Habitação Pública | Falta de interesse em lojas e restaurantes preocupa

No último concurso de arrendamento de espaços comerciais em edifícios de habitação pública, 8 das 30 lojas não atraíram qualquer proposta. A falta de interesse está a preocupar deputados e conselheiros da Administração

 

A falta de interesse no arrendamento de lojas e restaurantes nos edifícios de habitação pública está a gerar apreensão. O assunto está a ser discutido, depois do mais recente concurso público para o arrendamento, em Janeiro, apenas ter gerado propostas para 22 dos 30 espaços comerciais disponíveis.

Em declaração ao canal chinês da Rádio Macau, o deputado Leong Sun Iok, ligado à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), indicou que o Governo precisa de perceber que o ambiente de negócios no território mudou muitos nos últimos anos, mesmo se os turistas regressaram após os anos da pandemia.

“O Governo precisa de estudar as razões da ausência de propostas para o arrendamento de oito lojas em edifícios de habitação pública. Na verdade, o ambiente de negócio em Macau mudou, e os empresários estão muito preocupados com a capacidade dos seus negócios sobreviverem”, afirmou Leong.

O legislador criticou igualmente os preços e a forma como se desenrolaram os procedimentos. “Os preços das lojas que não atraíram propostas não eram baratos. Também o concurso público foi demasiado apressado, começando no final do ano passado e durando pouco mais de um mês. Não podemos excluir a hipótese de ter havido muita gente que não teve tempo de se preparar”, considerou.

As lojas do concurso tinham preços que variavam entre as 5 mil patacas, para uma área de 21 metros quadrados, e as 60,5 mil patacas, para uma área de praticamente 359 metros quadrados. Esta última loja ficou por arrendar.

Por sua vez, Hong Wai Tong, membro do Conselho para os Assuntos de Habitação Pública, afirmou também ao Fórum Macau que é necessário ponderar a mudanças das regras para o arrendamento dos espaços comerciais nas habitações públicas, que foram aprovadas há 32 anos.

Numa ideia que também contou com o apoio de Leong Sun Iok, Hong Wai Tong apontou que se deve abrir os concursos, com condições mais favoráveis, para associações que prestem serviços sociais e também empresas ligadas a empresários jovens ou para a inovação tecnológica.

O membro do Conselho para os Assuntos de Habitação Pública considerou ainda importante que as alterações fossem realizadas a tempo da ocupação da habitação pública em construção na Zona A dos Novos Aterros.

 

Em alternativa

Aeson Lei, vice-presidente da Aliança de Sustento e Economia de Macau, mostrou-se preocupado com o resultado do concurso público, uma vez que considera que as lojas e restaurantes nas habitações públicas têm sempre clientes.

“As lojas de habitação pública têm sempre um certo número de clientes garantido. Se até nestes casos não há interessados, só mostra que os comerciantes têm muitas dúvidas sobre o estado da economia”, argumentou Aeson Lei, também ao canal chinês da emissora.

Quanto a Leong Sin Man, membro do Conselho para os Assuntos de Habitação Pública, pediu ao Executivo para ponderar criar um mecanismo de candidaturas permanentes aos espaços, ao contrário do que actualmente acontece.

“Será que o Governo tem condições em lançar uma candidatura permanente para o arrendamento de lojas de habitação pública em vez de lançar regularmente os concursos públicos?”, questionou Leong Sin Man, membro do Conselho para os Assuntos de Habitação Pública. “Poderia ser uma proposta interessante”, frisou.

22 Fev 2024

Evergrande | Liquidação é teste para investidores estrangeiros

A ordem de liquidação da imobiliária Evergrande por um tribunal de Hong Kong constitui um teste para investidores internacionais expostos a activos na China continental via territórios ‘offshore’, sem jurisdição no país, consideram analistas.

Embora as acções e as obrigações em dólares da Evergrande sejam transaccionadas em Hong Kong, a esmagadora maioria dos seus activos, avaliados em 242 mil milhões de dólares, estão no continente chinês. A liquidação ordenada pela juíza Linda Chan depende assim da vontade das autoridades chinesas.

“Boa sorte na execução”, reagiu Anne Stevenson-Yang, fundadora da J Capital Research, empresa de pesquisa de mercado focada na China, citada pelo jornal The Guardian.

Um resultado desfavorável para os investidores estrangeiros arrisca-se a exacerbar o pessimismo em relação à China e a comprometer o papel de Hong Kong como praça financeira de referência para as empresas chinesas angariarem fundos.

O lançamento por Pequim de uma campanha regulatória contra a indústria privada, incluindo os sectores imobiliário, educação ou tecnologia, suscitou já preocupação entre os investidores de que os seus interesses serão sempre secundários em relação aos planos do Partido Comunista.

O índice da Bolsa de Valores de Hong Kong que reúne empresas do continente chinês, o Hang Seng China Enterprises, caiu esta semana para o seu nível mais baixo desde 2005. As vendas por investidores estrangeiros de acções cotadas na China continental ascenderam, em 2023, a 29 mil milhões de dólares, uma queda de 87 por cento no investimento estrangeiro líquido. Em Janeiro as vendas ascenderam a 2 mil milhões de dólares.

 

Queda do gigante

George Magnus, economista e associado da Universidade SOAS de Londres, advertiu que os detentores de obrigações estrangeiros vão ser “deixados ao abandono”.

O Governo chinês “não quer certamente dar prioridade à compensação das perdas dos credores estrangeiros em detrimento dos cidadãos nacionais”, considerou Magnus. “Na medida em que alguém vai pagar um preço, serão os detentores de obrigações estrangeiras”, disse.

Citado pela agência Bloomberg, Brock Silvers, director executivo da empresa de capitais privados Kaiyuan Capital, considerou também que a “ordem de liquidação deve ter um impacto imediato muito limitado nas operações ou nos activos da Evergrande situados no continente chinês”.

“Embora o liquidatário possa provavelmente exercer controlo sobre activos ‘offshore’, a sua autoridade não será reconhecida ‘onshore’”, disse.

O termo ‘offshore’ refere-se a uma zona financeira que não está sujeita à legislação do país onde a empresa tem os seus activos e operações.

Na década que se seguiu à entrada da Evergrande na bolsa, as suas acções subiram 800 por cento.

Em 2021, no entanto, os reguladores chineses passaram a exigir às construtoras um tecto de 70 por cento na relação entre passivo e activos e um limite de 100 por cento da dívida líquida sobre o património, visando desalavancar o sector.

Isto suscitou uma crise de liquidez. Com um passivo de 300 mil milhões de dólares – superior ao Produto Interno Bruto de Portugal – o grupo perdeu acesso ao crédito e entrou em incumprimento.

5 Fev 2024

Karaokes queixam-se de que negócio piorou após pandemia

Face ao cenário de pessimismo dos cidadãos, o presidente da Associação Industrial e Comercial sugere que sejam lançadas medidas de promoção da economia interna, como o cartão de consumo para turistas

 

Os proprietários dos bares de karaoke queixam-se de que o negócio está a enfrentar condições piores do que aquelas com que teve de lidar durante a pandemia. Em declarações ao jornal Ou Mun, alguns empresários do sector traçam um cenário de dificuldades, motivadas pela crescente concorrência dos espaços no Interior e as restrições no consumo.

Segundo a versão do empresário Leong, com a passagem das fronteiras para o Interior a voltarem praticamente à situação de normalidade em Janeiro, os empresários sentem dificuldades acrescidas, porque muitos dos residentes passaram a preferir frequentar os bares de karaoke no outro lado da fronteira.

Leong adiantou ainda que com a implementação do programa de circulação de veículos de Macau no Interior o volume de negócios dos bares de karaoke registou quebras de 50 a 60 por cento face ao período da pandemia. No caso do estabelecimento gerido por Leong, há noites de fim-de-semana em que não tem mais do que duas mesas com clientes, o que é muito diferente do que se registava no passado. O sector atravessa assim uma situação em que tem mais clientes durante os dias da semana do que ao fim-de-semana, o que representa uma mudança de paradigma.

 

Quebras acentuadas

O jornal Ou Mun ouviu também outro dono de um espaço de karaoke, de apelido Chan, que afirmou ter quebras na ordem dos 50 por cento, face ao período da pandemia.

O empresário explicou que o ambiente económico é muito diferente do antecipado e que a fonte dos clientes sofreu alterações. Além da concorrência dos espaços do Interior, que foi intensificada com a circulação dos veículos para Zhuhai, há um ambiente de depressão económica e de cortes no consumo.

Chan admitiu ainda que no passado investiu em restaurantes, porque o ambiente de negócios era bom e era possível ganhar dinheiro apenas com a loja aberta. Contudo, explicou, a situação mudou muito e teve de fechar vários espaços. O empresário deixou ainda antever que vai ter de fechar mais restaurantes no futuro, face à falta de receitas.

 

Apoio às PME

Por sua vez, o presidente executivo da Associação Industrial e Comercial, Ng Wah Wai apelou ao Governo para encontrar uma solução para os problemas das pequenas e médias empresas. Segundo o dirigente associativo, a recuperação económica vai demorar a ser sentida, pelo que é necessário apoiar os negócios locais.

Ng Wah Wai defendeu o lançamento de mais medidas para promoção do consumo interno, que façam com que os residentes comprem mais nas lojas locais.

Além de atrair os residentes locais, o responsável também sugeriu que o Governo siga as práticas do sudeste asiático, do Japão e de Taiwan, onde foram lançados cartões de consumo para os turistas, o que é visto como uma forma de promover o consumo em Macau.

27 Jun 2023

Macau desespera por excursões vindas do Interior

Maria Helena de Senna Fernandes desmentiu a chegada de excursões a Macau vindas do Interior ao abrigo do programa “quatro províncias, uma cidade”. Apesar disso, mostra-se optimista com a subida do número de visitantes, devido aos vistos electrónicos individuais

 

Apesar de no domingo ter sido noticiado que as primeiras excursões com visto de grupo tinham chegado a Macau, o Governo negou a informação. O desmentido foi feito por Maria Helena de Senna Fernandes, directora da Direcção de Serviços de Turismo (DST), em declarações citadas pelo Jornal Ou Mun.

Após três anos da suspensão de vistos para excursões e vistos electrónicos individuais, as autoridades do Interior anunciaram que a partir deste mês passaram a autorizar a vinda de excursões a Macau. Os cidadãos de quatro províncias podem agora, ao abrigo do programa chamado “quatro províncias, uma cidade”, visitar o território.

