculino nos locais onde realizou a pesquisa. “Pelo contrário, até tive muitas interlocutoras a queixarem-se de que os maridos não cuidam de si. Uma delas até me disse algo que achei interessante, que é a ideia de que os homens chineses podem ser tudo, feios, maus, gordos, mas as mulheres não, têm de se tratar mais. No entanto, na China, vi mais homens a cuidarem-se. É uma tendência crescente que ainda não se verifica em Portugal, mas se calhar daqui a dez anos poderá verificar-se e ocorrer um boom.”

Em Portugal, a comunidade chinesa não é pautada apenas pelas grandes famílias que foram abrir lojas e restaurantes, ou pelos grandes empresários que, mais tarde, levam mulher e filhos. Já existe uma maior “heterogeneidade”.

“A comunidade está a abrir-se ao país e a outras culturas e falamos de pessoas que estão aqui há dezenas de anos, têm filhos nas universidades que vão casando fora das comunidades. Há também uma comunidade internacional [chinesa] que vem para Portugal. Uma das minhas interlocutoras mais recentes era uma jovem que nasceu em Itália de pais chineses, o pai voltou para a China quando a mãe faleceu, ela não quis voltar porque já não se identificava e foi para o Reino Unido. Casou com um inglês e hoje vive em Lisboa como qualquer expatriada que acha Portugal incrível e cheio de sol. Já não é aquela emigração chinesa típica”, exemplifica.

A tese de doutoramento baseou-se numa população “muito heterogénea em termos de origem”. “Trabalhei com jovens mulheres que nasceram em Portugal e outras que efectuaram um processo migratório em diferentes etapas, ou em crianças no acompanhamento dos pais ou então já mulheres adultas. Algo interessante nesta nova migração chinesa é uma quantidade muito considerável de jovens mulheres independentes, que estudam e trabalham, deslocando-se globalmente. Temos hoje um grande fluxo de jovens mulheres de 20 a 30 anos. Todas vão trazendo e adaptando uma nova estética”, frisou.

O acesso a cuidados de saúde

Isabel Pires tem dedicado parte dos seus estudos à comunidade chinesa na área da saúde, procurando saber, na fase do mestrado, como era o acesso destas pessoas aos hospitais e clínicas em Portugal.

“O que concluí vai na direcção de outros estudos já feitos noutros países. O acesso [a cuidados de saúde por parte de chineses a residir em Portugal] é feito maioritariamente através do serviço público para casos de emergência e sistema privado para casos de seguimento. As pessoas mais velhas procuram cuidados que lhes são mais familiares. Numa situação em que precisem de cuidados recorrentes, procuram tratar-se na China.”

A língua constitui uma barreira acrescida, tendo em conta que o Serviço Nacional de Saúde (SNS), com as condicionantes de falta de médicos, pode constituir um problema de acesso até para portugueses.
“Uma das coisas que identifiquei foi uma grande barreira institucional aos cuidados de saúde, ou seja, uma pessoa chinesa que está no país e que não tenha um tradutor ou alguém que fale português, imediatamente há uma barreira no acesso que, já por si, é difícil. Os cuidados de saúde em Portugal não são ‘friendly’. [acessíveis], nem sequer para os portugueses. Estou em Lisboa há 15 anos e continuo sem médico de família. Não é difícil ficar perdido durante anos no sistema de saúde.”

16 Jul 2024

Emigração chinesa sob monopólio britânico

[dropcap]A[/dropcap]ntes de ocorrer a proibição da emigração contratada por Macau, marcada pelo Governador Visconde de S. Januário para 27 de Março de 1874, nos três primeiros meses desse ano embarcaram colonos, não para Havana, mas para o Peru. Seguiram 1905 chineses para Callao de Lima, a Superintendência da emigração repatriou 371 e 127 colonos foram retirados pelos parentes. Os corretores, já sem conseguir com facilidade colocar nas entrevistas substitutos dos culis raptados e assim iludir as autoridades da emigração, somaram a cifra de 17 punidos por abusos contra os regulamentos e 432 colonos preferiram ficar por Macau, em vez de serem repatriados.

Até à proibição do tráfico de cules, “calcula-se terem saído de Macau nesse quarto de século 500 mil cules, o que rendeu enormes fortunas”, refere A. Corvo.