Todavia, até ontem, não havia informações sobre a chegada de qualquer excursão. Ao jornal Ou Mun, Helena de Senna Fernandes admitiu que o Governo ainda está à espera de ser informado sobre a chegada das primeiras excursões e que a informação sobre esse acontecimento será oportunamente comunicada.

Sobre as excursões noticiadas no domingo, Senna Fernandes admitiu que o Governo está a recolher informações, e admitiu acreditar que se tratam de pessoas que viajaram com visto individual e que depois, já no território, se juntaram em grupos.

Apesar das actuais limitações, a responsável não deixou de se mostrar confiante para o futuro e no aumento dos números do turismo, que também acredita ser impulsionado pelo fim da suspensão da emissão de vistos individuais de turismo.

Também no sentido de aumentar o número de visitantes ao território, Maria Helena de Senna Fernandes destacou a importância da realização dos dois testes em massa à população, durante os quais não foi detectado qualquer infecção por covid-19, e que permite garantir as condições de viagem para turistas e residentes.

 

Criar confiança

Em relação à organização dos eventos Grande Prémio de Macau e do Festival Internacional de Gastronomia, Helena de Senna Fernandes evitou fazer uma estimativa sobre o número de entradas de visitantes.

Na opinião da directora do DST, o mais importante é organizar os eventos de forma bem sucedida para mostrar que Macau é um destino seguro para quem viaja do Interior.

Quanto à realização de mais mega operações de promoção do turismo no outro lado da fronteira, como a Semana de Macau no Interior, o cenário está, por agora, afastado. Nos últimos anos a DST, no sentido de aumentar o número de turistas, promoveu várias iniciativas no Interior.

Ontem, a directora da DST reconheceu que um evento com a dimensão das acções de campanha anteriores deixou de ser apropriado, pelo que a estratégia tem passado por fazer a promoção em centros comerciais.

Outra questão que afasta a realização de mais uma edição da Semana de Macau, é o facto de se registarem vários surtos activos no Interior, que podem afectar a organização de eventos.

8 Nov 2022

Apesar dos prejuízos, MGM diz saber como atrair estrangeiros

A MGM China anunciou prejuízos de 382,4 milhões de dólares de Hong Kong no segundo semestre de 2022. A queda ficou a dever-se à descida de 74 por cento das apostas em bacará nas salas VIP.  Apesar do “desafio” das restrições epidémicas, a operadora está confiante na sua capacidade de trazer jogadores estrangeiros a Macau

 

A operadora de jogo MGM China anunciou ontem um prejuízo de 382,4 milhões de dólares de Hong Kong (HKD) no segundo trimestre de 2022.

Em igual período de 2021, a MGM China tinha apresentado um EBITDA (resultados antes de impostos, juros, depreciações e amortizações) ajustado positivo de 116 milhões de HKD, de acordo com um comunicado citado pela agência Lusa.

No primeiro trimestre de 2022, a empresa, com dois casinos em Macau, registou ainda um lucro líquido de 45,7 milhões de HKD. No segundo trimestre, a MGM China registou receitas no valor de 1,1 mil milhões de HKD, menos 53,5 por cento comparativamente com o mesmo período do ano passado.

De acordo com resultados divulgados pela ‘companhia mãe’ da MGM China, a norte-americana MGM Resorts, a queda deveu-se sobretudo à descida de 74 por cento nas apostas em bacará nas salas de grandes apostadores (VIP).

Recorde-se que, em Novembro do ano passado, a indústria do jogo de Macau foi afectada pela queda do maior angariador de apostas VIP do mundo, o Suncity Group, quando as autoridades de Macau decretaram a prisão preventiva do então director executivo do grupo, Alvin Chau.

Além disso, a reboque das medidas de prevenção impostas para combater o último surto de covid-19 no território, as receitas do jogo em Macau caíram em Julho, 95,3 por cento em termos anuais, fixando-se em 398 milhões de patacas, o pior resultado desde 2003.

 

Estamos prontos

Numa altura em que está a decorrer o prazo para a apresentação de propostas relativas ao concurso público para a atribuição de seis licenças de jogo, o director de operações da MGM, Hubert Wang, considera que a operadora está munida de todas as ferramentas necessárias para corresponder aos requisitos do Governo. Nomeadamente, apontou segundo o portal GGR Asia, quanto à captação de jogadores de mercados internacionais e à aposta em elementos não relacionados com jogo.

“O Governo de Macau está focado nos mercados internacionais e esse é precisamente um dos nossos pontos fortes, tendo em conta a nossa rede global de distribuição. Por isso, é esse o nosso foco”, afirmou o responsável na quarta-feira durante a apresentação de resultados da MGM China.

Hubert Wang frisou ainda “a enorme quantidade de requisitos” exigidos no concurso ao nível dos elementos não jogo, algo em que a operadora também está apostada em responder de forma competente, através da proposta que vai entregar ao Governo. “Vamos aproveitar os nossos pontos tradicionalmente fortes na área das artes e da cultura, para concretizar a diversificação que o Governo está a pedir”, garantiu Wang.

Na mesma ocasião, Bill Hornbuckle, CEO e presidente da MGM Resorts International, admitiu, contudo, que as restrições inerentes à covid-19 constituem um “desafio” e um factor a ter em conta, durante o período em que está a decorrer o concurso público.

5 Ago 2022

Deputadas pedem apoios económicos mais abrangentes 

Após o anúncio de novas medidas do Executivo para apoiar a população e o sector empresarial, que continua a sofrer com os efeitos da pandemia, várias deputadas defendem que os apoios devem ser mais abrangentes. Song Pek Kei defende, segundo o jornal Ou Mun, que o Governo deveria ter como referência o limite máximo de rendimentos familiares para a candidatura à habitação económica, para que os grupos mais vulneráveis possam receber apoios directos.

A deputada pede que o Governo implemente de novo as medidas da primeira ronda de apoios, incluindo a isenção de tarifas de água e luz por um período de três meses.

Já a deputada Lo Choi In, espera que seja lançada uma nova ronda do cartão de consumo com um valor de oito mil patacas para grupos mais vulneráveis, desempregados e recém-licenciados.

Para a deputada de Jiangmen, o Executivo de Ho Iat Seng deveria criar um subsídio com um montante máximo de cinco mil patacas para as pequenas e médias empresas (PME) poderem contratar desempregados.

Lista de queixas

A deputada Ella Lei considera que o Governo deveria considerar implementar uma nova ronda do cartão de consumo, tendo referido o encontro de terça-feira com o Chefe do Executivo. Ho Iat Seng disse que as três rondas do programa de cartão de consumo acabaram por ajudar financeiramente as PME em 68 por cento.

Em declarações ao Jornal do Cidadão, Ella Lei disse ter recebido muitas queixas de proprietários de salões de beleza, centros de explicações e espaços culturais, uma vez que desejam ter mais detalhes sobre os critérios adoptados pelo Governo para encerrar este tipo de estabelecimentos comerciais no contexto da pandemia.

Estes comerciantes fizeram notar à deputada que não foram ainda informados sobre o prazo de reabertura dos seus espaços e exigem do Governo um mecanismo de apoio para os sectores que foram obrigados a fechar portas devido à pandemia.

15 Out 2021

Centro de acolhimento da Cáritas com pico de migrantes desalojados

Paul Pun revelou que o centro de acolhimento da Cáritas recebeu na quarta-feira, o maior número de pedidos de ajuda desde 25 de Setembro, por parte de trabalhadores migrantes desalojados em Macau. Para o responsável, a população deve “trabalhar em conjunto” para promover a abertura das fronteiras

 

O secretário-geral da Cáritas, Paul Pun revelou que, desde que o centro de acolhimento destinado a abrigar trabalhadores migrantes desalojados em Macau começou a operar, foi registado um pico de pedidos de ajuda na passada quarta-feira.

“Ontem [quarta-feira] foi o dia com maior procura por abrigos desde o dia 25 de Setembro. O número de pessoas que recorre ao serviço é variável, dado que a situação continua a prolongar-se e mais pessoas começaram a tomar conhecimento do serviço que está a ser prestado pela Cáritas e acabam por ficar no abrigo temporário”, partilhou o responsável ao HM, acrescentando que um número exacto será divulgado mais tarde pelo Governo.

Recorde-se que a Cáritas Macau começou a disponibilizar abrigos aos trabalhadores não residentes (TNR), na sequência de ter sido identificado a 25 de Setembro, um primeiro surto depois de uma residente de Macau oriunda da Turquia e outros seis casos conexos terem sido diagnosticados com covid-19. A situação agravou-se dias depois, quando, após diagnosticados novos casos a 2 de Outubro, as autoridades de Zhuhai terem decidido decretar quarentena obrigatória de 14 dias para todos os que se deslocam de Macau para o território vizinho.

Segundo Paul Pun, as pessoas que tem recorrido ao abrigo “estão satisfeitas e agradecidas” por utilizar os serviços prestados pela Cáritas sob a alçada do Instituto de Acção Social (IAS), sendo que 90 por cento dos utilizadores dizem respeito a TNR e os outros 10 por cento são residentes locais.

Questionado sobre o impacto que os sucessivos surtos de covid-19 e o prolongamento das restrições fronteiriças estão a ter na população, o secretário-geral da Cáritas não tem dúvida que os residentes de Macau enfrentam actualmente “muitas incertezas” e que há “quem não vislumbre qualquer futuro”.

“De uma maneira geral, os residentes de Macau estão debaixo de grande pressão e encaram muitas incertezas, pois não sabem quanto tempo mais é que esta situação vai durar. Outras pessoas não veem qualquer futuro neste momento”, partilhou.

 

Unir esforços

Contudo, Paul Pun defende que as “mudanças dramáticas” que a população tem vivenciado nos últimos tempos têm contribuído, de certa forma, para ensinar os residentes a “enfrentar dificuldades” e a “preocupar-se mais uns com os outros”. “Temos visto cada vez mais voluntários a oferecer-se para nos ajudar”, vincou.

“A Cáritas serve para preencher as lacunas existentes. Não temos poder nem recursos, mas com a ajuda dos voluntários conseguimos resolver alguns problemas”, referiu Paul Pun.

Sobre o progressivo retorno à normalidade, que passará pela reabertura de fronteiras ao exterior, o responsável sublinhou que tal só será uma realidade se a população for capaz de trabalhar em conjunto e aderir à vacinação.

“Acho que ninguém pode tomar a decisão de abrir as fronteiras. Essa mudança deve ser feita por toda a sociedade, não apenas pelo Governo. Quando os cidadãos de Macau trabalharem em conjunto, as mudanças vão acontecer. Isto quer dizer que nos devemos proteger [através da vacinação], cumprir todas as medidas de prevenção epidémica e ajudar-nos uns aos outros”, apontou Paul Pun.

10 Out 2021

Associações de Táxis pedem orientações para desinfectar viaturas

Além de referirem que os profissionais do sector têm uma elevada taxa de vacinação e fazem uso escrupuloso da máscara, as associações de taxistas querem indicações claras sobre como devem desinfectar as viaturas

 

O sector dos táxis está preocupado com a falta de orientações dos Serviços de Saúde (SSM) sobre como deve ser feita a desinfecção das viaturas, principalmente numa altura em que se vive novo surto. As declarações foram prestadas por representantes da Associação Geral de Condutores de Táxi de Macau e Associação dos Comerciantes e Operários de Automóveis de Macau, ao Jornal do Cidadão.

De acordo com Leng Veng Sai, presidente da Associação dos Comerciantes e Operários de Automóveis de Macau, há um medo generalizado, que levou muitos condutores a não trabalharem nos últimos dias.

Por um lado, Leng sublinhou que o sector é dos que tem maior taxa de vacinação, devido ao entendimento entre taxistas que a profissão exige contacto próximo com o público. Por outro, admitiu que o novo surto levou a que muitos optassem por deixar as viaturas paradas, por medo de serem contagiados.

Neste sentido, o dirigente associativo pediu aos SSM orientações sobre a melhor forma de desinfectar viaturas, incluindo os produtos mais aconselhados.

Este cenário de “terror” foi igualmente partilhado por Kuok Leong Son, presidente da Associação Geral de Condutores de Táxi de Macau. De acordo com Kuok muitos motoristas deixaram de aceitar o pagamento com dinheiro vivo, por considerarem que é perigoso. Como alternativa, pediram aos clientes o pagamento através de meios de pagamentos electrónicos.

 

Adeus ao ouro

A questão do vírus está longe de ser a única preocupação do sector nesta altura. O relato dos representantes associativos mostra também uma indústria em colapso, sem clientes.

Segundo as palavras de Kuok Leong Son, o expoente da crise foi a Semana Dourada. Ao contrário do habitual, em que este período costumavam ser uma época alta, o surto veio mudar tudo. Kuok explicou que as receitas, sem contar com as despesas, caíram para 200 patacas por dia, quando no ano passado tinham sido de 800 patacas. “Os taxistas achavam que o 1.º de Outubro ia ser uma oportunidade para terem mais clientes, mas foi tudo muito desapontante, os rendimentos ficaram muito aquém” reconheceu o presidente da Associação Geral de Condutores de Táxi de Macau.

Kuok revelou também que neste “novo normal” muitos taxistas começaram a distribuir comida take-away, profissão onde ganham mais dinheiro.

Leng Veng Sai traçou um cenário semelhante, apontado que um profissional que actualmente trabalhe entre as 8h e as 13h limita-se a ter rendimentos de 200 patacas por dia. Por isso, Leng explicou que grande parte dos táxis preferem deixar os carros parados, nos locais disponibilizados pelo Governo, onde não têm de pagar renda, porque se estiverem a trabalhar no sector estão a perder dinheiro.

10 Out 2021

Tóquio | Carlos Gohsn diz que Nissan está a “destruir a sua reputação”

O ex-presidente do grupo Nissan encontra-se aprisionado num centro de detenção em Tóquio. Está acusado de ter “conspirado para minimizar os seus ganhos cinco vezes entre Junho de 2011 e Junho de 2015”

[dropcap]C[/dropcap]arlos Ghosn, antigo presidente do grupo Nissan suspeito de falsificação de informação financeira e detido em Novembro em Tóquio, disse ontem que a Nissan está a “destruir a sua reputação”.

“O objectivo era claro e houve resistência desde o início”, disse Carlos Ghosn durante uma palestra num centro de detenção em Kosuge, em Tóquio, onde está detido desde 19 de Novembro.

Em entrevista à agência de notícias francesa France Presse e Les Echos no centro de detenção de Tóquio, Carlos Ghosn disse que está a ser “punido antes de ser condenado”.

Carlos Ghosn, que está detido há dois meses, disse sentir-se injustiçado.

“Não tenho telefone, nem computador, mas como posso defender-me? “, questionou durante sua primeira entrevista aos meios de comunicação não-japoneses desde sua prisão.

“Estou focado. Quero lutar para restaurar a minha reputação e defender-me de acusações falsas”, disse.

O ‘chairman’ (presidente do conselho de administração) e presidente executivo do grupo Nissan e da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, o empresário franco-brasileiro de origem libanesa Carlos Ghosn, de 64 anos, foi detido em Novembro em Tóquio por suspeitas de fraude fiscal.

Ghosn é acusado de ter “conspirado para minimizar os seus ganhos cinco vezes entre Junho de 2011 e Junho de 2015”, declarando uma soma total de 4,9 mil milhões de ienes (cerca de 37 milhões de euros) em vez de quase 10 biliões de ienes.

O grupo Nissan poderá igualmente estar sujeito a processos judiciais.

 

Culpas repartidas

O Ministério Público acredita, de acordo com a imprensa, que, se houver culpa, a responsabilidade também recai sobre a empresa, pois a mesma entregou às autoridades documentos financeiros imprecisos nos quais Ghosn escondeu uma parte significativa dos seus rendimentos.

Estas suspeitas que recaem sobre Ghosn colocam uma série de questões sobre o futuro da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi (actual líder de vendas a nível mundial), processo que o próprio empresário franco-brasileiro liderou.

Além de presidente do grupo Nissan Motor, Goshn é também o homem forte das duas empresas que compõem a aliança com a Nissan, a Renault e a Mitsubishi Motors, e é considerado o homem de negócios estrangeiro mais influente no Japão.

Ghosn chegou à Nissan em 1999 como presidente executivo para liderar a recuperação do fabricante, com sede em Yokohama, depois de ter oficializado uma aliança com a francesa Renault.

1 Fev 2019

Bilhetes para o Sporting disponíveis, mas anúncio só foi feito para chineses

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s ingressos para assistir ao encontro entre a Selecção de Macau e o Sporting Clube de Portugal começam a ser distribuídos esta tarde às 16h, no Estádio de Macau. A distribuição dos ingressos vai decorrer hoje e amanhã, entre as 16h e 20h, e no sábado, entre as 10h e as 14h, no Estádio de Macau. Quem não puder levantar os bilhetes nesses dias pode ainda fazê-lo antes do jogo. Os ingressos são gratuitos, porém, apenas os órgãos comunicação social em língua chinesa foram convidados para a conferência de imprensa em que as informações foram reveladas.

Apesar do momento conturbado em Alvalade, com demissões ontem à noite na Mesa da Assembleia-Geral e no Conselho Fiscal e Disciplinar, não havia indicações sobre o adiamento da visita. A comitiva do Sporting chega já amanhã a Macau e é constituída principalmente por atletas da equipa B, que foi despromovida da II Liga. Já o encontro com a selecção local está marcado para as 20h de segunda-feira, no Estádio de Macau.

No dia seguinte, os jogadores do Sporting treinam com jogadores juvenis de Macau e na próxima quarta-feira são recebidos na Residência do Cônsul Geral e têm um jantar com o Sporting de Macau, filial do clube no território. Finalmente, na quinta-feira, a comitiva vai para o Interior da China.

No entanto, o anúncio de ontem da Associação de Futebol de Macau ficou marcado por grande polémica. A federação, que tem como homem forte Chong Coc Veng, “esqueceu-se” de convidar os órgãos sociais em língua portuguesa. Também o Sporting de Macau não foi convidado para marcar presença, apesar de ser uma filial oficial do clube de Lisboa. Ao HM, Daniel Sousa, vice-presidente da Associação de Futebol de Macau, negou ter existido má-fé.

“Pedimos imensa desculpa pelo sucedido com os órgãos sociais de matriz portuguesa. Não estamos a ignorar ninguém por qualquer má-fé”, afirmou Daniel Sousa, sobre o ocorrido.

18 Mai 2018

As leis da globalização (I)

“Since about 2010, double-digit economic growth rates have been observed across Africa. This growth is partly due to rising international commodity prices, and partly due to internal economic structural changes. Over the last decade, six of the world’s 10 fastest-growing countries were African. In eight of the last 10 years, Africa’s lion states have grown faster than the Asian tigers.”
“Middle Classes in Africa: Changing Lives and Conceptual Challenges”

[dropcap]L[/dropcap]ena Kroeker,‎ David O’Kane and Tabea Scharrer. Os empresários esforçam-se para se adaptar a um mundo imaginado apenas há apenas um ano. O mito de um mundo sem fronteiras desapareceu. Os pilares tradicionais dos mercados abertos, como os Estados Unidos e o Reino Unido estão a cambalear, e a China está-se a posicionar como o mais firme defensor da globalização.

O voto no “Brexit”, em 23 Junho de 2016, surpreendeu a União Europeia, e as ideias sobre a globalização tornaram-se cada vez mais negativas nos Estados Unidos, à medida que a campanha eleitoral presidencial progredia. Após a eleição de Donald Trump, com medo de uma guerra comercial, começou a ser defendida a tese de que a maior pensamento comercial das últimas três décadas está a passar por sérios problemas, e que as vantagens da economia de escala desapareceram. O pilar dinâmico da empresa e da sua localização abanavam.

A grande questão que se coloca é de saber se a retirada massiva do exército empresarial de um país é a abordagem correcta para as empresas nestes tempos incertos, ou, apesar de embalar e voltar a casa, devem concentrar-se na localização, ou seja, produzir e até inovar onde vendem, como opção estratégica? É de recordar que, há apenas uma década, os empresários acreditavam que o mundo estava a tornar-se plano para as empresas globais, sem restrições, através das fronteiras dos países, e que rapidamente dominariam a economia mundial. Tais afirmações exageradas foram provadas como erradas. Os clamores actuais por um enorme retrocesso da globalização, diante de novas pressões proteccionistas, também são uma reacção exagerada, em outra direcção. Ainda que, uma certa euforia sobre a globalização se tenha deslocado para a sombra, especialmente nos Estados Unidos, a globalização ainda não sofreu uma séria reversão.