“Hong-Kong felicitou Macau pela suspensão dos abusos e calamidades e, tendo assegurado o controlo exclusivo do tráfico, dispensou as drásticas regulamentações, que foram então substituídas por uma ordenança consolidada. A partir daí emigrantes chineses contratados e baratos foram praticamente monopolizados para o desenvolvimento das colónias britânicos perante a perspectiva de Macau retomar o tráfico na mesma linha que Hong-Kong, mas com estalagens para cules em vez de barracões. Enquanto o cônsul britânico em Cantão comunicava o facto ao seu ministro em Pequim, o vice-rei de Cantão enviou um funcionário militar a Macau com a ameaça de que, se os barracões fossem restabelecidos como estalagens, enviaria canhoneiras e tropas com ordens para destruir tais estalagens e trazer para Cantão as pessoas implicadas, para castigo – ao que o Visconde de São Januário, Governador de Macau, respondeu sarcasticamente que, em caso de tal eventualidade, as tropas portuguesas cooperariam na supressão do ilícito tráfico. Espantosamente, todos os clamores humanitários cessaram por completo, como por magia, com a completa supressão do odioso tráfico em Macau, como se fosse apenas ali que os cules passavam mal…”, segundo Montalto de Jesus (MJ), que refere, “A hipocrisia não podia esconder uma verdade evidente. Independentemente dos abusos no tráfico de cules de Hong-Kong, posteriormente caracterizado também por frequentes raptos de mulheres, podia-se igualmente ter averiguado se os plantadores cubanos, cujo interesse era manter os cules saudáveis, conseguiriam ser mais empedernidos do que os senhorios de Hong-Kong, cujo sistema de rendas exorbitantes levava a classe dos cules a viver como manadas, em abominavelmente superlotadas e insalubres espeluncas, viveiros dos subsequentes horrores das pragas; e se a escravidão nas plantações de cana-de-açúcar das Antilhas, ou mesmo nos depósitos de guano das Ilhas Chincha, era mais deplorável do que a ruína física e moral infligida pelos antros de ópio de Hong-Kong, ou mais lastimável que o trabalho, próprio de mulas, dos cules das cadeirinhas, de vida curta, que arfando e transpirando transportavam a sua carga humana pelos montes de Hong-Kong acima …”

Tratado com a China

Após a proibição da emigração contratada por Macau, “a Espanha procurou defender os seus direitos, obtidos por tratado, de contratar trabalhadores chineses para as colónias espanholas e a China foi aconselhada a reconsiderar cuidadosamente o assunto”, segundo MJ. O Governo Qing, para substituir a Convenção de 1866, celebrou em 1874 convenções com o Peru (independente em 1826, que entre 1849 e 1874 recebera 90 mil cules) e com a Espanha para Cuba, [ambas ratificadas em 1877] e desde então, todos os países para recrutar emigrantes chineses eram obrigados a assinar acordos com o governo chinês, que para aí enviava representantes diplomáticos para proteger os seus cidadãos. Segundo Victor F. S. Sit, têm eles no local de destino o apoio dos serviços consulares chineses, onde os havia, e de Portugal para os procedentes de Macau.

O Independente em Maio de 1874 relatava a estranha amizade do Governador Visconde de S. Januário com o agente peruano Sr. Nicolas Tanco Armero, que pelo Regulamento dos Passageiros Asiáticos e seu Transporte pelo Porto de Macau, se preparava “para continuar a fazer a emigração e se escudava no artigo 11.º que diz: – O capitão do navio assinará um termo obrigando-se a apresentar ao cônsul português do porto do seu destino, se o houver, etc..” Outros artigos desse Regulamento de 1874 referem não ser permitido aos navios destinados ao transporte de passageiros asiáticos estarem munidos de grades, cadeias, ou de quaisquer aparelhos com o fim de encerrar ou de tolher a perfeita liberdade aos passageiros e o artigo 9.º diz dever o número de passageiros regular-se à razão de 3 m³ para o alojamento de cada passageiro adulto, ou para dois menores até 12 anos.

Em 1883, O Correio de Macau refere: “… a reabertura da emigração livre por Macau abre na imaginação vastos horizontes de movimento comercial e de prosperidade para esta colónia. A ser realizável a emigração livre, não há dúvida que os projectos, hoje imaginários vinguem um dia. É necessário ter em vista a oposição acintosa que a China fará à emigração por Macau”.