A retirada em grande escala ou um excesso de localização prejudicaria a capacidade das empresas de criar valor através das fronteiras e à distância usava-se a rica variedade de estratégias da globalização que ainda são eficazes e continuarão a funcionar bem no futuro. A turbulência actual exige uma reformulação mais subtil das estratégias das multinacionais, das estruturas organizacionais e das abordagens do ajuste social. As falsas percepções comuns sobre o que é, e o que está a mudar sobre a globalização, oferecem directrizes para ajudar os empresários a decidir onde e como competir e a examinar o papel das multinacionais em um mundo complexo.

As dúvidas sobre o futuro da globalização começaram a surgir durante a crise financeira de 2008-2009, mas à medida que as condições macroeconómicas melhoraram, a escuridão deu lugar a uma mistura obscura de perspectivas. Por exemplo, em apenas três semanas, em 2015, foram defendidas ideias como as da globalização a uma velocidade extremamente alta ou o fim da globalização.

Face a tanta ambiguidade, é essencial analisar os dados fornecidos pelo “Global Connectedness Index (GCI)”, que é uma análise detalhada do estado da globalização em todo o mundo, rastreando os fluxos internacionais de comércio, capital, informações e pessoas.

Os dois componentes do índice de maior interesse comercial que são o comércio de mercadorias e investimento estrangeiro directo, foram atingidos duramente durante a crise financeira, mas nenhum deles sofreu um declínio similar desde então. O comércio sofreu uma grande queda em 2015, mas foi quase inteiramente um efeito preço, impulsionado pela queda dos preços das mercadorias e pela revalorização do dólar. Os dados actualizados sugerem que, em 2016, o investimento estrangeiro directo diminuiu, em parte, devido à repressão dos Estados Unidos sobre inversões fiscais. Os dados completos para 2017, ainda não estão disponíveis, mas o estímulo comercial em pessoas e fluxos de informações provavelmente reforçará a ideia de que a globalização permaneceu igual ou aumentou.

O que mergulhou de nariz foi o tom do discurso público nos Estados Unidos e em outras economias avançadas. A análise das referências dos meios de comunicação social para o termo globalização nos mais proeminentes jornais e revistas mundiais revela uma acentuada sensação de sensibilidade, com decréscimo das quedas em 2016. O contraste entre os dados que vão do misto ao positivo sobre os fluxos internacionais reais e o balanço negativo no discurso sobre a globalização podem ser fixados, ironicamente, na tendência de até mesmo os executivos experientes, exageradamente preverem a intensidade dos fluxos de negócios internacionais em relação à actividade doméstica, ou seja, acreditam que o mundo é muito mais globalizado do que realmente é.

As percepções exageradas sobre a profundidade da globalização, quanto à actividade, são internacionais versus doméstica e têm um custo. As sondagens revelam que os entrevistados que exageraram acerca das previsões acerca da intensidade da globalização, foram mais propensos a acreditar em declarações erróneas sobre estratégias de negócios internacionais e políticas públicas. Quando os empresários pensam que o mundo é mais globalizado do que realmente é, tendem a subestimar a necessidade de entender e responder às diferenças entre os países, quando operam no exterior e na esfera das políticas públicas, e os líderes políticos tendem a subestimar os ganhos potenciais da globalização e a super-estimarem as consequências nocivas para a sociedade.

As pesquisas sugerem que as pessoas também subestimam a amplitude da globalização, ou seja, até que ponto a actividade internacional é distribuída globalmente e não focada de forma restrita. Um inquérito realizado aos leitores do “Washington Post”, revelou que 62 por cento dos inquiridos concordaram que o livro mais lido de Thomas Friedman era “The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-first Century”, que menciona que as empresas actuam em um campo de jogo global, habilitado para a rede mundial de computadores, que permite colaboração em pesquisa e trabalho em tempo real, sem importar a geografia, distância ou, no futuro próximo, até mesmo a linguagem.

Todavia, os dados mostram que a actividade internacional real continua a ser amortecida fortemente por todos esses factores, e para contrariar as ideias contraditórias sobre as questões globais, devem ser consideradas duas leis que regem, respectivamente, a profundidade e amplitude da globalização que são a lei da semi-globalização, que é a actividade comercial internacional, que embora significativa, é muito menos intensa do que a actividade doméstica, e a lei da distância que determina que as interacções internacionais são atenuadas pela distância ao longo de dimensões culturais, administrativas, geográficas e, muitas vezes, económicas.

Tais princípios podem ser muito úteis para a elaboração de estratégias futuras. É de considerar que dados os fortes sentimentos proteccionistas e possivelmente até uma guerra comercial, continuarão a ser válidos. A melhor forma de os testar será no momento, e apesar do tempo, as políticas da administração Trump e de outros governos ainda não são claras, e estudar o que aconteceu pela última vez que uma grande guerra comercial explodiu, que foi na década de 1930, e o que levou à maior regressão da história da globalização. Existem duas leituras fundamentais, correspondentes às duas leis da globalização. A primeira lição é de que, embora o comércio tenha regredido precipitadamente na década de 1930, não deixou de existir. O colapso que começou em 1929 foi surpreendente, e no início de 1933, os fluxos comerciais caíram dois terços.

A queda no valor reflectiu uma queda mais nos preços do que nas quantidades, que diminuíram em menos de 30 por cento. Mesmo na sequência do colapso, os volumes de comércio continuaram a ser muito grandes para ignorar os estrategas de negócios. A segunda lição é de que a distância de vários tipos continuou a atenuar a actividade comercial internacional. A relação entre os fluxos comerciais e a distância geográfica mal se moveu, de 1928 a 1935. Os efeitos benéficos de uma língua comum e os laços coloniais permaneceram poderosos, pois conjuntos de países com esses laços continuaram a negociar cerca de cinco vezes mais entre si, comparados com conjuntos de países sem tais laços. O resultado líquido foi de que os parceiros comerciais com os quais os países (ou grupos de países) fizeram a maior parte dos seus negócios, antes do incidente continuaram posteriormente, em grande parte inalterados. Quanto ao futuro e se o comércio global não estagnou na década de 1930, é razoavelmente seguro afirmar que também não acontecerá na década de 2020.

As análises da possibilidade de uma guerra comercial durante a administração Trump, poderia parecer sugerir declínios muito menores no comércio dos que ocorreram na década de 1930. A “Moody’s Analytics” estima que, se os Estados Unidos impusessem tarifas à China e México, e esses dois países retaliassem, esse e outros factores fariam contrair as exportações dos Estados Unidos em oitenta e cinco mil milhões de dólares em 2019, o que representa apenas cerca de 4 por cento do total de exportações dos Estados Unidos em 2015. É claro que uma guerra comercial mais ampla teria um efeito mais significativo, mas é muito improvável que as consequências sejam tão terríveis como na década de 1930. Da mesma forma, se a amplitude do comércio não mudou muito, apesar da drástica queda durante a “Grande Depressão”, provavelmente, não mudaria muito no caso de uma guerra comercial actual. Vale a pena acrescentar que, com muitos outros países independentes, além de cadeias de abastecimento mais fragmentadas verticalmente, os efeitos estimados da distância geográfica no comércio de mercadorias são realmente maiores do que na década de 1930.

Quanto à questão de onde competir, é de observar, se é improvável que as interacções transfronteiriças desapareçam, qual o argumento para a retirada das multinacionais? O recuo das empresas globais, que provocou uma discussão significativa, apontou para os problemas de desempenho que experimentaram, mas os declínios nos últimos três a quatro anos ocorreram em um ambiente de preços de mercadorias, diminuição da procura por serviços relacionados à globalização e, para as empresas dos Estados Unidos, mudanças nas taxas de câmbio, factores que cumpriram claramente papéis exagerados. E as quedas a longo prazo na última década coincide com um período em que a globalização realmente diminuiu.

Os problemas de desempenho fraco durante este período deveriam forçar à reconsideração da multinacionalização, que seria como argumentar que Singapura, o país mais conectado do mundo, de acordo com o DHL, deve afastar-se da globalização devido aos problemas de crescimento que observou desde a crise financeira. O último relatório oficial acerca do futuro da economia de Singapura rejeita essa noção, dizendo que a globalização através do comércio, capital e fluxos de conhecimento ainda é o futuro no que diz respeito à cidade-estado. E, mesmo em países muito menos dependentes das exportações do que Singapura, um retrocesso maciço da globalização seria contraproducente.

Mesmo quando as condições económicas são favoráveis ​​e a globalização está a avançar rapidamente, como aconteceu há várias décadas atrás, as multinacionais podem enfrentar problemas de execução. Os estudos, observaram que, entre 1990 e 2001, as empresas da “Fortune Global 500”, apresentaram consistentemente menores rendimentos médios nas vendas para suas as operações no exterior do que para as suas empresas domésticas. Dadas as dificuldades provocadas pela lei da distância, a multinacionalização sempre foi uma opção, não um imperativo.

Algumas empresas e indústrias, claramente sobreviveram, especialmente nos anos anteriores à crise financeira. O que falta em grande parte do debate actual é a noção de contingência, ou seja, uma abordagem caso a caso, em que um movimento relacionado à globalização é avaliado pelos seus próprios méritos, em vez de ser submetido a algum limiar sobre se deve avançar e globalizar ou voltar para casa. Assim, muitas empresas multinacionais precisam de renovar a atenção para onde competem, ou seja, para a selecção do mercado e devem também, resistir à ideia de que uma empresa verdadeiramente global deve competir em todos os principais mercados.
É de ponderar que cerca de 64 por cento dos entrevistados de um estudo da Universidade de Harvard, realizado em 2017, concordaram com esta (não) dictum, porém, uma análise dos dados financeiros internos de dezasseis multinacionais, indicou que oito tinham grandes unidades geográficas que destruíram a sua valia, depois dos seus custos de financiamento serem tomados em conta. Tais problemas ainda persistem. A Toyota, por exemplo, parece ser a única concorrente importante no sector automobilístico, altamente globalizada, que conseguiu aumentar a participação de mercado significativa no Japão, América do Norte, Europa e nas principais economias emergentes, ainda que seja altamente rentável.

A maioria das grandes fabricantes de automóveis, em contrapartida, seria melhor servida seguindo o exemplo da General Motors (GM), proprietária das marcas Vauxhall e Opel, e da francesa PSA Group, fabricante dos carros Peugeot, Citroen e DS, que tinham uma série de iniciativas estratégicas com o objectivo de aumentar a rentabilidade e a eficiência operacional, incluindo uma potencial aquisição da Opel, cuja operação europeia era deficitária. A PSA Group discutia então a compra das operações europeias da GM, tornando-se a segunda maior da região e permitindo que a GM se concentrasse na América do Norte e na China.

Os dados recentes sobre empresas classificadas entre as cem melhores com a maioria dos activos localizados fora dos seus países de origem revelam uma história semelhante. Enquanto essas empresas tendem a operar em dezenas de países, os seus quatro principais mercados, incluindo o mercado doméstico, representam cerca de 60 por cento das suas receitas e provavelmente uma fatia maior de lucros totais, e apenas uma percentagem de um dígito da “Fortune Global 500” que representa as maiores empresas do mundo por receitas, ganham pelo menos 20 por cento das mesmas em cada uma das regiões da tríade da América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico.

Ao classificar os mercados para se concentrar, é importante notar que a lei da distância se aplica ao investimento directo estrangeiro, bem como ao comércio. Embora o IDE seja menos sensível à distância geográfica do que o comércio é de estimar que o efeito de uma linguagem comum e uma ligação colonizado – colonizador e o IDE, seja mais sensível às diferenças no rendimento per capita. Assim, como as empresas pesam as suas opções, devem procurar oportunidades onde possam encontrar afinidades culturais, administrativas, políticas, geográficas e económicas. Tal ressoa ainda mais fortemente, pois é de recordar que as relações com os países se tornaram ainda mais importantes durante a década de 1930. À medida que o ambiente político muda, os líderes empresariais precisam de manter um olhar cuidadoso sobre como os seus países de origem estão a realinhar os seus laços internacionais e a engajarem-se na sua diplomacia corporativa.

É de lembrar também de que operar apenas domesticamente é uma opção. Apenas cerca de 0,1 por cento das empresas mundiais são multinacionais, ainda que a multinacionalização seja altamente distorcida em relação às empresas maiores, isso enfatiza grandemente o seu impacto global. (As suas filiais estrangeiras geram 10 por cento do PIB global, e as multinacionais representam mais de 50 por cento do comércio mundial). Para as empresas com base em grandes economias emergentes, concentrando-se no mercado interno, onde gozam de vantagem doméstica e bem-sucedido crescimento, pode ser uma proposta particularmente atraente. Os líderes empresariais devem resistir à ideia de que uma empresa global deve competir em todos os mercados.

23 Fev 2018

Tempos difíceis. Ai o cinema, ai o cinema

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ard Times, For These Times, é o título da obra literária do Charles Dickens e do terceiro filme do João Botelho (1988), 90 minutos, com um preto e branco nativo (na rodagem) notável, filmado em 35 mm por Elso Roque, direcção de arte de Jasmim de Matos, um talento que infelizmente já não partilha connosco nem as esperanças nem o sofrimento do quotidiano vivido.

Mas este título e esta crónica, não é sobre esta obra cinematográfica, é sobre os continuados TEMPOS DIFÍCIEIS do cinema Português.

O anunciado novo enquadramento legislativo, em lugar de ser um tempo de reflexão crítica por parte dos seus principais actores, os que o fazem, e os que o distribuem em sala, sobre qual cinema serve Portugal, e qual a legitimidade e a eficácia na decisão dos apoios públicos ao cinema, tem sido um tempo de vigor nas explosões intestinas, na defesa dos interesses já conhecidos e em vigor nestas últimas três a quatro décadas, ou seja, desde os anos 80 do século vinte.

Nas redes sociais, em artigos de imprensa, em cartas abertas postas a circular em festivais internacionais de cinema, a pressão das facções dos “donos” do direito a fazer cinema com fundos públicos em Portugal, manifesta-se de forma mais corporativa e fratricida, do que na verdade empenhada em posicionamentos estéticos ou teóricos sobre um pensamento sistematizado sobre o cinema neste tempo concreto da hipermodernidade que vivemos.

Em resumo, temos assistido ao território da criação cinematográfica radicado em duas igrejas. Ambas falam em nome da relação do cinema com o público, ou melhor com os públicos. O deus verdadeiro está em cada uma, segundo os próprios funcionários, ou crentes, da instituição respectiva. Uma igreja segue mais de perto a teologia do marketing, essa grande ciência que sabe mais das nossas vontades e necessidades do que nós mesmos, e a outra, sente-se dona, legitima e única continuadora da chamada política de autor – movimento do cinema europeu iniciado com a geração dos “Cahiers du cinema”, Bazin, Godard, etc, afirmando recusar-se a tratar os públicos como imbecis.

Mas, a razão de fundo da querela é outra, é que, para filmar em Portugal com o mínimo de condições necessárias para cumprir as obrigações com as equipas técnicas e artísticas; os custos de desenvolvimento, preparação, produção, pós-produção e de comunicação de um filme com possibilidade de existir nos circuitos de exibição nacional e internacional, salvo casos esporádicos e nessa condição únicos, é necessário ter os apoios financeiros que resultam das políticas culturais públicas e, como os montantes são sempre escassos, o eixo do mal instala-se, e em cada igreja, instala-se a verdade com exclusão do que lhe esteja fora. Conviria, parece-me, traçar de forma breve o “estado da arte”, com o enfoque no cinema e na sua contaminação no banal quotidiano.

O cinema é matéria de múltiplos territórios, é transdisciplinar, é arte e indústria, contamina comportamentos, atitudes, artes, num duplo movimento de apropriação e recriação do apropriado.

É o mais poderoso construtor do “phatos” (palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento, sentimento, ligação afectiva), utilizando a terminologia do cineasta Eisenstein (1898-1948), neste tempo da irrupção de milhões de subjectividades, de comunidades afectivas territorialmente difusas. O cinema afirma-se enquanto olhar singular do homem sobre si e sobre o mundo.

Capaz de transportar o espectador para a tela, o cinema é produtor de modelos e da reflexão crítica aos modelos que cria, é construtor de sombras e de luz, inventor de presentes, passados e futuros possíveis, afirma a radical dimensão da construção simbólica como alicerce e pilar para toda a tentativa hermenêutica do humano olhar sobre o mundo.

Presente na forma e no desejo do habitar dos quotidianos pelas populações urbanas indiferentemente das geografias e modos de vida, sejam mais ou menos conservadoras, liberais, alternativas, dissidentes, feministas, pós-feministas ou pós-revolucionárias, o cinema está presente e, essa presença, sustenta e enforma olhares e subjectividades, visões do eu e do outro.

O cinema é uma poderosa força construtora de mundos e do mundo.

É neste contexto que se tem de pensar a política de fundos públicos de apoio ao sector. O momento de um novo enquadramento legislativo é talvez o melhor dos tempos para, por exemplo, pensar a articulação entre fundos públicos para o cinema e política externa de Portugal. O cinema e os objectivos e necessidades estratégicas de Portugal no curto, médio e longo prazo.

A questão é, ou pelo menos a mim parece-me que deveria ser:

Que cinema serve Portugal?

Qual a legitimidade e a eficácia na decisão dos apoios públicos ao cinema?

Pode um sistema de júris exteriores à administração pública cumprir com eficácia o entendimento das políticas públicas para o cinema? Se sim, de que forma?

Apesar da chamada participação dos actores em campo, não se encontra facilmente qual seja a não legitimidade a que seja o ICA que assuma e garanta as decisões de financiamento com base no cumprimento das linhas programáticas de curto e médio prazo definidas em sede própria – o governo eleito.

A constantemente transparência enquanto valor, o chamado não dirigismo do gosto pelo poder político, com a solução dos júris vindos e representantes dos diversos sectores da actividade cinematográfica, é, ou pode ser, um pensamento bondoso, mas nada garante que seja mais do que isso

A obrigatoriedade de pensar o cinema numa visão integrada e alargada tanto às questões da comunicação de Portugal no mundo contemporâneo, como à oferta cultural em território nacional, como à diversidade estética própria da cinematografia contemporânea, não me parece que fique necessariamente melhor entregue fora do que dentro do organismo que depende da tutela do Ministério da Cultura.

Em registo de conclusão.

A velha discussão Bragança – Paris, apoia-se na irrelevante, estafada e sem fundamentação teórica credível, oposição entre cinema arte e cinema indústria, paradoxalmente, continua a legitimar o discurso e pensamento sobre o cinema que se faz e que importa fazer.

O cinema, “ o diálogo do mundo contemporâneo”, como afirmou Elia Kazan, é arte e indústria, tem a razão da sua paixão nos públicos numa ancestralidade muito anterior a si, a necessidade de narrativas que acompanha a história do homem no mundo. A discussão arte cinematográfica versus indústria é bacoca, ignorante e enganosa. O que existe são diferentes modelos de produção, e todas as possibilidade de filme conhecidas ou a conhecer. A questão dos fundos públicos, das políticas públicas para o cinema português é central e vai continuar a ser, mas nenhuma igreja tem legitimidade acrescida.

27 Fev 2017

Venezuela | Fome e insegurança num país que já não é o que era

Os dias passam devagar para quem está na Venezuela: a maior crise que o país já enfrentou tem levado vidas, trazido fome e parece estar longe de chegar ao fim. Venezuelanos dão o testemunho do que se passa e falam de uma história de “terror”

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]á não se vive. Sobrevive-se. A Venezuela está, neste momento, a passar por uma crise sem precedentes, que deixa milhões à fome, sem acesso a bens essenciais e a medicamentos. Bebés recém-nascidos morrem diariamente e o Governo mantém-se impávido. É por isso que, para Maritza Margarido, lá “não se vive. Sobrevive-se.”

“É um país em guerra. A Venezuela atravessa agora o pior momento da história. Não há comida e quando há, não há como pagar a preços tão elevados”, começa por explicar ao HM.

Não há produtos de primeira necessidade em nenhum supermercado e, quando chegam alguns, as pessoas têm que “ir para a fila”. Fila essa que se estende por quilómetros, como provam imagens que Maritza envia ao HM e que tira da varanda de sua casa. E como os média, os poucos que falam do assunto devido à falta de abertura/conhecimento da situação, relatam.