Ministro plenipotenciário na China, Japão e Sião, Tomás de Sousa Rosa tomou posse como Governador de Macau a 23 de Abril de 1883 e segundo Fernando Correia de Oliveira, “Após análise da situação que foi encontrar, Sousa Rosa conclui que ela era insustentável e podia, de um momento para o outro, colocar Portugal numa posição muito crítica. A questão de um tratado com a China era uma premência absoluta. Foi ajudado pelas circunstâncias. Robert Hart visita Macau em 1886. Tendo desistido momentaneamente do projecto da compra do território [de Macau] aos portugueses, estava agora mais interessado, como inspector-geral das alfândegas chinesas, em controlar o tráfico de ópio para o continente e da mão-de-obra chinesa para as Américas. Também a ele, agora, interessava convencer Beijing a assinar um tratado em letra de forma com Portugal. [Com ele, o Governador conseguiu as bases desse futuro tratado com a China]. Além disso, circulavam boatos de um acordo secreto entre Portugal e a França (a grande rival da Inglaterra) sobre a troca de Macau e da Guiné portuguesa por território do Congo sob soberania francesa.” Lembrar terem os franceses conquistado a Cochinchina em 1862. Ainda Governador, Sousa Rosa acedeu ao pedido do Vice-rei de Cantão para Portugal se manter neutral caso a França entrasse em conflito com a China e tentasse atacar Cantão.

Exonerado de Governador a 12/3/1886, tomava posse do cargo a 7 de Agosto de 1886 Firmino José da Costa, mas ao contrário do que era normal, em vez do Governador de Macau foi em 1887 Tomás de Sousa Rosa nomeado Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário em Missão especial à Corte de Pequim. Após longas e penosas negociações, assinou a 1 de Dezembro de 1887 um novo Tratado de Comércio e Amizade com a China, onde era reconhecida a perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal.

28 Jan 2019

História da emigração chinesa

[dropcap]N[/dropcap]a História da China, o primeiro episódio a reportar uma emigração, não propriamente planeada, ocorreu cerca de 2500 a.n.E. durante a guerra entre as tribos de Huang Di e de Chi You, quando alguns barcos no Oceano Pacífico se perderam no nevoeiro e foram parar ao continente americano. Crê-se serem estes os antepassados dos índios americanos, tanto pelas feições como pelo calendário por eles usado corresponder ao antigo calendário chinês, cujo ciclo era de 52 anos. Também Xu Fu, nascido em 255 a.n.E. no Reino Qi, foi enviado por duas vezes pelo primeiro Imperador Qin Shihuang ao Mar do Leste à procura do elixir da imortalidade.

Na segunda vez, em 210 a.n.E., com ele partiram cinco mil pessoas, levando três mil rapazes e raparigas virgens, mas esta missão nunca regressou. Séculos depois, o monge Yichu escreveu sobre essa expedição referindo ter chegado ao Japão. Já na dinastia Han, os chineses com Chi You como Antepassado, os integrados no povo han foram enviados para a Península da Coreia e os que não aceitaram miscigenar-se colocados no Sul e Oeste das fronteiras do país. Se desde então a emigração se tornou normal para o Nordeste e Sudeste da Ásia, já na dinastia Tang e Song houve chineses a irem trabalhar e viver para a Ásia Central e Sul da Índia e no século XIII para a Birmânia, quando o Imperador mongol Kublai Khan a trouxe para a sua soberania.

Esse fluxo pela Ásia ganhou um novo incremento com a dinastia Ming e durante as viagens do Almirante Zheng He as colónias espalharam-se pelos portos onde se fizeram feitorias. Desde 1405 tal ocorreu em Semarang, Java, em Malaca, Malásia e nas Filipinas, quando o terceiro imperador da dinastia Ming, Yong Le, despachou um alto dignitário da corte para aí governar. “Não admira, por isso, que, em 1571, os Espanhóis encontrassem já, em Manila, uma colónia chinesa, bem organizada e composta de várias dezenas de milhar”, segundo o Padre Benjamim Videira Pires, que refere, “Quando os holandeses fundaram Batávia (a Jacarta de hoje) em 1619, os chineses eram velhos residentes da Indonésia. As Molucas ou ilhas das Especiarias tinham-nas eles demandado no século IX ou antes.”

As sete viagens de Zheng He, de 1405 a 1433, pela política expansionista do Imperador YongLe, em continuidade com o que ocorrera já durante a dinastia Song, levaram os chineses pelo Pacífico e Índico até ao continente africano. Após a sétima e última viagem marítima, a China optou por uma política isolacionista, proibindo os chineses de viajar para fora do país e os desobedientes mercadores, impedidos de regressar, estabeleceram-se pelo estrangeiro, tendo muitos casado com mulheres desses países.