Filas para comprar comida estendem-se por quilómetros
Filas para comprar comida estendem-se por quilómetros
Cada pessoa tem um dia específico para ir às compras. O de Maritza é a sexta-feira e começa às duas ou três da manhã. Nem pensar faltar à chamada.

“As pessoas só podem adquirir esses produtos no dia que lhes foi designado e segundo o número de bilhete de identidade. A mim calhou-me a sexta-feira. Para fazer as compras é através de impressão digital e, mal a coloquemos, ficamos bloqueados não podendo fazer as compras em mais lado nenhum, nem voltar a comprar nada até que volte a ser a nossa vez. Isto é controlado pela identificação digital”, conta a portuguesa nascida na Venezuela, ao HM.

A escolha de ir cedo para a fila é justificada pelo facto de os primeiros a entrar poderem ser os mais “sortudos” – se o supermercado abrir às 8h00, na hora seguinte pode já não haver bens para comprar. Quem faltar no dia que lhe foi indicado, por exemplo por estar a trabalhar, não tem outra solução que não a de esperar até à semana seguinte. E quem consegue comprar os poucos produtos que ainda vão existindo corre o risco de ser assaltado à saída do supermercado, num país onde a lei também parece já não existir.

[quote_box_right]“Já não há estado civil, está destruído. A Venezuela já não é o país maravilhoso que foi dos anos 50 aos 90” – Eliana Calderón, venezuelana a morar em Macau[/quote_box_right]

À mingua

Um dos grandes lemas de Nicolás Maduro, presidente do país, para ‘enfrentar’ a crise é que “Deus providenciará”. Mas Deus não está a providenciar. A Venezuela tem a maior reserva de petróleo das Américas, sendo que este produto equivale a 95% das exportações do país. As receitas do ouro negro, como relembra a BBC, foram até utilizadas para financiar alguns programas sociais, possibilitando a construção de um milhão de casas para os mais pobres.

Mas os preços dos barris de petróleo desceram mais de metade de um ano para o outro – 88 dólares por barril foram, agora, substituídos por 35 dólares. Consequentemente, o dinheiro já não chega aos cofres do governo que, por si, também não sabe como gerir receitas. E nunca soube.

A crise actual no país é difícil de explicar. À pergunta como é que a Venezuela chegou à situação em que está, as respostas que nos são dadas são semelhantes: má gestão financeira há décadas.

“O governo justifica-se com a questão do petróleo, mas acho que foi é má gestão dos governos, tanto do Chavez, como do Maduro. É o resultado da corrupção”, diz-nos Marisol Arroz da Silva, portuguesa nascida na Venezuela e radicada em Macau.

Comida para uma semana para uma família de cinco
Comida para uma semana para uma família de cinco
O mesmo diz Eliana Calderón, venezuelana a morar em Macau, que concorda com Maritza quando esta fala em “sobrevivência” no país. Eliana vê um país a deteriorar-se ao longo dos anos, onde já quase não há humanidade, segurança pessoal ou tranquilidade.

“Já não há estado civil, está destruído. A Venezuela já não é o país maravilhoso que foi dos anos 50 aos 90”, refere ao HM, relembrando que há pessoas a sobreviver “umas às custas das outras” e tudo muito graças ao chavismo e madurismo que imperam no país (ver texto secundário).

Hugo Chavez, que governou a Venezuela de 1999 até 2013, criou medidas de controlo dos preços para os bens necessários em 2003, com o intuito de que os mais pobres pudessem também ter acesso a açúcar, café, leite, arroz, óleo de milho e farinha. Mas essa decisão foi vista como forma de chamar seguidores, além de ter tido repercussões ingratas: produtores queixaram-se de que essas novas regras os faziam perder dinheiro: alguns recusaram-se a providenciar produtos para os supermercados públicos, outros pararam mesmo a produção. Resultado? A importação passou a ser ainda mais necessária à Venezuela.

Hoje, a inflação chega agora quase aos 200%. O bolívar venezuelano desceu 93% e as pessoas estão a comprar produtos com uma moeda que nada vale – 300 bolívares equivalem a 70 cêntimos de dólar americano.

Como nos conta Maritza, “o salário mínimo é irrisório e insuficiente para o que quer que seja”. Ainda que tenha aumentado recentemente, o preço dos produtos continuam a subir, “sendo a situação igual ou pior do que antes”.
Algumas famílias passam fome, porque agora “comer é um luxo”, como dá conta uma família de cinco pessoas ao New York Times. No seu frigorífico têm cinco bananas, meio pacote de farinha, meia garrafa de óleo de milho, uma manga e meio frango.

“O povo tem criado um mercado informal nos bairros onde vive a que chamamos de ‘bachaqueros’, onde, depois de adquirirem os produtos no mercado normal aos preços regulamentados, as pessoas os vendem na rua até cem vezes acima do valor real”, continua a descrever Maritza. “Estou a referir-me a produtos como carne, leite, açúcar, farinha, papel higiénico ou produtos de higiene pessoal, entre outros.”

A população também utiliza a troca directa, com as redes sociais a serem invadidas com “pessoas pedindo medicamentos e produtos essenciais”. Notícias do New York Times, Daily Mail e The Guardian dão conta de testemunhos que indicam que “cães abandonados têm desaparecido das ruas” e que as pessoas estão a caçar pombos para comer.

O governo diz que muitos dos bens estão a ser levados para a Colômbia, o que levou a que Maduro ordenasse o encerramento parcial da fronteira com o país, em Agosto de 2015. Os bens podem não sair. Mas, assim, também não entram. E as pessoas nem sabem o que se passa.

“Os meios de comunicação não dizem nada, tudo o que se passa no país sabemos pelas redes sociais. A televisão proibiu que se mostre o que se passa e o mundo inteiro sabe melhor do que nós. Sem contar que levam os nossos filhos, que se manifestam pacificamente, presos e maltratam-nos”, diz-nos Maritza.

Saúde malparada

“A morte de bebés é o pão nosso de cada dia.” É assim que Osleidy Canejo, médico no Hospital de Caracas, descreve a situação vivida nos estabelecimentos de saúde do país.

Hugo Chavez, antecessor de Maduro, dizia muitas vezes no seu discurso que “não há água, nem luz, mas há pátria”. Mas a pátria está a precisar de electricidade. Ao New York Times, médicos explicam que as mortes de recém-nascidos acontecem logo pela manhã – só num dia há testemunhos de sete bebés que morreram por falta de electricidade que alimente os ventiladores.

“Alguns são mantidos vivos à mão, com médicos a bombearam ar durante horas para os manter a respirar”, refere o jornal.

344F903E00000578-0-image-a-20_1463533320283Maritza diz-nos que não há medicamentos, pílulas anti-concepcionais, anti-alérgicos. Não há medicamentos para os doentes de SIDA, cancro ou para aqueles em diálise.

“As pessoas ricas vão buscar a sua medicação à Colômbia. Quando entramos aqui numa farmácia as prateleiras estão vazias, para não mencionar que não existem medicamentos para crianças.”

Fotogalerias dão conta de métodos de desenrasque – dois homens que foram alvo de cirurgias nas pernas têm os membros elevados com recurso a duas garrafas de água cheias que contrabalançam o peso – e de agonia. “Homem sem metade do crânio há mais de um ano ainda espera tratamento pós-cirurgia”, pode ler-se na legenda.

O Canada Times fala de um depoimento de um médico que confessa que os instrumentos utilizados em operações cirúrgicas são “esterilizados” e “reutilizados até não darem mais”, porque deitá-los fora está fora de questão. Mas, para Maduro, a dúvida é só uma: “que algures no mundo, além de Cuba, o sistema de saúde seja melhor que na Venezuela”.

Bombas prestes a explodir

Em declarações aos média, os venezuelanos identificam-se como “bombas prestes a explodir”. Maritza Margarido fala de um país sem lei, onde “se pode matar e nada acontece”.

Um estado fome, onde o que se passa “não é terrorismo”, mas quase, como refere Eliana Calderón. Raptos e mortes nas ruas são uma realidade, como nos relata relembrando uma visita que tentou fazer à sua cidade, Mérida, há um ano e meio. Uma cidade tranquila, mas, agora, isolada.

“Chego ao aeroporto e temo poder ser assaltada. Podemos ser marcados por causa do carro onde vamos, podemos ter armas apontadas. Isto não é vida e não é fácil de aceitar para um sítio que era tranquilo.”

Um carro incendiado na rua onde vive Maritza
Um carro incendiado na rua onde vive Maritza
Também Maritza nos diz que “os bandidos são mais poderosos do que as armas da polícia”. Matam por um relógio ou um telefone. Sequestram pessoas e roubam carros para poder pedir resgates e, quando não os conseguem, matam ou atiram à rua os primeiros e incendeiam os segundos. Como Maritza Margarido “infelizmente” sabe bem.

“O meu filho foi sequestrado com a noiva e sua família em Setembro de 2015, num sequestro que aqui se chama de “sequestro relâmpago”. Andaram durante cinco horas num carro com a cabeça enfiada no meio das pernas, foram ameaçados e espancados. Ainda me ligaram a pedir resgate mas depois acabaram por ter a sorte de ser libertados num bairro perigoso de Caracas. Vivemos isto e este receio todos os dias. Tiveram sorte em não ser mortos, o que acontece muito”, diz-nos. Um “terror”, como classifica Eliana Calderón.

[quote_box_left]Coca-cola? Zero. A bebida mais famosa do mundo parou de ser produzida no país, porque não há açúcar[/quote_box_left]

Um governo inactivo e os seguidores que ainda acreditam

Para Eliana Calderón não há dúvidas que a mudança na Venezuela só poderá acontecer com “um novo governo” e “com ajuda militar”. A venezuelana radicada em Macau diz que esta é a única solução que vê, mas notícias sobre o que se passa no país mostram que os militares parecem também ser a solução de Nicolás Maduro. É que o presidente da Venezuela acredita que o país pode vir a ser invadido por forças exteriores, ainda que não haja evidências – ou ameaças – de que tal virá a acontecer.

“Naquilo que foram descritos como os maiores exercícios militares alguma vez vistos em solo venezuelano, no fim-de-semana passado, o presidente declarou orgulhosamente que mais de 500 mil tropas das forças armadas e milícias civis leais ao Governo participaram na ‘Operação Independência 2016’”, indica uma notícia desta semana da BBC.
“Nunca estivemos mais preparados do que isto”, disse Maduro, acompanhado pelo General Vladimir Padrino Lopez, Ministro da Defesa, que disse haver “aviões espiões dos EUA” a violar o espaço aéreo venezuelano por duas vezes este mês.

Desde o colapso económico do país que Maduro pouco fala da crise. O responsável dedicou muito do seu tempo a elogiar os pontos fortes da Venezuela – por exemplo por esta “ser” a maior potência ao nível do petróleo, ainda que o preço do barril tenha descido a pique – e a acusar outros países de se meterem na sua política.

Comida por votos

Segundo a agência Associated Press, é verdade que há países a meterem-se na política da Venezuela. São eles o Brasil e a Argentina, ainda que estes se digam apenas preparados para servir de “mediadores para uma possível reconciliação”.

A imprensa internacional, e alguns venezuelanos, criticam a inacção do governo de Maduro face à crise que se vive, tido como sendo o único “a não perceber a urgência” de fazer algo.

A declaração de “estado de emergência” saiu da boca de Maduro, mas apenas face ao golpe que este se diz vítima: a oposição recolheu cerca de dois milhões de assinaturas, num país de 30 milhões, para que se faça um referendo para retirar o presidente do poder antes do final do seu mandato em 2019.

Mas a problemática pode ir mais longe, como explica ao HM Eliana Calderón. “Nós venezuelanos é que temos destruído o nosso país, eu incluída que saí de lá, fugi”, começa por dizer, admitindo que se sente culpada mas que pensou primeiro na segurança do filho e na sua própria. “Mas o grande problema é que os venezuelanos sofreram lavagem cerebral, primeiro com o chavismo, depois com o madurismo. Uma lavagem cerebral muito grande”, diz-nos. “É verídico, é incrível como as pessoas são fracas, há cultos de seguidores [dos líderes].”

Nem a morte de Chavez há três anos fez terminar essa “lavagem”. O motivo? “Quando se dá comida grátis em vez de se trabalhar, sem ser preciso lutar, os seguidores querem mais, ficam à espera”, indica Calderón. A votação em Maduro é tida como um desses casos, onde comida foi distribuída em troca de votos, ainda que tenha havido manifestações contra o seu governo.

Beco com saída?

Com nacionalidade portuguesa, Maritza Margarido tem a “sorte” de ter um “plano B que a maioria não tem”, que é mudar-se para Portugal. Ainda assim, mantém-se no país. Tanto Maritza, como Marisol Arroz da Silva, nascida na Venezuela mas a morar em Macau, respondem à pergunta que parece ser óbvia – porque é que quem lá vive não foge – da mesma forma.

“Muitos já foram. Eu tenho uma filha de 28 anos que vive no Panamá há um ano, eu ainda estou aqui porque tenho o meu filho de 24 anos. No meu caso já conversei com ele e estamos organizar tudo para sair, mas não é possível explicar o quão difícil é deixar para trás uma vida [inteira], a sua história, a sua casa, as suas memórias, os seus hábitos”, confessa Maritza ao HM. “É uma situação complicada, a riqueza de uma vida e a família está lá”, indica-nos Marisol.

(com Sofia Mota)

26 Mai 2016

Um preço barato

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]erante a chegada de milhares de pessoas às praias europeias, torna-se óbvio perguntar qual a responsabilidade do Velho Continente em relação a esta calamitosa situação. Bem vistas as coisas, temos de distinguir dois tipos de migrantes: os que vêm de África, por não encontrarem meio de subsistência na sua terra natal; e os que vêm da Síria por causa da guerra. São situações muito diferentes, como diferentes são as pessoas que constituem os dois grupos.

Comecemos pelo primeiro. Durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, a Europa colonizou África e dividiu o continente como muito bem entendeu, criando nações onde existiam tribos, quando muito esparsos reinos. Obviamente que os recursos naturais foram explorados ao máximo e as formas tradicionais de produção basicamente destruídas, como mostra o livro de René Dumont, “Em defesa de África, acuso”, um clássico dos anos 70, pretensamente esquecido pelos neo-colonialistas, amigados com os regimes ditatoriais. O autor demonstra como a fome, a miséria e o caos foram produtos da presença europeia, na medida em que foram completamente aniquiladas as formas tradicionais de poder e redireccionadas as economias.

Hoje aquela gente não aguenta mais e na internet, na televisão, tem imagens de uma outra vida. Darão tudo por ela. Vêm-nos bater à porta. É natural. A nossa riqueza foi edificada sobre a sua miséria.

No caso sírio, todos se lembram (espero) que a Europa de Hollande e Merkel foram os grandes incitadores das revoltas anti-Assad. Juntamente com a CIA, claro. Aramaram sem critério os ditos grupos rebeldes que, afinal, mais não eram que islamitas de vários países. Encostaram-se a uma pretensa oposição síria no exílio que, afinal, tinha o mesmo valor que a oposição no exílio do Iraque, gozada e desprezada por todos os iraquianos.

Se a Europa fomentou e continua a fomentar a guerra na Síria, é natural que assuma o seu fluxo de refugiados. É mesmo elementar, meu caro Hollande, um homem com sangue de inocentes nas mãos, tomado de histeria no início da pretensa revolta árabe.

A História é reversível. A Europa tem um preço a pagar pelas suas acções e pelos lucros que delas resultaram. Receber refugiados, tratá-los com humanidade e bom senso será o mais barato deles todos.

4 Set 2015

PM | Metas vão ser cumpridas apesar da crise bolsista

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, afirmou estar confiante de que a segunda economia mundial vai cumprir as metas que o Governo fixou para este ano, apesar de reconhecer o impacto da crise bolsista, informaram ontem os ‘media’.
“A China tem confiança para alcançar os seus principais objectivos de desenvolvimento para este ano sob adequadas medidas de reforma para estabilizar e reestruturar a economia”, afirmou Li Keqiang, em declarações reproduzidas hoje pelo jornal oficial China Daily.
As palavras do primeiro-ministro chinês chegam numa altura em que a crise bolsista obrigou o banco central a intervir, esta terça-feira, nomeadamente com um corte nas taxas de juro para acalmar os mercados.Li Keqiang
Li Keqiang reconheceu que a economia chinesa se tem visto afectada pela turbulência nos mercados globais, mas defendeu que os seus pilares se mantêm “estáveis” e que o gigante asiático vai manter um ritmo de crescimento “razoável”.
“Ainda temos margem para aplicar mais políticas macroeconómicas e a China tem um mercado interno enorme”, recordou.

Pelos ajustes

Li Keqiang também defendeu as recentes desvalorizações do yuan – adoptadas este mês pelo banco central chinês – que se fizeram acompanhar de uma reforma no sistema cambial, ao garantir que depois dessas “melhorias” a taxa de câmbio da moeda chinesa se ajusta mais em relação ao seu valor de mercado.
Após esta correcção, acrescentou, não há base para uma contínua depreciação do yuan.
“Esse ajustamento também foi realizado como parte dos esforços reformistas que a China está a levar a cabo”, assinalou, insistindo que as depreciações foram consequência do desenvolvimento dos mercados financeiros internacionais.
A segunda economia mundial manteve um crescimento de 7% no segundo trimestre de 2015, excedendo várias previsões internacionais, e confirmando a “nova normalidade” defendida pelo governo chinês.
Aquele valor (7%), que coincide com a meta apontada pelo governo chinês, excede também a previsão do Fundo Monetário Internacional acerca do crescimento económico da China em 2015 (6,8%).
Comparando com igual período do ano anterior, o crescimento da economia chinesa no primeiro semestre de 2015 abrandou 0,4 pontos percentuais.
Se aquele valor (7%) se mantiver ao longo do ano, será o mais baixo do último quarto de século.
Na última década, a economia chinesa cresceu em média 9,9% ao ano e em 2010 tornou-se a segunda maior do mundo, à frente do Japão e da Alemanha.

27 Ago 2015

Grécia: o fracasso europeu

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]epois de semanas de intensas negociações o diálogo Grécia-Eurogrupo à volta da dívida grega fracassou. De várias proveniências choveram acusações de responsabilidade pelo insucesso. Formaram-se, entretanto, dois blocos distintos que cavaram trincheiras e preparam-se paras novas ondas de assalto como se a discussão à volta do incumprimento de uma dívida de um estado soberano fosse uma guerra, com munições, salvas de artilharia, ataques aéreos e congeminações com aliados de ocasião. Quer uns quer outros estão errados pois a crise grega não está delimitada. Sobre ela assenta a saúde do sistema financeiro europeu, a credibilidade da Europa como identidade, a sorte do Eurogrupo e a possibilidade, nas próximas décadas, de um alargamento a sudeste ao espaço da antiga Jugoslávia e à Turquia. É isto que os governos do centro-direita e os seus aliados socialistas não compreenderam.

Vamos por partes. Comecemos pelo bloco anti-Syrisa que condena, em uníssono, a posição da Grécia e a decisão aprovada pelo parlamento de convocação do referendo para dia 5 de Julho. Cruzam-se no arsenal de críticas a Atenas argumentos económicos, políticos e tiros no escuro. Comecemos pelos primeiros. A dívida foi contraída por vários governos gregos e tem de ser liquidada, pois a Grécia assumiu por escrito a responsabilidade de a liquidar, em determinadas tranches e datas. O país depende do financiamento do sistema bancário e este alimenta-se do refinanciamento da banca internacional e em certas condições do Banco Central Europeu. A Grécia – se quiser sobreviver – tem de aceitar a oferta dos credores: o problema grego é económico e nada tem de político. Depois os argumentos políticos. A negociação do Syrisa foi irresponsável, Tsipras é um socialista radical que quer o fim do Eurogrupo e, a prazo, da União Europeia. O referendo grego é inútil. Finalmente, os argumentos de ‘wishful thinking’: a Grécia vai ser forçada a sair do Eurogrupo. A Grécia não tem mais trunfos, vai ajoelhar.