A China fechada

“Em 1450 os isolacionistas conseguem impor ao Imperador o seu ponto de vista e a política externa da China sofre uma transformação radical que vai modificar o curso da História. A marinha chinesa que em 1420 era tão importante que justificava um ministério especial, é raiada da superfície dos oceanos com um simples traço de pena; as esquadras imponentes, de dezenas ou centenas de navios e de dezenas de milhares de homens de equipagem, serão varridas dos mares pela força de um decreto; os navios de maior tonelagem que existiam na época em qualquer parte do mundo serão afundados ou desmantelados, os estaleiros queimados, os marinheiros dispersos. A China que dispunha de todos os trunfos para se tornar a maior potência naval do Mundo, capitães experimentados e boas equipagens, tonelagem, número de navios, canhões e pólvora, recursos financeiros enormes, soldados e recursos populacionais em número mais do que suficiente para suportar uma ocupação militar e um êxodo colonizador intenso, fecha-se na sua concha, isola-se numa torre de marfim e adormece num sono continental de que só a hão-de acordar os canhões europeus, já no século XIX”, segundo Benjamim Videira Pires.

Com a China fechada ao comércio externo, houve grupos privilegiados de comerciantes, a quem era permitido aventurar-se até aos mares do sul em busca de negócio. Os de Cantão iam até à feitoria chinesa de Malaca, o mais distante porto onde faziam Trato e os de Amoy e Ningpo para as ilhas das Filipinas e Japão.

“Os comerciantes e conquistadores da Europa empregaram os bons ofícios destes emigrantes chineses na sua expansão ultramarina pela Ásia, mas, às vezes, quando lesados nos seus interesses, os homens da cabeleira negra revoltaram-se contra os bárbaros do Ocidente. Assim, em 1603, os Espanhóis massacraram, em Manila, 20 mil chineses amotinados. Em Batávia, os Holandeses mataram igualmente, no ano de 1740, vários milhares de chineses que resistiram a uma ordem de deportação”, refere Videira Pires. Segue Beatriz Basto da Silva, “Sempre houve nos chineses meridionais, uma natural tendência para a emigração: o povoamento da Formosa e de Ainão, as densas colónias chinesas do Sião e portos do Estreito, o verdadeiro prolongamento da Província de Fukien em Manila, onde já em 1643 o seu número exigia a presença de três procuradores chineses! Para não mencionar a diáspora na Oceânia, Java, Malásia, Polinésia, enfim, um pouco por todo o Sudeste Asiático, onde se mostram empreendedores, infatigáveis e hábeis para tudo o que toque o comércio.”

Assim se estabeleceram ao longo dos séculos as livres colónias de chineses ultramarinos.

Clandestina emigração

A dinastia Ming proibira a emigração de chineses e tal continuou com a dinastia Qing. Penang, desde 1786 colónia da Companhia das Índias Orientais (EIC), além de receber um grande número de emigrantes chineses, tornou-se um entreposto para a distribuição desses expatriados. Para evitar conflitos com o governo chinês, a EIC usou Macau como local de reunião desses cules e daí eram enviados em navios portugueses para as colónias inglesas, como referem Liu Cong e Leonor Diaz de Seabra, que aditam terem os portugueses também aproveitado para enviar mão-de-obra para as suas colónias.

Após a I Guerra do Ópio ocorreu um imenso êxodo de chineses, que inicialmente e ingenuamente se entregavam voluntariamente para ir trabalhar no estrangeiro. Encontravam-se eles por essa altura em extrema pobreza, por razões de catástrofes naturais e dos impostos que o governo mongol dos Qing lhes impunha para pagar as inúmeras e pesadas indemnizações das guerras que os ocidentais fizeram à China. Os ingleses, sem nada de interesse para trocar com os chineses, traziam ópio e a guerra a este pacífico país, conseguindo assim roubar o pecúlio acumulado durante 5000 anos de excelentes governações e ter moeda de troca para adquirir os eruditos trabalhos como a seda, porcelana, laca e o chá.

O excedente demográfico e a sua fácil adaptação aos mais diversos climas levaram os chineses a ser preferidos para irem trabalhar nas colónias inglesas e na América, com falta de mão-de-obra devido à abolição da escravatura.

Dos portos abertos pelo Tratado de Nanjing de 1842 continuou o esforço amargo a emigrar, apesar das leis da China não aceitarem essa expatriação.

16 Nov 2018