Passemos ao bloco pró-Syrisa que apoia, com algumas nuances, a posição e estratégia de Tsipras. Os argumentos económicos, a começar: a proposta grega foi legítima e razoável; representa uma evolução séria desde o começo das negociações. Não é sustentável uma política de austeridade que penalize os estratos mais débeis da população como a evolução do caso grego demonstra. Depois os políticos: um país não pode ser obrigado a pagar uma dívida em condições que não pode suportar. A negociação foi conduzida de forma construtiva e Tsipras negociou com pragmatismo. A Europa é que perde com a saída da Grécia do Eurogrupo. Finalmente os argumentos de ‘wishful thinking’: a Grécia não está nas mãos dos credores e há fontes de financiamento alternativas (China, Rússia, no limite os Estados Unidos, parceiro na NATO). A Grécia pode encarar a saída do Eurogrupo sem problemas de maior desde que tenha a confiança do povo grego. O referendo de domingo irá reforçar a legitimidade do Syrisa.

A política europeia, como a política internacional, não é um jogo de soma nula, em que uns ganham e outros perdem. É normalmente um jogo em que alguns perdem alguma coisa e outros ganham alguma coisa. Tem sido, assim, desde a criação das Comunidades Europeias, passando pela fundação da União, os sucessivos alargamentos e a Convenção sobre o Futuro da Europa. Por uma razão intuitiva, embora esquecida muitas vezes: a União Europeia é uma construção de interesses contraditórios mas não é uma inevitabilidade, uma realidade sine qua non. Quer dizer, no momento em que os países que formaram a União não a quiserem, os estados-membros regressam ao estado anterior à confederação. Com custos significativos mas não constituindo uma impossibilidade. Apenas não aconteceu até agora.

[quote_box_left]A Europa não precisa de arautos da desgraça. Precisa de líderes realistas que ajudem a construir uma solução plausível que compatibilize as obrigações financeiras tomadas pelas Estados e a salvaguarda da sua dignidade e condições de sobrevivência[/quote_box_left]

A dívida grega é de 315 mil milhões de euros, o que corresponde a 176% do PIB, o que quer dizer que a dívida é uma vez e meia o que o país produz num ano e esse valor tende a agravar-se com os encargos da dívida (4.3% do PIB). A situação é insustentável no médio prazo – nenhum país conseguiu estar muito tempo numa situação de endividamento crónico, porque o funcionamento da economia exige financiamento e este advém dos bancos, refinanciados pelo sistema bancário internacional. Ninguém empresta dinheiro se não tiver uma probabilidade razoável de o reaver, num curto espaço de tempo. A Grécia não é contudo o único país devedor da coalizão Comissão Europeia-FMI- Banco Central Europeu. Portugal tem uma dívida de 215 mil milhões de euros, o que equivale a 131.4% do PIB. A Itália tem uma dívida correspondente a 132%. Também a França com 93.6% e a Alemanha com 74% dos respectivos PIB têm dívidas nacionais significativas.

Dia 30 de Junho venceu-se o programa de assistência de emergência já que a Grécia deveria ter entregue 1600 milhões de euros ao FMI, entrando, assim, em ‘default’, isto é, em mora de cumprimento. Nessa data venceu-se, também, o resgate da União Europeia quanto ao empréstimo concedido. A única possibilidade de ser desbloqueada uma nova injecção de 7200 milhões de euros, indispensável à economia grega, era ter sido aceite a proposta final do Eurogrupo que exige compromissos no corte das pensões, o congelamento do salário mínimo, a subida do IVA, a eliminação da sobretaxa sobre as empresas (e grandes fortunas) proposta pelo governo grego, o corte das despesas militares. Com a suspensão das negociações com o Eurogrupo e os países (credores individuais) a situação ficou num ‘stand still’, num impasse. Na verdade, o sistema financeiro não tem mecanismo para executar um país por dívidas acumuladas – não existe a hipoteca de países. Mas tem uma arma letal importante: o torniquete do financiamento. Naturalmente, num dado tempo os países nessa situação podem emitir moeda para financiar a sua economia. Mas no sistema monetário europeu esse poder está atribuído, em exclusividade ao Banco Central Europeu, que já disse que não coopera.

O que coloca a Grécia numa encruzilha de três caminhos. Primeiro caminho: regressar à mesa de negociações se o povo grego por exemplo disser ‘não’ à posição do governo do Syrisa de recusar o acordo proposto pelo Eurogrupo. Segundo caminho: obter financiamento de urgência por parte de terceiros, se o referendo lhe for favorável. É o caso da China que já se ofereceu para ajudar o país mas não disse ‘quanto’ e em que condições. Ocupando já uma posição proeminente no porto do Pireu por via da COSCO, a empresa estatal, a China pode subir a parada, disponibilizando o referido valor de 7200 milhões de euros em troca do reforço da posição accionista no porto. O porto dar-lhe-ia o acesso ao norte do Mediterrâneo e ao estratégico canal do Suez; a partir daí ‘atacaria’ o mercado europeu. Terceiro caminho: sair do Eurogrupo, voltar a cunhar dracmas e condicionar todas as decisões europeias que a nível do Conselho Europeu exijam a unanimidade dos 28 estados-membros (e que são o essencial de política externa e da governabilidade económica da União). Esta é uma verdadeira bomba atómica, pois paralisaria o funcionamento da União Europeia e empurraria a Grécia para fora da NATO. Mas essa saída nunca será permitida pelos Estados Unidos para quem a Grécia é indispensável na insegura fronteira do sudeste da Aliança Atlântica perante a ameaça da Rússia e a irresolução estratégica da Turquia. Ficam assim as duas primeiras opções.

Quer dizer de repente uma questão económica transformou-se num resfriado estratégico para o Ocidente e a aliança Estados Unidos-Europa. As próximas semanas serão decisivas para a Grécia mas também para a União Económica e Monetária. A Europa não precisa de arautos da desgraça. Precisa de líderes realistas que ajudem a construir uma solução plausível que compatibilize as obrigações financeiras tomadas pelas Estados e a salvaguarda da sua dignidade e condições de sobrevivência. Talvez seja esse o papel reservado à Alemanha.

30 Jun 2015

A vergonha acabou

bancos[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão aceitar que a dívida soberana dos Estado é, antes de mais, uma dívida dos bancos privados, que esses mesmos estados tiveram de resgatar, é querer tapar o sol com a peneira. E, de facto, é isso mesmo que a propaganda oficial europeia anda a fazer há muito tempo, estribada na imprensa neo-liberal, ela própria nas mãos de interesses financeiros: tentar atribuir as culpas da crise às pessoas, ao facto de terem gasto acima das suas possibilidades, quando é o sistema financeiro o principal responsável pelo estado atroz do sítio.

As falácias são muitas. O desejo dos senhores do Eurogrupo e do FMI seria manter alguns povos europeus na situação de eternos devedores, ou seja, fazer de tal modo que as crianças nascidas em 2050 ainda estariam vinculadas a pagar esta dívida que é, nas condições exigidas pelas troikas, impagável. Quem pode aceitar este tipo de situação, para além dos nossos Passos Coelhos e Marias Luís? Quem pode vender o país aos pedaços, prescindir das pescas, da agricultura, da indústria e, sobretudo, de empresas públicas lucrativas? Ninguém com espinha vertebral e o mínimo de amor ao seu povo e aos seu país.

A questão hoje coloca-se, afinal, em saber quem manda na Europa: a economia ou a política? Manter a Grécia no Euro e na UE seria claramente uma decisão política, que faria com que os gregos não necessitassem de aproximações demasiado perigosas à Rússia de Putin ou mesmo à China. Levar a Grécia até à porta e aos repelões só pode ser uma decisão que não tem em conta os interesses geo-estratégicos, portanto derivada de quem unicamente equaciona o lucro como valor. O preço poderá ser no futuro muito mais alto.

Mas, quando olhamos para as notícias, é-nos realmente difícil vislumbrar políticos, homens de causas, de paixões, de ideais. Vemos uns serventes do sistema financeiro, encolhidos nos seus fatos, a seguir atentivamente as boutades da senhora Lagarde ou do senhor Schaulbe. Não surge ninguém com a autoridade e a força moral capazes de libertar a Europa do espartilho bancário, desta sangria de gente, desta desonra inaceitável.

Sem política, a Europa torna-se num mero mecanismo de favorecimentos financeiros, como o Tratado de Lisboa (artigo 123) plenamente demonstra. O que mais me admira é os seus mentores darem palmadas nas costas uns dos outros, como Sócrates e Barroso, sem nunca demonstrarem um pingo de vergonha. Esta, ao que parece, acabou.

29 Jun 2015

Há uma noite sobre nós

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á uma noite que se abateu sobre Portugal. Um tempo escuro, baço e sem sombras, do género que limita os homens e faz temer as mulheres. As avenidas prolongam-se e parecem sem saída. Ao longe, ao que parece na Grécia, ruge uma inclemente tempestade.

Nem sempre a noite é alcova de visões. Por vezes, não passa de uma sucessão de pesadelos, de cavalgadas infernais e não se vislumbra uma saída, um oásis, um mero repouso que não sejam as mentiras dos políticos.

Antes a noite dos que ousam proclamar, imprecar, invectivar as iniquidades, a noite dos que no negro profundo das noites ainda sonham sonhar um país sem pátrias, uma sociedade sem amos, um planeta sem deuses nem os seus ciúmes.

[quote_box_left]Nem sempre a noite é alcova de visões. Por vezes, não passa de uma sucessão de pesadelos, de cavalgadas infernais e não se vislumbra uma saída, um oásis, um mero repouso que não sejam as mentiras dos políticos.[/quote_box_left]

É fácil sonhar Portugal, atribuir-lhe características, destinos, trejeitos, salvações. E é fácil porque ele já não passa de uma ideia, de um belo constructo, de um “ir” aéreo, veloz, fazedor.

Há partir e há sair. Há fugir, também. Como há rir e refulgir e todos acabam em “ir”. Porque há que ir, há que ser ar e por vezes vento, o elemento veloz, global, o da presença total, a levar sementes e pólenes vários pelas várias esferas.

Ser português é ser da ideia, a que dizem ser plebeia: a de Camões, de um povo não de um herói. Povo repartido por partidas pregadas pelo mundo. Viemos de livre vontade? Eu nunca fui cobarde e não soçobrarei — assim se manifesta a grei.

Há uma noite sobre nós. É espessa e difícil de enxotar. Somos filhos de uma alcateia expulsa daquela serra. Houve por lá um incêndio. Ainda arde. Os sinos repicam mas acolhem o chamamento. Repara-se agora não haver ninguém realmente capaz de o apagar.

10 Jun 2015